Dissertação-Segregação. L.Freitas.pdf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS MESTRADO EM GEOGRAFIA PATRICIA CHAME DIAS A CONSTRUÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL EM LAURO DE FREITAS (BA): ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS E IMPLICAÇÕES DO PROCESSO Orientador Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva Salvador 2006

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAINSTITUTO DE GEOCINCIASMESTRADO EM GEOGRAFIA

    PATRICIA CHAME DIAS

    A CONSTRUO DA SEGREGAO RESIDENCIALEM LAURO DE FREITAS (BA):

    ESTUDO DAS CARACTERSTICAS E IMPLICAES DO PROCESSO

    OrientadorProf. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva

    Salvador2006

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAINSTITUTO DE GEOCINCIASMESTRADO EM GEOGRAFIA

    PATRICIA CHAME DIAS

    A CONSTRUO DA SEGREGAO RESIDENCIALEM LAURO DE FREITAS (BA):

    ESTUDO DAS CARACTERSTICAS E IMPLICAES DO PROCESSO

    Dissertao apresentada ao Instituto de Geocincias como requisito final obteno do ttulo de Mestre em Geografia

    OrientadorProf. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva

    Salvador2006

  • Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Shiguemi Fujimori, Instituto de

    Geocincias da Universidade Federal da Bahia

    D541 Dias, Patrcia Chame, A construo da segregao residencial em Lauro de Freitas (BA): estudo das caractersticas e implicaes do processo / Patrcia Chame Dias. _ Salvador, 2005. 200 f. : il. + Anexos.

    Orientador: Prof. Dr. Sylvio C. Bandeira de Mello e Silva. Dissertao (Mestrado) Ps-Graduao em Geografia

    Instituto de Geocincias da Universidade Federal da Bahia, 2006.

    Geografia humana 2. Geografia urbana Lauro de Freitas (BA) 3. Segregao residencial Lauro de Freitas (BA) 4. Desigualdade socioespacial Lauro de

    Freitas (BA) 5. Espao urbano I. Ttulo.

    CDU 911.9:711 (813.8) (043)

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAINSTITUTO DE GEOCINCIASMESTRADO EM GEOGRAFIA

    PATRICIA CHAME DIAS

    ORIENTADOR: PROF. DR. SYLVIO CARLOS BANDEIRA DE MELLO E SILVA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Submetida em satisfao parcial dos requisitos para obteno do grau de

    MESTRE EM GEOGRAFIA

    Cmara de Ensino de Ps-Graduao e Pesquisa

    da

    Universidade Federal da Bahia

    Aprovado em Comisso Examinadora

    ______________________________________ DR. SYLVIO BANDEIRA DE MELLO E SILVA

    (ORIENTADOR)

    ______________________________________ DR. PEDRO DE ALMEIDA VASCONCELOS

    ______________________________________ DRA. INAI MARIA MOREIRA DE CARVALHO

    Data de Aprovao: ____/ ____/ ______ Grau conferido em: ____/ ____/ _____

  • A meus filhos,

    smbolo da esperana

    de um mundo onde os homens sejam mais justos.

  • AGRADECIMENTOS

    Realizar uma dissertao , em teoria, uma jornada solitria em busca do conhecimento.Realmente, o pensar sobre algo, refletir frente a uma dada realidade, comparar teoria eprtica, construir idias... so processos de longo prazo e que exigem um esforointelectual individual. Mas, essa jornada e esse esforo se fazem acompanhar de pessoasque para ele contribuem direta ou indiretamente. Assim foi comigo. Desse modo, hmuitas pessoas a quem devo sinceros agradecimentos, algumas das quais nomearei aqui.Se parti da ignorncia dos conceitos geogrficos e lancei-me ao novo, porque algo memovia e porque no estava s. Dentre as idias que me moviam, estava a de que oconhecimento algo fundamental ao homem e que uma das poucas coisas que podempertencer inteiramente ao ser. Essa noo devo a meus pais, Luiz Carlos e Maria Jos,que, alm de me mostrarem a necessidade do saber, me fizeram acreditar na capacidade dealcan-lo. Portanto, meus agradecimentos iniciais so para aqueles que me deram a base,os ideais que subsidiaram algumas das decises que tomei pela vida afora.

    Cheguei no Instituto de Geocincias da UFBA como algum que nada sabia da Geografia(a no ser por algumas poucas coisas aprendidas, de forma nada brilhante, enquanto alunado 1 e 2 graus) e que buscava conhecimentos para ver se seguiria por esse caminho. Fuiacolhida carinhosamente pela professora Maria Auxiliadora da Silva e pelo professorDlio Jos Ferraz Pinheiro que, sem se importarem com de onde eu vinha, meintroduziram nos conceitos geogrficos atravs da literatura. Foi um caminho rduo eprazeroso, onde Jorge Amado e Milton Santos se juntaram no meu imaginrio e, atravsdeles, aprendi um pouco do que o espao. Se concluo agora este trabalho, tambm porconta dessas pessoas que merecem meu respeito, agradecimento e carinho. professoraCreuza Santos Lage tambm devo agradecer, pois, alm da orientao na elaborao doprojeto, foi com um trabalho de ordenamento territorial que me aproximei de formarigorosa, e com o olhar de quem indaga, do lugar onde vivo e que se tornou parte de meuobjeto de pesquisa. Ento, veio a seleo para o mestrado: projetos, provas e entrevistas.Antes do resultado, a ansiedade.

    Depois de aprovada, a insegurana. Seria capaz de enfrentar esse novo desafio? Oingresso nesse programa de mestrado representou muito para mim. Depois de tanto tempodistante do conhecimento, mais uma vez, me aventurava ao novo. E a cada dia, com cadaleitura sugerida e com as discusses de sala, revia meus objetivos de pesquisa, avaliavaminhas proposies, produzia novas reflexes. Dentre os professores com quem convivi eaprendi nessa etapa da vida, devo destacar o professor Sylvio Bandeira de Mello e Silva

    cujo nome j conhecia h muito que ao realizar um passeio pela teoria geogrficame fez conhecer essa cincia. Mais que isso, foi fundamental para a minha aproximaocom a Geografia sua gentileza de ter aceito ser o orientador dessa dissertao e de no terperdido a pacincia comigo, pelas inmeras vezes que lhe procurei cheia de dvidas,sendo sempre solicito, e por ter, ora mais prximo, ora mais distante, acompanhado odesenvolvimento desse estudo sem interferir no direcionamento que pretendia dar aomesmo. Sendo assim, os mritos do presente trabalho devem ser compartilhados com oprofessor Sylvio (que no tem responsabilidade sobre os demritos), a quem sinceramenteagradeo a colaborao. A professora Barbara-Christine Nentwig Silva, com quem notive a oportunidade de cursar qualquer disciplina, foi uma daquelas pessoas queencontramos em nosso caminho e aos poucos descobrimos algo que nos identifica, emboras vezes isso nem sempre aparea claramente. Pelas poucas conversas que tivemos e pelasorientaes que me deu contribuindo para que os equvocos cometidos nesse trabalhofossem diminudos (e tambm a pacincia em atender aos meus telefonemas dirigidos aoprofessor Sylvio), sou grata.

  • Outro professor que foi importante nessa jornada foi Pedro de Almeida Vasconcelos. Aoapresentar e discutir concepes de cidade ao longo da histria e com sua postura quasepsicanaltica frente aos conceitos, levantou questes e reflexes que me auxiliaram a

    pensar sobre a cidade e a formular algumas das linhas que conduziram a pesquisa queresultou nessa dissertao. Ademais, me fez estar atenta s palavras que empregava, aosseus significados e significantes. Por sua postura cientfica e a seriedade do trabalhoacadmico, contar com sua participao na minha banca motivo de muita satisfao.Agradeo-o, portanto, tambm por ter aceito continuar colaborando comigo at o trminodeste mestrado.

    A escolha de uma terceira pessoa que avaliasse mais de perto esse trabalho no foi difcil.Um nome veio de pronto minha mente: professora Inai Maria Moreira de Carvalho.Desde que tive contato com seu livro O Nordeste e o regime autoritrio, aprendi a admirara fora de suas palavras. Depois, por ocasio de uma atividade profissional, tiveoportunidade de conhec-la pessoalmente, ampliando minha admirao pela sua seriedadeacadmica. Assim, fico grata por ter participado da banca de avaliao deste trabalho,colaborando para o seu engrandecimento, o que foi, para mim, motivo de orgulho.

    Quanto aos colegas dessa jornada alguns tiveram uma contribuio especial. Agradeo aIsabela Albuquerque, Denise Maria Santos, Ndia Miranda, Miriam Cla Coelho Almeidae Meirelane Rodrigues Maia pelas sugestes, observaes e indicaes bibliogrficas,mas, principalmente pelo carinho.

    Devo acrescentar que as informaes prestadas pelos moradores das reas pesquisadasforam de muita importncia para este estudo. Faz-se, portanto, necessrio agradecer atodos que responderam aos questionrios de pesquisa. Alm disso, foi possvel obterdados significativos com os representantes da Associao Beneficente Recreativa Unidosdo Centenrio, Joo de Souza Arajo; da Associao Comunitria Desportiva CulturalSayonara, Manoel Lzaro do Nascimento e Antonio Dias; da Associao BeneficenteJardim Talism, Roque de Oliveira dos Santos e Diomedes Pereira da Silva; daAssociao de Moradores do Araqui, Maria Januria da Silva; e da Associao deProprietrios e Moradores do Loteamento Miragem, Miguel Polino. Do mesmo modo,foram de extrema relevncia as informaes, dados e documentos disponibilizados pelosfuncionrios da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas, em especial da Secretaria dePlanejamento, Saneamento, Meio Ambiente e Turismo: Mrcia Milan (Departamento deDados e Referncia); Obadias de Jesus Montanhas, Elton Batista, Nicanor Cardoso doValle (Mapoteca); e Georgeth Pain (Diretoria de Gesto Urbana). Tambm dessaPrefeitura, agradeo a Mayra Landin (Ncleo de Oramento Participativo) e AristonXavier Santana (Assessor da Prefeitura).

    No trabalho, contei tambm com a contribuio de colegas que merecem ser citados:Simone Arajo de Pinho e Cndida Ribeiro Santos, com quem ingressei nesse instituto;Lus Andr de Aguiar Alves, que elaborou e me ajudou a entender o que significava ondice de Gini e outros indicadores econmicos; Alade Portela, que digitou alguns dosmeus trabalhos; ngela Franco, com quem aprendi muito e que sempre me incentivou;Cludia Monteiro Fernandes pela compreenso das necessidades de uma mestrandaestressada com seus prazos quase esgotados; e ngela de Oliveira Belas pela ajuda naelaborao do projeto e o apoio constante. Mas, principalmente, a Diva Maria FerlinLopes, que de colega de trabalho tornou-se amiga de vida, tenho muito a agradecer.

    Durante o perodo em que fazia esse curso, aconteceram fatos na minha vida que, por isso,mudou em muitos aspectos. Uma pessoa querida partiu e com isso, durante bom perodo, atristeza abateu-se sobre minha casa. Foi um tempo difcil de mudanas e reformulaes e,dentre outras pessoas, em Diva encontrei uma pessoa que me apoiou constantemente, comquem dividi as angstias, as inseguranas e as dificuldades; por isso, minha gratido a ela

  • grande: mais do que me ajudar a concluir esse mestrado, me ajudou a ter foras nummomento difcil. Contei tambm com a solidariedade do professor Sylvio Bandeira, o queme fez ter mais motivos para admir-lo.

    Mas esse tambm foi um perodo em que recebi presentes maravilhosos! Ganhei doisfilhos que vieram, junto com meu precioso e generoso Pedro, a compor uma grande eagitada famlia: Lucas que chegou de surpresa, com toda energia de algum quedesabrocha para o novo, me re-ensinando o quanto bonito descobrir a vida e Rafael

    que veio por um susto, pela dor, para me mostrar o quanto sou forte e capaz de amar. Aesses trs meninos agradeo muito; agradeo pela ajuda no trabalho (Pedro e Rafael,principalmente este ltimo, me ajudaram nas tabulaes e na digitao), masprincipalmente por entenderem a minha impossibilidade de acompanh-los mais de pertoenquanto elaborava essa dissertao. Tambm agradeo, e muito, ao meu companheiroFrancisco que sempre, desde antes de entrar no Mestrado em Geografia, me incentivava,acreditando na minha capacidade intelectual e na possibilidade de superar os limites. Ele,do mesmo modo que as crianas, arcou com horas de ausncia, mas constantementeincentivava a pesquisadora e (coitado!) arcou com o nus de ser o primeiro leitor de umasrie de textos que resultaram em captulos dessa dissertao. Suas observaes e crticas,quase sempre incorporadas, foram importantes contribuies tericas, mas, especialmente,prova de respeito e de amor.

    Comecei pela famlia e a ela retorno. Se ainda h outros a quem devo agradecer, como professora Maria Elvira Passos Costa (com quem tive a oportunidade de fazer a atividadede tirocnio docente), Priscila Anunciao (que abdicou de parte de suas horas de lazerpara cuidar de Lucas enquanto terminava trabalhos), Raoni Ferlin (que trabalhou nosmapas e fotos), a Dirce Vieira (secretria do Mestrado, sempre me ajudando no que foipossvel), sem minha famlia esse trabalho no seria possvel. Pela formao que tive nopassado e pelo apoio que recebo no presente, agradeo a meus pais, a meu marido e,especialmente, a meus filhos que me acompanharam e vibraram por mim todo o tempo eque me motivam a tentar a ajudar a construir um mundo menos desigual.

  • Eu estava vendo o que s teria sentido mais tarde quero dizer, s mais tarde teria profunda falta de sentido.

    S depois que eu iria entender:o que parece falta de sentido o sentido.

    Clarisse Linspector. 1986

  • RESUMO

    Pouco aps sua emancipao, em 1962, Lauro de Freitas passou por uma srie de transformaes emsua organizao scio-espacial e dinmica socioeconmica. Situado na Regio Metropolitana deSalvador (RMS), em processo associado s transformaes estruturais da economia e redefiniofuncional dos municpios dessa regio, Lauro de Freitas experimentou um intenso crescimentodemogrfico e sua populao de, aproximadamente, 10 mil habitantes em 1970, passou para 113 milpessoas em 2000. Favoreceram essa dinmica, a proximidade de Salvador, dos principais plosindustriais do Estado e a ao do mercado imobilirio que fragmentou o solo do municpio eminmeros loteamentos populares que, poca da implantao, apresentavam precrias condiesestruturais. Esses empreendimentos, que se localizaram, predominantemente, em Itinga, local detopografia acidentada situado na divisa com a capital, pretendiam atender demanda de casa prpriadas classes populares. Noutra parte do municpio, especialmente na orla, no que atualmente denominado Atlntico Norte, foram lanados loteamentos voltados s classes mdias e altas, sob osigno da fuga dos males urbanos e da melhor qualidade de vida. Desde ento, observou-se alocalizao diferenciada das classes sociais nesse espao. Nos anos 90, esses processos se mantiverame aprofundaram, sendo que na rea destinada aos mais abastados verificou-se um intenso avano donmero de novos empreendimentos (especialmente condomnios fechados), consolidando um processode segregao residencial. Partindo do entendimento de que o espao condio e condicionante dosprocessos sociais, que, no capitalismo, ele produzido sobretudo, para manter as condies dereproduo social e que as elites buscam se apropriar do Estado para que ele represente seus interesses,buscou-se com esse trabalho discutir as formas e as escalas sob as quais o processo de segregaoresidencial pode ser identificado em Lauro de Freitas, analisando as diferentes caractersticas doslocais de moradia das distintas classes sociais em dois de seus distritos: Itinga e Atlntico Norte.

    Palavras chave: Espao urbano. Lauro de Freitas. Organizao socioespacial. Desigualdade scio-espacial. Dinmica socioeconmica. Segregao residencial.

  • ABSTRACT

    After its emancipation, in 1962, Lauro de Freitas passed by a series of transformations in its spatialand socioeconomic dynamic organization. Located in the Metropolitan Area of Salvador (MAS), suchprocess associated to the structural transformations of the state economy and the functionalredefinition of the municipalities of the area, Lauro de Freitas has experimented an intensedemographic growth from, approximately, 10 thousand inhabitants in 1970 grew to 113 thousandpeople in 2000. The socioeconomic growth was favored by the neighborhood of Salvador, the mainindustrial poles of the State and the action of the real estate market that fragmented the soil of themunicipal district into countless popular lots that, at the time of its implantation, they presentedprecarious structural conditions. Those enterprises were located, predominantly, in Itinga, a municipaldistrict that presents great topographic irregularities, located in the frontier of the state capital werethey regarded the demand for home ownership from the popular classes. In another district of themunicipality, especially in the ocean side denominated now Atlntico Norte, the divisions into lotswere directed to the middle and upper classes and under the sign of escapement from of the urban evilsand better quality of life. Since then, the differentiated location of the social classes was observed inthe space. In the nineties, those processes deepened but in the area designated to the wealthiest peoplean intense progress of the number of new enterprises was verified (above all gated condominiums),consolidating a process of residential segregation. Understanding that the space is a condition and thatit conditions the social processes and, in the capitalism, it is produced above all to maintain the socialreproduction conditions and that the elites look up to the State as an authority to represent theirinterests, this study discuss the forms and the scales under which the process of residential segregationcan be identified in Lauro de Freitas, analyzing the different characteristics of the residential places ofthe different social classes in two of its districts: Itinga and Atlntico Norte.

    Key words: Urban space. Lauro de Freitas. Spatial-social organization. Social space inequalitySocioeconomic dynamic organization. Residential segregation.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Diviso poltico-administrativa atual da Regio Metropolitana de Salvador....................... 52

    Figura 2 Limites polticos-administrativos de Lauro de Freitas ......................................................... 79

    Figura 3 Localizao das principais vias de circulao e dos principais plos industriais daRMS..................................................................................................................................... 80

    Figura 4 Planta destinada a divulgar a primeira etapa do loteamento Vilas do Atlntico ................ 104

    Figura 5 Localizao dos distritos de Lauro de Freitas .................................................................... 114

    Figura 6 Espacializao dos loteamentos populares e outros equipamentos no distrito de Itingaem 1998 ............................................................................................................................. 119

    Figura 7 Espacializao de loteamentos, condomnios e outros equipamentos existentes nodistrito do Atlntico Norte em 1998 .................................................................................. 129

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 -Densidade demogrfica de Lauro de Freitas, 1970-2000..................................................... 66

    Grfico 2 Escolaridade dos moradores com 10 anos e mais das reas selecionadas de Itinga edo Atlntico Norte, 2005.................................................................................................. 144

    Grfico 3 Motivos de mudana para o atual domiclio segundo os moradores das reasselecionadas de Itinga, 2005 ............................................................................................ 152

    Grfico 4 Motivos de mudana para o atual domiclio segundo os moradores das reasselecionadas de Atlntico Norte, 2005............................................................................. 153

    Grfico 5 Formas de construo do imvel segundo os moradores das reas selecionadas deItinga e do Atlntico Norte, 2005..................................................................................... 156

    Grfico 6 Caractersticas gerais das paredes externas dos domiclios das reas selecionadas emItinga e no Atlntico Norte, 2005..................................................................................... 158

    Grfico 7 Tipo de cobertura dos domiclios das reas selecionadas em Itinga e no AtlnticoNorte, 2005 ...................................................................................................................... 158

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Populao total absoluta dos municpios da RMS, 1940-2000 e estimativas depopulao para 2005............................................................................................................ 58

    Tabela 2 Participao relativa da populao total dos municpios da RMS na composio dapopulao regional, 1940-2000 e estimativas de populao para 2005............................... 58

    Tabela 3 Taxas de crescimento demogrfico dos municpios da RMS, 1960-2000........................... 59

    Tabela 4 Incremento relativo da populao total dos municpios da RMS, 1940-2000 ..................... 60

    Tabela 5 Populao total, urbana e rural e grau de urbanizao de Lauro de Freitas, 1960-2000 ..... 65

    Tabela 6 Taxas de crescimento total, urbana e rural, 1960-2000 ....................................................... 66

    Tabela 7 Populao economicamente ativa de Lauro de Freitas, por setor de atividade, 1970-2000 ..................................................................................................................................... 67

    Tabela 8 Pessoas residentes em Salvador e Lauro de Freitas com 10 anos e mais de idade porgrupo de anos de estudo, 1991-2000 ................................................................................... 69

    Tabela 9 Rendimento mdio mensal da populao economicamente ativa de Lauro de Freitas,1980-2000............................................................................................................................ 69

    Tabela 10 Localizao, nmero mdio e rea dos lotes dos loteamentos populares implantadosem Lauro de Freitas entre 1963 e 1980 ............................................................................... 95

    Tabela 11 rea, populao absoluta e relativa, densidade demogrfica e uso dominante dosdistritos de Lauro de Freitas, 2000 .................................................................................... 115

    Tabela 12 Quantidade de loteamentos e condomnios implantados nos distritos de Itinga eAtlntico Norte entre 1975 e 2002, por ano de implantao ............................................. 128

    Tabela 13 Distribuio da populao das reas selecionadas de Itinga e do Atlntico Norte porgrupos etrios, 2005........................................................................................................... 142

    Tabela 14 Local de nascimento dos moradores das reas selecionadas de Itinga e do AtlnticoNorte, 2005 ........................................................................................................................ 143

    Tabela 15 Atividades exercidas pelos moradores das reas selecionadas de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 146

    Tabela 16 Vnculo empregatcio das pessoas que trabalham nas reas selecionadas de Itinga edo Atlntico Norte, 2005 ................................................................................................... 146

    Tabela 17 Tempo de desemprego dos moradores das reas selecionadas de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 148

    Tabela 18 Local onde os moradores das reas selecionadas de Itinga e do Atlntico Norteexercem suas atividades, 2005........................................................................................... 148

    Tabela 19 Local de residncia anterior dos moradores das reas selecionadas de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 149

    Tabela 20 Tempo de residncia no atual domiclio dos moradores das reas selecionadas deItinga e do Atlntico Norte, 2005 ...................................................................................... 150

    Tabela 21 Motivos de mudana para o atual domiclio segundo os moradores das reasselecionadas de Itinga e do Atlntico Norte, 2005 ............................................................ 151

    Tabela 22 Vantagens de residir no atual endereo segundo os moradores de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 153

  • Tabela 23 Desvantagens de residir no atual endereo segundo os moradores de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 154

    Tabela 24 Formas de aquisio do imvel segundo os moradores das reas selecionadas deItinga e do Atlntico Norte, 2005 ...................................................................................... 155

    Tabela 25 Caractersticas gerais externas dos domiclios das reas selecionadas em Itinga e noAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 157

    Tabela 26 Nmero mdio de moradores por domiclio das reas selecionadas de Itinga e doAtlntico Norte, 2005 ........................................................................................................ 159

    Tabela 27 Relao entre o nmero de moradores por cmodos nos domiclios das reasselecionados de Itinga e do Atlntico Norte, 2005 ............................................................ 160

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Ano de emancipao, natureza do ato legal e origem dos municpios da RMS ................. 53

    Quadro 2 Origem, nome e rea dos loteamentos populares implantados em Itinga entre 1970 e1980 ..................................................................................................................................... 83

    Quadro 3 Nome e rea dos loteamentos populares sem origem determinada implantados emItinga entre 1967 e 1980 ...................................................................................................... 84

    Quadro 4 Origem, nome e rea dos loteamentos destinados aos segmentos sociais maisabastados implantados em Lauro de Freitas entre 1966 e 1979 ........................................ 101

    Quadro 5 Loteamentos e condomnios implantados no Atlntico Norte entre 1981 e 2002 ............ 124

  • LISTA DE FOTOS

    Foto 1 Festa de posse do primeiro prefeito de Lauro de Freitas realizada na Praa da IgrejaMatriz em 07 de abril de 1963 ............................................................................................... 76

    Foto 2 Praa da Igreja Matriz .............................................................................................................. 76

    Foto 3- Rua Abelardo Andra, anos 1960 ............................................................................................. 77

    Foto 4 Rua transversal do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980 .................... 87

    Foto 5 Vista panormica do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980................. 88

    Foto 6 Avenida Fortaleza em setembro/outubro de 1980................................................................... 89

    Foto 7 Avenida So Cristvo em setembro/outubro de 1980 ........................................................... 90

    Foto 8 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980 ............................................................. 90

    Foto 9 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980 ............................................................. 90

    Foto 10 Estabelecimento comercial situado no loteamento Vila do Almeida emsetembro/outubro de 1980...................................................................................................... 91

    Foto 11 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980 ........................................................... 92

    Foto 12 Casas do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980 ................................. 93

    Foto 13 Pea publicitria do loteamento Vilas do Atlntico ............................................................ 103

    Foto 14 Vista panormica do loteamento Vilas do Atlntico no vero de 1979/1980 ..................... 106

    Foto 15 Evento promocional de lanamento de uma das etapas do loteamento Vilas doAtlntico............................................................................................................................... 107

    Foto 16 Vista panormica do loteamento Vilas do Atlntico em meados dos anos 1980 ................ 108

    Foto 17 Placa anunciando a data de ligao do loteamento Vilas do Atlntico rede geral degua ...................................................................................................................................... 109

    Foto 18 Praa da Matriz e Igreja de Santo Amaro de Ipitanga......................................................... 116

    Foto 19 Chafariz da praa do Largo do Caranguejo......................................................................... 121

    Foto 20 rea para eventos da praa do Largo do Caranguejo.......................................................... 121

    Foto 21 Avenida So Cristvo........................................................................................................ 121

    Foto 22 Fim de Linha das Kombis ................................................................................................... 122

    Foto 23 27 Complexo Policial e Parque Santa Rita ........................................................................ 122

    Foto 24 Colgio Municipal Deputado Joo Leo ............................................................................. 122

    Foto 25 Vista panormica de Vilas do Atlntico.............................................................................. 123

    Foto 26 Parte da rea de lazer do condomnio Eco Vilas ................................................................. 125

    Foto 27 Terceira portaria de Vilas do Atlntico ............................................................................... 125

    Foto 28 Vilas do Atlntico, Shopping Malibu.................................................................................. 126

    Foto 29 Vilas do Atlntico, vista da orla .......................................................................................... 127

    Foto 30 Araqui, Largo de Arcanja.................................................................................................... 130

    Foto 31 Portaria do condomnio Royal Ville.................................................................................... 131

    Foto 32 Portaria do condomnio Vila Solaris ................................................................................... 131

    Foto 33 Foz do Rio Joanes ............................................................................................................... 132

  • Foto 34 Buraquinho, condomnio Marina ........................................................................................ 133

    Foto 35 Foto 35 Buraquinho, condomnio situado dentro do condomnio Foz do Rio Joanes......... 133

    Foto 36 Loteamento Jardim Centenrio ........................................................................................... 135

    Foto 37 Loteamento Sayonara.......................................................................................................... 135

    Foto 38 Loteamento Jardim Talism ................................................................................................ 136

    Foto 39 Vista panormica de Vilas do Atlntico.............................................................................. 137

    Foto 40 Loteamento Miragem, cruzamento das ruas Ana C. B. Dias e Eliene S. Bonfim ............... 137

    Foto 41 Pitangueiras ......................................................................................................................... 137

    Foto 42 Araqui.................................................................................................................................. 137

    Foto 43 Localizao dos pontos de referncia e das reas de pesquisa no distrito de Itinga............ 140

    Foto 44 Localizao dos pontos de referncia e das reas de pesquisa no distrito AtlnticoNorte..................................................................................................................................... 141

    Foto 45 Loteamento Jardim Centenrio, rua Jorge Sales ................................................................. 162

    Foto 46 Loteamento Jardim Centenrio, rua Ismael Souza Conceio ............................................... 162

    Foto 47 Loteamento Jardim Centenrio, rua Cardeal Brando Vilela.............................................. 163

    Foto 48 Loteamento Jardim Centenrio, rua Cardeal Brando Vilela.............................................. 163

    Foto 49 Loteamento Jardim Centenrio, travessa Gilberto Matos ................................................... 164

    Foto 50 Loteamento Jardim Centenrio, rua Ismael Souza Conceio ............................................ 164

    Foto 51 Loteamento Sayonara, rua Jos Cardoso dos Santos ( 1 trecho ) ..................................... 166

    Foto 52 Loteamento Sayonara, rua Jos Cardoso dos Santos ( 2 trecho ) ..................................... 166

    Foto 53 Loteamento Sayonara, rua Jos Cardoso dos Santos ( 2 trecho ) ..................................... 167

    Foto 54 Loteamento Sayonara, rua Jos Cardoso dos Santos ( 3 trecho ) ..................................... 167

    Foto 55 Loteamento Sayonara, rua Jos Cardoso dos Santos ( 3 trecho ) ..................................... 168

    Foto 56 Loteamento Jardim Talism, rua Snia dos Santos Nunes.................................................. 169

    Foto 57 Loteamento Jardim Centenrio, rua Jorge B. Santos .......................................................... 169

    Foto 58 Loteamento Jardim Talism, rua Gildete G. de Jesus...................................................... 169

    Foto 59 Foto 59 Loteamento Jardim Talism, rua Gildete G. de Jesus ........................................ 169

    Foto 60 Loteamento Jardim Talism, 2 Travessa Carlos Coutinho................................................. 170

    Foto 61 Loteamento Jardim Talism, 2 Travessa Carlos Coutinho................................................. 171

    Foto 62 Loteamento Jardim Talism, rua Presidente Tancredo Neves ............................................ 171

    Foto 63 Loteamento Jardim Talism, rua Presidente Neves ............................................................ 171

    Foto 64 Residncia de antiga moradora de Pitangueiras .................................................................. 174

    Foto 65 Residncia de antiga moradora do Araqui .......................................................................... 174

    Foto 66 Araqui, 2 Travessa Rodolfo B. B. Barros .......................................................................... 174

    Foto 67 Araqui, 2 Travessa Rodolfo B. B. Barros .......................................................................... 174

    Foto 68 Araqui, rua Brigadeiro Alberto Costa Matos ..................................................................... 175

    Foto 69 Araqui, rua Brigadeiro Alberto Costa Matos ...................................................................... 175

    Foto 70 Araqui, casas populares situadas na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos.......................... 175

  • Foto 71 Araqui, casa de classe mdia situada na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos ................... 176

    Foto 72 Pitangueiras, rua Nomia Paranhos..................................................................................... 176

    Foto 73 Pitangueiras, rua Jos Bonifcio ......................................................................................... 177

    Foto 74 Pitangueiras, rua Jardim Ipanema ....................................................................................... 178

    Foto 75 Pitangueiras, domiclios de classe mdia na rua Jardim Ipanema....................................... 178

    Foto 76 Pitangueiras, domiclios de diferentes classes sociais na rua Jardim Ipanema.................... 178

    Foto 77 Loteamento Miragem, rua Edgar B. Franco........................................................................ 179

    Foto 78 Loteamento Miragem, rua Edgar B. Franco........................................................................ 179

    Foto 79 Vilas do Atlntico, esquina da avenida Praia de Guarapari e rua Praia da Sereia............... 180

    Foto 80 Vilas do Atlntico, rua Praia de Amaralina......................................................................... 180

    Foto 81 Vilas do Atlntico, rua fechada ........................................................................................... 180

    Foto 82 Vilas do Atlntico, calada ajardinada ................................................................................ 181

    Foto 83 Vilas do Atlntico, rua Praia da Sereia................................................................................ 181

    Foto 84 Vilas do Atlntico, rua Praia da Pacincia, Pitangueiras ao fundo ..................................... 182

    Foto 85 Pitangueiras, rua Nomia Paranhos, Vilas do Atlntico ao fundo ...................................... 182

  • SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE GRFICOS

    LISTA DE GRFICOS

    LISTA DE TABELAS

    LISTA DE QUADROS

    LISTA DE FOTOS

    1 INTRODUO............................................................................................................................ 23

    2 O ESPAO URBANO NA SOCIEDADE CAPITALISTA: A QUESTO DASEGREGAO RESIDENCIAL .............................................................................................. 28

    2.1 PROCESSOS E AGENTES RESPONSVEIS PELA ESTRUTURAO DO ESPAOURBANO.................................................................................................................................... 29

    2.2 A DISTRIBUIO DAS RESIDNCIAS DISCUTINDO A SEGREGAO................... 36

    2.2.1 Notas sobre as caractersticas da evoluo do processo......................................................... 36

    2.2.2 Reflexes sobre o conceito de segregao................................................................................ 41

    3 CONTEXTO DE EMANCIPAO, O ADENSAMENTO E A URBANIZAO DELAURO DE FREITAS: ASPECTOS GERAIS E DADOS ESTATSTICOS........................ 51

    3.1 LOCALIZAO E CONTEXTO GERAL DE EMANCIPAO............................................ 51

    3.2 DINMICA SOCIODEMOGRFICA DA RMS NA SEGUNDA METADE DOSCULO XX E O DESTACADO CRESCIMENTO DE LAURO DE FREITAS .................... 57

    3.3 PARTICULARIZANDO LAURO DE FREITAS: ADENSAMENTO, URBANIZAOE ALTERAO DO PERFIL POPULACIONAL..................................................................... 64

    4 LAURO DE FREITAS: HISTRICO DE CRIAO DO MUNICPIO E AFRAGMENTAO SOCIAL E ESPACIAL ........................................................................... 72

    4.1 BREVE HISTRICO DE CRIAO E CARACTERSTICAS GERAIS ................................ 72

    4.2 A CONSTRUO DA FRAGMENTAO ESPACIAL E SOCIAL DOMUNICPIO: O ESTADO E OS AGENTES IMOBILIRIOS................................................. 80

    4.2.1 Os loteamentos populares e a espacializao dos mais pobres.............................................. 82

    4.2.2 Os loteamentos para as classes mais abastadas ...................................................................... 98

    4.3 DA FRAGMENTAO DAS PROPRIEDADES SEGREGAO RESIDENCIAL ........ 111

    5 A FRAGMENTAO SOCIAL E ESPACIAL E AS ESCALAS DA SEGREGAORESIDENCIAL EM LAURO DE FREITAS .......................................................................... 114

    5.1 CONDIES GERAIS DE MORADIA, DE ACESSO A SERVIOS E DE CONSUMODOS DISTRITOS DE ITINGA E DO ATLNTICO NORTE ................................................ 118

    5.2 AS DESIGUALDADES SCIO-ESPACIAIS DE ITINGA E DO ATLNTICO NORTEE AS FORMAS DA SEGREGAO RESIDENCIAL ........................................................... 133

    5.2.1 Diferenas e semelhanas entre moradores e condies de moradia das reasselecionadas: dados da pesquisa de campo ........................................................................... 142

    5.2.2 A segregao dentro da rea segregada ................................................................................ 162

    5.2.3 A segregao produzida pela auto-segregao ..................................................................... 173

  • 6 CONCLUSO: PRODUO E IMPLICAES DA SEGREGAORESIDENCIAL.......................................................................................................................... 183

    REFERNCIAS ................................................................................................................................ 193

    ANEXOS ............................................................................................................................................ 198

  • APRESENTAO

    O objetivo inicial desta dissertao era o de analisar as mudanas ocorridas na

    organizao espacial de Lauro de Freitas verificando a importncia do componente

    migratrio nesse processo. Com essa perspectiva em mente, iniciei as pesquisas e as

    caminhadas por esse municpio. Mas, a realidade algo surpreendente; o que nos parece

    to familiar, comum e estabelecido de repente se torna uma indagao. Ao andar pelas

    ruas de Lauro de Freitas, h muito meu espao cotidiano, com o olhar daquele que

    questiona, pude provar, sentir, tocar os frutos da intensa desigualdade existente em

    nossa sociedade. E se sempre me indignei com essa situao, conviver mais proximamente

    a ela aumentou esse sentimento e redirecionou este trabalho. Foram novas e muitas

    questes que surgiram, mas, diante do exguo tempo de pesquisa e maturao terica que

    um mestrado moderno impe, tive que optar por uma delas.

    Centrei-me na casa, ou melhor, nas diferenas entre as casas e os locais onde esto as

    casas dos homens. A casa o cotidiano, o aconchego, o lar; para onde o homem retorna

    aps a labuta diria, onde deposita seus objetos, sonhos e frustraes. Simboliza a famlia,

    o local de vivncia e convivncia; reflete e representa o prprio eu. A casa o lugar do

    homem no mundo. Mas, como esse lugar? Mais precisamente, como so esses lugares

    onde esto as casas dos homens que, em nossa sociedade, so diferenciados e valorados

    por aquilo que so capazes de possuir?

    Eis a idia central que passou a guiar esse trabalho: empreender uma anlise das diferentes

    caractersticas dos locais de moradia dos residentes de Lauro de Freitas, e de como as

    desigualdades sociais, que se expressam no espao, repercutem na vida das pessoas. Viu-

    se com clareza que o espao dos pobres e dos ricos, mesmo quando muito prximos,

    assim como as posies que ocupam no mundo da produo, apresentavam-se diferentes.

    Mas as queixas, essas eram semelhantes. O que chamou a ateno foi que, de modo geral,

    aqueles que residem onde h melhor infra-estrutura, em casas com maior qualidade, tm

    muitas reclamaes e reivindicaes. Os mais pobres, com suas angstias e problemas

    estruturais, ainda que com reclamaes e problemas, se mostravam satisfeitos com sua

    moradia, embora em ruas sem pavimentao, com esgoto correndo a cu aberto, onde as

    caladas eram cobertas pelo mato. Essa questo, embora instigante, foi uma das que no

    se abordou nesse trabalho.

    Do mesmo modo, no se pretendeu investigar por que, embora as desigualdades sejam to

    intensamente marcadas na paisagem e aqueles que pouco tem morem em frente de casas

    amplas, com muros altos e sistemas de segurana guardando carros caros e pessoas com

    medo, no questionam essa situao, no se revoltam ... apenas se acostumam. Tampouco

    se estudou detidamente o papel da ideologia da segurana/violncia como produtora dos

    lugares, embora essa idia tenha permeado a maioria das falas dos entrevistados.

  • O foco desta dissertao foi estabelecer o nexo entre caractersticas dos lugares e das

    pessoas que nele moram; tentando analisar tais correlaes. Buscou-se entender quem,

    como e porque foram produzidas as estruturas espaciais e suas conseqncias na vida das

    pessoas. Trabalhou-se, nesse sentido, com o conceito de segregao residencial,

    verificando a intensidade e as escalas em que emergem as desigualdades espaciais no

    municpio em foco e tentando-se identificar os principais processos e agentes responsveis

    por sua consolidao. Subliminarmente a esse objetivo acadmico, esto antigas idias e

    indagaes pessoais. Desse modo, o que norteou a proposta desse estudo foi tanto a

    tentativa de compreender os temas propostos, como provocar reflexes e questionamentos

    que produzam novos estudos e estimulem aes que minimizem as conseqncias das

    intensas, e estruturais ao sistema capitalista, desigualdades scio-espaciais.

  • 23

    1 INTRODUO

    A noo que fundamenta as reflexes apresentadas nesta dissertao a de que as

    desigualdades sociais encontram uma expresso espacial e que o espao que as pessoas

    produzem e ocupam lhes atribui um valor e contribui para a maior ou menor acessibilidade

    aos seus direitos. Para empreender uma discusso em torno dessas idias mais gerais,

    procurou-se analisar a distribuio das residncias das diferentes classes sociais1 em um

    municpio da Regio Metropolitana de Salvador, Lauro de Freitas.

    O espao urbano das grandes cidades contemporneas registra na sua paisagem os

    ideais que sustentam o sistema capitalista. Especialmente no que tange s desigualdades,

    materializa e sintetiza as mltiplas estruturas e ideologias sociais estabelecidas ao longo do

    tempo e que incidiram nas diferentes espacializaes das classes sociais; em sendo assim, a

    forma como se distribuem os locais de moradia dos diferentes segmentos sociais no se faz ao

    acaso, mas de acordo com a lgica de um determinado perodo histrico. No caso latino

    americano, em particular, o brasileiro, onde a renda tem sido o fator fundamental dessa

    separao, experimentou-se alterao das dinmicas que, conforme os interesses das elites,

    resultaram na localizao das diferentes classes sociais nas regies metropolitanas.

    Na dcada de 1970, de forma geral, verificou-se um processo de periferizao das

    classes populares que, dado o custo de residir nas grandes cidades e em busca da possibilidade

    de acesso casa prpria, migrava para reas mais distantes e onde a terra fosse mais acessvel.

    Em tais reas, as condies de vida eram, predominantemente, precrias. A partir dos anos

    1980, parcelas da classe mdia tenderam a se deslocar para municpios prximos dos ncleos

    metropolitanos que se apresentassem como distantes dos problemas decorrentes das grandes

    centros urbanos. Buscou-se espaos com qualidade de vida e com um custo menor do

    existente nas reas centrais e nas j caracterizadas como de elite das grandes cidades. Nesse

    caso, diferindo dos mais pobres, que por fora da necessidade se aventuravam em reas sem

    infra-estrutura, a idia era morar em loteamentos com algum diferencial (espaos de lazer,

    proximidade natureza, amenidades etc), com alguma facilidade de acesso ao centro, e com,

    ao menos, infra-estrutura bsica. Destaque-se que nessa poca comearam a despontar os

    condomnios fechados em municpio prximo ao ncleo metropolitano, esboando a

    possibilidade de total afastamento da cidade e todos os seus males. Importa destacar que, em

    1 Neste trabalho, no est em pauta a discusso do conceito de classe social, adota-se a noo mais geral de queuma classe expressa a posio do indivduo no mundo da produo, acrescentando-se na definio de umaclasse, alm da renda e da ocupao, deve-se considerar identidade de valores, interesses e possibilidade deacesso aos seus direitos.

  • 24

    ambos os momentos, evidenciava-se a propenso da separao espacial das distintas classes

    sociais, com cada uma delas tendendo a predominar sobre as demais em determinadas reas,

    indicando um processo de segregao residencial.

    O municpio de Lauro de Freitas chamou a ateno por ter experimentado intenso

    crescimento demogrfico nas ltimas dcadas. Emancipado no comeo dos anos 1960, com

    menos de 10 mil habitantes (vivendo, sobretudo, em propriedades rurais), no bojo de uma

    srie de mudanas estruturais da economia baiana que tiveram como uma de suas

    conseqncias a ampliao da classe mdia e a intensificao dos fluxos migratrios para essa

    regio , j na dcada de 1970 verificou reflexos do processo de periferizao dos mais

    pobres, fato associado sua proximidade de Salvador. Como conseqncia das alteraes

    scio-espaciais observadas na capital, recebeu como migrantes pessoas de baixa renda, pouco

    escolarizadas e que se inseriam mais precariamente no mundo de trabalho em muito por conta

    da ao intensa do mercado imobilirio, que instalou inmeros loteamentos populares no seu

    territrio. Ao mesmo tempo, observou-se a criao de empreendimentos destinados aos

    segmentos mais abastados, s que, nesse caso, o objetivo principal dos adquirentes consistia

    em lazer: eram amplos terrenos e casas destinadas ao veraneio. No final dos anos 1980 e na

    dcada de 1990, quando parte desses domiclios passou a se constituir em local de moradia

    definitiva, ocorreu a intensificao dos investimentos do mercado imobilirio na construo

    de condomnios que se multiplicaram na orla de Lauro de Freitas. Assim, se na metrpole

    permaneceram os processos que resultaram na atrao de pessoas das classes mais baixas, o

    municpio tambm passou a receber migrantes das classes mdia e alta.

    Alm dos processos de ordem socioeconmica mais gerais, o fator locacional

    contribuiu para que Lauro de Freitas experimentasse ampliao de sua populao. Estando em

    no vetor de expanso da rea nobre e prximo a um bairro popular de Salvador, de quem

    dista, sede a sede, pouco mais de 20km, o municpio atravessado pela BA-099, cuja primeira

    etapa estende-se do atual Aeroporto Internacional Lus Eduardo Magalhes at o municpio de

    Camaari (trecho conhecido como Estrada do Coco) e a segunda, conhecida como Linha

    Verde, segue at a divisa da Bahia com Sergipe. Essa rodovia est articulada Avenida Luis

    Vianna Filho (Avenida Paralela, onde se localiza o Centro Administrativo do Estado), que,

    por sua vez, faz a ligao entre um dos principais plos econmico-financeiros de Salvador

    (eixo Iguatemi-Rodoviria) ao aeroporto. Assim, a BA-099 favorece o fluxo de pessoas,

    mercadorias e informaes entre diferentes reas da Regio Metropolitana. Ainda constitui

  • 25

    vantagem locacional do municpio o fato deste estar prximo do aeroporto de Salvador, da

    base area e da BA-526, rodovia que liga o Centro Industrial de Aratu ao Aeroporto.

    Quanto s caractersticas internas que teriam colaborado nesse processo, pode-se

    destacar que com estrutura fundiria predominantemente rural, tinha terras a um preo mais

    acessvel do que em Salvador e outros municpios metropolitanos, podendo ser adquiridas

    mesmo por incorporadoras e pessoas com menor capacidade financeira. Isso contribuiu para

    que os agentes imobilirios promovessem uma intensa fragmentao do solo e obtivessem

    elevado lucro ao converter terra rural em urbana. Para essa situao, houve a colaborao do

    poder pblico, na medida em que as normas para a implantao dos empreendimentos em

    Lauro de Freitas eram mais flexveis e as exigncias mais tnues do que as estabelecidas pela

    prefeitura de Salvador. A ao desses dois agentes, importante destacar, se fez de forma

    estrutural e espacialmente diferenciada de acordo com o segmento social a que se destinasse.

    Para os indivduos das classes mais baixas, a localizao privilegiada foi a rea de

    Itinga que se situa no limite com a capital, prximo ao Aeroporto e ao bairro de So

    Cristvo, em Salvador. Com terreno acidentado, cortado por veios de rios, em Itinga foram

    implantados mais de 60 loteamentos populares entre 1963 e 1980, sem infra-estrutura alguma.

    Para as classes mdias e altas, as imobilirias aproveitaram-se, principalmente, da orla de

    Lauro de Freitas, seja prximo ao mar ou ao rio Joanes. Ao longo desse rio (que navegvel

    por pequenas embarcaes e onde existe um belo manguezal), bem como nas proximidades de

    sua orla ocenica (onde ainda resistem trechos de mata atlntica), desde os anos 1970 foram

    implantados grandes loteamentos, dotados de alguma infra-estrutura, cuja clientela era a

    classe mdia emergente (em muito em decorrncia da instalao da Petrobrs, anos 50, e,

    principalmente, do Complexo Petroqumico). Essa parte do municpio consolidou sua

    vocao para atender as elites quando, nos anos 1990, uma srie de condomnios fechados,

    com belas fachadas e muros altos, foram nela instalados. Ento, j se falava nessa rea,

    inclusive nas peas publicitrias, como uma opo para morar.

    Esse conjunto de caractersticas locacionais e naturais e o custo do solo, associado

    demanda por moradia e s tendncia de periferizao da populao metropolitana foram e ainda

    so exploradas pelo mercado imobilirio para a venda de lotes e casas destinadas tanto ao

    veraneio como residncia. Igualmente, a atuao do setor pblico, interessado em adensar e

    consolidar o municpio, contribuiu para que em Lauro de Freitas se desenvolvesse,

    principalmente, a funo a residencial. Acrescente-se que, na dcada de 1990, uma srie de

  • 26

    polticas de incentivos fiscais de mbito municipal colaborou para a atrao de investimentos e

    empreendimentos comerciais, de servios e industriais. Tais medidas concorreram para que o

    municpio ampliasse seus indicadores econmicos, se tornasse mais atrativo a novos moradores,

    para a intensificao da sua urbanizao e para que se consolidasse sua conurbao com Salvador.

    No fundamental, o crescimento demogrfico de Lauro de Freitas decorreu da

    conjugao de uma srie de processos que provocaram mudanas na sua estruturao e

    resultaram na consolidao de novos processos, dentre os quais o de separao dos locais de

    moradia das classes sociais, ou seja, de segregao residencial. Construindo empreendimentos

    voltados aos diferentes segmentos da estrutura social, os agentes imobilirios romperam com

    a lgica de espacializao dos moradores existentes antes e nos primeiros anos de Lauro de

    Freitas, separando-os de acordo com a renda e a possibilidade dela decorrente de adquirir

    terreno numa ou noutra rea desse municpio. Grosso modo, pode-se dizer que, como

    resultado dessas intervenes, produziu-se espaos desiguais e que a Estrada do Coco uma

    linha que separa os espaos dos que tem maior renda do local destinado aos mais pobres.

    Essa a idia geral de espacializao da segregao residencial nesse municpio. No

    entanto, mesmo nas reas ditas das elites, existem espaos em que se evidencia pobreza nas

    formas e nas condies de moradias. Em outras palavras, no se pode tentar compreender os

    processos sociais a partir de uma perspectiva linear de anlise, dentro de uma conexo causa-

    efeito; a realidade dinmica e dialtica e a estrutura espacial permite verificar as mudanas

    sociais atravs das formas, que revelam a imbricao dos tempos e processos. Desse modo,

    embora seja ponto pacfico que em Itinga e na poro costeira e nas margens do rio Joanes

    residam segmentos sociais bastante distintos, questionou-se: como foi construda e quais as

    caractersticas da segregao residencial nesse municpio? Partindo dessa indagao, dos

    estudos preliminares sobre o Lauro de Freitas, da perspectiva de espao brevemente

    apresentada acima e com base na hiptese de que a segregao residencial em Lauro de

    Freitas est fortemente associada s aes do mercado imobilirio e se apresenta em

    diferentes escalas, existindo mesmo no interior das reas consideradas das elites, estabeleceu-

    se como objetivo central dessa dissertao discutir o processo de construo, as formas e as

    escalas sob as quais de segregao residencial pode ser identificado em Lauro de Freitas,

    analisando as diferentes caractersticas dos locais de moradia das distintas classes sociais nos

    distritos de Itinga e Atlntico Norte.

    Para alcanar os propsitos do presente trabalho, empreendeu-se um estudo

  • 27

    diacrnico e sincrnico, atravs de pesquisa bibliogrfica, documental e emprica, e dividiu-se

    essa dissertao em quatro captulos, alm dessa introduo e da concluso.

    No Captulo 2, trabalhou-se o marco terico-conceitual que subsidiou as anlises

    feitas, especialmente no que tange concepo de espao, do espao urbano e de segregao

    residencial. Tratou-se tambm das caractersticas e da variao no tempo das formas da

    segregao e da auto-segregao. No Captulo 3, procurou-se apresentar de forma sucinta o

    contexto em que Lauro de Freitas foi emancipado e as mudanas no padro de redistribuio

    de populao na Regio Metropolitana de Salvador a partir dos anos 1960, observando a

    intensidade e a velocidade do aumento da populao do municpio, bem como a mudana do

    seu perfil socidemogrfico.

    No quarto captulo pretendeu-se atender ao objetivo de esclarecer quais os processos

    que resultaram na atrao de pessoas de diferentes segmentos sociais para Lauro de Freitas e

    estabelecer correlaes entre as caractersticas dos migrantes que chegaram ao municpio nas

    primeiras dcadas aps sua emancipao com as caractersticas produzidas nas diferentes

    localizaes. Por fim, no Captulo 5 discutiu-se o processo de segregao residencial nos

    distritos de Itinga e do Atlntico Norte tal como observado atualmente. Visando examinar

    comparativamente algumas de suas reas internas, adotou-se como metodologia observaes

    estruturadas e entrevistas. No caso de Itinga, trabalhou-se com trs de seus loteamentos,

    escolhidos a partir dos principais pontos de referncia do bairro. Para o Atlntico Norte,

    tomou-se como referncia o loteamento mais denso e consolidado da rea, Vilas do Atlntico,

    realizando-se a pesquisa neste e no seu entorno.

    Por fim, nas concluses pretendeu-se responder s indagaes que nortearam essa

    dissertao e avanar nas reflexes a cerca dos pressupostos utilizados para compreender os

    processos de segregao residencial em curso em Lauro de Freitas, destacando-se as

    principais implicaes da atual espacializao das classes sociais no municpio e das

    caractersticas de tais espaos nas condies de vida, possibilidades e limites daqueles que l

    vivem.

  • 28

    2 O ESPAO URBANO NA SOCIEDADE CAPITALISTA: A QUESTO DA

    SEGREGAO RESIDENCIAL

    O espao geogrfico o espao do homem. Instncia social e histrica, seu lugar de

    vida, produo e reproduo. Constitui-se quando a natureza modificada pela interveno

    humana com uma finalidade, atribuindo-lhe funes, formas e valores concretos e simblicos. o

    conjunto das relaes entre tais formas, funes e valores, resultante de processos sociais do

    passado e do presente, que o caracterizam tal como se manifesta em suas mltiplas facetas em um

    dado momento e ao longo da histria. O espao geogrfico, desse modo, no pode pr-existir ou

    estar desvinculado da sociedade, nem se reduzir base material dos processos sociais. Santos

    (2002a) afirmou que o espao geogrfico uma instncia da sociedade que contm e est contido

    nas demais. Sendo assim, no pode ser considerado um elemento neutro, sem significado, simples

    receptculo das intervenes humanas. Ao contrrio, , ao mesmo tempo, condio e

    condicionante da dinmica social. Sua organizao, os objetos nele instalados, os homens que

    nele vivem, os processos que nele se desenvolvem e as funes que desempenha em cada

    contexto so determinadas e determinantes da sociedade. Porta, pois, um significado ideolgico

    na medida em que nos vrios momentos histricos com seus respectivos determinantes sociais

    , seus elementos detm um papel e valor especficos. Cada lugar tambm , assim, carregado de

    signos que o marcam bem como aqueles que nele vivem. Em outros termos, "[...] este espao

    construdo pela sociedade para seu funcionamento e, desde j, pelo menos nesse sentido, faz parte

    da sociedade" (OLIVA, 2004, p. 4).

    Na medida em que o trabalho social (ao humana organizada coletivamente) que

    transforma o meio, o espao socialmente produzido. Por conseguinte, a lgica espacial

    acompanha a prpria lgica do modo de produo, formadora da totalidade social, atuando

    como mecanismo de reproduo da sociedade. Portanto, o espao geogrfico exerce

    dialeticamente o papel de resultado e condio da reproduo da formao econmico-social.

    objeto de disputa entre as classes sociais que, por conta da forma como se inserem na

    estrutura produtiva, tero possibilidades diferentes de dele se apropriarem e utilizarem. Para

    Santos (2002a), cada localizao tem um significado e condiciona as novas localizaes. As

    formas, funes e estruturas passadas constituem uma herana a ser aproveitada no processo

    de re-estruturao espacial. A organizao do espao tende a reproduzir as principais linhas

    de fora da sociedade, tanto quando mantm como quando altera as localizaes. Contudo,

    assim como as demais instncias sociais, uma estrutura subordinante-subordinada, que

    mesmo submetida totalidade social, apresenta certa autonomia. Afinal, para o autor,

  • 29

    De fato, o espao no pode ser apenas reflexo do modo de produo atualporque a memria dos modos de produo do passado. Ele sobrevive, pelassuas formas, passagem dos modos de produo ou de seus momentos. [...]As determinaes sociais no podem ignorar as condies espaciaisconcretas preexistentes. Um modo de produo novo, ou um novo momentode um mesmo modo de produo, no podendo fazer tbua rasa dascondies espaciais preexistentes (SANTOS, 2002a, p.181-182).

    Nessa perspectiva, dentro de um sistema capitalista, o espao tambm desempenha

    funo de acumulao e de poder. Moreira (1982), com uma concepo marxista mais radical,

    considerou o espao geogrfico parte fundamental do processo produtivo, onde a produo e a

    distribuio dos bens se encontram sujeitas s formas como se estabelecem as articulaes

    entre as diferentes classes sociais. Sendo assim, o arranjo espacial decorre e reproduz as

    relaes entre as classes, revelando a fuso do espao com as instncias que concorrem para a

    formao econmico-social.

    Castells (2000) salientou que a estruturao espacial conseqncia da articulao

    dos mesmos sistemas que configuram a sociedade os sistemas econmico, poltico e

    ideolgico e de suas respectivas prticas sociais. Esse autor entendeu que na estruturao

    do espao: (1) as modificaes espaciais ocorrem em paralelo s modificaes sociais, suas

    alteraes funcionais e remodelagens, transformaes de formas e localizaes no

    preexistem ou antecedem as alteraes sociais, que se fazem no mago do mesmo processo; e

    (2) o espao urbano no se organiza ao acaso, mas sim em funo da articulao dos

    elementos dos sistemas que o compem. Para esse autor, as combinaes e transformaes

    entre os diferentes sistemas e elementos da estrutura fazem-se por intermdio das prticas

    sociais, quer dizer, da ao dos homens determinada por sua insero particular nos diferentes

    locais da estrutura assim definida (CASTELLS, 2000, p. 193).

    Partindo dessa compreenso de espao, no presente captulo pretende-se discutir

    aspectos da constituio do espao urbano no capitalismo para, posteriormente, tratar das

    desigualdades scio-espaciais, especificamente no que se refere s distintas possibilidades de

    apropriao e uso da cidade para fins de moradia pelas diferentes classes sociais.

    2.1 PROCESSOS E AGENTES RESPONSVEIS PELA ESTRUTURAO DO

    ESPAO URBANO

    A grande cidade contempornea se caracteriza pelo grande nmero de pessoas em

    um espao limitado, diversidade e densidade de construes e atividades econmicas; o

    local onde os investimentos de capitais so maiores, diversificados e mais concentrados.

    Espao complexo, demonstra com clareza as contradies e conflitos sociais. Constitui-se, por

  • 30

    isso mesmo, [...] no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si (CORRA,

    1989, p. 7), que define reas distintas e inter-relacionadas e que configuram sua organizao

    espacial. Desse modo, devem ser apreendidos como um conjunto que , simultaneamente,

    fragmentado e articulado. Essa articulao, decorrente da circulao seja de pessoas, veculos,

    capitais, informaes, decises, ideologias etc., possibilita que a cidade, embora se

    apresentando fragmentada numa multiplicidade de subespaos tenha uma unicidade e se

    complemente mesmo naquilo que parece mais contraditrio, assim como acontece com as

    relaes sociais. Note-se que, divergindo da viso desse autor, Souza (2003, p. 89) cr que a

    cidade cada vez menos se apresenta como unidade na diversidade e, cada vez mais, se torna

    [...] uma coleo de compartimentos estanques justapostos , sendo dividida, por exemplo,

    nas reas das favelas e dos condomnios exclusivos, que se fecham uma outra sob a lgica

    da segurana, contribuindo para a fragmentao sociopoltica da cidade.

    Retornando concepo de Corra (1998), o espao urbano expressa o trabalho

    social, a ao humana ao longo do tempo no processo de transformao da natureza; revela o

    desenvolvimento das foras produtivas e as conflituosas relaes de produo. Eis o terceiro

    modo de se apreender o espao: reflexo da sociedade. No capitalismo avanado, a

    organizao espacial est comprometida com a diviso social e territorial do trabalho e com as

    relaes de complementaridade que se produzem entre os lugares. Numa sociedade dividida

    em classes, a organizao do espao representa a natureza classista da produo e do consumo

    de bens materiais e dos meios de controle social. Como conseqncia da ao humana ao

    longo do tempo e adquirindo as caractersticas bsicas de uma determinada sociedade, a

    organizao do espao [...] refletir o desenvolvimento das foras produtivas e as relaes de

    produo. Como estas ltimas vo traduzir-se em classes sociais e seus conflitos, a

    organizao espacial as espelhar (CORREA, 1998, p. 67). Assim, uma vez que

    condicionado pela sociedade, o espao marcado pela desigualdade; mutvel e complexo.

    No entanto, como j dito, por no se tratar de um elemento neutro, a organizao do

    espao tambm condio dos processos sociais. O espao urbano, ao mesmo tempo em que

    condicionado, condicionante social, visto que as formas espaciais detm papel relevante na

    reproduo das relaes e das condies de produo. Alm do seu carter especular, a

    organizao espacial se apresenta como condio de reproduo social, papel importante

    devido intensa acumulao de formas espaciais existentes no capitalismo contemporneo

    eis o quarto momento de sua apreenso.

    Essa reproduo pode ser de dois tipos: reproduo simples e reproduo ampliada.

    Sinteticamente pode-se dizer que, em nvel espacial, o primeiro caso se refere ampliao da

  • 31

    concentrao de atividades em um determinado local, seja expanso vertical ou horizontal, em

    decorrncia da implantao de novas empresas num local onde estas j apresentavam uma

    densidade significativa. A reproduo ampliada pode ser verificada quando so introduzidos

    novos centros ou subcentros comerciais, bem exemplificados pelos shoppings centers. Nesse

    caso, a organizao do espao criada ou alterada.

    Esta reproduo ampliada do espao uma expresso espacializada doprocesso de reproduo ampliada do capital, que se verifica simultaneamente sua centralizao e concentrao. [...] reproduo ampliada do capitalsignifica, no plano das empresas, uma centralizao, mas no plano espacialrepresenta uma descentralizao criadora (CORRA, 1998, p. 73).

    Souza (2003), do mesmo modo, assinalou que [...] a organizao espacial e as

    formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, mas a organizao espacial e

    as formas espaciais, uma vez produzidas, influenciam os processos sociais subseqentes

    (SOUZA, 2003, p. 99). Com isso, entende-se que o espao, muito mais do que condio

    material, inscreve as relaes de poder, valores e smbolos culturais, objetos concretos ou

    imaginrios que servem como referncia para as relaes sociais e sua dinmica.

    Verifica-se que o espao urbano caracteriza-se por ser simultaneamente fragmentado,

    articulado, condio e condicionante dos processos scio-espaciais; principal lugar de

    manifestao dos conflitos e das lutas sociais e, por conta de todos esses aspectos, permeado

    de smbolos construdos ao longo do tempo. Para entend-lo necessrio ter conhecimento

    das dinmicas que o constituram, das foras sociais que, no jogo de poder, definiram sua

    estrutura. Do mesmo modo, atravs da anlise da organizao interna da cidade possvel

    compreender os processos sociais que lhe deram face especfica (CORRA, 1989). Dessa

    maneira, a localizao das distintas funes e grupos sociais no espao est associada a

    processos histricos e s relaes entre as classes, relaes essas que so de dominao e

    prenhes de ideologia.

    A distribuio das funes urbanas no espao, a localizao dos diferentes usos da

    terra, , desse modo, conseqncia da tenso entre as foras dos diferentes agentes sociais.

    Faz-se importante questionar: (1) quais as foras/interesses que determinam a estrutura

    urbana? e (2) quem so os principais agentes que estruturam o espao?

    Villaa (2001) considerou a localizao como principal fora estruturante do espao

    intra-urbano. De acordo com o autor, a estrutura da cidade se origina na luta entre as classes

    pela apropriao das vantagens que cada localizao pode proporcionar. A dominao

    atravs da estruturao do espao intra-urbano visa principalmente a apropriao diferenciada

  • 32

    de suas vantagens locacionais (VILLAA, 2001, p. 45). Ademais, como o espao se constri

    a partir da ao humana, do seu trabalho, logo, ele porta um valor. Em verdade, dois tipos de

    valores: o valor do produto em si sobre ele construdo (casas, edifcios, ruas, praas, infra-

    estruturas etc.) e o valor da aglomerao, valor dado pela localizao desses produtos, o que

    os insere na aglomerao. Na tentativa do capital de produzir e transformar lugares em

    mercadorias pela instalao de produtos valorizados socialmente, o espao vai adquirindo

    importncia e significados diferenciados.

    A localizao se apresenta assim como um valor de uso da terra dos lotes,das ruas, das praas, das praias valor que, no mercado, se traduz em preoda terra. Tal como qualquer valor, o da localizao tambm dado pelotempo de trabalho socialmente necessrio para produzi-la, ou seja, paraproduzir a cidade inteira da qual a localizao parte (VILLAA, 2001, p.72).

    O valor da terra urbana , pois, dado pelo valor da localizao, da acessibilidade de

    uma parte da cidade em relao s demais. Esse autor utilizou a expresso terra-localizao

    para ressaltar que a acessibilidade o valor de uso mais significativo da terra, ou seja, a

    melhor acessibilidade implica em maior valor. A localizao ou o ponto o valor produzido

    pelo trabalho coletivo despendido em sua produo (VILLAA, 2001, p. 74). A localizao

    se constitui pela condio e possibilidade de acesso dos indivduos aos recursos da cidade.

    Se o valor da terra urbana produzido, se diferentes agentes a configuram e a

    significam de forma desigual, tambm de forma desigual ser apropriada e utilizada pelas

    vrias classes sociais. nesse sentido que as localizaes se associam dominao: a

    dominao do espao urbano aparece quando a classe dominante comanda a apropriao das

    vantagens e recursos da cidade. Dentre essas vantagens, a mais importante a otimizao dos

    tempos de deslocamento, a melhor acessibilidade s localizaes, especialmente s mais

    centrais. No entanto, no se deve confundir necessariamente acessibilidade com proximidade.

    Os interesses da classe dominante podem fazer com que o que, em princpio, era mais

    distante, passe a ser, num outro momento, espacialmente mais valorizado.

    Nem sempre as burguesias procuram o perto em termos de tempo edistncia. s vezes, elas se afastam na busca de grandes lotes e ar puro, porexemplo, mas mesmo quando isso ocorre h limites para esse afastamento.Nesses casos elas procuram trazer para perto de si seu comrcio, seusservios e o centro que renem o equipamento de comando da sociedade e isso no por razes simblicas ou de status, mas pela razo muito prticade que elas o freqentam intensamente e nele exercem muitos de seusempregos (VILLAA, 2001, p. 329).

    Vale acrescentar que, como bem pontuou Sposito (1999), na cidade contempornea

  • 33

    observam-se, simultaneamente, as tendncias de concentrao e desconcentrao [...] como

    se a cidade continuamente se espraiasse indefinidamente no sentido de sua periferia, como

    forma de se diluir para se recompor em novas formas de concentrao (SPOSITO, 1999, p.

    88). Esse processo, decorrente de interesses de grupos e dinmicas socioeconmicas, pode ser

    associado ao avano e variedade dos meios de transportes, comunicao e das tecnologias de

    produo, o que colabora para a redefinio das relaes entre centro e periferia. A autora

    ressalta a importncia da criao dispersa, em novas reas de concentrao, de

    estabelecimentos comerciais, industriais e de servios na consolidao de novas centralidades

    que contribuem para expandir o assentamento urbano e estabelecer de acordo com a

    qualidade das vias de circulao a acentuao dos deslocamentos e das trocas entre o

    centro e a periferia.

    Entende-se, pois, que a localizao dos empreendimentos habitacionais mais

    afastados dos ncleos metropolitanos dos conjuntos habitacionais populares, instalados

    desde os anos 1960, aos loteamentos fechados das classes mdia que e alta, que se destacaram

    na paisagem, sobretudo, a partir da dcada de 1980 contribuiu para ampliar a importncia

    grande cidade por conta da intensificao dos fluxos entre ela e sua periferia. Acrescentando-

    se a proposio de Villaa (2001), anteriormente posta, pode-se dizer que os novos modelos

    de moradia, especialmente no caso da classe mdia, em termos funcionais e profissionais,

    esto extremamente ligados e dependentes das dinmicas das aglomeraes. Vive-se, assim,

    simultaneamente, dentro e fora da grande cidade.

    Com relao segunda indagao, que reporta aos principais agentes produtores do

    espao urbano, Corra (1989) considerou que a lgica que preside a organizao do espao

    interno da cidade decorre da ao e dos interesses conflitantes de diferentes agentes sociais; a

    complexidade e o desenvolvimento de tais aes produzem constante reorganizao espacial

    o que se manifesta de diversas formas, tais como a densificao do uso do solo,

    deteriorao e/ou renovao de certas reas em detrimento de outras, implantao e/ou

    relocao de infra-estruturas, funes etc. So os processos engendrados pelos (a)

    proprietrios dos meios de produo, (b) proprietrios fundirios, (c) promotores imobilirios,

    (d) Estado e (e) grupos sociais excludos que repercutem em constante re-estruturao

    espacial. Alguns desses agentes, contudo, apresentam interesses convergentes: os

    proprietrios dos meios de produo, os proprietrios fundirios e os promotores imobilirios,

    embora com estratgias distintas, servem [...] ao propsito dominante da sociedade

    capitalista, que o da reproduo das relaes de produo, implicando a continuidade do

    processo de acumulao e a tentativa de minimizar os conflitos de classe, este aspecto

  • 34

    cabendo particularmente ao Estado (CORRA, 1989, p. 12).

    Quanto a este ltimo agente, em especial no Brasil, tem atuado de modo

    profundamente desigual no que tange espacializao dos servios pblicos, tornando-se alvo

    de reivindicaes sociais. O Estado interfere diretamente na valorizao ou no de

    determinadas fraes do espao. Uma das formas de observar essa interveno pela

    regulamentao do uso do solo e pela alocao diferencial de infra-estrutura; via de regra, os

    locais mais bem servidos e dotados de melhores condies de vida tm sido justamente os

    ocupados pelas elites. Para Miliband (1972), no capitalismo, os homens so levados a

    competir entre si pela ateno e pelo poder do Estado e contra ele que [...] batem as ondas

    do conflito social (MILIBAND, 1972, p. 11). Isso se faz por meio das classes sociais, sendo

    que, nesse sistema, a classe economicamente dominante o utiliza como instrumento de

    dominao da sociedade. Acrescente-se que, no capitalismo, a atuao do Estado se faz,

    fundamentalmente e em ltima anlise, visando criar condies de realizao e reproduo da

    sociedade, isto , condies que viabilizem o processo de acumulao e a reproduo das

    classes sociais e suas fraes (CORRA, 1989, p. 26).

    importante observar que, tal como afirmou Marcuse (2004), o Estado tem poder

    preponderante na determinao das divises espaciais, especialmente no que se refere

    distribuio de residncias motivadas por hierarquias de poder e status. o Estado que

    estabelece toda a estrutura legal e fsica que possibilita a implantao de um empreendimento

    residencial, de estradas, de infra-estrutura de servios, que concede ou no licena de

    construo. Enfim, nenhum mercado privado poderia funcionar se o Estado no

    sancionasse as clusulas contratuais e administrasse os remdios para sua quebra

    (MARCUSE, 2004, p. 30). Observe-se que, como bem argumentou Miliband (1972), embora

    vrios dos interesses/agentes tenham poder de presso sobre o Estado, dada a forma de

    organizao capitalista, o empresariado se encontra numa posio privilegiada para pression-

    lo a atender seus objetivos.

    Quanto aos grupos sociais excludos, de acordo com Corra (1989), para solucionar o

    problema do acesso habitao recorrem a estratgias como a ocupao de imveis antigos

    o mais das vezes degradados , a compra de imveis em conjuntos habitacionais e a

    autoconstruo, em terrenos doados ou comprados em locais pr-definidos pelo Estado ou por

    outro agente da sociedade. Nessas situaes, portanto, a localizao de suas moradias est

    associada a interesses de outros agentes sociais como o Estado, os proprietrios de imveis e

    os proprietrios fundirios. Corra (1989) considerou que apenas na produo da favela, via

    ocupao de terrenos invadidos, os grupos sociais excludos assumem efetivamente a

  • 35

    caracterstica de modeladores do espao, a despeito dos interesses dos demais agentes2. Nesse

    processo, de modo direto ou indireto, os moradores de menor renda findam por utilizar as

    vantagens locais produzidas para os segmentos mais abastados da sociedade. Faz-se

    importante notar, concordando com o autor, que esse processo se converte em estratgia de

    resistncia e sobrevivncia.

    Resistncia e sobrevivncia que se traduzem na apropriao de terrenosusualmente inadequados para outros agentes da produo do espao,encostas ngremes e reas alagadias. Trata-se de uma apropriao de fato.No plano imediato a favela corresponde a uma soluo de um duploproblema, o da habitao e de acesso ao local de trabalho (CORRA, 1989,p 30).

    Analisando-se as proposies do autor, ainda que considerando que com a invaso

    fica mais evidenciada a atuao dos mais pobres na estruturao do espao, quando estes

    adquirem ou constroem seus domiclios numa ou noutra parte da cidade, tambm no estariam

    contribuindo para estruturar o espao? Ademais, como j alertou Souza (2003), os pobres no

    so excludos na medida em que so necessrios ao sistema capitalista: so includos, embora

    numa posio de submisso.

    A prpria evoluo da favela, contudo, sua progressiva urbanizao e valorizao,

    fruto da ao dos movimentos dos moradores e do Estado, tende a impossibilitar que os

    antigos habitantes tenham condies financeiras de se manter no local, na medida em que

    muitos deles so incapazes de arcar com as tarifas pblicas e os impostos que advm com as

    melhorias estruturais. A melhor infra-estrutura atrai pessoas com maior renda, que

    gradativamente substituem a populao original .

    Souza (2003) ressaltou que as cidades apresentam uma multiplicidade de espaos de

    acordo com a atividade predominante em cada um deles. Sobre as reas residenciais assim

    como outras partes da cidade , diferenciam-se entre si do ponto de vista das caractersticas

    de seus moradores. Do mesmo modo que Vignoli (2001), apontou que em vrias partes do

    mundo e em diferentes momentos histricos, a etnia, a cultura e a religio serviram como

    referncia para a separao dos grupos da sociedade. Separaes formais, com reas

    delimitadas para cada um deles residir.

    2 Note-se que embora no esteja em foco neste trabalho discutir a pertinncia ou os preconceitos embutidos notermo invaso, deve-se ressaltar que ele passou a ser adotado e repetido quando, em Salvador, o processo deocupao irregular de determinadas reas da cidade passou a interferir nos interesses e perspectivas devalorizao desses terrenos. Com isso, [...] este processo de ocupao perifrica assumiu o carter de verdadeiraluta pelo espao [...]. No momento em que se explicitaram os conflitos entre os interesses dos proprietrios deterrenos e os da populao pobre em geral, estes movimentos de ocupao espontnea do solo urbano passaram aser denominados de invases (MATTEDI, 1979, p. 73).

  • 36

    As localizaes distintas das residncias dos vrios segmentos da sociedade, bem

    como as condies e infra-estrutura do local onde se estabeleceram, denotam articulaes

    entre as estruturas sociais e espaciais.

    2.2 A DISTRIBUIO DAS RESIDNCIAS DISCUTINDO A SEGREGAO

    As reflexes postas at o momento no deixam dvidas de que o espao, por ser

    instncia da sociedade, tem papel importante na reproduo social, encerrando na sua

    estruturao as desigualdades inerentes ao sistema capitalista. A localizao de uma

    determinada funo urbana, portanto, tanto produto de condies histrico-espaciais como

    colabora para perpetuar as relaes que a produziram. Entende-se, com isso, que nenhuma

    localizao est desvinculada de valores ou de uma ideologia. Sendo assim, a distribuio

    geogrfica dos locais e condies de moradia, de produo e de consumo dos distintos grupos

    sociais guarda significados socialmente construdos. Em verdade, ao longo da histria, h

    muito se verifica a localizao espacial diferenciada dos vrios grupos sociais, o que no se

    restringe habitao, mas tambm s condies de consumo, de investimento pblico, infra-

    estrutura etc. Centrando-se na questo da localizao das residncias, tal processo vem sendo

    analisado sob vrias denominaes: segregao urbana, segregao residencial, segregao

    scio-espacial, segregao espacial ou simplesmente segregao. A discusso terica desse

    fenmeno respeitar, inicialmente, as denominaes apresentadas pelos diferentes autores

    estudados para, em seguida, apontar a que ser utilizada neste trabalho. Antes, porm, de

    discutir esse conceito, ser apresentada uma breve caracterizao da evoluo desse processo,

    em especial na Amrica Latina.

    2.2.1 Notas sobre as caractersticas da evoluo do processo

    A segregao no um fenmeno recente ou que se apresentou de forma similar nas

    vrias partes do mundo ao longo do tempo. O fator tnico, o religioso, a nacionalidade foram

    elementos que, associados ou no, mostraram-se fundamentais para a separao de grupos

    sociais ao longo da histria desde a Antiguidade. Nas sociedades capitalistas, contudo, esse

    fenmeno foi ampliado e modificado e a renda se consolidou como elemento central de tal

    separao, principalmente naquelas onde o capitalismo se desenvolveu mais tardiamente. De

    acordo com Souza (2003), embora a separao espacial entre os ricos e pobres j existisse

    desde a Idade Mdia, o tipo de produo predominante naquela poca favorecia a coabitao

    dos diferentes grupos econmicos, embora cada um deles ocupasse um andar especfico.

    Assim, o autor afirmou que naquela poca prevalecia uma separao vertical da sociedade.

  • 37

    J de acordo com Vasconcelos (2004), na Amrica Portuguesa (1500-1822), a

    sociedade era bastante estratificada e tal se refletia em regulamentaes discriminatrias. O

    critrio utilizado para a separao dos grupos sociais (que determinava a possibilidade ou no

    de acesso s instituies e s ocupaes) estava calcado em caractersticas tais como a cor, o

    sexo e a etnia/nacionalidade. No que se refere questo residencial, contudo, no havia

    bairros reservados para um ou outro grupo. Mesmo que as atividades e funes fossem

    condicionadas por certas caractersticas, no se verificava uma separao residencial entre os

    senhores e os escravos domsticos. Entretanto, no havia uma rea especfica da cidade na

    qual essas pessoas devessem morar.

    Foi no perodo republicano, com o fim da escravido, que efetivamente se notou uma

    mudana nessa situao. Como a responsabilidade sobre a habitao dos negros e mestios

    no era mais dos senhores ou do Estado, e como essas pessoas no tinham qualificao para

    exercer atividades que permitissem melhores rendimentos aliado questo do preconceito

    racial, acrescente-se , os antigos escravos vieram a engrossar a massa j densa de pobres

    urbanos que enfrentavam, dentre outros problemas, o da habitao e do acesso terra urbana.

    Essa parcela da sociedade se viu, ento, obrigada a resolver tal problema por conta prpria, do

    modo que fosse possvel, espalhando-se pela cidade. As solues passavam pelos cortios,

    pelos loteamentos populares, pela ampliao e/ou diviso de antigos imveis e pelas invases.

    Retomando a colocao acima feita, no modo de produo capitalista, onde ocorreu a

    separao do local de moradia e de trabalho, igualmente observou-se a separao da rea de

    residncia dos trabalhadores do local de residncia dos industriais. Com isso, a separao

    vertical da sociedade cedeu lugar horizontal , determinada no mais pelas ocupaes,

    mas, principalmente, pelo nvel dos ganhos monetrios que cada uma delas permitia auferir.

    De fato, h muito foi possvel verificar a desigual possibilidade de apropriao e de utilizao

    do espao pelos diferentes grupos sociais, relacionada questo da renda. Engels, j em 1845,

    verificou que na Inglaterra, ento, a maior potncia econmica mundial, a pobreza podia ser

    observada concretamente na organizao espacial da cidade. Conforme Vasconcelos (1999),

    Engels revelou que, na estrutura urbana de Londres, o bairro operrio estava localizado ao

    redor da zona comercial, formando uma espcie de cinturo . Nas reas onde esses

    trabalhadores viviam estavam as piores casas e as ruas sem pavimento. Para alm dessas

    reas, residiam as burguesias mdia e alta com suas casas regulares, dotadas de infra-estrutura

    e de melhor padro de vida.

    Um sculo depois desse texto, no ps-guerra, quando os Estados Unidos e a Unio

    Sovitica consolidaram-se como as novas potncias mundiais, mudanas estruturais do

  • 38

    sistema capitalista e, diga-se, necessrias a sua auto-sustentao traduziram-se na fase

    do Estado do Bem-estar Social (Welfare State), na qual o Estado tentava atender ou subsidiar

    as demandas sociais por bens e servios. Especialmente nos chamados pases centrais, nesse

    perodo foram atenuados mas no excludos os desequilbrios s