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CENTRO UNIVERSITRIO MOURA LACERDA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO MESTRADO

A HISTRIA DA AVALIAO NO ESTADO DE SO PAULO SOB A TICA DA LEGISLAO: DA 1 LEI DE DIRETRIZES E BASES (1961) PROGRESSO CONTINUADA (1998)

DULCE HELENA MOREIRA TEIXEIRA

RIBEIRO PRETO 2007

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DULCE HELENA MOREIRA TEIXEIRA

A HISTRIA DA AVALIAO NO ESTADO DE SO PAULO SOB A TICA DA LEGISLAO: DA 1 LEI DE DIRETRIZES E BASES (1961) PROGRESSO CONTINUADA (1998)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Educao do Centro Universitrio Moura Lacerda de Ribeiro Preto, SP, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao. rea de Concentrao: Educao Escolar Linha de Pesquisa: Currculo, Cultura e Prticas Escolares Orientadora: Prof Dr Alessandra David Moreira da Costa

Ribeiro Preto 2007

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DULCE HELENA MOREIRA TEIXEIRA

A HISTRIA DA AVALIAO NO ESTADO DE SO PAULO SOB A TICA DA LEGISLAO: DA 1 LEI DE DIRETRIZES E BASES (1961) PROGRESSO CONTINUADA (1998)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Educao do Centro Universitrio Moura Lacerda de Ribeiro Preto, SP, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao. rea de Concentrao: Educao Escolar Linha de Pesquisa: Currculo, Cultura e Prticas Escolares

Comisso Julgadora

Orientadora Dr Alessandra David Moreira da Costa (CUML): _________________________ 2 examinadora Dr Gisela do Carmo Lourencetti (ITES Araraquara)____________________ 3 examinadora Dr Maria Cristina da Silveira G. Fernandes (CUML): ____________________

Ribeiro Preto, 16 de agosto de 2007

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minha famlia, especialmente minha me e minha irm.

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AGRADECIMENTOS

minha orientadora, Prof Dr Alessandra David Moreira da Costa, pelo cuidadoso e competente trabalho, ateno e apoio nas horas mais difceis; Prof Dr Gisela do Carmo Lourencetti, pelas contribuies valiosas ao trabalho; Aos Professores do Centro Universitrio Moura Lacerda, especialmente Prof Dr Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes, pela competncia ao ensinar e gentileza para acolher seus alunos; Aos colegas da turma de 2005, especialmente Roseli, Micael, Jos Ildon, Maria Teresa e Luciana, pelo convvio e possibilidade de aprendizagem a cada momento vivido; Maria Thereza C. Cardoso, pelo companheirismo, apoio e pelos ensinamentos na rea de informtica; A todos os funcionrios da biblioteca do Centro Universitrio Moura Lacerda, especialmente Gina e Wilma, pela ateno dispensada; Aos participantes do Grupo de Estudos Currculo, Histria e Poder, pela possibilidade de descobertas, incentivo, reflexes e companheirismo; Secretaria de Estado da Educao de So Paulo que, atravs da Bolsa Mestrado, possibilitou o apoio financeiro para que eu pudesse retornar aos estudos; s colegas de profisso que compartilharam das minhas alegrias, surpresas e dificuldades durante a execuo deste trabalho, especialmente Edinilza, Marilena, Mnica, Edilaine, Elizabeth, Adriana, Jurema, Beatriz, Regina, Ana Lcia e Vnia; minha famlia: meus pais Altino e Ansia, aos meus irmos Dulcelina, Joaquim e Altino, aos meus cunhados Silvana e Anderson, aos meus sobrinhos Octvio e Hugo e s minhas tias Aparecida e Maria pela pacincia, auxlio nos momentos difceis e por compartilharem de minhas alegrias.

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TEIXEIRA, Dulce Helena Moreira. A histria da avaliao no estado de So Paulo sob a tica da legislao: da 1 lei de diretrizes e bases (1961) progresso continuada (1998). Ribeiro Preto, SP: CUML, 2007. 149 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Centro Universitrio Moura Lacerda. RESUMO So muitas as antteses que permeiam o mbito escolar: na legislao e na prtica da sala de aula. Progresso continuada ou promoo automtica, srie ou ciclos, avaliao classificatria ou diagnstica, escola seletiva ou inclusiva? Para responder a essas indagaes investigou-se a histria da avaliao que se tornou um dos pilares da progresso continuada e est sendo utilizada com parmetro de mensurao da qualidade da educao, principalmente a partir da dcada de 1990. Ao analisar a avaliao, por meio da histria da educao, buscou-se compreender o contexto scio-econmico, poltico e educacional do Brasil e, em especial do estado de So Paulo, no perodo de 1961 at 1998, que corresponde promulgao da primeira LDB (Lei n 4.024/61) at a nova LDB (Lei n 9.394/96) chegando implantao da progresso continuada no estado de So Paulo em 1998. A metodologia utilizada apoiou-se na pesquisa documental e bibliogrfica para que os objetivos fossem atingidos: refletir sobre as diretrizes avaliativas presentes nas legislaes federais e estaduais desde 1961, especialmente na nova LDB, e como estas foram incorporadas, aplicadas e transmitidas pela Secretaria de Estado da Educao no estado de So Paulo aos seus profissionais da educao. Ao analisar a avaliao fez-se necessrio o estudo do currculo, uma vez que a avaliao a este se congrega como parte do processo pedaggico, com destaque para o currculo prescrito e o currculo avaliado. Os resultados obtidos, atravs da pesquisa, demonstram que a escola pblica paulista tem sofrido muitas mudanas, principalmente a partir da dcada de 1990. No entanto, apesar da implantao dos ciclos e da progresso continuada provocarem a diminuio das taxas de reprovao e de evaso, surge um novo tipo de excluso dos alunos no interior da escola por no terem aprendizagem adequada, alm da ausncia dos professores na elaborao das polticas pblicas. Palavras-chave: Avaliao; Progresso Continuada no estado de So Paulo; Histria da Educao Brasileira; Currculo.

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TEIXEIRA, Dulce Helena Moreira. A histria da avaliao no estado de So Paulo sob a tica da legislao: da 1 lei de diretrizes e bases (1961) progresso continuada (1998). Ribeiro Preto, SP: CUML, 2007. 149 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Centro Universitrio Moura Lacerda. ABSTRACT There are many antitheses that permeate the school ambit: in the legislation and classroom practice. Continued evaluation or automatic promotion, grades or cycles, classificatory evaluation or diagnostic, selective schools or schools with inclusion programs? To answer these indagations the history of evaluation was investigated, which has become on of the pillars in continued evaluation and is being used as a parameter to measure the quality in education, principally since the 1990s. When evaluation was analyzed, through the history of education, it was with the intention of understanding the social-economic, political and educational context in Brazil, especially in the state of So Paulo, between 1961 and 1998. This period corresponds to the promulgation of the first National Education Bases and Guidelines Law (LDB law 4.024/61) up to the new National Education Bases and Guidelines Law (LDB law 9.393/96), including the implementation of continued evaluation in the state of So Paulo State in 1998. The methodology used is supported by documental research and bibliographic so that the objectives were achieved: to reflect about the evaluation guidelines present in the federal and state legislations since 1961, specially in the new National Education Bases and Guidelines Law (LDB law 9.393/96), and how they were incorporated, applied and transmitted by the State Office of the Secretary of Education in So Paulo to their professionals in education. While evaluation was being analyzed it became necessary to study the curriculum, since evaluation is inferred as part of the pedagogical process, pointing out the prescribed curriculum and the evaluated curriculum. The results obtained in this research show that the public school system in the state of So Paulo has been through many changes, principally since the 1990s. However, the implementation of the cycles and automatic promotion has reduced the numbers concerning failure and evasion. Hence a new kind of exclusion has emerged, the exclusion of the students attending schools in the countryside who are not offered adequate learning, besides the lack of teachers participation in elaborating public policies. Key words: Evaluation; Continued Evaluation in the state of So Paulo, Brazilian History of Education; Curriculum.

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LISTA DE QUADRO E TABELAS

Quadro 1 Legislao referente avaliao ................................................................................82 Tabela 1 Nmero de aprovados no Ensino Fundamental da rede estadual de So Paulo 1975 -1990...............................................................................................................................................86 Tabela 2 Taxas de reprovao no estado de So Paulo de 1990 at 2001..................................95 Tabela 3 Taxas de evaso no estado de So Paulo de 1990 at 2001.........................................96 Tabela 4 Taxas de defasagem idade/srie no estado de So Paulo -1998 e 2002.......................97 Tabela 5 Aprovao e abandono na rede estadual de So Paulo Ensino Fundamental - 5 a 8 sries.............................................................................................................................................127

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SUMRIO RESUMO........................................................................................................................................5 ABSTRACT....................................................................................................................................6 1. INTRODUO ..........................................................................................................................8 2. O CONTEXTO SCIO-ECONMICO, POLTICO E HISTRICO BRASILEIRO E A EDUCAO (1961 a 1998)..........................................................................................................22 2.1. Demarcando o tempo histrico: a periodizao.....................................................................22 2.2. O Brasil de 1961 at 1998......................................................................................................23 2.3. As polticas educacionais no estado de So Paulo nos anos de 1961 a 1998..........................39 3. O CURRCULO E A AVALIAO.......................................................................................49 3.1. As teorias de currculo e suas definies...............................................................................49 3.2. O currculo segundo Gimeno Sacristn e Perez Gmez........................................................55 3.3. O currculo prescrito..............................................................................................................58 3.4. O currculo avaliado...............................................................................................................68 4. A AVALIAO MEDIANTE AS MUDANAS INTERNAS NO SISTEMA EDUCACIONAL..........................................................................................................................74 4.1. Analisando o perodo de 1961 at 1998: a legislao e o contexto histrico.........................74 4.2. Analisando a avaliao atravs da legislao.........................................................................80 4.3. A nova LDB e o seu sentido de avaliao..............................................................................88 4.4. O fracasso escolar e a avaliao.............................................................................................99 5. PROGRESSO CONTINUADA OU PROMOO AUTOMTICA?...............................105 5.1. As discusses sobre ciclos no Brasil.....................................................................................105 5.2. A promoo automtica na dcada de 1950.........................................................................109 5.3 A progresso continuada na dcada de 1990..........................................................................114

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5.4. Retomando e comparando as dcadas de 1950 e 1990........................................................121 6. CONSIDERAES FINAIS...................................................................................................132 REFERNCIAS...........................................................................................................................140

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1. Introduo

De tudo sobraram trs coisas: A certeza de que estamos sempre comeando... A certeza de que precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar... Portanto, devemos: Fazer da interrupo um caminho novo... Da queda, um passo de dana... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro... Fernando Pessoa, Certeza

H duas dcadas sou professora de Histria no ensino bsico, no ciclo II, na rede pblica estadual de So Paulo, ou seja, leciono no ensino fundamental (outrora 5 a 8 sries) e no ensino mdio (outrora denominado Colegial). Durante esse tempo (1987/2007) houve muitas mudanas implementadas pelas polticas pblicas em relao avaliao, segundo orientao dos governadores eleitos nesse perodo: Orestes Qurcia (15/03/1987 a 15/03/1991), Luiz Antnio Fleury Filho (15/03/1991 a 01/01/1995), Mrio Covas Jnior (01/01/1995 a 10/01/1999 e 10/01/1999 a 06/03/2001) e, finalmente, Geraldo Jos Rodrigues Alckmin Filho (06/03/2001 a 31/12/2002 e 01/01/2003 a 30/03/2006) e, a partir de 2007, Jos Serra. Entre as mudanas recentes ocorridas, podemos ressaltar a implantao da progresso continuada nas escolas estaduais de So Paulo, que ocorreu no ano de 1998, colocando em destaque a avaliao como um dos seus pilares. Desde o incio de minha atuao profissional, a avaliao me provocou questionamentos, o que tambm me instigou a buscar a compreenso de sua relevncia nas prticas escolares. Mas quando foi implantada a progresso continuada, as inquietaes se intensificaram, pois a Secretaria de Estado da Educao (SEE/SP)1 propunha uma nova forma para lidar com problemas bem antigos, a reprovao e a evaso escolar. Uma nova concepo de avaliao e organizao escolar tambm foi proposta para o ensino fundamental1

Em todo o trabalho ser utilizada a sigla SEE/SP com o significado de Secretaria de Estado da Educao de So Paulo.

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que passou a ser dividido em dois ciclos: Ciclo I (envolvendo as antigas 1, 2, 3 e 4 sries do 1 grau) e o Ciclo II (envolvendo as antigas 5, 6, 7 e 8 sries do 1 grau) havendo possibilidade de reteno apenas no final de cada ciclo ou se o aluno no tivesse freqncia igual ou superior a 75% do total das horas letivas. A progresso continuada limitou a reprovao e tambm o controle e poder dos professores sobre os alunos, alm de ter sido implantada a partir de decises do Conselho Estadual de Educao (CEE) e SEE/SP, sob a orientao da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n 9.394/96) sem qualquer participao dos professores, o que no favoreceu um envolvimento destes com as mudanas das quais no foram co-participantes, mas sim, meros coadjuvantes. Este fato provocaria uma rejeio a essas transformaes, poisSob a fora das reformas estabelecidas a cada ano (ou semestre), professores, alunos e pais foram sendo impactados por novas diretrizes que significavam alteraes decisivas nas atividades escolares. E, a cada ano, a desqualificao dos professores e escolas tem sido a conseqncia mais imediata ou explcita so eles que no sabem trabalhar, eles so discriminadores ou seletivos...No raro se afirma que so eles que, por incompetncia ou omisso, tm impedido que as reformas produzam as transformaes projetadas... (DIAS-DA-SILVA & LOURENCETTI, 2002, p.23, grifos das autoras).

Um dos motivos da rejeio dos professores, portanto, explicado por estes se sentirem excludos dos processos de mudana, j que so encarados como executores das reformas educacionais quando no rus quando a eles atribudo o fracasso das medidas reformadoras (DIAS-DA-SILVA & LOURENCETTI, 2002, p.23). Aliada a todas as expectativas que seriam esperadas dos professores, em especial a mudana de postura quanto avaliao e aos procedimentos metodolgicos, estaria tambm a avaliao de seu trabalho atravs do Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar de So Paulo (Saresp)2 iniciado a partir de 1996, segundo informaes da SEE/SP atravs do documento Educao Paulista: corrigindo rumos - o que j mudou na escola pblica paulista (SO PAULO, 1997, p.40-41). Impulsionada pelas mudanas recentes ocorridas no estado de So Paulo, interessou-me analis-las tendo como foco a avaliao no ensino fundamental.

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Saresp: Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar de So Paulo. Esta sigla ser utilizada em todo o trabalho.

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Depois de quase uma dcada da implantao da progresso continuada, muitas inquietaes permanecem e pedem a compreenso do contexto que propiciou a sua criao e as polticas pblicas que a articularam. A implementao das polticas pblicas nesse perodo esteve sob orientao de dois partidos polticos: o PMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro) e o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Os dois representantes do PMDB foram Orestes Qurcia e Luiz Antnio Fleury Filho e do PSDB, Mrio Covas Jr, Geraldo Jos Rodrigues Alckmin Filho e Jos Serra. O PMDB sucedeu o MDB (Movimento Democrtico Brasileiro), o nico partido de oposio durante o perodo da ditadura militar (1964/1985). Em 1979 ocorreu a reforma partidria que extinguiu o bipartidarismo representado pela Arena (Aliana Renovadora Nacional), partido de situao e o MDB (Movimento Democrtico Brasileiro), partido de oposio, havendo o surgimento de novos partidos polticos, inclusive o prprio PMDB. No estado de So Paulo, os governadores Orestes Qurcia e Luiz Antonio Fleury Filho estiveram no poder at 1995. A partir de 1995 inicia-se um novo governo no estado de So Paulo que interrompe o ciclo de governo pemedebista. eleito Mrio Covas pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), que iniciou o primeiro mandato em 1995 e o concluiu em 1999. Favorecido pela emenda Constitucional (de 1997) que permitiu uma eleio consecutiva para os ocupantes dos cargos do poder Executivo, Mrio Covas se candidata reeleio em 1998, e se reelege para um segundo mandato, que no concludo em funo de sua morte ocorrida em 06 de maro de 2001, sendo substitudo pelo vice-governador Geraldo Alckmin. Covas governou, portanto, de 1995 a 1999 e de 1999 a 2001 e seu partido, PSDB, elegeu, no mesmo perodo, o Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso (01/01/1995 at 01/01/1999 e 01/01/1999 at 01/01/2003), que ocupou a presidncia da Repblica por dois mandatos. O PSDB foi fundado em junho de 1988 e entre seus fundadores estavam Andr Franco Montoro e Mrio Covas que haviam participado do PMDB. Aps a promulgao da Constituio de 1988 houve uma dissidncia de vrios polticos do PMDB que fundaram um novo partido (o PSDB). Durante essas quase duas dcadas muitas transformaes ocorreram, como constataremos no Captulo 1, que explicam as nossas inquietaes, em especial as relacionadas ampliao do acesso escola (trazendo novos alunos de diferentes segmentos econmicos e

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sociais, o que ocasionou diversos problemas no sistema escolar), municipalizao do ensino (motivo de insegurana quanto estabilidade no emprego) e progresso continuada. Percebendo que seria importante tentar buscar respostas para essas inquietaes alm do meu mundo representado pela escola e a sala de aula resolvi retomar os estudos, atravs do Mestrado em Educao, ampliando a viso para alm dos muros da unidade escolar em que trabalho. Como a avaliao se transformou num dos pilares da progresso continuada, que dividiu o ensino fundamental em dois ciclos (sendo prevista a reprovao somente no final de cada ciclo), e est sendo utilizada como parmetro de mensurao da qualidade da educao (que est presente no discurso das polticas educacionais desde a dcada de 1980), esta se tornou uma temtica que atraiu a minha ateno. Este trabalho justifica-se, portanto, pela relevncia da temtica (a questo da Avaliao) no processo ensino e aprendizagem e tambm por ter se tornado destaque nas polticas pblicas, principalmente na dcada de 1990, com a globalizao e o neoliberalismo (que sero examinados no primeiro captulo do trabalho). Assim, atravs da pesquisa que envolve a histria da avaliao no estado de So Paulo, buscamos o seu entendimento na tentativa de compreend-la. As palavras de Garcia (2003) so relevantes para explicitar a situao que vivencio:O que me parece importante que possamos refletir no espao acadmico sobre qual o lugar da teoria num projeto emancipatrio e como se reaproximar a teoria da prtica e a prtica da teoria, potencializando aqueles e aquelas que vm sendo excludos e impedidos de aprender a dizer a sua prpria palavra de modo que mudem as prprias vidas e comprometam-se num processo de mudana social (GARCIA, 2003, p.33-34).

Ao refletir e buscar as respostas s indagaes/inquietaes, sob a luz de documentos e bibliografia pertinentes questo da avaliao, tenho em mente, como alega Soares (2003, p.89) o compromisso social e a obrigao tica de revelar o conhecimento que ser produzido como fruto da pesquisa aos que, como eu, esto envolvidos na realidade investigada. Como, ao mesmo tempo, sou pesquisadora/professora, penso que devo pesquisar e escrever objetivando a compreenso da realidade, tendo em vista que os colegas de profisso sejam tambm envolvidos nesse entendimento, pois o desconhecimento mantm a todos passivos e excludos das decises relevantes.

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Com esta pesquisa vivenciei, com minha orientadora, pelo menos sete etapas ou momentos de relevante importncia de modo a serem descritos a seguir. Em um primeiro momento, quando a pesquisa teve incio em 2005, ocorreram as discusses preliminares sobre qual deveria ser o tema a ser pesquisado. Aps a deciso quanto ao tema, a partir das inquietaes advindas das mudanas que comecei a vivenciar, enquanto professora de ensino bsico, conclumos que a pesquisa deveria abordar o ensino fundamental, pois iramos analisar a progresso continuada. Decidimos, tambm, que a pesquisa seria documental e bibliogrfica. Delimitando o perodo a ser pesquisado percebemos que este deveria ser de 1961 at 1998, ou seja, analisaramos a avaliao da aprendizagem desde a primeira Lei de Diretrizes e Bases (Lei n 4.024/61) at a implantao da progresso continuada no estado de So Paulo (1998). Esse recorte se explica pelo fato de analisarmos a legislao federal desde a primeira LDB, notando as mudanas ou permanncias quanto avaliao em nosso pas e, em especial no estado de So Paulo, pois partindo da legislao federal poderamos analisar como a legislao estadual a incorporava e era transmitida para os professores da rede estadual de ensino, por meio da SEE/SP. Baseadas em nossas discusses percebemos que essa anlise histrica da avaliao deveria englobar, tambm, o estudo do currculo. Nessa pesquisa foram analisadas as definies de currculo e a sua classificao em: prescrito, apresentado, moldado, em ao, realizado e avaliado, segundo Gimeno Sacristn e Perez Gmez (1998) e Gimeno Sacristn (2000). Foram valorizados, no entanto, apenas o currculo prescrito e o currculo avaliado para a compreenso das determinaes dos rgos oficiais aos professores e como estes se refletem na avaliao da aprendizagem e da avaliao institucional. Chegamos ao segundo momento, ao qual denominamos de primeiras iniciativas, quando ocorreu a determinao do problema de pesquisa e os objetivos para respondermos a ele. Segundo Barros (2005):[...] pode-se dizer que um problema de pesquisa corresponde a uma questo ou dificuldade que est potencialmente inscrita dentro de um tema j delimitado (resolver esta questo ou a uma dificuldade precisamente a finalidade maior da pesquisa).O problema tem geralmente um sentido interrogativo (p.39).

No caso deste trabalho, o problema de pesquisa corresponde a uma questo que se pretende investigar e que est inserida no tema da Avaliao: como o modelo de avaliao,

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proposto nacionalmente pela nova Lei de Diretrizes e Bases, Lei n 9.394/96, foi incorporado pela SEE/SP e transmitido aos professores de sua rede de ensino fundamental? Para responder indagao temos por objetivos, primeiramente, compreender o contexto histrico das propostas sobre avaliao, presentes nas LDBs (Lei n 4.024/ 61 e Lei n 9.394/96) e na Lei Federal n 5.692/71 e confrontar a nova LDB (1996) com as resolues paulistas referentes essa temtica. Alm disso, tambm, analisamos a poltica educacional, com destaque para a avaliao, implantada pela SEE/SP para compreender o modelo de avaliao proposto pela LDB, Lei n 9.394/96, e como este foi incorporado pelo governo paulista ao transmitir as diretrizes para os professores das escolas paulistas, principalmente a partir da progresso continuada. Aps a indicao do problema de pesquisa e dos objetivos a serem alcanados, teve incio o levantamento de documentos e material bibliogrfico pertinentes ao tema, correspondendo ao terceiro momento. Esse levantamento incluiu a pesquisa na unidade escolar em que a pesquisadora trabalha, no interior do estado de So Paulo, assim como em outras escolas na mesma cidade, alm da Diretoria de Ensino (DE). Nas unidades escolares foram encontrados legislao e normas bsicas para a sua implementao, alguns fascculos das sries Idias e Argumento, alm de livros do Programa de Melhoria e Expanso do Ensino Mdio da SEE/SP e Ministrio da Educao e Cultura (MEC) referentes avaliao, currculo, ciclos e progresso continuada. Na DE da mesma cidade, alm de documentos lanados pela SEE/SP, como A Construo da Proposta Pedaggica da Escola: A Escola de Cara Nova (2000), foram encontrados livros tambm doados pelo MEC e pelo governo estadual. Nessa fase tambm foram visitadas bibliotecas tradicionais e digitais na procura por teses de doutorado, dissertaes de mestrado e peridicos da rea de educao. Quanto aos peridicos foram encontrados, do perodo de 2000 at 2005, diversos artigos relacionados ao tema estudado destacando-se as publicaes Revista Brasileira de Educao, Cadernos de Pesquisa, Cadernos Cedes, Educao e Sociedade, Educao e Pesquisa e Ensaio-Avaliao e Polticas Pblicas em Educao. Foram visitados, tambm, os sites do MEC, da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped) - de 2000 at 2006 correspondendo aos textos e trabalhos dos psteres das reunies anuais (da 23 a 29) - e da SEE/SP, especialmente o Centro de Referncia em Educao Mario Covas, para a procura de publicaes disponveis e que dessem suporte discusso a ser realizada.

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Num quarto momento, iniciou-se a leitura do material coletado, sendo que esta propiciou o comeo de uma nova etapa do trabalho, que correspondeu ao incio da escrita. Com o desenvolvimento da escrita estabeleceram-se as orientaes que direcionavam os caminhos a serem percorridos at que, aps vrias retomadas, o trabalho foi encaminhado, primeiramente para a pr-qualificao na disciplina Seminrios de Dissertao e, em seguida para a qualificao para receber as contribuies da banca e, depois os ajustes finais para o seu trmino. Muitas foram as dificuldades a serem enfrentadas para que todas as etapas pudessem ser desenvolvidas sendo que as principais foram o perodo histrico extenso a ser analisado demandando anlise de documentos e de livros de assuntos to complexos quanto a avaliao, currculo, ciclos e progresso continuada; a dificuldade de acesso de alguns referenciais demandou tempo e deslocamento para vrias unidades escolares, alm da visita DE que demonstrou a falta de preservao de materiais importantes que acabam por desaparecer dos acervos e, finalmente, a articulao entre as vrias fontes levantadas na escrita do trabalho. Como o intuito de nossa pesquisa o de analisar como a legislao se refere avaliao e como o modelo proposto pela nova LDB transmitido aos professores das escolas paulistas, relevante refletirmos sobre as administraes estaduais, em especial, a de Mario Covas (1995/1999 e 1999/2001) e de Geraldo Alckmin (2001/2002 e 2003/2006), que adotaram as mudanas propostas pela Lei n 9.394/96. Para solucionar o problema de pesquisa que diz respeito a como o modelo proposto pela Lei de Diretrizes e Bases foi incorporado pela SEE/SP e transmitido aos professores, foram adotados como metodologia de pesquisa, as pesquisas bibliogrfica e documental, que passo a descrever. Utilizando a classificao de Gonsalves (2003), para estabelecer os tipos de pesquisa, so indicados os seguintes critrios: objetivos, procedimento de coleta, fontes de informao e natureza de seus dados. A presente pesquisa , segundo os objetivos, explicativa, pois segundo Gil (1999):[...] so aquelas que tm como preocupao central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrncia dos fenmenos. Este o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razo, o porqu das coisas (p.44).

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De acordo com os procedimentos de coleta e com as fontes de informao, uma pesquisa bibliogrfica e documental. Destaca Gil (1999) que as pesquisas documentais e bibliogrficas so muito semelhantes, s diferindo na natureza das fontes. Diz o autor:Enquanto a pesquisa bibliogrfica se utiliza fundamentalmente das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que no receberam ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa (p.66).

Portanto, esta uma pesquisa documental em que sero analisadas as legislaes nacionais e as resolues paulistas sobre avaliao. Gil (1999) indica ainda vantagens para a utilizao das fontes documentais: possibilita [m] o conhecimento do passado e a investigao dos processos de mudana social e cultural (p.166). No entanto, Lopes e Galvo (2001), alertam que, ao pesquisarmos um documento oficial, no se deve crer que ele contenha toda a verdade, pois: As pessoas que produzem esses documentos sabem de uma ou outra maneira, que sero lidos, quer para serem divulgados, discutidos, aprovados ou contestados (p.81). As autoras utilizam-se de expresses como revoluo documental (p.91) ou novo olhar sobre as fontes (p.92) para ressaltarem que o ponto de partida no desse modo, a pesquisa de um documento, mas a colocao de um questionamento (p.91). Sendo assim, o (a) pesquisador (a) problematiza o documento, conferindo-lhe sentido e, no limite, enquanto houver perguntas, o material no est suficientemente explorado (p.92). O que significa, portanto, que apesar das legislaes federais e estaduais j terem sido exaustivamente analisadas, assim como os impressos paulistas oficiais, podemos problematiz-las de modo a que a exploremos no intuito de refletirmos sobre o tema proposto. Segundo Saviani (2004 a) no so das fontes histricas que nasce a histria, mas elas so testemunhos dos atos histricos, so a fonte do nosso conhecimento histrico (p.5). Portanto, nas fontes histricas que se apia o conhecimento que produzimos a respeito da histria (p.5 ). Galvo e Batista (2003) ressaltam, no entanto, que por muito tempo, os documentos oficiais foram as nicas fontes utilizadas nas pesquisas em histria da educao, no entanto, esses

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mesmos documentos tm sido criticados e so considerados uma das verses do passado que projetam, em muitos casos, uma situao ideal. Sanfelice (2004), por sua vez, enftico quando considera que uma coisa escrever a histria do passado e outra coisa escrever a histria do prprio tempo em que vivemos. O autor cita Hobsbawm (1998) para comentar sobre as dificuldades de se fazer a histria do presente:a) [...] difcil, pela experincia de vida, saber quando as coisas mudaram e isto implica que os mais jovens necessitam fazer um maior esforo de imaginao e de mais trabalho de pesquisa. b) Nossa perspectiva do passado pode mudar, pois at o passado registrado muda luz da histria subseqente. c) Como escapar s suposies da poca e que so partilhadas pela maioria de ns? (HOBSBAWM, 1998, apud SANFELICE, 2004, p.105).

Estas dificuldades se referem questo da objetividade, pois ao pesquisar a histria recente, o pesquisador est envolvido nas questes que se prope a estudar e j possui idias sobre o assunto. Assim, muito provavelmente as pessoas mais jovens tero que sanar as lacunas representadas por sua pouca experincia de vida. Entretanto, apesar das dificuldades para se fazer a histria do presente nem por isso ela est interditada, pois, segundo o prprio Hobsbawm, os enganos e os acertos devem ser o ponto de partida de nossas reflexes sobre a histria de nosso tempo (citado por SANFELICE, 2004, p.105). Sendo assim, apesar de pesquisar a histria recente (a partir da primeira LDB at a implantao da progresso continuada no Estado de So Paulo em 1998 e anos posteriores a ela) estaremos refletindo sobre questes de nosso tempo sem perder de vista a objetividade necessria para a anlise das fontes a serem utilizadas. Alm da bibliografia pertinente ao tema pesquisado e dos documentos oficiais representados pelos informes, livros e legislao, analisamos os peridicos cientficos mais conceituados do pas, na rea da Educao, como a Revista Brasileira de Educao, Educao e Sociedade, Educao e Pesquisa, pois, segundo Barros (2005):Embora uma bibliografia alicerada em bons livros seja fundamental preciso tambm estar atento para o fato de que as grandes polmicas do momento e as ltimas descobertas no chegam aos livros com a mesma velocidade com que chegam aos peridicos especializados (p.59).

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De acordo com o autor, os livros demoram mais tempo para serem produzidos enquanto os peridicos so produzidos em perodos mais curtos de tempo, representando uma atualizao do conhecimento permanente (p.36). Alm disso,Em uma rede de artigos, produzidos sobre determinada temtica, podemos captar precisamente o debate que se estabelece entre os vrios autores, pois freqentemente os artigos inseridos nos peridicos especializados possuem um alto teor de crtica em relao s obras j consolidadas e tambm em relao a outros artigos que vo sendo produzidos. Manter-se a par dos debates que se inserem nos peridicos manter-se inserido em um intercmbio dinmico de idias (BARROS, 2005, p.59).

A utilizao dos peridicos, portanto, se faz necessria para o dilogo com autores que se referem avaliao e progresso continuada e tambm para podermos analisar os dilogos travados entre os autores e suas divergncias e convergncias no intercmbio dinmico de idias representado pelos artigos dos peridicos. Alm dos peridicos foram utilizadas teses e dissertaes que constituem um conhecimento atualizado. Para Barros (2005),Estabelecer um dilogo com as teses que se desenvolveram em torno de temticas afins com o trabalho que se pretende realizar no apenas trazer novos elementos para o debate, mas potencializar a intertextualidade que ser construda pelo pesquisador com a incorporao das revises bibliogrficas que cada uma das teses j traz consigo (p.61).

Sendo assim, a leitura das dissertaes e teses representa uma atualizao necessria do conhecimento sobre o tema a ser pesquisado alm de auxiliar na elaborao da reviso bibliogrfica. , portanto, uma pesquisa bibliogrfica, pois se caracteriza pela identificao e anlise dos dados escritos em livros, artigos de revistas, dentre outros conforme cita Gonsalves (2003, p.34) para que possamos conhecer a respeito do que j foi produzido sobre o tema de pesquisa. Finalizando, segundo a natureza dos dados, uma pesquisa qualitativa, pois, ainda segundo Gonsalves (2003), preocupa-se com a compreenso, com a interpretao do fenmeno, considerando o significado que os outros do s suas prticas [...] (p.68).

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No se pode esquecer, no entanto, que, para que haja um entendimento amplo sobre o problema da pesquisa, no s deve como pode ser utilizado um dado quantitativo conforme tambm destaca Gonsalves (2003). Por isso, no trabalho, utilizaremos tabelas com ndices de reprovao, evaso e de distoro idade/srie para ilustrarmos a situao dos alunos nas escolas pblicas paulistas. Para analisarmos a avaliao e os assuntos a ela associados como currculo, ciclos, progresso continuada e polticas pblicas, alguns autores se tornaram relevantes e tiveram destaque para que os objetivos determinados fossem atingidos. Sendo assim, ressaltamos que, para a construo da metodologia, foram utilizados Gil (1999) e Gonsalves (2003) que auxiliaram na determinao do tipo de pesquisa que seria realizada. Como esta se constitui numa pesquisa histrica da avaliao paulista abrangendo os anos de 1961 at 1998, os estudos de Lopes e Galvo (2001), Sanfelice (2004) e Barros (2005) foram muito importantes, uma vez que retomam relevantes questes acerca da utilizao dos documentos essenciais para o desvendamento do passado no muito distante. Sanfelice (2004), inclusive, alerta quanto s dificuldades de se pesquisar a histria do presente e manter a objetividade necessria. Para o entendimento da avaliao foram utilizados os seguintes trabalhos: Sousa (1990), que analisa as concepes de avaliao de 1930 at 1980, contribuindo imensamente para a nossa reflexo, pois abrange boa parte do perodo delimitado para a pesquisa (1961/1998). Por meio dos textos de Demo (1997, 2002 e 2005) pudemos entender a concepo de avaliao de acordo com a atual LDB, Lei n 9.394/96, assim como os problemas que devem ser enfrentados pelos professores que buscam mudanas significativas em sua prtica para favorecer a aprendizagem de seus alunos. Com Capelletti e Abramovicz (2004) analisamos a avaliao enquanto reflexo sobre a ao, compreendendo-a no s do como fazer, mas do por que, sem perder de vista o para quem. Em outras palavras, necessrio entender o que est por trs da avaliao que se pretende e a quem ela serve (p. 78, grifos da autora). Para a periodizao da pesquisa ressaltamos Saviani (2004b) do qual utilizamos a sua classificao da escola pblica no Brasil na etapa que ele denomina de histria da escola pblica propriamente dita que corresponde aos 3 perodos: de 1890 at 1931 (com a implantao dos grupos escolares at a Reforma Francisco de Campos), 1931 at 1961 (da reforma Francisco de Campos Reforma Capanema e a promulgao da 1 LDB, Lei n 4.024/71, e o ltimo, de 1961 at 1996, com a promulgao da nova LDB, Lei n 9.394/96. Para o presente trabalho analisamos

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o perodo que abrange os anos de 1961 at 1996, avanando at 1998, ano da implantao da progresso continuada, no estado de So Paulo. Quando do estudo das experincias de ensino no-seriado no Brasil, a periodizao utilizada foi a de Jacomini (2004) para uma breve retrospectiva histrica: dcadas de 1920, de 1950, aps a Lei n 5.692/71 e a partir da nova LDB, Lei n 9.394/96. A contribuio foi valiosa, pois a anlise realizada por Jacomini (2004) engloba a legislao das pocas assinaladas assim como as experincias de regime no-seriado que, juntamente com Fernandes (2000), nos apoiaram para a discusso sobre promoo automtica e progresso continuada. Aps a delimitao do perodo abrangido destacamos que foram os autores Perez (2000) e Ghiraldelli Jr (2003) que aliceraram na contextualizao histrica da poca analisada. Com a contribuio de Perez (2000) analisamos historicamente as gestes dos governadores paulistas, especialmente a de Andr Franco Montoro (1983/1987) e a de Orestes Qurcia (1987/1991). Ghiraldelli Jr. (2003) foi essencial no estudo da Lei Federal n 5.692/71 e o contexto de sua formulao. Quanto ao currculo, destacamos Gimeno Sacristn e Perez Gmez (1998) e Gimeno Sacristn (2000), que auxiliaram na conceituao de currculo e na sua classificao em: prescrito, apresentado, moldado, em ao, realizado e avaliado. Como j observamos, anteriormente, nesta pesquisa foram enfatizados o currculo prescrito e o currculo avaliado para a compreenso acerca das orientaes oficiais e de como so transmitidas e se refletem na avaliao. Com Silva (2004) e Zotti (2004) analisamos as teorias de currculo e as influncias estrangeiras no Brasil. O presente trabalho se apoiou em Zotti (2004) para a retrospectiva histrica do currculo prescrito no Brasil. Para as polticas pblicas em tempos de neoliberalismo e globalizao deram-nos suporte Freitas (2003), Gentili (1998) e Shiroma, Evangelista e Moraes (2002) relacionando a insero do Brasil ao neoliberalismo e s polticas pblicas formuladas, incluindo as educacionais que suscitaram mudanas como os ciclos e a progresso continuada cuja investigao foi amparada por Freitas (2003), Jacomini (2004), Barretto e Mitrullis (2003) e Dias (2005). E, finalmente, os documentos analisados foram aqueles que foram divulgados pela SEE/SP, a legislao federal (LDBs Lei n 4.024/61 e Lei n 9.394/96 e lei federal n 5.692/71) e a legislao estadual.

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Quanto aos documentos da SEE/SP percebemos que foi atravs deles que ela se comunicou com os profissionais da educao transmitindo orientaes, que foram enviadas para as escolas no incio de 1998, visto que a implantao da progresso continuada no contou com a participao dos docentes. Alm de no propiciarem debates mais amplos eles tambm no apresentaram uma proposta de reorientao curricular que busque reorganizar o tempo e o espao na escola (SOUSA, STEINVASCHER, ALAVARSE & ARCAS, 2007, p.41) o que necessrio quando se trata da implantao de ciclos. No documento publicado pela SEE/SP em 2000, A Construo da Proposta Pedaggica: A Escola de Cara Nova, possvel perceber que no foram suficientes as orientaes nele contidas para garantir as alteraes necessrias na organizao escolar, apesar da existncia de inmeros textos informativos sobre a progresso continuada, avaliao e qualidade de ensino. Sousa, Steinvascher, Alavarse e Arcas (2007) citam os motivos que explicam o porqu das estratgias e os subsdios da SEE/SP no conseguirem o xito pretendido:As estratgias e os subsdios criados pela SEE, no se mostraram suficientes para garantir as alteraes necessrias na organizao escolar. Apesar da importncia de algumas medidas, limites estruturais acabaram por compromet-las, como, por exemplo, a instituio do Horrio de Trabalho Pedaggico Coletivo (HTPC), com apenas duas horas semanais e com a dificuldade de definir um horrio comum entre os professores por trabalharem em mais de uma escola. Outro exemplo foi a falta de recursos humanos para a realizao de projetos de reforo e recuperao. A manuteno de uma concepo de ensino fragmentado, tambm limitou o potencial destes projetos, resumindo-os a mais aulas, sendo por vezes (...) utilizados como castigo para os alunos que no cumprem as regras (SOUSA, STEINVASCHER, ALAVARSE & ARCAS, 2007, p.42).

Enfim, as mudanas no ocorrem simplesmente porque so elaboradas orientaes, subsdios e leis pelo governo. Considerando ainda a legislao, notamos que a avaliao esteve restrita ao mbito escolar na LDB (Lei n 4.024/61) e na lei federal n 5.692/71, mas no na atual LDB (Lei n 9.394/96) que prev (artigo 8, pargrafo 2, inciso VI): Assegurar processo nacional de avaliao de rendimento escolar no ensino fundamental, mdio e superior, em colaborao com os sistemas de ensino, objetivando a definio de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (BRASIL, 1996). Constatamos, portanto, a existncia da avaliao externa alm da que realizada pelo professor a partir da atual LDB. Alm disso, na LDB de 1961, falava-se em apurao do rendimento escolar (artigo 39), mas na lei federal 5.692/71 surge a nfase na avaliao em que

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preponderaro os aspectos qualitativos sobre os quantitativos e os resultados obtidos durante o ano letivo sobre os da prova final, caso seja exigida (artigo 14). J para a LDB de 1996 (art. 24, inciso V) a verificao do rendimento escolar observou os seguintes critrios:a) avaliao contnua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalncia dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do perodo sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de acelerao de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avano nos cursos e nas sries mediante verificao do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concludos com xito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperao, de preferncia paralelos ao perodo letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituies de ensino em seus regimentos (BRASIL, 1996).

Previa-se, portanto, alm da avaliao contnua, a reclassificao de alunos com defasagem idade/srie, acelerao de estudos e recuperao paralela. Mas no consultamos somente a legislao referente avaliao, mas tambm o que foi disposto sobre currculo, ciclos e progresso continuada. Assim, no Captulo 1, intitulado Contexto scio-econmico, poltico e histrico do Brasil e a educao (o perodo 1961- 1998), abordamos o contexto histrico do Brasil tendo em vista focalizar o estado de So Paulo e suas recentes transformaes na educao. No Captulo 2, O Currculo e a Avaliao, analisamos as teorias de currculo, os seus significados e os tipos de currculo segundo Gimeno Sacristn e Perez Gmez (1998), com nfase nos currculos prescrito e avaliado, para o estabelecimento de vnculos entre o currculo e a avaliao no processo da histria educacional, relacionando a educao brasileira e a paulista. No Captulo 3, A avaliao mediante as mudanas internas no sistema educacional, o destaque para a anlise da avaliao de acordo com a legislao e o contexto histrico, enfatizando-se a Nova LDB (Lei n 9.394/96) e o seu sentido de avaliao. Finalmente, no Captulo 4, Progresso continuada ou promoo automtica?, trazemos as discusses referentes aos ciclos no Brasil, destacando especialmente as dcadas de 1950 e 1990, e o contexto histrico e poltico do Brasil nesses perodos para a compreenso das discusses acerca desse tema.

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2. O CONTEXTO SCIO-ECONMICO, POLTICO E HISTRICO DO BRASIL E A EDUCAO (O PERODO 1961- 1998)

2.1. DEMARCANDO O TEMPO HISTRICO: A PERIODIZAO

Para periodizar a histria da escola pblica no Brasil, Saviani (2004b, p.20-21) a classifica em duas grandes etapas: os antecedentes e a histria da escola pblica propriamente dita. A primeira etapa corresponde ao perodo de 1549 at 1890 e a segunda etapa ao perodo de 1890 at 1996. Na primeira etapa (1549/1890), o autor destaca a pedagogia jesutica e as aulas rgias que foram estabelecidas durante o governo pombalino (na poca em que o Brasil ainda era colnia portuguesa) e inclui, tambm, as primeiras tentativas de organizao da educao sob a responsabilidade do poder pblico (no perodo imperial-1822/1889). A segunda etapa subdividida em 3 perodos: de 1890 at 1931 (com a implantao dos grupos escolares at a Reforma Francisco Campos que regulamentou o sistema de ensino em mbito nacional), 1931 at 1961 (iniciado com a reforma Francisco Campos, destacando-se depois a Reforma Capanema e a promulgao da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n 4.024/61) e o ltimo, de 1961 at 1996 (da primeira LDB de 1961 at a aprovao da nova LDB, Lei n 9.394/96). Para esta pesquisa, analisamos a segunda etapa, em especial o perodo de 1961/1996, que corresponde ao surgimento da primeira LDB (Lei n 4.024/61), da Lei Federal n 5.692/71, at a ltima LDB (Lei n 9.394/96). E, a partir da nova LDB, avanamos at 1998 (ano da implantao da progresso continuada) analisando, tambm, os anos posteriores a sua implementao no estado de So Paulo. Observamos, tambm, nesse perodo a legislao estadual, especialmente a partir da dcada de 1980 (tendo em vista a avaliao como temtica a ser pesquisada) at a implantao do regime de progresso continuada (formado, como j dissemos, por 2 ciclos no podendo haver reprovao do aluno, exceto se tiver freqncia inferior a 75% e no final de cada ciclo).

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2.2. O BRASIL DE 1961 AT 1998

Em 1961 o Brasil era governado por Jnio da Silva Quadros, que assumiu a presidncia em janeiro do mesmo ano herdando problemas, como alto ndice de inflao e crescente dvida externa, do governo anterior, de Juscelino Kubitschek de Oliveira, que presidiu o Pas de 1956 a 1961. Para solucionar esses problemas o governo adotou uma poltica antiinflacionria caracterizada pela reduo do crdito estatal aos empresrios, pelo fim da ajuda financeira do governo importao do trigo e do petrleo e pelo congelamento dos salrios. Zotti (2004) descreve que:O incio dos anos de 1960 foi marcado por uma crise poltica e econmica grave, configurando um quadro problemtico para as elites brasileiras. JK [Juscelino Kubitschek] deixa como herana ao seu sucessor, Jnio Quadros, uma inflao alta, dficit na balana de pagamentos, acmulo de dvida externa e a continuidade de um sistema educacional elitista e antidemocrtico. Nesse contexto, o governo de Jnio Quadros cria uma poltica antiinflacionria, restringindo crditos, congelando os salrios e incentivando as exportaes, o que resultou em forte oposio. Adota uma poltica externa independente dos Estados Unidos, define relaes mais intensas com os pases socialistas, procurando aumentar o mercado consumidor dos nossos produtos, gerando, com isso, o acirramento da oposio e presso ao seu governo, que culminar com sua renncia sete meses depois (ZOTTI, 2004, p.98-99).

A pretendida estabilidade da economia no foi alcanada e a oposio ao governo partia de vrios lugares, especialmente da burguesia nacional e dos Estados Unidos da Amrica, no satisfeito com a aproximao do Brasil com os pases socialistas, em meio Guerra Fria. Em razo disto, Jnio Quadros renunciou presidncia em 25 de agosto de 1961, fato que tornou mais aguda a crise econmica, contribuindo para o aumento da instabilidade poltica no Pas. O sucessor Joo Goulart assume o governo e adota a proposta de manter o modelo econmico poltico (nacional-desenvolvimentista) e mudar a orientao econmica, atravs de reformas de base, com uma bandeira nacionalista de desenvolvimento (ZOTTI, 2004, p.99). Essas reformas seriam: agrria, do sistema tributrio, do sistema bancrio, do sistema eleitoral e a universitria, todas com a inteno de oferecer um desenvolvimento econmico com melhores condies de vida populao brasileira. Jango, como era chamado, tinha o apoio da populao

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que queria a aprovao das reformas de base, o que acirrou a luta de classes e a ampliao da participao poltica com a organizao dos trabalhadores urbanos e rurais (ZOTTI, 2004, p.100). Na rea educacional houve significativas mudanas no perodo governado por Joo Goulart (1961-1964) como o aumento de investimentos:A educao, entre 1961 e 1964, teve seu investimento aumentado em 5,93% e em 1962, de acordo com a LDB n 4.024/61, o governo lana o Plano Nacional de Educao (PNE), que determina o investimento de, no mnimo, 12 % dos recursos de impostos arrecadados pelo governo federal. Tal plano contm metas qualitativas e quantitativas, com o compromisso de atingi-las em oito anos (ZOTTI, 2004, p.100).

A elite brasileira, temendo a aprovao das reformas de base, o crescimento dos movimentos sociais e da participao macia da populao em comcios, agilizou a tomada de poder, que se consolida com o Golpe de 1964 (ZOTTI, 2004, p.101). Desta maneira, o governo de Joo Goulart, tambm no conseguiu, promover o crescimento econmico devido falta de investimentos externos, falta de ajuda financeira dos Estados Unidos, s constantes emisses de dinheiro, s lutas trabalhistas, forte oposio de grande parcela da burguesia e falta de apoio nacional para as reformas que o governo queria empreender. Devido crise econmica, havia problemas com os salrios e, por mais que houvesse reajustes, o aumento salarial era corrodo pela inflao e o poder aquisitivo da classe trabalhadora se reduzia cada vez mais. O governo no conseguiu, tambm, a aprovao das reformas de base devido ao golpe que instaurou a ditadura militar em 1964. O PNE foi extinto 14 dias depois do Golpe Militar. Durante o governo de Jango, a primeira LDB (Lei n 4.024/61) foi aprovada aps 13 anos tramitando no Congresso Nacional. Quando se iniciaram as discusses para a sua elaborao, em 1947, o Brasil ainda era pouco urbanizado. Portanto, quando a LDB foi aprovada, ela no era adequada s necessidades educacionais de sua poca, pois o Brasil j havia mudado muito. Em 31 de maro de 1964, o golpe militar que retirou Joo Goulart do poder, instaurou a ditadura que s terminou em 1985, ocasionando mudanas e retrocessos que atingiram todos os setores da vida brasileira, entre os quais o da educao. Segundo Zotti (2004),A nova Constituio (1967), no campo da educao, refora o que a LDB de 1961 j havia estabelecido e antecipa aspectos que nortearo as reformas posteriores. Assegura o fortalecimento do ensino particular, garantindo-lhe ajuda tcnica e financeira do

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governo, inclusive bolsas de estudo (art.168). Promove o prolongamento da obrigatoriedade do ensino primrio de quatro para oito anos, gratuito e ministrado pela rede oficial de ensino (art. 168) (ZOTTI, 2004, p.143).

Para equacionar problemas de demanda de vagas nas escolas, o governo militar modificou a estrutura do ensino. Foi elaborada a Lei Federal n 5.692/71 que definiu a estrutura de ensino em 1 grau (da 1 a 8 sries), 2 grau (Colegial em 3 anos) e Superior. E, apesar do discurso de que a educao seria valorizada, as verbas destinadas eram escassas e o Estado buscava ampliar e consolidar sua posio, mascarando as desigualdades, atravs da demonstrao de interesse pelo ensino de 1 e 2 graus, no intuito de melhorar as condies de vida do povo (ZOTTI, 2004, p.164). A Lei n 5.692/71 surgiu de um projeto de um grupo de intelectuais do regime militar e foi muito bem recebida tanto pelos parlamentares da Arena (Aliana Renovadora Nacional, partido da situao) como pelo MDB (Movimento Democrtico Brasileiro, partido de oposio), pois o momento histrico era uma mistura de medo e euforia. Medo devido represso exercida pelo regime militar, mas euforia pelo milagre econmico vivenciado por parte do pas. O perodo de 1969 a 1973, no Brasil, ficou conhecido como a poca do Milagre Econmico. O PIB brasileiro crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, enquanto a inflao beirava os 18%. Com investimentos internos e emprstimos do exterior, o pas avanou e estruturou uma base de infraestrutura. Todos estes investimentos geraram milhes de empregos pelo pas. Porm, todo esse crescimento teve um custo altssimo e a conta acabaria por ser paga no futuro. Os emprstimos estrangeiros geraram uma dvida externa elevada para os padres econmicos do Brasil. E houve, tambm, a concentrao de riqueza e aumento da pobreza. Nesse sentido, o milagre no ocorreu para todos os brasileiros, pois os ricos ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres. O povo - entendido como maioria da populao - no era uma prioridade do governo militar e podemos perceber isso analisando uma das mudanas mais significativas, em relao legislao anterior, que foi a extenso da escolaridade obrigatria de quatro para oito anos. Poderamos pensar que o governo estaria atendendo s camadas populares ao determinar o aumento da escolaridade. O discurso do governo era de que o Estado pretendia melhorar as condies de vida do povo, dando-lhe igualdade de oportunidades. Mas, como j dissemos, s se mascaravam as desigualdades, pois, ao mesmo tempo que as verbas para as escolas pblicas eram escassas, o governo aplicava grande quantidade de recursos no setor educacional privado, o que

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levou Zotti (2004, p.143) a concluir: o Estado adota o discurso de valorizao da educao escolar, mas permanece nele. A insero das disciplinas do artigo 73 no currculo foi calcada na ideologia da segurana nacional e, apesar da propalada democratizao do ensino, exclua-se a liberdade de participao. Assim, para manter o jovem afastado de atividades perigosas, como as de contestao ao prprio regime, dava-se nfase s seguintes disciplinas:A educao fsica, numa concepo militarista, estava atrelada ao objetivo de disciplinar, formatar e trabalhar o corpo, desvinculado do pensar e do contexto em que o indivduo se insere. A EMC, juntamente com a educao religiosa, cumpria um papel importantssimo na reproduo de valores subjacentes aos interesses dos militares e da classe dominante (ZOTTI, 2004, p.171).

O objetivo central da educao era o de atender s necessidades do mercado de trabalho, por isso o currculo enfatizava o ensino tecnicista e profissionalizante desde as primeiras sries do 1 grau. Mas, se a educao era um brao do capital, isto no se referia a todos os alunos de todas as classes sociais e sim, apenas aos filhos de pais das classes trabalhadoras. Sendo assim, enquanto a educao pblica priorizava o ensino profissionalizante para os filhos da classe trabalhadora, os filhos da elite se preparavam para prosseguirem os estudos, no ensino mdio, preparatrio para o vestibular e posteriormente, no ensino superior. Com o trmino da ditadura militar, em 1985, teve incio a Nova Repblica, com o presidente Jos Sarney (1985/1989), e no tocante educao foi criado o plano Educao para todos, mas continua a ambigidade demonstrada no Governo do general Figueiredo [o seu antecessor], um discurso e uma prtica (ZOTTI, 2004, p.199).A Nova Repblica no foi to nova assim, continuou reforando prticas e propostas do auge da ditadura militar. Com isso, percebemos a continuidade de propostas conservadoras e descomprometidas com uma educao de qualidade e emancipatria. O carter utilitarista e tcnico, agregado educao, continuou sobrepondo os interesses dominantes (ZOTTI, 2004, p.227).

No campo poltico, os fatos mais significativos foram a elaborao de uma constituio democrtica pela Assemblia Nacional Constituinte e a eleio direta do presidente da Repblica, em 1989. Nas eleies de 1986 foram eleitos os deputados federais e senadores que tiveram a3

As disciplinas do artigo 7 eram a Educao Moral e Cvica (EMC), Educao Fsica, Educao Artstica, Programas de Sade e Ensino Religioso.

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incumbncia de elaborarem a nova Constituio. Uma nova constituio era necessria para o momento poltico de redemocratizao, aps tantos anos de ditadura militar, e a Assemblia Nacional Constituinte foi instalada em 1 de fevereiro de 1987 sendo promulgada a Constituio em 5 de outubro de 1988. Em relao educao, a nova Constituio estabeleceu, do artigo 205 at o artigo 214, entre outras coisas, que ela direito de todos e dever do Estado e da famlia (...) visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (art. 205), igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola (inciso I do art. 206), ensino fundamental obrigatrio e gratuito (inciso I do art. 208) (BRASIL, 2005, p.148). Estabeleceu, tambm, em seu artigo 214 que a Unio seria responsvel pela elaborao do Plano Nacional de Educao que s viria a ser aprovado com a lei federal n 10.172 de 9 de junho de 2001 (BRASIL, 2001). No campo econmico, o governo adotou uma medida de impacto quando implantou o Plano de Estabilizao Econmica, conhecido como Plano Cruzado, em 1986, com a substituio da moeda (de cruzeiro para cruzado), e com o congelamento de preos dos produtos por um ano. No entanto, as mercadorias comearam a faltar, os empresrios, a fazer modificaes em seus produtos para elevarem os preos, os fazendeiros se negavam a vender os bois pelo preo da tabela, o valor dos aluguis novos aumentou demasiadamente e a cobrana do gio, cobrana alm da tabela estabelecida, tornou-se prtica comum. No final de 1986 a inflao voltou a subir. O governo tentou mais um plano econmico em 1989, o Plano Vero, mas ele tambm no deu resultado e no fim do governo Sarney, a inflao era de mais de 70% ao ms. Mas a crise econmica pela qual passou o Brasil nos anos de 1980 tambm aconteceu em outros pases, como a Inglaterra. No governo de Margareth Thatcher a tentativa de superao da crise econmica foi atravs da implantao do neoliberalismo. Shiroma, Moraes e Evangelista (2002), comentam que o neoliberalismo na Inglaterra trouxe prejuzos sociedade britnica, que estava em uma situao melhor que a brasileira devido aos nveis educacional, tecnolgico, cultural e de bem-estar social mais elevados. Os antigos ideais socialistas ou progressistas passaram a ser considerados utopias naquele pas tanto quanto comeou a acontecer no Brasil, pois os arautos das mudanas diziam ser o Estado incapaz de resolver os problemas da vida econmica, como por exemplo, a concorrncia, as foras de mercado e o desemprego estrutural.

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O Estado Mnimo substituiria o Estado do Bem-Estar Social, que seria considerado incapaz de proporcionar tudo o que fosse necessrio para a populao. Surgiu a idia de que no adiantaria resistir s mudanas e que o modelo neoliberal resolveria os problemas que atravancavam o sistema capitalista, inclusive a crise na educao. De acordo com Gentili (1998), na perspectiva neoliberal, a crise enfrentada pelos sistemas educacionais da Amrica Latina acontece porque a expanso quantitativa (em relao ao nmero de alunos matriculados) no foi acompanhada pelo crescimento qualitativo. Na viso neoliberal, portanto, o Estado no seria competente para gerenciar a educao, por isso faltaria eficincia e qualidade. Segundo o autor, para o neoliberalismo, em todas as polticas sociais esto presentes as seguintes idias:a) os governos no apenas foram incapazes de assegurar qualidade e quantidade, como ainda, eles so estruturalmente inaptos para combinar essas duas dinmicas; b) a expanso dos servios educacionais um objetivo j conquistado por quase todos os pases da Amrica Latina, sendo os ndices de excluso e de marginalidade educacional uma expresso clara da falta de eficincia do sistema e no de sua escassa universalizao; c) a possibilidade de combinar qualidade e quantidade com critrios igualitrios e universais uma falsa promessa dos estados interventores e populistas (GENTILI, 1998, p.17-18).

Sendo assim, para o pensamento neoliberal, a crise educacional ocorre porque o Estado interventor o principal culpado, pois no tem condies de cumprir a promessa de escola de qualidade para todos os alunos. Mas no somente ao Estado que atribuda a culpa pela crise no sistema educacional, segundo a tica neoliberal. Os grandes sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras da educao ao exigirem a expanso da escola pblica, mais recursos a serem aplicados nas escolas, mais interveno estatal etc., tambm contribuem para a crise. A sociedade, por sua vez, tambm grande culpada, pois, segundo o neoliberalismo, ela deposita confiana nas falsas promessas dos governos interventores e populistas em relao necessidade de escola pblica, gratuita e de qualidade. Portanto, a culpada nunca a injusta distribuio de renda que, no sistema capitalista, responsvel pela excluso social da maioria das pessoas em detrimento do acmulo de riquezas de poucos. A idia propagada a de que os excludos no se esforam para conseguirem as condies necessrias para sobreviverem e no o Estado que deve melhorar a qualidade da

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escola, pois esta tarefa depende muito mais de empenho e esforo individual dos professores, dos alunos e de suas famlias. Na viso neoliberal, segundo Gentili (1998),[...] a escola funciona mal porque as pessoas no reconhecem o valor do conhecimento e investem pouco em seu capital humano: os professores trabalham mal e no se atualizam; os alunos fazem de conta que estudam quando, em realidade, perdem tempo, etc. A sociedade no apenas sofre a crise da educao. Ela tambm a produz e reproduz (p.22).

As escolhas individuais no neoliberalismo, portanto, que determinaro o sucesso ou o fracasso das pessoas e a educao deve ser pensada como capital humano individual e no como responsabilidade do Estado, que j se mostrou incapaz de realizar a contento esta funo. Para solucionar a crise da educao o neoliberalismo prope uma reforma em que se enfatiza, ao mesmo tempo, a centralizao e a descentralizao:Em suma, a sada que o neoliberalismo encontra para a crise educacional produto da combinao de uma dupla lgica centralizadora e descentralizadora: a centralizao do controle pedaggico (em nvel curricular, de avaliao do sistema e de formao de docentes) e descentralizao dos mecanismos de financiamento e gesto do sistema (GENTILI, 1998, p.25).

Para Gentili (1998), portanto, o governo federal centraliza o currculo, que determinado em nvel nacional, assim como os programas de capacitao de professores e a avaliao (por meio da aplicao de provas de rendimento escolar aos estudantes). E descentraliza as responsabilidades e as verbas que so transferidas do governo federal para o provincial (ou estadual, no caso brasileiro) e deste para os municpios. No Brasil, o neoliberalismo comeou a ser implantado no governo de Fernando Collor de Melo (1990/1992), que se elegeu em 1989 nas primeiras eleies diretas aps a ditadura militar. O presidente Collor, copiando o modelo do governo da Primeira-Ministra britnica Margareth Thatcher, pretendia inserir o pas na economia mundial. Para ajustar a economia brasileira s exigncias da economia globalizada, Fernando Collor fez a abertura do mercado brasileiro aos produtos internacionais prematuramente, pois os produtos nacionais, em muitos setores, no conseguiram concorrer com os produtos estrangeiros dentro do pas. Porm, foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1999 e 1999/2003) que as polticas pblicas foram implementadas baseando-se em documentos de importantes organismos

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multilaterais como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BDI), por meio dos quais so realizados os processos de ajuste e reestruturao neoliberal nos pases latino-americanos. Presses destes organismos internacionais levaram a uma drstica reduo de gastos nas polticas sociais enquanto se acena com a possibilidade de renegociao da dvida externa e de novos emprstimos, desde que se limite a interveno dos governos, ou seja, o Estado Mnimo. As polticas econmicas e educacionais (e nelas as diretrizes avaliativas) comearam a serem implantadas pelo governo brasileiro para fazer os ajustes necessrios para a insero do pas no mundo globalizado. A globalizao explicada, por Libneo, Toschi e Oliveira (2003), como o processo de acelerao, integrao e reestruturao capitalista [...] pode ser entendida como uma estratgia de enfrentamento da crise do capitalismo e de constituio de uma nova ordem mundial (p. 74). Dessa forma, a globalizao (ou mundializao do capital) acontece em funo do capitalismo necessitar reorganizar suas formas de produo e de consumo, integrando mundialmente a economia para manter a sua hegemonia. As mudanas ocorrem com o objetivo de fortalecer o capitalismo, ou melhor, fortalecer as naes ricas e submeter os pases mais pobres dependncia como consumidores (LIBNEO, TOSCHI & OLIVEIRA, 2003, p.53). Os pases ricos, em especial os integrantes do grupo dos sete pases mais ricos e poderosos do mundo pretendem, portanto, desenvolver cada vez mais suas economias submetendo os pases mais pobres. Assim, A globalizao se relaciona com o neoliberalismo, ao estabelecer princpios que se baseiam na liberdade econmica, na nointerveno do Estado e na abertura de mercados. Os pases do G-74 tm conseguindo, segundo Libneo, Toschi e Oliveira (2003), implementar as polticas neoliberais nos pases terceiro-mundistas e disseminar a viso de mundo neoliberal, isto , de uma sociedade regida pelo livre mercado (p. 83). Com o neoliberalismo o Estado mnimo, ou seja, um Estado que cumpre com apenas trs funes: policiamento, justia e defesa nacional. Por isso, os pensadores neoliberais defendem, fundamentalmente, cortes dos gastos sociais, abertura externa, privatizaes de empresas estatais, reduo das despesas e do dficit pblico. Assim, o neoliberalismo defende a [...] Liberao total do mercado e a transferncia de todas as reas e servios do Estado para a iniciativa privada (LIBNEO, TOSCHI &4

Os pases mais ricos que formam o G.7 so: Estados Unidos, Canad, Japo, Alemanha, Inglaterra, Frana e Itlia.

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OLIVEIRA, 2003, p. 100). O discurso neoliberal evidencia que a crise e o fracasso da escola pblica ocorre como decorrncia da incapacidade administrativa e financeira de o Estado gerir o bem comum (LIBNEO, TOSCHI & OLIVEIRA, 2003, p. 101). Os pases, ento, devem propiciar polticas educacionais que se ajustem e se alinhem poltica econmica neoliberal e s orientaes dos organismos financeiros internacionais, em especial do FMI, por meio do qual o Banco Mundial redireciona a poltica educacional, atravs de auxlio tcnico e financeiro. Como denota Cappelletti e Abramovicz (2004): Atravs de ajuda tcnica e financeira, o Banco Mundial molda nosso sistema educacional no sentido de forar nosso pas ao processo de globalizao, impondo-nos assim a chamada reestruturao neoliberal, pelas polticas de ajustes estruturais (p.89). Entre os documentos que exerceram importante papel na definio das polticas pblicas para a educao no pas Brasil, segundo Shiroma, Moraes e Evangelista (2002, p.56), est aquele que se originou da Conferncia Mundial de Educao para Todos que se realizou em Jomtien na Tailndia, em 1990, e foi financiada pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco), pelo Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Banco Mundial. Nesta Conferncia foram determinados metas e procedimentos para os pases do grupo dos nove pases com maior taxa de analfabetismo do mundo: Bangladesh, Brasil, China, Egito, ndia, Indonsia, Mxico, Nigria e Paquisto, que passaram a integrar o grupo do G-9. Todos os 155 pases participantes da Conferncia comprometeram-se a assegurar uma educao bsica de qualidade a crianas, jovens e adultos, para suprir as necessidades bsicas de aprendizagem. Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2002) o compromisso assumido pelos pases trazia consigo alguns problemas como a expresso para todos, que sugeria a universalizao da educao bsica (que no Brasil compreende do ensino infantil ao ensino mdio) objetivo no pretendido pela Conferncia. Alm disso, alguns autores compreenderam o conceito de necessidades bsicas de aprendizagem de maneira equivocada:Isto , para estratos diferentes, ensinos diferentes, uma vez que as necessidades bsicas de um e outro no poderiam ser as mesmas. Reeditava-se o dualismo na educao brasileira, partindo-se do suposto de que se as necessidades das amplas camadas empobrecidas eram peculiares, deveriam continuar tendo atendimento diverso do demandado por clientela mais seleta (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2002, p.61-62).

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Sendo assim, no processo educacional continuaria o dualismo: ensinos diferentes para diferentes classes sociais, o que no seria o ideal de educao para todos. As recomendaes da Conferncia da Tailndia e de outros documentos dos organismos multilaterais passaram a exercer influncia nos anteprojetos da nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional (que seria aprovada em 1996) e, aps oito anos de debates no Congresso Nacional, o governo impingia, por meio de decretos, resolues e medidas provisrias, o seu projeto educacional, articulado aos desgnios firmados em Jomtien e aos grandes interesses internacionais (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2002, p.62). Mas, para o governo federal brasileiro, a nova LDB foi aprovada aps discusses, consensos e negociaes (BRASIL, 2001, p.13) e no atravs de imposies para adequar a educao brasileira s recomendaes externas. Uma das modificaes da nova LDB consiste na diviso do ensino em: infantil, fundamental (o antigo 1 grau), mdio (o antigo 2 Grau ou Colegial) e superior. Percebemos, portanto, que a insero do Brasil no mundo globalizado trouxe ajustes econmicos que foram sentidos nas polticas pblicas da educao, pois os cortes de verbas e as privatizaes estavam na pauta das mudanas que foram implantadas no pas, alm de serem prescritas pelos organismos internacionais, em especial o Banco Mundial e a Unesco. Mas no foi s a LDB que resultou do processo de reformas educacionais. Em 1995 estavam em processo de elaborao os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que comearam a chegar nas escolas no final de 1997, sendo que, o primeiro conjunto de documentos destinava-se s quatro sries iniciais do ensino fundamental. Em 1998 foram publicados os PCNs, elaborados pela Secretaria de Ensino Fundamental, para o 3 e 4 ciclos do ensino (5 a 8 sries) e explicitaram a proposta de reorientao curricular para os anos finais do ensino fundamental. No prprio documento introdutrio as justificativas para a elaborao dos PCNs apiam-se na idia de que o governo brasileiro tinha necessidade de cumprir com os compromissos internacionais anteriormente assumidos (Conferncia de Jomtiem, 1990) e que resultaram na elaborao do Plano Decenal de Educao para Todos (1993/2003). Segundo Fonsca (2001),As bases para a elaborao dos PCN encontram-se, pois, nas diretrizes do Plano Decenal de Educao para Todos. Estas, em consonncia com a Constituio de 1998, estabelecem "a necessidade e a obrigao de o Estado elaborar parmetros claros no

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campo curricular capazes de orientar as aes educativas no ensino obrigatrio" (PCN Introd. I, p. 15; PCNIntrod. II, p. 49). Assim, de acordo com o discurso oficial, a elaborao dos PCN responde necessidade de atender os dispositivos legais que determinam o estabelecimento de contedos mnimos para o ensino fundamental, ao mesmo tempo em que representa uma meta de qualidade para este nvel de ensino. Mais precisamente, prope-se que os PCN constituam uma referncia para onde devem convergir as aes do MEC, sobretudo no tocante formulao de uma poltica de formao inicial e continuada para o magistrio, de uma poltica para o livro didtico e, ainda, em relao criao de um sistema de avaliao nacional para o ensino fundamental (cf. PCNIntrod. I, p. 36) (FONSCA, 2001, p.17).

Portanto, o governo federal tinha, segundo documento de Introduo dos PCNs, vrios propsitos: elaborar parmetros para orientar as aes educativas, estabelecer contedos mnimos, formular polticas de formao inicial e continuada para os docentes e para o livro didtico alm de criar um sistema de avaliao do ensino fundamental com o intuito da qualidade do ensino. Mas, para Fonsca (2001),O carter e a abrangncia desses propsitos e sua articulao com estratgias de controle da qualidade da educao, atravs da criao de mecanismos de natureza avaliativa parecem indicar, para alm da reiterada nfase na melhoria da qualidade do ensino, a inteno de controlar o funcionamento da escola pblica, de conformidade com os padres estabelecidos pela lgica racionalizadora ditada pelos organismos internacionais, que monitoram o ajuste estrutural da educao ao modelo poltico e econmico vigente (FONSCA, 2001, p.18).

A inteno do governo visivelmente centralizadora e homogeneizante, mas os discursos da Introduo dos PCNs so contraditrios, pois afirmam que,... [os PCNs] "por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexvel, a ser concretizada nas decises regionais e locais sobre currculos e sobre programas de transformao da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. No configuram, portanto, um modelo curricular homogneo, impositivo" (BRASIL, 1998, p.13).

Assim, apesar de falar em flexibilizao da proposta,evidenciam-se os vnculos dos PCN com a tica economicista, produtivista e eficientista que tem orientado a poltica educacional brasileira, a qual, na esteira das demais polticas sociais implementadas pelo atual governo, reveste-se de contornos nitidamente neoliberais (FONSCA, 2001, p.18).

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Barretto (2006) afirma que os PCNs, elaborados no final da dcada de 1990, tinham a finalidade de facilitar o trabalho do Sistema de Avaliao do Ensino Bsico (Saeb) que foi criado no ano de 1990. A mesma autora complementa:Segundo vrios analistas, a proposio de um currculo nacional teria sido decisivamente motivada pela necessidade de incrementar um sistema de controle da educao nacional por parte do poder pblico, mediante a criao de sistema de avaliao dessa natureza (BARRETTO, 2006, p.4-5).

Na Introduo dos PCNs, destinados ao terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental notamos os quatro pilares de Jacques Delors explicitados nas orientaes (BRASIL, 1998, p.17). Em 1996, Jacques Delors foi coordenador da Comisso Internacional sobre Educao para o Sculo XXI e elaborou um relatrio em que preconizava a necessidade de uma aprendizagem ao longo da vida e baseada em quatro pilares bsicos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos. Esse relatrio assim como os PCNs influenciaram a organizao curricular paulista num primeiro momento e, mesmo quando o Conselho Estadual de Educao (CEE) elaborou suas prprias diretrizes continuaram a influenci-las. A escola seria, portanto, considerada a salvao para atender s necessidades do mercado (tal como ocorreu durante a dcada de 1970) para a qualificao dos trabalhadores. Sendo assim, as pessoas s seriam cidads do sculo XXI se estivessem sendo educadas tal qual as polticas pblicas implementadas baseando-se no que propunham documentos de importantes organismos multilaterais para a economia e a educao de todos os pases da Amrica Latina e do Caribe, no importando, portanto, as peculiaridades e necessidades de cada um deles. A receita foi determinada para todos igualmente, j que todos so considerados pases pobres, que necessitavam se ajustar nova ordem mundial. As mudanas que se fizeram sentir na Lei de Diretrizes e Bases (Lei n 9.394/96) tambm se refletiram no Plano Nacional de Educao (aprovado em 9 de janeiro de 2001). Este foi determinado pelo artigo 214 da Constituio de 1988 e pelos artigos 9 e 87 da LDB n 9.394/96. No artigo 214 da Constituio Federal consta que,A lei estabelecer o plano nacional de educao, de durao plurianual, visando articulao e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos nveis e integrao das aes do Poder Pblico que conduzam : I- erradicao do analfabetismo,

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II- universalizao do atendimento escolar, III- melhoria da qualidade de ensino, IV- formao para o trabalho, V- promoo humanstica, cientfica e tecnolgica do pas (BRASIL, 2005, p.151).

Alm da Constituio Federal de 1988 e da nova LDB de 1996, outros documentos foram utilizados, como,o Plano Decenal de Educao para Todos, preparado de acordo com as recomendaes da reunio organizada pela Unesco e realizada em Jomtien (1990), de documentos resultantes de ampla mobilizao regional e nacional que foram apresentados pelo Brasil nas conferncias da Unesco, subsdios importantes para a preparao do documento (BRASIL, 2001, p.34).

Com a Constituio Federal de 1988, ressurgiu a idia de que um plano nacional de longo prazo, com fora de lei, capaz de conferir estabilidade s iniciativas governamentais na rea de educao. O artigo 214 contempla esta obrigatoriedade (BRASIL, 2001, p.33). Tambm na LDB, Lei n 9.393/96, nos artigos 9 e 87 determinou-se que cabe Unio a elaborao do Plano, em colaborao com os Estados, o Distrito Federal e os Municpios (BRASIL, 2001, p.34). Nota-se a iniciativa de se aprovar um Plano Nacional de Educao, visto que o primeiro Plano aprovado aps a primeira LDB (Lei n 4.024/61) no tinha fora de lei e foi vrias vezes modificado durante a ditadura militar (GHIRALDELLI JR., 2003, p.248). Seus objetivos contemplavam todos os nveis de ensino para solucionar os problemas quanto ao analfabetismo, universalizao do atendimento escolar com qualidade de ensino, alm de proporcionar um ensino propedutico e com formao para o trabalho. J no artigo 9 da Nova LDB, foi determinado que a Unio deveria ser responsvel por: I - elaborar o Plano Nacional de Educao, em colaborao com os Estados, o Distrito Federal e os Municpios (BRASIL, 1996). No artigo 87, da mesma LDB, em seu pargrafo primeiro, destaca-se que,

A Unio, com prazo de 1 ano a partir da publicao desta lei, encaminhar ao Congresso Nacional,o Plano Nacional de Educao, com diretrizes e metas para os 10 anos seguintes, em sintonia com a Declarao Mundial sobre Educao para todos (BRASIL, 1996).

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Em 10 de fevereiro de 1998 vrias entidades ligadas educao deram entrada na Cmara dos Deputados ao Plano Nacional de Educao da Sociedade Brasileira (denominado assim por VALENTE & ROMANO, 2002) que consubstanciou-se no Projeto de Lei n 4.155/98, encabeado pelo deputado Ivan Valente e subscrito por mais de 70 parlamentares e todos os lderes dos partidos de oposio da Cmara dos Deputados (VALENTE & ROMANO, 2002, p.97). O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e 1999/2002), tambm apresentou o seu plano elaborado pelo MEC, encaminhando-o Cmara dos Deputados em 11 de fevereiro de 1998, onde tramitaria, sob o n 4.173/98. Saviani (2004c) comenta sobre o PNE:Pelo disposto na nova LDB (Lei n 9.394/96), o MEC deveria t-lo encaminhado ao Congresso nacional at 23 de dezembro de 1997. Isso, contudo, no ocorreu. Em conseqncia, a Oposio acabou se antecipando ao prprio MEC protocolando no dia 10 de fevereiro de 1998, atravs do deputado Ivan Valente (PT/SP), no Congresso Nacional, a sua proposta de Plano Nacional de Educao. Trata-se do texto resultante do II Congresso Nacional de Educao realizado de 6 a 9 de novembro de 1997 em Belo Horizonte. Dois dias depois, aos 12 de fevereiro, atravs de mensagem Presidencial acompanhada de exposio de Motivos do Ministro da Educao, deu entrada no Congresso o projeto de lei tendo anexo a proposta do MEC para o Plano Nacional de Educao (SAVIANI, 2004c, p.158-159).

As duas propostas de PNE - a apresentada pela oposio e a apresentada pelo governo eram bastante diferentes e conflitantes, pois expressavam perspectivas diferenciadas para a educao brasileira. Segundo Valente e Romano (2002),O PNE reivindicava o fortalecimento da escola pblica estatal e a plena democratizao da gesto educacional, como eixo do esforo para se universalizar a educao bsica. Isso implicaria propor objetivos, metas e meios audaciosos, incluindo a ampliao do gasto pblico total para a manuteno e o desenvolvimento do ensino pblico. O custo seria mudar o dispndio, equivalente a menos de 4% do PIB nos anos de 1990, para 10% do PIB, ao final dos 10 anos do PNE. (...) O PNE do governo insistia na permanncia da atual poltica educacional e nos seus dois pilares fundamentais: mxima centralizao, particularmente na esfera federal, da formulao e da gesto poltica educacional, com progressivo abandono, pelo Estado, das tarefas de manter e desenvolver o ensino, transferindo-as, sempre que possvel, para a sociedade (VALENTE & ROMANO, 2002, p.98-99).

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O governo de Fernando Henrique Cardoso tinha maioria na Cmara dos Deputados e no Senado; foi indicado o deputado Nelson Marchezan (PSDB/RS) para ser o relator na Comisso de Educao, cujo relatrio foi um substitutivo proposta da oposio e que recebeu o seu nome tornando-se o texto-base da lei que foi aprovada em 2001. O controle governamental, por possuir a maioria no Congresso Nacional, abreviou a participao social no debate do Congresso, inclusive fazendo preponderar nas audincias pblicas os convites para autoridades e tcnicos vinculados s posies oficiais (VALENTE & ROMANO, 2002, p.99). O substitutivo Marchezan foi aprovado no Congresso e consagrou como plano a poltica educacional que j era adotada pelo MEC. Em 9 de janeiro de 2001, na mensagem n 9, em que o presidente da repblica comunica os vetos aos parlamentares, Fernando Henrique Cardoso admitiu que sua posio foi ditada pela rea econmica do governo e no pelos seus auxiliares e organismos diretamente responsveis pela educao (VALENTE & ROMANO, 2002, p.105). Foram nove os vetos presidenciais ao que havia sido aprovado pelo Legislativo: o primeiro se referia educao infantil, quatro sobre o ensino superior, um se referia meta de ampliao de financiamento pblico para a pesquisa cientfica e tecnolgica e um determinava que o pagamento das aposentadorias e penses do ensino superior pblico deveria ser excludo das despesas de manuteno e desenvolvimento do ensino. Os outros dois vetos foram referentes ao financiamento pblico da educao. O principal item vetado foi o que determinavaElevao na dcada, atravs de esforo conjunto da Unio, estados, Distrito Federal e municpios, do percentual de gastos pblicos em relao ao PIB, aplicados em educao, para atingir o mnimo de 7%. Para tanto os recursos devem ser ampliados, anualmente, razo de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano (apud VALENTE & ROMANO, 2002, p.105).

Considerando que no PNE da Sociedade Brasileira previa-se um aumento de 4% do PIB para 10% ao final de 10 anos do plano, nota-se claramente as orientaes do Banco Mundial influindo nas decises governamentais do Brasil. Ghiraldelli Jr. (2003, p. 255) comenta que, nos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1999 e 1999/2003), proliferaram programas governamentais em educao. Isso se devia ao fato da amplitude do Plano Nacional de Educao e pelo pouco tempo que o governo e a sociedade teriam para tentar colocar a casa em ordem em termos educacionais. Para o autor, o

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Plano Nacional de Educao veio como resposta, em grande parte, presso e aos conselhos dos tecnocratas dos pases ricos, a partir da Conferncia da Tailndia (GHIRALDELLI JR., 2003, p.255). Portanto, no s a nova LDB, como tambm o Plano Nacional de Educao refletem as prescries externas que geraram diversas mudanas nos ltimos anos, tais como, o Fundo de Valorizao do Magistrio, as avaliaes externas nos Ensinos Superior, Mdio e Fundamental, a regulamentao da Educao Distncia entre outras, nas quais os educadores no so os protagonistas principais (GHIRALDELLI JR., 2003, p.256), pois os tecnocratas assumem esse papel e mesmo assim so seguidas as determinaes tendo em vista os emprstimos conseguidos junto ao Banco Mundial e outros organismos internacionais. Finalizamos esse item valendo-nos do estudo de Zotti (2004) ao verificar que o currculo oficial e o ensino so organizados de acordo com o contexto pelo qual passa o pas, atendendo aos interesses daqueles que tm poder. Assim, percebemos a nfase das disciplinas cientficas na primeira LDB em decorrncia do desenvolvimento urbano-industrial; o tecnicismo predominante no perodo militar para formar a mo-de-obra necessria ao mercado de trabalho e reservar as vagas do ensino superior para os filhos da elite com intenso controle ideolgico atravs da imposio de disciplinas como EMC, OSPB e ensino religioso; a lenta redemocratizao do pas e os falsos discursos de resgatar a dvida social por meio da educao para todos e, finalmente, o neoliberalismo vigente influenciando as polticas educacionais dos anos de 1990 com inovaes como, por exemplo, o controle de qualidade atravs das avaliaes externas.

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2.3. AS POLTICAS EDUCACIONAIS NO ESTADO DE SO PAULO NOS ANOS DE 1961 A 1998

Havia em So Paulo, em 1960, de acordo com Perez (2000), 1.754.943 estudantes, ou seja, 14% da sua populao total. No ano de 1990 o nmero de estudantes havia aumentado para 8.287.471, em todos os nveis de ensino regular, o que correspondia a 27% da sua populao total. Realmente, no perodo de 1960-1990 houve uma grande ampliao de matrculas no estado de So Paulo, que,[...] aconteceu em todos os nveis de ensino e abrangeu mais pessoas dos diferentes segmentos etrios: se, em 1960, havia uma forte concentrao de matrculas (92%) apenas no ensino fundamental, em 1990 ela tende a ser melhor distribuda entre os nveis, encontrando-se 10% na pr-escola, 72% no fundamental, 12% no mdio e 6% no superior (PEREZ, 2000, p.27).

De acordo com Perez (2000, p.29) nesses 30 anos houve trs momentos de ampliao da oferta de matrculas: o de intensa expanso (1960 a 1975); o da desacelerao do ritmo de crescimento (1975 a 1985) e o da retomada de crescimento (a partir de 1985). O primeiro momento (1960 a 1975) pode ser explicado pelo aumento da populao devido queda de mortalidade, nveis elevados de natalidade, visto que a exploso demogrfica se iniciou na dcada de 1940 at os primeiros anos da dcada de 1970, com a intensa migrao interna e externa, alm da crescente urbanizao. Associado urbanizao, no perodo de 1960 a 1967, realizou-se o ciclo da industrializao pesada, acompanhada da crise econmica e do desemprego industrial. De 1968 a 1975, perodo do milagre econmico, em plena ditadura militar, houve desenvolvimento e modernizao do interior e esse crescimento apoiou-se em bases criadas em anos anteriores, de acordo com Perez (2000). A indstria paulista apresentou crescimento acelerado, com taxa de 15%, mas havia segmentos da populao do estado, em especial a paulistana, com precrias condies de vida. Esse perodo de expanso de matrculas coincidiu com um cenrio poltico de mudanas advindas da passagem do regime democrtico para o ditatorial a partir de 1964. Durante esse perodo So Paulo teve dois governadores nomeados pelo governo militar: Abreu Sodr (1967/1971) e Laudo Natel (1971/1975).

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De 1975 a 1985, no segundo momento, houve uma desacelerao no ritmo de crescimento da populao devido queda do ndice de natalidade que teve por conseqncia a diminuio, tambm, do ritmo do crescimento das matrculas escolares. Porm, nesse perodo, a migrao interna continuou intensa exercendo grande impacto no sistema educacional, pois em 1980,[...] das crianas de 5 a 9 anos residentes no Estado, 12% eram oriundas de outros estados; na faixa etria de 10 a 14 anos esse percentual sobe para 17% e na faixa de 15 a 19 anos, 22% . Essa massa, oriunda basicamente da zona rural, chegava analfabeta e as famlias compostas por muitas crianas (PEREZ, 2000, p.32).

A urbanizao foi muito acentuada: 80% dos paulistas viviam nas cidades em 1980 e metade da populao do Estado vive na regio metropolitana de So Paulo, que atinge um grau de urbanizao da ordem de 98% (PEREZ, 2000, p.32). Nos anos de 1980 ocorreu um processo que Perez (2000, p.33) denomina de reurbanizao, pois investimentos pblicos so utilizados na malha viria e no sistema de transportes, havendo a valorizao do solo urbano. Houve, tambm, a expanso da rede escolar de forma generalizada por todas as regies, criando-se condies para que a populao migrante pudesse ter acesso escola. No entanto, com o crescimento das periferias dos grandes centros urbanos, encontraram-se dificuldades de conciliao entre a populao das periferias com o planejame