Dissertação Robson Peixoto.docx

104
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS LINHA DE PESQUISA: TRADIÇÃO E MODERNIDADE FÁBULAS NA COMUNIDADE SURDA: ESTRATÉGIAS QUE CONCORREM PARA A CLAREZA E ESTÉTICA DA PRODUÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, sob a orientação do professor Dr. Fabrício Possebon. Robson de Lima Peixoto João Pessoa 2015

Transcript of Dissertação Robson Peixoto.docx

Page 1: Dissertação Robson Peixoto.docx

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS LINHA DE PESQUISA: TRADIÇÃO E MODERNIDADE

FÁBULAS NA COMUNIDADE SURDA: ESTRATÉGIAS QUE CONCORREM

PARA A CLAREZA E ESTÉTICA DA PRODUÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, sob a orientação do professor Dr. Fabrício Possebon.

Robson de Lima Peixoto

João Pessoa 2015

Page 2: Dissertação Robson Peixoto.docx

2

ROBSON DE LIMA PEIXOTO

FÁBULAS NA COMUNIDADE SURDA: ESTRATÉGIAS QUE CONCORREM

PARA A CLAREZA E ESTÉTICA DA PRODUÇÃO

João Pessoa, 04 de dezembro de 2015.

Banca Examinadora

________________________________________ Prof. Dr. Fabricio Possebon (Orientador) Universidade Federal da Paraíba-UFPB

________________________________________ Prof. Dra. Cristina Assis

Universidade Federal da Paraíba-UFPB

________________________________________ Prof. Dra. Evangelina Faria

Universidade Federal da Paraíba-UFPB

Page 3: Dissertação Robson Peixoto.docx

3

DEDICATÓRIA

À Minha família Peixoto, pelo amor e carinho, do fundo do meu coração.

“Deus, bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado”. Jó 40:2

Page 4: Dissertação Robson Peixoto.docx

4

AGRADECIMENTOS EM LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

Page 5: Dissertação Robson Peixoto.docx

5

Page 6: Dissertação Robson Peixoto.docx

6

Page 7: Dissertação Robson Peixoto.docx

7

Page 8: Dissertação Robson Peixoto.docx

8

AGRADECIMENTOS EM LÍNGUA PORTUGUESA

Primeiramente quero agradecer a Deus por ser em meu favor todo o tempo.

Obrigado por ter me permitido chegar até aqui, não há palavras para descrever.

Em especial agradeço a minha família (Peixoto). A minha admirável esposa,

obrigada por todo seu apoio. Não consigo explicar com palavras o quanto você

é especial e o quanto me ajudou com este trabalho. Você é um modelo para

mim, de paciência, persistência, você me ensinou a não desistir, mesmo com

todas as barreiras, mas com você eu sei que consigo!

Meu filho, meu príncipe, meu amigãozão, obrigado por está sempre ao meu

lado, você foi o maior e melhor presente que Deus me deu. Obrigado por seu

companheirismo!

Sou grato também a minha mãe, meu pai (em memória dele), minha irmã

(Elisangela) e meus sobrinhos. Agradeço também a Vilma Maria, minha sogra e

a avó da minha esposa por nunca parar de orar e interceder pela nossa família.

Vocês são muito especiais.

Agradeço também ao apoio e o trabalho dos tradutores intérpretes de LIBRAS

da UFPB, em especial Renata Frazão, Rosenice Lima e Maysa Ramos por

todo o esforço e dedicação na tradução em todo o processo de elaboração

deste trabalho.

Por último, porém não menos importante, gostaria de agradecer ao meu

orientador Fabrício Possebon. Obrigado por aceitar esse desafio, por

compreender tão bem a cultura surda e nos impulsionar a sermos melhores.

Admiro muito você, não há palavras que descrevam o quão sou grato e admiro

o seu trabalho. Obrigado!

Muito obrigado.

Page 9: Dissertação Robson Peixoto.docx

9

Resumo O presente trabalho trata de uma pesquisa de cunho qualitativo com fundamentação no levantamento e análise de mídia digital que contempla o universo fabulário da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, no qual foram selecionados três textos sinalizados (sendo duas obras traduzidas e uma criada por autor surdo). A pesquisa foi desenvolvida na cidade de João Pessoa - PB com a participação da comunidade surda local, atuando na validação da análise comparativa diante dos textos sinalizados apresentados. Diante das respostas obtidas, diversos critérios estéticos foram elencados, demonstrando o caráter literal presente nas fábulas, tendo a clareza como juízo crítico, citada por todos os participantes. Desta forma, através também da tecnologia, esperamos que a tradição “sinalizada” ou tradição “visual” seja valorizada e que seja enaltecida a literatura e a cultura surda. Palavras-chave: Fábula. LIBRAS. Literatura Surda. Estética.

Page 10: Dissertação Robson Peixoto.docx

10

Page 11: Dissertação Robson Peixoto.docx

11

Page 12: Dissertação Robson Peixoto.docx

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1- Ser surdo ...................................................................................................18 1.2- Literatura e Comunidade ...........................................................................40 1.3- Fábulas ......................................................................................................63

A PESQUISA

2.1 Metodologia ................................................................................................66 2.2 Análises dos dados .....................................................................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................96

Page 13: Dissertação Robson Peixoto.docx

13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Audiograma Figura 2: O Aparelho Auditivo Figura 3: Símbolo Internacional da Surdez Figura 4: Fita Azul – Ser Surdo Figura 5: Juan Pablo Bonnet Figura 6: Alfabeto de Pablo Bonet Figura 7: Charles Michel LEpée Figura 8: INES Figura 9: William Stokoe Figura 10: Programa conversor LIBRAS- SignWriting Figura 11: Parâmetros fonológicos da Língua de Sinais Figura 12: As 46 CMs da LIBRAS Figura 13: Tabela de Configuração de Mãos elaborada por Nelson Pimenta Figura 14: Parâmetro Movimento Figura 15: Composição Figura 16: Metáfora Figura 17: Momento de oração Figura 18: Público aplaudindo surdos Figura 19: Apresentação de trabalho acadêmico em LIBRAS Figura 20: Visita do Poeta surdo Nelson Pimenta a um recém-nascido surdo Figura 21: Miss Surda Figura 22: Campeonato Brasileiro Figura 23: Encontro Nacional de Obreiros com Surdos Figura 24: Quadro da artista plástica e poetisa Fernanda Machado Figura 25: Movimento Azul Figura 26: Aplicativos Figura 27: Quadro Cultura Figura 28: Três obras traduzidas para a Escrita de Sinais por Sérgio Ribeiro Figura 29: Coletânea de DVDs – INES Figura 30: Tradução da obra Os três Ursos Figura 31: 1º Exemplo de Adaptação Figura 32: 2º Exemplo de Adaptação Figura 33: 3º Exemplo de Adaptação Figura 34: Poema Mãos do Mar do poeta surdo Alan Henry Figura 35: Piada em Libras - O leão e o Surdo de Fábio de Sá Figura 36: O corpus (1livro digital em DVD e 1 vídeo do Youtube) Figura 37: Quadro com o perfil dos participantes Figura 38: O corpus (O livro digital em DVD A fábula da Arca de Noé) Figura 39: Depois da história, Nelson explicando a moral da fábula. Figura 40: Figurino e cores como ponto positivo Figura 41: A associação das imagens Figura 42: A Tartaruga chegando lentamente Figura 43: O plano Close Up e a dinâmica do texto Figura 44: Expressão, humor e emoção. Figura 45: Imagem de plano de fundo da história. Figura 46: Divisão dos personagens na contação da história

Page 14: Dissertação Robson Peixoto.docx

14

Figura 47: Partes do Livro Figura 48: O autor na mídia

Figura 49: Quadro com as versões para a língua portuguesa Figura 50: Construção do cenário Figura 51: Apresentação do sinal do personagem Figura 52 : Apresentação do sinal do personagem Figura 53: Diálogo e interação com as imagens Figura 54: Efeitos de animação das imagens Figura 55: Movimentação de câmera Figura 56: Classificadores Figura 57: Incorporação dos sujeitos Figura 58: O narrador Figura 59: Elemento da cultura surda L´eppé

Page 15: Dissertação Robson Peixoto.docx

15

INTRODUÇÃO

Estes estudos da literatura em Língua de Sinais são muito novos,

todavia, com a expansão do ensino da LIBRAS, através dos cursos de Letras

Libras através da UFSC e UFPB (pioneiras neste curso), os licenciandos

estudaram a disciplina de Literatura Surda. Este incentivo aos estudos da

Literatura favoreceu o desenvolvimento de novas produções. Assim a literatura

visual ou literatura surda é compreendida como adaptações, criações e

traduções voltadas para um mundo visual, ou seja, o mundo para surdos.

Minha identificação com a temática consiste na vivência como professor

de Língua de Sinais. Embora não tenha nascido surdo, pois perdi a audição

aos cinco anos devido ao sarampo, minha língua de instrução é a LIBRAS –

Língua Brasileira de Sinais (reconhecida desde 24 de Abril de 2002, com a Lei

nº 10.436, regulamentada pelo Decreto 5.626 de 22 de Dezembro de 2005).

Vivenciando a profissão de professor de LIBRAS como segunda língua

para ouvintes e como primeira língua para surdos, reconheço que a análise e

compreensão de textos sinalizados desempenha um papel fundamental no

aprendizado desta língua.

Esta prática rompe com o equivocado hábito de professores de LIBRAS

despreparados que ensinavam esta língua de forma descontextualizada

através do ensino de sinais isolados, onde uma lista de palavras em português

era escrito no quadro e os sinais correspondentes eram ensinados pelo

professor.

A proposta do presente trabalho, ao analisar as fábulas em LIBRAS

enquanto produções literárias dos sujeitos surdos brasileiros reflete a

necessidade de valorização destes textos sinalizados. Quanto a esta

valorização da Língua de Sinais, por meio de produções literárias, a autora

britânica SUTTON-SPENCE (2008; p: 339) afirma:

Por muito tempo, a população surda foi levada a acreditar que o inglês era a língua a ser usada para situações formais e que a “sinalização surda” tinha um status baixo e deveria ser usada, apenas em conversas sociais.

Page 16: Dissertação Robson Peixoto.docx

16

As produções literárias surdas, de diversos gêneros, são transmitidos de

geração para geração através da língua de sinais de seu país, é o que

chamamos de tradição oral, quando tratamos de uma língua de modalidade

oral-auditiva, como a Língua Portuguesa ou Língua Francesa, dentre outras.

No caso dos textos sinalizados, produzidos por surdos trata-se de uma

tradição “sinalizada” ou tradição “visual”, pois estamos nos referindo a uma

língua de modalidade vísuo-gestual.

A autora do livro Deaf American Literature- From Carnival to the Canon

refere-se a esta tradição “visual” como “face-to-face communication”, e explica

a oposição entre uma sociedade, formada por pessoas ouvintes, orientada pela

audição, que possui a tradição de produzir uma literatura escrita e uma

comunidade minoritária, formada por pessoas Surdas, orientada pela visão,

que produz textos sinalizados e não escritos, tradição esta, que equivale à

transmissão cultural pela oralidade (PETERS, 2000; p: 4)

Na atualidade, vivenciamos um momento histórico que favorece e torna

viável a realização da pesquisa proposta neste projeto, pois esta tradição visual

ganhou um novo formato com os avanços tecnológicos. No Brasil as produções

dos sujeitos surdos estão registradas em vídeos, sejam comercializados, em

DVDs, ou distribuídos gratuitamente pelo governo, e ainda, disponíveis na

Internet. Isto nos garante o material necessário para a análise das fábulas em

LIBRAS, que é o objeto do nosso estudo.

A característica essencial de uma fábula é a lição de moral refletida no

desenrolar dos acontecimentos. Esta narrativa alegórica, em forma de prosa ou

verso, cujos personagens são geralmente animais com características

humanas tem um objetivo didático, que pode e deve ser utilizado pelo professor

de LIBRAS na sua prática de ensino desta língua.

Este gênero de texto em questão apresenta uma temática variada e

contempla tópicos como a vitória da fraqueza sobre a força, da bondade sobre

a astúcia e a derrota de presunçosos. A fábula já era cultivada entre assírios e

babilônios, no entanto foi o grego Esopo1 quem consagrou o gênero. La

Fontaine foi outro grande fabulista, imprimindo à fábula grande refinamento.

George Orwell, com sua Revolução dos Bichos (Animal Farm), compôs uma

1 http://www.portugues.com.br/literatura/a-fabula-suas-caracteristicas-

discursivas-.html Acesso em 20.05.13

Page 17: Dissertação Robson Peixoto.docx

17

fábula (embora em um sentido mais amplo e de sátira política). As literaturas

portuguesa e brasileira também cultivaram o gênero com Sá de Miranda, Diogo

Bernardes, Manoel de Melo, Bocage, Monteiro Lobato e outros.

Ao direcionar este projeto de pesquisa para o gênero textual fábula,

levantamos a hipótese que os surdos possuem uma forma peculiar de

produção de fábulas através de uma produção semiótica das informações, que

aproxima a realidade dos textos à realidade cultural dos surdos.

Esta realidade cultural referida trata de um mundo repleto de

informações visuais em contraposição ao mundo dos ouvintes constituído por

informações sonoras. Esta vivência de mundo das pessoas surdas formada por

experiências visuais são refletidas na forma de elaboração de um texto

originado numa língua géstuo-visual, a Língua de Sinais.

Com base nesta perspectiva multicultural, a presente proposta de

pesquisa adotará o conceito atual de surdez utilizado e divulgado pela

Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos2 que é muito mais do

que um fenômeno fisiológico, que identifica a ausência da audição: “A surdez é

mais do que um diagnóstico médico, é um fenômeno cultural, em que padrões

sociais, emocionais, linguísticos e intelectuais estão intrinsecamente ligados”.

Isso nos faz retomar o fato de que os surdos compartilham da mesma

nacionalidade e naturalidade dos ouvintes e vivenciam experiências comuns,

porém também possuem uma cultura própria.

Nesse sentido, estudar as fábulas criadas ou traduzidas por sujeitos

surdos é de extrema relevância para evidenciar as peculiaridades

compartilhadas nesta comunidade linguística, além de promover a preservação

e a valorização desta herança cultural que é a literatura surda. Diante disto,

surge o objetivo da pesquisa, que é identificar os critérios e recursos que

concorrem para uma clareza nas fábulas sinalizadas.

Para tanto, esta pesquisa está organizada da seguinte forma: no

Capítulo 1(Fundamentação Teórica) será apresentada uma visão panorâmica

do movimento social surdo no Brasil e abordada a importância da existência

de obras literárias para comunidade linguística denominada Comunidade Surda

e uma breve teoria quanto a fábula, em seu contexto geral; Já no Capítulo 2 (A

2

Revista da FENEIS (Federação Nacional de educação e Integração de Surdos) on-line http://www.feneis.org.br/page/artigos_detalhe.asp?categ=0&cod=41 Acesso em 20.05.13.

Page 18: Dissertação Robson Peixoto.docx

18

Pesquisa) será apresentada a análise dos dados da pesquisa, para o

entendimento do que é uma obra literária de alto valor estético do fabulário

surdo, ou seja, que critérios permitem que assim seja classificado.

1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

Meu silêncio não é como o silêncio de vocês. Meu silêncio verdadeiro seria o de ter os olhos fechados, as mãos paralisadas, o corpo insensível, a pele inerte. Um silêncio do corpo.

(Emannuelle Laborit 3)

A proposta do presente trabalho consiste em analisar as fábulas

produzidas em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) para uma maior

compreensão dos critérios estéticos da tradição sinalizada do fabulário surdo.

Para tanto, este capítulo inicial proporcionará ao leitor uma viagem pelo mundo

dos surdos a fim de apresentar esta comunidade linguística minoritária e o

contexto das obras produzidas que serão analisadas nesta pesquisa.

1.1 – Ser Surdo

Atualmente a quantidade de pessoas com perda auditiva parcial, total ou

moderada no mundo segundo dados oficiais da OMS é de uma estimativa de

360 milhões de pessoas, já no Brasil temos o seguinte quantitativo:

Segundo censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, cerca de 9,7 milhões de brasileiros possui deficiência auditiva, o que representa 5,1% da população brasileira. Deste total cerca de 2 milhões possuem a deficiência auditiva severa, (1,7 milhões têm grande dificuldade para ouvir e 344,2 mil são surdos) e 7,5 milhões apresentam alguma dificuldade auditiva. No que se refere à idade, cerca de 1 milhão de deficientes auditivos são crianças e jovens até 19 anos. O censo também revelou que o maior número de deficientes auditivos, cerca de 6,7 milhões, estão concentrados nas áreas urbanas. Já, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2011) 28 milhões de brasileiros possuem algum tipo de problema auditivo, o que revela um quadro no qual 14,8% do total de 190 milhões de brasileiros, possuem problemas ligados à audição.

4

3 Atriz surda que atuou no filme Filhos do Silêncio e autora do livro O Vôo da

Gaivota,1994. 4 Fonte: http://www.winaudio.com.brl Acessado em 20/01/2015.

Page 19: Dissertação Robson Peixoto.docx

19

No Brasil, há mais de 500 anos, o grupo linguístico majoritário, que é

constituído pelos ouvintes5, tem a Língua Portuguesa como Língua oficial. Os

Surdos, por sua vez, constituem um grupo de minoria linguística, tendo a língua

Portuguesa como segunda Língua (L2).

Os Surdos comunicam-se pela LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais,

reconhecida pela Lei nº 10.436 de 24 de Abril de 2002 e regulamentada pelo

Decreto nº 5.626 de 22 de Dezembro de 2005. Segundo a autora surda

STROBEL (2008; p: 46), os estudos linguísticos voltados para análise e difusão

desta língua tem crescido de forma considerável:

A língua de sinais é a língua prioritária do povo surdo que é expressa através da modalidade espacial-visual. A partir da década de 1950 iniciaram-se estudos aprofundados sobre as línguas de sinais como, por exemplo, o do americano Willian Stokoe (1965) e, no Brasil, os ouvintes pioneiros e depois vieram os pesquisadores surdos; como, por exemplo, os ouvintes Lucinda Ferreira Brito (1986), Ronice Quadros (1995;2004), Tanya Felipe (2002) e Lodenir Karnopp (2004) e os surdos linguistas Ana Regina e Souza Campello (2007) e Shirley Vilhalva (2007), que proporcionaram a valorização da língua de sinais dando-lhe status como língua legítima do povo surdo.” STROBEL (2008, p.46)

Mas diante disto, surge uma pergunta: quem é a pessoa surda

que forma esta comunidade linguística denominada de comunidade surda?

Com uma visão médica pura e simples, a definição de pessoa com surdez

parte dos seguintes dados:

Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (Decreto 5.626/05)

5 Termo utilizado pela comunidade surda para as pessoas que tem a acuidade auditiva

sem perda, ou sejo dentro do padrão normal.

Page 20: Dissertação Robson Peixoto.docx

20

Figura 1: Audiograma

Fonte: http://otorrinobrasilia.com/perdaauditiva

Nesta perspectiva a surdez é denominada como deficiência auditiva,

perda auditiva, hipoacusia ou disacusia, sendo definida como a redução ou

ausência da capacidade de ouvir determinados sons, devido a fatores

congênitos ou adquiridos que afetaram os ouvidos externo, médio e/ou interno

(Figura 2).

Figura 2: O Aparelho Auditivo

Fonte: canaldoouvido.blogspot.com

Page 21: Dissertação Robson Peixoto.docx

21

Embora esses dados sejam de extrema relevância científica, estudos

revelam que os surdos preferem o termo diferença ao termo incapacidade.

Nesta perspectiva, a pessoa surda não é uma pessoa incapaz de ouvir, pois

“ouve” com os olhos e fala com as mãos.

Identificar um surdo no meio das pessoas ouvintes, é difícil, uma vez

que a sua surdez não é perceptível pelo seu físico, porém é necessária uma

sutileza ao perceber as expressões faciais, o olhar e a sua forma de

comunicação por meio da Língua de Sinais, que é a marca cultural mais

proeminente da pessoa surda.

Há certa complexidade também no tocante à acessibilidade visto que os

meios midiáticos não divulgam o suficiente quem é a pessoa surda e muitos

equívocos e preconceitos ocorrem por falta de esclarecimentos. Entretanto,

existe uma boa divulgação para o símbolo, utilizado para pessoas com perda

auditiva em geral, sejam usuários ou não da LIBRAS (FIGURA 3), fato este que

identifica a pessoa com surdez no trânsito ou no ambiente de trabalho.

Figura 3: Símbolo Internacional da Surdez

Fonte: www.detran.pe.gov.br/index.php?option=com_content&id=390&Itemid=296

Quando falamos sobre as pessoas com surdez há dois grupos:

Grupo 1- Aquelas que preferem ser chamadas de D.A- Deficientes Auditivos:

Geralmente são pessoas que ouviam normalmente e em decorrência de

alguma sequela de doença, acidente ou devido à idade avançada, perdeu a

audição (surdez adquirida). Estas pessoas usam estratégias corretivas, na

Page 22: Dissertação Robson Peixoto.docx

22

tentativa de corrigir ou melhorar a audição como o uso de aparelhos auditivos e

a cirurgia de Implante Coclear. Não reconhecem a LIBRAS como língua e nem

fazem uso desta, preferem a oralização das palavras e estar em grupos

formados de pessoas ouvintes.

Grupo 2- Aquelas que preferem ser chamadas de Surdos:

Grupo de pessoas que perderam a audição, geralmente, na infância, ou que

nasceram surdas. Esse tipo de pessoa convive tanto com surdos como com

ouvintes, porém sua comunidade de pertencimento é a comunidade surda, e

sua primeira língua a LIBRAS.

O “jeito surdo de ser” demonstra uma participação política e a luta desta

comunidade pelo direito de vivenciar o mundo de uma forma visual. Partindo

desta realidade, PERLIN (2005; p: 62-67) desenvolveu uma pesquisa com

sujeitos surdos que define as identidades dentro da comunidade surda

ressaltando suas diferenças.

Embora exista essa diferenciação entre deficiente auditivo e surdo,

ambos estão inseridos na comunidade surda. As identidades surdas a seguir

esclarecem esse fato:

a) Identidade surda flutuante: é aquela na qual a pessoa com surdez

flutua entre a cultura ouvinte e a cultura surda, sem ter vínculo de

pertencimento. Geralmente este sujeito tem grande dificuldade de se aceitar

como surdo e de comunicação, pois os conhecimentos tanto da Língua Oral

como da Língua de Sinais, são fragmentadas.

b) Identidade surda incompleta: pessoas com surdez que não convivem

com outros surdos. Geralmente a família proíbe este convívio com outros

surdos e o aprendizado da Língua de Sinais. Estes sujeitos se enxergam com

sentimento de inferioridade, pois acreditam que os ouvintes são superiores aos

surdos.

Page 23: Dissertação Robson Peixoto.docx

23

c) Identidade surda de transição: a maioria dos surdos passa por este

momento de transição, visto que são filhos de pais ouvintes. O contato destes

sujeitos com a comunidade surda e com a Língua de Sinais, geralmente é

realizado tardiamente, geralmente depois do período de aquisição de

linguagem.

d) Identidade surda híbrida: é a identidade surda apresentada pelos

sujeitos que nasceram ouvintes, que conhecem bem a língua portuguesa (sua

primeira língua) e que adquiriram surdez posteriormente. Depois de inserido na

comunidade surda, onde participam ativamente, estes sujeitos alcançam a

fluência em Língua de Sinais, se tornando assim bilíngues.

e) Identidade surda: reflete o vínculo com a comunidade surda, pois este

sujeito está totalmente inserido nela. Tem envolvimento político com a militância

pelo direito de ser diferente, é usuário da língua de sinais e normalmente é

surdo congênito ou ensurdeceu muito cedo.

Em constatação com os dados apresentados desta pesquisa dos tipos

de identidades surdas, o relato da surda tcheca autora do livro Como é ser

Surdo, Strnadova (2000) confirma:

Não sintam pena de um surdo. É possível acostumar-se com um mundo sem os sons. Mas não queiram convencê-lo de que não perdeu nada, isto não é verdade. Ambas as posturas são irreais.

De acordo com o Dr. Paddy Lad, o símbolo do ser surdo e sua

significação na cor azul se dá em decorrência de no período da segunda guerra

mundial, Hitler ter identificado os povos pela representação das cores, sendo a

cor escolhida para sinalizar o povo surdo, a cor azul.6

Assim, os surdos do mundo inteiro usam a fita azul (Figura 4) para

sinalizarem a si próprios como pessoa surda, como um ser surdo, auto

6 http://www.revistareacao.com.br/website/Edicoes.php?e=94&c=9417&d=0

Page 24: Dissertação Robson Peixoto.docx

24

afirmando assim sua identidade, cultura, luta, orgulho de pertencer a esse

universo de ser surdo.

Figura 4: Fita Azul – Ser Surdo

Fonte: danianepereira.blogspot.com

Como vimos, atualmente é reconhecido o fato de que os surdos

possuem a Língua de Sinais como Língua Natural, constituindo-se (L1) como

primeira língua, mas houve uma trajetória percorrida até esta língua ser

regulamentada e reconhecida.

Na antiguidade os surdos, assim como qualquer deficiente no mundo,

eram vistos como incapazes. O único país em que o surdo era visto com um

olhar diferente era o Egito, em que a pessoa surda era reverenciada como um

deus.

Na Idade Média a história começou a mudar. Na Espanha, Juan Pablo

Bonnet (Figura 5) desenvolveu um método que consistia na formação de

palavras através de regras sintáticas, gestos e do alfabeto manual (Figura 6).

Figura 5: Juan Pablo Bonnet (1579-1623 )

Fonte:http://jaivirdi.com/2011/03/14/monday-series-objects-of-philosophical-discourse-deafness-

and-language-in-the-1600s-ii/ )

Page 25: Dissertação Robson Peixoto.docx

25

Figura 6: Alfabeto de Pablo Bonet7

Fonte: http://phylos.net/direito/pd-historia

Na França, o Abade L‟Epée conheceu duas gêmeas surdas de

nascença, cuja comunicação entre elas acontecia através de gestos. Ele

acolheu as meninas na igreja, a fim de evitar que fossem mortas.

Abade L´Epeé é muito reconhecido na história da educação dos surdos. Conheceu duas irmãs gêmeas surdas que se comunicavam através de gestos. Iniciou e manteve contato com os surdos carentes e humildes que perambulavam pela cidade de Paris. Procurando aprender seu meio de comunicação e levar a efeito os primeiros estudos sérios sobre língua de sinais. (MAIA, 2009; p: 33)

Começou então a ter contato não só com as irmãs surdas, mas também

com outros surdos carentes que viviam nas ruas da cidade de Paris,

empenhando-se em aprender a sua comunicação e desenvolvendo suas

primeiras pesquisas sobre a língua de sinais.

Acolheu os surdos dentro da sua casa, lugar onde lhes transmitia

ensinamentos, através da língua de sinais, juntamente com a gramática

francesa sinalizada, que era denominada de “Sinais metódicos”.

L‟Epée, o autor do primeiro dicionário em Língua de Sinais, “Defendia

que a língua de sinais constitui a linguagem natural dos surdos e que é um

verdadeiro meio de comunicação e desenvolvimento do pensamento.” (MAIA,

2009. p. 33)

Após as irmãs surdas crescerem, verificando-se o seu aprendizado, bem

como o aprendizado adquirido pelos outros surdos instruídos por L‟Epée, foi

comprovado para a sociedade francesa que as pessoas surdas eram capazes

de aprender e desenvolver um raciocínio.

7 Alfabeto publicado em seu livro Reduction de las letras y arte para ensenar a hablar los

mudos.

Page 26: Dissertação Robson Peixoto.docx

26

Posteriormente, L‟Epée (Figura 7) criou a escola para Surdos da França,

e em seguida esse modelo foi difundido por toda a Europa. As pessoas surdas,

dessa forma, se desenvolveram consideravelmente, tendo direito ao acesso à

educação.

Charles Michel L‟Epée morreu em 1789, e deixou um grande legado

para o mundo. E a França tornou-se referência na educação de surdos,

divulgando que a Língua de Sinais é primordial no desenvolvimento cognitivo e

social das pessoas com surdez. Graças a L‟Épee, foram fundadas 21 escolas

para surdos na França e na Europa.

Figura 7: Charles Michel LEpée (1712-1789)

Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/Charles-Michel

Em 1834, um grupo de 10 surdos decidiram organizar uma grande festa

na França para lembrar a vida de L‟Eppè e o seu maravilhoso trabalho na

educação de surdos. Esta festa foi denominada de Banquete de Surdos.

Este Banquete de Surdos tornou-se uma festa anual que reunia surdos

de vários países e virou uma tradição que fortaleceu a cultura do povo surdo

em todo mundo.

Nesta festa que acontecia todo ano, os surdos nobres e influentes da

sociedade compartilhavam experiências deste período denominado de

“Período Áureo da Educação de Surdos”. Provavelmente, a Literatura Surda

teve sua origem neste evento, onde surdos de todo o mundo compartilhavam

narrativas dentre outros textos sinalizados de diversos gêneros. Mas,

infelizmente, naquela época não havia o registro com imagem de vídeo como

temos atualmente da Literatura Surda. Quanto a este fato, PEIXOTO e PORTO

(2011;168) afirmam que:

Page 27: Dissertação Robson Peixoto.docx

27

Em meados do século XVIII e até a penúltima década do século XIX os movimentos sociais dos Surdos e a formação das comunidades surdas possibilitaram que estes também exercitassem de modo

literário sua língua.

Seguindo a tendência mundial, no Brasil as coisas começaram a mudar

com a chegada de Eduard Huet (Figura 8), pois antes dele, não havia

pesquisas cujo foco fosse a Língua de Sinais. Eduard Huet, cujo título de

mestre conquistou em Paris, chegou ao Brasil no final do século XIX e

desenvolveu um projeto que foi entregue pessoalmente ao imperador D.Pedro

II. Seu projeto visava a criação de uma escola para surdos, em que as crianças

aprenderiam a língua de sinais francesa, objetivando o ensino da Língua de

Sinais para os Surdos dentro da escola.

Figura 8: E. Huet

Fonte: http://asmtabascozac.blogspot.com.br/p/dia-nacional-del-sordo.html

Portanto, em 1857 no Rio de Janeiro, foi fundado o INES (Figura 8),

então chamado Imperial Instituto de surdos-mudos, sendo atualmente

conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos. Esta mudança de

nomenclatura ocorreu devido à luta do Movimento Surdo, ao longo dos anos,

pois, através desses movimentos, os ouvintes reconheceram que os surdos

não são mudos, apenas pessoas usuárias de uma língua com modalidade

diferente.

Page 28: Dissertação Robson Peixoto.docx

28

Figura 8: INES

Fonte: http://www.midialocal.com/bairros/4/laranjeira

Embora o método de ensino de surdos com a língua de sinais

demonstrasse um grande crescimento de adeptos, outro grupo em oposição ao

uso da Língua de Sinais na Educação de Surdos crescia e formava a corrente

Oralista.

A filosofia oralista consiste em padronizar as pessoas surdas ao modelo

ouvinte, ou seja, este método visa ensinar os surdos a falar oralmente, sendo

forçados a reproduzir sons muitas vezes sem compreender o seu significado.

Esta filosofia é muito criticada negativamente pelas pessoas surdas, que

comparam este método com a comunicação entre o homem e o papagaio,

onde este só reproduz as palavras aprendidas sem nenhum contexto.

Um importante representante e defensor do método oralista, que

possuía esposa surda chama-se Alexander Grahn Bell. Bell buscou um outro

método que não abrangia os sinais, consistindo no desenvolvimento de um

sistema que buscava no desenho dos lábios, garganta, língua, dentes e palato,

a comunicação efetiva entre surdos e destes com os ouvintes.

Dessa forma, os surdos tinham que reproduzir os movimentos e sons

ensinados pelo professor, utilizando técnicas semelhantes às utilizadas na

fonoaudiologia, que consistia no aprendizado da fala oral, não podendo utilizar-

se da Língua de Sinais. Assim criou o que se denominou “Fala visível” ou

“Linguagem visível”.

Diante dessas concepções diferenciadas acerca dos métodos utilizados,

objetivando o aprendizado dos surdos, no ano de 1880, aconteceu em Milão

um Congresso Mundial, para discutir o modelo ideal para a educação de

surdos.

Page 29: Dissertação Robson Peixoto.docx

29

Nele houve uma grande participação mundial, no entanto, as pessoas

surdas tiveram uma pouca representatividade, sendo os surdos excluídos no

momento da votação para escolher qual o melhor método de educação para

eles. Dessa forma, o oralismo venceu pela maioria dos votos. Os

representantes ouvintes decidiram através de votação que a melhor forma de

educação para surdos seria o método oral.

Ocorrrido no período compreendido entre 6 e 11 de Setembro de 1880, o

congresso de Milão trouxe, portanto, repercussão negativa para as pessoas

surdas em todo o mundo, sobretudo na educação, o que gerou grande

angústia, havendo, em algumas situações, expulsão do surdo da própria

escola.

Os professores surdos deixaram de ensinar, uma vez que foi proibido o

uso da língua de sinais, em substituição ao método oral e os alunos surdos

sofreram com isto. SACKS,1998; P: 40 esclarece sobre este fato

Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela.

Dessa forma, os surdos além da perda do direito de se comunicar com a

sua língua dentro do ambiente escolar, também perderam o direito de trabalhar

como docentes de língua de sinais, só podendo utilizar a língua de sinais entre

si e longe dos lugares públicos, como em banheiros, por exemplo.

Quase cem anos marcaram então a era oralista, resultando em uma

perda considerável do direito de expressão dos surdos. Até que depois disso,

em 1960, nos EUA, o linguista Willian Stokoe (Figura 9) atribuiu o status de

Língua para a Língua de Sinais, com base em estudos realizados.

Page 30: Dissertação Robson Peixoto.docx

30

Figura 9: William Stokoe (1919-2000)

Fonte: http://it.wikipedia.org/wiki/William_Stokoe

O linguista Stokoe trabalhou na Universidade Gallaudet de 1955 a 1970,

foi professor e chefe do departamento de Inglês, na universidade. Publicou no

ano de 1965, como co-autor um dicionário de Língua Gestual Americana sobre

Princípios Linguísticos.

Em 1960, Stokoe desenvolveu estudos e pesquisas voltados para a

Língua de Sinais Americana- ASL. Foi através dos estudos realizados em 1960

que ele descobriu que as línguas de sinais têm o mesmo status linguísticos das

línguas orais, pois têm parâmetros que abrangem: Configuração de mão,

localização, movimento. Elementos que fazem parte, portanto, da fonologia das

Línguas de Sinais.

Constatou assim, que as línguas de sinais tinham uma gramática própria

com valores semânticos, pragmáticos, sintáticos, morfológicos e fonológicos,

possuindo, da mesma forma que as línguas orais, estruturas linguísticas

próprias. Stokoe defendeu a importância da língua de sinais, em um momento

em que essa língua não tinha o seu valor reconhecido.

As tradições ouvintes não reconheciam a Língua de Sinais com o

mesmo status linguístico das línguas orais porque elas desconheciam a

estrutura gramatical dessa língua, julgando que fossem apenas gestos.

Os ouvintes que outrora excluíam os surdos por não estarem inseridos

no padrão oral, uma vez que não se comunicavam através da fala, depois

desses estudos, passaram a reconhecê-los como pessoas que possuem uma

língua própria, independente das línguas orais.

Page 31: Dissertação Robson Peixoto.docx

31

Stokoe, deixou, portanto, uma valiosa contribuição para que as línguas

de sinais fossem reconhecidas como língua em todo o mundo, havendo

grandes avanços também na língua de sinais aqui no Brasil.

Este marco histórico influenciou o surgimento de uma nova filosofia

educacional, a Comunicação Total e é definida por Pereira (2011, p.11) da

seguinte forma:

A comunicação total defende que: os surdos tenham acesso à linguagem oral por meio da leitura orofacial, da amplificação, dos sinais e do alfabeto manual e que se expressem por meio da fala, dos sinais e do alfabeto manual.

Nesta abordagem, o Surdo utiliza para comunicação simultaneamente

duas línguas que possuem estruturas diferentes e de modalidades diferentes

(oralidade e gestualidade).

A terceira filosofia educacional, denominada de Bilinguismo, chega ao

Brasil na década de 90. O ensino bilíngue para surdos consiste no uso, em

momentos distintos, por parte das pessoas surdas, das duas línguas, a LIBRAS

como L1 e a língua portuguesa como L2, preferencialmente na modalidade

escrita.

No ano de 2002 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou

a Lei nº 10436/02 que reconhece a língua brasileira de sinais como meio legal

de comunicação, como podemos ver a seguir parte da lei 10.436/02:

“Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua

Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”

Todavia no ano de 2005, o ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva

sancionou o Decreto de nº 5.236/04 que regulamenta esta lei sendo de grande

conquista para as pessoas surdas não só por que tiveram sua língua

reconhecida mas também garantiu a acessibilidade em todas as esferas da

sociedade, como lojas, hospitais, bancos, escolas, universidades onde

determina que estas esferas devem além de garantir o direito a acessibilidade

para as pessoas surdas através de sua língua, a LIBRAS.

Page 32: Dissertação Robson Peixoto.docx

32

Esta lei e o Decreto vieram a impactar positivamente a vida do surdo do

nosso país, pois os mesmos tiveram seus direitos garantidos em todas as

esferas. Graças às determinações do Decreto, na educação a LIBRAS foi

incluída como disciplina obrigatória da grade curricular de vários cursos.

Este decreto também determinou a criação do curso de licenciatura em

Letras LIBRAS que prioriza as vagas para as pessoas surdas afim de viabilizar

a formação docente para a formação bilingue:

“Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do

ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput Art. 5

o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e

nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.”

A formação docente para a educação bilingue é fundamental para a

educação de qualidade para as pessoas surdas que contemplem sua língua de

instrução e atividades voltadas para sua cultura visual afim de facilitar sua

compreensão nos conteúdos. Assim o ensino da língua portuguesa deve ser

pautada nesta perspectiva para eles, respeitando sua língua cultura e modo de

aprender, para isto se faz necessário a adoção de estratégias visuais como a

implementação da escrita em língua de sinais (Figura 10).

Figura 10: Programa conversor LiBRAS- SignWriting Fonte: http://www.dicionariolibras.com.br.

Page 33: Dissertação Robson Peixoto.docx

33

Assim como as pessoas surdas devem aprender a língua portuguesa na

modalidade escrita para assim se tornarem bilíngues, as pessoas ouvintes

como alunos, funcionários, professores enfim, todos devem aprender a língua

de sinais afim de se tornarem bilíngues pois todos fazem parte deste processo.

Assim aprender uma segunda língua não deve ser um papel tão

somente da pessoa surda. Haja vista que assim como nas escolas as diversas

esferas da sociedade precisam aprender a segunda língua do país para que só

assim este possa se tornar um país bilíngue.

Porém esta não é a realidade do Brasil, verificam-se falhas, como por

exemplo: faltam professores surdos na maioria das escolas. Isso é

imprescindível no compartilhamento da identidade surda e nas estratégias de

ensino de qualidade.

Contudo, a primeira escola de surdos fundada no Brasil, o INES atende

pessoas surdas do berçário, ensino infantil, fundamental, médio até o ensino

superior, além de ensino profissionalizante. A escola além de formar

professores surdos, possui também em seu quadro de funcionários e na

diretoria professores surdos, sendo o ensino da escola pautado na LIBRAS e

na cultura surda.

O corpo técnico do INES formado por professores bilíngues, intérpretes

de Libras, cozinheiros, médicos, profissionais de educação física, costureiras

profissionais nas mais diversas áreas, porém, a maioria tem conhecimento

básico para a comunicação em língua de sinais.

Este instituto além de proporcionar o ensino bilíngue em sala de aula

também proporciona o ensino profissionalizante com cursos de artes, costura,

ensino de informática, cursos de libras para familiares de pessoas surdas, para

profissionais de diversas áreas como: polícia militar, polícia civil, enfermeiros,

dentre outros.

Com o advento da inclusão pautada na LDB 9394/96, que prevê que as

escolas regulares precisam acolher pessoas com deficiência, e dentro desse

universo estão incluídos os surdos, surgiu a ameaça, postas por ordem do

MEC, de fechamento das escolas especializadas8, inclusive o INES, o Instituto

de referência de educação de Surdos no Brasil.

8 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-40602014000600006&script=sci_arttext

Page 34: Dissertação Robson Peixoto.docx

34

Como consequência disto, foi imposto um ensino em que os mesmos

foram excluídos por uma dita inclusão onde eles encontravam professores

ouvintes que não dominavam a língua de sinais e nem tão pouco as estratégias

de ensino para as pessoas surdas.

Portanto, depois de fechadas as escolas para surdos houve uma

inquietação na comunidade que gerou o movimento por escolas bilíngues para

surdos a nível Estadual e Municipal. Esta reação aconteceu por parte dos

surdos, pais, associações e professores em todos estados do Brasil, com o

objetivo de pressionar o governo para a autorização da reabertura do INES e

das demais escolas bilíngues existentes no Brasil.

O movimento em prol de escolas bilíngües denominou-se Setembro

Azul. A cor escolhida deve-se ao fato da utilização da fita azul (Figura 4) e o

mês de setembro deve-se as comemorações significativas para surdos do

Brasil e do mundo. No dia 26 de setembro comemora-se o dia nacional do

surdo no Brasil e o dia 30 de setembro, o dia internacional do surdo. O dia

nacional do Surdo no Brasil é comemorado em 26 de setembro porque nesse

dia celebra-se a inauguração da primeira escola para surdos no país em 1857.

Como resultado desta mobilização, os surdos apresentaram uma

proposta das escolas bilíngues que foi aprovada e houve uma grande

comemoração no Brasil inteiro devido a este fato. A proposta iniciou com o

projeto de lei de número 725/2012 que autorizou o governo distrital a criação

de uma escola bilíngue para surdos.

Sendo assim, inclusão de pessoas com deficiência em escolas comuns

é um projeto louvável, porém faz-se necessário garantir que as especificidades

sejam respeitadas. Quando pensamos em inclusão de pessoas surdas temos

que ter cuidado, pois se trata de algo mais profundo, pois envolve a cultura,

identidade, e a Língua de Sinais com a sua modalidade visual.

As Escolas inclusivas, em sua maioria, tem pessoas ouvintes, que falam

a língua portuguesa, estão acostumados com uma cultura na fala oral e na

audição, com um método de aprender e os professores com método de

ensinar, porém eles não contemplam a língua e nem a diversidade de todo este

público de surdos que acabou de entrar na escola.

http://oglobo.globo.com/rio/deficientes-visuais-auditivos-temem-possibilidade-de-perder-escolas-

especiais-2804151

Page 35: Dissertação Robson Peixoto.docx

35

A inclusão não consiste apenas na presença do intérprete pois a

inclusão não pode ser baseada numa educação padronizada, educação esta

em que os professores ouvintes adotam uma metodologia adequada a uma

maioria que não contempla a totalidade das necessidades, como no caso, os

surdos por exemplo.

Como não possuem uma metodologia adequada às suas necessidades

de aprendizado os surdos não conseguem assimilar os conteúdos de forma

equivalente a uma pessoa ouvinte.

Com base nesta retrospectiva histórica percebemos que a Língua de

Sinais é o elemento fundamental e diferenciador na educação de surdos,

portanto, a seguir, vamos conhecer as características gramaticais desta língua

visuo-espacial.

A) Aspectos Fonológicos:

QUADROS E KARNOPP (2004, P.51) definem fonologia das línguas de

sinais da seguinte forma:

A língua de sinais brasileira, assim como outras línguas de sinais, é basicamente produzidas pelas mãos, embora movimentos do corpo e da face também desempenhem suas funções. Seus principais parâmetros fonológicos são locação, movimento e configuração de mão exemplificados na figura a seguir:

Figura 11: Parâmetros fonológicos da Língua de Sinais

Fonte: Ferreira-Brito 1990, p.23

O sinal „copo‟, possui a configuração de mão , movimento e

locação na boca. Assim os sinais, são formados a partir da combinação da

Page 36: Dissertação Robson Peixoto.docx

36

configuração de mãos, do movimento, do local, podendo este ser uma parte do

corpo ou um espaço em frente ao corpo (FELIPE, 2001).

Ferreira Brito (1995) apud Quadros e Karnopp (2004) cita que na língua

brasileira de sinais há 46 CMs - Configurações de Mãos, conforme quadro

abaixo:

Figura 12: As 46 CMs da LIBRAS

Fonte: Ferreira-Brito e Langevin, 1995

Entretanto, o numero de estudos atualizados até o momento das

configurações de mãos mostram que são 61:

Figura 13: Tabela de Configuração de Mãos elaborada por Nelson Pimenta

Fonte:repositorio.unb.br/bitstream/10482/8859/1/2011_Gl%C3%A1uciodeCastroJ%C3%BAnior.pdf

A configuração de mão é um dos parâmetros que, unido aos demais

parâmetros, formam o sinal.

Page 37: Dissertação Robson Peixoto.docx

37

Quanto ao parâmetro denominado de movimento, segundo Quadros e

Karnopp (2004) é um parâmetro complexo, podendo este ter diversas formas e

direções, podendo os mesmos serem constituídos no corpo do sinalizador ou

no espaço neutro conforme veremos nos exemplos abaixo.

Trabalhar Namorar

Figura 14: Parâmetro Movimento

Fonte: Foto do autor

Para sinalizar a palavra namorar é usado a configuração de mão 41 no

espaço neutro. Quanto aos movimentos é possível analisar que os dedos

movimentam-se simultaneamente nas direções para cima e para baixo, as

orientações das palmas das mãos lateral uma de frente para outra, já as

expressões não manuais foram neutras.

No exemplo do sinal trabalho é usado a configuração de mão 38 com

espaço neutro, a orientação das palmas das mãos para baixo e os movimentos

alternados para frente, já as expressões não manuais foram neutras.

B) Morfologia

Da mesma forma que as línguas orais, as línguas de sinais têm sua

morfologia. Nos estudos morfológicos, veremos os conceitos de morfologia e

morfemas na LIBRAS:

A morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou sinais, assim como as regras que determinam as formação das palavras. A palavra morfema deriva do grego morphé, que significa forma. Os morfemas são unidades mínimas com significado.

Page 38: Dissertação Robson Peixoto.docx

38

Sinal: Igreja

Figura 15: Composição

Fonte: Foto do autor

A palavra igreja na LIBRAS constitui em um sinal composto, pelo sinal

casa e o sinal cruz, assim, a junção destes formou-se a palavra igreja.

C) Sintaxe

A sintaxe na Libras apresenta várias ordens linguísticas que obedecem à

modalidade visuoespacial, conforme afimam Quadros E Karnopp (2004, p:127):

Analisar alguns aspectos da sintaxe de uma língua de sinais requer “enxergar” esse sistema que é visuoespacial e não oral auditivo.

Desse modo a língua brasileira de sinais possui uma gramática com

estrutura própria e independente das línguas orais auditivas, sendo possível a

esta ter as mais diversas combinações conforme afirmam as autoras Quadros

E Karnopp (2004, p133):

Ordem das palavras é um conceito básico relacionado com a estrutura da frase de uma língua. O fato de que as línguas podem variar suas ordenações das palavras apresenta um papel significante nas análises linguísticas. Por exemplo, Greenberg (1966) observou que de seis combinações possíveis de sujeito(s), objeto(o) e verbo(v), algumas delas são mais comuns do que outras.

As expressões não manuais na LIBRAS possuem valor gramatical pois,

as mesmas podem ter dependendo do contexto valor de afirmação, negação,

interrogação ou exclamação.

Page 39: Dissertação Robson Peixoto.docx

39

D) - Semântica e Pragmática

Nesta área além dos estudos da sinonímia e da antonímia, homonímia e

polissemia, podemos citar como exemplos as metáforas e o desenvolvimento

de dicionários de LIBRAS ao longo dos anos.

Quanto às metáforas em LIBRAS, elas podem ser equivalentes as

metáforas utilizadas na Língua Portuguesa (“estou de queixo caído”, “ele está

segurando vela”, “ela está de coração partido”, dentre outras) ou diferentes

(metáforas criadas por usuários da LIBRAS, como podemos ver no exemplo

abaixo).

SINAIS PESADOS

Figura 16: Metáfora (Sentido: Sinalização difícil de ser compreendida)

Fonte: Retirado do texto de LIBRAS V (Semântica e Pragmática) Peixoto in Faria 2012.

É notório que um povo desenvolve sua literatura à medida que há um

reflexo do desenvolvimento de sua educação, de sua cultura e de sua língua.

Com o povo surdo acontece da mesma forma. Até agora, constatamos o

desenvolvimento nas áreas educacional e linguística. A seguir, abordaremos

algumas características da cultura e da comunidade na qual se origina as obras

analisadas nesta pesquisa.

Page 40: Dissertação Robson Peixoto.docx

40

1.2 – A LITERATURA E A COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA

“...Um povo acontece quando as pessoas se unem em torno de um

mesmo sonho. É preciso devolver ao povo a capacidade de sonhar

para que ele volte a ser povo.”

(Santo Agostinho)

Por vezes o desconhecimento a respeito do outro ser e este ser em

questão sendo o surdo, faz com que a sociedade ouvinte reflita em alguns

questionamentos: Por que existe uma cultura surda? O que é cultura surda?

Qual a diferença entre povo surdo e comunidade surda?

A seguir vamos decorrer sobre estes temas conforme alguns autores. De

acordo com Skliar (1998) se há uma língua, existe uma cultura e se há uma

cultura, existe uma comunidade e consequentemente existindo o agrupamento

de pessoas com características que as identificam ou “qualidades em comum”,

então existe a identidade do indivíduo pertencente a esta comunidade. Este

autor em sua fala relata sobre quatro elementos fundamentais para serem

abordados sobre os surdos: Língua, cultura, comunidade e Identidade.

Strobel (2008) define os surdos como um povo e estes são

caracterizados por algo em comum, a língua e sua modalidade que é visual

espacial. Segundo a autora, o termo, povo surdo, não parte do objetivo de

separar as pessoas com surdez das que ouvem ou protestar contra a inclusão,

como esclarece:

Mas isto não quer dizer que o povo surdo se isola da comunidade ouvinte, o que estamos explicando é que os sujeitos surdos, quando se identificam com a comunidade surda, estão mais motivados a valorizar a sua condição cultural e, assim, passam a respirar com mais orgulho e autoconfiantes na sua construção de identidade e ingressam em uma relação intercultural, iniciando uma caminhada sendo respeitado como sujeito “diferente” e não como deficiente. (STROBEL 2008, p:33)

Strobel (2008, p.8) ainda define povo surdo como um grupo de:

Sujeitos surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução lingüística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laços.

Page 41: Dissertação Robson Peixoto.docx

41

Nesta perspectiva da autora, os surdos são integrantes de um povo

espalhado em vários países, ou seja, não moram na mesma localidade. No

entanto, possuem características em comum que os identificam. Já o termo

comunidade surda está relacionado aos surdos que vivem numa determinada

área, sob o mesmo governo.

Então, o termo comunidade surda difere do termo povo surdo pelo fato

de a comunidade ser um termo relacionado a algo local ou regional. Já povo

surdo é o termo usado para definir as pessoas surdas localizadas em qualquer

parte mundo.

Com base nesta abordagem bicultural constata-se, por exemplo, os

surdos brasileiros moram no mesmo país da comunidade dos ouvintes,

vivenciam os mesmos fatos históricos, na mesma época, porém também

compartilham de uma língua diferente e de um código visual de vivência de

mundo da comunidade surda. Exemplificando esta realidade, Salles 2004;

P:37,38 relata:

Um menino surdo demorou a perceber que era diferente, pois todos os integrantes da sua família eram como ele. Como brincava com seus irmãos, demorou a sentir necessidade de fazer amigos fora deste círculo. Ao iniciar uma amizade com uma amiguinha vizinha, começou a estranhar a falta de habilidade da mesma em comunicar-se na língua de sinais e tentava ao máximo ajudá-la com esta dificuldade criando artifícios para que comunicação fosse possível. Certo dia, este menino, muito preocupado, pergunta a sua mãe qual era o problema da sua amiguinha. Ele queria entender porque ela às vezes movimentava os lábios quando estava perto da mãe e a mãe também correspondia da mesma forma, e por que ela tinha tanta dificuldade em comunicar-se. Foi então que a mãe explicou ao menino que ela não tinha problema algum, porém era diferente dele, pois se comunicava com os movimentos dos lábios e não com as mãos. Ao fazer a afirmação que a família vizinha era ouvinte e não surda como a deles, o menino indagou a mãe se apenas a família vizinha era assim ou se havia mais pessoas como eles. Então sua mãe explicou que na realidade a maioria das pessoas é ouvinte e a minoria é formada por pessoas surdas, fato que ele ainda não tinha atentado.

Com isto, é de fundamental importância entender que ao utilizar o

termo povo surdo, não significa que todos os surdos são iguais, pois não é

possível generalizar seus costumes e vivências. Afinal, constatamos que o

povo surdo é formado por diversas comunidades surdas (pessoense, carioca,

Page 42: Dissertação Robson Peixoto.docx

42

americana, argentina…) e além disso, a realidade das diferentes identidades

surdas apresentadas anteriormente.

Depois de esclarecer a diferença entre os termos comunidade

surda e povo surdo tão comumente utilizado nos estudos, porém muitas vezes

com aplicação equivocada, partiremos para a temática da cultura surda

propriamente dita com base nos estudos da pesquisadora surda Dra. Karin

Strobel.

Cultura Surda é o jeito de o surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-o com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo. (STROBEL 2008, P:24)

Nesse sentido, ao abordar a identidade cultural do povo surdo tratamos

de elementos específicos como crenças, ideias, costumes e hábitos que

transbordam de uma cultura, que além de possuir estes elementos não visíveis,

possui produções culturais visíveis que são externalizadas por meio de

artefatos. A autora apresenta os artefatos culturais como produções dos

sujeitos surdos, que não se limitam apenas a artefatos materiais, mas

classificam-se da seguinte maneira:

1. Artefato cultural Experiência Visual

2. Artefato cultural Linguístico

3. Artefato cultural Familiar

4. Artefato cultural Literatura Surda

5. Artefato cultural Vida social e esportiva

6. Artefato cultural Artes visuais

7. Artefato cultural Política

8. Artefato cultural Materiais

Ao apresentar a experiência visual como primeiro artefato da cultura

surda, a autora enfatiza que a vivência de mundo das pessoas surdas é

Page 43: Dissertação Robson Peixoto.docx

43

baseada em informações visuais e não sonoras. As autoras Perlin e Miranda

(2003, p:218) apud Strobel (2008, p:39) esclarecem:

Experiência visual significa a utilização da visão, em substituição total à audição, como meio de comunicação. Desta experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento científico e acadêmico. A cultura surda comporta a língua de sinais, a necessidade do intérprete, de tecnologia de leitura...

Com base nesta realidade, estes sujeitos percebem o mundo a sua volta

através dos olhos. Desde o gritar de uma pessoa, que é demonstrado por sua

expressão facial e inchaço das veias do pescoço, até o cair de um objeto

barulhento, pois é percebido que as pessoas ao redor olham para a direção

que este objeto caiu.

Se falta energia, por exemplo, o surdo não consegue se comunicar, pois

está tudo escuro, e sua comunicação visual fica impossibilitada. Na mesma

situação, o ouvinte pode se comunicar, por utilizar-se da língua oral, no

entanto, quando está debaixo da água, depois de um mergulho, no fundo de

uma piscina, por exemplo, o ouvinte não pode se comunicar, uma vez que

utiliza-se da língua oral, ao passo que o surdo pode comunicar-se, pois as

mãos estão livres e podem mover-se dentro da água.

Nas relações afetivas, o surdo também manifesta esse traço cultural

baseado na vivência visual de mundo. Por exemplo, um casal de ouvintes em

um restaurante geralmente sentam-se lado a lado e conversa normalmente, já

para um casal de surdos, essa prática é adaptada. Eles preferem sentar-se um

de frente para o outro, pois assim a comunicação fica melhor, uma vez que a

comunicação é visual e precisa de espaço para que os movimentos das mãos

sejam realizados e percebidos pelo receptor da mensagem.

Entendendo na prática, além desses exemplos já apresentados é

possível acrescentar a maneira de:

a) Chamar uma pessoa surda que está localizada a uma certa distância através

de acenos de mão e não gritando;

Page 44: Dissertação Robson Peixoto.docx

44

b) Chamar a atenção de um público de surdos reunidos em local fechado

acendendo e apagando a luz, para que todos ao mesmo tempo olhem, ao invés

de avisar o início da reunião no microfone, pois não vai surtir o efeito esperado;

c) Orar/rezar de olhos abertos para acompanhar o sinalizante que dirige a

prece (de olhos fechados) e além disso, em vez de unirem as mãos no

momento da oração unem os pés para que as mãos fiquem livres para a

comunicação (Figura 17);

d) Aplaudir com palmas visuais e não sonoras levantando e balançando as

mãos, produzindo assim uma beleza visual que emociona o(s) surdo(s)

homenageado(s) (Figura 18);

e) “Cantar a música” por meio da Língua de Sinais transmitindo o ritmo, o estilo

musical, a emoção e a beleza por meio da expressão facial e corporal.

Figura 17 : Momento de oração

Fonte: Foto do autor

Figura 18: Público aplaudindo surdos

Fonte: http://falaoutraescola5.blogspot.com.br/2010/10/libras.html

Page 45: Dissertação Robson Peixoto.docx

45

O segundo artefato apresentado por Strobel (2008) consiste na

característica mais marcante da vivência visual de mundo transmitida de

geração para geração pelos surdos, a Língua de Sinais. A cultura do povo

surdo é compartilhada através da língua produzida pelo canal visuo-gestual (a

mensagem é recebida pela olhos e expressada pelas mãos) pelas

comunidades surdas de cada país: ASL (Língua de Sinais Americana), BSL

(Língua de Sinais Britânica), LSF (Língua de Sinais Francesa), LGP (Língua

Gestual Portuguesa), dentre outras.

No Brasil, há duas siglas que representam a língua de sinais do país:

LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e LSB (Língua de Sinais Brasileira). Esta

última segue o padrão das demais línguas de sinais do mundo.

Com base nestes exemplos, constatamos que a Língua de Sinais não é

universal como muitas pessoas acreditavam. Outro mito era o fato de que até

pouco tempo consideravam ela uma língua ágrafa, porém com o

desenvolvimento da Sign Writing (Escrita da Língua de Sinais) este mito foi

desconstruído.

Embora esta língua pertença a uma comunidade linguística minoritária,

não é inferior à língua produzida pelo canal oral-auditivo, a língua oral. A Língua

de Sinais não é agramatical e nem exclusivamente icônica como muitos

equivocadamente acreditavam. Ela possui uma gramática própria independente

da língua majoritária do país e embora possua muitos sinais com motivação

icônica, a maioria dos sinais desta língua é arbitrária.

Por meio dela os nativos desta comunidade linguística podem proferir

palestras, ministrar aulas, discursos políticos/filosóficos, produzir textos

sinalizados de diversos gêneros literários assim como nas línguas orais.

Page 46: Dissertação Robson Peixoto.docx

46

Figura 19: Apresentação de trabalho acadêmico em LIBRAS

Fonte: Foto do autor

Ainda exemplificando este artefato linguístico, podemos citar a realidade

da televisão: no jornal televisivo, há as entrevistas, em que todas as

informações são ditas em língua portuguesa, no caso do Brasil, no entanto,

para a comunidade surda, a apreensão das informações é por meio da língua

de modalidade vísuo-espacial, sendo importante ter a interpretação em Libras

na tela.

No cinema, por exemplo, se o filme for dublado, precisa haver muitas

expressões faciais para que a informação seja melhor compreendida pelo

surdo, porque não tem como ele ter a compreensão do que está sendo falado,

já que não escuta, mas se for legendado, apesar de o português constituir-se

segunda língua para o surdo fica mais fácil para compreender os contextos.

Já o artefato cultural denominado de familiar consiste no fato que ao

nascer uma criança surda em uma família de surdos, isto é um motivo para

grande celebração na comunidade surda. Este traço cultural não é muito

aceito, além de ser incompreendido pela comunidade majoritária de ouvintes.

Pois ao nascer uma criança surda em uma família de ouvintes, geralmente, isto

é motivo de lágrimas, sentimento de culpa, divórcios e muita tristeza. Isso

explica-se pela necessidade de ter um filho igual e pela preocupação de lidar

com o diferente de maneira adequada.

É perceptível na imagem abaixo a satisfação dos pais surdos e de

surdos influentes na comunidade brasileira em visita ao recém-nascido, todos

vestidos com a blusa oficial do movimento azul.

Figura 20: Visita do Poeta surdo Nelson Pimenta a um recén-nascido surdo

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=6sAZwJRHCy4

Page 47: Dissertação Robson Peixoto.docx

47

Deste contato surdo-surdo seja em ambiente familiar, religioso ou social,

surge um outro tipo de produção cultural denominado de literatura surda ou

literatura visual, que consiste em poesias, piadas, fábulas e narrativas

produzidas na Língua de Sinais por autores e poetas surdos e

distribuídas/vendidas em livros, DVD ou em CD-ROOM. Como este é o objeto

de estudo desta pesquisa, o detalhamento deste artefato será apresentado no

posteriormente de forma mais detalhada.

Segundo Strobel (2008), quando os sujeitos surdos estão em comunhão

entre eles e compartilham suas metas dentro da associação de surdos,

federações, igrejas e outros locais dá o sentido de estarem em comunidades

surdas. A este fato a autora denomina de artefato cultural vida social e

esportiva.

No âmbito social e esportivo, muitos eventos são realizados pelos

sujeitos surdos de maneira bastante organizada e elaborada, visto que eles

possuem órgãos como: Liga Nordestina Desportiva de Surdos – LINEDS,

Confederação Brasileira de Desportos de Surdos – CBDS, Associações Locais

(Associação de Surdos de João Pessoa – ASJP, Associação de Surdos do Rio

de Janeiro – ASURJ...), Federação Nacional de educação e Integração de

Surdos – FENEIS, Associação Evangélica Nacional de Obreiros com Surdos –

ASSENOS, World Federation of the Deaf – WFD, eventos como Miss Surda

Brasil e Miss Surda Mundo, dentre outros. Como podemos ver a seguir:

Exemplo de eventos de moda que mobiliza as comunidades surdas:

F

Page 48: Dissertação Robson Peixoto.docx

48

Figura 21: Miss Surda

Fonte: culturasurda.net

Exemplo de evento esportivo organizado por surdos:

Figura 22: Campeonato Brasileiro

Fonte: http://www.fpeds.org.br/?p=778

Exemplo de evento religioso que mobiliza a comunidade surda brasileira:

Figura 23: Encontro Nacional de Obreiros com Surdos

Fonte: www.enos2016.com.br/#!about/cjg9

Outra manifestação cultural bastante desenvolvida pelo povo surdo é o

artefato das artes visuais. Já existe um número razoável de produções

artísticas com autoria de surdos, seja nas artes plásticas, no teatro, na dança e

no cinema.

Figura 24: Quadro da artista plástica e poetisa Fernanda Machado

Fonte: cultura surda.net

Page 49: Dissertação Robson Peixoto.docx

49

Quanto ao artefato política, a luta por direitos da comunidade surda tem

se desenvolvido e conquistas que há alguns anos não era possível atualmente

vem se tornando realidade. Como exemplo disso, podemos citar o

reconhecimento linguístico por meio do Decreto 5.626/2005 como fruto do

movimento da comunidade surda brasileira que durante muitos anos promoveu

passeatas e eventos reivindicando o direito linguístico e de acessibilidade

comunicativa. Além disso, hoje temos representatividade desta comunidade no

planalto, pois vereadores/deputados surdos têm sido eleitos.

Figura 25: Movimento Azul (reivindicação por escolas bilíngues para surdos)

Fonte: portal.ifrn.edu.br

Finalmente, vamos abordar o último artefato apresentado pela autora.

Porém esta produção cultural não foi citada nesta posição por acaso, mas em

uma atitude crítica-reflexiva protestando a ideia de exemplificar a cultura surda

exclusivamente por materiais que adaptam uma realidade sonora para uma

vivência visual de mundo. O equívoco está em resumir a cultura surda apenas

ao artefato material, quando na realidade esta é uma das produções e não a

única produção cultural dos sujeitos surdos.

Houve uma época em que apenas a campainha luminosa, a babá

eletrônica e relógios com vibrador eram citados como materiais que geravam

acessibilidade para surdos. Atualmente, o avanço tecnológico tem permitido

que aplicativos para celulares e computadores gerem acessibilidades para

pessoas surdas em diversas áreas da sociedade.

Page 50: Dissertação Robson Peixoto.docx

50

Figura 26: Aplicativos

Fonte: cultura surda.net

Hoje a tecnologia tem favorecido muito o surdo. O celular por exemplo,

possui os recursos visuais do WhatsApp, da Webcam, do Skype, mas ainda há

muita coisa que precisa ser adaptada para melhor facilitar a acessibilidade para

o surdo. Atualmente os surdos se encontram com mais frequência, antigamente

eram mais isolados, mas, a tecnologia tem ajudado e facilitado esse encontro.

Partindo desta pesquisa que apresentou as produções culturais do povo

surdo, ao analisar a cultura da comunidade linguística denominada de surda e

a cultura da comunidade linguística denominada de ouvintes, constatamos que

são culturas distintas. Para exemplificar de forma ainda mais esclarecedora o

quadro demonstra uma análise comparativa:

Produção Cultural Cultura Surda Cultura Ouvinte

Materiais

Campainha domiciliar: O surdo precisa de uma campainha com sinal luminoso, que ficam em pontos estratégicos como sala, escritório e cozinha, ou campainhas adaptadas com câmeras, para visualização da pessoa que chega. Babá eletrônica: Vibratória

Campainha domiciliar: Sonoras. Babá eletrônica: Sonora

Vida Social e Esportiva

Futebol: A arbitragem é sinalizada

Futebol: A arbitragem é feita com

Page 51: Dissertação Robson Peixoto.docx

51

com uma bandeira. Encontros sociais: Faz parte da sua cultura, encontros semanais com a comunidade surda em locais estratégicos, “points” O “point” de encontro em João Pessoa é no Shopping Tambiá toda quinta-feira. Frequentemente estendendo-se por um tempo maior que os encontros sociais dos ouvintes. Crença Para os surdos, as práticas religiosas que contemplam as crenças mais variadas possíveis, precisam ser transmitidas em Libras, para que esse público possa ter sua adaptação para a sua própria Língua.

um apito. Encontros sociais: Não têm lugares estratégicos, para tais encontros, pois qualquer pessoa que tenha certo grau de afinidade, é possível ser um local de encontro. Crença Qualquer local de culto religioso em que a língua oral seja usada para a prática da espiritualidade.

Língua (Linguistico)

Língua visuao-gestual. LIBRAS.

Língua oral auditiva

Figura 27: Quadro Cultura

Fonte: Elaborado pelo autor

Cientes das especificidades do Ser Surdo, da heterogeneidade de sua

identidade multifacetada, do percurso histórico percorrido, das especificidades

da língua visuo-espacial e dos aspectos culturais do Povo Surdo, partiremos

agora para uma reflexão sobre a Literatura Surda/Literatura Visual.

No livro Deaf American Literature-From Carnival to the Canon (2004) da

autora Peters, consta o esclarecimento básico para a compreensão da

essência de uma Literatura originada de uma comunidade surda: a comunidade

surda vem de uma tradição sinalizada. Para uma melhor compreensão,

podemos comparar a tradição sinalizada, da comunidade surda à tradição oral,

da comunidade ouvinte. Nessas duas tradições a mensagem precisa ser

Page 52: Dissertação Robson Peixoto.docx

52

transmitidas pessoalmente seja por uma língua de sinais ou por uma língua

oral. Quanto a isto PETERS, 2000, p:180 esclarece:

Embora o narrador moderno convencional possa usar alguns gestos, linguagem corporal e mímica, ele ou ela geralmente se baseia principalmente na voz; em contraste, o contador de histórias ASL não só diz o que se parece com algo, mas também mostra ou decreta o que parece, criando um pequeno “jogo” na frente dos olhos dos espectadores.

Embora etimologicamente a palavra literatura tenha o sentido de letra

(do latim, littera), o surgimento da literatura ocorreu quando o homem primitivo

ainda não havia desenvolvido a escrita. Na origem, a literatura de todos os

povos foi oral. Através das gerações as lendas e cantigas eram transmitidas de

forma oral.

Apenas com o surgimento da escrita que o armazenamento destas

obras originadas na tradição oral passaram a estar disponíveis em tábuas,

papiros, pergaminhos e posteriormente em papéis. No decorrer dos tempos,

infelizmente, muitas dessas obras se perderam sem o seu merecido registro.

Na comunidade ouvinte, principalmente nordestina, quando abordamos

o assunto da produção literária por meio da tradição oral, a literatura de cordel

é digna de destaque na lembrança da grande maioria da população, visto que

esta literatura consiste em narrativas orais de poetas populares até os dias

atuais.

Partindo desta realidade, constatamos que as lendas, histórias, poemas

e demais textos de forma alguma tem menos valor literário por ser transmitido

oralmente, o que mudou foi o fato de haver a preservação e propagação das

obras por meio do registro escrito. Se houvesse essa desvalorização de obras

originalmente de uma tradição não escrita, o que diríamos da chamada

literatura clássica, que engloba toda a produção greco-romana? Na realidade

os principais gêneros literários existentes foram criados pelos gregos e

romanos, e as evoluções posteriores são, na maioria, simplesmente extensões

secundárias.

Considerando isto, os textos sinalizados de diversos gêneros literários

criados por surdos e registrados em vídeos pertencentes à Literatura Surda,

não são menos valiosos que os textos escritos. São obras literárias

consagradas na comunidade linguística na qual se originou.

Page 53: Dissertação Robson Peixoto.docx

53

Vale salientar, que como vimos, etimologicamente a literatura é a arte da

letra, da palavra. É o uso estético da linguagem propriamente dito. O léxico

(palavra ou sinal) de uma determinada língua utilizado no cotidiano ganha uma

nova roupagem pelo autor de uma obra literária que através de sua criatividade

trabalha com neologismos e metáforas que cria um mundo poético ou ficcional

repleto de emoções. A literatura retrata épocas, costumes e ideias de um povo.

Na Literatura, é de fundamental relevância quem expressa, o que expressa,

como expressa e quando expressa.

Em concordância a isto, ao abordar sobre a Literatura Surda, Strobel

(2008, p.46) afirma:

A literatura surda refere-se a várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes, expõem as dificuldades e ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes e militantes surdos e sobre a valorização de suas identidades surdas.

Desta forma, assim como na literatura de nosso país, dentre outras

características, o autor deve ser brasileiro para ser considerada uma autêntica

literatura brasileira, na literatura surda o autor nativo na língua de sinais

expressará narrativas, poemas, fábulas que reportará os seus pares a fatos

históricos, culturais e ideológicos que os identificam.

Quanto aos três tipos de produções literárias que formam a literatura

visual, Peixoto e Porto (2011;168,169) pontuam:

Na atualidade podemos considerar três tipos de produções literárias visuais. A primeira está relacionada à tradução para a língua de sinais dos textos literários escritos; a segunda é fruto de adaptações dos textos clássicos a realidade dos Surdos e por fim, o tipo que realmente representa o resgate da literatura Surda que é a produção de textos em prosa ou verso feitos por surdos.

Levando em consideração esta afirmativa, percebe-se que ao utilizar o

termo Literatura Visual as autoras reportam-se às obras literárias em Libras

como um todo, ou seja, todas as obras produzidas em língua de sinais por e

para surdos (traduzidas, adaptadas e criadas), já o termo Literatura Surda é

utilizado exclusivamente aos textos literários em Língua de Sinais criados pelos

surdos. A seguir veremos alguns exemplos dessas obras literárias:

Page 54: Dissertação Robson Peixoto.docx

54

a) Literatura traduzida para a LIBRAS:

Esse conjunto de obras da Literatura Visual consiste na garantia de

acessibilidade para as pessoas surdas de textos clássicos consagrados na

comunidade ouvinte. Divide-se em dois tipos de tradução: tradução para a

modalidade Escrita da Língua de Sinais, resultando em material impresso

(Figura ) e tradução para a modalidade sinalizada desta língua, resultando em

material registrado em vídeo (Figura 28).

Figura 28: Três obras traduzidas para a Escrita de Sinais por Sérgio Ribeiro

Fonte: http://www.culturasurda.com.br/produtos.html

As obras com a tradução das histórias de Davi e Noé estão disponíveis

gratuitamente na Internet, já a publicação com a tradução de O Menino, o

Pastor e o Lobo está sendo vendida pelo autor.

O INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), desenvolveu um

projeto de tradução de estórias infantis para a LIBRAS, patrocinado pelo MEC,

que resultou na distribuição gratuita de DVDs com estas obras para escolas

dos municípios e estados do Brasil.

Page 55: Dissertação Robson Peixoto.docx

55

Figura 29: Coletânea de DVDs - INES

Fonte: http://libraseducandosurdos.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html

Essas obras traduzidas são: Patinho Feio, Os três Ursos, Cinderela,

João e Maria, Os Três Porquinhos, A Bela Adormecida, O Curupira, A Lenda da

Iara, A Lenda da Mandioca, O Leão e o Ratinho, O Corvo e a Raposa, A

Cigarra e as Formigas, O Pastor e as Ovelhas, O Gato de Botas, A Roupa

Nova do Rei, Rapunzel, Os Trinta e Cinco Camelos, Aprende a Escrever na

Areia, O Cântaro Milagroso, Dona Cabra e os Sete Cabritinhos, As Fadas, O

Príncipe Sapo, A Galinha Ruiva, A Galinha dos Ovos de Ouro, O Cão e o Lobo.

Atualmente a maioria dessas obras traduzidas nesse projeto estão

disponíveis também no Youtube gerando a acessibilidade a um maior número

de pessoas surdas e favorecendo o aprendizado de estudantes da língua de

sinais brasileira.

Figura 30: Tradução da obra Os três Ursos

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=USgKh7vAmIo

Page 56: Dissertação Robson Peixoto.docx

56

b) Literatura adaptada para a cultura surda:

São as produções feitas a partir de obras já existentes para o público ouvinte,

como contos e fábulas, porém com adaptações para a cultura surda. Nesta

releitura das estórias são inseridos fatos históricos da comunidade e elementos

do mundo dos surdos. Geralmente este tipo de produção feita pelos surdos é

elaborada em LIBRAS e publicada em Língua Portuguesa ou Escrita da Língua

de Sinais com complementos de ilustrações.

Figura 31: 1º Exemplo de Adaptação (Adão e Eva,2005)

Fonte: https://books.google.com.br

No primeiro exemplo de adaptação literária na Literatura Surda, os

autores Lodenir Karnopp e Fabiano Rosa contam a lenda da origem da Língua

de Sinais e esclarecem que não sabem quando esta foi contada pela primeira

vez, pois tem sido transmitida de geração para geração através da Língua de

Sinais. A própria autora esclarece sobre isto em uma publicação posterior a

respeito da Literatura surda:

No livro “Adão e Eva”, os autores contam a origem da língua de sinais e salientam que versões dessa história são recorrentes nas comunidades de surdos. Na história, após comer a maçã, o casal percebe sua nudez e começa a usar a fala, já que as mãos estão ocupadas em esconder os corpos desnudos. Não se sabe se Adão e Eva eram surdos ou ouvintes, pois o livro não pontua isso. O objetivo

Page 57: Dissertação Robson Peixoto.docx

57

é refletir sobre a possibilidade de as línguas de sinais serem utilizadas por diferentes comunidades, sejam elas ouvintes ou surdas. (Karnopp 2008, p:13)

Figura 32: 2º Exemplo de Adaptação (Rapunzel Surda, 2003)

Fonte: lojasurdosol.com.br

Diferente da primeira obra citada, Rapunzel Surda, assim como veremos

também o terceiro exemplo, foi uma produção bilíngue, pois o texto está em

Escrita da Língua de Sinais (sign writing) e em Língua Portuguesa, como

podemos visualizar na Figura 32. A obra aborda a importância da Língua de

Sinais, da cultura e identidade surda, como podemos constatar no trecho

abaixo:

Passaram-se os anos, Rapunzel cresceu e a bruxa percebeu que a menina não falava, mas tinha uma grande atenção visual. Rapunzel começou a apontar para o que queria e a fazer gestos para muitas coisas. A bruxa então descobriu que a menina era surda e começou a usar alguns gestos com ela.” (Silveira, Rosa, Karnopp 2003, p. 12)

Page 58: Dissertação Robson Peixoto.docx

58

Figura 33: 3º Exemplo de Adaptação (Cinderela Surda,2003)

Fonte: lojasurdosol.com.br

Já na obra Cinderela Surda (Hessel, Rosa, Karnopp,2003), a releitura do

clássico “Cinderela” destacou elementos que traduzem aspectos da

experiência visual, um dos artefatos culturais do povo surdo. Como exemplo

disso, a Cinderela não perde um sapatinho de cristal, mas uma “luva” que

ressalta a importância das mãos neste mundo visual, onde os nativos da língua

comunicam-se por meio de uma língua visuo-gestual, como vimos na Figura

33. Além disso as ilustrações deste livro acentuam as expressões faciais

parâmetro importante na composição do léxico da língua de sinais, o sinal. E

por último, um elemento bastante interessante acrescentado nesta releitura da

história: o professor de língua de sinais do príncipe, era o ilustre L`Eppé

(importante nome da história mundial dos surdos).

Nestes exemplos acima citados utilizaram a estória já existente, porém

antes voltadas para o público ouvinte e adaptaram para a realidade do mundo

visual dos surdos, com elementos da cultura surda a fim de que a

compreensão e a realidade sejam focadas na vida do surdo e seu modo de

sentir, aprender, reconhecer e entender o mundo.

c) Literatura criada por autores surdos

Consiste na Literatura Surda propriamente dita. É o conjunto de obras criadas

em Língua de Sinais que abrange narrativas, poesias, dentre outros gêneros

literários. Todas com algo em comum: os elementos que envolvem a cultura

surda e a língua de sinais, bem como a vivência da comunidade surda. Como

exemplos deste tipo de obra literária citamos abaixo (Figuras 34 e 35) apenas

duas obras, de muitas que já existem. A primeira é do gênero literário

denominado de poesia e a segunda é uma narrativa.

Page 59: Dissertação Robson Peixoto.docx

59

Figura 34: Poema Mãos do Mar do poeta surdo Alan Henry

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K399DQf9XRI

Figura 35: Piada em Libras - O leão e o Surdo de Fábio de Sá9 - TV CES

10|

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=6fVIw4xTi3o

Como vimos atualmente a comunidade surda produz obras traduzidas,

adaptadas ou criadas. De acordo com Lodenir Karnoop (2006, p: 103):

Além da escrita, outras formas de documentação, como filmagens são fundamentais para o registro de formas linguísticas que vão se perdendo ou se transformando. Para uma comunidade de surdos manter o leque de possibilidades artísticas e expressões da língua de sinais, os registros visuais são indispensáveis na criação de bibliotecas visuais e podem contribuir para uma escrita posterior, com traduções apropriadas.

Em concordância com esta afirmativa sobre a relevância do registro

visual nos Estados Unidos a autora PETERS (2000, p:174) esclarece que

essas produções em ASL (Língua de Sinais Americana) registradas em vídeos

foram se tornando mais que um simples meio de preservação da tradição

sinalizada. Neste novo formato no vídeo os compositores são filmados e há

outras preocupações em mente que anteriormente não havia. Com o

crescimento o uso da fitas de vídeos (inicialmente e atualmente DVDs e

youtube) para registrar os textos sinalizados gerou mudanças na própria língua

9 Campeão do "“Festival de Folclore Sinalizado", na categoria “Piadas e Humor Surdo

10 Centro de Educação para Surdos Rio Branco

Page 60: Dissertação Robson Peixoto.docx

60

de sinais. Outra mudança relevante neste processo de transição foi a perda de

interação entre o contador de história surdo sua plateia:

Esta remoção do contador de histórias do público tem sido parte do processo de textualização na literatura tradicional , mas na literatura em ASL em vídeo o processo difere em um aspecto: o contador de histórias permanece. Um modo de comunicação que utiliza as mãos, braços , corpo e rosto deve ter uma pessoa visível para comunicar. Portanto em videotape o contador de histórias ASL _ embora nem sempre todo o seu corpo _ ainda pode ser visto. Às vezes, para fornecer uma visão mais clara da assinatura, a câmera precisa ampliar mais perto do contador de histórias, tornando apenas o torso visível. Ainda assim, o espectador nunca perde , a visão da pessoa contando a história, e assim no discurso em ASL registrado em vídeo em grande parte, é inexistente o divórcio entre o autor e o texto sofrido pela literatura impressa

11. (PETERS, 2000; p:181,182)

Embora tenha ocorrido esta separação da experiência face a face do

contador com o público sinalizante que interagia, esta transição não conseguiu

extinguir uma característica muito peculiar das obras literárias em línguas de

sinais de todo o mundo: a raridade do anonimato. Pelo contrário, este registro

em formato de vídeo garantiu ainda mais que o autor sinalizador fosse

reconhecido e associado a sua obra, pois antes da prática deste registro muitas

obras se perderam na memória das pessoas juntamente com a atribuição da

autoria como vimos anteriormente.

Isto posto, percebemos que assim como em outras comunidades

linguísticas, a comunidade surda também vivencia a transição da oralidade

para a literatura embora respeitando a especificidade da língua visuo-espacial.

Sendo assim, o que ocorre é a transição da tradição sinalizada anteriormente

sem registro e agora com novo formato literário (textualização sinalizada

registrada em vídeo), evidenciando uma miscigenação de duas tradições

retóricas muito diferentes. Em relação a esta textualização emergente do

discurso vernacular surdo (PETERS 200, p. 179,180) afirma:

11

Texto original: “This removal of storyteller and audience has been part of the process

of textualization in mainstream literatura , but in ASL literature on videotape the process differs in one respect: the storyteller remains. A mode of communication that uses the hands, arms, body, and face must have a person visible and communicating. Therefore on videotape the ASL storyteller-though not always his or her whole body-can still be seen. Sometimes to provide a clearer view of the signing, the camera must zoom in closer to the storyteller, rendering only the torso visible. Still, the viewer never loses, sight of the person telling the story, and thus ASL discourse on videotape largely avoids the divorce between author and text suffered by literature in print.”

Page 61: Dissertação Robson Peixoto.docx

61

O Videotape está tornando possível a " textualização " de obras em ASL realizadas por um sinalizador de carne e sangue. Assim como uma história contada oralmente torna-se texto quando é colocado no papel, tomando um novo formato com algumas das características da modalidade escrita, portanto, uma história ASL torna-se " texto" em vídeo, adquirindo características "textuais" e perde algumas de suas características orais ou vernáculas

12.

Sobre o processo de criação e ajustes na obra que está sendo escrita, a

autora faz uma clara análise comparativa entre um escritor de uma obra

literária que geralmente senta sozinho e busca o isolamento para escrever um

livro e narrar sua história e o autor surdo de uma obra sinalizada que

consciente ou inconsciente, intencional ou acidental ao contar a história que

está sendo filmado por uma equipe de produção de vídeo, faz ajustes e recria a

história enquanto ocorre o registro, porém de uma forma diferente, esse

processo criativo em contar histórias é colaborativo e não isolado.

Toda essa produção fílmica que a literatura surda requer engloba

características específicas e toda uma linguagem cinematográfica que

fundamentam os critérios estéticos de uma obra em língua de sinais. O entorno

desta obra como figurino, cenário, iluminação, efeitos de edição,

enquadramento, dentre outros, estão intrinsecamente ligados a qualidade da

obra literária em Língua de Sinais, pois fazem parte da própria construção

deste texto sinalizado.

De acordo com John Berger13 “Ver precede as palavras”. Com base

nesta realidade as informações visuais ao iniciar o vídeo com o texto

sinalizado já diz muita coisa, antes do sinalizador iniciar, seja o contador de

história, narrador, personagem ou poeta. Segundo Edgar-Hunt (2013, p: 18,19):

Um filme é um ato de comunicação altamente complexo, e nenhum ato de comunicação é eficaz a menos que se leve em consideração como o receptor irá recebê-lo. Se um filme deve ter um efeito desejado, o cineasta precisa saber exatamente como a tela se comunicar. Ela precisa saber como as imagens produzidas serão entendidas pelo público e trabalhar conforme a sua imaginação,

12

Texto original: “Videotape is making possible the “textualization” of ASL works

performed by a flesh-and-blood signer. Just as an oral spoken story becomes text when it is put on paper, taking on some of characteristics of the medium of written page, só an ASL story becomes “text” on videotape, acquiring characteristics of (written) “textual” works and losing some of its oral or vernacular characteristics.” 13

Crítico de arte, romancista e pintor.

Page 62: Dissertação Robson Peixoto.docx

62

instante por instante. A Semiótica é útil nesse momento[...] O cinema é a arte da abreviação visual. Cineastas usam sorrisos e cicatrizes, distintivos e barbas, para dizer ao público mais do que pode ser mostrado ou dito explicitamente. O público vê significado neles porque é um filme, e esses signos foram colocados lá por uma razão. Um filme é uma matriz de signos inter-relacionados erguidos pelo cineasta para guiar o público na viagem.

O autor ainda contribui com uma afirmação sobre a precisão e

concretude de uma produção fílmica repleta de elementos que produzem

informações visuais com sentidos específicos:

As imagens do cinema nunca são vagas. Elas são inflexivelmente “concretas”. Você pode imaginar uma cena com um homem, um carro e uma paisagem. Contudo, a câmera irá servilmente gravar esse homem, esse carro ou essa paisagem, com todas as suas especificidade. Imediatamente, essa imagem irá gerar um grande número de impressões (como a época e o local) e sugerir inúmeras ideias (como uma viagem romântica, uma estrada aberta ou a imensidão da natureza). (EDGAR-HUNT 2013, p:15)

Durante o processo de produção de vídeo os especialistas nesta área

usam toda sua experiência com imagens para alcançar o maior objetivo que é

atingir o público por meio da relação de construção de sentido e compreensão

da mensagem proposta. Para tanto:

A linguagem cinematográfica não tem uma gramática característica, e o seu vocabulário depende, em grande parte, do contexto para fazer sentido. Cada plano é escolhido a partir de um número infinito de possíveis enquadramentos, composições e arranjos. (EDGAR-HUNT 2013, p:119)

Embora todo o aspecto cinematográfico da produção de uma literatura

visual seja fundamental no processo de criação e para o registro, a relevância

dos aspectos linguísticos são indiscutíveis.

Ao explorar a estética da Língua de Sinais, o sinalizador explora

elementos linguísticos, tais como: classificadores, neologismos e expressões

não manuais. Ao abordar as narrativas de humor Strobel (2008, p 59) ressalta

sobre a expressão e a vocação humorística:

A literatura surda também envolve as piadas surdas que exploram a expressão facial e corporal, o domínio da língua de sinais e a maneira de contar piada naturalmente. São considerados extraordinárias pela comunidade surda.

Page 63: Dissertação Robson Peixoto.docx

63

Em relação a esta relevância das especificidades da Língua de Sinais

nas produções literárias da comunidade surda, Machado (2013, p: 59,60)

complementa:

A língua de sinais é carregada de elementos pertinentes somente a ela, tem estética e estilo próprios e cada usuário apropria-se da língua de maneira diferente. Nesse sentido, a língua de sinais não é somente uma vocação, mas sim uma construção que acontece por meio das experiências, por isso existem pessoas que sinalizam de modo mais brando e suave, enquanto outras, de modo mais firme e vibrante.

Desta forma, os exemplos de características individuais de cada usuário

citados pela autora (sinalização mais suave ou mais vibrante), dentre outras

especificidades de cada sinalizador, nos auxilia na identificação de estilo de

cada autor surdo nas suas produções literárias.

Além disso, essa construção sociolinguística é fundamental para

entendermos as produções literárias desta comunidade linguística, pois a

literatura produzida em Língua de Sinais representa para as pessoas surdas

significações cruciais para seu desenvolvimento em amplo aspecto, onde as

imagens, detalhes e nuances da sinalização com suas expressões corporais e

faciais são primordiais para a compreensão do texto sinalizado e fortalecimento

de sua identidade.

1.3– Fábulas

O atributo essencial em uma fábula é a lição de moral refletida no

desenvolver da história, como descrito por Sousa, 2003. p. XXXI:

Partindo da observação da realidade cotidiana, a Fábula pretende geralmente transmitir algum ensinamento útil, através de alegorias, apólogos, símbolos, prosopopeias, e até mesmo certos mitos, sempre que é desaconselhável, ou impossível, colocar em cena as verdadeiras personagens dos episódios representados nas narrativas fabulísticas.

A origem deste gênero, segundo Sousa (2003) não se pode determinar

com exatidão, assim como o Mito, constituem variantes de contos primitivos.

Porém, não se tratam do mesmo gênero. O referido autor diz que: “[...] a

Page 64: Dissertação Robson Peixoto.docx

64

Fábula costuma ser conceituada como uma breve narrativa alegórica, de

caráter individual, moralizante e didático, independentemente de qualquer

ligação com a sobrenatural.”

Segundo a literatura, a fábula grega mais antiga foi denominada “O

rouxinol e o falcão”, aproximadamente no século VII a.C. Surgindo Esopo, dois

séculos depois, consagrando este gênero, no qual Sousa o chama de “pai da

fábula”.

Além da “moral” presente nas fábulas, outra característica marcante é ter

como protagonistas animais, e atrelados a eles, as emoções humanas.

Entretanto, ao que parece, cabe ás fábulas esópicas o mérito da primazia em atribuir alegoricamente virtudes e defeitos humanos a determinados animais, como, por exemplo: ao leão, a majestade; à raposa, a velhacaria; ao lobo, a brutalidade; ao camelo, a complacência; à formiga, a previdência. (SOUSA, 2003. P.XXXII)

Tratando da importância que a fábula tem para a literatura, surgiu a

necessidade de pesquisar como este gênero se apresenta na cultura surda.

Tanto em traduções quanto em criações de sujeitos surdos.

O caráter semiótico presente nas narrativas corroboram com a estrutura

visual que a língua de sinais apresentam. Sousa (2003, p. XXII) apresenta:

Esse caráter imaginativo transparece também nas fábulas em que as causas e\ou as origens de certos fatos, bem como alguns comportamentos de animais, é até mesmo de plantas e de objetivos, são “explicados” à luz de uma “teoria etiológica” inventada pelo fabulista, resultado numa curiosa combinação mítico-etiológica, que mais pretende divertir do que ensinar...

Dessa forma, o estudo do fabulário surdo (criação e tradução), neste

trabalho, visa também uma valorização deste gênero na comunidade surda, e

das especificidades que esta comunidade linguística minoritária apresenta em

suas produções, assim como, uma propagação da literatura surda em meio

acadêmico.

Page 65: Dissertação Robson Peixoto.docx

65

2– A PESQUISA

Neste último capítulo será apresentada a análise dos dados da pesquisa

que consiste em uma análise de um corpus do fabulário surdo, como uma

tradição da comunidade linguística denominada comunidade surda brasileira.

Ao propor uma melhor compreensão dos valores estéticos desta

Literatura que possui especificidades visuais de extrema importância, estamos

trazendo a consciência nesta comunidade linguística à existência do seu estilo

próprio de literatura. Quanto à literatura na evolução de uma comunidade

Candido (1976, p. 139-140) pontua:

Toda obra é pessoal, única e insubstituível, na medida em que brota de uma confidência, um esforço de pensamento, um assomo de intuição, tornando-se uma “expressão”. A literatura, porém, é coletiva, na medida em que requer certa comunhão de meios expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas que congregam os homens de um lugar e de um momento, - para chegar a uma “comunicação”. Assim, não há literatura enquanto não houver essa congregação espiritual e formal, manifestando-se por meio de homens pertencentes a um grupo (embora ideal) segundo um estilo embora (embora nem sempre tenham consciência dele); enquanto não houver um sistema de valores que enforme a sua produção e dê sentido à sua atividade; enquanto não houver outros homens (um público) aptos a criar ressonância a uma e outra; enquanto, finalmente, não se estabelecer a continuidade (uma transmissão e uma herança), que signifique a integridade do espírito criador na dimensão do tempo.

Esta afirmativa esclarece a análise realizada nesta pesquisa. Nela

identificamos elementos cruciais como a característica da coletividade da

literatura que envolve uma comunidade linguística de determinado lugar e

tempo que objetiva comunicar algo com um estilo próprio e específico de

produzir esta literatura. Embora nem sempre todas as pessoas integrantes

deste grupo possuam a consciência da existência dos elementos normativos

deste estilo.

Vimos ainda que, segundo Cândido, este formato estético comum entre

os autores de obras que constituem a literatura de uma comunidade, necessita

de um público que compreenda e reaja a estas produções literárias, para que

por fim ocorra a transmissão e a preservação da herança destes valores

compartilhados.

Page 66: Dissertação Robson Peixoto.docx

66

Esta identidade cultural que é a própria essência de uma literatura

enquanto coletividade é destacada na afirmativa de Cândido como uma

mobilização de “afinidades profundas que congregam os homens de um lugar e

de um momento”.

Portanto, nada melhor que o gênero literário Fábula para identificarmos

valores ético-culturais, transmitidos de geração para geração.

2.1- Metodologia

a) Caracterização da pesquisa:

A presente pesquisa é de cunho qualitativo com fundamentação no

levantamento e análise bibliográfica de material digital e impresso sobre o

assunto, que embasarão a pesquisa.

Por serem produções em vídeos, são utilizadas várias técnicas

cinematográficas específicas para a elaboração do texto sinalizado LIBRAS,

por isso esta pesquisa recorreu a embasamentos teóricos do cinema e do

teatro, além da literatura. Inicialmente, alguns autores estudiosos da literatura

surda serviram como referência tais como: CASTRO (2012) SPENCE (2011),

SEGALA (2010), PETERS (2000), dentre outros.

b) Objetivo Geral

Obter o entendimento de quais recursos concorrem para a clareza do

gênero fábula em vídeos; identificando quais critérios permitem que seja

classificada como uma obra literária de alto valor estético do fabulário surdo.

c) Objetivos Específicos

Realizar um resgate histórico das fábulas em LIBRAS através da

listagem destas obras.

Page 67: Dissertação Robson Peixoto.docx

67

Identificar e obter uma melhor compreensão dos critérios estéticos

interiorizados e compartilhados na tradição da cultura surda para a

produção de uma fábula.

Analisar os critérios linguísticos (a qualidade dos sinais, o sinal-arte)

utilizados no processo de criação do texto sinalizado do gênero fábula

pertencente à Literatura Surda.

Analisar os critérios visuais utilizados no processo de criação e registro

destas fábulas em vídeo: iluminação, cenário, figurinos, edição, dentre

outros.

Contribuir com dados para a divulgação e valorização destas obras.

d) Etapas:

Esta pesquisa foi desenvolvida nas seguintes etapas:

1ª Etapa: Listagem das obras literárias

Inicialmente foi realizado um resgate histórico das fábulas traduzidas e

criadas em LIBRAS, através de uma busca de vídeos comercializados ou de

domínio público. Através desta identificação das fábulas em Língua de Sinais

existentes no Brasil foi elaborada uma listagem das obras, autores e temas

encontrados.

Esta pesquisa consistiu também na busca de fábulas traduzidas de uma

língua-oral ou de outra língua de sinais para a LIBRAS, além de investigar a

existência de fábulas criadas por surdos brasileiros.

2ª Etapa: Análise das Fábulas em LIBRAS

Depois de organizar um arquivo com os vídeos de fábulas em LIBRAS

(textos sinalizados), foram selecionadas três (3) obras (sendo duas traduções e

uma criada por autor surdo) para serem analisadas em busca de uma melhor

Page 68: Dissertação Robson Peixoto.docx

68

compreensão dos critérios estéticos e normativos utilizados na produção

cinematográfica destas fábulas (textos sinalizados registrados em vídeo).

O corpus delimita-se da seguinte forma: uma fábula (A Lebre e a

Tartaruga) traduzida por um autor consagrado na Literatura Surda e a mesma

obra traduzida por um grupo de surdos contadores de histórias não

consagrados na Literatura Surda. Será realizada uma análise comparativa por

meio de uma consulta a representantes desta comunidade linguística a fim de

identificar o que faz o mesmo texto, porém contado por surdos diferentes, ser

um considerado literário e outro não.

Figura 36: O corpus (Tradução 1: 1livro digital em DVD e Tradução 2: 1 vídeo do Youtube14

)

Fontes: PIMENTA, 2002 e https://www.youtube.com/watch?v=vCSsvD3-rYU

Para a validação desta análise comparativa apresentamos os dois textos

sinalizados registrados em vídeo (citados acima) e levantamos individualmente

aos colaboradores da pesquisa, surdos fluentes em LIBRAS, a seguinte

questão: “Agora que você já assistiu ao vídeo com as duas traduções da

fábula, responda: qual você gostou mais e por quê?

Tanto a pergunta foi feita em LIBRAS como também a resposta

sinalizada neste momento de consulta (entrevista), onde estava presente

apenas o pesquisador autor do presente trabalho e o participante15. Abaixo

14

Esta tradução registrada em vídeo foi selecionada entre as 28 (vinte e oito) traduções desta

fábula para a LIBRAS encontradas no Youtube. Constatamos que A Lebre e a Tartaruga é a fábula com mais traduções para a LIBRAS registradas no site. 15

Vale ressaltar que todas as entrevistas (consultas a representantes da comunidade

linguística em questão) foram registradas em vídeo e arquivadas, pois não serão divulgadas conforme esclarecido no Termo de Livre esclarecido que os colaboradores assinaram.

Page 69: Dissertação Robson Peixoto.docx

69

retratamos no quadro o perfil que caracteriza cada integrante da comunidade

surda escolhido para a realização desta consulta:

PARTICIPANTE SEXO IDADE FORMAÇÃO PROFISSÃO

A M 41 SUPERIOR Aux. Administrativo

B M 45 MÉDIO Aux. de Biblioteca

C F 43 MÉDIO Do Lar

D M 38 MÉDIO Aux. De Produção

E F 32 SUPERIOR Aux. de Biblioteca

F M 23 ESTUDANTE Eletrotécnico

Figura 37: Quadro com o perfil dos participantes

Fonte: Elaborado pelo próprio autor

Ainda vale ressaltar sobre o perfil que: o participante A além de ter

concluído o curso de Pedagogia, é aluno do 2º período do curso de

Licenciatura plena em Letras com habilitação em LIBRAS, o participante E é

estudante do 6º período e a participante F é formada, ambos referentes ao

mesmo curso supracitado.

3ª Etapa: Análise de uma obra com autoria surda

Figura 38: O corpus (O livro digital em DVD A fábula da Arca de Noé)

Fonte: www.porsinal.pt

Page 70: Dissertação Robson Peixoto.docx

70

Além dessa análise comparativa de duas obras traduzidas, a terceira

fábula analisada trata-se de uma obra com publicação bilíngue16 do autor surdo

Cláudio Mourão: A Fábula da Arca de Noé. Esta análise busca também

contribuir para uma melhor compreensão do padrão estético do texto sinalizado

levando em consideração os critérios linguísticos utilizados e os critérios

visuais desta produção literária em vídeo.

2.2- Análises dos dados

A seguir apresentaremos os dados encontrados durante a pesquisa,

bem como suas discussões e reflexões.

2.2.1- Lista de fábulas traduzidas ou criadas por surdos:

a) Livro Digital em DVD Literatura em LSB – LIBRAS –(Pimenta, 1999):

1. Fábula: O Passarinho diferente17

b) Livro digital em DVD - Seis fábulas de Esopo em LSB Vol.1(Pimenta,

2002):

1. A lebre e a tartaruga;

2. O sapo e o boi;

3. O lobo e cegonha;

4. A reunião geral dos ratos;

5. O leão apaixonado;

6. A queixa do pavão.

16

Ao adquirir a obra o leitor recebe um livro (Impresso) com a história em Língua portuguesa e

o livro digital (DVD) em Língua de Sinais Portuguesa. 17

Neste livro digital há várias obras da Literatura Surda e esta fábula de autoria de Ben Bahan

(poeta surdo) em Língua de Sinais Americana (ASL), traduzida para Língua de Sinais Brasileira

por Nelson Pimenta.

Page 71: Dissertação Robson Peixoto.docx

71

c) Livro digital em DVD - Seis fábulas de Esopo em LSB Vol.2 (Pimenta,

2009):

1. A raposa e as uvas

2. As gêmeas e o galo

3. O cão e o pelicano

4. Os pelicanos amigos

5. O cão e seu osso

6. O sol e o vento.

d) Vídeo disponível no youtube, postado desde 2010

(https://www.youtube.com/watch?v=NUTuEaWbV38):

1. Fábula "Escorpião e a tartaruga", Versão da Fábula de Esopo “O Escorpião e o Sapo” em Libras por Rimar Rimano.

e) Obra bilíngue: 1Livro digital+1 Livro Impresso, (Mourão, 2014):

1. A fábula da Arca de Noé

Como vimos, é possível afirmar, que o fabulário surdo tem crescido a

cada dia, pois desde a obra pioneira em 1999 até 2014, foram encontradas 15

fábulas. Há outras fábulas em LIBRAS disponíveis no youtube, porém

traduzidas por ouvintes, e nesta lista de obras do gênero fábula delimitamos

apenas para aquelas criadas ou traduzidas por surdos.

2.2.2- Fábula traduzida para a LIBRAS

Iniciaremos a análise comparativa envolvendo as duas traduções

(textos sinalizados 1 e 2, apresentados anteriormente na metodologia) para a

Língua de Sinais Brasileira desta conhecida fábula A Lebre e a Tartaruga

(traduzida 28 vezes, de acordo com os vídeos disponíveis no youtube):

Page 72: Dissertação Robson Peixoto.docx

72

Uma tartaruga e uma lebre discutiam acerca da sua ligeireza. E então, tendo combinado um dia e um lugar, separaram-se. Ora a lebre, negligenciando a corrida em virtude da sua velocidade natural, deitou-se á beira do caminho e adormeceu. Porém a tartaruga, cônscia da sua própria lentidão, não parou de correr e, dessa maneira, tendo ultrapassado a lebre adormecida, alcançou o prêmio da vitória. (AVELEZA, 2003, P: 81)

De maneira característica, o fabulista Esopo apresenta uma moral com

fins educativos de sentimentos e reações comuns no do cotidiano dos seres

humanos, porém tendo animais como personagens da situação. Esta fábula

mostra que, frequentemente, o esforço vence a natureza negligente como

constatamos na interpretação do autor:

Abordando de maneira alegórica duas características inerentes à psique humana – preguiça e diligência, portanto revestindo-se formalmente de aspectos psicológicos, esta fábula desenvolve um tema de natureza essencialmente filosófica, ao alertar para as possíveis consequências que podem advir dessas tão antagônicas características. Assim, a psicológica focalização da presunçosa lebre, que, julgando-se invencível pela tartaruga, subestimou demasiadamente a sua adversária, simboliza claramente a negligência de certas pessoas que, bem dotadas pela natureza, acabam anulando tal superioridade, por excesso de autoconfiança. Por seu turno, a louvável diligência da tartaruga, que superou a sua natural inferioridade em relação á lebre, aplicando-se de maneira consciente e esforçada á dificultosa competição que empreendera, representa a inteligente atividade daqueles que preenchem as suas possíveis insuficiências com o seu esforço e a sua perseverança. Entretanto, o tema central desta fábula é de fato filosófico, pois consiste em um alerta para os prejuízos causados pela negligência, apontando simultaneamente para os benefícios obtidos através do trabalho consciente e do esforço concentrado: “Devagar se vai ao longe.” (AVELEZA, 2003, P: 82).

A seguir apresentaremos as respostas dos colaboradores participantes

seguidos dos respectivos exemplos de trechos do texto sinalizado citados em

suas respostas, e as discussões reflexivas referentes aos dados apresentados.

Vale salientar, que diferente da literatura de uma língua oral, as citações do

texto sinalizado analisado serão feitas por imagens de partes do vídeo e não

por frases escritas.

Porém, antes de apresentarmos a análise das respostas, vale salientar,

que ao comparar as duas obras todos os colaboradores utilizam a figura de

linguagem metonímia ao citar “Nelson” (nome do autor do texto sinalizado 1 ou

tradução 1) em substituição ao nome da obra traduzida. O texto sinalizado 1,

Page 73: Dissertação Robson Peixoto.docx

73

registrado em vídeo tem duração de 4 minutos e foi publicado em 200218, em

fita VHS e atualmente é comercializada em DVD pela empresa LSB vídeo,

empresa criada pelo próprio autor para divulgação de materiais na Língua de

Sinais Brasileira.

Como vimos no capítulo anterior a característica visual desta literatura

torna raro o anonimato dos autores e expõe a imagem (no vídeo ou

pessoalmente em eventos) divulgando amplamente os nomes dos contadores

de histórias.

Figura 39: Depois da história, Nelson explicando a moral da fábula.

Fonte: PIMENTA, 2002

Nelson Pimenta Castro é um consagrado nome da Literatura Surda,

professor, pesquisador, empresário, apresentador do programa Café com

Pimenta19 dentre outras características e funções deste consagrado autor.

Como podemos constatar de forma resumida um pequeno histórico sobre o

autor escrito por ele mesmo:

Nascido em Brasília em 1963 em uma família de surdos e ouvintes, sempre teve a Libras como sua língua materna. Aos doze anos, veio com a família para o Rio de Janeiro e teve o primeiro contato com os surdos que estudavam no INES, Instituto Nacional de Educação de Surdos, onde a prática da língua de sinais possibilitou que vivesse

18

Livro digital em DVD 6 Fábulas de Esopo em LSB v.1com Nelson Pimenta, legendado,

Duração: 40 minutos. Direção: Luiz Carlos Freitas. Participação Especial: Ana Regina Campello. Este DVD tem explicações sobre o que são as fábulas, o principal objetivo deste gênero textual, bem como a moral de cada obra traduzida e o vocabulário referente em LIBRAS referente a ela.

19O programa do gênero entrevista e com classificação Livre convida personalidades

interessantes, em sua maioria pessoas de influência na comunidade surda para um bate-papo regado a café, humor, conteúdo e temas relevantes. É transmitido pela TV INES e pelos canais NBR.

Page 74: Dissertação Robson Peixoto.docx

74

situações de interação social em ambiente linguístico satisfatório entre os surdos e os ouvintes bilíngues. Criou, em 1999, a empresa de educação LSB Vídeo, com a missão de contribuir para o fortalecimento da identidade e cultura surdas através da difusão da língua de sinais, onde além de produzir material didático-pedagógico em Libras, participou de importantes criações artísticas, culturais e científicas como a criação do Programa de Planetário do Rio de Janeiro em Libras, o 1º Encontro Internacional de Arte e Cultura Surda em São Paulo e o espetáculo teatral de cultura surda "Nelson 6 ao Vivo", que percorreu mais de vinte cidades do Brasil durante mais de uma década. Participou da fundação da FENEIS na década de 1980, e em diversos grupos de pesquisa linguística ali, no INES e na UFRJ. Primeiro ator surdo a se profissionalizar no Brasil, estudou no National Theatre of the Deaf NTD de Nova Iorque, é doutorando em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Mestre em Estudos da Tradução e graduado em Letras-LIBRAS pela UFSC, e em Cinema pela Universidade Estácio de Sá. Possui certificação PROLIBRAS-MEC-UFSC como professor de nível superior e é autor/co-autor de 15 livros em LIBRAS. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua de Sinais Brasileira. É professor efetivo do Departamento de Ensino Básico do INES. (http://lattes.cnpq.br/5120615815365350)

Vale ressaltar que os trabalhos pioneiros desenvolvidos por Nelson

Pimenta, serviram como referencial para diversos trabalhos que foram

desenvolvidos posteriormente incluindo as fábulas para literatura surda.

Quanto ao 2º texto sinalizado (tradução 2) apresentado aos participantes

da pesquisa foi traduzido por: Cristiano Calegário, como a Lebre, Elianderson

Silva, como a Tartaruga e Fabiane Dacolhé, como a coruja. O tempo de

duração do vídeo é de 9 minutos e 53 segundos, publicado no youtube, site de

domínio público, em 2010.

Durante a resposta sobre a comparação notamos que ao reportar-se a

obra (tradução 2), os colaboradores emitiam expressões faciais negativas e

referiam-se ao referido vídeo apresentado com os termos “grupo de teatro”, “o

grupo”, “grupo de teatro com os 3 personagens”, “a apresentação dos 3”.

Estes e demais dados foram verificados nas respostas durante a

consulta feitas a comunidade surda como podemos conferir a seguir:

Resposta do participante A:

“Gostei mais do Nelson Pimenta porque as explicações da estória são claras e

as imagens estão associadas às imagens e contextualizam o que está sendo

sinalizado. Tem muita expressão facial. Facilita a compreensão e chama a

Page 75: Dissertação Robson Peixoto.docx

75

atenção por causa dos estímulos visuais. É assim que eu gosto, porque está

claro de verdade. Muito bom. O grupo de teatro é... (faz uma expressão de

mais ou menos) dá para entender, mas a explicação não tem atrativos visuais,

assim fica sem contexto. Não tem imagem no fundo como cenário. A única

coisa que chama a atenção visualmente é o figurino com cores chamativas.

Não dá para entender tão bem, as explicações não estão boas. Eu não gostei.

Gostei mais do Nelson mesmo. Ficou mais claro.”

Figura 40: Figurino e cores como ponto positivo do texto 2

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vCSsvD3-rYU

Figura 41: A associação das Imagens apresentadas posteriormente à sinalização do texto 1

Fonte: PIMENTA, 2002

Além da afirmação quanto à importância da expressão facial, da

legenda e da imagem o participante B, destaca em sua resposta um aspecto

crucial para o valor estético de um texto sinalizado:

Page 76: Dissertação Robson Peixoto.docx

76

“Eu gostei mais do Nelson Pimenta. Perfeito. A expressão facial, as imagens e

a legenda facilitam o entendimento com o visual perfeito que fica clareza e

ajuda o entendimento. Já o grupo de teatro ficou muito calado, parado e

quadrado. Faltou movimento.”

Figura 42: A Tartaruga chegando lentamente

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vCSsvD3-rYU

Nesta resposta aparecem três dados interessantes, a monotonia

(“calado/parado”), a falta de inovação (“quadrado”) e o dinamismo

(“„movimento”). Depois destes dados informados nos reportamos aos textos em

LIBRAS e constatamos a simplicidade dos recursos materiais e tecnológicos

utilizados para a produção do vídeo e momentos de espaços vazios com falta

de informação visual na Tradução 2, como podemos ver no exemplo

apresentado acima na Figura 42.

Enquanto na Tradução 1 do texto, verificamos o uso de técnicas

cinematográficas como o Close up, legendas em movimentos e efeitos que

dinamizam a cena e literalmente transmitem a ideia da cena em movimento,

enriquecendo assim a sinalização do contador da história.

Page 77: Dissertação Robson Peixoto.docx

77

Figura 43: O plano Close Up e a dinâmica do texto

Fonte: PIMENTA, 2002

Como foi verificada acima, a transição do plano americano para o plano

close up vai muito mais que uma diferenciação de enquadramento, a ênfase

com a ampliação do sinal em destaque, estimula a emoção do público para o

momento crucial na linha (“cerca”) de chegada. Quanto a isto, CASTRO, 2012,

p: 48 esclarece:

Por meio dos planos mais próximos (mais detalhados), até mesmo sentimentos como o amor, o medo ou a raiva poderiam ser demonstrados tanto em linguagem cinematográfica quanto em língua de sinais. Por outro lado, em ambas as formas de linguagem, se o personagem fosse mostrado estático e sem expressões, dificilmente algum significado poderia ser tirado da cena apenas pelas características imagéticas da mesma.

Ainda, neste campo das emoções, o participante C ressalta a

importância das Expressões Não Manuais (ENM), conhecida também como

Expressão Corporal\Facial para a transmissão dos sentimentos vividos na

história contada:

“Nelson Pimenta tem muita expressão e é engraçado. O grupo de teatro não

passa emoção. A expressão facial deles é fria. Eles não transmitem uma

Page 78: Dissertação Robson Peixoto.docx

78

emoção própria dos surdos, parece que são ouvintes porque ficaram muito

presos a Língua Portuguesa. Não ficou legal. Não combinou”.

Figura 44: Expressão, humor e emoção.

Fontes: https://www.youtube.com/watch?v=vCSsvD3-rYU e PIMENTA, 2002.

Constatando o que a colaboradora pontua, na imagem acima

percebemos no vídeo com o Coelho, Tradução 2, a utilização da soletração das

palavras (datilologia), que é um empréstimo linguístico da língua portuguesa,

enquanto na Tradução 1 é perceptível a ênfase na expressão não manual dada

pelo contador da história, neste momento incorporando o personagem do

Coelho ao acordar e ver a tartaruga próxima a linha de chegada.

Quando a participante afirma “parece que são ouvintes porque ficaram

muito presos a Língua Portuguesa. Não ficou legal. Não combinou”, ressalta a

importância da qualidade linguística da mensagem traduzida. É de extrema

relevância o tradutor de uma obra da literatura surda ter consciência que no

caso de uma tradução envolvendo as Línguas Portuguesa e de Sinais

Brasileira acontece uma tradução entre: duas modalidades de língua (oral-

auditiva e visuo-espacial), entre a semiótica do teatro, do cinema e da

pantomima e entre duas línguas com gramáticas independentes que precisam

ser respeitadas, como vemos a seguir:

O tradutor intermodal e intersemiótico/interlinguístico pode ter consciência e melhorar sua prática tradutória, sua decisão, a possibilidade de realização da sua tradução para que a tradução seja bem fluente, satisfazendo ao leitor usuário de Libras. Concluindo, para traduzir os textos como língua-fonte, Português brasileiro, para a

Page 79: Dissertação Robson Peixoto.docx

79

Língua Brasileira de Sinais – Libras, o tradutor deve ter domínio em Língua Portuguesa e Libras; suas variações linguísticas, sociais e culturais (bilíngues-biculturais), e também ter conhecimento do tema, ou seja, da área e suas normas linguístico-culturais. A língua de chegada (Libras) deve ser clara e moderna, e utilizar os sinais mais comuns aos surdos, os usuários de Libras, não seguindo a estrutura da Língua Portuguesa, nunca traduzindo literalmente palavras por sinais, obedecendo a ordem dos parágrafos sem a necessidade de se preocupar com virgulação, e sendo fiel ao sentido dos textos para Libras, principalmente para que os usuários de Libras entendam e possam interpretar os textos em Libras. (SEGALA 2010, P:57)

Esta necessidade de satisfação do leitor usuário da LIBRAS ao

visualizar a tradução apresentado pelo autor, e também apresentada na frase

da participante C (“Eles não transmitem uma emoção própria dos surdos,

parece que são ouvintes”), se faz presente no discurso do participante D, que

destaca também este critério importante utilizando o sinal de identidade:

“Gostei mais do Nelson Pimenta porque a explicação ficou clareza e com muita

emoção. Nós absorvemos a emoção da história. A forma que é contada a

história é da identidade surda. As imagens apresentadas correspondem aos

sinais que Nelson está fazendo, então a história explicada fica mais fácil para a

gente entender. Fica clareza. O grupo não ficou legal. Os rostos deles três

estavam pintados, mas demoravam entre uma fala e outra. Assim a gente fica

esperando. Eles ficaram muito tempo parados e perdem muito tempo. Não teve

imagens. Não senti emoção ao ver. A gente não sente nada quando vê. Já o

Nelson é diferente tem imagem, expressão, estímulo visual. A apresentação

dos 3, o grupo, não teve graça”.

Além da qualidade identitária, percebemos que na sua contribuição, o

participante confirma outros pontos relevantes da beleza da história sinalizada

apresentados por outros participantes colaboradores anteriormente como: a

presença das imagens associadas à sinalização, o dinamismo, o humor, a

emoção e a expressão. Estes mesmos critérios se destacam nas falas de todos

os colaboradores até o momento como constatamos também na resposta do

participante E:

“Gostei mais do Nelson do que do grupo, porque ele tem expressão,

movimento e um bom visual. Porque assim fica claro para entender. O grupo de

Page 80: Dissertação Robson Peixoto.docx

80

teatro é... ficou bonzinho mas faltou expressão, movimento, faltou desenhos

que deixasse a história mais clara. Também atrás não aparece nenhuma

imagem, que no Nelson tinha e nesse está vazio de imagem. Quando fica junto

entende melhor.”

Figura 45: Imagem de plano de fundo da história.

Fonte: PIMENTA, 2002

Diferente dos demais, apenas um colaborador apresentou uma resposta

positiva quanto à Tradução 2, o participante F:

“Eu gostei mais dos 3. Não é o do Nelson não. Gostei do grupo de teatro com

os 3 personagens. Porque dá para entender de forma clara, quem é a coruja, a

lebre e a tartaruga. É mais fácil porque as informações estão ligadas e cada

pessoa que conta a história é um personagem dela. Eles demonstram as

características de cada personagem: a Lebre é rápida, a Tartaruga, devagar e a

Coruja fica na sua postura imparcial como avaliadora da competição. Nelson,

contou a história sozinho, então dá trabalho para entender, mas a sinalização é

ótima. O problema é porque é a mesma pessoa. Agora sobre a beleza, as

imagens usadas em Nelson são excelentes e contextualizam. Eu preferia que

estas imagens fossem copiadas para a história contada pelos 3 personagens,

porque ficaria melhor”.

Embora a resposta deste participante apresente a escolha diferente, ao

justificar, ele apresenta apenas um motivo para esta opinião: a facilidade de

identificação dos personagens da história, pois não é apenas um contador mais

3 contadores caracterizados.

Page 81: Dissertação Robson Peixoto.docx

81

Entretanto, ao continuar sua argumentação o participante F apresenta

mais de um motivo que ressalta o valor estético da Tradução 1, a qual não foi

escolhida por ele, porém o mesmo apresenta seus pontos positivos e os

reconhece: “Nelson, contou a história sozinho, então dá trabalho para entender,

mas a sinalização é ótima”. Nesta resposta, percebemos que a Tradução 1,

reflete um grau de complexidade (“dá trabalho para entender”) com ótima

escolha lexical e “oratória” (boa sinalização), dando a ideia de que este texto

sinalizado é sofisticado, por isso alguns nativos da língua entenderiam melhor

se fosse mais simples.

Ainda o mesmo participante, endossa a questão das imagens outrora

ressaltada nas respostas dos demais participantes quando diz: “Agora sobre a

beleza, as imagens usadas em Nelson são excelentes e contextualizam. Eu

preferia que estas imagens fossem copiadas para a história contada pelos 3

personagens, porque ficaria melhor”.

É perceptível que mesmo tendo escolhido a Tradução 2, o participante

sugere que poderia ficar melhor se algumas estratégias visuais utilizadas na

Tradução 1 (escolhida como melhor pela maioria) fossem aderidas também na

tradução 2.

Figura 46: Divisão dos personagens na contação da história (texto 2)

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vCSsvD3-rYU

Na Figura acima se constata a sinalização ao mesmo tempo de dois

contadores-personagens da história, fato este que no caso de apenas um

contador não se torna possível.

Outro dado não destacado pelos participantes, porém observado durante

a pesquisa, foi à utilização de objetos como o pergaminho que a Coruja traz na

boca ao anunciar aos animais que haverá a corrida na qual a Lebre e a

Tartaruga disputarão, e o troféu no final da história como vemos na Figura 46.

Page 82: Dissertação Robson Peixoto.docx

82

Esta foi uma estratégia visual utilizada, porém não ganhou destaque nas

respostas dos participantes consultados.

Sendo assim, com base nesta análise comparativa, constata-se que

embora a pergunta tenha sido feita individualmente, os surdos participantes

responderam de forma semelhante sobre os critérios estéticos internalizados

nesta comunidade linguística em consonância com CANDIDO (1976, p. 139):

“A literatura, porém, é coletiva, na medida em que requer certa comunhão de

meios expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas que

congregam os homens de um lugar e de um momento”.

O autor ainda vai mais além afirmando que embora os integrantes desta

comunidade compartilhem um estilo comum de valor estético literário, muitos

nem tem consciência disto:

Assim, não há literatura enquanto não houver essa congregação espiritual e formal, manifestando-se por meio de homens pertencentes a um grupo (embora ideal) segundo um estilo embora (embora nem sempre tenham consciência dele); enquanto não houver um sistema de valores que enforme a sua produção e dê sentido à sua atividade; enquanto não houver outros homens (um público) aptos a criar ressonância a uma e outra; enquanto, finalmente, não se estabelecer a continuidade (uma transmissão e uma herança), que signifique a integridade do espírito criador na dimensão do tempo. CANDIDO (1976, p. 140)

Depois de apresentados os dados desta análise comparativa entre dois

textos sinalizados, um com um autor consagrado da Literatura Surda e o outro

texto com contadores não consagrados na comunidade surda, partiremos

agora para a análise de uma obra de autoria surda.

2.2.3- Fábula criada em LIBRAS

A Fábula da Arca de Noé (2014). Esta obra de autoria do Me. Cláudio

Henrique Nunes Mourão foi publicada em duas versões, em LIBRAS e em

Língua Portuguesa, portanto uma pessoa ao adquirir esta obra bilíngue recebe

um conjunto contendo 1 DVD e 1Livro20.

20

Foi verificado que versão em Língua Portuguesa em algumas imagens, sempre que possível alguns sinais foram inseridos em forma de desenho como é possível visualizar na Figura 47.

Page 83: Dissertação Robson Peixoto.docx

83

Figura 47: Partes do Livro Fonte: MOURÃO, 2014

Sobre o autor, segue abaixo um trecho de uma reportagem que resume

um pouco sua trajetória e compromisso com a comunidade surda, pois o

mesmo promove encontros em instituições com representatividade da

comunidade surda a fim de incentivá-los a acreditar nos sonhos e

potencialidades para que assim como ele, rompam barreiras e não desistam de

atingir os seus objetivos.

Figura 48: O autor na mídia

Fonte: Jornal O Esporte-Julho/2012

O Professor Surdo, Mestre em Educação, Claudio Henrique Mourão, o Cacau Mourão, esteve recentemente em Erechim. Na APADA fez uma conversa motivacional com os Surdos da entidade. Cacau, destacou-se desde criança com uma caminhada brilhante como dançarino. Integrante da Escola Carlinhos de Jesus no Rio de Janeiro, teve a oportunidade de viajar com aquela Escola para vários estados do Brasil e muitos países. Após conhecer sua atual esposa no Rio Grande do Sul, a professora Doutora Carolina, também Surda, fixou residência em Porto Alegre, onde prosseguiu seus estudos formando-se em educação física e posteriormente Mestrado em

Page 84: Dissertação Robson Peixoto.docx

84

Educação. Mais recentemente o casal, que agora são pais de Dionísio, estiveram no Congresso de Surdos na França. Em Erechim, Cacau contou a Surdos sua trajetória de Vida até os dias atuais, história que será retratada em uma peça de Teatro. Falou sobre a luta na defesa dos surdos e disse aos surdos da APADA que a única maneira de vencer as adversidades da surdez é o estudo, incentivando-os para que cada vez mais sigam bons exemplos para também alcançarem seus objetivos. (Jornal O Esporte -Julho/2012)

21

É possível constatar também este compromisso e envolvimento com a

literatura surda e a comunidade surda na dedicatória deste livro, que na versão

em LIBRAS é um verdadeiro poema sinalizado:

Dedico esta obra às narrativas literárias em Língua de Sinais, as quais são contadas e recontadas, de geração em geração, passando sua própria língua e cultura para as crianças surdas e para a comunidade surda brasileira. As mãos narrativas surgem do efeito dos nossos olhos brilhantes e em lágrimas, transformando-se em registros de nossa história descrita em livros, isto é, o ouro da literatura surda. Além dos meus olhos e minhas mãos, algo desconhecido treme no meu sangue, que circula em alta velocidade no meu corpo; as ondas gigantes invadem o meu coração de puro amor. Do fundo dos meus olhos, brota uma lágrima, que escorrega pelo meu rosto. Caem gotas em minhas mãos, enquanto seguro o bebê em meus braços. Uma das minhas mãos segura a cabeça do meu filho, Dionísio Mourão, a quem também faço esta dedicatória.

O enfoque da pesquisa é no texto sinalizado e não no impresso, porém será

feito referência ao texto em português do livro impresso e ao texto da legenda

em português do livro digital, sempre que necessário comparar as versões.

Embora a legenda do livro digital e o texto do livro impresso sejam na mesma

língua, o Português, mesmo assim verificamos diferenciação entre estes textos,

pois a legenda do DVD traduz com mais detalhes o texto de origem (o texto

sinalizado da obra produzido pelo autor). Com isto, seguem abaixo os textos na

íntegra em Língua Portuguesa para a constatação deste fato:

Texto da versão em Língua Portuguesa (Livro)

Legenda da versão em LIBRAS (DVD)

Capitão Noé e sua família construíram uma grande arca. Convidaram amigos de vários lugares para conhecê-la. No dia da inauguração todos esperavam ansiosos pela abertura da porta. Entre elefantes, macacos e formigas, estava Dado com seus pais Dálmatas. Quando a porta se abriu, surpresa: A

Há algum tempo atrás, havia um rio azul, o Sol, árvores, onde o rio descia contornando as montanhas e cachoeiras. Neste lugar havia a família de um velhinho barbudo, que usava um chapéu diferente. Ahhh é este velhinho! Sabem qual o sinal dele? O sinal dele é este, e o nome é Noé, e ele era capitão. Ele e sua família fizeram um combinado, onde todos concordaram em convidar todos os seus amigos...Por quê?

21

Trecho do Jornal, O Esporte -Julho/2012 postado em

http://cacaumourao.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html

Page 85: Dissertação Robson Peixoto.docx

85

arca era uma grande exposição. Noé gostava muito de estudar coisas novas. Ele criou salas para mostrar todos os tipos de descobertas. Dado soltou a pata de sua mãe e entrou na primeira sala. Lá havia ossos dos dinossauros que vivem há milhões de anos. O pequeno Dálmata ficou olhando sem saber o que eram. Na sala de pintura viu quadros de vários artistas. O mais brilhante era o do elefante. O guia explicava detalhes dos quadros. Dado, que nada entendia, saiu logo dali. Em outra sala, Dado encontrou um leão! Ele contava que, para ser Rei, precisava respeitar os costumes de todos os animais. Perto dele, sobre um colchonete, o Bicho-preguiça dava aula de ioga. O professor convidou Dado a fazer parte da aula, mas ele, que já estava assustado por causa do leão, saiu rapidinho dali. De repente, ouviu-se o ribombar de um forte trovão. Capitão Noé achou melhor fechar a porta principal. Os animais, sentido que iria chover por muito tempo, continuaram visitando as exposições tranquilamente. Depois de várias horas, a arca começou a balançar, de um lado para o outro, até FLUTUAR!!!!!!!! Noé desceu para verificar os botes salva-vidas, os pombos de emergência e as boias. Lá embaixo encontrou os pais de Dado. O pai, preocupado, disse: _ Capitão, perdemos nosso filhote, o nome dele é Dado! _ Mantenham a calma, a arca é segura. Eu vou procura-lo pela direita e vocês vão pela esquerda. _ Ai, obrigada, obrigada, capitão – falou a mãe, choramingando. Capitão Noé entrou em várias salas, mas não viu nenhum filhote desacompanhado. Até que uma delas chamou sua atenção por estar lotada e com filas de espera. Entre tigres, hipopótamos e sapos, havia um pequeno Dálmata muito concentrado na palestra: -Oi, você é o Dado? Ele não respondeu. O capitão estranhou, repetiu a perguntar, tocando no ombro do cãozinho. Dado virou-se para ele, sinalizou: -Por favor, silêncio. Preste a atenção! Capitão Noé não entendeu bem, mas ficou ao seu lado. Dado estava muito atento ao palestrante surdo que explicava sobre a importância da Língua de Sinais. Em seguida foram ver o jacaré. Ele tinha sido convidado para falar sobre a importância dos olhos e das patas na comunicação. Era ouvinte e trabalhava na escola de animais surdos. Os pais de Dado, depois de dar a volta em toda a arca, encontraram o filhote com Noé. Agradeceram ao capitão por

Porque Noé havia derrubado várias árvores para construir algo grande. Ah um grande barco com o seguinte nome: ARCA. Sim Noé construiu uma enorme arca, Imponente de altura e largura. Mas a arca estava fechada e todos estavam ansiosos para ver o que havia dentro da arca. Então no dia da inauguração, todos ansiosos esperando a grande porta da arca se abrir, estavam presentes todos os convidados e amigos de Noé, diversas espécies de animais, o elefante, o macaco e a formiga dentre vários animais. Havia também presente uma família de cães DÁLMATAS junto com seu filhote. Este é o sinal do filhote, e seu nome é: DADO. E lá estavam todos, ansiosos para a porta abrir! Até que finalmente a porta se abriu! Ao abrir a imensa porta, o chão tremeu. Ao entrar na arca os convidados puderam visualizar diferentes ambientes com diversas salas expondo diferentes temas, como a sala da reciclagem, a sala do Rei Leão, a sala de Libras, enfim diferentes espaços com diferentes temáticas. Noé gostava de fazer pesquisas e estudos científicos, e o resultado destas pesquisas ele trouxe para esta exposição. Dado, animado com a exposição também entrou na arca segurando a pata de sua mãe, mas de repente algo lhe chamou a atenção e ele soltou a pata de sua mãe e saiu correndo entrando na primeira sala onde havia um enorme esqueleto de dinossauro. Logo Dado foi morder o osso, mas ficou paralisado observando o que era aquilo! Continuando o passeio, Dado entrou em uma sala com diversos quadros com imagens perfeitas, admirado do talento de um famoso profissional das artes, O elefante! Dado viu que nesta sala havia um senhor de óculos enviesado explicando detalhes sobre as obras. Dado ficou olhando a explicação sem nada entender! Saindo da sala de artes, Dado entrou na sala de ESPERANTO, onde lá estava o Dr. Cavalo, palestrando. Haviam placas sobre a mesa do Dr. Cavalo escrita as palavras: LINGUISTA\ESPERANTO. E Dado continuou seu passeio. Quando avistou o Dr. Búfalo, palestrando sobre acessibilidade e direitos, Dado ficou admirado com o tamanho do Dr. Búfalo, mas saiu logo dali. Dado foi a outro espaço, o refeitório, lá viu a Dra. Girafa com seu pescoço comprido e um chapéu de cozinheira e ao seu lado a Dra. Tartaruga e observou as duas conversando sobre a alimentação, pois eram nutricionistas. Dado ficou admirando, mas logo saiu dali. Saindo do refeitório...Dado foi até a sala da reciclagem onde viu o Dr. Pássaro juntando papéis e lixo para construir uma casa com lixo reciclado. Dado ficou impressionado. Saindo da sala de reciclagem...de repente Dado assustou-se ao ver o Rei Leão, mas observou que o Rei Leão estava explicando sobre as leis dos animais, sobre liderança e o respeito às leis e a diferença entre os animais. Dado assustado observando, de repente viu um enorme Bicho Preguiça meditando na sua Yoga que ao ver Dado, convidou-o a entrar, mas Dado com medo, tratou de sair logo dali. De repente, o Capitão Noé observou movimento no céu, as nuvens escurecendo e trovões no céu. O Capitão Noé então deu ordens de fecharem a arca. Os animais dentro da arca continuaram a visitação mesmo percebendo que iria chover e que a chuva iria demorar muitas horas para passar. A chuva caiu forte fazendo a arca flutuar aos poucos de um

Page 86: Dissertação Robson Peixoto.docx

86

ficar com ele e disseram em Língua de Sinais: -Dado, levamos um susto! Estamos felizes por encontrá-lo. Entendemos sobre esta sala. Queremos que saiba que nós o amamos! Estão Noé percebeu que a arca não era para todo mundo como ele imaginava. Quando a chuva parou e as águas baixaram, capitão Noé começou uma grande reforma. Tornou a arca acessível a todos os visitantes. Construiu também uma nova sala com artefatos históricos e culturais de animais surdos. Mas Noé não fez tudo sozinho, contou com uma ajuda muito especial!

lado para o outro, até estabilizar. Os animais continuaram o passeio dentro da arca mesmo com a arca flutuando. O Capitão Noé preocupado foi verificar se os coletes salva vidas, as boias e os pombos de emergência estavam todos a postos. Enquanto o Capitão Noé estava verificando tudo de repente veio até ele os pais de Dado, e e a mãe de Dado dizia: _ Meu filho sumiu estou apavorada! Capitão Noé tranquilizou a mãe de Dado dizendo que a arca era segura, Mas ao ver a preocupação da mãe Noé disse: _ Vamos procura-lo. Você vai por ali e eu vou por aqui, tudo bem?! E assim saíram os pais aflitos de Dado e o Capitão Noé a procura-lo. O Capitão Noé procurando por Dado, em diversas salas sem encontrar Dado. e estranhou ao avistar uma imensa fila formada, e foi ver o que estava acontecendo. Noé ao entrar na sala viu que estava lotada com diferentes animais: O tigre, o hipopótamo, o sapo e percebeu que lá estava também um filhote de dálmata atento observando a palestra, viu que era Dado e aproximou-se. Ao aproximar-se Noé conversou com Dado, mas ele não respondeu ao seu chamado, insistindo Noé tocou no ombro de Dado, ele então olhou para Noé que mexia a boca falando algo mas Dado o interrompeu ao fazer os sinais de silêncio e atenção! Noé nada entendeu, mas sentou-se ao lado de Dado para prestar atenção na palestra. Noé ficou impressionado com o que estava vendo. Havia um Cão palestrante explicando sobre a geração dos surdos que se comunicava em Língua de Sinais, sobre a importância no desenvolvimento. O Cão palestrava em Língua de Sinais, e ao lado estava a aranha, interpretando de Língua de Sinais para a língua oral. Dado permanecia sentado, atento e admirado com a palestra que falava da extrema importância da Língua de Sinais. Ao terminar a palestra com o Cão, veio o professor Jacaré explicar sobre a importância do estímulo visual e das mãos na comunicação em sinais, ensinando as letras do alfabeto em sinais. O professor Jacaré era ouvinte, mas muito experiente no seu trabalho em escolas de animais surdos. Os pais de Dado estavam procurando e perguntando para todos se tinham visto ele quando viram Noé sentado ao lado de Dado e foram até ele. Quando Noé viu os pais de Dado, lhes disse: _Encontrei Dado, está aqui! E os pais de Dado agradeceram muito! A mãe de Dado passou por eles E foi até seu filhote lhe dar um grande abraço, acariciando Dado. O pai de Dado disse então: _Dado, nos assustamos com seu sumiço, mas sabemos da importância da palestra sobre a Língua de Sinais que estava vendo. E você sabe que nós amamos muito você! Dado ficou muito feliz! Noé, ficou espantado e admirado de ter encontrado um surdo, em Língua de Sinais pois nunca havia pensado nisto! Percebeu que estava faltando acessibilidade nas salas, com intérpretes de Língua de Sinais, legendas... Foi então que Noé teve uma ideia. Depois que a chuva parou definitivamente e as águas baixaram o solo ficando seco fazendo a arca parar Noé pediu para abrirem a porta e todos saírem, então verificou que não restava mais ninguém

Page 87: Dissertação Robson Peixoto.docx

87

E pediu para que fechassem a porta da arca. Com isso Noé organizou uma grande reforma nas salas inserindo toda a acessibilidade necessária com intérpretes de língua de sinais e legendas. Também construiu uma nova sala, em que trazia a história e a cultura pertencente aos animais surdos. Enquanto reformava a arca veio Dado com uma placa caminhando até pregá-la em frente à arca, nesta placa estava escrito: ARCA DE NOÉ L´EPPÈ, este é o sinal.

Figura 49: Quadro com as versões para a língua portuguesa

Fonte: Elaborado pelo próprio autor

Como vimos no quadro, os textos apresentados no quadro tratam-se de

traduções para a Língua Portuguesa (Língua alvo) da fábula A arca de Noé que

possui o seu texto original em LIBRAS (Língua fonte). Foi verificado que o livro

impresso possui um texto que representa um resumo do texto original,

enquanto a legenda presente no DVD reflete a tradução mais fiel e a que mais

se aproxima do texto original em LIBRAS.

Visto que já apresentamos o texto no formato de melhor compreensão

para o leitor, passaremos agora para destaques da análise feita sobre o estilo

deste texto sinalizado que reflete os critérios estéticos identificados. Vale

ressaltar que por ser uma obra mais recente, podemos observar outras

contribuições sobre o valor estético literário da comunidade surda, além dos

que foram citados no presente trabalho até o momento.

Ao iniciar a Fábula com a frase “Há algum tempo atrás” percebemos no

trecho abaixo que o cenário vai se formando conforme a sinalização do autor

com a animação da imagem, visto que o rio vai surgindo, as plantas o sol,

dentre outros elementos visuais necessários para ambientação e construção do

cenário onde a história terá seu desenvolvimento.

Figura 50: Construção do cenário

Fonte: MOURÃO, 2014

Enquanto no texto em português não há necessidade destas

informações sobre o cenário, no texto em Língua de Sinais estas informações

Page 88: Dissertação Robson Peixoto.docx

88

são cruciais para a compreensão da história que virá a seguir. É possível

verificar este fato no próximo trecho que também compõe esta parte

introdutória do texto contendo a apresentação dos sinais dos personagens

principais, que serão utilizados durante toda a narrativa da história (Figura 51)

Figura 51: Apresentação do sinal do personagem

Fonte: MOURÃO, 2014

Neste trecho é possível verificar que o autor interage com a imagem do

personagem principal ao apresentá-lo, explorando sua expressão facial

\corporal e tornando atrativas as informações até culminar na apresentação do

sinal de Capitão Noé. Vale salientar que o autor criou um sinal referente ao uso

de um binóculo, instrumento característico de um capitão de um navio, não

utilizando assim o sinal já existente criado pelos surdos e utilizado no contexto

religioso referente a Noé, personagem da história bíblica. Desta forma, o autor

evitou possíveis confusões entre a história bíblica e a fábula.

O sinal de uma pessoa é o léxico que possui o valor semântico de nome

próprio com uma característica física ou da personalidade da referida pessoa.

Criar o sinal para uma pessoa e não utilizar a datilologia do seu nome é uma

característica da própria língua visuo-espacial, a língua de sinais.

Na análise desta fábula, verificamos também a utilização da iluminação

como estética visual para ênfase no texto sinalizado. Como é possível verificar

na Figura 52 o foco de Luz está na família de cães Dálmatas, permitindo

especificar, que o contador da história estava falando deles e não dos demais

animais que estavam caminhando para entrar na arca.

Page 89: Dissertação Robson Peixoto.docx

89

Figura 52: Apresentação do sinal do personagem

Fonte: MOURÃO, 2014

Foi verificado que a estética visual de interação\diálogo com as imagens

dos personagens foi muito utilizada pelo autor Cláudio Mourão. Embora valha

salientar que esta estratégia é de certa forma arriscada, pois o contador precisa

olhar para o lado certo enquanto está sendo filmada a sua tradução no Chroma

key22 senão causa equívocos se não for reparado durante a edição.

Figura 53: Diálogo e interação com as imagens

Fonte: MOURÃO, 2014

Este equívoco na localização e direcionamento do olhar pode ser

constatado em dois momentos com o Linguista (Figura 53) e com a

Nutricionista. Entretanto, em diversas partes do texto, como por exemplo, no

trecho das casas recicladas (Figura 53) esse diálogo ocorreu com eficácia.

No próximo trecho (Figura 54) encontramos mais uma estética visual

que gera dinamismo na obra utilizada pelo autor, a animação da imagem com

movimentação, ampliação e mudança de ângulo da imagem.

22

É uma técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre uma outra

através do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde ou o azul.

Page 90: Dissertação Robson Peixoto.docx

90

Figura 54: Efeitos de animação das imagens

Fonte: MOURÃO, 2014

Dando prosseguimento à análise da obra, encontramos uma técnica

cinematográfica interessante (que também é um critério estético), a

movimentação da câmera, que provocou o efeito de tremor ao ser aberta a

porta da arca diante de toda a expectativa dos animais que aguardavam para

entrar como (Figura 55).

Figura 55: Movimentação de câmera

Fonte: MOURÃO, 2014

A forte presença dos classificadores é uma característica muito

importante na literatura surda, pois demonstra sofisticação linguística do texto

sinalizado e clarifica a mensagem devido à descrição visual. Sendo assim, em

vários trechos do texto foram identificados diversos classificadores, porém

abaixo apresentamos apenas dois exemplos (os cílios da Girafa e a orelha de

Dado em momento de concentração):

Page 91: Dissertação Robson Peixoto.docx

91

Figura 56: Classificadores

Fonte: MOURÃO, 2014

Outro dado de extrema relevância, que reflete um critério estético muito

utilizado nas narrativas em LIBRAS consiste na incorporação dos sujeitos. Esta

técnica linguística do discurso sinalizado que explora a expressão não manual

da língua se aproxima bastante de técnicas tetrais de uma performance

interpretativa de um ator. No trecho abaixo identificamos isto:

O Leão Dado (O cachorro)

A preguiça

Figura 57: Incorporação dos sujeitos

Fonte: MOURÃO, 2014

Nesta análise ainda identificamos mais um critério estético que muito

valorizou a beleza visual desta obra, a imagem do narrador aparecia e

desaparecia com o efeito de edição. O posicionamento do contador da história

e sua postura corporal evidenciava quando o mesmo não estava assumindo o

papel de nenhum personagem, mas desempenhando a função de narrador.

Vale salientar que, a única vez que o texto sinalizado apresenta um

trecho sem imagem alguma, é justamente no momento em que linguisticaente

este “vazio” tem todo um vaor semântico e pragmático envolvido, pois como

vemos na Figura 58 o autor sinaliza o verbo procurar e demonstra que este é

um momento crítico onde todos estavam procurando pelo filhotinho de dálmata,

o Dado.

Page 92: Dissertação Robson Peixoto.docx

92

Figura 58: O narrador

Fonte: MOURÃO, 2014

Além disso, verificamos ainda na Figura 58, um situação comum e muito

necessária na vivência de mundo bi-cultural dos integrantes da comunidade

surda, a presença do intérprete realizando a tradução denominada de versão

voz, que consiste na tradução da Língua de Sinas (Língua Fonte) para a

Língua portuguesa (Língua Alvo).

Um outro exemplo em que a inserção de elementos da cultura surda na

fábula analisada é destacada de maneira mais enfática está no trecho final da

mesma (Figura 59), onde o valor moralizante transparece e evidencia os

valores de aceitação do diferente e a acessibilidade presente em toda a fábula.

Isto gera no Capitão Noé a necessidade de uma reforma em toda arca e ainda

convida o renomado professor L´Eppé, nome reverenciado na história da

educação de surdos como vimos no capítulo anterior da fundamentação

teórica.

Figura 59: Elemento da cultura surda L´eppé

Fonte: MOURÃO, 2014

Page 93: Dissertação Robson Peixoto.docx

93

Sendo assim, ao concluir esta análise do texto sinalizado criado pelo

autor surdo Cláudio Mourão, constatamos que esta obra recente reflete o

desenvolvimento desta tradição, o uso da tecnologia a favor da qualidade do

texto literário em LIBRAS e o aprofundamento dos critérios estéticos, vistos na

obra traduzida que analizamos. A utilização da Iluminação como foco, o efeito

de tremor obtido pela movimentação da câmera, dentre outras técnicas

confirmam que os autores da literatura surda estão cada vez mais inovando em

diversas estratégias cinematográficas e linguísticas que favoreçam e

aperfeiçoem ainda mais o valor estético de suas obras.

E de maneira evidente, verifica-se que esta fábula criada condiz com os

mesmos critérios estético para uma narrativa em LIBRAS apresentados pelos

participantes entrevistados na análise da fábula a Lebre e a Tartaruga: a

valorização da expressão não manual e de imagens associadas a uma fluente

sinalização. Concluimos então com a interessante analogia de SEGALA (2010,

P:57):

O avião chamado Tradutor intermodal e intersemiótico/interlinguístico encontra, enfim, as condições necessárias para pousar em meio ao oceano. Para isso, precisa se equipar de novos instrumentos e de novas práticas, conhecendo bem a base ou o alvo sobre a qual vai aterrissar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho identificamos elementos cruciais que destacam a

característica da coletividade que define a literatura, pois esta envolve uma

comunidade linguística, neste caso a comunidade surda, de determinado lugar,

neste caso o Brasil e de determinado tempo, neste caso, os tempos atuais.

Esta Literatura objetiva comunicar algo com um estilo próprio e específico no

processo criativo de produção. Embora, nem sempre todas as pessoas

integrantes deste grupo possuam a consciência da existência dos elementos

normativos deste estilo.

Page 94: Dissertação Robson Peixoto.docx

94

Mas para que este formato estético comum entre os autores de obras

que constituem a literatura de uma comunidade seja transmitido e preservado,

é necessário que haja um público que gere uma ressonância compreendendo e

reagindo a estas produções originadas de uma “tradição sinalizada” ou

“tradição visual”, que equivale à tradição oral referente às obras literárias

produzidas em línguas orais.

Em busca exatamente desta reação do público, consultamos

representantes desta comunidade linguística, a comunidade surda, a fim de

identificar o que eles entendem como uma fábula de alto valor estético, pois

estes critérios estéticos internalizados neste público, nem sempre é consciente,

porém compartilhado entre eles de maneira unânime conforme verificamos em

nosso trabalho.

Durante a pesquisa verificamos que o fabulário surdo registrado em

vídeos, devido à especificidade de uma língua visuo-gestual, tem crescido a

cada dia, pois desde a obra pioneira, em 1999, de Nelson Pimenta até 2014,

foram encontradas 15 fábulas. Embora haja outros textos sinalizados deste

gênero em LIBRAS, disponíveis no youtube, traduzidas por ouvintes, ao

catalogar as obras do gênero fábula houve a delimitação nesta coleta para

aquelas criadas ou traduzidas por surdos.

Depois da catalogação, foi feita uma nova delimitação para o corpus,

que consistiu na análise de três obras: 1ªA Lebre e a Tartaruga, fábula de

Esopo traduzida por Nelson Pimenta (2002), 2ªa mesma obra traduzida por

Cristiano Calegário, Elianderson Silva e Fabiane Dacolhé (2010) e a 3ª A

Fábula da Arca de Noé de Cláudio Mourão (2014).

Foi constatado que, uma cultura que surge de uma comunidade

linguística minoritária (surda) que se comunica por intermédio de uma língua

visual-espacial e convive com uma sociedade majoritária (ouvintes) de língua

oral-auditiva vivenciando uma realidade bilíngue e bicultural, valoriza a clareza

de um texto sinalizado como ponto fundamental, pois seu cotidiano é repleto de

mensagens traduzidas e na maioria das vezes sem clareza. Este critério como

mais importante foi identificado nas respostas de todos os participantes

colaboradores da pesquisa que utilizaram o termo “claro” em seus discursos.

Esta clareza exigida de maneira unânime como critério primordial para

um texto literário em LIBRAS não é obtido apenas com o “sinal-arte”

Page 95: Dissertação Robson Peixoto.docx

95

(sinalização diferente da utilizada no cotidiano, que possui uma estética

elaborada) e com uma sinalização fluente e sofisticada. O alto valor estético

para uma fábula em LIBRAS registrada em vídeo, de acordo com as análises,

consiste em agregar a esta sinalização elementos cinematográficos

(movimento de câmera, iluminação, planos de enquadramento, edição,

imagens, cenário, figurino, dentre outros) e elementos linguísticos

(intensificação do uso da expressão facial\corporal, uso classificadores, criação

de sinais – neologismo, dentre outros).

Sendo assim, ao analisarmos os motivos que levam um texto sinalizado

ser considerado literário e outro não, através da identificação dos valores

estéticos compartilhados no imaginário desta comunidade linguística de

geração para geração, por intermédio do uso da tecnologia a favor da

qualidade do texto sinalizado, esperamos contribuir para uma melhor

compreensão do estilo literário da comunidade surda brasileira enaltecendo o

espaço de onde esta literatura transborda, a cultura surda.

Page 96: Dissertação Robson Peixoto.docx

96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFONSO, Carlos (2005). “UAS- Realidade ou Utopia?” In Orquídea COELHO (org). Perscrutar e escutar a surdez. Porto: Edições CIIE/ Edições Afrontamento AFONSO, Carlos (2005). “Uma escola “surda congénita”?” in Encontro Internacional educação Especial. Diferenciação do conceito à prática. Porto: Gailivro, pp. 61-72 AFONSO, Carlos (2006). Surdez: factor de exclusão social? In Actas do Encontro de Intervenção Social: saberes e contextos. Porto: ESE de Paula Frassinetti, pp. 19-26 AFONSO, Carlos (2007). Currículo Contra-hegemónico na Educação de Surdos – síntese de um estudo. Investigação em Educação Inclusiva (vol. 2). Lisboa: FEEI AFONSO, Carlos (2008). Formação de professores para a educação bilingue de surdos. Saber (e) educar, 13, pp. 159- 169 AFONSO, Carlos (2008). Reflexões sobre a surdez. Problemática específica da surdez/A educação de Surdos. Porto: Gailivro AFONSO, Carlos (2010). Afinal é uma língua!... A importância dos Estudos dos linguistas. Surdosnotícias, nº 4, pp. 4 AFONSO, Carlos (2010). O Congresso de Milão e a supremacia do oralismo. Surdos notícias, nº 3, pp. 4 AFONSO, Carlos (2010). O Orgulho Surdo (“Deaf Pride”). Surdos notícias, nº 5, pp. 4 AFONSO, Carlos (2010). Sicard, Massieu e os professores surdos. Surdos notícias, nº 2, pp. 4 AFONSO, Carlos (2011). A “experiência do Covelo”, Surdos notícias, nº 7, pp. 5 AFONSO, Carlos (2011). A escola do Bom Pastor e a experiência “6+6”, Surdosnotícias, nº 8, pp. 6,7 AFONSO, Carlos (2011). Revisitando os anos 80, Surdosnotícias, nº 9, pp. 5,6 AMARAL, Isabel (1999). “Comunicação e linguagem”, in Ana Capa e al (1999). O aluno Surdo em contexto escolar: a especificidade da criança Surda. Lisboa: Ministério da Educação, 37 – 47 AMARAL, Maria Augusta (1993). “Reflectindo sobre a educação de Surdos”, Integrar, 2, 25 – 29

Page 97: Dissertação Robson Peixoto.docx

97

AMARAL, Maria Augusta (1995). “Porquê o interesse crescente pela Língua Gestual?”, Integrar, 6, 26 – 30 ANTUNES, Alexandra e RICOU, Miguel (1998). “Esfera psicológica na reabilitação auditiva”, in Rui Nunes (coord). Controvérsias na reabilitação da criança Surda. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 139 – 170 AVELEZA, Manuel. Interpretando algumas fábulas de Esopo. Rio de Janeiro: Thex, 2003. BEAZLEY, Sarah e MOORE, Michele (1995). Deaf children and professionals. Dismantling barriers. Londres: David Fulton Publishers BETTENCOURT, José e SOARES, José Catarino (1994). “Língua Gestual Portuguesa: Língua de uma minoria linguística”, Integrar, 4, 49 – 55 BOUVET, Danielle (1982). L'enfant sourd et la parole. Paris: Edição PUF CABRAL, Eduardo, COELHO, Orquídea (2006). Uma língua nas nossas mãos: Argumentos para uma educação bilingue dos surdos. In Rosa Bizarro & Fátima Braga (Orgs.), Formação de professores de línguas estrangeiras: Reflexões, estudos, experiências (pp. 215-221). Porto: Porto Editora. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Nacional. 1976. CAPA, Ana et al (1999). O aluno Surdo em contexto escolar: a especificidade da criança Surda. Lisboa: Ministério da Educação CAPA, Ana et al (1999a). O aluno Surdo em contexto escolar: estratégias de intervenção em contexto escolar. Lisboa: Ministério da Educação CASTRO, Nelson Pimenta A tradução de fábulas seguindo aspectos imagéticos da linguagem cinematográfica e da língua de sinais. Florianópolis. UFSC.2012 COELHO, Orquídea (2000). E depois da escola? Formação, autoformação e transição para a vida activa dos Surdos em Portugal. In Rui Nunes (Org.), Perspectivas na integração da pessoa surda (pp. 171-212). Coimbra: Gráfica de Coimbra. COELHO, Orquídea (2005). Metacognição e surdez: Algumas considerações em torno do projecto "Le Retour Réflexif et ses pratiques". In Orquídea COELHO (Coord.), Perscrutar e escutar a surdez (pp. 165-175). Porto: CIIE/Afrontamento. COELHO, Orquídea (2010). Da lógica da justificação à lógica da descoberta: Ser surdo num mundo ouvinte: Um testemunho autobiográfico. Cadernos de Educação, (36), 197-221.

Page 98: Dissertação Robson Peixoto.docx

98

COELHO, Orquídea (2010). Um Copo Vazio Está Cheio de Ar: Assim é a Surdez. Porto: LivPsic COELHO, Orquídea, Cabral, Eduardo, & Gomes, Maria do Céu (2005). A metacognição na surdez pré-linguística: Os testemunhos dos surdos. In Orquídea COELHO (Coord.), Perscrutar e escutar a surdez (pp. 211-231). Porto: CIIE/Afrontamento. COELHO, Orquídea, Cabral, Eduardo, & Gomes, Maria do Céu, (2005). La métacognition dans la surdité pré-linguistique: Les témoignages des sourds. In Marc Derycke (Coord.). Culture(s) et réflexivité (pp. 139- 156). Saint-Étienne: Publications de l‟Université de Saint-Étienne. COELHO, Orquídea, CABRAL, Eduardo, GOMES, Maria do Céu (2004). Formação de surdos: Ao encontro da legitimidade perdida. Educação, Sociedade & Culturas, (22), 153-181 (disponível em http://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/) COELHO, Orquídea, GOMES, Maria do Céu, CABRAL, Eduardo (2007). Surdos e ouvintes, mais que uma língua em cada língua. In Rosa Bizarro (Org.), Eu e o outro: Estudos multidisciplinares sobre identidade(s), diversidade(s), e práticas interculturais (pp. 376-384). Porto: FLUP. COELHO, Orquídea, PACHECO, Natércia, CABRAL, Eduardo (2002). Gestos Lusófonos: Projecto de cooperação com Angola no âmbito da surdez. In M. Fernandes, J. A. Gonçalves, M. Bolina, T. Salvado & T. Vitorino (Coords.), O Particular e o Global no Virar do Milénio. Cruzar Saberes em Educação. Actas do 5º Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (pp. 169-174). Lisboa: Edições Colobri/Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. COLIN, Dominique (1979). Psychologie de l’enfant sourd. Paris: Masson CONTI- RAMSDEN, Gino (1993). “Integration of children with specific langua ENGSTRÖM, H. e ENGSTRÖM, B. (1976). Estrutura e função do ouvido interno. 1- O Órgão de Corti. Dinamarca: WIDEX ENGSTRÖM, H. e ENGSTRÖM, B. (1979). Breve referência a algumas doenças frequentes ou importantes do ouvido. Dinamarca: WIDEX ENGSTRÖM, H. e ENGSTRÖM, B. (s/d). A audição. Algumas palavras sobre a sua função e estrutura. Dinamarca: WIDEX FENEIS,http://www.feneis.org.br/page/artigos_detalhe.asp?categ=0&cod=41, acessado em 10/07/2009. FERREIRA, António Vieira (1991). Gestuário/Língua Gestual Portuguesa. Lisboa: Ministério da Educação e Ministério do Emprego e Segurança Social. FERREIRA, António Vieira; VERDELHO, Constança; LÉ, Maria das Neves e SILVA, Victor Correia da (1993). Deficiência auditiva. Porto: APECDA

Page 99: Dissertação Robson Peixoto.docx

99

FELIPE, Inês (2001). “Quando da vida se faz escrita”, Apoios Educativos, 4, 10 – 12. FRANÇOZO, Maria de Fátima (2003). “Família e surdez: algumas considerações aos profissionais que trabalham com famílias”, in Ivani Silva; Samira Kauchakje e Zilda Gesueli (org). Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora, 77 – 97 Fusellier-Souza, Ivani, & COELHO, Orquídea (2010). Le maître ignorant revisité sous l‟angle de la surdité. In Marc Derycke & Michel Peroni (Dirs.), Figures du maître ignorant: Savoir et émancipation (pp. 117-145). Saint-Etiénne: Publications de l‟Université de Saint-Etiénne. GÓES, Maria Cecília (1996). Linguagem, surdez e educação. Campinas: Editora Autores associados GOLDFELD, Marcia (2002). A criança Surda. Linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. São Paulo: Plexus Editora GOMES, Maria do Céu (2009). O Ensino do Português num contexto de educação bilingue, Revista Diversidades, n.º 25, 10-17. Madeira: Secretaria Regional de Educação e Cultura - Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação GOMES, Maria do Céu (2010). Lugares e Representações do Outro. A Surdez como Diferença. Coleção Ciências da Educação/6. Porto: CIIE/Livpsic. GOMES, Maria do Céu (2010). O Panorama Actual da Educação de Surdos. Na Senda de uma Educação Bilingue. Revista Científica Exedra, 3, 59-73 (disponível em http://www.exedrajournal.com/docs/N3/05A-maria-do-ceu_pp_59-74.pdf) GOMES, Maria do Céu (2011). A Reconfiguração Política da Educação de Surdos. Revista Indagatio Didactica, 3 (1), 109-125 (disponível em http://revistas.ua.pt/index.php/ID/article/view/916) GOMES, Maria do Céu, ATAIDE, Ana e FALCÃO, Ana (2005). A importância da mediação e da metacognição no desenvolvimento da criança surda. In Orquídea Coelho (Coord.) Prescrutar e Escutar a Surdez. Porto: Edições Afrontamento, 187-210. GREGORY, Susan (1996). Bilingualism and the Education of Deaf Children. Paper originalmente apresentado na Conferência "Bilingualism and the Education of Deaf Children: Advances in Practice", University of Leeds Junho de 1996. HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. JAMIESON, Janet (1994). “Teaching as transaction: Vygotskian perspectives on deafness and mother-child interaction”, Exceptional Children, 60 (5) JEAN, J. R. A arte do ator. Editor, 1987

Page 100: Dissertação Robson Peixoto.docx

100

JIMÉNEZ, Raimundo; PRADO, Fernando; MORENO, Lourdes; RIVAS, Ana (1997). “O deficiente auditivo na escola”, in Rafael Bautista (coord). Necessidades educativas especiais. Lisboa: DinaLivro, 349 – 375 JONES, Bernhardt et al (1997). “Characteristics and practices of sign language interpreters in inclusive education programs”, Exceptional Children, 63 (2) KAUCHAKJE, Samira (2003). “‟Comunidade Surda‟: as demandas identitárias no campo dos direitos, da inclusão e da participação social”, in Ivani Silva; Samira Kauchakje & Zilda Gesueli (org). Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora, 57 – 76 KYLE, J. (1993). “Integration of deaf children”, European Journal of special needs education, 8 (3), 201 – 220 LABORIT, E. O Vôo da Gaivota. “O Depoimento da atriz Francesa que sensibilizou o mundo em sua luta contra a Surdez. Tradução: Leita Oliveira. LABORIT, Emmanuelle (2000). O grito da gaivota. Lisboa: Editorial Caminho. LACERDA, Cristina; NAKAMURA, Helenice & LIMA, Maria Cecília (org) (2000). Fonoaudiologia: surdez e abordagem bilíngüe. São Paulo: Plexus Editora LAFON, Jean-Claude (1989). A deficiência auditiva na criança. São Paulo: Editora Manole LANE, Harlan (1997). A máscara da benevolência. A comunidade Surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget LIMA, Rosa (2000). Linguagem infantil – da normalidade à patologia. Braga: Edições APPACDM LOPES, M.C. Surdez & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. MARTELOTTA, M. E. Manual de Lingüística. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.

MARTINS, Maria Raquel Delgado (1998). “Modalidades linguísticas: do sistema gestual ao sistema verbal”, Para além do silêncio, (7, 8). MARTINS, Maria Raquel Delgado; COUTINHO, Amândio e AMARAL, Maria Augusta (1994). Para uma gramática da Língua Gestual portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1990). A criança diferente. Lisboa: Gabinete de Estudos e planeamento MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1998). Organização e gestão dos apoios educativos. Lisboa: DEB

Page 101: Dissertação Robson Peixoto.docx

101

MOORES, D. e Moores, J. Maestas (1991). “Comunicacion total”, in Jean Rondal e Xavier Seron (org). Transtornos del lenguaje 2 tartamudez, sordera, retraso mental, autismo. Barcelona: Ediciones Paidós, 395 – 436 MOORES, Donald e MEADOW- ORLANDS, Kathryn (ed.) (1990). Educational and Developmental Aspects of Deafness. Washington: Gallaudet University Press MORGAN, A. e al (1991). Educación precoz del niño sordo. Barcelona: Masson MORROW-LETTRE, C. (1991). “Sordera y lenguaje oral”, in Jean Rondal e Xavier Seron (org). Transtornos del lenguaje 2 tartamudez, sordera, retraso mental, autismo. Barcelona: Ediciones Paidós, 359 – 393 MYKLEBUST, Helmer (1960). The psychology of deafness: sensory deprivation, learning and adjustment. New York: Grune & Stratton NUNES, Rui (coord) (1998). Controvérsias na reabilitação da criança Surda. Porto: Fundação Eng. António de Almeida PEIXOTO, Janaína Aguiar e Fabrício Possebon. Introdução aos Estudos Literários. In Faria, E.M.B. Língua Portuguesa: Teorias e Prática. João Pessoa. Editora Universitária da UFPB, 2010. PEIXOTO, Janaína Aguiar e Shirley Porto. Literatura Visual. In Faria, E.M.B. Língua Portuguesa: Teorias e Prática. João Pessoa. Editora Universitária da UFPB, 2011.

PEREIRA.M.C.C. LiBRAS Conhecimento além dos Sinais.

PERLIN, Gladis (1998). “Los sordos: identidad y discurso”, Para além do silêncio, 7,8 PERLIN, Gladis (2001). ”Identidades Surdas”, in Carlos Skliar (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 51 – 73 PETERS, Cynthia. Deaf American Literature From Carnival to the Canon. Washington, D.C. Gallaudet University Press. 2000.

PINHO E MELO, António (1989). A Audição. Revista Portuguesa de otorrinolaringologia. XXVII – 6 (331 – 336). PRATA, Maria Isabel (1980). Mãos que falam. Lisboa: D.G.E.B. QUADROS, R. Língua de Sinais Brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

QUADROS, R. Língua de Sinais Brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Page 102: Dissertação Robson Peixoto.docx

102

QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997

REIS, Ana Cristina (1998). “Igualdade de oportunidades da criança Surda”, in Rui Nunes (coord) (1998). Controvérsias na reabilitação da criança Surda. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 103 – 130 REIS, Maria João (2000). “A educação de alunos Surdos: para onde vamos”, Apoios educativos, 4, 2-3. ROCHA, Júlia Maria (1999). “Uma experiência de integração flexível para alunos Surdos na Escola EB 2/ 3 de Paranhos – Porto”, Apoios educativos, 2, 12 – 14. ROCHA, Júlia Maria e TEIXEIRA, José Carlos (1985). Como falamos? Porto: Núcleo de Deficientes Auditivos de Paranhos RONDAL, Jean e SERON, Xavier (org) (1991). Transtornos del lenguaje 2 tartamudez, sordera, retraso mental, autismo. Barcelona: Ediciones Paidós ROSSI, Tereza (2003). “Mãe ouvinte/Filho Surdo: a importância do papel materno no contexto do brincar”, in Ivani Silva; Samira Kauchakje e Zilda Gesueli (org). Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora, 99 – 112 SACKS, O. u878Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SACKS, Oliver (1998). Vendo vozes – uma viagem ao mundo dos Surdos. São Paulo: Companhia das Letras SALLES,H.M.M.L. Volume 1 Ensino de Língua portuguesa para Surdos “ Camihos para a prática pedagógica. Mec Brasíia, 2004.

SETARO, André. Como o cinema “fala”. Disponível em: http://www.coisadecinema.com.br/matArtigos.asp?mat=1436 (acesso em 25/mar/2009). SILVA, Amélia e VERDELHO, Constança (1990). Vem falar comigo 1. Porto: Edições Asa SILVA, Angélica (2003). “Surdez, inteligência e afetividade”, in Ivani Silva; Samira Kauchakje e Zilda Gesueli (org). Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora, 89 – 97 SILVA, Danielle (2002). Como brincam as crianças Surdas. São Paulo: Plexus Editora. SILVA, Ivani; KAUCHAKJE, Samira e GESUELI, Zilda (org) (2003). Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora

Page 103: Dissertação Robson Peixoto.docx

103

SILVA, Maria Piedade (2001). A construção de sentidos na escrita do aluno Surdo. São Paulo: Editora Plexus SILVA, Regina (2010). Língua gestual e bilinguismo na educação da criança surda. In Orquídea Coelho, Um copo vazio está cheio de ar. Assim é a surdez. Porto: Livpsic, 101-211. SIM-SIM, Inês (1997). Avaliação da linguagem oral: um contributo para o conhecimento do desenvolvimento linguístico das crianças portuguesas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian SIM-SIM, Inês (org) (2005). A criança surda: contributos para a sua educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.

SKLIAR, Carlos (1998). “Una mirada sobre los nuevos movimientos pedagógicos en la educación de los sordos”, Para além do silêncio, 7- 8. SKLIAR, Carlos (2000). “A invenção e a exclusão da alteridade deficiente (1) a partir dos significados da normalidade”, in Secretaria de educação (ed) A discriminação em questão. Recife: Secretaria de Educação, 25 – 44 SKLIAR, Carlos (org) (1999). Actualidade da educação bilingue para Surdos. Vol. I. Porto Alegre: Editora Mediação SKLIAR, Carlos (org) (1999a). Actualidade da educação bilingue para Surdos. Vol. II. Porto Alegre: Editora Mediação SKLIAR, Carlos (org) (2001). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação SKLIAR, Carlos (org) (2001a). Educação & exclusão: abordagens sócio- antropológicas em Educação Especial. Porto Alegre: Mediação SOARES, Maria Aparecida (1999). A educação do Surdo no Brasil. São Paulo: Editora Autores Associados SOUSA, Manuel Aveleza de, 1920 – Interpretando algumas fábulas de Esopo / Manuel Aveleza de Sousa. – Rio de Janeiro: Thex Ed., 2003 SOUZA, Regina Maria (1998). Que palavra que te falta? - Linguística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes STRADNOVÁ, Vera. Como é ser surdo. Editora Babel, 1995. STRÖBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

Page 104: Dissertação Robson Peixoto.docx

104

STRÖBEL, K. L. História dos Surdos: Representações “Mascaradas das Identidades Surdas. In Estudos Surdos II / Ronice Müller de Quadros e Gladis Perlin (organizadoras) – Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007. SUTTON-SPENCE, Rachel e Donna Jo Napoli - Anthropomorphism in Sign Languages: A Look at Poetry and Storytelling with a Focus on British Sign Language. Sign Language Studies, Volume 10, Number 4, Summer 2010, pp. 442-475 (Article) Published by Gallaudet University Press DOI: 10.1353/sls.0.0055

SUTTON-SPENCE, Rachel e Donna Jo Napoli - Anthropomorphism in Sign Languages: A Look at Poetry and Storytelling with a Focus on British Sign Language. Sign Language Studies, Volume 10, Number 4, Summer 2010, pp. 442-475 (Article) Published by Gallaudet University Press DOI: 10.1353/sls.0.0055 SUTTON-SPENCE, Rachel. Imagens da Identidade e Cultura Surdas na Poesia em Língua de Sinais. In Quadros, Ronice Muller. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais. Petópolis. Arara Azul. 2008. SWANWICK, Ruth (1996). Deaf Children's Strategies For Learning English. How do they do it? Paper apresentado na Conferência "Bilingualism and the Education of Deaf Children: Advances in Practice", University of Leeds, Junho de 1996 TESKE, Osmar (2001). “A relação dialógica como pressuposto na aceitação das diferenças: o processo de formação das comunidades Surdas”, in Carlos Skliar (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 139 – 156 VAN UDEN, A. (1977). A World of language for deaf children. Amsterdam and Lisse: Swets & Zeitlinger VIADER, Maria Pilar (1994). “Dificultades de la audición”, in Santiago Molina Garcia (org). Bases psicopedagógicas de la educación especial. Alcoy: Marfil, 245 – 270 WAMAE, Gertrude e KANG‟ETHE-KAMAU, Rachael (2004). “The concept of inclusive education: teacher training and acquisition of English language in the hearing impaired”, British Journal of Special Education. 31 (1), 33 – 40