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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO FABRICIO MORAES CUNHA A CATARSE TEATRAL NA FORMAÇÃO HUMANA VITÓRIA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

FABRICIO MORAES CUNHA

A CATARSE TEATRAL NA FORMAÇÃO HUMANA

VITÓRIA 2013

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FABRICIO MORAES CUNHA

A CATARSE TEATRAL NA FORMAÇÃO HUMANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Robson Loureiro.

VITÓRIA 2013

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Cunha, Fabricio Moraes, 1977- C972c A catarse teatral na formação humana / Fabricio Moraes

Cunha. – 2013. 109 f. : il. Orientador: Robson Loureiro. Coorientadora: Sandra Soares Della Fonte. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal

do Espírito Santo, Centro de Educação. 1. Aprendizagem. 2. Arte. 3. Conhecimento e aprendizagem.

4. Educação. 5. Estética. 6. Professores – Formação. 7. Teatro. I. Loureiro, Robson, 1966-. II. Della Fonte, Sandra Soares, 1972-. III. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. IV. Título.

CDU: 796

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A arte necessita da filosofia, que a interpreta, para dizer o que ela não consegue dizer, enquanto que, porém, só pela arte pode ser dito, ao não ser dito (ADORNO, 1982, p.89).

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, que sempre zelou pela minha educação e me ensinou a importância de se

ter garra e determinação.

Ao meu saudoso pai, pelo exemplo de vida.

Ao meu professor orientador Robson Loureiro, por ter estado presente durante minha

trajetória, oferecendo o valioso suporte.

À professora Sandra Soares Della Fonte, por seu apoio como co-orientadora durante

todo o período da dissertação, bem como pelas contribuições oferecidas na banca de

qualificação e de defesa.

À professora Cláudia Maria Mendes Gontijo, por seu importante apoio para a

construção deste trabalho através de sua participação na banca de qualificação.

Às professoras Cleonara Maria Schwartz, Gerda Margit Schütz Foerste e ao professor

Ricardo Ramos Costa, por suas honrosas presenças na banca de defesa e pelas

relevantes orientações para esta dissertação, que serão igualmente valiosas para

trabalhos futuros.

Ao Instituto Federal do Espírito Santo, por demonstrar compromisso com a formação de

seus servidores viabilizando, pela segunda vez, o MINTER.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade

Federal do Espírito Santo, por proporcionar a mim e demais servidores do Ifes a

oportunidade de fazer um curso com alto padrão de qualidade e excelência.

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RESUMO

Com base em uma pesquisa de cunho eminentemente teórico-bibliográfica, a

contribuição que segue visa abordar a relação entre o teatro e a formação humana, sob

ótica da Teoria Crítica da Sociedade. O problema a que se deseja responder tem que ver

com a possibilidade de o processo catártico, motivado pelo teatro, inspirar uma

formação a contrapelo dos ditames educacionais vinculados à lógica do mercado. O

principal objetivo é entender em que medida a experiência com o teatro, capaz de

despertar a dimensão catártica, pode contribuir para a ampliação da formação humana.

O conceito de formação humana adotado vincula-se à concepção de Bildung presente

especialmente na obra do filósofo Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969). O

objetivo específico, nessa primeira etapa do trabalho, foi apreender até que ponto o

conceito de catarse tem sido referência nesses estudos e como, no ambiente acadêmico,

tem ocorrido esse diálogo entre teatro e educação, tendo como mediação a experiência

catártica. Entretanto, além de conhecermos os diferentes sentidos do termo catarse, é

importante identificar as características do tipo de educação que defendemos em nossa

hipótese. Por isso, o segundo objetivo específico do trabalho corresponde a

compreender a proposta da educação voltada para a emancipação com base nos

pressupostos teóricos do filósofo Theodor Adorno. O trajeto metodológico parte de um

breve detour conceitual em obras de referência (dicionários gerais e especializados) das

áreas de filosofia, artes e teatro e, em seguida, focaliza uma revisão de literatura, com

ênfase nos trabalhos acadêmicos publicados por pesquisadores do campo educacional

em diálogo com a área de estudos sobre o teatro. Como forma de estabelecer um

contraponto entre os pressupostos adornianos e o atual contexto histórico-social,

assumimos também o objetivo específico de analisar aspectos do tipo de catarse

estimulada pela sociedade atual e suas consequências para os processos de formação

humana. Por fim, investigamos como outro tipo de catarse, especificamente estética e

promovida pela arte teatral, pode servir para uma educação emancipadora com base na

teoria estética de Adorno.

Palavras-chave: Educação. Teatro. Catarse. Adorno. Formação humana. Emancipação.

Estética.

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ABSTRACT

Based on a theoretical-bibliographical research, this dissertation aims to investigate the

relationship between theater and human formation, in a perspective of Critical Theory

of Society. The main goal is to understand how the experience with the theater, capable

to rouse the cathartic dimension, can contribute with the growth of human formation.

The issue that needs answer is related with the possibility of the cathartic process,

motivated by the theater, to inspire a formation opposed to the educational commands

linked to the logic of the market. The concept of human development adopted is linked

to the concept of Bildung in the philosophical tradition of Theodor W. Adorno. The

methodological course starts with a brief conceptual detour in reference works (general

and specialized dictionaries) in the areas of philosophy, arts and theater, and then

focuses on a literature review, with emphasis on academic papers published by

researchers in the educational area and the dialogue with the area of theater studies. The

specific goal in this first stage of the work was to understand how the concept of

catharsis has been reference in these studies and how, in the academic environment, this

has been dialogue between theater and education, knowing that the cathartic experience

is the mediation. However, besides knowing the different meanings of “catharsis”, is

important to identify the characteristics of education types that we support in our

hypothesis. Therefore, the second specific objective of the work is to understand the

educational proposal towards emancipation based on the conceptual framework of

Theodor Adorno. As a way to establish a counterpoint between Adorno’s assumptions

and the current socio-historical context, we also assume the specific purpose of

analyzing aspects of the kind of catharsis stimulated by current society and its

consequences for the processes of human development. Finally, we investigated how

other kind of catharsis, specifically aesthetic and promoted by theatrical art, can serve to

Emancipatory Education based on Adorno's Aesthetic Theory.

Keywords: Education. Theatre. Catharsis. Adorno. Erudition. Emancipation.

Aesthetics.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9

CAPÍTULO I – CATARSE E EXPERIÊNCIA COM A OBRA DE ARTE

AUTÊNTICA ........................................................................................................... 35

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO EM ADORNO ...................................................... 41

CAPÍTULO III – ADORNO E A INDÚSTRIA CULTURAL: CATARSE E

REGRESSÃO DOS SENTIDOS .............................................................................. 62

CAPÍTULO IV – ESTÉTICA, CATARSE E TEATRO: REFLEXÕES

ADORNIANAS ......................................................................................................... 81

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 96

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 102

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INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa envolve as relações entre o teatro e a educação. Meu1

interesse pelo teatro surgiu com base em minhas primeiras experiências com essa arte,

por meio de oficinas conduzidas por Eglair Carvalho, professor de Português no meu

ensino médio, realizado na Escola Técnica Federal, na cidade de Colatina (ES). Até

então, havia tido pouco contato com o teatro, apenas como espectador de peças infantis.

Infelizmente, espetáculos teatrais nunca foram comuns nessa cidade. O Teatro Marista,

fundado em 2001, é o único da cidade. Até essa data, as apresentações teatrais ocorriam

em espaços alternativos, como auditórios, palanques e estádios. Normalmente, esses

espaços não oferecem condições objetivas satisfatórias e necessárias para a realização

de uma autêntica produção teatral, o que tende a desencorajar a visita de grupos de

teatro profissionais.

Em 1993, quando eu fazia o curso de Edificações com ensino médio integrado

na Escola Técnica Federal do Espírito Santo (atual Instituto Federal de Educação

Tecnológica do Espírito Santo), minha turma recebeu o convite do professor Eglair para

participar de uma oficina de teatro. A opção dele em trabalhar o teatro com os alunos

inibiu qualquer tipo de resistência. Eglair não impôs nem ofereceu vantagens em sua

disciplina. Simplesmente fez um convite. Sua estratégia foi oferecer as oficinas como

atividade extraclasse. A regularidade acarretou, com o tempo, o comprometimento dos

alunos com o grupo. As dinâmicas para treino das habilidades teatrais envolviam o

trabalho com a voz (dicção), expressão corporal, facial e de emoções. Era interessante

observar os efeitos dos jogos dramáticos que envolviam a criação de cenas improvisadas

pelos alunos: a simulação de brigas e discussões regadas com muitos gritos era

constante, e sabíamos que era uma oportunidade para “extravasar”.

Aquelas oficinas não me tornaram um ator profissional, mas me oportunizaram

vivenciar experiências estéticas memoráveis e a despertar habilidades até então não

desenvolvidas, tais como a segurança para falar em público, senso de trabalho em

1 Em parte da Introdução e das Considerações Finais, será usada a primeira pessoa do singular por se tratar de um relato de experiência pessoal.

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equipe e a autoconfiança. Essas qualidades foram muito importantes para minha

socialização com os colegas e, posteriormente, para meu desempenho profissional.

Entretanto, talvez mais importante do que isso, a arte da interpretação me fez questionar

os limites que impomos a nós mesmos. Na maior parte das oficinas teatrais, defende-se

a ideia de que as limitações do ator não podem ser manifestadas pelo personagem. Por

exemplo, se o ator é tímido e incapaz de agredir verbalmente uma pessoa, essas

características não devem afetar a interpretação de um personagem agressivo e

imponente. Essa regra foi posta à prova mediante uma das experiências mais relevantes

em meu contato com o teatro: a interpretação de João Grilo (da peça O Auto da

Compadecida, de Ariano Suassuna), um personagem nordestino matuto, manipulador,

carismático, altamente comunicativo e cômico: tudo aquilo que eu não era.

Muitos atores, no processo de concepção de um personagem, levam em conta

tanto as falas a serem decoradas e o seu perfil psicológico quanto a história de vida que

levou o personagem a assumir determinadas características. O fato de João Grilo ser um

matuto manipulador se devia, pelo menos em parte, à sua infância sofrida, à fome e às

necessidades que passou no decurso de sua vida, ao fato de ter sido vítima de

preconceito pela sua origem. O autor da peça, Ariano Suassuna, certamente desejava

também revelar a história do próprio povo nordestino por meio da história do

personagem. Tudo isso deve ser levado em consideração na concepção de um

personagem e fatalmente influencia, corporal e mentalmente, o ator durante sua atuação.

Percebi que, para atuar, não bastava adequar voz e expressão corporal; para a atuação

ser convincente, era necessário também pensar, mesmo que fosse, por alguns instantes,

da forma como o personagem pensava. Trata-se de um trabalho que exige sensibilidade

e imaginação.

Após o Auto da Compadecida, houve outros personagens desafiadores. Por dois

anos consecutivos (1994 e 1995), participei, com meus colegas do grupo de teatro

escolar, de esquetes2 preparadas por nós mesmos para fazer a abertura de um evento

tradicional em Colatina, o Círculo Trentino d’ Itália, oportunidade na qual interpretei

personagens infantis. Em 1994, preparamos uma peça em comemoração ao Dia das

Mães, na qual interpretei um personagem usuário de drogas. Em 1996, a pedido de uma

2 Termo derivado do inglês, sketch, que no meio artístico refere-se a pequenas peças ou cenas dramáticas de curta duração.

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empresa local, ensaiamos Segura a onda, uma peça teatral com duração de 30 minutos.

O objetivo era expor para o público (composto pelos funcionários da empresa) alguns

fundamentos da segurança no trabalho e prevenção de acidentes. A personagem que

interpretei era um funcionário com traços de comicidade, o qual vivia alcoolizado.

Em cada atuação, estava presente o constante desafio de superar os limites do

ator quando interpreta. O contato com o teatro possibilitou que eu ficasse mais bem

informado sobre os espetáculos, ainda que raros, que ocorriam em Colatina e me

oportunizou assistir a várias apresentações, tanto de grupos profissionais como de

amadores. Também me fez questionar quanto tudo isso afetava minha formação.

Desde o ensino médio, gradativamente passei a me envolver em grupos de teatro

amador da cidade e também a fazer outras oficinas que eram oferecidas à comunidade.

Dentre essas oficinas, merecem destaque as realizadas com os atores e autores

capixabas Milson Henriques e, posteriormente, com Eliezer de Almeida. A oficina de

Eliezer foi finalizada com a criação, para comemoração do Natal de 1996, de

Circonvite, peça de 40 minutos de duração na qual interpretei um menor abandonado.

Entre 1998 e 2001, realizei a graduação em Administração. Ao longo do curso,

utilizei o teatro nas apresentações dos trabalhos propostos pelos professores e obtive

bons resultados. Com base nos conteúdos que deviam ser explicados nas apresentações

dos trabalhos, eu elaborava um texto teatral que abordava os assuntos, os quais

encenava com os colegas da turma. Por exemplo, o professor da disciplina Matemática

havia proposto para a turma um trabalho em grupo sobre o livro O Homem que

calculava, de Malba Tahan. Elaborei, para a apresentação desse trabalho, uma esquete

com duração de 15 minutos que abordava uma cena de Telassim e Beremiz,

personagens principais da obra.

Na disciplina de Administração de Recursos Materiais e Patrimoniais, produzi a

peça Você não soube ARMAP, na qual eu e meus colegas interpretávamos personagens

que explicavam as vantagens e desvantagens da padronização no meio industrial, que

era o tema do trabalho. Para apresentar um trabalho da disciplina Psicologia nas

Organizações, escrevi e produzi Relacionando humanos, uma peça com 30 minutos de

duração. Percebi que os colegas de turma assistiam a tais apresentações de trabalho com

maior interesse, e os próprios professores, além de elogiarem a iniciativa, passaram a

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me convidar para organizar esquetes com os alunos para seminários e palestras.

Aceitando um desses convites, em 2000, escrevi Conte comigo, esquete com 15 minutos

de duração, destinada à abertura da Semana de Contabilidade. A peça tratava sobre as

mudanças no perfil do profissional em Contabilidade. No mesmo ano, preparei para a

Semana de Administração outra esquete sobre os desafios da área de vendas,

denominada Deseja alguma coisa?

Durante o período do curso superior, trabalhei como professor de informática em

uma escola privada, na cidade de Colatina. Ter compreendido a atividade docente como

uma forma de atuação teatral possivelmente favoreceu meu trabalho. Na qualidade de

professor, numa sala de aula assumi posturas e comportamentos não comuns em meu

cotidiano, o que se assemelha ao trabalho do ator. Além disso, a satisfação obtida no

teatro legítimo era parcialmente atendida no exercício da docência. Essa visão,

associada aos meus conhecimentos de informática, favoreceu meu desempenho em sala

de aula: além de dominar o conteúdo a ser explicado, sabia como demonstrar esse

domínio. Tais aspectos tornaram possível a realização de um trabalho mais bem

qualificado, a partir do qual os problemas eram devidamente encarados e resolvidos em

parceria com a instituição e os próprios alunos.

Entretanto, com a complexidade de alguns conteúdos, encontrei alguns

obstáculos em virtude de minha falta de conhecimento didático. O principal foi a

percepção de que eu não conseguia atingir a todos os alunos. A maioria dos alunos

demonstrava compreender o que era explicado por meio das atividades propostas em

aula; entretanto, havia aqueles para os quais minhas explicações não eram suficientes; e

ainda aqueles que compreendiam, mas que não apresentavam aprendizagem

conservativa. Essas percepções me fizeram sentir a necessidade de buscar uma

formação profissional na área da educação, de modo que, em 2002, iniciei uma pós-

graduação em Psicopedagogia. A abordagem do curso era centrada na prática de ensino

e me auxiliou muito a compreender as dificuldades de aprendizagem e alternativas para

auxiliar o educando a superá-las. O tema do trabalho de conclusão de curso de

especialização foi O teatro como ferramenta pedagógica aplicada ao desenvolvimento

humano. A referida pesquisa consistiu em analisar como o teatro foi apropriado pela

educação no decorrer da História (na Grécia Antiga, Idade Média e atualidade), por

meio do estudo do teatro na educação infantil, pela mediação dos pressupostos teóricos

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de Vygotsky. Por intermédio da monografia, defini uma clara ligação entre o

aprendizado social, defendido por Vygotsky, e o teatro como uma possibilidade prática.

Esse autor defendia a ideia de que a imitação de seres e coisas por parte da criança era

necessária para que ela se entendesse como sujeito e compreendesse o mundo ao seu

redor. Essa constatação foi uma das premissas que fundamentaram uma proposta

pedagógica baseada em jogos dramáticos e no teatro, para que a criança tivesse a

oportunidade de vivenciar a experiência da imitação.

A inauguração do Teatro Marista de Colatina parece ter estimulado a visita de

grupos de teatro profissional a Colatina. Em 19 de agosto de 2001, o teatro foi

inaugurado com a apresentação da peça Crimes delicados, de autoria de José Antônio de

Souza, estrelado pelos atores Nicette Bruno e Paulo Goulart. Pude prestigiar a comédia,

que agradou ao público3 a ponto de tê-la aplaudido de pé. Em dezembro de 2003,

ocorreu o VI Festival Capixaba de Teatro realizado em Colatina. Na época, eu era

diretor da Companhia Teatral Ação e Expressão e recebi o convite para apresentar a

peça Esculápia, de Roney Cavalcante4. A participação do grupo no festival foi muito

gratificante, pois, além da apresentação, ainda passamos a ter uma parceria com o

Grupo Teatral Gota Pó e Poeira, da cidade de Guaçuí (ES). Em novembro de 2004, a

convite do próprio grupo, prestigiei o V Festival Nacional de Teatro de Guaçuí, no qual

assisti a vários espetáculos (Duas Luas, Bumba Meu Boi, Juntado com Fé... Casado é!,

A Farsa do Bumba Meu Boi e Flautista de Hamelin) e participei das oficinas Corpo em

Movimento e Comedia Dell’ Arte.

Em abril de 2005, fui convidado pelo Centro de Estudos Supletivos Pedro

Antônio Vitali para conduzir uma oficina, com quatro horas de duração, na Semana

Cultural da escola. O intuito da oficina era fazer a direção dos alunos em uma peça

sobre educação para o trânsito, denominada Onde vocês pensam que vão?, que foi

apresentada em 29 de abril de 2005. Em setembro, do mesmo ano, uma escola pública

de Colatina convidou-me para conduzir uma oficina de teatro para crianças em risco 3 O que, obviamente, não significa que, a respeito de crítica, seja uma boa peça. Dependendo da definição de obra de arte autêntica a ser considerada, notamos que o que o público gosta ou considera agradável, não necessariamente pode ser considerado arte. Esses fundamentos serão analisados no decorrer deste trabalho. 4 Peça baseada nas comédias paliatas dos dramaturgos romanos Plauto (224 a.C. - 182 a.C.) e Terêncio (192 a.C. - 145 a.C.). Trata-se de um tipo de comédia romana muito popular entre os séculos I e II a.C. Suas características principais são a ambientação na Grécia, o palavreado obsceno e o envolvimento de temas da vida privada, especialmente o amor.

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social (de 7 a 11 anos). A duração da oficina foi de três meses, com um encontro por

semana de duas horas. A proposta foi trabalhar em cada encontro uma habilidade

específica – como voz, dicção, expressão corporal e expressão facial, concepção de

personagem, improvisação, relaxamento – para, ao final, ser montado um pequeno

espetáculo de teatro infantil a ser apresentado para a comunidade escolar.

O resultado dessa oficina foi a montagem de uma esquete com 15 minutos de

duração, baseada no teatro espontâneo de J. L. Moreno. Não havia falas a serem

decoradas. Os jovens atores apenas conheciam as cenas e situações que deveriam

desenrolar-se, de modo que a peça se desenvolvia de forma improvisada. A esquete foi

apresentada para todos os alunos da escola, e os resultados foram atingidos conforme o

planejado. Foi notório o entusiasmo dos alunos participantes, a sinergia entre eles e a

forma de se expressar mais espontânea. Essas percepções, que pude obter na experiência

com os alunos, me fizeram constatar a validade das conclusões obtidas no trabalho

monográfico da pós-graduação.

Em 2006, em virtude de ser aprovado no concurso público para assistente em

administração do Ifes/campus São Mateus (ES), mudei minha residência para a cidade

de São Mateus, onde fui responsável pelo Setor de Licitações e Compras da unidade até

2009, ocasião em que fui transferido para o Ifes/campus Colatina para atuar no mesmo

setor. Durante o período em que vivi em São Mateus, fui contratado como professor de

Sistemas de Informações da Faculdade Vale do Cricaré, uma instituição de ensino

superior privada. Na oportunidade, ministrei disciplinas relacionadas às áreas de

informática e administração para os cursos superiores de Administração e Pedagogia.

Até então, minha experiência docente havia sido com assuntos de cunho

predominantemente prático, enquanto as ementas dos cursos superiores envolviam

principalmente conteúdos estritamente teóricos. Entretanto, pude contar com o apoio de

outros professores e das pedagogas da instituição para adequar meu perfil às novas

exigências. Meu primeiro ano enquanto professor universitário representou um período

de adaptação à docência no ensino superior; entretanto, nos outros dois anos, foi

gratificante observar meu amadurecimento profissional e também o crescente respeito

por parte dos alunos. O período vivido em São Mateus caracterizou-se também pelo

meu abandono ao teatro: as exigências das duas funções – professor universitário e o

cargo de chefia no Ifes – consumiam todo o meu tempo.

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No final de 2009, em virtude de a direção do Ifes/campus Colatina (ES) precisar

estruturar o Setor de Licitações e Compras, fui transferido do campus São Mateus para

o campus Colatina. Apesar de isso me obrigar a deixar a Faculdade Vale do Cricaré, a

satisfação em retornar à cidade natal e novamente conviver com minha família foi

altamente compensatória para mim.

No Ifes/campus Colatina, de 2009 a 2011, continuei no exercício do cargo de

chefia do Setor de Licitações e Compras. Com a abertura do processo seletivo do

MINTER5, vislumbrei a oportunidade de obter uma sólida qualificação que pudesse

viabilizar meu retorno à área docente, fosse no próprio Ifes, fosse em outras instituições

de ensino da cidade. Assim como ocorreu com o tema escolhido para o trabalho de

conclusão de curso de especialização, optei, para a dissertação do mestrado, por dar

continuidade às pesquisas sobre o diálogo entre o teatro e a educação.

Cabe destacar que a relação entre teatro e educação é um tema que, aos poucos,

passa a ocupar lugar na pesquisa educacional brasileira. Para ilustrar essa afirmação,

recorremos a alguns dados relativos a artigos publicados em periódicos, trabalhos

apresentados em eventos, teses e dissertações sobre o assunto.

O critério para a escolha dos periódicos levou em consideração aqueles que

apresentam uma produção mais expressiva a respeito da temática, a saber: Pro-

Posições6 e Educação em Revista7, pois são revistas bem qualificadas na avaliação

Qualis, realizada pela Capes.

5 Os projetos de Mestrado Interinstitucional (MINTER) têm como objetivo permitir a utilização da competência de programas de pós-graduação bem avaliados e reconhecidos pelo CNE/MEC para viabilizar a formação de mestres fora dos centros mais consolidados de ensino e pesquisa. No caso específico do MINTER 2011, a instituição promotora é o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), e a unidade receptora é o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). 6 Pro-Posições surgiu em 1990, com o intuito de divulgar a produção acadêmica da área da Educação. Trata-se de uma publicação quadrimestral da Faculdade de Educação (FE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com excelente qualificação perante a Capes: desde 2003, sua classificação é Qualis A1. Cada edição apresenta dossiês temáticos e seções com artigos de áreas diversas à do dossiê, além de resenhas e traduções. Desde setembro de 2008, a revista foi admitida pelo portal acadêmico SciELO, cujos artigos passaram a apresentar versão eletrônica. 7 Educação em Revista é um periódico acadêmico da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Publicada desde 1985, é reconhecida como uma das mais conceituadas revistas acadêmicas brasileiras, sendo avaliada como Qualis A1 pela Capes. Com periodicidade semestral, a Educação em Revista também apresenta dossiês com temáticas variadas, tais como sexualidade, currículo, psicanálise e educação, entre outros, e seções para artigos com temas diversos ao do dossiê. Desde 2007, os volumes encontram-se disponíveis no portal SciELO.

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Selecionamos, entre os artigos publicados desde a data da primeira digitalização

de cada revista, os disponíveis nos respectivos endereços eletrônicos. Ao buscar o termo

teatro no título, palavras-chave e resumo dos artigos publicados, encontramos quatro

textos, assim distribuídos:

· Entre 2008 e 2011, a revista Pro-posições publicou, no portal SciELO, 121

artigos distribuídos em 12 edições, dos quais dois abordam temas

relacionados ao teatro na educação; no caso, Experimentar, devir, contagiar:

o que pode um corpo? (KASPER, 2009) e A arte na formação de

professores de crianças de todas as idades: o teatro é um conto vivo

(FRABBETTI, 2011);

· Com versão eletrônica no SciELO desde 2007, a revista Educação em

Revista apresenta nesse portal 170 artigos distribuídos em 12 edições, dos

quais dois abordam temas relacionados ao teatro na educação; no caso,

Espaço Inventado: o teatro pós-dramático na escola (ANDRÉ, 2008) e A

arte do encontro: a educação estética atuando com o teatro do oprimido

(SILVEIRA, 2009).

A tabela 1 (Tb1) apresenta alguns detalhes desses artigos, referentes aos títulos,

revista ou evento, e ano de publicação:

Tabela 1 – Distribuição dos artigos por veículo e ano de publicação

MEIO TÍTULO DO ARTIGO AUTOR ANO

Pro-Posições

Experimentar, devir, contagiar: o que pode um corpo? KASPER, Kátia Maria 2009

A arte na formação de professores de crianças de todas as idades: o teatro é um conto vivo

FRABBETTI, Roberto 2011

Educação em Revista

Espaço inventado: o teatro pós-dramático na escola

ANDRÉ, Carmina Mendes 2008

A arte do encontro: a educação estética ambiental atuando com o teatro do oprimido

SILVEIRA, Eduardo 2009

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Se considerada apenas a produção acadêmica materializada nos veículos

pesquisados, a presença da discussão sobre o teatro e suas relações com a educação é

relativamente comum. Enquanto Kasper (2009), André (2008) e Silveira (2009)

realizam pesquisas teóricas, Frabetti (2011) faz um relato de experiência.

Dentre os tipos de pesquisa empregados, a predominante foi a pesquisa

bibliográfica, aplicada em três dos artigos. Apenas um trabalho se baseia em um

teatrólogo: Silveira (2009) faz do brasileiro Augusto Boal sua referência. Porém,

prevaleceu a utilização de quadros teóricos baseados em filósofos, em especial os

vinculados ao pós-estruturalista (como Foucault, Guatarri e Deleuze), seguidos por

aqueles da tradição fenomenológica (Merleau-Ponty e Dufrenne).Vejamos, na relação

abaixo, os principais autores e a quantidade de trabalhos relacionada a cada um deles:

Tabela 2 – Quantidade de trabalhos por quadro teórico

AUTOR TRABALHOS QUE O REFERENCIAM

Michel Foucault 2

Friedrich Nietzsche 1

Augusto Boal 1

Félix Guattari 1

Gilles Deleuze 1

Maurice Merleau-Ponty 1

MikelDufrenne 1

Peters (2000) afirma que o pós-estruturalismo é uma resposta filosófica que

começa na França, no início de 1960, marcado pelo questionamento radical do sujeito

humanista, reação ao hegelianismo, crítica da razão e dos valores iluministas, entre

outros. Lembramos que, de acordo com Silva (2000), o pós-estruturalismo nomeia um

amplo grupo de teorias que ampliam e modificam análises estruturalistas. A ênfase

estruturalista nos processos linguísticos e discursivos é mantida, mas sem a preocupação

com estruturas e processos fixos e rígidos de significação: “Para a teorização pós-

estruturalista, o processo de significação é incerto, indeterminado e instável” (SILVA,

2000, p. 93).

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Com o mesmo procedimento empregado em relação às revistas, selecionamos o

termo teatro no título, palavras-chave e resumo das comunicações apresentadas na

ANPED. Devido à maior afinidade com nosso tema, optou-se por pesquisar as suas

reuniões do período de 2007 a 2011, por coincidir com a criação do Grupo de Trabalho

GT 24 (Educação e Arte), que, até 2008, correspondia ao Grupo de Estudo 1 (Educação

e Arte). Desde 2009, o GE 1 passou a corresponder ao GT 24 Educação e Arte.

No período em que ainda era um Grupo de Estudo (2007 a 2008), encontramos

oito trabalhos sobre teatro e educação. Não encontramos trabalhos de 2008 a 2011 sobre

o teatro e a educação no GT 24. De 92 trabalhos apresentados no GE 1 e no GT 24,

aqueles que tratam da relação entre educação e trabalho circunscrevem-se

temporalmente a 2007 e 2008 e atingem o percentual de 8,7%. Os referidos textos

encontram-se listados na tabela 3 (Tb3).

Tabela 3 – Distribuição dos trabalhos da ANPED sobre teatro e educação (GE 1)

TÍTULO AUTOR ANO

O jogo teatral na escola: reflexões sobre uma prática pedagógica emancipatória e suas contribuições para construção do sujeito histórico

SILVEIRA, Fabiane Tejada 2007

Sobre o sentido das práticas do teatro no meio escolar SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos 2007

Teatro na escola: cultura e imagens do corpo no processo educativo THOMAZ, Sueli Barbosa 2007

Pedagogia teatral como cuidado de si: problematizações na companhia de Foucault e Stanislavski

ICLE, Gilberto 2007

Perspectivas do jogo teatral como componente curricular na graduação em teatro da Universidade Federal de Uberlândia

CAMPOS, Vilma 2007

Pode o teatro dizer a verdade? ICLE, Gilberto 2008

Caminhos percorridos por uma pesquisa com o teatro na escola... aprendendo a aprender e a interagir com o outro

SILVEIRA, Fabiane Tejada 2008

O professor de teatro no exercício da docência refletida SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos 2008

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Se comparados aos artigos dos periódicos, observamos uma diferença menor

entre os tipos de pesquisa encontrados: quatro trabalhos representam pesquisas teóricas,

enquanto os outros quatro envolvem trabalhos empíricos, dos quais três são baseados

em observação participante e um em estudo de caso.

Percebe-se também a utilização de quadros teóricos mais variados que envolvem

desde os autores já amplamente utilizados no campo da educação, com destaque para

Paulo Freire, até teatrólogos e dramaturgos, como Viola Spolin, Beltold Brecht e

Stanislavki. Destaca-se que os aportes teóricos com autores de outras áreas do

conhecimento também foram encontrados, embora não de forma significativa. A relação

abaixo apresenta os principais autores e a quantidade de trabalhos relacionada a cada

um deles.

Tabela 4 – Quantidade de trabalhos da ANPED por quadro teórico

AUTOR TRABALHOS QUE O REFERENCIAM

Paulo Freire 4

Viola Spolin 3

Constantin Stanislavski 2

Michel Foucault 2

Bertold Brecht 1

Jean Piaget 1

L. S. Vygotsky 1

Mikhail Bakhtin 1

Theodor W. Adorno 1

Quanto ao levantamento das teses e dissertações, optamos por pesquisar no

Banco de Teses do Portal Capes8, onde foram encontrados 52.807 trabalhos referentes

ao campo da educação, sendo 9.200 teses e 43.607 dissertações. Por meio do gráfico 1,

8 O banco de teses da Capes possui mais de 460 mil resumos com informações bibliográficas de dissertações de mestrado e de teses de doutorado defendidas em todo o país. O sistema apresenta uma ferramenta de busca e consulta de resumos relativos a teses e dissertações defendidas desde 1987. As informações são fornecidas diretamente à Capes pelos programas de pós-graduação, que se responsabilizam pela veracidade dos dados.

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é possível visualizar os percentuais correspondentes a esses quantitativos. Entre os

trabalhos da área da educação, 524 tratam da temática educação e teatro, sendo 424

dissertações e 100 teses (gráfico 2).

Gráfico 1 – Trabalhos da área da educação no banco de teses da Capes

Gráfico 2 – Trabalhos da área da educação com temas relacionados ao teatro

Nesse conjunto de trabalhos sobre teatro e educação, apenas um aborda,

especificamente, a catarse – a título de curiosidade, esse trabalho faz uso do aporte

teórico de Vygotsky (gráfico 3). Isso significa que não foram encontrados trabalhos que

tratassem das relações entre teatro, educação e catarse com o aporte teórico oferecido

pela Teoria Crítica da Sociedade.

Gráfico 3 – Trabalhos da área da educação sobre teatro e catarse

2,00%9,48%

88,52%

Educação (teses)

Educação (dissertações)

Outras áreas

0,19% 0,80%

99,02%

Teatro (teses)

Teatro (dissertações)

Outros temas

0,19%

99,81%

TeatroOutras temas

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Não obstante, é natural averiguar se existem ocorrências de autores cujos

trabalhos sobre teatro e educação fazem referência à Teoria Crítica da Sociedade,

mesmo que não abordem o conceito de catarse. Com base nesse critério, foram

encontrados 12 trabalhos (dez dissertações e duas teses) visualizados no gráfico 4.

Observou-se que sete desses trabalhos têm como fundamentação as reflexões de Walter

Benjamin (seis dissertações e uma tese) e cinco em Adorno (quatro dissertações e uma

tese). Entretanto, nenhum dos autores desses trabalhos trata especificamente do efeito

catártico proporcionado pelo teatro.

Gráfico 4 – Trabalhos da área da educação sobre o teatro e com o aporte da Teoria Crítica da Sociedade.

Como se percebe, com base nos artigos publicados nas revistas, nos trabalhos

apresentados na ANPED e nas teses e dissertações, nota-se que a relação entre teatro e

educação é um tema que tem se tornado familiar aos estudos acadêmicos no campo da

educação, mas ainda incipiente. Essa constatação reforça a manutenção do tema teatro e

educação tal como realizei na monografia do curso de especialização.

No entanto, diferentemente do trabalho monográfico realizado anos atrás, a

abordagem desta pesquisa de mestrado passou por um deslocamento. A temática

continua sendo a mesma, ou seja, a aproximação/relação entre teatro e educação.

Contudo, o aporte teórico será baseado na Teoria Crítica da Sociedade9, mais conhecida

por Escola de Frankfurt. E quais seriam as razões desse deslocamento?

9A Teoria Crítica da Sociedade denomina os estudos dos filósofos da Escola de Frankfurt e surgiu no início do século XX, na Alemanha. Seus pensadores dão enfoques filosóficos aos fenômenos políticos, econômicos, culturais e sociais.

0,38% 1,91%

97,71%

Teses

Dissertações

Outros aportes

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A primeira razão refere-se à constatação de que nenhum dos artigos publicados

nos periódicos Pro-posições e Educação em revista tem como fundamentação a Teoria

Crítica da Sociedade. No caso dos trabalhos sobre teatro e educação apresentados na

ANPED, no período de 2007 a 2011, quase são nulos os que se fundamentam na Teoria

Crítica da Sociedade.

Apenas o artigo O jogo teatral na escola: reflexões sobre uma prática

pedagógica emancipatória e suas contribuições para construção do sujeito histórico

(SILVEIRA, 2007) faz referência à Teoria Crítica da Sociedade, com aporte em

Theodor Adorno. A autora fundamenta-se em uma pesquisa bibliográfica realizada com

base em Adorno, Paulo Freire e Viola Spolin. Em Adorno, Silveira (2007) buscou

subsídios para descrever os mecanismos de controle utilizados pela sociedade capitalista

e relata, como consequências, os prejuízos para a autonomia do indivíduo. Por

intermédio de Paulo Freire, ela descobre a responsabilidade mútua que educador e

educando devem assumir enquanto sujeitos da educação, bem como na necessidade de

buscar o conhecimento que nos aprisiona e nos limita, mas que também pode nos

libertar. Com Viola Spolin, encontra uma alternativa prática de utilizar jogos dramáticos

para estimular que os indivíduos assumam papéis que revelem posturas de opressores

ou de oprimidos. Como resultado da conjugação desses três pensadores, a autora

conclui que é possível conceber um espaço para a reflexão sobre como os “papéis” que

assumimos nos jogos dramáticos – e também em nosso cotidiano – interagem na

formação da sociedade. Mais que isso, para Silveira (2007), os jogos dramáticos podem

despertar o senso crítico necessário para que nos tornemos agentes de mudança:

Experiências como essas contribuem também para o avanço da reflexão sobre métodos e práticas de ensino que promovem espaços para o debate sobre a transformação social. A atividade teatral faz vir à superfície a reflexão sobre si e o outro, é o início de uma tomada de consciência necessária à construção de uma sociedade melhor (SILVEIRA, 2007, p. 11).

Percebe-se, portanto, que é embrionário o vínculo das pesquisas sobre teatro e

educação com a tradição da Escola de Frankfurt. Essa lacuna identificada na produção

acadêmica nos motiva a explorar esse caminho na tentativa de trazer contribuições para

o aprofundamento do tema em questão.

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Entretanto, há uma segunda razão para realizarmos o deslocamento no

referencial teórico em relação ao estudo que já realizamos. Para Theodor Adorno10, um

dos principais representantes da Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica da Sociedade, a

sociedade capitalista, seja pelo Estado, seja pelos conglomerados empresariais, tende

cada vez mais a administrar a existência individual e coletiva com fins de atender às

demandas do sistema (ADORNO, 2002). Isso ocorre pela expansão da lógica da

mercadoria para todos os âmbitos sociais, inclusive para o universo das manifestações

artístico-culturais.

Theodor Adorno e Max Horkheimer cunharam o termo indústria cultural,

presente em Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos (1985), para se referir

ao caráter manipulador dos diversos meios voltados para o entretenimento (tais como

imagens, sons, textos utilizados pelos meios de comunicação de massa) sobre os

indivíduos. Nesse contexto, as obras de arte, por exemplo, transformam-se em meros

produtos a serem comercializados. A possibilidade de uma fruição livre de interesses

imediatos se dobra à lógica do mercado. As obras de arte passam a ser valorizadas em

função do consumo – do valor de troca –, da ostentação, da informação imediata, do

prestígio, da propaganda.

Dessa maneira, por exemplo, o teatro perde sua dignidade de fruição tendo em

vista o desenvolvimento cultural amplo do ser humano e passa a ser visto como um

meio, um instrumento para alcançar objetivos imediatos: melhorar uma aula, motivar

trabalhadores, facilitar a aprendizagem de um conteúdo, desenvolver a atenção e

criatividade. Inflar essa compreensão do teatro apenas como ferramenta expressa uma

relação instrumental com essa manifestação artística. Desse modo, há um risco de o

teatro limitar-se, no ambiente educacional, a um mero instrumento didático com fins

utilitários e pragmáticos que acabem por reforçar a lógica da mercadoria, típica da

sociedade administrada11.

10 Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969) nasceu Frankfurt (Alemanha) e foi um dos principais expoentes da Teoria Crítica da Sociedade. 11 O conceito de sociedade administrada foi usado por diversos autores da Teoria Crítica da Sociedade para definir a sociedade capitalista. O termo pressupõe o uso de diversas formas de controle para impor a ordem social vigente, bloquear a emancipação e promover a mercantilização da produção material e espiritual.

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Diante dessa consideração, é natural indagar se minha vivência com as artes

cênicas, bem como os trabalhos desenvolvidos com base em tal vivência, em vez de

contribuir para uma formação autônoma, como indivíduo, apenas me instigaram a

reproduzir a ordem social vigente. Assim, após o desenvolvimento de trabalhos que

atestaram a viabilidade do teatro na educação como instrumento de aprendizagem, um

avanço interessante talvez seja compreender se o teatro pode ir além disso, ou seja,

tomar o teatro como uma experiência formativa crítica.

Por esse motivo, o foco desta investigação reside em processos educativos

propiciados pelo teatro. Em outros termos, argumenta-se pelo fazer pedagógico do

espetáculo teatral. O sentido de educação é lato, de tal maneira que permite pensar o

acesso ao teatro como uma experiência educativa. Portanto, mais do que tratar o teatro

na educação, o desafio desta dissertação é abordar o teatro como educação.

Contudo, é possível afirmar que os processos educativos são variados e apontam

diferentes horizontes políticos. Isso se reflete em concepções pedagógicas distintas.

Saviani (2008) explica que, além das concepções pedagógicas predominantes na

atualidade, tais como as pedagogias tradicional, moderna e produtivista, existem

concepções pedagógicas contra-hegemônicas que diferem das predominantes por

atribuir à educação a função de auxiliar na transformação da ordem vigente, pois visa a

instaurar uma nova forma de sociedade. Nesse contexto, em virtude da grande

proximidade com o aporte teórico utilizado nesta pesquisa, destacamos a contribuição

de Saviani (2008) sobre a pedagogia histórico-crítica, ao defini-la como

[...] um método pedagógico que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e no encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2008, p. 185).

Partimos do pressuposto que o acesso ao teatro tem condições de promover uma

experiência educativa. Porém, tendo em vista a diferença apontada por Saviani,

indagamos: sob quais condições o teatro passa a ter uma força pedagógica contra-

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hegemônica, isto é, assume-se como experiência educativa crítica? Indaga-se, portanto,

se é possível, a partir do aporte teórico da Teoria Crítica da Sociedade, de o teatro

inspirar uma formação a contrapelo dos ditames educacionais vinculados à lógica do

mercado.

Ao afastar uma compreensão instrumentalista do teatro como ferramenta

pedagógica, esta pesquisa tem como objetivo geral contribuir para estreitar os laços

entre arte e educação, com base em um horizonte político-pedagógico respaldado na

Teoria Crítica da Sociedade, que não apenas aposte, mas trabalhe para a criação das

possibilidades que efetivem a formação de sujeitos autônomos e emancipados capazes

de construir uma sociedade verdadeiramente democrática.

Ao definir como referência de um estudo a Teoria Crítica da Sociedade, em

especial as reflexões estéticas de Theodor Adorno, é mister enfrentar uma formulação

recorrente: não teria sido Adorno um pessimista em relação às manifestações culturais e

a possibilidade de emancipação? De fato, em alguns textos de Adorno, por exemplo, o

que compõe um capítulo da obra Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos

referente à indústria cultural, é possível encontrar trechos que transmitam a sensação de

que Adorno desconfia das possibilidades culturais encontradas na sociedade, tais como:

A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.119).

Ora, tais comentários, se tomados isoladamente, sem considerar a obra de

Adorno em sua totalidade, podem assemelhar-se à manifestação de traços pessimistas.

Essa noção de totalidade é importante para que se compreenda a obra de Adorno e

também para que pesquisadores identifiquem o estilo linguístico do filósofo

frankfurtiano, bem como a metodologia empregada por Adorno para manifestar suas

ideias. Duarte (2006)12 explica que muitos trechos de maior impacto do filósofo são, na

12 DUARTE, Rodrigo. Autenticidade em tempos de regressão: Adorno e os compromissos entre a racionalidade e o mito. Palestra proferida para o programa televisivo Café Filosófico CPFL/SP, em 14 nov. 2006. Acessado em: 15/04/2013. Disponível em: http://www.cpflcultura.com.br/2008/12/26/autenticidade-em-tempos-de-regressao-adorno-e-os-compromissos-entre-a-racionalidade-e-o-mito

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verdade, expressão filosófica (DUARTE, 2006) para revelar possibilidades críticas, ou

seja, situações problemáticas que podem chegar às últimas consequências, mesmo que a

possibilidade de acontecer factualmente seja remota. Trata-se de um meio de expressar

tendências que talvez nunca ocorram, mas que devem ser alertadas (DUARTE, 2006).

Duas frases representativas desse recurso linguístico são “Toda cultura após Auschwitz

é lixo” e “Depois de Auschwitz é impossível escrever um poema” (ADORNO citado

por DUARTE, 2006). Duarte (2006) recorre a esses pensamentos para exemplificar

como a expressão pode ser um método de filosofar. Para o comentador, Adorno

utilizou-se de frases de tamanho impacto não para condenar toda obra de arte literária

pós-guerra, e sim para explicitar a extrema gravidade da desumanidade ocorrida.

Adorno utilizou-se de expressões semelhantes, ao criticar o cinema

hollywoodiano. Segundo Loureiro (2010), vários aforismos presentes em sua obra

Minima moralia são usados por comentadores para dar suporte à defesa da ideia de um

Adorno pessimista, especialmente, com relação ao cinema. Nessa obra, Adorno afirma,

por exemplo, que “[...] de cada ida ao cinema, apesar de todo cuidado e atenção, saio

cada vez mais estúpido e pior” (ADORNO citado por LOUREIRO, 2010, p. 61) e ainda

que “[...] quanto mais um filme pretende ser arte, tanto mais inautêntico ele se torna”

(ADORNO citado por LOUREIRO, 2010, p. 61). Trata-se de fragmentos que, se

tomados isoladamente, fora do contexto geral ou mesmo de outras reflexões do autor,

tendem a expressar uma imagem de que Adorno fora realmente avesso ao cinema em

geral. Todavia, essa imagem é facilmente desfeita mediante uma leitura mais abrangente

e atenta de sua obra, conforme afirma Loureiro (2010): [...] mesmo tendo sido um cáustico crítico do cinema, é um equivoco concluir, in totum, que Adorno não tenha percebido ou mesmo valorizado as contradições imanentes a esse meio da indústria cultural. A pressa na análise pode redundar tanto em inferências negativistas, dando a entender que Adorno não teria admirado nenhuma obra fílmica, como também posturas equivocadas, do ponto de vista de uma análise acurada da sua obra (ADORNO citado por LOUREIRO, 2010, p. 61).

Com relação à forma de escrita, as expressões relatadas por Duarte (2006) e os

argumentos de Loureiro (2010) refletem a opção que Adorno fez por adotar uma

abordagem baseada na própria expressão, que não se constitui como teses (se o fosse,

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apresentaria desenvolvimento argumentativo diferente), mas sim, figuras de expressão

para tocar o leitor (DUARTE, 2006).

Feitas essas observações acerca da forma adorniana de se expressar, em muitos

de seus textos, cabe ainda ressaltar, sobre a Dialética do Esclarecimento: fragmentos

filosóficos, que os autores se preocuparam em analisar com base em sólidos referenciais

teóricos vinculados à tradição filosófica alemã, à sociologia mais avançada da época e

também à teoria psicanalítica. Além da análise acurada, há a descrição das nuances que

caracterizam a forma de ser e estar nesta sociedade.

Curiosamente, Adorno e Horkheimer posteriormente identificaram como

potencialmente inadequados alguns trechos de sua obra conjunta Dialética do

esclarecimento: fragmentos filosóficos. Segundo Barbosa (2004), “Adorno &

Horkheimer, nas notas à nova edição alemã, datadas de abril de 1969 [...], informam que

não foram retocadas nem mesmo as passagens manifestamente inadequadas”

(HORKHEIMER, ADORNO citados por BARBOSA, 2004, p. 10). Os filósofos

frankfurtianos argumentam que essa foi a forma que encontraram de tentar conservar a

liberdade que ainda existe e resistir aos apelos de um mundo cada vez mais

administrado: “A ideia de que hoje importa mais conservar a liberdade, ampliá-la e

desdobrá-la, em vez de acelerar, ainda que indiretamente, a marcha em direção ao

mundo administrado, é algo que também exprimimos em nossos escritos ulteriores”

(HORKHEIMER, ADORNO citados por BARBOSA, 2004, p. 10).

Ainda assim, a leitura mais apurada da obra demonstra que a visão pessimista

tende a ser desfeita. Um exemplo disso decorre da defesa de Adorno em que a absorção

de procedimentos técnicos próprios da era industrial pode não afetar a arte autêntica,

desde que estes procedimentos permaneçam externos à obra (HORKHEIMER;

ADORNO, 1985, p. 327). Isso implica dizer que a arte autêntica é possível e sobrevive

na sociedade contemporânea. Também contribui para desfazer qualquer alusão

reducionista, ao suposto pessimismo dos autores, que julgue que a cultura na atualidade

está absolutamente destruída ou deturpada.

Barbosa (2004) baseia-se em Rudiger para demonstrar as razões pelas quais não

é coerente tratar Adorno como um autor pessimista: “Ao contrário da ideia taxativa e

preconceituosa a respeito de alguns textos de Adorno, caracterizando-o como o

pessimista de Frankfurt, Rudiger (1999) nos apresenta um outro Adorno, que, em seus

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textos mais recentes, do final da década de 1960, defende que nem tudo está totalmente

reificado” (BARBOSA, 2004, p. 10). Fundamentado em Rudiger, Barbosa (2004)

explica que, por mais que o indivíduo viva em uma sociedade totalizadora e imponente,

ele nunca é totalmente dominado por ela. A autora ressalta:

A perspectiva adorniana, segundo Rudiger, é de que a indústria cultural aliena, distrai, manipula, mas por outro lado, jamais aliena totalmente, pois a subjetividade do indivíduo jamais se deixa reificar por completo. Diante da ideologia veiculada pelos meios de comunicação de massa, diante dos bens culturais produzidos pela indústria cultural e veiculados pela mídia, alguns homens aceitam o produto veiculado, outros se conformam e ainda há aqueles que conseguem enxergar sem ilusão a realidade (BARBOSA, 2004, p. 11).

Como afirma Barbosa (2004), com base em Rudiger, Adorno, em seus trabalhos

mais recentes, apresentou um posicionamento notoriamente favorável à educação

formal, vista pelo filósofo como um potente meio de promover a emancipação da

humanidade. Tais aspectos serão estudados com base em seus trabalhos que subsidiam o

Capítulo II desta dissertação. Desse modo, como um autor que se propõe a defender a

educação escolar, a partir de uma perspectiva crítica social, pode ser considerado

pessimista?

Assim, os detratores da filosofia de Adorno, que tendem a considerá-lo um autor

pessimista, com relação à cultura, normalmente recorrem a uma imagem ficcionada

montada por meio de leituras superficiais de suas primeiras obras. Como afirma Valls

(2002), [...] no Brasil Adorno continua pouco lido, enquanto os afoitos já se apressam como de costume, a declarar “superado” aquilo que ainda nem leram. Enfim, no Brasil da virada do milênio há uma certa curiosidade a respeito da chamada Escola de Frankfurt, talvez até um desejo de recuperar certa defasagem histórica, uma vez que as modas chegam até nós quando já caíram em outras regiões. Para desse interesse por Adorno será, decerto, para classificá-lo, rotulá-lo, consumi-lo rapidamente e em seguida poder esquecê-lo, buscando outras sensações ou outros sucessos [...] (VALLS, 2002, p. 9).

Cabe destacar, também, que Adorno defendeu a ideia de que a desmitificação da

realidade só pode ser alcançada mediante sua negação da aparência imediata. Trata-se

de um artifício filosófico por meio do qual o leitor pode conferir, por si mesmo, as

contradições da sociedade em que vivemos. Conforme Loureiro (2010), “[...] é preciso

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lembrar que Adorno, em última instância, acredita justamente na possibilidade da

contradição e da negatividade do exercício filosófico da arte e da própria realidade”

(LOUREIRO, 2010, p. 62).

Feitas essa breves considerações quanto à concepção recorrente e equivocada

sobre o pessimismo de Adorno, apresentamos nossa primeira hipótese de pesquisa: ao

resistir à sua adequação à lógica da mercadoria, a experiência teatral é promotora

daquilo que Adorno chamou de experiência catártica. Dessa forma, o conceito de

catarse oferece um caminho para visualizar as condições em que o teatro assume um

potencial educativo crítico.

Em Teoria Estética (1982), Adorno cita o conceito de catarse ao menos sete

vezes, em diferentes trechos. É notória, também, uma provável aproximação entre a

catarse e a sublimação: “A obra de arte em si, como algo de espiritual, torna-se o que

outrora lhe era atribuído enquanto efeito sobre outro espírito, como catarse, sublimação

da natureza” (ADORNO, 1970, p. 222).

Por conseguinte, a segunda hipótese dessa pesquisa considera que, por meio da

experiência catártica, no/com o teatro, é possível criar sólidas condições de

possibilidades para um processo de formação – Bildung13 – que vise à autonomia14 e a

emancipação, tanto individual, como coletiva. Para compreender melhor essa hipótese,

traçamos algumas reflexões em torno dessas questões.

A indústria cultural afeta toda dimensão da existência, especialmente a formação

humana. Isso é evidente e perceptível. Basta considerar a forte tendência de o senso

comum conceber o conceito de formação dos indivíduos com base, única e

exclusivamente, nas atividades que visam à aquisição de conhecimentos e

comportamentos exigidos para o exercício de uma determinada atividade profissional.

Essa visão pode ser caracterizada como um dos efeitos da própria conformação

societária, na qual há uma supervalorização da dimensão pragmático-instrumental, que

13 Termo da língua alemã que pode significar formação humana, cultura, educação ampla. Nesta dissertação será utilizado com o sentido de formação humana. 14Adorno apropriou-se de muitos fundamentos de Immanuel Kant para definir suas prerrogativas, ora concordando, ora discordando. Sobre a autonomia, Kant afirmava que a Bildung deve corresponder à passagem da heteronomia para a autonomia, o que corresponde ao exercício pleno da razão (CRUZ JUNIOR, 2010). Adorno acrescenta que essa afirmativa de Kant só é verdadeira quando levadas em conta as condições da vida humana em sociedade e a sua relação com a natureza (ADORNO, 2002, p.18).

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enfatiza os aspectos técnicos em detrimento da dimensão mais humanística da

formação. Tal perspectiva é reproduzida pelos diversos produtos da indústria cultural.

Entretanto, a formação, tal como concebida na filosofia de Adorno (1996), é

conceito radicalmente diferente da ideia de formação profissional. Ela diz respeito à

constituição da autonomia e emancipação do indivíduo em face das características

marcadamente heterônomas da sociedade. Trata-se da sua formação cultural, de uma

trajetória individual e coletiva em que o sujeito se constitui com base em uma sólida

experiência que certamente transcende aos conhecimentos meramente utilitários. Nas

palavras de Adorno,

A formação (Bildung) devia ser aquela que dissesse respeito — de uma maneira pura como seu próprio espírito — ao indivíduo livre e radicado em sua própria consciência, ainda que não tivesse deixado de atuar na sociedade e sublimasse seus impulsos (ADORNO, 1996, p. 388).

Com efeito, tal perspectiva de formação tem grande dificuldade de se

desenvolver na sociedade atual, pois, apesar de vivermos em uma época com ampla

difusão das informações, há uma grande tendência de a formação (Bildung) ser

convertida em semiformação (Halbbildung). Isso ocorre em razão do caráter fetichista15

de uma sociedade baseada nos valores do mercado (LOUREIRO; DELLA FONTE,

2003). A semiformação, no entanto, não corresponde a uma formação menor. Em geral,

ela pressupõe um nível de formação danificada que dificulta a autonomia do indivíduo e

estimula a reprodução dos processos heterônomos na sociedade. Para Adorno, o sujeito

que passou por uma experiência formativa autêntica tem melhores condições de resistir

às imposições de uma sociedade que tende a ser coercitiva e brutal. Adorno referencia

constantemente a desumanidade ocorrida em Auschwitz16 para explicar até que ponto

pode chegar o predomínio da sociedade sobre o indivíduo:

A experiência formativa, caracterizada pela difícil mediação entre o condicionamento social, o momento de adaptação, e o sentido

15 O termo fetiche foi postulado por Karl Marx – e amplamente utilizado Adorno – para se referir ao caráter fantasioso e simbólico que a mercadoria assume no sistema capitalista. A mercadoria deixa de ter um valor e significado estritamente ligado a sua utilidade, passando a ter um valor e significado estabelecido na sociedade (DUARTE, 2010, p. 61). 16 Auschwitz é um dos principais símbolos da barbárie nazifascista e do Holocausto. Designa um grupo de campos de concentração localizados no sul da Polônia criados pelo o governo alemão – então comandado por Adolf Hitler. Com o fim da Segunda Guerra Mundial (em 1945), os campos foram desativados.

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autônomo da subjetividade, o momento de resistência, rompe-se com Auschwitz, que simboliza a dominação do coletivo objetivado sobre o individual e do abstrato formal sobre o concreto empírico (ADORNO, 1995, p. 26).

A educação emancipatória, nesse contexto, assume o desafio de estimular a

formação de indivíduos autônomos, portanto críticos, emancipados e conscientes das

condições limitadoras da sociedade atual.

Como é possível perceber, o quadro teórico desta pesquisa fundamenta-se na

Teoria Crítica da Sociedade, em especial na filosofia de Theodor Adorno. Nesse

contexto, deparamo-nos com mais uma questão: afinal, qual a concepção de Adorno

com relação ao conceito de catarse por ele utilizado em vários de seus escritos, mais

especificamente na sua obra póstuma: Teoria estética?

No âmbito dos estudos estéticos, Aristóteles talvez seja o autor mais explorado

para lidar com o conceito de catarse. Ele a considerava a finalidade primordial da

tragédia. Contudo, em virtude da agressiva ação da indústria cultural, para Adorno, essa

função catártica atribuída por Aristóteles já não encontra mais espaço na atualidade.

Segundo Duarte (2010), o efeito catártico causava uma predisposição no espectador

para uma atitude que favorecia o tipo de sociabilidade praticada na Grécia Antiga.

Todavia, para Adorno e Horkheimer, afirma Duarte (2010), não é isso o que ocorre no

âmbito da indústria cultural, por meio das manifestações “trágicas” da atualidade (tais

como o teatro, o cinema, as telenovelas). O que ocorre é a produção de estímulos

espetaculares promovidos pela diversão que tendem a se assemelhar ao efeito catártico

definido por Aristóteles, mas que, porém, ocorre apenas como pura higiene espiritual:

[...] Horkheimer e Adorno não deixam de ver certa continuidade entre a tragédia ática e os produtos da indústria cultural. Ressalvam, no entanto, que o que na primeira liga-se a uma função social explícita, mediada por um processo de sublimação, nos últimos faz parte de uma estratégia de dominação e de aprisionamento das consciências com objetivos de manutenção do status quo e da lucratividade, sem qualquer ganho em termos éticos e/ou estéticos (DUARTE, 2010, p. 59).

Horkheimer e Adorno constataram a completa deturpação do trágico pela

indústria cultural: o espectador é anestesiado de tal modo que não há mais lugar para a

purificadora experiência do sofrimento e, consequentemente, para sua expressão

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(DUARTE, 2010). Isso é feito por meio da substituição do herói trágico – que

representava situações que despertavam emoções intensas – pela representação de

imagens de indivíduos que passam por dificuldades triviais e as superam, saindo da

situação do mesmo modo que entrou (DUARTE, 2010, p. 60). Esses efeitos estão longe

de caracterizar o efeito catártico defendido por Aristóteles, mas compreendê-los torna-

se determinante para investigar a hipótese deste trabalho, pois eles podem servir como

contraponto para análise do real potencial catártico, proporcionado pela autêntica arte

trágica.

Esclarecidas as nossas hipóteses de trabalho, registramos que nenhum dos

artigos publicados nos periódicos analisados faz qualquer alusão ao efeito catártico do

teatro. No caso das dissertações e teses da área da educação, que também foram objeto

de análise, apenas um trabalho faz alusão à catarse proporcionada pelo teatro.

Entretanto, tal trabalho não o faz com base na Teoria Crítica da Sociedade.

No caso do GT 24 (Educação e Arte?) da Anped, Sobre o sentido das práticas

do teatro no meio escolar (SANTOS, 2007), é o único trabalho que faz referência, ainda

que sem muito aprofundamento, ao conceito de catarse. Segundo a autora, “[...] a

criança exprime as suas necessidades emocionais, numa catarse propiciada pelo drama

em que se envolve” (SANTOS, 2007, p. 9). A palavra é apenas citada, e seu significado

não é apresentado.

Tal como se delineia, esta dissertação remete a uma pesquisa teórica que se

constrói na interseção entre educação, arte e filosofia ou educação e filosofia estética.

Como tal, zela pelo tratamento conceitual e assume um lugar político dissonante da

atmosfera contemporânea na pesquisa educacional que tende a relegar para segundo

plano discussões teóricas em face da ênfase pragmática nos chamados saberes da

experiência, epistemologia da prática, ou ainda aquilo que MORAES (2001) denomina

recuo da teoria e LOUREIRO (2007), por intermédio de Adorno, chama de aversão à

teoria. De fato, parece haver uma tendência imperativa em realizar pesquisas

acadêmicas por meio de abordagens pragmáticas. Isso revela uma preocupação que não

está diretamente relacionada a qualidade dos estudos em si, mas principalmente à sua

elevada quantidade, se comparada à quantidade de estudos de cunho teórico. Essa

preocupação refere-se à possibilidade de que a educação esteja cada vez mais

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comprometida com interesses hegemônicos que não visam a atender às reais

necessidades dos indivíduos, e sim do mercado:

No campo educacional, a forma pragmática de pensar e agir tornou-se capilar e infiltra desde a formação docente, a filosofia da educação até definições do que e como ensinar. Essa hegemonia não só expressa a submissão ampliada da vida social à lógica e aos ditames da racionalidade técnica característica do capitalismo contemporâneo, mas também alimenta facetas do atual processo de danificação cultural (LOUREIRO, 2007, p. 524).

MORAES (2001) corrobora esse pensamento e acrescenta que há uma grande

pressão da sociedade de que a educação seja o caminho para a sobrevivência em um

mundo cada vez mais competitivo:

De fato, o elevado grau de competitividade ampliou a demanda por conhecimentos e informações e, em decorrência, a educação foi eleita estratégica para fazer face à velocidade das mudanças. Se o mundo virou pelo avesso, a educação deve acompanhá-lo na reviravolta (MORAES, 2001, p. 1).

Essas mudanças afetam o papel da educação na sociedade, que tende a não mais

seguir as antigas referências educacionais (MORAES, 2001, p. 1). Entre as

consequências dessas mudanças na educação, percebe-se a substituição da teoria pela

prática reflexiva (MORAES, 2001, p. 3), tipo de abordagem mais adequada para o

desenvolvimento de competências que visam a atender necessidades do mercado de

trabalho:

A celebração do “fim da teoria” – movimento que prioriza a eficiência e a construção de um terreno consensual que toma por base a experiência imediata ou o conceito corrente de “prática reflexiva” – se faz acompanhar da promessa de uma utopia educacional alimentada por um indigesto pragmatismo (BURGOS, citado por MORAES, 2001, p. 3).

Feitas essas ponderações, cabe anunciar a estruturação do trabalho. A

dissertação contém quatro capítulos e as considerações finais. O primeiro capítulo,

Catarse e experiência com a obra de arte autêntica, faz um tratamento panorâmico do

conceito de catarse com base em diferentes autores e contextos. O termo assumiu

sentidos diversificados no decorrer do tempo e apresenta significados distintos em

várias áreas do conhecimento. Entretanto, além de conhecermos os diferentes sentidos

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do termo catarse, é importante identificar as características do tipo de educação que

defendemos em nossa hipótese. O segundo capítulo, Educação em Adorno, apresenta a

proposta da educação voltada para a emancipação com base nos pressupostos teóricos

de Adorno. Em Adorno e a indústria cultural: catarse e regressão dos sentidos, terceiro

capítulo, destaca-se o tipo de catarse estimulada pela sociedade atual e suas

consequências para os processos de formação humana. Por fim, o quarto capítulo,

Estética, catarse e teatro: reflexões adornianas, explica como a catarse teatral pode

servir para uma educação emancipadora com base na teoria estética de Adorno.

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CAPÍTULO I

CATARSE E EXPERIÊNCIA COM A OBRA DE ARTE AUTÊNTICA

Para iniciar nossa discussão acerca do conceito de catarse, cabe destacar a

contribuição de Aristóteles, quem pela primeira vez apresentou o conceito por

intermédio de sua obra Poética (ARISTÓTELES, 1991). A relevância do filósofo para

compreender o termo é tamanha, que todos os dicionários pesquisados referenciam a

definição aristotélica. O filósofo sistematizou o conceito de catarse através da definição

de tragédia, como vemos a seguir:

E pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções (ARISTÓTELES, 1991, p. 251).

Observa-se que, para Aristóteles, a tragédia é a imitação da ação pela atuação

dramática. Além disso, é possível constatar que, para o filósofo, o efeito dessa atuação

nos espectadores é a purificação das emoções. A partir das definições dicionarizadas,

veremos como que, para diversos autores, essa purificação corresponde à catarse. Além

disso, constataremos que o conceito de catarse apresenta definições distintas de acordo

com área do conhecimento considerada, o autor e o contexto histórico.

O conceito de catarse: primeiras aproximações

Nem sempre os dicionários conseguem expressar o processo dinâmico e vivo das

palavras, mas por eles é possível ter uma breve noção de como elas se apresentam e até

mesmo, a depender da obra, conhecer parte do processo histórico que as constituíram. O

dicionário Aurélio (1999), por exemplo, considera que catarse pode ser:

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1. Purgação, purificação, limpeza. 2. Med. Evacuação, natural ou provocada, por qualquer via. 3. Psicol. Efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida. 4. Teatr. O efeito moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, de extrema intensidade e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos (AURÉLIO, 1999, p. 427).

Mesmo que apresente definições distintas na medicina, na psicológica e também

no teatro, é possível perceber alguns elementos comuns presentes nessas diversas áreas.

Para começar, não se trata de algo palpável, e sim de um efeito, ou seja, de uma ação ou

reação. Além disso, em todas as definições aparece a ideia de purgação ou limpeza, isto

é, algo que está dentro do indivíduo, cuja exteriorização é benéfica a ele.

Não muito distante do que é apresentado por Aurélio (1999), o dicionário

Michaelis (2012) on-line destaca o conceito com ênfase na dimensão psicológica: “1

Purgação. 2 Purificação. 3 Psicol. e Med. Método de purificação mental que consiste em

revocar à consciência os estados afetivos recalcados, para aliviar o doente dos

desarranjos físicos e mentais oriundos do recalcamento” (MICHAELIS, 2012).

Na mesma direção, Larousse (2006) considera catarse como:

1. Ação ou efeito de purificar (-se); purgação. 2. Efeito de purificação produzido por uma representação dramática, uma tragédia clássica. 3. PSIC. Método de tratamento que visa obter uma descarga emocional associada à lembrança de acontecimentos traumáticos. 4. PSICN. Operação de trazer à consciência recalques do inconsciente (LAROUSSE, 2006, p. 577).

Assim, é possível inferir que, em linhas gerais, o conceito de catarse não

apresenta divergências entre os autores dos principais dicionários pesquisados. Alguns

dicionários de Filosofia tendem a reproduzir a concepção apresentada pelos autores

mencionados. Esse é o caso, por exemplo, de Cuvillier (1976), que parte de Aristóteles:

1. Em Aristóteles: purgação das paixões por meio da arte, que lhes permite expandir-se em objetos fictícios. 2. Terapêutica psicanalítica consistente em livrar o sujeito de suas perturbações, quer mediante revogação à consciência da ideia cujo recalque as produziu, quer mediante ab-reação (CUVILLIER, 1976, p. 19).

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Em Durozoi e Roussel (1996), catarse aparece com os mesmos significados

apontados por Cuvilier (1976). Todavia, eles acrescentam que:

[...] Essa tese foi retomada com variantes por certos teóricos modernos do teatro (principalmente Antonin Artaud), assim como nas terapêuticas psicológicas, como os psicodramas ou os sociodramas. Em psicanálise, designa a volta à consciência de um acontecimento recalcado e o desaparecimento dos problemas que provocava (DUROZOI; ROUSSEL, 1996, p. 75).

Abbagnano (2007) oferece vários sentidos histórico-filosóficos ao conceito de

catarse:

Em Platão, esse termo tem acepção moral e metafísica. Designa, em primeiro lugar, a libertação em relação aos prazeres; em segundo lugar, a libertação da alma em relação ao corpo, no sentido de que a alma se separa ou se retira das atividades físicas e realiza, já em vida, a separação total, que é a morte. [...] Aristóteles utilizou amplamente esse termo em seu significado médico, nas obras sobre história natural, como purificação ou purgação. Mas foi o primeiro que o usou para designar também um fenômeno estético, qual seja, uma espécie de libertação ou serenidade que a poesia e, em particular, o drama e a música, provocam no homem (ABBAGNANO, 2007, p. 137).

Esse autor também apresenta a definição de catarse proposta por Goethe, “[...]

para quem ela consistiria no equilíbrio das emoções que a arte trágica induz no

espectador, depois de ter suscitado nele essas mesmas emoções e, portanto, na sensação

de serenidade e pacificação que ela proporciona” (ABBAGNANO, 2007, p. 138). Vale

ressaltar que, apesar de a definição de Goethe ser semelhante à de Aristóteles, ambas

diferem pelo fato de que, para Aristóteles, o significado de catarse estética não é

diferente da catarse médica ou moral, enquanto Goethe se refere especificamente ao

aspecto estético do termo.

Abbagnano (2007) ressalta que, atualmente, a catarse se refere principalmente à

função libertadora da arte. A noção de catarse assemelhar-se-ia à de sublimação na

psicanálise freudiana. À medida que os impulsos do indivíduo são transformados pela

arte, o mecanismo da catarse equivale ao da sublimação:

Freud às vezes chamou de catarse o processo de sublimação da libido, pelo qual a libido se separa do seu conteúdo primitivo [...]. A esse processo de catarse (“sublimação”) são devidos todos os progressos da vida social, a arte, a ciência e a civilização em geral, pelo menos

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sempre que dependam de fatores psíquicos (ABBAGNANO, 2007, p. 138).

Com base nos dicionários gerais e nos específicos da área filosófica, é possível

inferir que, ao longo da história, o conceito de catarse recebeu e tem recebido diversas

interpretações. Trata-se de um conceito polissêmico e, no que tange à experiência

estética, é inequívoca a contribuição da teoria psicanalítica para pensar o fenômeno da

fruição do espectador em relação às artes.

Com efeito, nos dicionários de artes (CHILVERS, 2001; LUCIE-SMITH, 1990;

READ, 1990), o conceito de catarse não é mencionado. Não obstante, isso não acontece

com os dicionários específicos do campo do teatro. Teixeira (2009), por exemplo,

apresenta catarse apenas em seu significado original, desenvolvendo o conceito de

Aristóteles:

Conceito que vem da Grécia Antiga, usado tanto pela tragédia como pela medicina, podendo significar purificação, para o teatro, ou purgação, no sentido médico. Na Poética de Aristóteles, designa um dos traços fundamentais da tragédia: ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas e malsãs, especialmente a piedade e o terror, a catarse nos liberta desses sentimentos dolorosos; o efeito moral e purificador despertado pela tragédia clássica, na Grécia Antiga, onde as situações dramáticas, de extrema intensidade, traziam à tona os sentimentos de terror e piedade aos espectadores, proporcionando o alívio ou a purgação desses sentimentos; purgação; purificação; catársis (TEIXEIRA, 2009, p. 70).

Vasconcellos (2009), além de oferecer a definição aristotélica, preocupou-se em

discutir o significado de catarse mediante a explicação dos conceitos de terror e

compaixão, presentes na reflexão de Fergusson:

A complexidade de determinar um significado preciso para tal conceito está relacionada a problemas de tradução e a problemas de interpretação. [...] Fergusson se refere à compaixão como o sentimento diante do que quer que seja grave e constante, que une o sujeito ao sofrimento humano; e a terror, como o sentimento diante do que quer que seja grave e constante, que une o sujeito à causa secreta desse sofrimento (“The Poetics and the Modern Reader” in Aristotele’s Poetics, p. 34). Fergusson diz, ainda, que a catarse só ocorre quando essas duas emoções acontecem simultaneamente, já que separadamente, compaixão é apenas algo sentimental e terror, um mero agente provocador de suspense. Juntas, porém, atuam no sentido de purificação ou purgação (VASCONCELLOS, 2009, p. 42).

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Pavis (2007) faz uma interessante abordagem que enfatiza não só o conceito de

catarse no decorrer do tempo, como também os vários autores que o explicaram. Ele

ressalta que, no processo catártico, definido por Aristóteles, ocorre a identificação do

espectador com o herói trágico. Trata-se de uma das principais finalidades e

consequências da tragédia: o trabalho imaginário e a produção da ilusão cênica

provocam a identificação e o prazer estético no espectador (PAVIS, 2007, p. 40). Se o

herói trágico sofre, o espectador sofre com ele. Se o herói trágico finaliza o espetáculo

feliz e vitorioso, o espectador compartilha essas sensações com ele. Desde o

Renascimento até o século das Luzes, a concepção cristã inclinou-se para uma visão

mais negativa da catarse, “[...] que seria frequentemente um endurecimento ante a visão

do mal e uma estoica aceitação do sofrimento” (PAVIS, 2007, p. 40). Com uma visão

também negativa, Rousseau condena o teatro por considerar a catarse uma emoção

passageira que só perdura durante o tempo do espetáculo e que em nada contribui para o

indivíduo (PAVIS, 2007).

Com a ascensão da burguesia, a catarse ganhou novo sentido. Desde a segunda

metade do século XVIII, com o drama burguês, houve uma tentativa de

[...] provar que a catarse não se destina a eliminar as paixões do espectador, mas a transformá-las em virtudes e em participação emocional [...]. A tragédia acaba sendo um poema que provoca a piedade, convida o espectador a encontrar o meio termo (noção burguesa por excelência) entre os extremos da piedade e do temor (PAVIS, 2007, p. 40).

Do mesmo modo que Abbagnano, Pavis (2007) também registra a contribuição

de Goethe acerca da catarse. Ele a descreve como necessária, tanto no drama como em

toda obra poética, pois ela auxiliaria na reconciliação das paixões ou, nas palavras de

Abbagnano (2007, p. 138), no “equilíbrio das emoções”. Pavis (2007) considera que

também Nietzsche, por outro lado, acreditava na tragédia como uma forma de arte

superior, cujos efeitos não se limitam à catarse, de modo a não concordar com a

explicação da emoção trágica defendida por Aristóteles. Por sua vez, em concordância

com o pensamento de Nietzsche, Brecht compara o efeito catártico à alienação

ideológica do espectador e “[...] à valorização, nos textos, somente dos valores a-

históricos das personagens” (PAVIS, 2007, p. 40).

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Fundamentado em Barrucand, Pavis (2007) conclui que os teóricos atuais

tendem a harmonizar as várias divergências teóricas:

A conscientização (distância) não se sucede à emoção (identificação), uma vez que o compreendido está em relação dialética com o experimentado. Há menos passagem de uma atitude (reflexiva) a uma outra (existencial), do que oscilações entre uma e outra, por vezes tão próximas que quase se pode falar de dois processos simultâneos, cuja própria unidade é catártica (BARRUCAND, citado por PAVIS, 2007, p. 41).

Com base nas referências consultadas, infere-se que o conceito de catarse parece

indicar uma consolidação, para o sujeito fruidor, de uma espécie de tremor estético com

o qual vários autores concordam ser de cunho ético-formativo. Essa percepção pode

mostrar que o conceito de catarse apresenta um papel de destaque não só na arte e na

psicanálise mas também na educação. Emerge, assim, o questionamento que motiva este

trabalho de pesquisa: em que medida o processo catártico propiciado pelo teatro pode

contribuir para compreender a formação humana no campo da educação? Indaga-se,

portanto, sobre a possibilidade de o processo catártico motivado pelo teatro inspirar uma

formação a contrapelo dos ditames educacionais vinculados à lógica do mercado.

E quais seriam esses ditames educacionais problemáticos que estão relacionados

ao presente estudo? Por outro lado, qual seria o tipo de educação que poderia conduzir a

sociedade para a emancipação e resistência? No próximo capítulo, veremos o conceito

de educação sob ótica da Teoria Crítica da Sociedade, com base nos estudos de Adorno.

Por meio de tais preceitos, será possível definir o tipo de experiência catártica que pode

vir a se relacionar com a educação emancipatória.

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO EM ADORNO

Neste capítulo nosso objetivo é apresentar algumas reflexões relativas ao

pensamento de Adorno sobre os conceitos de autonomia e emancipação, fundamentais

para compreender sua concepção de formação humana, e propor o diálogo desses

conceitos por meio da interseção entre teatro e educação.

Em geral, pode-se considerar que Adorno pensa a educação com base nos

conceitos de autonomia/emancipação e barbárie. E como esses conceitos se articulam?

Formação, autonomia e emancipação aproximam-se de tal modo, que parecem ser uma

única categoria, pois uma educação emancipatória é aquela que visa a promover um

pensamento capaz de conduzir o indivíduo a uma vida autônoma. Uma sociedade

democrática, formada por indivíduos autônomos, tende a resistir à barbárie, objetivo que

Adorno considera crucial para a continuação da humanidade.

Mas o que vem a ser formação para Adorno? O conceito de formação pode ser

encontrado em vários de seus textos, entre os quais Teoria da semiformação (2010).

Com efeito, nesse ensaio, ele parece analisar e fornecer elementos para uma mais bem

apropriada compreensão do conceito.

Todavia, há também a coletânea Educação e emancipação, na qual Adorno

(1995) dispõe ao leitor uma série de elementos que articulam a formação com uma

discussão política comprometida com os problemas da organização da sociedade e suas

consequências para a educação. Nesse livro há quatro artigos – O que significa elaborar

o passado?, A filosofia e os professores, Tabus acerca do magistério e Educação após

Auschwitz – e quatro conversas realizadas com Hellmut Becker e mediadas por Gerd

Kadelbach, intituladas Televisão e formação, Educação – para quê?, A educação

contra a barbárie e Educação e emancipação, que foram transcritas conforme

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gravações de transmissões radiofônicas17.

Por dispor de diretrizes fundamentais à temática desta dissertação, neste capítulo

analisaremos os artigos O que significa elaborar o passado? (ADORNO, 1995a), A

filosofia e os professores (ADORNO, 1995b), Tabus acerca do magistério (ADORNO,

1995c), Educação após Auschwitz (ADORNO, 1995d), Educação – para quê?

(ADORNO, 1995e), A educação contra a barbárie (ADORNO, 1995f) e Educação e

emancipação (ADORNO, 1995g).

Adorno teceu inúmeras críticas ao sistema educacional de sua época. Ele teria

constatado que a educação, desde o Iluminismo, estava sendo cada vez mais baseada no

desenvolvimento da racionalidade técnico-instrumental dos indivíduos. Ainda hoje é

possível observar que os saberes transmitidos nas escolas privilegiam, de forma

fragmentada, o conhecimento científico. Um agravante é que, por vezes, tais saberes são

desprovidos de sentido social e de contextualização histórica. Esses aspectos ilustram

alguns traços da educação com vistas somente ao “esclarecimento” da consciência

(ADORNO, 1995, p. 11).

Com base em tal contexto, é possível deduzir um problema que marca a obra de

Adorno e nos faz questionar os rumos e objetivos da educação: quando a educação é

desprovida de sentido histórico-social, tende a se fechar no condicionamento social. Os

indivíduos, quando envoltos nesse condicionamento, tendem a encarar tanto a própria

situação quanto o status quo da sociedade como agentes inertes, imutáveis, efeito que

inibe a capacidade de vislumbrar novas possibilidades para a própria realidade

(ADORNO, 1995, p. 11). Trata-se de uma educação voltada para o conformismo e

sujeita a barbárie. A falta do amparo histórico por parte da formação tende a traduzir-se

no descomprometimento da cultura diante dos crimes contra a humanidade. Uma

formação humana que não leve em conta essa postura neutra e descomprometida do tipo

de cultura que predomina na atualidade já é, ela própria, semiformação (DUARTE,

2003, p. 442).

É nesse contexto que a Teoria Crítica da Sociedade ganha especial relevância,

pois ela possibilita a análise da formação social da atualidade e busca descobrir

17 Tais transmissões radiofônicas compõem uma produção em parceria com a Divisão de Educação e Cultura da Rádio do Estado de Hessen, na Alemanha, cuja série Questões educacionais da atualidade contou com frequentes participações de Adorno no período entre 1959 e 1969 (MAAR, 1995, p. 8).

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condições que possam interferir em seu rumo. Wolfgang Leo Maar, no prefácio de

Educação e Emancipação, explica:

O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório, do movimento de ilustração da razão (MAAR, 1995, p. 12).

Para Adorno (2010), a educação passava por uma crise que não se limitava à

escola, mas que correspondia à crise da própria formação humana: “[...] os sintomas de

colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato

das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da

educação, sob a crítica de sucessivas gerações” (ADORNO, 2010, p. 8).

Como tudo na sociedade capitalista, a educação assumiu a forma de mercadoria,

convertendo-se, assim, em semiformação. Adorno não compreendia a semiformação

como a falta ou ausência de formação, e sim como um tipo de formação deformada que,

longe de ser um meio para o sujeito obter o real domínio do conhecimento e de sua

capacidade de reflexão, compõe um dos mecanismos da sociedade administrada para

estimular no indivíduo uma postura conformista perante a sociedade e de acordo com o

pensamento heterônomo (ADORNO, 2010, p. 34). Nesse contexto, a não formação é

mais interessante para a geração de indivíduos emancipados do que a semiformação,

pois “[...] a não cultura, como mera ingenuidade e simples ignorância, permitia uma

relação imediata com os objetos e, em virtude do potencial de ceticismo, engenho e

ironia – qualidades que se desenvolvem naqueles não inteiramente domesticados –,

podia elevá-los à consciência crítica” (ADORNO, 2010, p. 21). No entanto, tais

qualidades são inibidas pela semiformação.

Um dos efeitos mais visíveis da semiformação é que, tal como na lógica do

mercado, na qual tudo precisa ser consumido vorazmente, os saberes escolares são

compostos por conhecimentos fragmentados que o aluno é induzido a consumir para tão

somente obter sua aprovação nas avaliações, que passam a representar-lhe o objetivo

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final da sua educação, ao invés de um meio para atingir uma existência autônoma18.

Apesar desse cenário, o filósofo considera que é possível um projeto de

promoção da autonomia por meio da formação acadêmica. A educação pode oferecer ao

aluno uma formação que lhe permita perceber as contradições da sociedade

administrada e lhe forneça um meio para resistir aos apelos dessa sociedade. Adorno

elucida: “A educação por meio da família (na medida em que é consciente), por meio da

escola e da universidade, teria neste momento de conformismo onipresente muito mais a

tarefa de fortalecer a resistência do que de fortalecer a adaptação” (ADORNO, 1995e,

p.144).

Pucci (1999, p. 117) considera que educação, para Adorno, é o mesmo que

emancipação. Somente uma visão radical como essa, que funde educação com

emancipação, pode ir contra uma sociedade que busca incansavelmente fazer que o

homem seja igual ao coletivo (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 1999, p. 117).

A educação emancipatória constitui uma possibilidade para o indivíduo resistir ao

mecanismo heteronômico do sistema, para que ele conquiste a própria autonomia. O

papel da educação, assim, envolve auxiliar na desmitificação desse mecanismo, de

modo a possibilitar ao indivíduo uma reflexão crítica sobre ele mesmo e o mundo. Isso

naturalmente vai além dos limites da escola e do próprio momento da instrução,

conforme a leitura de Pucci (1999):

Esse tipo de raciocínio nos leva a inferir que a esfera do educativo não se delimita às instituições de ensino, ampliando a percepção a ponto de investigarmos a forma como a mercantilização dos produtos simbólicos determina novos processos educativos, inclusive nas escolas (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 1999, p. 116).

Desse modo, pensar a educação requer que ampliemos nossa visão para os

processos formativos que ocorrem fora do âmbito escolar. Isso justifica a grande

preocupação de Adorno em apresentar suas conclusões a respeito da educação sempre

vinculadas à cultura e à formação cultural.

18Adorno apropriou-se de muitos fundamentos de Immanuel Kant para definir suas prerrogativas, ora concordando, ora discordando. Sobre a autonomia, Kant afirmava que a Bildung deve corresponder à passagem da heteronomia para a autonomia, o que corresponde ao exercício pleno da razão (CRUZ JUNIOR, 2010). Adorno acrescenta que essa afirmativa de Kant só é verdadeira quando levadas em conta as condições da vida humana em sociedade e a sua relação com a natureza (ADORNO, 2002, p.18).

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Para introduzir sua teoria da semiformação (2010), Adorno propõe um olhar

mais apurado sobre o conceito de cultura, que está diretamente ligado à sua relação com

a sociedade. Para o filósofo, o conceito de cultura não pode ser estratificado em uma

ideia sagrada e espiritual que se oponha à práxis, tampouco em uma relação unilateral

que vise à mera adaptação dos indivíduos. Ambas as visões constituem uma formação

ideológica e, portanto, de cunho limitador ao invés de libertador:

Quando o campo de forças a que chamamos formação se congela em categorias fixas – sejam elas do espírito ou da natureza, de transcendência ou de acomodação – cada uma delas, isolada, se coloca em contradição com seu sentido, fortalece a ideologia e promove uma formação regressiva (ADORNO, 2010, p. 11).

Por causa disso, ele considera que a legítima cultura corresponde justamente ao

esforço subjetivo de se conciliar os extremos, à busca de resolver o conflito entre as

duas posições que estão diretamente opostas: “O duplo caráter da cultura nasce do

antagonismo social não-conciliado, que a cultura quer resolver, mas que demanda um

poder que não possui” (ADORNO, 2010, p. 11).

Essa dinâmica que caracteriza a cultura é idêntica à que ocorre no processo de

formação. Entretanto, do mesmo modo que ocorre com a cultura, a sociedade

contemporânea não oferece um terreno fértil para a formação legítima (ADORNO,

2010, p. 12). Em seu lugar, impõe um tipo de formação deturpada: a semiformação. As

organizações a que o indivíduo precisa se submeter desde o nascimento lhe impõem

uma estrutura heteronômica à qual só lhe resta adequar-se no decurso de seu

desenvolvimento. Isso lhe dificulta uma formação com vistas à autonomia.

O pensamento heteronômico se impõe de tal modo, que o particular e o

diferenciado são eliminados: “A semiformação não se confina meramente ao espírito,

adultera também a vida sensorial. E coloca a questão psicodinâmica de como pode o

sujeito resistir a uma racionalidade que, na verdade, é em si mesma irracional”

(ADORNO, 2010, p. 25). Tal irracionalidade reflete-se na própria configuração da

sociedade contemporânea. Isso é perceptível especialmente quando observamos que a

ideia de formação cultural predominante está ligada a uma imagem ficcionada de uma

sociedade justa, igualitária e racional.

Essa ideia de formação tem inevitáveis repercussões na área da educação, pois é

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fácil constatar que os saberes transmitidos pelas instituições educacionais nem sempre

estão vinculados aos problemas que a sociedade enfrenta. Entretanto, não vivemos em

uma sociedade racional, de modo que a formação baseada nesse ideal só faria sentido

em uma sociedade que correspondesse a esse modelo utópico, ou seja, em uma

sociedade baseada na justiça, na igualdade social e no pleno exercício dos direitos

humanos sem distinções de qualquer natureza: “Se na ideia de formação ressoam

momentos de finalidade, esses deveriam, em consequência, tornar os indivíduos aptos a

se afirmarem como racionais numa sociedade racional, como livres numa sociedade

livre” (ADORNO, 2010, p. 13).

Como isso não ocorre na prática, temos um paradoxo que demonstra que a

formação cultural idealística não auxilia o indivíduo a atuar na sociedade, pois “No

ideal de formação, que a cultura defende de maneira absoluta, se destila a sua

problemática” (ADORNO, 2010, p. 14).

Nesse contexto, o contato direto, crítico e reflexivo dos indivíduos com os

saberes é eliminado, sendo substituído por uma relação intermediada pela ideologia

hegemônica. Com base na leitura da Teoria da Semiformação (2010), Loureiro e Della

Fonte (2003) inferem que esses efeitos são ainda notórios na sociedade atual e

acrescentam que “[...] a indústria cultural oferece às massas uma gama infinita de bens

simbólicos com a promessa de uma formação cultural plena, mas que, em verdade,

serve para perpetuar a ordem” (LOUREIRO; DELLA FONTE, 2003, p. 56). É como se

os sujeitos se sentissem mais integrados, existencialmente satisfeitos por terem

consumido os produtos desta indústria. A promessa é justamente essa, tornar as pessoas

mais completas, afastando-as da possibilidade de sentir qualquer lampejo de angústia ou

vazio existencial. Em geral, o lema do indivíduo semiformado é esse: eu assisti, eu li, eu

ouvi, eu sei, eu conheço. A experiência que ele tem com o mundo é sempre mediada

pelos aparatos da indústria cultural que de antemão determina o que ele assisti, o que ele

lê, o que escuta, o que ele deve saber e conhecer.

A sociedade atual tende a negar ao indivíduo oportunidades para viver

experiências formativas legítimas. A semiformação é o reflexo de como a sociedade

acolhe a educação. Cabe agora questionar: e o que seria experiência formativa na visão

adorniana? A experiência formativa é diferente dos experimentos das ciências naturais,

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por isso ela está mais próxima de um processo de mediação autorreflexivo entre o

sujeito e o objeto, cuja relação permite a formação emancipada desse sujeito em uma

relação dialética (ADORNO, 1995, p. 24). Essa relação dialética permite a compreensão

do objeto até além do seu limite, negando o sentido imediato do objeto. Em outras

palavras: “O que é torna-se efetivamente o que é pela relação com o que não é”

(ADORNO, 1995, p. 25).

Além de compreender a existência formal do objeto, é necessário confrontá-la

com sua forma social, pois isso “[...] implica uma transformação do sujeito no curso do

seu contato transformador com o objeto na realidade” (ADORNO, 1995, p. 24). Em O

que significa elaborar o passado? (ADORNO, 1995a, p. 29), primeiro texto do livro

Educação e Emancipação, Adorno explica como essa forma social pode ser

compreendida e também a relação entre a memória – no sentido de história coletiva – e

a autonomia.

O que significa elaborar o passado?

Uma das principais contribuições de O que significa elaborar o passado?19

(ADORNO, 1995a, p. 29) é a explicação de como, segundo Adorno, a memória deveria

ser incorporada ao contexto vigente através da reflexão crítica de aspectos históricos.

Para Adorno, a forma pela qual a sociedade lida com a memória afeta diretamente a

materialização da cultura: se relembrada de forma minuciosa e crítica, isso pode se

refletir em uma sociedade mais consciente que viabilize a emancipação. Por outro lado,

se a memória é esquecida ou minimizada, isso pode se refletir em uma sociedade cada

vez mais administrada e sujeita a barbárie. É desse ponto de vista que Adorno apresenta

traços do cenário político, histórico e social da Alemanha do pós-Segunda Guerra

Mundial, visivelmente marcado pelo trauma do Auschwitz. Adorno explica que, no

funcionamento da sociedade de sua época, havia uma tendência de esquecer o passado,

em uma tentativa de eliminá-lo da memória. Esse fenômeno não é acidental, pois uma

sociedade sem memória tende a se adaptar ao existente mais facilmente, além de limitar

as possibilidades de emancipação e do exercício da autonomia: “Quando a humanidade 19 Palestra no Conselho de Coordenação para a Colaboração Cristão-judaica, ocorrida em 1959 (ADORNO, 1995, p. 187).

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se aliena da memória, esgotando-se sem fôlego na adaptação do existente, nisto reflete-

se uma lei objetiva do desenvolvimento” (ADORNO, 1995a, p. 33).

Para fazer tais afirmações, Adorno fez uso especialmente das contribuições

psicológicas de Freud. Baseado no psicanalista, Adorno afirma que a sociedade sem

memória assume um potencial totalitário que força o indivíduo a se identificar com o

existente. A ordem econômica obriga a maioria das pessoas a depender de situações

dadas em relação às quais são impotentes: diante do sentimento de impotência, a

alternativa que resta é a de adaptação. Essa adaptação compromete a autonomia e

implica a descrença na democracia (ADORNO, 1995a, p. 43).

Esses aspectos sombrios (ADORNO, 1995a, p. 44) são destacados por Adorno

para mostrar a importância e o papel de uma pedagogia democrática. Sua preocupação

em descrever o panorama de sua época no texto O que significa elaborar o passado?

(ADORNO, 1995a) exemplifica a maneira como a educação precisa estar integrada ao

contexto social, político, histórico e econômico. Compete assim à educação (enquanto

instituição) promover alternativas que contemplem tal necessidade. “Seria urgente

fortalecer nas universidades uma sociologia vinculada à pesquisa histórica de nossa

própria época” (ADORNO, 1995a, p. 46). Uma educação sem esse respaldo sociológico

é semiformação, pois põe o indivíduo à mercê das aparências imediatas e externas da

realidade e, portanto, propenso à mera adequação ao mundo como ele é dado. Por outro

lado, se a educação está integrada à sociologia, ela permite que o indivíduo compreenda

melhor o mundo ao seu redor, o que ele foi e também o que ele pode vir a ser. O

caminho para reelaborar o passado não está nos meios de comunicação de massa – cujo

uso foi impregnado pela indústria cultural –, e sim na educação; mas não em qualquer

educação, e sim em uma educação baseada nos pressupostos descritos acima. De

qualquer modo, Adorno ressalta que “[...] para isso será necessária uma educação dos

educadores.” (ADORNO, 1995a, p. 46). E em que consistiria essa educação dos

educadores? O texto A filosofia e os professores (ADORNO, 1995b) nos traz reflexões

que permitem pensar essa questão.

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A filosofia e os professores

Em A filosofia e os professores20 (ADORNO, 1995b), Adorno tece algumas

considerações a respeito da prova geral de filosofia dos concursos para docência em

ciência nas escolas superiores do Estado de Hessen, na Alemanha (ADORNO, 1995b, p.

51). Apesar de aparentemente tratar da análise de um caso específico e de uma época

específica, Adorno defende ideias que nos instigam a refletir sobre a formação dos

professores no atual contexto social, tanto com vistas para a atuação no ensino superior

quanto para as demais esferas da educação.

Adorno criticava a prova realizada em Hessen por ter constatado que ela tratava

a filosofia de forma fragmentária e coisificada21. Desse modo, a situação dos candidatos

que ficavam reprovados em tal exame era tão preocupante quanto a dos que eram

aprovados sem problemas, pois sua finalidade era questionável. Para fazer tal afirmação,

Adorno recorreu ao próprio regulamento da prova, por meio do qual inferiu que sua

pretensão era distinguir candidatos intelectuais (aqueles que conseguissem ir além do

seu aprendizado durante o curso) dos profissionais medíocres (aqueles que se

limitassem aos conteúdos apreendidos) (ADORNO, 1995b, p. 54). Contrapondo-se a

essa finalidade, Adorno recorre a Fichte (ADORNO, 1995b, p. 55), para quem a

finalidade da formação filosófica no ensino superior deveria ser a de “[...] garantir às

ciências particulares o seu ofício, convertendo em conhecimento e prática consciente

aquilo que nelas foi até agora apenas dádiva natural dependente da sorte” (ADORNO,

1995b, p. 55), ou ainda, nas palavras de Adorno: “Com este espírito filosófico assim

desenvolvido, enquanto é a forma pura do saber, deveria se apreender e perpassar em

sua unidade orgânica todas as matérias científicas na instituição de ensino superior”

(ADORNO, 1995b, p. 55).

Adorno defendia a ideia de que nos estudos de todas as ciências deveria haver a

compreensão filosófica da área em questão. Para Adorno, essa formação tende a

despertar no indivíduo uma forma de pensar mais livre e autônoma, atingindo assim

20 Transcrição da palestra na Casa do Estudante de Frankfurt, transmitido pela Rádio de Hessen em novembro de 1961 (ADORNO, 1995, p. 187). 21 Coisificação (Verdinglichung) ou reificação é um conceito definido por Lukács muito presente nos textos de Adorno. Designa o tipo de alienação que ocorre quando as relações sociais são tratadas como “coisas”, alterando-se por essa via a experiência do sujeito com o objeto (ADORNO, 1995, p. 130).

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aquilo que pressupõe ser o objetivo dos cursos superiores: a verdadeira formação do

espírito (ADORNO, 1995b, p. 60). Em resposta àqueles que pensam a formação

filosófica como apenas uma disciplina a mais nos currículos dos cursos superiores,

Adorno acrescenta que esses “[...] são precisamente os mesmos para quem a filosofia é

nada além de uma disciplina” (ADORNO, 1995b, p. 60).

A preocupação de Adorno evidencia a relação entre o pensar filosoficamente e a

emancipação. O pensamento filosófico permite ao indivíduo uma forma de refletir os

acontecimentos além da sua aparência imediata. Desse modo, a capacidade de pensar

filosoficamente está diretamente relacionada a uma maneira de pensar

emancipadamente e de assumir uma postura autônoma diante do mundo. Se essas

habilidades são essenciais para a emancipação da sociedade (tal como Adorno defendeu

em toda sua obra), tornam-se críticas quando se referem à formação de educadores.

A formação filosófica defendida por Adorno é aquela que possibilita a reflexão

direta sobre o objeto de estudo, em vez da mera aceitação ao que já está estabelecido.

Pensar filosoficamente pressupõe pensar os acontecimentos além de sua aparência

imediata, o que está diretamente relacionado à emancipação. Esse é um dos pontos-

chave da filosofia adorniana: a autonomia ocorre quando o indivíduo consegue atingir

essa compreensão que se contrapõe à crença incondicional ao que já existe. Daí a

importância da memória que Adorno enfatizou em seu texto O que significa elaborar o

passado?, discutido anteriormente. A memória nos permite compreender as questões

econômicas, sociais e políticas por trás do jogo de aparências que turvam a consciência

dos indivíduos:

O indivíduo só se emancipa quando se liberta do imediatismo de relações que, longe de serem naturais, constituem na verdade resíduos de um desenvolvimento histórico já superado, de um morto que nem ao menos sabe de si mesmo que está morto (ADORNO, 1995b, p. 67).

Se considerarmos o contexto atual, a educação formal presente na instituição

escolar tende, cada vez mais, priorizar uma formação em que o conhecimento é

descaracterizado de sua potência cultural formadora. Não apenas as ciências da

natureza, mas em quase todas as áreas há uma tendência a um tipo de formação

destituída de crítica e historicidade. Isso facilita o projeto meramente adaptador e

heterônomo, de tal modo que faz parecer desnecessária a reflexão provinda de uma

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formação cultural pautada na reflexão filosófica.

Essa realidade é constatável não só nos exames que buscam avaliar a formação

de professores mas também em todas as demais áreas do conhecimento humano,

inclusive naquelas voltadas para a sociedade. No caso brasileiro, o ENEM e os

vestibulares parecem ser bem ilustrativos dessa situação. Esse aspecto não apenas foi

descrito em Educação e Emancipação, como também foi profundamente trabalhado no

livro de Adorno em parceria com Horkheimer Dialética do esclarecimento: fragmentos

filosóficos, por meio do qual os autores inferem que “[...] a expulsão do pensamento da

lógica ratifica na sala de aula a coisificação do homem na fábrica e no escritório”

(HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 42).

O papel da educação para a emancipação é indiscutível na obra de Adorno,

entretanto o filósofo salienta que a educação enfrenta outros desafios, já presentes na

história da civilização ocidental antes mesmo do Iluminismo. Se em O que significa

elaborar o passado e A filosofia e os professores Adorno nos chama a atenção sobre a

emergencial necessidade de observar o mundo que nos cerca sob a luz da memória e o

papel da instituição escolar nesse contexto, vemos em Tabus acerca do magistério os

obstáculos percebidos por Adorno que a educação enfrenta.

Tabus acerca do magistério

Em Tabus acerca do magistério22, Adorno (1995c) revela suas impressões sobre

problemas que a própria profissão do professor enfrenta. Ele registra suas impressões

relativas a uma série de problemas relacionados ao magistério e à imagem que se faz do

professor na Alemanha da década de 1960, mas ainda que passados mais de quarenta

anos, talvez não seja exagero considerar que se trata de um fenômeno bastante familiar

e característico do contexto atual. Ele considera que há certo menosprezo generalizado

pela profissão do professor e também a necessidade de pesquisas sobre o assunto, em

especial estudos de caso com análises de caráter psicanalítico.

Para Adorno, o menosprezo dos alunos pelos professores ocorre desde a

22 Transcrição da palestra apresentada no Instituto de Pesquisas Educacionais de Berlim, em 21 de maio de 1965, transmitida e publicada no mesmo ano (ADORNO, 1995, p. 187).

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antiguidade, persiste até a atualidade e corresponde aos tabus, ou seja, às representações

normalmente de caráter inconscientes que há contra o magistério (ADORNO, 1995c, p.

98).

Pode-se destacar ao menos dois tabus presentes no texto: 1) a separação entre

força física e força intelectual, na qual a primeira sempre foi mais privilegiada pela

sociedade. Nesse ínterim, vale lembrar que, na própria escola, por muito tempo foi

comum a imposição da disciplina por meios bárbaros (como a palmatória e a imposição

de castigos degradantes). Esse tipo de violência continua presente discretamente por

meio de elementos da estrutura escolar, como a hierarquia, estrutura avaliativa baseada

em notas, regulamentos coercitivos ou mesmo a violência simbólica, muito presente nos

casos de Bullying cometidos pelos professores e também pelos alunos; 2) os complexos

processos de identificação por parte do aluno. Por isso, Adorno explica que a imagem

do professor tende a ser a de um carrasco, principal responsável pela ordem e disciplina

que detém o poder de penalizar aqueles que não seguem as normas. Os alunos se sentem

no direito de transgredir as regras, pois se identificam com o agressor: “A desonestidade

presente no aluno que consulta o livro durante uma avaliação tem vínculo direto com o

professor que se diz compreensivo e aberto ao diálogo e que, na primeira oportunidade,

pune com todas as suas forças” (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 1999, p.

127).

Esses problemas retratados por Adorno constituem alguns dos desafios que a

educação precisa superar para exercer sua função prioritária: contribuir para a

emancipação da sociedade.

Para tanto, o caminho que a educação deve seguir é o da desbarbarização da

sociedade: “O pathos da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do

existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida

em que se conscientiza disso” (ADORNO, 1995c, p. 117), tese aprofundada no texto

Educação após Auschwitz, (ADORNO, 1995d) conforme veremos a seguir.

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Educação após Auschwitz

Em Educação após Auschwitz23, Adorno (1995d) defende a ideia de que o

principal objetivo de toda educação é a exigência de que Auschwitz não se repita. Ele

explica sua enfática preocupação em virtude do fato de que, mesmo com a humanidade

supostamente esclarecida e com todos os progressos conquistados, algo tão bárbaro

como Auschwitz ainda teve condições para ocorrer. Diante disso, fica evidenciado que o

desenvolvimento científico e tecnológico não corresponde necessariamente ao

desenvolvimento social e humano e que as condições objetivas para que Auschwitz

ocorresse continuam presentes mesmo após a tragédia: “O simples fato de ter ocorrido

já constitui por si só expressão de uma tendência social imperativa” (ADORNO, 1995d,

p. 120).

Para Adorno (1995d), se em Auschwitz ocorreu o sacrifício de milhões de

inocentes, logicamente existiram pessoas incumbidas de cometê-lo. E como é possível

que tantas pessoas tenham colaborado para esse crime contra a humanidade? Adorno

argumenta que a resposta a essa questão está relacionada a uma das principais

características daquilo que ele denominou como sociedade administrada: o coletivo

pressiona o particular para que atue conforme o senso predominante. Esse senso

predominante está em prol de ideais que nem sempre privilegiam o social. A autonomia

é destruída em prol da heteronomia. Adorno explica muito bem esse fenômeno, ao

ressaltar:

A pressão do geral dominante sobre tudo o que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e o individual juntamente com seu potencial de resistência. Junto com sua identidade e seu potencial de resistência, as pessoas também perdem suas qualidades, graças a qual têm a capacidade de se contrapor ao que em qualquer tempo novamente seduz ao crime (ADORNO, 1995d, p. 122).

Se as condições para a repetição de Auschwitz ainda persistem, o que é possível

fazer para evitar a repetição da barbárie? Adorno explica que para tanto é necessário

conhecer os mecanismos subjetivos que tornaram possíveis o acontecimento do

23 Transcrição da palestra apresentada pela Rádio de Hessen, transmitida em 18 de abril de 1965 (ADORNO, 1995, p.187).

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Auschwitz. A conscientização e o esclarecimento racional sobre tais mecanismos são

capazes de dissolvê-los ou ao menos de fortalecer a pré-consciência para que ela tenha

condições de resistir quando diante de contextos potencialmente extremos. A educação

política da sociedade é um dos melhores caminhos para que Auschwitz não se repita:

“Para isso, teria de se transformar em sociologia, informando acerca do jogo de forças

localizado por trás da superfície das formas políticas” (ADORNO, 1995d, p. 137). A

tese de que a função primordial da educação é a de impedir que atos extremamente

bárbaros como Auschwitz não aconteçam novamente é retomada em A educação contra

a barbárie (1995f), texto em que nos deteremos a seguir.

Educação contra a barbárie

Educação contra a barbárie24 consiste no debate em que Adorno (1995f) e

Becker discutem a educação como meio para desbarbarização da sociedade. Mas esse

conceito – barbárie – tem relações potentes com a emancipação? Até que ponto a

educação da sociedade contemporânea colabora com a barbárie? A educação contra a

barbárie expõe as reflexões sobre tais questões. Adorno esclarece seu conceito de

barbárie, que consiste na regressão à violência física sem vínculos transparentes com os

objetivos racionais da sociedade. Para o filósofo, nem todo tipo de violência é barbárie,

tal como aquela que visa à geração de condições humanas mais dignas (ADORNO,

1995f, p. 159).

Ele elucida que na sociedade contemporânea as pessoas são tomadas por uma

agressividade primitiva, ou seja, um tipo de impulso à destruição com potencial para

gerar barbárie. Uma razão possível para essa característica da sociedade atual é

decorrente dos momentos repressivos ou opressivos da cultura predominante, em que as

pessoas podem sublimar tais impulsos por meio de atos bárbaros (ADORNO, 1995f, p.

157). Esses impulsos agressivos podem ser direcionados a tendências produtivas

(ADORNO, 1995f, p. 158), aspecto que norteia significativamente a psicanálise

freudiana. Entretanto, a sociedade tende a não oferecer alternativas que atendam a tais

24 Transcrição do debate na Rádio de Hessen (Alemanha), transmitido em 14 de abril de 1968 (ADORNO, 1995, p. 187).

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tendências. Assim, a falência da cultura (ADORNO, 1995f, p. 164), composta pela

gama de promessas que a cultura não consegue cumprir, é um dos aspectos

preponderantes que geram barbárie.

Mesmo na primeira infância já estão presentes fatores que podem estimular

comportamentos bárbaros ou emancipados. Adorno considera que essa etapa do

desenvolvimento humano assume um papel primordial na formação do caráter do

indivíduo. Desde a infância, aspectos culturais, como a questão da autoridade dos mais

velhos sobre as crianças, podem favorecer a barbárie ou, ao contrário, ir contra ela. A

autoridade cega, sem motivos racionais ou apenas para demonstração de força, tende a

favorecer a barbárie. Entretanto, quando a autoridade é imposta à criança para ir contra

a violência, contribui para a desbarbarização (ADORNO, 1995f, p. 167).

Se nos textos Educação após Auschwitz e Educação contra a barbárie Adorno

enfatiza a educação como um dos meios para eliminar a violência gratuita e

desbarbarizar a sociedade, com base no texto Educação – para quê? (ADORNO,

1995e) ele traça outras características e funções da educação emancipadora.

Educação – para quê?

A emancipação definida por Adorno em nada tem que ver com um ideal

emancipador, ou seja, com um modelo ideológico. Em Educação – para quê?25

(ADORNO, 1995e), Adorno e Hellmut Becker concordam que a educação não pode

estar voltada para modelos preestabelecidos, isto é, não deve ter cunho ideológico.

Quando isso ocorre, existe um momento em que é imposto algo exterior ao indivíduo,

ou seja, em que a vontade heteronômica prevalece. A partir desse momento, a

autonomia do indivíduo fica comprometida. Ora, para se viver uma exigência política

em uma democracia legítima, é justamente a consciência verdadeira, que só pode ser

estimulada pelo pensamento autônomo; daí a necessidade de não pensar em modelos

ideais. Sobre esse assunto, Becker alerta-nos sobre o risco de que a própria emancipação

se torne um ideal orientador. Em outras palavras, a emancipação não pode também ser

25 Transcrição do debate na Rádio de Hessen (Alemanha), transmitido em 26 de setembro de 1966 (ADORNO, 1995, p.187).

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considerada um modelo ideal preestabelecido? Se a proposta é a autonomia, o indivíduo

não poderia ter a liberdade de optar ou não por esse “ideal emancipador”, do mesmo

modo que poderia optar por qualquer outro modelo? Em resposta a essa provocação,

Adorno lembra que vivemos em um mundo cuja própria organização já constitui uma

ideologia dominante, com poder e força superior a da educação (ADORNO, 1995e).

Tendo em vista que esse fenômeno já afeta os indivíduos desde a infância, como

saber se o indivíduo que opta por um modelo ideológico em vez da própria emancipação

não está sendo justamente influenciado pela ideologia dominante?

Para pensar essa questão, cabe recorrer à leitura do texto Educação – para quê?,

de Pucci (2010), no qual ele ressalta que Adorno defende a ideia de que o processo de

adaptação do indivíduo à heteronomia não é uma imposição puramente externa. Não se

trata de uma adaptação passiva do indivíduo às imposições do ambiente externo. A

manipulação do sistema sobre os indivíduos é o aspecto mais visível, entretanto essa

adaptação parte de uma decisão deliberada do próprio indivíduo, que vê nessa adaptação

a única alternativa para viver em sociedade (PUCCI, 2010, p. 45). Desse modo, a

adaptação apresenta uma esfera externa ao indivíduo e, principalmente, uma esfera

interna a ele, pois o processo de adaptação desmesurado “[...] é, sobretudo, resultado de

uma ação imposta pelos indivíduos a si mesmos para sobreviverem no coletivo: eles

precisam impor a adaptação a si mesmos de um modo dolorido” (PUCCI, 2010, p. 45).

Além disso, de certo modo, emancipação significa o mesmo que

conscientização, racionalidade. Por esse motivo, o ideal emancipador estaria mais

relacionado a uma capacidade de perceber criticamente os mecanismos que compõem a

realidade do que na adoção cega de uma visão de mundo (ADORNO, 1995e). Isso não

significa que o pensamento emancipado não pressupõe também, em algum nível, a

adaptação ao mundo em que vivemos. Para compreender a dialeticidade dessa relação,

Adorno explica:

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisso, produzindo nada além de pessoas bem ajustadas, em consequência do que a situação existente se impõe precisamente no que tem de pior (ADORNO, 1995e, p. 143).

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Desse modo, Adorno oferece-nos uma definição de educação que está

relacionada à formação de pessoas preparadas para lidar tanto com a própria

individualidade quanto com as imposições da sociedade (ADORNO, 1995e, p. 141).

Entretanto, isso parece não ser suficiente, pois existem tensões inconciliáveis entre

ambas as funções, que geram um paradoxo. Para Adorno, permitir que o indivíduo se

conscientize de tais incongruências é uma saída para a formação autêntica, ainda que a

harmonia entre esses dois extremos – o que funciona socialmente e o homem formado

em si mesmo – seja irrealizável (ADORNO, 1995e, p. 154). A conscientização é o

caminho para que o indivíduo tenha condições de atuar em conformidade com sua

consciência, agindo ou resistindo.

Adorno explica outro fundamento que caracteriza sua visão sobre a

emancipação, que é a aptidão para a experiência. A sociedade administrada domina de

tal forma a existência humana que intermedeia a experiência das pessoas com a

realidade e molda a forma dos produtos culturais com os quais entram em contato, em

uma tentativa de formatar a própria consciência do indivíduo (ADORNO, 1995e, p.

150). Sem estar apto para vivenciar a experiência, a capacidade de reflexão é

prejudicada. A repulsa de algumas pessoas pelas produções culturais não moldadas em

conformidade com tais critérios é uma manifestação da capacidade reflexiva

prejudicada dos indivíduos. Pucci (2010) ressalta que “[...] elas odeiam o que é

diferenciado, o que não é moldado, porque, se o aceitassem, sua orientação existencial

estaria prejudicada” (PUCCI, 2010, p. 46). Para ilustrar esse fenômeno, Adorno

comenta a preferência popular pelo jazz ou o beat em vez da música séria (ADORNO,

1995e, p. 149).

Atualmente, no Brasil, vemos por um lado a preferência por estilos musicais que

podem ser produzidos em larga escala, como a música sertaneja, o funk e a música axé,

e por outro, o desinteresse da sociedade por estilos musicais cuja concepção seriada é

mais difícil, como a autêntica música erudita. O problema, identificado por Adorno, não

está tanto nos estilos musicais em si, e sim no fato de serem produzidos e

comercializados sem cogitar questões que envolvam a qualidade cultural de tais

produções, apenas sua rápida aceitação pelo mercado e assimilação pelo público.

Os textos descritos até então nos fornecem indicações do que é a emancipação

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para Adorno. No entanto, esse conceito é mais bem trabalhado no debate que gerou o

último texto do livro, Educação e emancipação26 (ADORNO, 1995g), que receberá a

seguir o foco de nosso estudo.

Educação e emancipação

Em Educação e emancipação, Adorno assume que sua visão sobre emancipação

está diretamente relacionada aos fundamentos de Kant sobre esclarecimento e

menoridade. A educação deve promover a autonomia para possibilitar uma formação

emancipada que tenha condições de resistir aos apelos de uma sociedade heterônoma. A

atuação autônoma dos indivíduos é um pressuposto básico de uma sociedade

democrática. Entretanto, essa mesma sociedade não viabiliza uma formação que permita

ao indivíduo sair de sua menoridade. Tanto o sistema educacional alemão da década de

1960, abordado por Adorno, como o atual, na sociedade brasileira, retratam bem essa

realidade.

Tal problema chega ao ponto de que é perceptível, no campo da educação, a

ausência de uma postura mais enfática que relacione a educação à emancipação, aspecto

que Adorno considera assustador e nítido (ADORNO, 1995g, p. 172). Por outro lado,

Adorno constatou também uma realidade ainda hoje notória em escala mundial: que a

educação está voltada para a adaptação dos indivíduos, um fenômeno considerado

explicitamente contra os pressupostos de uma democracia (ADORNO, 1995g, p. 172).

O filósofo acrescenta que a sociedade deveria ser conscientizada sobre tais

discrepâncias: “[...] essas coisas deveriam ser expostas e apresentadas de modo mais

acessível, tal é o mofo que continua envolvendo na Alemanha até mesmo numa questão

aparentemente tão pertinente ao pleno espírito como a emancipação” (ADORNO,

1995g, p. 173). A mera conscientização sobre esse fenômeno já é um significativo passo

para a geração de uma sociedade mais crítica e propensa à emancipação.

Um dos reflexos mais visíveis de um sistema educacional que não oferece aos

26 Transcrição do debate na Rádio de Hessen (Alemanha), transmitido em 13 de agosto de 1969 (ADORNO, 1995, p.187).

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indivíduos alternativas para que ele saia de sua menoridade é o culto ao talento27. Tanto

Adorno quanto Becker compartilham a opinião de que não existe talento nato, pois as

habilidades do indivíduo estão diretamente ligadas às experiências pelas quais ele passa

no decurso de seu desenvolvimento.

A questão da autoridade também é retomada no texto Educação e Emancipação.

Adorno lembra que a identificação da criança com a figura do pai, ou seja, com uma

autoridade, é necessária para que ela possa construir sua própria identidade. Entretanto,

a partir de certo momento, a própria criança percebe que essa figura não corresponde ao

eu ideal que elas aprenderam, de modo que, assim, ela tende a se libertar dele e a tornar-

se uma pessoa emancipada. “Penso que o momento da autoridade seja pressuposto

como um momento genético pelo processo da emancipação” (ADORNO, 1995g, p.

177).

Além do ambiente familiar, a escola tende atuar em prol da barbárie, ao

estimular a educação por intermédio da competição. Ao invés de promover um

ambiente de aprendizagem cooperativo e lúdico, busca-se o desempenho máximo

estimulando-se a competição entre os alunos ou grupos de alunos (ADORNO, 1995g, p.

163). A leitura de Pucci (1999) ressalta: “É preciso reconstruir a individualidade do

sujeito na experiência com os outros sujeitos, para que essa individualidade seja a fonte

impulsionadora de resistência num mundo danificado” (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-

OLIVEIRA, 1999, p. 131). Além de uma transformação da sociedade, isso também

requer uma mudança no paradigma educacional, que, em vez de privilegiar a

competitividade, passaria a dotar as pessoas de um modo de se relacionar com o mundo

que as cerca.

Os dois autores concordam que os problemas percebidos na Alemanha parecem

ser de ordem mundial. O pensamento ocidental (especialmente o estadunidense)

marcado pelo darwinismo social é uma demonstração disso. Ora, se existe uma crença

generalizada de que tudo é imposto de forma tão radical, que pode ser comparada ao

nível genético, então só resta aos indivíduos se adaptarem aos moldes que lhes são

determinados.

27 Adorno aborda esse assunto também em seu texto Teoria da Semiformação (2010), no qual reafirma que nada que compõe a formação de um indivíduo pode ser apreendido sem pressupostos (ADORNO, 2010, p. 30).

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Adorno e Becker concordam também que a autonomia não tem condições de ser

efetivamente exercida na sociedade: “[...] Nenhuma pessoa pode existir na sociedade

atual realmente conforme suas próprias determinações” (ADORNO, 1995g, p. 181).

Nesse cenário, em que a totalidade da sociedade capitalista é extremamente repressiva,

como a educação pode contribuir para com o projeto de libertação humana? Por meio da

resistência. As instituições conseguem absorver qualquer iniciativa que revele um

comportamento autônomo, de modo que só nos resta resistir. Outros agentes sociais são

determinantes para que o indivíduo tenha condições de exercer efetivamente sua

autonomia – Adorno nunca negou isso –, entretanto, por meio da educação, é possível

ao menos a geração de indivíduos conscientes e aptos à experiência de negação ao

existente.

Adorno oferece algumas ideias que sinalizam para uma espécie de saída que

podem contribuir para o projeto de produção de sujeitos autônomos e uma sociedade

democrática verdadeiramente emancipada dos ditames do mercado. Expor aos alunos os

instrumentos de manipulação aos quais todos somos. Expor aos alunos os instrumentos

de manipulação aos quais todos somos submetidos, demonstrando quanto são enganosos

e daninhos para o pensamento autônomo, pode constituir uma prática que prepare

nossos jovens para que, mesmo diante de tais mecanismos manipuladores presentes à

sociedade, mantenha um olhar crítico e que perceba as contradições de tais mecanismos

(ADORNO, 1995g).

O principal objetivo deste capítulo foi compreender algumas contribuições de

Adorno para a Educação. Emancipação, formação e autonomia constituem os eixos

adornianos para um projeto por uma educação que tenha condições de contribuir com o

processo de libertação humana. O legado de Adorno instiga-nos a concluir que essa

educação emancipadora e para a resistência é um primeiro passo para uma educação

transformadora. Trata-se da primeira etapa para uma reforma cultural em prol das

emergenciais mudanças nas relações sociais: “Aquele que quer transformar

provavelmente só poderá fazê-lo na medida em que converter esta impotência, ela

mesma, justamente com sua própria impotência, em um momento daquilo que ele pensa

e também daquilo que ele faz” (ADORNO, 1995g, p.185).

A impotência a que Adorno se refere converte-se em potência quando nos

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conscientizamos da necessidade de resistir. Esse é o caminho que a educação precisa

seguir no contexto social: o de incutir nos indivíduos um espírito de resistência e de

busca às contradições da sociedade em que vivemos.

É nesse contexto que a educação, a filosofia estética e a arte se articulam e

assumem um papel primordial na proposta de emancipação da sociedade. O próximo

capítulo discutirá como, da mesma forma que a educação, a arte também apresenta

potencial libertador.

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CAPÍTULO III

ADORNO E A INDÚSTRIA CULTURAL: CATARSE E REGRESSÃO DOS SENTIDOS

O objetivo deste capítulo é compreender de que forma Adorno concebe o

conceito catarse com base na formulação do conceito de indústria cultural. Para tanto,

será analisado o “capítulo” A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação

das massas (HORKHEIMER; ADORNO, 1985), pelo qual os autores estabelecem as

características do tipo de catarse que é estimulada na sociedade contemporânea.

Compreender a catarse provocada pela indústria cultural é fundamental para obtenção

de um contraponto que auxiliará na compreensão da catarse estética autêntica. Além

disso, recorremos ao Resumo sobre indústria cultural (ADORNO, 1979), no qual o

filósofo atualiza o conceito apresentado por ele e Horkheimer na Dialética do

esclarecimento: fragmentos filosóficos.

Para iniciar nosso diálogo, é interessante ressaltar que Adorno e Horkheimer

cunharam o termo indústria cultural no intuito de estabelecer uma distinção com o

conceito de cultura de massa – aquela que supostamente brota espontaneamente das

próprias massas (ADORNO, 1979). A diferença entre esses dois conceitos é extrema,

pois a indústria cultural não é fruto da capacidade de criação artística ou expressão das

massas, pelo contrário, a indústria cultural visa à manipulação das massas por meio de

seus produtos semiformativos. Além disso, ela busca a eliminação de tudo aquilo que

poderia favorecer a transformação da sociedade: “[...] a indústria cultural abusa na sua

consideração para com as massas a fim de duplicar, consolidar e reforçar sua

mentalidade pressuposta como imutável” (ADORNO, 1979).

Adorno e Horkheimer consideram que as manifestações culturais (tais como o

cinema, o rádio e as revistas) dos mais diversos tipos formam um sistema coerente no

qual se impõe um ar de semelhança (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 113). Essa

semelhança não se limita aos meios de comunicação, mas envolve também as produções

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culturais (como filmes e músicas), as mercadorias em geral e até mesmo as pessoas que

deixam de ser consideradas indivíduos com necessidades particulares e passam a ser

tidas como consumidores (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 116). Entretanto, essa

identificação não é legítima, e sim uma “[...] falsa identidade do universal e do

particular” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 114) forçada pela indústria cultural:

trata-se de um exercício de poderio econômico em que os mais fortes economicamente

exercem o controle sobre a sociedade.

Tais efeitos são causados, especialmente, por um mecanismo da indústria

cultural denominado por Duarte (2010) de manipulação retroativa, que é o “[...]

segredo de a indústria cultural atender à demanda das massas e, simultaneamente, impor

determinados padrões” (DUARTE, 2010, p. 48), padrões de consumo, morais e até

políticos. A indústria cultural visa não somente à venda de mercadorias mas também à

pregação de uma ideologia do consumo, na qual o indivíduo, mesmo que não compre

suas mercadorias, tende a acolher passivamente os ideais de uma sociedade

administrada e capitalista. Segundo o próprio Adorno (1979),

[...] a indústria cultural não tem mais necessidade de perseguir diretamente e em qualquer lugar o lucro para o qual nasceu. Este interesse se objetivou na sua própria ideologia; as mercadorias culturais que devem ser engolidas em qualquer caso, podem também emancipar-se da obrigação de serem vendidas (ADORNO, 1979).

Em outras palavras, não se trata de “comprar” apenas um produto cujo valor

objetivo (baseado em sua produção, força de trabalho, matéria-prima e demais atributos

objetivos) é aumentado por meio da publicidade e propaganda: vitrinismo e demais

artifícios mercadológicos para prospecção de consumidores. Trata-se, principalmente,

de assumir uma ideologia baseada no consumismo. Adorno não nega a existência de um

fundamento estético nos produtos da indústria cultural. Contudo, essa estética

estimulada pelas mercadorias não requer um mínimo de reflexão, pelo contrário, força o

indivíduo a “[...] não mais comprar essa ou aquela mercadoria, mas o sistema de

exploração econômica como um todo” (DUARTE, 1997, p. 32).

Isso explica o motivo de tantas produções consideradas “culturais” serem

disponibilizadas “gratuitamente” para a sociedade. Grande parte dessas produções

reforça a ordem social vigente. Por exemplo, as telenovelas impõem padrões de

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comportamento; as rádios difundem os hits que devem ser escutados no momento; o

telejornalismo oferece uma visão de mundo fragmentada e incompleta28.

Sobre as telenovelas, vale ainda uma ressalva, dada sua natureza cênica que

pode produzir um tipo de catarse semelhante à catarse teatral (ressalvadas as diferenças

tecnológicas envolvidas): para aqueles que defendem que elas trazem alguma

informação, Adorno ressalta que a qualidade dessas informações é medíocre e a

quantidade insignificante. Os modelos de comportamento propostos são muito mais

daninhos ao pensamento autônomo do que úteis, pois são puramente conformistas

(ADORNO, 1969). Não apenas é enfatizado o que convém ao sistema, mas são

suprimidos quaisquer elementos que poderiam conduzir seriamente a questionamentos

acerca de sua natureza e pressupostos (DUARTE, 1997, p. 34). E como ocorre essa

manipulação?

A sociedade está saturada de informações que tendem a formatar os gostos e

costumes dos indivíduos. Tais informações são veiculadas por meio de diversos tipos de

mensagens escritas, sonoras, imagéticas. A difusão de imagens é o que mais predomina

a respeito de informação que circula na esfera pública. Essas imagens, em sua maioria,

são produzidas pela indústria cultural que tem sido a principal forma pela qual os

membros da sociedade contemporânea assimilam os valores sociais, a forma de ser e

estar no mundo contemporâneo que tendem a torná-los submissos às necessidades do

mercado (DUARTE, 2010, p. 42). Essas são algumas das premissas que levaram

Adorno e tantos outros integrantes da Escola de Frankfurt a defender a tese de que a

humanidade vive em uma sociedade administrada. Mesmo fora de seu horário de

trabalho, o indivíduo continua a se submeter às regras do sistema capitalista:

28 Gostaria de chamar a atenção para algo que envolve essa discussão e que diz respeito ao perigo de cairmos em uma armadilha ao fetichizarmos a indústria cultural. As telenovelas têm autores; as rádios têm produtores; o telejornalismo tem diretores executivos, editores. Portanto, a indústria cultural tem seus operadores, gerentes, executivos. São de carne e osso. Defendem ideais. Têm perspectivas de mundo e concepções políticas, ideológicas. Por isso, diferentemente de uma geladeira que carrega consigo uma concepção estética, quando o público assiste à telenovela ou ao telejornal, ouve um programa de rádio, assiste a um filme no cinema, a uma peça de teatro, ele está em relação direta com essa dimensão ideológica. Daí a ideia de indústria cultural. É aqui que os sujeitos aderem com mais facilidade aos imperativos da sociedade administrada. Estar a ela adaptado é fundamental. Para tanto, quanto mais indústria cultural, mais semiformação – o indivíduo tende a se considerar um sujeito completo, sábio, inteligente, incluído; ele tem o que ouvir, consegue falar aquilo que todos falam, escutar o que todos escutam e, em muitas situações, é capaz de se considerar um gênio, pelo simples fato de ter conseguido consumir meia dúzia de informações que, na realidade, são como poeira no deserto.

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A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinada integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento, que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 128).

Em tese, a indústria cultural priva o indivíduo de interpretar e compreender o

mundo ao seu redor. Ela mesma se encarrega dessa tarefa. Essa é sua principal

característica e função na sociedade atual.

Com base no conceito de esquematismo kantiano, termo definido por Immanuel

Kant em sua obra Crítica da razão pura, Adorno e Horkheimer explicam que esse

mecanismo – usado pelo indivíduo para interpretar racionalmente os fenômenos ao seu

redor – foi apoderado pela indústria cultural: “Para o consumidor, não há nada mais a

classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção”

(HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 117).

Rodrigo Duarte (2010) foi o primeiro pesquisador brasileiro a ter feito um

tratamento filosófico sobre o conceito que, em Adorno e Horkheimer, traduz a

apropriação realizada pela indústria cultural: a usurpação do esquematismo kantiano.

Duarte (2010) ainda vincula esse fenômeno ao conceito de semiformação.

Para compreender melhor o conceito de esquematismo kantiano, cabe retomar

outro conceito de Kant, que é o de faculdade do juízo. Essa qualidade humana

corresponde à nossa capacidade de subsumir casos específicos sob regras gerais

(DUARTE, 2010, p. 50). Segundo Kant, essa capacidade funciona da seguinte forma: a

sensibilidade (que corresponde à faculdade de intuir, perceber e sentir o mundo por

meio das habilidades cognitivas) é inteiramente separada do entendimento (que

corresponde à faculdade de estabelecer conceitos e de raciocinar logicamente). Kant

defendia a ideia de que o conteúdo dos conhecimentos vinha das percepções humanas –

da sensibilidade –; entretanto, para que esse conteúdo pudesse ser efetivamente

conhecido e fazer algum sentido para o indivíduo, precisava ser sistematizado na

consciência por meio de uma estrutura lógica já presente no indivíduo, isto é, do

entendimento (DUARTE, 2010, p. 51).

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Contudo, para Kant, não há possibilidade de um relacionamento direto entre

essas duas faculdades humanas, em virtude de serem totalmente diferentes, restando

então o recurso de um tipo de mediação que possibilita o conhecimento objetivo do

mundo externo – aquilo que Kant denominou como esquematismo (DUARTE, 2010,

p.51)

Então é claro que deveria haver um terceiro elemento que deve estar em igualdade, por um lado, com a categoria e, por outro, com o fenômeno e torna possível a aplicação daquela a este. Essa representação mediadora deve ser pura (sem qualquer elemento empírico): por um lado, entretanto, intelectual; por outro lado, deve ser sensível. Uma representação desse tipo é um esquema transcendental (KANT, citado por DUARTE, 2010, p. 51).

Adorno e Horkheimer defendem que o esquematismo kantiano foi usurpado, ou

expropriado, pela indústria cultural (DUARTE, 2010, p. 52). Isso significa que esse

esquematismo, que deveria ser pura atribuição do sujeito, passa a ser realizado pela

própria indústria cultural, de uma forma que o indivíduo não precisa mais interpretar os

dados fornecidos pelos sentidos (DUARTE, 2010, p. 52), pois esse processo é realizado

pela própria indústria cultural. Nesse contexto, as pessoas são treinadas para a

percepção dirigida apenas ao que interessa e como convém ao sistema de dominação

(DUARTE, 1997, p.33). A usurpação do esquematismo acarreta, ainda, um elevado

grau de previsibilidade das mercadorias culturais, o que, por sua vez, possibilita e

estimula sua assimilação imediata (DUARTE, 2010, p. 53).

Trata-se da despotencialização da capacidade de perceber o mundo a sua volta

que acarreta uma postura passiva diante do mundo e naquilo que Adorno denominou

regressão dos sentidos. Os sentidos do indivíduo tornam-se receptivos apenas às

experiências sensoriais oferecidas pela indústria cultural e tendem a rejeitar outros tipos

de experiências. Esse efeito não se limita ao mundo sensível, empobrece também o

pensamento e o intelecto humano como um todo, como afirma Pucci (2000):

[...] a regressão dos sentidos é muito mais que um efeito funesto no sensorium dos homens. O ser humano é uma unidade. Ao atingir seus sentidos, atinge-lhe ao mesmo tempo sua capacidade de entender, de refletir, de especular, de ser ele mesmo; atinge-lhe sua autonomia, sua capacidade de fazer experiências. É tocado como um todo, despedaçado que já se tornou (PUCCI, 2000, p. 66).

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Loureiro e Della Fonte (2003) ressaltam que a regressão pode chegar ao ponto

do completo anestesiamento dos sentidos, situação em que a apreciação da produção

cultural se confunde com o reconhecimento da produção cultural: “Essa lógica é tão

forte que os consumidores acreditam assistir ao que gostam e ouvir o que apreciam, o

que, na maioria das vezes, não passa de um anestesiamento dos sentidos, realizado pela

repetição massiva de certos produtos da indústria cultural” (LOUREIRO; DELLA

FONTE, 2003, p. 57).

Mendonça (2003) elucida uma possibilidade acerca da regressão dos sentidos

ainda mais perigosa – a de que ela implique a regressão ética do indivíduo – a ponto

que ele se sujeite a barbárie:

Embora não explicitada, é inegável em Adorno que a regressão dos sentidos irá corresponder a uma regressão na eticidade do homem moderno, domado como sujeito, individualista antes que indivíduo. Deste modo, a regressão física dos sentidos irá corresponder à regressão ética da sociedade marcada pelo “cárcere de ferro” imposto pela razão instrumental, base da violência (MENDONÇA, 2003, p. 118).

Isso demonstra que os efeitos da indústria cultural sobre a humanidade não se

limitam à geração de uma sociedade administrada, alienada e/ou conformista, mas

também potencialmente bárbara. Por isso, não é de estranhar que Adorno tenha

explicitado, por diversas vezes em seus textos e palestras, que a função principal da

educação é desbarbarizar a sociedade, o que, de alguma maneira, implica refletir sobre

a ação daquela indústria na formação dos indivíduos em geral.

A uniformização é tamanha, que até mesmo o estilo foi destruído em prol de

uma unidade coesa. “O estilo da indústria cultural é ao mesmo tempo a negação do

estilo” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 122), pois, independentemente da forma

verbal, pictórica, musical, tudo o que é expresso se reconcilia com a universalidade

imposta pela indústria cultural (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 122).

E qual a relação entre tais fenômenos e a catarse? A catarse, nesse contexto,

tende a se processar como um mecanismo de manipulação, busca a uma total

identificação do indivíduo. Ao assemelhar-se com a realidade ideologicamente

construída, além de impor ao indivíduo um padrão a ser copiado no mundo real, incute-

lhe que “[...] a condição de vida nesta sociedade é o desgaste contínuo, o esmagamento

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de toda resistência individual” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 130). Um dos

melhores exemplos disso, recuperado por Adorno, é o Pato Donald, personagem que

sofre todo tipo de infortúnio, sofrimento e humilhação. Trata-se de uma forma de

mostrar para as crianças que assim é a vida; então, só lhe resta aceitar passivamente.

A catarse, na indústria cultural, manifesta-se também como a apresentação da

satisfação como uma promessa rompida (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 131).

Atores e cantores expõem-se como objetos de desejo e consumo, despertam paixões por

parte dos espectadores, porém a satisfação máxima que esses poderão ter é a da

promessa rompida. “A indústria cultural não sublima, mas reprime” (HORKHEIMER;

ADORNO, 1985, p. 131).

Duarte (1997) destaca que essa é uma das discrepâncias mais evidentes entre o

produto da indústria cultural e a obra de arte autêntica:

[...] enquanto o produto cultural industrial se vale da sexualidade como uma espécie de “isca” para atrair a atenção dos consumidores, frustrando-lhes sistematicamente a satisfação de seu apetite, com o claro objetivo de estimular um consumo infindável, as obras de arte, por assim dizer, “metabolizam” a libido de seus produtores e potenciais fruidores através de um processo de sublimação que, se por um lado, adia a satisfação da pulsão, por outro, mantém o espírito desperto para uma possível transposição do desejo individual, momentaneamente frustrado, para o plano mais amplo da emancipação humana (DUARTE, 1997, p. 36).

A reflexão de Duarte confronta os dois tipos de catarse em jogo: a provocada

pela indústria cultural, que busca a sedução dos consumidores por meio da provocação

de uma falsa identificação, e a provocada pela arte autêntica, que possibilita um

processo de sublimação direcionado à emancipação. No próximo capítulo, discutiremos

com mais propriedade a catarse provocada pela arte autêntica.

Podemos considerar também a exibição de lugares paradisíacos, mansões

luxuosas e com confortos requitados, ou mesmo a apresentação de padrões de vida

extravagantes, como outros exemplos de promessas rompidas que o indivíduo só pode

desfrutar em sua tolhida imaginação. A indústria cultural fornece-nos imagens

estereotipadas de valores que são apreendidos como inerentes ao mundo real. Por essa

via, consegue estimular o comportamento consumista. “A semelhança perfeita é a

diferença absoluta. A identidade do gênero proíbe a dos casos. A indústria cultural

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realizou maldosamente o homem como ser genérico” (HORKHEIMER; ADORNO,

1985, p. 136). Isso tudo impõe uma ideologia que tem por principal objetivo manter o

mundo como tal. A diversão e o entretenimento se tornam facetas por meio das quais

atua a catarse: “A diversão realiza a purificação das paixões que Aristóteles já atribuía à

tragédia” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 135), entretanto não sublima, e sim

expõe o indivíduo a sensações triviais penosas e agradáveis, para que ele possa dominar

com maior segurança os próprios impulsos (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 135).

Tais efeitos são provocados de tal modo e com tamanha intensidade e

frequência, que ressignificam valores e conceitos tradicionais. Ter personalidade, por

exemplo, passa a ser nada mais do que ter uma série de atributos superficiais (como

dentes brancos e axilas limpas) adquiríveis na sociedade capitalista. De forma similar,

bem-estar tem um significado relativo a ter saúde física e condições fisiológicas básicas

para sobrevivência, não envolvendo nem pensamento reflexivo nem capacidade crítica.

Somente aquilo que pode ser adquirido no mundo capitalista ou necessário para que o

indivíduo atue em prol do status quo, é levado em consideração pela indústria cultural

(HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 156). “As mercadorias culturais da indústria se

orientam, como já disseram Brecht e Suhrkamp há trinta anos, pelo princípio da sua

valorização, e não pelo seu próprio conteúdo e da sua forma adequada” (ADORNO,

1979).

Como as constatações de Adorno e Horkheimer foram feitas com base na análise

do contexto social de sua época, é natural indagar se o conceito de indústria cultural

continua atual e se a ideia de semiformação ainda se faz presente na sociedade e na

educação escolar. Em outros termos, se as contribuições dos teóricos da Teoria Crítica

da Sociedade continuam válidas para entender o nosso tempo.

Vários estudos apresentam evidências empíricas que atestam a validade dos

pressupostos de Adorno e Horkheimer, o que nos permite concluir que sim.

Selecionamos quatro estudos (SILVA, 2009; SILVA, 2011; CARONE, 2003 e

OLIVEIRA, 2008) cujas metodologias, abordagens e propostas demonstram a

atualidade da argumentação apresentada até então. Tais estudos têm em comum a

aplicação de métodos empíricos e o aporte teórico da Teoria Crítica da Sociedade,

especialmente as contribuições de Adorno.

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Adorno e a educação musical pelo rádio

Iniciaremos nossa análise com o artigo Adorno e a educação musical pelo rádio

(CARONE, 2003), em que a autora recupera um estudo realizado por Adorno sobre um

programa semanal da National Broadcasting Company (NBC). O programa foi

veiculado nas rádios dos Estados Unidos da América do Norte no período de 1938 a

1941 e era destinado à educação musical de crianças e jovens em idade escolar. São

pelo menos três as razões de recuperarmos um estudo adorniano acerca de uma

expressão artística diferente da proposta pelo nosso trabalho. Primeiramente, porque

trata da atuação da indústria cultural quando seus efeitos eram iniciais – o próprio termo

indústria cultural ainda não havia sido formulado por Adorno e Horkheimer –, de forma

que não havia estudos amadurecidos até então sobre as relações que estavam se

estabelecendo entre a cultura e capitalismo. Em segundo lugar, Adorno aborda em seu

estudo o tipo de catarse provocada nos espectadores por meio do programa de rádio. Por

fim, a terceira razão refere-se ao fato de o artigo ser publicado apenas 55 anos depois do

estudo realizado por Adorno, o que indica que se trata de algo que pode auxiliar-nos a

tanto compreender a música no tempo em que foi escrito quanto para se levantar um

panorama histórico de como tem sido tratada a arte musical até a atualidade. De fato,

Adorno percebeu naquela época algo ainda não tão nítido, que é a degeneração da

cultura musical, fenômeno atualmente explícito em nossa sociedade (CARONE, 2003,

p. 492).

O artigo resultante do estudo de Adorno foi arquivado na Universidade de

Columbia, em Nova York, até 1994, ocasião em que foi redescoberto por musicólogos e

publicado na revista estadunidense The Musical Quarterly. E por que o artigo não foi

publicado na época em que foi escrito? A autora conta que, apesar de Adorno já ser

reconhecido como um grande conhecedor de música erudita, o fato de o artigo

corresponder a uma dura crítica musical que atacava um programa educativo para

crianças e jovens provavelmente tornou o texto inaceitável para aquele contexto.

E quais seriam essas críticas? Para começar, apesar das supostas boas intenções

em levar a música erudita para aqueles que não podiam ter acesso a concertos, Adorno

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pretendia em seu artigo demonstrar que a radiodifusão falhava em levar para os ouvintes

uma relação viva e real com a música (CARONE, 2003, p. 479).

Sua crítica dividia-se em duas partes: na primeira, foram examinados os

postulados implícitos nos manuais do estudante; na segunda, Adorno criticava a estética

do efeito, que reduzia a apreciação musical à diversão, subordinando a música erudita às

exigências da indústria cultural (CARONE, 2003, p. 479).

Adorno constatou que, no anseio de se popularizar a arte, ocorre uma

simplificação dela, o que acarreta uma arte deformada e potencialmente voltada para

fins ideológicos:

[...] músicas clássicas, geradas muito antes da sociedade industrial e gozando de autonomia como obras de arte, foram convertidas em pseudocultura pelos monopólios comerciais da música, com a finalidade de “democratizar” a música clássica e promover uma aparente “elevação cultural” das audiências (CARONE, 2003, p. 479).

Dentre as várias críticas apontadas por Adorno, a principal refere-se à

constatação de que, apesar de o programa propor estimular a cultura musical, na

verdade apresentava um formato que tendia ao resultado inverso, ou seja, estimular a

semformação. Isso ocorre especialmente pelo fato de o programa reduzir a apreciação

musical aos efeitos da música sobre o ouvinte, de forma semelhante a que fez

Aristóteles, ao apresentar a catarse emocional enquanto finalidade principal da tragédia,

conforme vemos nas palavras de Adorno:

A apreciação seria a soma total dos efeitos musicais no ouvinte. É uma noção comum em estética desde a definição de tragédia por Aristóteles como uma forma de arte cujo objetivo era o de produzir os efeitos de piedade e medo no espectador (ADORNO citado por CARONE, 2003, p. 485).

Para Adorno, a experiência estética provocada pela obra de arte deve fundir o

efeito com a apreensão do significado da obra. Isso requer a compreensão intelectual

dela, aspecto fundamental não contemplado pelo programa. Tal deficiência permitiu que

Adorno sinalizasse que o programa tratava a arte como uma mera fruição sensorial da

música (CARONE, 2003, p. 486). A consequência principal dessa limitação é a

tradução da arte musical como apenas uma das várias alternativas disponíveis para

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diversão e prazer. Carone (2013) vai além e infere que esse aspecto, ao invés de tornar a

vida mais leve, tende, na verdade, a mostrar quanto a vida é dura, enquanto na arte tudo

pode ser divertido: “Relacionada com humor, diversão e relaxamento, essa noção

pressupõe que a arte não deva ser séria, nem mesmo na esfera estética, postulando, ao

contrário, que a arte é contra a realidade árdua da vida real” (CARONE, 2003, p. 487).

A autora considera que a crítica de Adorno poderia parecer injusta na época em

que foi realizada. Na atualidade, suas deduções não parecem ser tão cruéis, dada a

visível barbárie que podemos observar na indústria cultural da música. Opinião

compartilhada por vários críticos musicais da atualidade, como se Adorno tivesse

diagnosticado o problema quando seus efeitos ainda eram iniciais e confusos

(CARONE, 2003, p. 492).

Evidências empíricas da semiformação

Em Evidências empíricas da semiformação (SILVA, 2009), o autor visava a

demonstrar que a cultura predominante na sociedade atual continuava a gerar

semiformação. O autor defende a ideia de que a cultura letrada proposta pela educação

escolar tem como extremo oposto a cultura de massa, que é ideológica, fruto de uma

práxis material alienada que atua no sentido de fazer os indivíduos aceitarem o mundo

tal como se apresenta imediatamente (SILVA, 2009, p. 330).

Para “testar” sua hipótese, o autor optou por estudar alunos de uma escola

pública de ensino fundamental e médio de uma cidade de São Paulo. Sua estratégia de

pesquisa envolveu entrevistar e observar um grupo de 150 adolescentes

aproximadamente, de 13 a 16 anos. As perguntas procuravam descobrir suas atividades

quando estão fora da escola e suas opiniões sobre ela. A maioria dos entrevistados

declarou rejeição – em muitos casos até ódio – ao exercício do pensamento e da

reflexão sobre qualquer assunto. Além disso, foi constatada grande predileção por

atividades rápidas que envolvem mobilidade e, às vezes, apenas o mero reflexo. Entre

essas atividades, destacaram-se assistir TV, navegar na internet, jogar videogame, jogar

futebol e passear com amigos.

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Tais resultados foram analisados especialmente com base nas contribuições de

Adorno e Walter Benjamin. Os relatos permitiram que o autor constatasse nos alunos

grande aversão à teoria e inaptidão à experiência. Tais percepções coadunam

perfeitamente com os pressupostos de Adorno. O autor ainda inferiu, fundamentado em

sua pesquisa, que

[...] há um verdadeiro reducionismo das capacidades intelectuais dos seres humanos empreendida por toda a Indústria Cultural. Esta tem como único objetivo a geração do capital, não importando a ela o desenvolvimento intelectual, ou não, de seus consumidores (SILVA, 2009, p. 336).

Mesmo a prática de esportes, como futebol, também se relaciona aos danos

provocados pela indústria cultural. A indústria cultural estimula o interesse da

população pelas competições esportivas. Esse fenômeno é fácil de observar na

programação das emissoras de TV abertas, que apresentam uma grande quantidade de

programas específicos sobre esportes (sem falar nas notícias apresentadas nos

telejornais, que sempre têm o esporte em suas pautas) e praticamente nenhum programa

voltado para cultura ou artes29.

Nesse sentido, para Silva (2009) “a experiência social que vai sendo propiciada

ao ser humano o acostuma à aceitação, o relaxamento, a retração da imaginação e das

ideias” (SILVA, 2009, p. 337). Esses aspectos são reflexos de um tipo de cultura que

inibe a reflexão e a capacidade de interpretação do mundo por conta própria. Vemos

assim como se dá a usurpação do esquematismo, que tende a ocorrer com os indivíduos

submetidos à indústria cultural. “A compreensão se torna presa do reconhecimento”

(SILVA, 2009, p. 337). A pesquisa de Silva (2009) também apurou indícios da

regressão dos sentidos, outro aspecto ligado à usurpação do esquematismo:

Ora, se constantemente todos os cidadãos, isto é, os consumidores, são bombardeados por produtos standartizados, isto significa que eles só têm acesso ao que é sempre idêntico. [...] Aquilo que não se encaixa naquelas categorias é por demais arriscado para ser produzido (SILVA, 2009, p. 339).

29 Tal questão tem repercussões diretas sobre a hipótese defendida por este trabalho, já que esse tipo de atividade física requer basicamente destreza e habilidade física, com um nível reflexivo relativamente baixo se comparado ao propiciado por atividades culturais ou artísticas. Uma escolha natural por parte da indústria cultural, que opta por apresentar esse tipo de programa em detrimento a programas que abordem assuntos que possibilitariam a reflexão crítica.

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A autora fez uso de observações gerais para suas deduções, entretanto destacou

um caso isolado: trata-se de um aluno que se caracterizava como um típico jovem da

zona rural e que abandonou a escola por notório desinteresse pela cultura letrada. Após

alguns anos, esse jovem passou a frequentar os portões da mesma escola onde estudou,

dessa vez portando símbolos da cultura urbana e assumindo outro tipo de

comportamento. Tal aluno passou a ser mais benquisto pelos colegas, especialmente

pelas garotas. Esse caso ilustra o tipo de socialização que é estimulada em uma

sociedade submetida à indústria cultural. “Os fatos ocorridos com este ex-aluno são a

prova cabal de que estamos diante de um clima cultural que reduz cada vez mais o

espaço para a cultura letrada” (SILVA, 2009, p. 345).

Por fim, o autor conclui que a sociedade atual tende a culpar o professor pelo

não aprendizado dos alunos, o que acarreta uma pressão sobre ele, tanto por parte dos

alunos quanto dos pais e da própria instituição escolar, para que o educador se adapte às

exigências do mercado. “A sociedade deve então capacitar esses professores para ir ao

encontro da natureza dos alunos, pois ela, a sociedade, é perfeita, é a única possível, não

necessita de mudanças em sua forma de socialização e reprodução” (SILVA, 2009, p.

340).

Contrariando essa perspectiva, Silva (2009) argumenta que cabe ao professor

justamente uma função oposta, que é a de convidar os educandos a assumirem um

espírito de resistência, pressuposto básico para a educação emancipadora na visão

adorniana, conforme vimos no capítulo anterior. Torna-se ponto nevrálgico repensar não

só a formação dos alunos, como também as condições concretas da própria formação

docente. Entretanto, o autor também argumenta que não basta modificar apenas o perfil

dos professores para mudar essa realidade. A solução envolve a modificação das

condições objetivas que lhe dão origem e que fazem parte do ambiente externo à escola:

constatação bastante próxima à que encontramos logo nas primeiras linhas de Teoria da

Semiformação (SILVA, 2009, p. 346).

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As injunções da indústria cultural

O artigo As injunções da indústria cultural nas manifestações orais de

experiências de alunos em sala de aula: lucubrações iluminadas por Adorno e

Benjamin (OLIVEIRA, 2008) também nos traz um estudo de caso com alunos do ensino

fundamental e médio. Entretanto, enquanto Silva (2009) enfatizou aspectos

comportamentais da semiformação, Oliveira (2008) enfatizou os sinais da semiformação

na esfera propriamente cultural. O objetivo de Oliveira (2008) foi investigar as

características de narrativas orais de alunos observados em sala de aula de uma escola

pública do interior paulista do ensino fundamental regular e de ensino médio supletivo.

Para analisar seu estudo de caso, o autor adotou o aporte teórico de Walter Benjamin e

Adorno.

Oliveira (2008) inicialmente recupera o conceito de experiência (Erfahrung, em

alemão) de Benjamin, que basicamente corresponde a uma matéria de tradição tanto na

vida privada quanto na coletiva (BENJAMIN citado por OLIVEIRA, 2008, p. 116). A

experiência seria, assim, constituída pelas memórias, costumes e palavras

compartilhadas por um grupo. Na sociedade de antes do capitalismo e da era industrial,

essa experiência era transmitida aos membros, especialmente, por intermédio de

narrativas orais (OLIVEIRA, 2008, p. 116).

Como consequência dessa transmissão, notava-se um sentido de coletividade

que era apreendido pelos integrantes daquele grupo. Para Benjamin, isso atribuía às

narrativas orais um papel fundamental na constituição do sujeito. Havia uma noção de

tempo que permitia essa constituição: “Nesse mundo pré-capitalista, o tempo fluía

assentado na eternidade. Ou seja, as noções de tempo e de espaço não estavam atreladas

à lógica frenética da dinâmica das forças produtivas capitalistas, e sim à noção de

eternidade” (OLIVEIRA, 2008, p. 116).

Todavia, com o advento do capitalismo, a noção de tempo foi modificada. Seu

aspecto de eternidade foi substituído pela lógica imediatista da maximização do lucro. E

como consequências, vemos a fragmentação dos produtos do trabalho humano

provocando o desenraizamento das referencias coletivas que foram substituídas no

plano psíquico por valores individuais e privados (OLIVEIRA, 2008, p. 116). A

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Erfahrung (experiência proveniente do enraizamento) foi substituída pelo Erlebinis (a

não experiência proveniente da indústria cultural).

Em sua pesquisa de campo, Oliveira (2008) constatou que aspectos que

caracterizavam a sociedade artesanal ainda sobrevivem nas narrativas dos sujeitos,

entretanto de modo descontextualizado e fragmentado. Por exemplo, o personagem do

Saci é conhecido, porém atrelado não ao folclore brasileiro, e sim ao programa

televisivo infantil Sítio do Pica-pau Amarelo. Sonhos premonitórios, o reconhecimento

da autoridade e da experiência dos mais velhos também são exemplos de elementos da

tradição oral presentes nos discursos dos alunos, entretanto, sempre embaralhados em

meio às informações fragmentadas da indústria cultural. Além disso, o autor constatou

que os alunos tinham grande dificuldade de expressão oral e de transmissão de ideias

coesas, integradas a uma cultura.

O autor defende a hipótese de que o acanhamento e dificuldade dos alunos de

narrar suas experiências em sala de aula se deva à dinâmica das relações sociais imposta

pela atual configuração da sociedade. Sua pesquisa com os alunos constatou a

“substituição da narração pela informação, da tradição pela novidade” (OLIVEIRA,

2008, p. 119).

Oliveira infere que há a coexistência da tradição e contemporaneidade, ou ainda,

da Erfahrung e da Erlebnis – atreladas respectivamente à Bildung e à Halbbindung –,

ainda que de modo difuso e estranhamente amalgamado, nas narrativas orais de alunos

urbanos. Longe de isso constituir uma conclusão inquestionável, traz à tona uma pista

sobre os modos pelos quais as experiências são constituídas e narradas no século XXI

(OLIVEIRA, 2008, p. 131).

Diante dos problemas encontrados nas narrativas orais dos alunos, Oliveira

(2008) constatou uma possibilidade pedagógica para trabalhar historicamente essa

questão: a de pensar a escola como um lócus de diálogo, um meio para identificar a

essência dessas narrativas e simultaneamente interferir nelas (OLIVEIRA, 2008, p.

131). Trata-se de um trabalho investigativo que poderia contribuir para pensar uma

metodologia de ensino em que o educador trabalhasse seus conteúdos levando em

consideração a forma que o aluno se orienta quando se manifesta sobre a realidade

(OLIVEIRA, 2008, p. 132). Oliveira (2008) finaliza seu artigo apontando uma

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possibilidade de intervenção que pressupõe uma abordagem materialista-histórica, com

base na compreensão das subjetividades dos sujeitos:

Se o tédio inerente ao tempo eterno não existe mais e o tempo entrecortado capitalista não permite que a tradição seja transmitida oralmente como outrora, façamos um esforço para ouvir e entender o que nos é contado no mundo da vivência do ser humano fragmentado desenraizado (OLIVEIRA, 2008, p. 132).

Globalização e estética da sensibilidade

Se os textos Evidências empíricas da semiformação (SILVA, 2009) e As

injunções da indústria cultural nas manifestações orais de experiências de alunos em

sala de aula: lucubrações iluminadas por Adorno e Benjamin (OLIVEIRA, 2008)

apresentam sinais de que os alunos chegam à escola semiformados, desenraizados e

avessos ao pensamento crítico, em Globalização e estética da sensibilidade: do

currículo e das intenções da política educacional (SILVA, 2011) vemos que o

problema vai mais longe ainda, abrangendo também os parâmetros constitucionais da

educação no Brasil e refletindo-se em políticas e currículos da instituição escolar. O

objetivo do texto Globalização e estética da sensibilidade: do currículo e das intenções

da política educacional (SILVA, 2011) é investigar que intenções políticas e

ideológicas subjazem o princípio curricular da estética da sensibilidade. Para atingir seu

escopo, a autora adotou como metodologia a análise documental dos PCNs (Parâmetros

Curriculares Nacionais) do ensino médio e a pesquisa bibliográfica baseada na obra de

Adorno.

Por intermédio do filósofo, Silva (2011) identificou aquilo que denominou

globalização estético-cultural (SILVA, 2011, p. 2), que corresponde ao efeito do

capitalismo no processo de globalização econômica e cultural ocorrido nas últimas

décadas, afetando fatalmente a formação humana e a própria educação. E como isso

ocorre? O capitalismo incentiva o consumo desenfreado (SILVA, 2011, p. 3) e para isso

explora o aspecto estético das mercadorias. Assim, produtos que objetivamente não

apresentam atributos significativos para as pessoas passam a ser desejados, a ser belos e

a carregar uma promessa de felicidade. A autora ressalta que o problema maior não é

esse – o caráter fetichista da mercadoria, definição amplamente discutida por Adorno –,

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e sim o fato de que as pessoas tendem a não perceber que agem influenciadas por tal

mecanismo. A capacidade crítica das pessoas é prejudicada pela indústria cultural, que

impõe condicionantes estéticos ao sujeito:

Ao valor da mercadoria são agregados valores estéticos. Daí a importância de que os elementos estéticos da experiência humana sejam de algum modo influenciados, e estejam sob controle. Eis o encontro entre economia e subjetividade humana, entre técnica e intenção, entre indústria e cultura, que oferece um vasto campo de análise marcadamente influenciado pelo método fenomenológico e sua crítica do conhecimento (SILVA, 2011, p. 3).

A autora discute também como a indústria cultural legitima o poder do sistema

capitalista, conformando as massas com suas visões de mundo, pontos de vista, ideias

sensocomunizadas, gostos, tendências, valores e o maior número possível de

condicionantes estéticas e cognitivas (SILVA, 2011, p. 5).

Entretanto, vivemos em uma sociedade heterogênea, de modo que cabe

questionar a maneira como a indústria cultural consegue atingir seu objetivo diante de

tantas diferenças culturais na sociedade, tais como a religião, hábitos característicos de

certos grupos, tradições étnicas, regionais e familiares. A autora responde a essa

indagação inferindo que essas diferenças culturais são transformadas em demandas

específicas de mercado pela própria indústria cultural. Em outras palavras, “[...] diante

da possibilidade de resistência à cultura de consumo, o mercado com sua indústria de

bens estéticos e simbólicos assume uma postura de pseudo-inclusão dos variados

seguimentos culturais” (SILVA, 2011, p. 5). A indústria cultural consegue eliminar as

resistências provindas das diferenças convertendo-as naquilo que, na área de

administração mercadológica, denomina-se nicho de mercado: “Aproveita-se de

diversos elementos específicos das culturas locais e regionais, mas nega-se

dissimuladamente a todos os elementos que signifiquem algum tipo de negação da

cultura capitalista de consumo” (SILVA, 2011, p. 5).

Silva (2011) elucidou tais aspectos para descrever o contexto de globalização

cultural em que se desenvolveram as políticas educacionais vigentes. De que modo a

educação formal é afetada por esse ambiente? Qual o papel da estética – tão enfatizada

nos PCNs – nesse contexto? Segundo a autora, os PCNs para o ensino médio destinam

oito parágrafos para apresentar a estética enquanto princípio filosófico-educacional. A

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partir do estudo de Silva (2011), a seguir apresentamos qual intenção revelam essas

orientações curriculares e seus objetivos formativos.

A autora constata que a proposta da estética nos PCNs está muito mais voltada

para a formação de indivíduos conformistas e adequados para as necessidades do

mercado do que para a formação de indivíduos críticos e aptos para lidar com o

sensível. Ela observa que a sensibilidade estética é equiparada à sensibilidade da boa

convivência, algo que ressignifica o conceito de estética para qualidades relacionadas ao

bom humor e boas maneiras, isto é, para habilidades apropriadas para manutenção de

um ambiente de trabalho harmonioso (SILVA, 2011, p.7). O sentido da estética nos

PCNs também assume, em outros momentos, a formação de indivíduos que “[...] saibam

conviver de modo harmônico, no respeito às diferenças culturais relacionadas às

categorias de gênero, etnia, regionalismos, procurando promover uma política de

igualdade que se estabelece, em alguns casos, pelo tratamento diferente dos diferentes, a

partir do princípio da equidade” (SILVA, 2011, p. 8), como se observa neste trecho da

Carta Magna:

Um dos fundamentos da política da igualdade é a estética da sensibilidade. É desta que lança mão quando denuncia os estereótipos que alimentam as discriminações e quando, reconhecendo a diversidade, afirma que oportunidades iguais são necessárias, mas não suficientes, para oportunizar tratamento diferenciado visando a promover igualdade entre desiguais. [...] Mas, acima de tudo, a política da igualdade deve ser praticada na garantia de igualdade de oportunidades e de diversidade de tratamentos dos alunos e dos professores para aprender e aprender a ensinar os conteúdos curriculares (BRASIL, citado por SOUZA, 2011, p. 8).

Trata-se de um sentido mais próximo do conceito de ética do que de estética, o

que a autora considera bastante problemático, já que “[...] a articulação da estética com

as dimensões éticas e políticas, não remetem a uma postura crítica da sociedade”

(SILVA, 2011, p.9).

A autora conclui que o sentido de estética nos PCNs está muito longe de

significar uma alternativa para a formação de indivíduos com capacidade crítica. Pelo

contrário, o conceito “[...] revela intenções políticas de conformação e adequação da

sociedade brasileira ao mundo globalizado, sem apresentar uma preocupação em uma

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formação estética que constitua sujeitos capazes de reagir de modo crítico e alternativo

aos imperativos da Indústria Cultural e da cultura de consumo” (SILVA, 2011, p. 10).

Os trabalhos analisados permitem-nos inferir que o legado da Teoria Crítica da

Sociedade é perfeitamente passível de constatar empiricamente e que, portanto, continua

oferecendo uma forma consistente para pensar a sociedade, ainda que com algum toque

de necessária adequação aos tempos atuais.

Diante de tantas evidências empíricas que revelam diferentes aspectos do

problema e sua enorme abrangência – que vai da instituição escolar aos parâmetros da

educação contemporânea e perpassa os processos formativos extraescolares –, que

alternativas teríamos para intervir?

Uma das possibilidades defendidas por Adorno está na arte autêntica. Se

vivemos em uma sociedade que tende a ser totalizadora que busca a identificação – e

consequente anulação – do indivíduo com o todo, a arte autêntica pode buscar

justamente o contrário. O caráter transcendental e emancipador da obra de arte não está

na harmonia, mas na discrepância (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 123),

característica muito adversa da obra medíocre e das produções semiculturais, que

sempre se detém à semelhança com as outras. Tais aspectos pressupõem um tipo

diferente de catarse e serão detalhados no próximo capítulo.

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CAPÍTULO IV

ESTÉTICA, CATARSE E TEATRO: REFLEXÕES ADORNIANAS

De repente eu descobri o Teatro. Fui ver, com uns outros, um vaudeville.30 Durante os três atos houve ali uma loucura de gargalhadas. Só um espectador não ria: eu. Depois da morte de meu irmão, aprendera a quase não rir, o meu próprio riso me feria e me envergonhava. E, no Teatro, para não rir, comecei a pensar em Roberto e na nudez da autópsia. No segundo ato eu já não achava que ninguém deve rir no Teatro. Liguei as duas coisas: Teatro e martírio, teatro e desespero. No terceiro, eu imaginei uma igreja. De repente o padre começa a engolir espadas, os coroinhas a plantar bananeiras, os santos a equilibrarem laranjas no nariz como focas amestradas. Ao sair do vaudeville eu levava comigo um projeto dramático definitivo. Acabara de tocar no mistério profundíssimo do teatro. Eis a verdade súbita que eu descobri: a peça para rir, com esta determinação específica, é tão obscena e idiota como seria uma missa cômica (NELSON RODRIGUES citado por PEREIRA, 1998, p. 17).

No capítulo anterior retomamos alguns pressupostos de Adorno sobre a crise

cultural na sociedade contemporânea provocada especialmente pela indústria cultural.

Tal análise foi necessária para a investigação de nossa hipótese de trabalho, que

depende da compreensão do horizonte teórico sob a qual ela se sustenta. Em outras

palavras,

[...] a justaposição da obra de arte individual a alguma forma mais vasta de realidade social, a qual é vista, de um modo ou de outro, como sua fonte ou fundamento ontológico faz sentido apenas na medida em que ela é concebida como parte de um debate teórico mais amplo, capaz de convencer intelectualmente os indivíduos e incitá-los a agir politicamente (DURÃO, 2011, p. 3).

O presente capítulo pretende oferecer esta justaposição: demonstrar que a arte e

a estética têm papéis fundamentais na formação autêntica dos indivíduos, o que

naturalmente traz repercussões para a educação. 30 O teatro de vaudeville (ou teatro de variedades) foi um tipo de comédia teatral que fez grande sucesso na América do Norte entre o final do século 19 e início do século 20. Sua principal característica é a grande variedade de atrações (pantomimas, coros, números de mágica, etc.) sem necessariamente ter relações entre si. Abordava temas ordinários e, por vezes, grosseiros (MICHAELIS, 2012).

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Grande parte dos estudos de Adorno é direcionada ao campo da estética e

enfatiza uma abordagem filosófica e sociológica das artes. O objetivo deste capítulo é

apresentar algumas reflexões de Adorno sobre essa temática, com foco no conceito de

catarse e experiência estética. Analisaremos também o que é uma obra de arte autêntica

para Adorno e suas incursões sobre teatro por meio da análise das contribuições dos

teatrólogos Bertolt Brecht e Samuel Beckett.

Em sua Teoria estética, Adorno (1982) tece considerações sobre a arte moderna

e a estética filosófica. Ele defende a ideia de que a estética deve ser entendida em seu

contexto histórico-social. Diferentemente de Hegel, que atribuía à estética um sentido

metafísico, transcendental e ligado ao Espírito, para Adorno a estética (assim como a

arte) só faz sentido quando ligada ao humano, isto é, em um contexto particular: “No

campo da arte, o salto para a universalidade é dado pela sua tendência para a

particularização radical” (SCHAEFER, 2012, p. 23).

Se a estética é tomada com base na universalidade, ela tende a corroborar o

pensamento heterônomo, pois faz parte dele e é concebida com base nele. Por outro

lado, se a estética é tomada pelo contexto particular do indivíduo, ela assume um

potencial autônomo. Sendo assim, a estética e a arte têm condições de proporcionar uma

postura crítica em face do contexto social. Esse é um dos principais desafios que a

formação cultural enfrenta, pois a indústria cultural invadiu grande parte do processo

formativo. Ao apresentar-nos para o inusitado, o irracional, a arte desmascara a

realidade imposta pela indústria cultural:

O prazer que a arte nos proporciona é o de descortinar este véu que paira sobre nossa individualidade concreta, reprimida e abafada pelo esforço individual de inserção na sociedade. [...] Essa percepção subversiva da dimensão recalcada da experiência humana, que escapa à mesmice do cotidiano, aponta para um tipo de autoconhecimento que, atualmente, somente a arte pode oferecer, o que significa que a experiência estética moderna é inusitada, utópica e crítica do mundo atual (FREITAS, 2008, p. 29).

A leitura de Durão (2011) sobre o pensamento adorniano nos traz outras

instigações a respeito do assunto. Para Durão (2011), compreender os efeitos da

indústria cultural, bem como os desdobramentos do capitalismo sobre a sociedade, é

uma tarefa relativamente mais simples do que cogitar mudanças. Isso porque cogitar

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saídas requer uma forma diferenciada de pensamento, que pode ser oportunizada por

meio da arte (DURÃO, 2011, p. 5). A proposta do autor, que corrobora a tese adorniana

sobre essa questão, consiste em examinar as obras de arte internamente, ou seja, evitar

um pensamento positivista e racional-instrumental para sua compreensão. A

viabilização de mudanças (ou ao menos de resistência ao que é imposto) requer a ênfase

na compreensão da obra de arte em si, ao invés da ênfase na compreensão racional da

relação entre a sociedade e a cultura. Para DURÃO (2011), o que tem de ser feito “[...] é

não tanto ler a Cultura de forma a ligá-la à sociedade e sim interpretar internamente as

obras para retirá-las, extraí-las da lógica da troca e fungibilidade, do fluxo irrefreável da

significação que caracteriza o capitalismo de hoje” (DURÃO, 2011, p. 5).

As leituras dos comentadores até então citados nos apresentam o motivo pelo

qual Adorno acredita que qualquer suposta arte com alguma finalidade objetiva e

predeterminada não é uma arte autêntica e depõe contra a arte. Se há essa finalidade, o

indivíduo – enquanto sujeito fruidor – tende a ficar impossibilitado de interpretá-la

livremente, limitando-o: “A liberdade das obras de arte, cuja autoconsciência é

celebrada e sem a qual elas não existiriam, é a mentira da sua própria razão”

(ADORNO, 1982, p. 16). Para Adorno, se a arte verdadeira precisasse ter uma função,

ela estaria fadada ao fracasso, nem sequer deveria existir (ADORNO, 1982). A

finalidade na arte impede que se dialogue com ela, ou, como afirma Schaefer (2012,

p.23), “Adorno rejeita a capacidade expressiva da funcionalidade, pois esta tende à

adialeticidade”.

E o que vem a ser essa arte autêntica, referenciada tantas vezes no decurso desta

dissertação? Dado o amplo uso do termo na obra de Adorno, cabe traçar alguns pontos

relevantes acerca desse conceito. Etimologicamente, a palavra autenticidade é de

origem grega e significa senhor absoluto, referindo-se às pessoas que possuíam grande

poder sobre um determinado recurso. Com o tempo, a palavra passou a significar aquilo

que é verdadeiro. E qual o sentido do termo autenticidade adotado por Adorno? Para

responder a essa questão, Duarte (2006)31 explica que, do ponto de vista de Adorno, o

31 DUARTE, Rodrigo. Autenticidade em tempos de regressão: Adorno e os compromissos entre a racionalidade e o mito. Palestra proferida para o programa televisivo Café Filosófico CPFL, em 14 nov. 2006.

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mundo administrado onde vivemos pode ser considerado o império do inautêntico

(DUARTE, 2006).

Essa dedução implica afirmar que vivemos em uma sociedade irreconciliada

com a natureza, em que a humanidade é impossibilitada de viver experiências diretas

com o mundo que a cerca, o que indica uma situação caótica em que as pessoas lidam

com um mundo de aparências. Assim, para Adorno, o conceito de autenticidade está

relacionado à possibilidade de a humanidade reconciliar-se com a natureza e,

consequentemente, consigo mesma (DUARTE, 2006). Trata-se de uma categoria crítica

que aponta a incorreção da vida tal como ela ocorre no mundo administrado. Para

Adorno, a arte tem um papel fundamental nesse contexto, pois a obra de arte autêntica

tem o poder de mostrar as inúmeras possibilidades do mundo, fugindo do jogo de forças

existentes na sociedade e tornando possível, por exemplo, a emancipação (DUARTE,

2006).

A obra de arte autêntica revela possibilidades pouco realizadas no mundo

contemporâneo: “Com o progressivo esclarecimento, só as obras de arte autênticas

puderam se subtrair à mera imitação daquilo que, de qualquer modo, já é” (ADORNO

citado por DUARTE, 2006). Contrapondo-se radicalmente às vertentes filosóficas que

defendem a ideia de que a obra de arte é a imitação da realidade, para Adorno, as obras

de arte têm a potência de exibir algo novo e não cogitado. Trata-se da realização das

potencialidades humanas que existem, mas que nunca aconteceram. A obra de arte

autêntica seria como uma projeção desse possível futuro (DUARTE, 2006).

E como isso pode se refletir na relação entre a obra de arte e o sujeito fruidor?

De acordo com Schaefer (2012, p. 23), reflete-se em uma experiência estética singular,

livre das amarras condicionantes da indústria cultural que já atribui um significado à

obra e define unilateralmente essa relação. A manifestação da universalidade, ou seja, a

imposição de algo externo ao sujeito, como a influência da indústria cultural, não pode

ocorrer durante o momento da fruição. Se ela ocorre, então deixa de ser uma experiência

estética legítima, e a obra tende a se tornar um instrumento de manipulação do sujeito:

“Com efeito, a liberdade absoluta na arte, que é sempre a liberdade num domínio

particular, entra em contradição com o estado perene de não-liberdade no todo”

(ADORNO, 1982, p. 11).

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No entanto, na atualidade a arte foi suplantada pelos produtos da indústria

cultural. Ao invés de uma experiência estética libertadora que nos desperte para o devir,

temos um tipo de diversão e entretenimento que nos incita a esquecer o sofrimento,

deixar de lado a própria inteligência e a identificar-nos com o mundo como nos é dado.

Não por acaso, para Adorno, “Divertir-se significa estar de acordo” (ADORNO, 2002,

p. 25). As produções (ditas) culturais da atualidade são concebidas de uma forma que

inibe questionamentos e submete o indivíduo ao interesse de terceiros: “O espectador

não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve toda e qualquer reação:

não pelo seu contexto objetivo – que desaparece tão logo se dirige à faculdade pensante

– mas por meio de sinais” (ADORNO, 2002, p. 19).

No caso de uma obra de arte autêntica, Adorno considera que, mesmo que o

sujeito pense compreendê-la, sempre haverá um enigma insuperável, pois o pensamento

conceitual é insuficiente para apreendê-la completamente (SCHAEFER, 2012, p. 213).

Sendo assim, no que diz respeito ao papel da arte, Adorno seria então um autor

irracionalista, ou seja, adepto a uma visão radicalmente oposta à razão? É certo que não,

pois Adorno considera também a estreita ligação entre a arte e a filosofia. Se a arte é

aconceitual, ela precisa, por outro lado, do conceito para ter o poder de negá-lo: “A arte

se opõe ao conceito; mas, para isso, necessita dele” (LOUREIRO, 2009, p. 185). Nesse

contexto, a filosofia oferece o tipo de reflexão que permite estabelecer um diálogo entre

o ponto e o contraponto. Não se trata de interpretar a arte com base no pensamento

hegemônico – como tão bem o faz a indústria cultural –, e sim por meio de um tipo de

pensamento autônomo, reflexivo e crítico que a filosofia oportuniza. Nas palavras de

LOUREIRO (2009, p. 187): “A relação entre filosofia e arte delineada por Adorno

manifesta a tensa, mas rica, relação entre trabalho conceitual e não-conceitual”.

Entretanto, o pensamento filosófico não busca a compreensão total da obra de

arte, tampouco a tradução conceitual da arte, e sim sua reflexão. A percepção desse

enigma faz parte da experiência estética: “A rede de conceitos e preconceitos que

usamos para entender a realidade nos desacostuma de admirar o que é diferente; a arte

procura, desesperada e fugidiamente, reparar isso” (FREITAS, 2008, p. 36).

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Essa impossibilidade de o pensamento conceitual apreender completamente a

obra pode ser exemplificada por meio do teatro do dramaturgo Samuel Beckett, sobre o

qual Adorno afirma:

A transcendência estética e o desencantamento encontram-se em uníssono no mutismo: na obra de Beckett. O fato de a linguagem afastada de toda a significação não ser uma linguagem que fala, funda a sua afinidade com o mutismo. Talvez toda a expressão, muito aparentada com o transcendente, esteja perto do mutismo, da mesma maneira que, na grande música moderna, nada tem tanta expressão como o que se extingue, o som que emerge nu da forma compacta, no qual a arte, em virtude do seu próprio movimento, desemboca no seu momento natural (ADORNO, citado por SOUSA, 2009, p. 11).

A leitura de Sousa (2009) acrescenta: “Por um lado, a linguagem nos prepara

para o ser social, artificial, de máscaras. Por outro lado, ela não nos prepara para a nossa

realidade individual, a solidão” (SOUSA, 2009, p. 11). Veremos mais adiante alguns

traços marcantes na obra de Beckett que a caracterizam como uma manifestação

artística autêntica.

Uma das principais consequências da relação entre o sujeito fruidor e a obra de

arte é a catarse. Para Adorno, o conceito de catarse corresponde a compreender a arte

enquanto efeito (SCHAEFER, 2012, p. 428). Schaefer (2012) considera que Adorno

apresenta concordâncias e discordâncias a respeito da catarse definida por Aristóteles.

Concorda no sentido de que também considera o efeito catártico como um tipo de

purificação, sublimação ou apaziguamento. Discorda no sentido de que considera que o

efeito catártico deve ocorrer intrinsecamente na obra de arte, e não no sujeito

(SCHAEFER, 2012, p. 428).

Adorno reconhece que a catarse, enquanto sublimação dos sentimentos, é

responsável por consideráveis progressos tanto na civilização quanto na própria estética,

mas ressalta que ela possui igualmente o seu lado ideológico (ADORNO, 1982, p. 267),

aspecto muito explorado pela indústria cultural. Esse mecanismo funciona da seguinte

forma: a sublimação dos sentimentos ocorre quando se estabelece uma relação

emocional de identificação com o sujeito fruidor. O sujeito projeta na obra de arte as

próprias emoções. Esse efeito é de cunho ideológico, pois, para ser obtido, pressupõe

que o indivíduo incorpore o sentido da arte enquanto algo inerente à própria realidade,

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limitando-o a encarar aquilo que está sendo expresso como algo absoluto, com

significado bem definido e em conformidade com a sociedade administrada.

Tendo em vista o evidente envolvimento psicológico do indivíduo nesse

processo, o efeito catártico tende a ser repressor, pois não satisfaz as necessidades

físicas ou reais do indivíduo, apenas as reprime através da satisfação de necessidades

ilusórias, porém impostas como legítimas:

A purificação das emoções na Poética de Aristóteles já não professa interesses tão nítidos pela dominação mas, no entanto, ainda os conserva, na medida em que o seu ideal de sublimação encarrega a arte de instaurar a aparência estética como satisfação de substituição em vez de uma satisfação física dos instintos e das necessidades do público visado: a catarse é uma ação purgativa das emoções que se harmoniza com a repressão (ADORNO, 1982, p. 267).

Schaefer ressalta que, “[...] mesmo que tenha repercussões psicológicas, o

principal efeito é ideológico, no sentido de fazer esquecer o presente em favor do

passado. Trata-se de uma sublimação ideologicamente constituída” (SCHAEFER, 2012,

p. 429).

Não cabe questionar, no âmbito deste trabalho, a validade da catarse aristotélica

quando conduzida com finalidades psicoterapêuticas, na área psiquiátrica. Todavia,

nossa preocupação é refletir quando o efeito é provocado por meio da arte, enquanto

efeito estético. Nesse contexto, Adorno considera a catarse – enquanto sublimação dos

sentimentos – inadequada para a autonomia da arte e, portanto, para a autonomia do

próprio indivíduo na arte. Por outro lado, ressalta que a catarse pode ocorrer também de

outra forma, enquanto sublimação estética (ADORNO, 1982, p. 267), ou seja, dentro

dos limites da estética: “Eis porque, mediante a espiritualização, as obras de arte

realizaram em si o que os gregos projetavam no seu efeito exterior: no processo entre a

lei formal e o conteúdo material, elas são a sua própria catarse” (ADORNO, 1982, p.

267). Nesse caso, a catarse assume potencial libertador. A catarse defendida por Adorno

não provoca efeitos morais ou ideológicos, pois se dá puramente no campo da estética,

na composição da própria obra. Não busca a identificação, e sim o seu contrário: “O

espírito da arte é autoconsciência da sua própria essência natural. Quanto mais a arte

integra um não-idêntico, algo de imediatamente oposto ao espírito, tanto mais deve

espiritualizar-se” (ADORNO, 1982, p. 222).

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Adorno (citado por SCHAEFER, 2012, p. 429) explica que o intuito de uma

obra de arte não deve ser identificar-se com o sujeito ou expor para ele o convencional,

o aceito, o já estabelecido, mas, sim, confrontá-lo com o não convencional (ainda que

repulsivo e/ou desagradável), pois são esses aspectos que podem mostrar para o sujeito

a autonomia da arte. E, se ele percebe a autonomia da arte, tem condições de reconhecer

a própria autonomia. Esse é o caminho por meio do qual a arte pode libertar:

A emancipação do sujeito na arte é a da sua própria autonomia; se a arte está libertada da tomada em consideração de quem a recebe, a fachada sensível é-lhe indiferente. Esta transforma-se numa função do conteúdo, que se fortifica no não já socialmente aprovado e pré-formado. A arte não se espiritualiza através das ideias que proclama, mas mediante o elementar (ADORNO, 1982, p. 222).

De acordo com Schaefer (2012), Adorno considera que o teatro, a pintura, a

música e demais manifestações artísticas só são consideradas legítimas obras de arte

quando oferecerem ao sujeito a possibilidade de libertação, de autonomia. A leitura de

Schaefer (2012) sobre a teoria estética de Adorno nos traz algumas considerações

importantes que definem uma obra de arte autêntica. São elas:

· A arte ocorre no momento em que está sendo executada, no momento em que está

sendo pensada. No caso do teatro, a arte está no instante em que a peça está sendo

executada, e não no texto, nos atores ou no cenário. A obra de arte na música ocorre

no momento em que está sendo tocada, e não nos instrumentos musicais ou no

músico (ADORNO, citado por SCHAEFER, 2012, p.176). Adorno referencia Ernst

Schoen, que teceu considerações sobre os fogos de artifício como da única arte que

não dura – apenas brilha um instante e desfazer-se no ar (ADORNO, 1982, p. 41).

Para Adorno, “[...] deveriam interpretar-se segundo esta ideia as artes temporais,

como o teatro e a música, reverso de uma reificação sem a qual elas não existiriam e

que, no entanto, as degrada” (ADORNO, 1982, p. 41). A atriz Fernanda Montenegro

faz uma reflexão próxima a essa: “Nosso ofício – falo do teatro – não deixa provas.

A posteridade não nos conhecerá. Quando um ator pára um ato teatral nada fica, a

não ser a memória de quem o viu” (MONTENEGRO, 1988, p. 14). Ela demonstra

compreender que, tal como entendeu Adorno, a obra de arte autêntica corresponde a

um momento que transcende o material e os elementos que constituem a obra de

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arte. Ao dizer que nada fica, transmite a ideia de que cada apresentação teatral é

única, ainda que com os mesmos atores, mesmo texto e até mesmo público.

· A arte precisa ser crítica para ser considerada como tal. Pode basear-se em uma

determinada realidade ou contexto, mas não deve confundir-se com o que está sendo

representado. Se ocorre a identificação com o que está sendo representado, tende a

ocorrer a objetivação da arte e a consequente petrificação dela. A obra de arte deve

transcender aquilo que se pode perceber materialmente sobre ela; ela é a síntese de

um jogo de forças históricas (ADORNO, citado por SCHAEFER, 2012, p.177). Isso

atribui um poder transcendental que espiritualiza a obra de arte e possibilita uma

catarse legitimamente estética (SCHAEFER, 2012, p. 176).

É com base nesses pressupostos que Adorno tece muitas de suas análises sobre a

obra de artistas de sua época. Especificamente sobre o teatro, Schaefer (2012) considera

que Adorno estudou principalmente a obra de Samuel Beckett32. Para Adorno, o teatro

desse dramaturgo destaca-se por mostrar o não visível, através da negação do sentido

imediato/aparente de suas histórias: “As peças de Beckett são absurdas, não pela

ausência de todo e qualquer sentido – seriam, então, irrelevantes –, mas porque põem o

sentido em questão” (ADORNO, 1982, p. 776). Quando nega seu sentido, a arte oferece

a possibilidade de que o indivíduo – enquanto sujeito fruidor – destrua a crença de que

seu entendimento deve estar de acordo com o que lhe é imposto externamente, isto é,

com o pensamento heteronômico: “As obras de arte, mesmo contra sua vontade,

tornam-se contextos de sentido ao negarem o sentido” (ADORNO, 1982, p. 776).

Desse modo, o indivíduo vê na arte a possibilidade de que é possível existir sem

se moldar ao estabelecido. Conceber tal possibilidade é o caminho para a autonomia do

indivíduo na arte. Essa característica do trabalho de Beckett, percebida por Adorno, é

bem diferente do que se costuma encontrar na maior parte das produções culturais da

atualidade. Adorno observou que, nas manifestações artísticas da atualidade, tudo é

dado ao espectador:

Desde o começo é possível perceber como terminará um filme, quem será recompensado, punido ou esquecido; para não falar da música

32 Samuel Beckett (13/4/1906 - 22/12/1989) foi um dramaturgo e escritor irlandês considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo, um tipo de teatro moderno que se utiliza de elementos chocantes e ilógicos para reproduzir problemas e dilemas que envolvem o homem e a sociedade.

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leve em que o ouvido acostumado consegue, desde os primeiros acordes, adivinhar a continuação, e sentir-se feliz quando ela ocorre (ADORNO, 2002, p. 9).

No caso específico das manifestações cênicas, é fácil constatar que o espectador

não precisa interpretar nada, tampouco criticar o teor de verdade que é exposto, pois

tudo já é apresentado de forma óbvia e com significados objetivos evidentes

(ADORNO, 2002, p. 9). Adorno argumenta que Beckett inova no sentido de que, em

sua dramaturgia, a interpretação por parte do sujeito espectador é elemento constituinte

da obra. Adorno constatou essa característica tanto no teatro de Beckett quanto nos

dramas de Shakespeare:

Dos grandes dramas de Shakespeare, como também das peças de Beckett, não se pode extrair o que hoje se chama uma mensagem. Mas, o obscurecimento é, por seu turno, função do conteúdo modificado. Negação da ideia absoluta, o conteúdo já não pode identificar-se com a razão, como postulava o idealismo; crítica da omnipotência da razão, ele deixa, por seu lado, de ser racional segundo as normas do pensamento discursivo. A obscuridade do absurdo é a obscuridade antiga do Novo. Deve interpretar-se e não ser substituída pela claridade do sentido (ADORNO, 1982, p. 40).

Em suma, no teatro de Beckett, a clareza autoritária da razão – na qual não

cabe questionar – é substituída pela obscuridade do absurdo – na qual o espectador tem

a liberdade para interpretar ou, em vez disso, aceitar o que lhe é apresentado como um

enigma indecifrável. Se o espectador constata que lhe compete tirar as próprias

conclusões, ele tende também a constatar a possibilidade de outras interpretações além

das próprias. O teatro beckettiano permite uma rede de possibilidades interpretativas

que variam de sujeito para sujeito:

O excesso de realidade é a sua decadência; ao destruir o sujeito, mata-se a si mesma. Esta transição constitui o elemento artístico em toda a anti-arte. É levada por Beckett até à aniquilação evidente da realidade. Quanto mais total é a sociedade, tanto mais ela se reduz a um sistema unívoco, tanto mais as obras, que armazenam a experiência deste processo, se transformam no seu Outro (ADORNO, 1982, p. 44).

Quando a arte expressa esse excesso de realidade, ela concebe o mundo de uma

forma determinada, com base em uma ideologia determinada. Essa ideologia

normalmente é a heteronômica, pois assim pode ser compreendida mais facilmente pelo

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espectador. Ao mostrar uma realidade perfeitamente coerente com o mundo – ou

melhor, com uma visão ideológica do mundo –, o teatro inibe as possibilidades de o

sujeito conceber outras realidades. Se a sociedade, que tende a compor um todo

heteronômico, é refletida pela arte dessa forma, ela torna-se uma cópia limitada da

realidade que busca retratar. Tal identificação impossibilita o indivíduo de encará-la de

forma criativa e crítica. Para evitar tal efeito, Beckett chega ao ponto de aniquilar a

realidade – daí seu teatro ser denominado de Teatro do Absurdo –, o que permite que o

indivíduo tire do espetáculo teatral sentidos plurais e faz da experiência estética também

uma experiência formativa. A ausência de uma ideologia reinante nas peças de Beckett

foi percebida por Adorno, conforme a leitura de Sousa (2009):

Com efeito, segundo Adorno, não há ideologia em Beckett e é inútil procurar chaves simbólicas, por exemplo, nos diálogos entre Clov e Hamm, personagens de Fim de Partida. De acordo com Adorno, a ausência de ideologia no teatro de Beckett se deve menos à descrição do mundo desencantado do que ao surgimento de imagens de um mundo tal como poderia ser (SOUSA, 2009, p. 10).

Já no título da peça Esperando Godot, Beckett promete fazer aparecer algo que

não aparece ao longo do espetáculo (SCHAEFER, 2012, p. 146). No decorrer dessa

peça, observam-se pontas soltas intencionalmente, enigmas que instigam o espectador a

cogitar possibilidades. Em Fim de partida, Beckett cria a sensação de que algo

acontecerá, mas não acontece. São situações que deixam na mente do espectador uma

interrogação, as quais o obrigam a ter a própria interpretação crítica (SCHAEFER,

2012, p. 146).

Vimos que, no campo da estética, vivemos em uma sociedade em que aquilo que

não se enquadra nos padrões sociais tende a ser rejeitado. Adorno explica que Beckett

consegue transformar esse problema no tema da peça Fim de partida, mas não de modo

objetivo ou engajado, e sim por meio da forma e conteúdo da peça. Para Adorno, não há

sentido em uma arte que não instigue o indivíduo para o devir, e esse efeito não deve ser

alcançado discursivamente – pois conceitos e palavras são insuficientes para causá-lo –,

mas, sim, confrontando-o com o indizível. Adorno argumenta:

Qual é a razão de ser das formas quando desaparece sua tensão com aquilo que não lhes é homogêneo sem que por isso o progresso da

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dominação estética do material possa ser freado? Fim de partida escapa dessa dificuldade ao transformá-la em coisa sua, tornando-a seu tema. [...] Aqueles elementos constituintes [do drama] naufragam juntamente com o sentido que outrora fazia parte do drama; Fim de partida estuda, como num vidro de ensaio, o drama da época atual, a qual não tolera mais o que constitui o drama (ADORNO, citado por GATTI, 2008, p. 6).

De acordo com Schaefer (2012), Gatti (2008) e Sousa (2009), se, por um lado, o

trabalho de Beckett é tido por Adorno como um acervo de legítimas obras de arte, por

outro, Adorno fez duras críticas ao trabalho de Brecht33. Para compreender tais críticas,

é importante conhecer alguns traços marcantes da obra do dramaturgo. Brecht rompeu

abertamente com o método Stanislavski34, predominante na época, quando propôs que o

ator e espectador devem se distanciar emocionalmente um do outro e cada um de si

próprio. O método de Stanislavski caracteriza-se principalmente por uma profunda

identificação entre o ator, o personagem e os espectadores, visando ao efeito catártico –

no sentido aristotélico do termo – e também a um grande envolvimento emocional entre

o que é apresentado e a plateia. Elizabeth Reynolds, pesquisadora especializada no

método Stanislavski, comenta que o objetivo geral do método Stanislavski é

basicamente

[...] ajudar o ator a desenvolver todas as suas capacidades intelectuais, físicas, espirituais e emocionais – tornando-o assim capaz de preencher seus papéis com as proporções de seres humanos inteiros, personagens que terão o poder de levar o público ao riso, às lágrimas, a emoções inesquecíveis (STANISLAVSKI, 2011, p.13).

Com base nesse comentário, infere-se que o método Stanislavski pressupõe que

o ator precise entregar-se inteiramente ao personagem, a ponto de essa entrega refletir-

se em uma reação semelhante do público. Brecht considerava tanto o método

Stanislavski quanto sua finalidade hipócritas, manipuladores e atrasados

intelectualmente (BRECHT, 2002, p. 20). Para Brecht, tratava-se de um teatro que “[...]

33 Eugen Bertolt Friedrich Brecht (10/02/1898 - 14/08/1956) foi um dramaturgo alemão que influenciou o teatro desde sua época até a atualidade. Para Brecht, o teatro devia ser necessariamente pedagógico, tanto em seu conteúdo quanto em sua forma. 34 Constantin Stanislavski (05/01/1863 - 07/8/1938) foi um ator e diretor russo que influenciou fortemente o teatro desde o século 20. Seu método compreende que a formação do ator envolve não apenas o domínio de técnicas, mas também, principalmente, a utilização do próprio material humano, de suas experiências pessoais, eliminando máscaras e estereótipos. Cabe ao ator, assim, conceber o personagem não só tecnicamente, mas, principalmente, psicológica e emocionalmente.

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apresenta a estrutura da sociedade (representada no palco), como incapaz de ser

modificada pela sociedade (representada pela sala)” (BRECHT, 2002, p. 196). Brecht

(1967, p. 41) defendia a ideia de que o distanciamento entre ator e espectador é

fundamental para que este tire da peça teatral uma lição. Nas palavras de Brecht,

[...] o ator deve abandonar sua total conversão ao personagem do palco. O ator mostra a personagem, cita suas falas, repete um incidente da vida real. A plateia não é totalmente arrebatada; não precisa amoldar-se psicologicamente, adotar uma atitude fatalista para com o destino representado (BRECHT, 2002, p. 101).

Trata-se de um teatro de cunho político e educativo, conforme defende Brecht:

“O teatro permanece teatro, mesmo quando é teatro pedagógico e, na medida em que é

bom teatro, é diversão” (BRECHT, 1967, p. 99). Esse princípio que busca um

distanciamento no método de Brecht é denominado teoria do distanciamento e consiste

em um dos fundamentos que conduzem seu trabalho. Foi justamente nesse ponto, de

acordo com Schaefer (2012), que Adorno discordava veementemente de Brecht, pois

esse distanciamento não permite a construção de sentidos plurais, ou seja, o espectador

tende a ser obrigado a tirar uma lição determinada da obra, como se só existisse sentido

único para o que está sendo apresentado. A peça é elaborada de modo a encerrar seu

significado em si mesma, não cogitando a possibilidade de que o espectador tire outros

sentidos sobre ela: “[...] a obra de arte, que crê possuir o conteúdo a partir de si, encalha

num racionalismo ingênuo: isso poderia constituir os limites historicamente previsíveis

de Brecht” (ADORNO, 1982, p. 40).

Brecht incutiu em suas peças essa característica para atribuir a função

pedagógica. Todavia, esse artifício fez que suas peças se formassem com base em uma

representação simplificada da complexidade do mundo e de seus problemas, que limita

o indivíduo ao invés de libertá-lo, conforme elucida Gatti (2008):

Na medida em que a função pedagógica de suas peças dependeria de uma apresentação do funcionamento da realidade assimilável pelo presente estágio da consciência do público, esta apresentação ficaria reduzida a uma simplificação aquém da complexidade dessa mesma realidade (GATTI, 2008, p. 3).

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Outra consequência objetivada por Brecht através do distanciamento é a

eliminação do efeito catártico. Para o dramaturgo, a catarse corresponde a um

mecanismo de controle do teatro aristotélico:

[...] a vida que é pintada no drama aristotélico (drama que visa produzir catarse) é limitada por sua função (suscitar certas emoções) e pela técnica que isto requer (sugestão), e que o espectador tem assim uma atitude que lhe é imposta (a de empatia) e que o impossibilita de adotar uma postura crítica diante das coisas mostradas (BRECHT, 2002, p. 135).

É interessante notar esta outra discordância entre Adorno e Brecht: enquanto

para Adorno a catarse deve ocorrer na obra de arte (e não no espectador) e ela

corresponde ao efeito estético, para Brecht ela não deve ocorrer de forma alguma, o que

é compreensível tendo em vista que sua obra visa ao distanciamento (SCHAEFER,

2012, p. 422). Talvez isso ocorra por Brecht considerar apenas o efeito aristotélico35.

Outro aspecto, constante na obra brecthiana amplamente criticada por Adorno,

foi o elevado teor de engajamento político e social que Brecht imprimia em sua obra

(SCHAEFER, 2012, p. 436). O próprio Brecht afirma que “[...] é precisamente o teatro,

a arte e a literatura que tem de formar a superestrutura ideológica para uma

reformulação prática, sólida da maneira de viver de nossa época” (BRECHT, 1967, p.

41). Adorno se contrapõe a essa perspectiva, pois, para ele, a arte engajada deixa de ser

uma forma estética para ser uma forma doutrinária. No caso específico do engajamento

político-social, Adorno defende a ideia de que o efeito social da arte advém da

resistência, e não da imitação da sociedade:

A posição crítica da arte perante a realidade não se efetiva mais no engajamento explícito de autores como Brecht, mas na negação radical da realidade, que coloca as obras de Kafka e Beckett à beira da impossibilidade de compreensão. Daí a crítica de Adorno à própria dicotomia entre arte engajada e arte autônoma, insuficiente para compreender este processo de negação artística da realidade (GATTI, 2008, p. 3).

35 Talvez seja interessante, nesse contexto, retomar um comentário de Friedrich Nietzsche, que, em seus textos, muito se ocupou da estética e criticou a finalidade da tragédia enquanto purificador de sentimentos. Ele atribui à estética, enquanto efeito (catártico), uma característica libertadora semelhante à defendida por Adorno: “Não para livrar-se do pavor e da compaixão, não para purificar-se de um perigoso afeto mediante sua veemente descarga – assim compreendeu Aristóteles –, mas para além do pavor e da compaixão, ser em si mesmo o eterno prazer do vir-a-ser” (NIETZSCHE, 2006, p. 106).

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A função social da arte não é uma relação direta e explícita, e sim mediatizada,

conforme explica Adorno:

A arte só se mantém em vida através da sua força de resistência; se não se reifica torna-se mercadoria. O seu contributo para a sociedade não é a comunicação com ela, mas algo de muito mediatizado, uma resistência, em que a evolução social se reproduz em virtude do desenvolvimento intra-estético, sem ser a sua imitação (ADORNO, 1982, p. 254).

Adorno argumenta que não se pode prever com exatidão a interpretação do

indivíduo perante uma obra de arte. Uma obra de arte engajada parte do princípio que a

reação ou a interpretação do indivíduo é objetivamente previsível e que, portanto, pode

ser controlada. Como é evidente que o engajamento de Brecht é político, torna-se

doutrinação política, o que, para Adorno, se traduz em autoritarismo. Tais aspectos

também foram percebidos por Adorno na obra de Brecht, a qual ele comenta:

O postulado de Brecht de um comportamento reflexivo converge notavelmente com o de uma atitude de conhecer objetivamente, que as obras de arte autônomas e importantes esperam dos espectadores, dos ouvintes e dos leitores, como a atitude adequada. Contudo, o seu gestus didático é intolerante em relação à ambiguidade, a cujo contato o pensamento se incendeia: é autoritário (ADORNO, 1982, p. 271).

Schaefer (2012, p. 231) acrescenta que a obra artística com pretensões de

carregar alguma ideologia tende a ser propaganda de um ponto de vista. Essa

característica faz que a obra caia no esquematismo mental do indivíduo, em lugar de

emancipá-lo enquanto sujeito: “Mesmo obras que veiculam em sua construção temas de

ordem social ou política (...) não podem ser reduzidas a esses conteúdos, sob pena de

perderem a dimensão propriamente estética” (SCHAEFER, 2012, p.231).

Adorno reconhece o mérito de Brecht, ao incutir o engajamento político como

parte constitutiva da obra de arte, o que permitiu a modificação dos sentidos da

realidade apresentada. Entretanto, em vez de, por meio dessa característica, incitar o

sujeito a desvendar um enigma, a cogitar novas possibilidades, Brecht já impôs de

forma autoritária e didática a sua proposta de solução ideal. Por essa razão, Adorno

entende que a proposta de libertação social não deve estar explícita no conteúdo de uma

obra, e sim por meio da forma em que a obra é apresentada, e, segundo ele, nesse ponto

a obra de Brecht falha (SCHAEFER, 2012, p. 54).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na introdução deste trabalho, fiz um breve relato de minha experiência com o

teatro por meio da exposição de minha trajetória acadêmica, profissional e pessoal.

Admito que meu posicionamento em relação ao teatro sempre foi muito flexível e

relativamente próximo ao de Brecht, que, ao defender a ideia de que “[...] o teatro é

teatro mesmo quando didático” (BRECHT, 1967, p. 99), manifesta uma postura

aparentemente favorável à instrumentalização da arte.

Todavia, retomo um pensamento de Fernanda Montenegro para manifestar um

novo ponto de vista. A atriz reconhece que todos são capazes de atuar, pois o disfarce

faz parte da natureza humana. Por esse motivo, é comum confundirem teatro com

terapia (MONTENEGRO, 1988, p. 14). Apesar de as palavras da atriz aparentemente

estarem fora do contexto educacional, noto certas similaridades com o que foi

apreendido nas leituras que respaldam este trabalho. Provavelmente, meu vínculo com a

arte teatral mais caracteriza esse tipo de terapia do que um contato com a arte autêntica.

Assim, o uso instrumental da arte com base em minhas experiências com o teatro

empresarial, o teatro escolar, entre outros tipos de “teatro”, está mais próximo de jogos

de simulação e dinâmicas de grupo para fins didáticos do que da autêntica arte teatral.

Minha trajetória é uma consequência natural se considerada minha formação

tipicamente voltada para os requisitos do mercado, que exige mais a adaptação por meio

da assimilação rápida de saberes do que um senso crítico proveniente de uma formação

cultural diversificada.

Tais descobertas me trouxeram uma nova forma de encarar minha trajetória e a

própria atuação (não como ator, e sim como indivíduo) na sociedade. E, por meio disso,

a reflexão de que se, por um lado, não é possível mudar o mundo, por outro existe um

potencial de resistência inerente ao indivíduo que pode ser despertado por meio do

pensamento filosófico.

O meu projeto de pesquisa inicial, que basicamente era considerar o teatro como

ferramenta de ensino, passou por radicais mudanças que se refletiram não apenas no

trabalho final escrito, mas também em minhas percepções. Entretanto, talvez tais

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descobertas pessoais e acadêmicas foram uma conquista pequena se considerada a

amplitude do problema: ao longo do curso, colegas e professores estranharam minha

opção por uma metodologia teórica para o desenvolvimento de meu trabalho.

Para tais pessoas, a escolha mais natural e adequada para um trabalho acadêmico

sobre teatro seria de cunho prático, como um estudo de caso participativo envolvendo

alunos e professores, em que os alunos pudessem utilizar-se de técnicas de

representação para desenvolver habilidades específicas.

Realmente, uma escolha mais adequada, porém pouco transformadora.

Uma proposta de transformação da sociedade problemática em que vivemos não

requer soluções adequadas à ordem social vigente. Pelo contrário, requer soluções que

rompam com a hegemonia. Esse cenário revela nosso problema de pesquisa, que pode

ser sintetizado na questão: teria o teatro condições de promover uma experiência

educativa crítica? Não se trata de trabalhar teatro na escola, com alunos atuando,

(perspectiva instrumentalista bastante comum, conforme podemos constatar em nossa

revisão de literatura baseada nos trabalhos acadêmicos brasileiros), mas, sim, investigar

se a fruição de peças teatrais autênticas tem condições de inspirar uma formação

humana capaz de dirigir o pensamento autônomo. Com base na resposta a essa questão,

é possível atingir nosso principal objetivo: contribuir para uma perspectiva pedagógica

teórico-crítica que vise não apenas a transformação social, mas a formação de sujeitos

autônomos para uma sociedade efetivamente democrática e livre das amarras dos

ditames do mercado.

A Teoria Crítica da Sociedade lançou questões importantes tanto para a

sociologia quanto para a educação e todas as demais áreas sociais do conhecimento.

Seus estudos sobre a dominação cultural provavelmente são os mais abrangentes do que

os de qualquer outra corrente filosófica. Ainda hoje, são evidentes os sistemas de

exercício de poder econômico e social a que os meios de comunicação de massa são

submetidos. Infelizmente, tais sistemas afetam diretamente a educação, que, além de

não ter passado ilesa por tal realidade, volta-se cada vez mais para abordagens menos

reflexivas e mais instrumentais e acríticas. Como exemplo disso, vemos a já comentada

tendência à migração da reflexão crítica para a prática reflexiva, aspecto que inclusive

justifica nossa opção por uma metodologia de pesquisa de cunho teórico. Desse modo,

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descartar a tão empregada perspectiva instrumentalista do teatro não significa a

impossibilidade da articulação entre o teatro e educação emancipadora. A exclusão

dessa alternativa cria um vácuo que nos obriga a cogitar outras possibilidades

investigativas. E de quais alternativas dispomos para conceber a arte com a formação

humana, o teatro com a educação escolar? O conceito de catarse materializa uma das

principais contribuições do pensamento filosófico de Adorno para a mediação entre

teatro e educação, constituindo o elemento-chave de nossa hipótese de trabalho.

A validação de nossa hipótese requer o entendimento das três possíveis relações

entre a catarse e a formação humana: a catarse enquanto identificação, a exclusão ou

inibição do efeito catártico e a catarse como experiência puramente estética.

A primeira categoria é a mais visível na sociedade contemporânea e vem

correspondido à substituição da arte – que poderia assumir seu potencial reflexivo e

libertador – pela indústria cultural. Esta atua como um entorpecente lícito que inibe e

faz regredir a capacidade crítica e sensível dos indivíduos. Trata-se de uma danificação

e regressão dos sentidos que, ao invés de formar para o exercício da liberdade em uma

sociedade democrática, tem cada vez mais dificultado atingir esse objetivo. Nesse tipo

de situação, a catarse ocorre enquanto identificação e atua como um mecanismo de

manipulação social. Maior parte das obras cênicas da atualidade são elaboradas com

base nesse tipo de catarse, dos filmes hollywodianos às telenovelas brasileiras,

passando, naturalmente, pelos espetáculos teatrais.

Será que a solução para esse problema estaria na tentativa de conceber obras

cênicas que busquem a eliminação do efeito catártico, como meio de retirar o elemento

alienador/manipulador? Vimos que, para Adorno, a solução não está na rejeição da

catarse por meio de uma arte engajada que busque politizar a sociedade, como assim

propôs Brecht. Esse tipo de arte apenas busca a substituição da ideologia hegemônica

por outra ideologia, que, em princípio, por mais justa que possa parecer, tende a tolher a

capacidade reflexiva em virtude de seu teor autoritário. A suposta obrigação de se

distanciar do espectador para evitar o envolvimento causado pela catarse não

corresponde a um aspecto libertador do teatro de Brecht, pelo contrário, exerce função

limitadora, pois é como se impusesse ao indivíduo: “Essa é a lição que você deve retirar

da peça. Para melhor aproveitamento, não se envolva com o que estamos apresentando”.

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Por outro lado, existe ainda a terceira alternativa possível que este estudo parece

validar: nossa hipótese de que é possível uma experiência estética, por meio da catarse,

que atue a contrapelo dos ditames educacionais vinculados à lógica do mercado. Tal

hipótese ganha sentido quando consideramos o conceito adorniano de obra de arte

autêntica: somente ela pode promover o tipo de catarse que não busca a identificação, e

sim uma sublimação legitimamente estética nos limites da obra de arte. A identificação

limita, enquanto a negação da identificação amplia a visão para uma gama maior de

possibilidades. E por que isso acontece? Vimos que a resposta a essa questão se

relaciona com pelo menos duas características da obra de arte autêntica: seu caráter

enigmático e sua forma histórica.

Sobre seu caráter enigmático, segundo Adorno, vimos que a arte não pode ser

completamente evidente: o enigma faz parte da experiência estética e é indispensável

para que a obra expresse sua verdade. E não se trata de uma verdade absoluta ou

fechada, pois “a verdade só existe como o que esteve em devir” (ADORNO, 1982,

p.13), aspecto relacionado à segunda característica a ser explicada.

Sobre sua forma história, essa característica diz respeito ao caráter dinâmico da

obra de arte. De modo diferente das produções da indústria cultural, que apresentam

uma forma bem delimitada e coerente, a autêntica arte põe em evidência o próprio

processo de produção, que nunca acaba, tendo em vista que o próprio movimento

histórico é elemento constituinte da obra de arte: “Ela especifica-se ao separar-se

daquilo por que tomou forma; a sua lei de movimento constitui a sua própria lei formal.

Ela unicamente existe na relação ao seu Outro e é o processo que a acompanha”

(ADORNO, 1982, p. 13).

Tais características aferem à obra de arte o poder de desencadear reflexões

particulares que fogem ao senso comum. Trata-se de uma experiência estética tão

particular, que impossibilita a mera identificação por parte do sujeito fruidor. Esse

processo corresponde a um tipo de sublimação que equivale à experiência catártica,

sendo completamente diferente do tipo de catarse promovida pela indústria cultural.

De fato, independentemente do intuito ou dos objetivos mercadológicos das

produções semiculturais, a mera representação/cópia da realidade já é por si só

problemática, pois não tem condições de dar conta da complexidade irracional da

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sociedade em que vivemos. Pensadores, como Adorno, e artistas, como Beckett,

procuraram evidenciar tais problemas: “Em um mundo privado de sentido imanente, em

cujo contexto o sujeito está deformado e esvaziado da capacidade reflexiva, Beckett e

Adorno afirmam a necessidade de se elaborar formas significativas, que sejam ao

mesmo tempo denúncia e mímesis desse estado de coisas” (SOUSA, 2009, p. 12).

Tomando por base essa linha de pensamento, o idêntico é mais absurdo do que o não-

idêntico, e compete à arte evidenciar esse paradoxo.

É justamente na negação da identificação que a obra de arte autêntica alcança o

propósito da arte: “A identidade estética deve defender o não-idêntico que a compulsão

à identidade oprime na realidade” (ADORNO, 1982, p. 15).

Essa é a experiência estética capaz de estimular o tipo de sublimação que

Adorno defende. Uma experiência estética que exerce seu potencial formativo por

confrontar o indivíduo com o devir, o pensamento reflexivo e crítico.

E como o teatro, enquanto obra de arte autêntica, pode contribuir com uma

práxis que fomente a formação integral do indivíduo, em especial no ensino médio e

superior? Para responder a essa questão, cabe inicialmente destacar como o teatro não

pode contribuir (ao menos sob a perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade). Já

descartamos a abordagem instrumental, o que invalida o teatro enquanto metodologia de

ensino, dinâmica de grupo e mesmo disciplina curricular. Todas essas possibilidades

estão relacionadas a fundamentos educacionais hegemônicos, demasiadamente fechados

em parâmetros curriculares. Assim, a abordagem provavelmente mais apropriada seria a

orientada a projetos pedagógicos. Com base na abordagem de projetos, seria possível,

por exemplo, a seleção de espetáculos teatrais coerentes com as características da

autêntica arte a que os alunos poderiam assistir (seja em espaços apropriados na

instituição escolar, seja em teatros disponíveis na localidade) para posterior debate.

Ademais, uma alternativa viabilizada pela orientação a projetos seria a cooperação entre

escolas e grupos de teatro, em que ambas as partes poderiam selecionar espetáculos

teatrais que permitissem a reflexão crítica do espectador. Afinal, do mesmo modo que

não estamos falando de qualquer tipo de educação, e sim da educação emancipadora

definida na Teoria Crítica da Sociedade, também não estamos falando de qualquer

espetáculo teatral, e sim daqueles que correspondem à obra de arte autêntica.

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De qualquer modo, como o próprio Adorno lembra na Teoria da Semiformação,

o problema transcende os limites da instituição escolar. Por isso, vemos que realmente,

no Brasil, a cultura não é um direito usufruído pela maioria da população. Desse modo,

o aumento da frequência às práticas culturais deve ser o reflexo de políticas que

estimulem a fruição, a ampliação da oferta de bens culturais e a formação de público.

Entretanto, existe ainda um agravante: manifestações culturais e entretenimento

estão misturados de tal modo, que chegam a confundir-se. E qual seria a solução para

essa questão? Por esse motivo, consideramos que o papel da escola é determinante, pois

ela é a instituição capaz de abranger a legítima cultura e torná-la tangível para os alunos.

Não se trata de transformar a cultura ou a arte em uma disciplina, como português ou

matemática – proposta que deturparia a própria ideia de cultura –, e sim de ressaltar sua

importância do mesmo modo que é feito com tais disciplinas curriculares. Uma

sociedade sem esse preparo oportunizado pela instituição escolar dificilmente vai

atribuir a devida relevância à formação cultural.

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REFERÊNCIAS

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