Dissertacao Valter
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(15) Hospital Antnio Teixeira Sobrinho. Dcada de 1930. Foto: Juventino Rodrigues? Acervo particular da Famlia Barberino.
(16) Hospital Antnio Teixeira Sobrinho. Dcada de 1930. Foto: Juventino Rodrigues? Acervo particular da Famlia Barberino.
Depois daqueles efusivos anos trinta, em que os ideais de progresso e civilizao
fizeram parte da sociedade local, foi somente entre as dcadas de cinqenta e
sessenta que se encontra novamente o mesmo clima festivo. Com a nova onda de
reformas no espao urbano da cidade, velhos prdios foram abaixo para a
construo de novas formas de arquitetura sob a tica da civilizao e do progresso
(Imagem 25 do captulo 2). Naquele perodo, o fotgrafo Osmar Micucci
acompanhou as transformaes ocorridas na paisagem urbana. Pela vasta
documentao encontrada do fotgrafo, pde ser identificado, entre os anos 1950 e
1960, um significativo nmero de imagens da arquitetura privada e pblica, nova ou
reformada na cidade. Isso leva compreenso de que existia uma vontade coletiva
de se preservar na memria fotogrfica as imagens daqueles edifcios. A hiptese
reforada pela existncia em grande nmero de repeties de temas entre outros
fotgrafos, como Amado Nunes e Lindencio Ribeiro, tanto no mesmo perodo como
em pocas diferentes. Pelo visto existia clientela suficiente para o consumo
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daquelas imagens na cidade, seja atravs de contrataes prvias ou pela aquisio
das mesmas atravs de lbuns ou postais.
Em 1959, Osmar Micucci produziu uma srie de fotografias externas e internas da
Capela do Bom Jesus da Glria. No plano externo, parecendo fazer referncia
antiga imagem de Juventino Rodrigues, ele fixou atravs de sua cmera, no mesmo
ngulo e enquadramento, uma apario da capela aps restauro (Imagem 17). Nos
planos internos, ele colheu detalhes da pintura do antigo braso gravada no arco
triunfal do alto da nave (Imagem 18) e do imaginrio religioso existente na igreja.
Tudo leva a crer que estivesse prestando servio para algum ou para alguma
instituio interessada na preservao do monumento, provavelmente para o ento
prefeito Florivaldo Barberino que, em 1960, entrou com solicitao ao SPHAN
Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - para a inscrio e tombamento
daquele e de outro monumento do municpio: a Igreja de So Miguel das Figuras,
com a colaborao do historiador franciscano Frei Venncio Willeke164. No livro do
referido autor foram encontradas outras fotografias da igreja, sem nenhuma
identificao de autoria, onde se v uma foto com Amado Barberino e Florivaldo
Barberino em pose ao lado do armrio da sacristia165. Pelo que se percebe, numa
poca em que cresciam, em vrias cidades, as discusses sobre a preservao de
monumentos histricos no Brasil, o prefeito quis gravar seu nome entre aqueles que
buscavam inserir Jacobina neste rol de cidades. Enquanto isso, motivados pela
aventura da modernidade, antigas construes particulares eram derrubadas para a
edificao de novos prdios.
164 Conforme texto Ligeiro Histrico das Igrejas de Jacobina, de Amado Barberino (datilografado). 165 WILLEKE, O. F. M. Venncio, Misses franciscanas no Brasil. Petrpolis, 1978, p. 92.
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(17-18) Igreja da Misso (Capela do Bom Jesus da Glria) e braso interno. Fotos: Osmar Micucci. 1959. Acervo particular do fotgrafo. (Negativos 6x6cm).
Nos anos 50, diversos novos prdios, pblicos e particulares, foram construdos,
modificando pouco a pouco a paisagem urbana de Jacobina. Pelo discurso
veiculado na imprensa, a cada novo prdio pblico surgido, crescia na populao o
sentimento de que a cidade estava se modernizando. Muitos daqueles espaos
foram fotografados na poca por Osmar Micucci. o caso, por exemplo, da agncia
dos Correios e Telgrafos, inaugurada em 1950 na Rua Senador Pedro Lago. At
aquele momento, os servios dos correios eram bastante precrios, como demonstra
Amado Barberino nas suas correspondncias, em 1948, onde constantemente
reclama dos deficientes servios prestados pelo senhor Correio166. O novo prdio
surgia como um alento de dias melhores. No se sabe se as mudanas atenderam
s exigncias do missivista Barberino. Seis anos aps a sua inaugurao, Osmar
Micucci registrou uma imagem isolada daquela arquitetura que passava a fazer parte
do cotidiano visual dos passantes no centro da cidade. Foram encontradas,
inclusive, nas fotografias do prdio, de Micucci e Nunes, constantes presenas de
pessoas em sua frente. A atitude, aparentemente simples, demonstra na prtica a
forma de uso do espao visual pela comunidade. Atribuindo ao monumento valor
esttico a populao deu a ele outro sentido, alm do funcional. Para o fotgrafo de
rua, ali estava mais um novo motivo e cenrio para as composies das imagens,
enquanto que para os fotografados ele valia como uma lembrana em frente ao
edifcio que remetia a novidade na cidade.
166 Correspondncia de Amado Barberino de 22 de abril de 1948.
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(19) Alunas em pose para fotografia em frente ao prdio dos Correios e Telgrafos. 1956. Foto: Osmar Micucci. Acervo particular do fotgrafo. (Negativo 6x6cm).
Os usos e valores que a populao faz e atribui cidade devem merecer a devida
ateno do pesquisador social. As fotografias de indivduos ou grupos diante dos
monumentos pblicos ou privados representam indcios dessas relaes
estabelecidas entre a comunidade e a sua cidade. o que diz o historiador de arte
Guilio Carlo Argan.
A cidade, dizia Marslio Ficino, no feita de pedras, mas de homens. So os homens que atribuem um valor s pedras e todos os homens, no apenas os arquelogos ou os literatos. Devemos, portanto, levar em conta, no o valor em si, mas a atribuio de valor, no importa quem a faa e a que ttulo seja feita167.
So os casos tambm dos diversos registros de edificaes residenciais e
comerciais produzidas naqueles anos na cidade. Ao contratar os servios de um
fotgrafo para produzir uma imagem de sua residncia pessoal ou estabelecimento
comercial, acredita-se que, diante da atitude de documentao, estava tambm
envolvida uma relao tanto de valorizao do carter esttico quanto da
comemorao do bem privado, aspecto sagrado do capitalismo. Com o advento da
fotografia, cristalizava-se o sentimento de pertencente ao lugar. O registro retm a
memria do indivduo em contextos especficos, como no nascimento de
logradouros (Imagem 7 do captulo 2) e nos locais consagrados e recm-erigidos na
cidade. Isto o que chama a ateno nas referncias ao envio de fotografias de
residncias e prdios comerciais para amigos e parentes de outras localidades,
167 ARGAN, Giulio Carlo. Histria da arte como histria da cidade. Traduo Per Luigi Cabra. So Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 228.
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como em uma foto onde Amado Barberino transmite o orgulho pela conquista
pessoal.
Junto envio uma fotografia do consultrio do Florivaldo, instalado em prdio prprio, por mim construdo, na antiga Praa da Matriz, hoje Castro Alves, no mesmo local onde tinha minha casa comercial.
Penso que o prdio no envergonha a terra de Afonso Costa168.
(20) Prdio residencial da Famlia Barberino. 1956. Foto: Osmar Micucci Acervo particular do fotgrafo. (Negativo 6x6cm).
interessante a forma como Amado Barberino acreditava que a qualidade esttica
do seu prdio no envergonharia a terra de Afonso Costa. O missivista refere-se
Jacobina numa provvel aluso ao artigo Minha Terra, que aquele escritor escrevera
em 1916 e pelo qual se notabilizou na cidade. Ele bem sabia que Afonso Costa
naquele texto fora bastante exigente quanto aos traos arquitetnicos das
edificaes em Jacobina. Costa informa, com pesar, que aps a grande destruio
de mais de cem casas provocada pela grande enchente de 1914, as novas
edificaes surgidas eram sem os ditames da esttica das cidades novas. A respeito
dos trs templos catlicos do sculo XVIII na cidade, o autor comenta a inexistncia
de traos de estilo clssico que a recomendem como obras de importncia
arquitetnica169.
Certamente, movido pelo conceito de arquitetura como produto das belas artes, a
postura rgida do historiador quanto aos edifcios de sua terra natal seja justificada.
No vendo ali nenhum monumento que lembre os traos do estilo clssico, Afonso
168 Correspondncia de Amado Barberino de 16 de maro de 1948. 169 COSTA, Afonso. Minha terra (Jacobina de antanho e de agora). In: Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia. Vol. II, 1916, pp. 235-319.
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Costa no havia levado em considerao a importncia da cultura local na definio
dos aspectos dos mesmos. A arquitetura, no entanto, segundo Carlo Argan, uma
arte por excelncia representativa.
Na cidade, todos os edifcios, sem excluso de nenhum, so representativos e, com freqncia, representam as malformaes, as contradies, as vergonhas da comunidade170.
Provavelmente a busca de uma aproximao do estilo clssico levou, entre fins da
dcada de 40 e incio de 50, a sede da Loja
Manica de Jacobina a ser construda com
duas colunas na sua entrada sugerindo
classicismo. Este tipo de detalhe foi bastante
difundido em reparties pblicas no Brasil.
Aquele edifcio, ainda que distante das
repres