Dissertação de Mestrado - Norma · ... pelo auxílio e apoio dedicados na pesquisa de campo. ......

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PRO-REITORIA DE PESQUISA, PÓS GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO NORMA SUELY LIMA MOREIRA CIDADANIA E GESTÃO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PÚBLICO SOCIOCULTURAL: O CASO DO ENGENHO DO MURUTUCU EM BELÉM DO PARÁ BELÉM - PA 2010

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PRO-REITORIA DE PESQUISA, PÓS GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO

AMBIENTE URBANO

NORMA SUELY LIMA MOREIRA

CIDADANIA E GESTÃO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PÚBLICO SOCIOCULTURAL: O CASO DO ENGENHO

DO MURUTUCU EM BELÉM DO PARÁ

BELÉM - PA 2010

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NORMA SUELY LIMA MOREIRA

CIDADANIA E GESTÃO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PÚBLICO SOCIOCULTURAL: O CASO DO ENGENHO DO MURUTUCU EM

BELÉM DO PARÁ Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia como requisito para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano. Orientadora: Profª Dra. Ana Maria Vasconcellos.

BELÉM - PA 2010

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Suzana Cardoso CRB 2/1.142

306.4 M838c Moreira, Norma Suely Lima. Cidadania e gestão de preservação do patrimônio

histórico público sociocultural : o caso do engenho do murutucu em Belém do Pará / Norma Suely lima Moreira . – Belém, 2010.

121 f. : il. ; 21 x 30 cm. Dissertação (Mestrado) -- Universidade da Amazônia,

Pro-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão, Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, 2010.

Orientadora: Profª. Dra. Ana Maria Vasconcellos. 1. Cidadania. 2. Gestão pública. 3. Patrimônio histórico cultural.

I. Vasconcellos, Ana Maria (orient.). II. Título.

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NORMA SUELY LIMA MOREIRA

CIDADANIA E GESTÃO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PÚBLICO SOCIOCULTURAL: O CASO DO ENGENHO DO MURUTUCU EM

BELÉM DO PARÁ Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia como requisito para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano. Orientadora: Profª Dra. Ana Maria Vasconcellos.

BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Profª Dra. Ana Maria Vasconcellos Orientadora - UNAMA ______________________________________ Profª Dra. Andréa Mello Pontes UNAMA ______________________________________ Prof. Dr. Carlos Jorge Paixão UNAMA Apresentando em: ____ / ____ / 2010. Conceito: ______________________

BELÉM - PA 2010

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Aos meus pais Francisco Félix Moreira (in memorian) e Lindalva de Lima Moreira pela intensa e árdua tarefa de educar uma família.

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AGRADECIMENTOS

À Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC), pela concessão da licença para estudo. À Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), pela concessão da bolsa Mestrado e pelo apoio para a realização desta pesquisa. À Professora Drª Ana Maria Vasconcelos, meu especial agradecimento, pelo comprometimento profissional e ético, pela indiscutível contribuição intelectual, pela paciente orientação segura e, principalmente, pela confiança depositada. À Universidade da Amazônia (UNAMA), em especial ao Professor Dr. Marcos Aurélio Arbage Lôbo, Coordenador do Curso de Mestrado de Desenvolvimento em Meio Ambiente Urbano. Aos Professores Andréia Mello Pontes e Carlos Jorge Paixão, pelas sugestões precisas e imprescindíveis apresentadas no exame de qualificação e que muito contribuíram para enriquecer esta pesquisa. À Professora Drª Luciana Costa, pelo seu delicado e consistente apoio. À Professora Drª Voyner Ravena, por incitar meu primeiro olhar antropológico através da sua disciplina muito bem ministrada. Aos meus amigos do curso Ana Lígia, André, Clara, Helena, Shaji e, em especial, à Dalva pela verdadeira amizade e companheirismo em todos os momentos. Às amigas que muito contribuíram para a realização deste curso, em diferentes circunstâncias: Iolanda, Silvia, Suzy, Lélia e Lea. Aos amigos Márcia e Osvaldo, pelo auxílio e apoio dedicados na pesquisa de campo. Aos meus colegas de trabalho pela compreensão e apoio: Professora Terezinha, Professora Lize, Ana Clara, Ana Paula, Bruna, Cardias, Gilda e Ray. A todos os meus familiares, pela confiança, incentivo e apoio nos momentos mais delicados e, em especial, ao Paulo, ao Pedro, ao João e ao Paulinho, pela ausência e pelo amor incondicional. E a Deus por me fortalecer na fé e nessa difícil marcha ao conhecimento, e me presentear com pessoas verdadeiramente companheiras e amigas, que sem a inestimável colaboração de todos e todas não teria conseguido finalizar mais esta etapa acadêmica para a minha realização profissional e deleite pessoal.

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O amor é tanto mais ardente, quanto o conhecimento é mais perfeito.

Leonardo Da Vinci

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RESUMO Este estudo analisa as atuais configurações de preservação do patrimônio histórico arquitetônico urbano de Belém como práticas sociais, evidenciando o caso do Engenho do Murutucu como exemplo vivo de memória social no contexto cultural da cidade. Mais especificamente, identifica as articulações entre os órgãos governamentais nas três esferas federal, estadual e municipal, voltadas à preservação do patrimônio histórico e aos resultados de tais ações. A pesquisa centra atenção nas ações dos gestores públicos representantes das instituições envolvidas com as questões preservacionistas, principalmente a instituição responsável pelo Engenho do Murutucu, para compreender as interseções entre o discurso preservacionista do patrimônio e as ações socioeducativas como novos instrumentos de reconhecimento e valorização da cidadania. A escolha do Engenho do Murutucu como objeto de estudo se justifica pela relevância deste monumento histórico, remanescente do período colonial situado às margens do Igarapé Murutucu, numa área periférica do contexto urbano de Belém, tombado pelo IPHAN desde 1980. O arcabouço teórico é delineado sob a luz da literatura de gestão do patrimônio histórico cultural e das ações socioeducativas, considerando, ainda, outros conceitos, tais como cidades sustentáveis, governança urbana e cidadania participativa, de relevância para compreensão e discussão da questão responsabilidade patrimonial e social. Palavras-chave: Cidadania. Gestão publica. Patrimônio histórico cultural. Memória.

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ABSTRACT This study analyzes the current settings for the preservation of urban architectural heritage of Belém as social practices, highlighting the case of the Murutucu sugar mill as a living example of social memory in the cultural context of the city. More specifically, it identifies the links between government agencies in the three federal, state and local levels aimed at the preservation of history and the results of such actions. The research focuses attention on the actions of public administrators representatives of institutions involved with the issues preservationists, especially the institution responsible for Murutucu mill to understand the intersections between the discourse of heritage preservation and social and educational activities as new instruments for the recognition of citizenship . The choice of Murutucu mill as an object of study is justified by the importance of this being a historic monument, reminiscent of the colonial era located on the banks of affluent Murutucu in a peripheral area of the urban context of Belém, fallen by the IPHAN since 1980. The theoretical framework is outlined in light of the literature of management of cultural heritage and social and educational activities, considering also other concepts such as sustainable cities, urban governance and participatory citizenship, of relevance for understanding and discussion of the issue liability social. Keywords: Citizenship. Public management. Cultural heritage. Memory.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APA Área de Proteção Ambiental CEASA Centro de Abastecimento de Alimentos EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FUMBEL Fundação Cultural do Município de Belém ICOMOS International Council on Monuments and Sites IPHAN Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ONGs Organizações Não Governamentais ONU Organização das Nações Unidas OS Organizações Sociais SECULT Secretaria de Estado de Cultura SEMMA Secretaria Municipal de Meio Ambiente SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional UFPA Universidade Federal do Pará UFRA Universidade Federal Rural da Amazônia UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Largo da Sé em pleno processo de urbanização da cidade de Belém 42

(Pará), com vista do antigo Hospital Militar, obra de Landi

Figura 2 - Igreja da Sé 42

Figura 3 - Vista de Belém do Pará, em 1784. Desenho a bico de Pena, 53

aquarelado (detalhe). Retrata a expedição de Alexandre Ferreira. J.J. Codina

Figura 4 - O Porto Reduto, um dos portos da cidade de Belém 56

Figura 5 - Planta da cidade de Belém de 1791 – Desenho à pena, 57

aquarelado, C. Chermont

Figura 6 - Palácio Lauro Sodré 58

Figura 7 - Ruínas do Engenho do Murutucu 59

Figura 8 - Desenho original da Capela de São João de autoria de Landi 61

Figura 9 - Igreja de São João Batista 62

Figura 10 - Desenho original do projeto da Igreja de Sant’Ana de autoria

de Landi. Desenho à pena, aquarelado 62

Figura 11 - Fachada frontal da Igreja de Sant’Ana 63

Figura 12 - Vista panorâmica das ruínas da Capela do Engenho do Murutucu 66

Figura 13 - Localização do sítio histórico do Murutucu 68

Figura 14 - Ruínas da Capela do Engenho do Murutucu 70

Figura 15 - Portal de entrada da Capela de Nossa Senhora da Conceição, 70

Detalhe do medalhão do portal de entrada da capela

Figura 16 - De acordo com o desenho acima é possível identificar através 72

do Layout da Casa Grande a disposição dos cômodos da casa do engenho

do Murutucu na planta arqueológica desenhada por Marques (2003)

Figura 17 - Objetos arqueológicos encontrados nas escavações 75

durante a pesquisa do arqueólogo Fernando Marques, em 2003 75

Figura 18 - Palafita de moradores da Rodovia do Murutucu 77

Figura 19 - Vista aérea do Engenho Murutucu e o complexo da Ceasa 78

cortado pela Rodovia do Murutucu

Figura 20 - Moradia de ribeirinho à margem do rio Guamá e as canoas dos 80

moradores da área da rodovia do Engenho Murutucu

Figura 21 - Complexo da CEASA – feirante 80

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 14

1.1 O CONTEXTO DA PESQUISA 14

1.2 PROBLEMATIZAÇÃO 17

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 19

1.4 A ESTRUTURA DO TRABALHO 22

2. GESTÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E CIDADANIA NO MEIO URBANO 24

2.1 O MEIO AMBIENTE URBANO E A IMPORTÂNCIA DO PATRIMÔNIO 24

HISTÓRICO

2.2 A QUESTÃO LEGAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL NO 25

BRASIL

2.2.1 As Cartas patrimoniais 25

2.3 O HABITUS ENQUANTO ELEMENTO SOCIOCULTURAL NAS 28

RELAÇÕES DOS INDIVÍDUOS

2.4 CIDADE, CULTURA E CIDADANIA 31

2.5 PATRIMÔNIO CULTURAL E CIDADÂNIA 38

2.6 AÇÕES SOCIO-EDUCATIVAS E CULTURAIS PARA A PRESERVAÇÃO 46

DO PATRIMÔNIO PÚBLICO

3. A FORMAÇÃO DE BELÉM ENQUANTO CIDADE AMAZÔNICA: 50 ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E SOCIOCULTURAIS

3.1 A CONJUNTURA POLÍTICA E SOCIAL DAS CIDADES AMAZÕNICAS 50

NA ERA DOS ENGENHOS

3.2 A CIDADE DE BELÉM NO CONTEXTO DAS CIDADES AMAZÔNICAS 52

SOB O ESTILO DE LANDI

3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO: O ENGENHO DO MURUTUCU 63

NO CONTEXTO SOCIAL URBANO DE BELÉM

3.3.1 O Engenho do Murutucu na arquitetura da cidade de Belém 64

3.3.1.1 Murutucu: trajetória de uma obra 64

3.4 O ESTILO ARQUITETÔNICO DO ENGENHO DO MURUTUCU 67

3.5 O TOMBAMENTO DO ENGENHO 75

4. A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E AS AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS NAS 77 RUÍNAS DO ENGENHO MURUTUCU

4.1 AS DIFERENTES PERCEPÇÕES SOBRE O ENGENHO 77

13

4.1.1 As comunidades do entorno 77

4.1.2 Entre o rural e o urbano 78

4.1.3 As vozes do engenho 79

4.2 A TRILHA DA ORALIDADE 81

4.2.1 O discurso oficial 82

4.2.2 A Fala dos atores sociais 99

4.3 A CONTRADIÇÃO DOS DISCURSOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA 103

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 107

6. REFERÊNCIAS 109

APÊNDICÊS 114

APÊNDICE A 115

APÊNDICE B 116

ANEXOS 117

PORTARIA IPHAN NO7 118

14

1 INTRODUÇÃO

1.1 O CONTEXTO DA PESQUISA

O objetivo desta dissertação consiste na análise das ações de gestão e

preservação pública de monumentos históricos culturais, mais especificamente, do

caso do monumento do Murutucu, em Belém do Pará. Esta pesquisa investigou a

existência de políticas públicas (medidas e ações) relativas à conservação e

preservação do Engenho Murutucu, identificando as responsabilidades das

instituições públicas sobre os bens do patrimônio cultural da cidade de Belém e, em

especial, sobre o Engenho do Murutucu (Pará). Buscou-se, também, sinalizar as

medidas sócio-educativas promovidas pelas instituições responsáveis por este

elemento do patrimônio histórico cultural do Pará voltadas para a inclusão e a

participação cidadã dos agentes sociais, que por sua relação com o espaço,

integram a comunidade do entorno1.

Desta forma, as ações de cunho preservacionistas têm contribuído para a

criação e fortalecimento de parcerias entre instituições responsáveis pela política de

preservação de patrimônios socioculturais, o que significa pensar um conjunto

diversificado de oportunidades de aprendizagem para os cidadãos que permita o

desenvolvimento da autoconfiança e de capacidades, visando à construção de um

novo projeto de sociedade. A incorporação dos aspectos socioculturais e de

cidadania são ações fundamentais para referendar o processo de preservação de

um sítio patrimonial e cultural de um contexto urbano que segrega em seu entorno

um grande contingente de pessoas que vivenciam a realidade local.

Em seu aspecto físico territorial, Belém apresenta um vasto patrimônio

arquitetônico e urbanístico, capaz de evidenciar a grandeza da cidade ao longo de

sua trajetória histórica, e fundamental para o processo de solidificação de seus

valores culturais. Esse patrimônio histórico-cultural representa um papel importante

1 A comunidade do entorno é formada pelos ribeirinhos, moradores da área e pelos vendedores da

CEASA, feirantes que nem sempre residem nas proximidades, mas que ali trabalham diariamente, convivendo ambos com o espaço aqui definido como entorno.

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na vida da sociedade local, na medida em que representa as manifestações de sua

cultura.

O Engenho do Murutucu, monumento arquitetônico do patrimônio cultural de

Belém, compreende um conjunto de ruínas de grande porte, cuja significância

histórica e valor arquitetônico fundamentaram seu processo de tombamento como

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo IPHAN, em outubro de 1981. O

monumento é descrito como elemento importante na manifestação dos ideais de seu

tempo, como remanescente histórico de um empreendimento associado a aspectos

econômicos, políticos e sociais por situar-se como remanescente arquitetônico do

estilo de Landi, arquiteto bolonhês que veio para a região no século XVIII,

juntamente com a Comissão Demarcatória das terras ocupadas em território

brasileiro pelos reinos de Portugal e Espanha. Destaca-se, porém, que para a

compreensão de seu papel no contexto do desenvolvimento urbano da cidade de

Belém, outros aspectos históricos devem ser relacionados, principalmente aqueles

que dizem respeito ao processo de formação da cidade, desde a época de sua

fundação.

O processo de ocupação territorial de Belém tem início com a chegada dos

colonizadores portugueses e com a formação do primeiro núcleo de

desenvolvimento da cidade, fundada para atender, inicialmente, às exigências

político-militares e de defesa da região. Assim, o marco inicial desse processo de

fundação e urbanização da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará

corresponde à construção de uma fortaleza, atualmente conhecida como Forte do

Presépio, a partir da qual se expandiu o povoado.

Nesta época, inícios do século XVII, as construções existentes eram

pequenas casas de morada e as edificações mais eminentes eram o Forte e a Igreja

Matriz, esta, posteriormente, veio se chamar Igreja da Sé.Nesse período, o acervo

arquitetônico da cidade enriqueceu e as edificações de estilo neoclássico vieram se

somar aos exemplares em estilo barroco jesuítico, principalmente das igrejas que

existiam na região. A presença de Landi foi, portanto, relevante no contexto das

transformações e contribuições arquitetônicas e urbanísticas que Belém sofreu à

época.

A necessidade de preservação do patrimônio cultural, em suas diversas

formas e aspectos, tornaram-se uma questão relevante para diferentes áreas de

conhecimento e para profissionais comprometidos com a questão ambiental e

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preservacionista. As discussões acadêmicas enfatizam a importância da

participação dos órgãos públicos e dos agentes sociais no resguardo do patrimônio

público. Cada vez mais esta temática toma espaço na sociedade contemporânea,

seja atrelada ao turismo cultural, seja na luta por igualdade e democratização no

acesso e fruição da cultura.

Atualmente, a questão da preservação da memória cultural tem sido uma

constante, que vai além dos meios acadêmicos ou técnicos, pois preservar o

passado e seus traços culturais deixou de ser tarefa restrita de historiadores,

arqueólogos, arquitetos, entre outros. Cada indivíduo faz sua própria história assim

como a do grupo em que está inserido, expressando-se por meio da cultura, sua

cidadania e o discurso consciente ou inconsciente sobre a preservação do

patrimônio material ou imaterial.

Apesar da atual mudança das mentalidades acerca da preservação dos bens

culturais, poucas ações têm sido desenvolvidas com finalidades preservacionistas, a

despeito de que diz o texto: “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o

conhecimento de bens e valores culturais, a educação e a ciência”. (BRASIL, 1988,

p. 124).

No Pará, apesar das diretrizes constitucionais que regem a preservação

cultural no país, a maioria dos municípios não dispõe de nenhuma lei municipal que

regulamente esse dispositivo constitucional. O descaso da municipalidade associado

ao desconhecimento da matéria e, principalmente, a ausência de uma base

conceitual e técnica, são fatores que têm contribuído para a destruição e para a

evasão do patrimônio cultural estadual.

Embora a Constituição Federativa Brasileira suscite, no âmbito dos direitos

culturais, menos garantias do que expectativas, ela simboliza um importante

instrumento para a institucionalização da cultura. Nela, estão os fundamentos para a

compreensão dos direitos culturais, enquanto direitos fundamentais do homem, que

garantem a democracia, a viabilização do pacto federativo e a cidadania cultural

para todos os brasileiros.

Nesta pesquisa foram analisadas as leis que amparam o processo de

preservação do patrimônio histórico cultural, em que Estados e municípios,

baseados nessas diretrizes constitucionais, acrescentaram em suas leis orgânicas

diretrizes para o setor e criaram normativas de regulação e de disciplina para a

preservação dos sítios históricos, do patrimônio cultural urbano e da cultura. Neste

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sentido, é enfatizado que a Constituição do Estado do Pará estabelece diretrizes

gerais para a preservação cultural, regulamentadas pela Lei n. 5629, aprovada em

20 de dezembro de 1990. Já o município de Belém estabelece diretrizes gerais para

a preservação cultural por meio da Lei Orgânica de 1990, que decreta o tombamento

do Centro Histórico de Belém, regulamentada por uma legislação complementar. Em

18 de maio de 1994 é aprovada a Lei Municipal n. 7.709, que dispõe sobre a

preservação e sobre a proteção do Patrimônio Histórico, Artístico, Ambiental e

Cultural do Município de Belém, estabelecendo penalidades e incentivos fiscais para

os proprietários de imóveis tombados.

É claro que o patrimônio arquitetônico não é a única expressão de memória

cultural, mas o seu estudo possibilita muitas interpretações. Um signo arquitetônico

como o Engenho do Murutucu oferece inúmeras possibilidades de interpretação tais

como os valores simbólicos, a urbanidade, o desenvolvimento e crescimento urbano,

as permanências e modificações no ambiente urbano, a mão de obra, e como as

pessoas percebiam e percebem esse monumento histórico.

1.2 PROBLEMATIZAÇÃO

O Engenho do Murutucu é parte do legado Landi em Belém, cidade na qual a

obra desse arquiteto do século XVIII deixou grandes marcas de um momento

histórico das construções monumentais que representam a cultura européia em

nosso território. Além de ter sido propriedade do arquiteto bolonhês Antônio José

Landi, o precursor do estilo neoclássico no Brasil e, por conseguinte, em Belém e

em outras cidades da região amazônica, o Engenho foi palco de acontecimentos e

fatos históricos relevantes à cidade de Belém, inclusive, segundo informa Raiol

(1970, p. 832), também serviu de acampamento para os revoltosos da Cabanagem.

Hoje, a ação do tempo e do homem transformou o Murutucu em ruínas. Dele

se tem apenas algumas paredes da capela que formava o complexo da residência.

O Engenho está localizado dentro de uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA - Amazônia Oriental), sem projetos efetivos visando um

processo de preservação, e constantemente sofrendo ações de vandalismo e

depredação, em função da inexistência de políticas públicas que pudessem

disponibilizar a área para estudos acadêmicos e, principalmente, para o

desenvolvimento do ecoturismo e/ou turismo de base comunitária.

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A EMBRAPA, por ser um órgão com fins agropecuários, sem competência

técnica e científica para gerir a questão do patrimônio público, não oferece projetos

preservacionistas para o monumento do Murutucu. Por outro lado, as instituições

como a Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), o Instituto de Patrimônio

Histórico (IPHAN) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), também,

não se posicionam e nem se sensibilizam em relação à proteção e preservação

desse sítio histórico que pertence ao patrimônio cultural de Belém do Pará.

As comunidades do entorno são formadas por moradores, trabalhadores e/ou

feirantes do Centro de Abastecimento de Alimentos (CEASA), por ribeirinhos e

outros. De maneira geral é uma população de baixa renda e baixa escolaridade com

dificuldade de acesso aos serviços públicos, por isso, com pouco conhecimento e

consciência a respeito da importância da preservação do patrimônio cultural e,

portanto, pouco tem contribuído para a mudança do quadro atual em que se

encontram as ruínas do Engenho.

Vale ressaltar que preservar significa salvaguardar a memória e os valores

que, originariamente, levaram a se considerar aquele personagem, aquele lugar,

aqueles objetos, aqueles prédios como patrimônio da coletividade. Valorizar o

patrimônio cultural diz respeito a interagir com o meio em que se vive e com o

patrimônio que a humanidade reconhece como referência de sua memória e de sua

história. Nesse sentido, este estudo aponta a importância das matrizes formadoras

da cultura local, levando em consideração sua elaboração em função da história, do

ambiente geográfico e do processo dinâmico das transformações culturais diante da

massificação da globalização (SANTOS, 2004, p. 45).

Sobre os valores das matrizes formadoras da cultura local, Paes Loureiro justifica a singularidade da cultura amazônica em relação a outras regiões brasileiras pelo processo de formação de suas matrizes culturais:

A predominância numérica dos índios e caboclos durante alguns séculos, a economia apoiada no extrativismo da floresta, na qual o caboclo constitui um elemento chave em face do saber acumulado sobre o habitat natural, e a persistência da cultura cabocla diante das outras contribuições que viriam a ocorrer nas últimas décadas foram fatores que atuaram sobre esse universo isolado, a fim de conferir a sociedade que nela vive características singulares que a diferenciam no conjunto da sociedade nacional (LOUREIRO, 2001, p. 37).

19

Além da necessidade de preservação do patrimônio cultural, outra questão

relevante é a diferença de tratamento dada às diversas categorias do patrimônio,

pois os investimentos públicos, nas três esferas de poder, ainda são mais

direcionados ao patrimônio arquitetônico construído do que ao patrimônio ambiental,

o imaterial, etc.

A problematização central que trazemos é a gestão do patrimônio histórico

público e a implementação de políticas socioculturais mais abrangentes no sentido

do exercício da cidadania, não só como direitos à educação e outros bens e

serviços, mas também como deveres, no caso de colaborar com a preservação

desse sítio histórico cultural de Belém.

A problemática desta pesquisa desdobra-se nos seguintes questionamentos:

a quem (instituição) cabe a responsabilidade de cuidar da preservação do Engenho

do Murutucu, visto que este se encontra em completo abandono, deteriorando-se

com o tempo? Que políticas públicas (medidas e ações) o governo do Estado do

Pará tem implementado para preservar os bens patrimoniais histórico-culturais de

Belém, de modo especial, o Engenho do Murutucu, desenvolvendo, também, ações

sócio-educativas junto à comunidade e estimulando a conduta cidadã

preservacionista em relação a este bem patrimonial?

Tem-se como hipótese que: a gestão do patrimônio histórico, no caso do

Engenho do Murutucu, não tem promovido a preservação desse patrimônio e nem

estimulado a conduta cidadã dos agentes sociais que convivem no entorno, tendo

em vista a ausência de ações socioeducativas relativas a esse sítio patrimonial de

Belém. Há, portanto, necessidade imediata da efetivação das políticas públicas

delineadas para a preservação do patrimônio público neste local.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo teve início com a análise da literatura pertinente para

sustentação dos argumentos que se iria desenvolver a respeito de patrimônio

cultural, cidadania e os demais conceitos que se relacionam à pesquisa, assim como

sua aplicação junto aos métodos de análise do estudo de caso.

Tendo em vista que esta pesquisa trata de uma problemática no âmbito das

Ciências Sociais, optou-se pelo estudo de caso etnográfico, de análise qualitativa. O

estudo de caso apresenta como principais vantagens a ênfase no estudo do

20

particular; a seleção e compreensão de uma determinada unidade, visando a

dinâmica de um todo orgânico. A análise qualitativa é a mais apropriada para um

estudo de natureza social.

Os recursos metodológicos adotados neste trabalho foram a pesquisa

bibliográfica e a pesquisa documental, apoiadas pelas entrevistas semiestruturadas

e abertas, como os instrumentos para coleta de dados.

Conforme Lakatos e Marconi (1996), o ponto de partida de uma investigação

científica deve basear-se em um levantamento de dados. Para isto é necessário,

num primeiro momento, que se faça uma pesquisa bibliográfica. Assim, esta

pesquisa propõe um levantamento bibliográfico sobre conceitos, categorias e leis

sobre patrimônio histórico, cidadania, gestão pública e memória social.

Em relação à pesquisa documental, buscou-se a apreensão das

circunstâncias sociais e econômicas relacionadas a época de maior produção do

Engenho, tais como registros históricos, reproduções de imagens, vídeos, artigos de

jornal e documentos disponíveis em arquivos públicos.

Para identificação das informações pertinentes ao estudo procedeu-se à

leitura preliminar dos documentos disponíveis, à seleção das principais ações que

ocorreram durante a análise seletiva, seguida da leitura reflexiva que possibilitou a

compreensão das categorias teóricas e suas variáveis.

Com objetivo de obter um panorama da situação atual em que se encontra a

preservação do patrimônio histórico arquitetônico urbano do Engenho do Murutucu

em relação as suas práticas sociais e as ações de preservação foram realizadas

entrevistas abertas e semi-estruturadas. Como instrumento de coleta de dados, a

fase de entrevista foi uma etapa fundamental para a continuidade da pesquisa.

A estratégia da entrevista é utilizada por ser um recurso apropriado para

coleta de informações sobre determinado tema, segundo a visão do entrevistado e,

também para obter um maior detalhamento do assunto em questão, geralmente, na

descrição de casos individuais, na compreensão de especificidades culturais para

determinados grupos e para comparabilidade de diversos casos (MINAYO, 2007).

Neste caso, a escolha desse recurso foi pertinente por se tratar de um objeto de

pesquisa que envolve vários segmentos sociais: as instituições responsáveis pela

preservação do patrimônio histórico e as comunidades do entorno.

A análise feita dialogou com os conceitos essenciais do meio ambiente

urbano, sua complexidade social e a importância do patrimônio histórico aqui

21

considerado como uma referência da materialidade da cultura de um determinado

povo como as particularidades do lugar no seu tempo histórico, sem negar a

existência das expressões não materiais, portadoras de valor ou interesse cultural,

mas enfatizando aqueles elementos cuja expressão material se apresenta enquanto

parte do ambiente, do tecido urbano, do habitat humano e do seu cotidiano.

A entrevista é definida por Haguette (2000, p. 86) como um “processo de

interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por

objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”. Para atingir

os objetivos propostos por este método é necessário considerar o processo de

preparação que antecede a realização das entrevistas. Este processo incluiu o

planejamento das ações, a visita de observação em data anterior que terá por

finalidade verificar os possíveis informantes e agendar quando necessário a data da

entrevista. E por fim, ter o devido cuidado na execução das entrevistas tais como

utilização de vocabulário adequado, verificação prévia dos equipamentos e informar

aos sujeitos os procedimentos da pesquisa, precedido pela elaboração do roteiro

(Apêndice 1).

A pesquisa de campo foi desenvolvida no período de dois meses, a partir da

segunda quinzena do mês de março de 2010, conforme aprovação do Comitê de

Ética da Universidade da Amazônia. Neste período também foram recolhidos

recursos visuais como fotografias (fotografias do entorno e das ruínas em si)

utilizadas na ilustração da dissertação.

Na categoria dos representantes institucionais relacionados à gestão do poder

público foram entrevistados quatro gestores, sendo considerada a fala de cada

esfera: federal, estadual e municipal. Assim sendo, os sujeitos das entrevistas foram:

dois membros da Diretoria EMBRAPA, sendo um administrativo e outro científico; da

Diretoria de Patrimônio do Estado – SECULT e da Diretoria do IPHAN, totalizando

quatro entrevistados.

Entre os membros das comunidades do entorno foram entrevistadas três

categorias: moradores ribeirinhos da área (seis sujeitos), funcionários da EMBRAPA

(cinco) e feirantes da CEASA (cinco).

Elegeu-se o Engenho do Murutucu, mais precisamente suas ruínas, como

objeto desta pesquisa por sua relevância como um marco histórico da cultura local

atrelado de forma efetiva ao processo de desenvolvimento de Belém, tanto em

relação a aspectos econômicos, como a aspectos de estruturação do espaço urbano

22

e a função social desse acervo arquitetônico. Assim, buscou-se a melhor

compreensão das ações preservacionistas dos gestores públicos e das instituições

atreladas à conduta cidadã da comunidade do entorno inserida num contexto

tipicamente amazônico, visto ser uma comunidade ribeirinha situada às margens dos

igarapés Tucunduba e Murutucu.

1.4 A ESTRUTURA DO TRABALHO

Com a finalidade de apresentar todo o estudo realizado sobre a realidade do

Engenho do Murutucu esta pesquisa se divide em quatro seções: a primeira seção

trata da introdução do estudo, iniciando com a sua contextualização da pesquisa no

cenário histórico, cultural e social de Belém, discutindo em seguida a

problematização e os objetivos, e por último traça o caminho metodológico da

construção de toda a pesquisa.

A segunda seção trata do referencial teórico onde se expressa a linha

trajetória gestão do patrimônio público e o exercício da cidadania, onde se discute a

respeito de seu conceitos e processo de construção ao longo do tempo histórico, a

questão legal que ampara a presença do patrimônio e a sua preservação no

contexto do espaço geográfico enquanto bens culturais, traçando uma relação com o

meio ambiente urbano e enfatizando o habitus (BOURDIEU, 2003) como elemento

sociocultural na relação dos indivíduos, expressando a cidade e papel dos agentes

sociais na formação da cultura nesse espaço urbano. Discute, ainda, os conceitos

na relação entre memória e cultura, e as ações socioeducativas e culturais para a

preservação do patrimônio público.

A terceira seção fala da formação de Belém, enquanto cidade amazônica,

onde são registrados seus aspectos históricos e socioculturais, centrando-se na

conjuntura política e social das cidades amazônicas na era dos engenhos, focando a

cidade de Belém como relevante nesse panorama histórico artístico-arquitetônico e

cultural, traçando a trajetória histórica dessa época, do processo de fundação e

urbanização da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, onde as edificações

apresentavam as características do estilo neoclássico de Portugal e Espanha.

Apresenta, também, o Engenho do Murutucu, contextualizando-o no cenário social

urbano de Belém, falando das questões urbanísticas e do patrimônio histórico

cultural, da arquitetura da cidade de Belém, da trajetória da obra do Murutucu, do

23

estilo arquitetônico de Landi, do tombamento do engenho como uma forma de

reconhecimento do patrimônio, cuja apresentação traz uma ilustração através de

fotos do Engenho e outras imagens que fazem alusão a este monumento

neoclássico.

A quarta seção é considerada a parte mais fundamental desta dissertação,

por tratar-se da análise específica da relação da comunidade com este patrimônio,

através da pesquisa de campo que procurou perceber a educação patrimonial e as

ações socioeducativas nas ruínas do Engenho do Murutucu. Nessa investigação

incluiu-se, também: a relação entre a vida urbana (a EMBRAPA e a feira) e a vida

rural (os ribeirinhos e habitantes das regiões das ilhas próximas do monumento),

através da percepção das comunidades do entorno; as responsabilidades sobre a

preservação do sítio arquitetônico, através do discurso oficial, representado pelos

gestores das instituições que têm responsabilidades com este monumento

patrimonial (EMBRAPA, SECULT, IPHAN) e da fala dos agentes sociais (moradores

e trabalhadores do entorno – feirantes do CEASA e ribeirinhos).

Finalmente, nas considerações finais pontuamos os aspectos mais relevantes

das políticas públicas planejadas para a preservação do patrimônio histórico-cultural

de Belém e do Engenho do Murutucu, indicando a necessidade de uma relação

entre educação e patrimônio cultural como forma de preservar o patrimônio histórico

cultural, enfatizando a importância desse entendimento pelo poder público e pela

sociedade, para garantir a perpetuação dos monumentos históricos e arquitetônicos

que fazem a cultura do povo.

24

2. GESTÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E CIDADANIA NO MEIO URBANO

2.1 O MEIO AMBIENTE URBANO E A IMPORTÂNCIA DO PATRIMÔNIO

HISTÓRICO

No que diz respeito ao meio ambiente, a categoria de análise aqui

desenvolvida dialoga com os conceitos necessários do meio ambiente urbano, sua

complexidade social e a importância do patrimônio histórico, considerado como uma

referência da materialidade da cultura de um determinado povo. Como exemplo, as

particularidades do lugar em um dado tempo histórico, sem negar a existência das

expressões não materiais, são portadoras de valor ou interesse cultural, no qual

enfatizo aqueles elementos, cuja expressão material se apresenta enquanto parte do

ambiente, do tecido urbano, do habitat humano e do seu cotidiano.

As noções aqui colocadas fundamentam-se nas concepções teóricas de

Hugues de Varine-Boham (apud LEMOS, 2006, p. 8), que afirma que patrimônio

cultural divide-se em “três grandes categorias de elementos”, sendo eles, os

elementos pertencentes à natureza que compreende recursos naturais e meio

ambiente, o do conhecimento, que compreende “as técnicas, ao saber, o saber

fazer” que permitem a sobrevivência humana em seu meio ambiente, incluindo-se aí

os costumes e as crenças e, por fim, os bens culturais, constituído pelas coisas,

artefatos e tudo o que resulta da utilização do patrimônio ambiental por meio do

conhecimento e do saber fazer.

Em conformidade com a noção de patrimônio histórico listamos as demais

categorias dos bens culturais conforme as relações entre natureza e cultura. A

cultura como natureza transformada pelo trabalho humano, ou seja, à medida que a

natureza é transformada em bens culturais passa a fazer parte do habitat humano,

pois também se submete a outras transformações pelo investimento de um novo

trabalho, constituindo um processo de acumulação sucessiva ao qual Durham (1984) denomina de construção cultural.

Desta forma, uma noção de patrimônio cultural deve considerar não apenas

os recursos naturais, ou melhor, a natureza não apropriada pelo trabalho, mas

também àqueles elementos submetidos aos processos de construção cultural, ou

seja, o ambiente urbano entendido como uma personificação das relações sociais.

Isto permite a introdução de um enfoque territorial na discussão que pretendemos

25

estabelecer aqui, uma vez que, conforme assinala Santos (1997, p.59), em se

tratando de patrimônio cultural “sua utilidade atual, passada ou futura, vem

exatamente do seu uso combinado pelos grupos humanos que os criaram ou que os

herdaram das gerações anteriores”.

Segundo Durham (2004, p. 30), há em um bem cultural diferentes aspectos

do patrimônio que precisam ser percebidos, como explica:

[...] devemos conceber um patrimônio cultural como cristalizações de um trabalho morto que se torna importante exatamente na medida em que se investe nele um novo trabalho cultural, através do qual esse bem adquire novos usos e novas significações. Aliás, uma das características desse processo de construção cultural reside exatamente no fato de que, quanto maior a carga simbólica conferida no passado a um bem cultural, tanto mais ricas serão as possibilidades de sua utilização futura.

Um bem se torna parte ou elemento de um patrimônio quando, mesmo ainda

em atividade, passa a ter novas significações para a sociedade, inserindo-se no seu

acervo cultural pela importância que representa, e, também, quando já não

exercendo ou deixando de ter o mesmo objetivo de antes, mas continua sendo uma

referência para o acervo histórico cultural pelas significações que representa no

âmbito social e urbano visto que contém todo um simbolismo, inserindo na sua

matéria elementos do passado.

2.2 A QUESTÃO LEGAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL NO BRASIL

2.2.1 As Cartas patrimoniais

Com a necessidade de estabelecer as recomendações necessárias para a

restauração dos monumentos históricos, surgem as Cartas Patrimoniais formadoras

de princípios, visto que são recomendações que dizem respeito, entre outros, à

preservação e conservação dos chamados Bens Culturais. Esses documentos

firmados internacionalmente representam tentativas que vão além do

estabelecimento de normas e procedimentos, vão, também, criando e

circunscrevendo conceitos, às vezes, globais, outros locais. Sua publicação oferece

ao público um panorama das diferentes abordagens sobre a questão da

preservação, registrando o processo nos quais muitos conceitos e posturas se

26

formaram, consolidaram-se e continuaram norteando essas ações até os nossos

dias.

Diversas cartas foram assinadas ao longo do século XX. A pioneira, também

conhecida como Carta de Atenas, de 1933, retrata as necessidades e realidades

próprias de sua época, na medida em que atentava para vivências sociais que

rapidamente tornaram-se obsoletas diante da própria dinâmica do tempo.

Esta Carta é, antes de tudo, um exercício prescritivo a respeito do que deveria

ser feito sobre a preservação do patrimônio (na época, entendido tão somente como

monumento). Por outro lado, as bases didáticas e políticas da Carta permanecem

como um marco nas discussões acerca do patrimônio e sua preservação. No

entanto, há de se apontar para a necessidade de algumas alterações no seu texto

original, mudanças estas que já foram realizadas em outras cartas de intenção.

No ano de 1964, outra carta passou a incorporar um novo conceito: a noção

de bem cultural. Trata-se da Carta de Veneza que preconizava a educação e a

informação como ferramentas capazes de salvaguardar os bens culturais. Esta carta

é um documento normativo, assim como a Carta de Atenas, mas que se distinguiu

da carta antecessora por alguns pontos relevantes:

Institui as noções básicas de preservação segundo a idéia de que cada

bem, para ser salvaguardado e preservado, necessita ter uma função junto à

comunidade onde está instalado e que a utilização do bem cultural o distancia da

deterioração e do esquecimento;

Passam a ser asseguradas a manutenção das ruínas de bens

patrimoniais e medidas para a preservação e a conservação permanente dos

elementos arquitetônicos e dos testemunhos históricos encontrados;

Garante também o direito de jamais deturparem os reais significados

históricos de ruínas.

As linhas teóricas das Cartas Patrimoniais, com ênfase para a Carta de

Veneza (1964), visam a condução do processo de restauração de um bem cultural

tombado, pois nelas são relevantes tanto os princípios quanto à conservação dos

aspectos estéticos e históricos. Entretanto, observa-se que apenas a existência do

texto com peso de lei não é garantia de seu cumprimento, pois outros fatores

influenciam as decisões acerca do destino dado aos bens culturais e de modo

particular pesa sobre eles o fator econômico.

27

A Carta do Restauro (1972) afirma alguns princípios importantes sobre

instruções para os critérios das restaurações arquitetônicas, em particular, a

limitação das obras de adaptação do monumento a novos usos. Ela define que:

As obras de adaptação deverão ser limitadas ao mínimo, conservando escrupulosamente as formas externas e evitando alterações sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da sequência dos espaços internos (IPHAN, 2004, p. 157).

As cartas, enquanto leis de proteção e preservação, normas e condutas ao

patrimônio público demonstram o cuidado e a exigência da preservação em manter

a originalidade de todas as formas em toda a extensão dos monumentos

arquitetônicos e quaisquer outros bens artístico-culturais pertencente ao patrimônio

público.

Em 1972, foi assinada a Carta da UNESCO também conhecida como a

Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural. Nesta Carta

preconizavam-se claramente os direitos vinculados à preservação. Segundo o

documento, a educação e a formação pessoal são as grandes chances da

perpetuação das memórias e dos bens culturais. Esta carta de intenções previa que

os estados signatários fizessem com que o bem cultural tivesse uma função na vida

da coletividade, além de estar integrado a um plano mais amplo de programas e

estratégias urbanas. Tendo como princípios básicos da cooperação internacional, a

salvaguarda dos bens, apontava para a importância da identificação, proteção,

conservação, valorização e transmissão desses bens.

Assim, também, a Carta do México (1985) conferiu definitivamente o caráter

educacional da preservação, levantando o conceito de identidade como fator

fundamental para a manutenção do ato preservacionista. Nela, um elemento se

sobressai: é a primeira vez que se propõe desenvolver projetos de preservação não

apenas no bem cultural tombado em si, mas também no seu entorno, favorecendo

assim as relações entre o bem e as comunidades que residem nas suas

adjacências. Esta carta também trata da responsabilidade social da preservação e

da democratização da informação como meio mais rápido e eficiente no combate ao

esquecimento coletivo (IPHAN, 2004, p.274).

A partir de então, se consolidou a noção de que para preservar é necessário

antes, conscientizar a população acerca do que é o bem cultural e o ambiente de

28

seu entorno físico e humano, protegendo-o contra intempéries e ações de

degradação. Em 2003 os Relatórios da ICOMOS/Brasil, passam a conceituar, de

forma mais acentuada e com mais exatidão, os elementos relacionados à noção de

bem natural.2 Assim, entende-se monumentos como:

Obras arquitetônicas, de escultura ou de pinturas monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; grupo de edifícios; grupos dos edifícios separados ou conectados que, por causa da sua arquitetura, sua homogeneidade ou seu lugar na paisagem, tenham valor universal proeminente do ponto da vista da história, arte ou ciência; locais: trabalhos do Homem ou os trabalhos combinados da natureza e do Homem, e áreas incluindo locais arqueológicos que são do valor universal proeminente no ponto de vista da história, estética, etnológica ou antropológica (ONU-UNESCO, 1972).

Os monumentos dos bens patrimoniais são todos aqueles que o Estado

considerou como elementos de valor grandioso em nível universal pela sua estrutura

e importância na história e no cenário onde está inserido, que proporcionam novos

estudos científicos, servindo também ao turismo, e que, sob sua responsabilidade e

guarda, são considerados, peças fundamentais na paisagem local, pois produzidos

pelo homem e pela natureza proporcionam beleza e harmonia admiráveis próprias a

contemplação e pesquisa.

2.3 O HABITUS ENQUANTO ELEMENTO SOCIOCULTURAL NAS RELAÇÕES

DOS INDIVÍDUOS

Para Bourdieu (2003), deve-se considerar, todavia, que o habitus é a

expressão de uma estrutura. A estrutura social movimenta-se, portanto, no tempo e

modifica-se a partir de incorporação do habitus ou hábitos pelos quais os indivíduos

se submetem, mas isso é possível somente a partir da situação relacional nas quais

os atores sociais se encontram.

Bourdieu (2003, p. 64) trabalha com o conceito de habitus no “primado da

razão prática”, “uma disposição incorporada, quase postural [...] o lado ativo do

conhecimento prático que a tradição materialista, sobretudo com a teoria do reflexo,

2 Cf. www.icomos.org.br/relatorio.htm.

29

tinha abandonado”. Ele defende que a construção do habitus é explicada da

seguinte forma:

[...] o produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas 'linhas de demarcação mística', conhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada (BOURDIEU, 2003, p. 64).

Entende-se que o Patrimônio Histórico e Cultural deve ser visto a partir de

dois pontos: no primeiro, como um referencial dentro do espaço urbano em que a

preservação desses espaços tem grande importância social para a cidade; no

segundo, como eixo para desenvolvermos ações tais como projetos de políticas

públicas para o desenvolvimento de hábitos e de reconhecimento e pertencimento

do lugar ocasionando mudanças na dinâmica urbana da cidade.

A mudança de habitus introduzida no processo dinâmico de transformação

cultural de uma sociedade, como aponta Bourdieu (2003) é também defendida por

Horta; Grunberg e Monteiro (1999, p. 5), por meio de uma ação sociocultural

denominada de patrimonial, ou seja:

um instrumento de alfabetização cultural, que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Assim, a Educação Patrimonial possibilita o reforço da auto-estima dos indivíduos e das comunidades e a valorização da cultura.

Portanto, cultura vem a ser o universo da escolha, da opção, da realização,

da circulação de valores que decorrem da ação social por meio de mecanismos de

identificação, dando o direito à diferença entre as pessoas. A cultura é o que torna

singulares os sujeitos, assim, o patrimônio como expressão cultural vai constituir os

costumes, a política, os interesses econômicos e sociais de um povo e as

características do lugar (LEFF, 2001, p.121).

Aprofundando leituras sobre o tema cultura e cidade, buscou-se nas análises

marxistas de Lefebvre (2002) o entendimento de mudanças significativas no cenário

urbano em que a proliferação de bairros periféricos aumentou visivelmente nas

pequenas e nas grandes cidades nas últimas décadas em Belém.

30

Lynch (2008) usa o termo “Cidade Política” para definir “as diferentes

manobras administrativas e de exploração que as elites criaram desde o

renascimento das cidades no período medieval europeu”, ou seja, quando o

planejamento urbanístico preparou os espaços da cidade para atender às exigências

mercantis associadas à cidade política.

Lefebvre (2002) estabelece argumentos precisos daquilo que está imbricado

entre cidade e campo em que prevalece a dominação econômica, política e cultural

da urbe e explicita o entendimento sobre o espaço urbano das cidades após a

Revolução Industrial, em que o campo passa a circunvizinhar a cidade produzindo

para suprir as suas necessidades e nessa nova configuração econômica podemos

ilustrar como exemplo, o Engenho do Murutucu.

Outro estudo importante sobre cultura e contexto urbano é o de Lynch (2008),

sobre como somos “atores do espetáculo da cidade”, embora não tenhamos dela

uma visão integral e sim, fragmentada. Ele foca seus estudos na qualidade do

ambiente visual que a cidade cria e na imagem visual que os cidadãos criam dessa

cidade. Para ele, a cidade é produto de muitas construções que modificam

constantemente suas antigas estruturas por razões particulares.

Lynch (2008) afirma que é por meio da legibilidade3, ou seja, a facilidade com

que as partes podem ser reconhecidas e organizadas numa estrutura coerente.

Assim, a cidade é a maior expressão de uma sociedade complexa, onde o domínio

das pessoas está associado ao controle que elas exercem sobre o espaço. Portanto,

não pode correr o risco de perder a forma básica que mentalmente cria dele (o

espaço), para não ficar sem equilíbrio dentro da cidade.

No meio urbano existe certa cumplicidade entre o observador que permeia os

diferentes espaços da cidade e a imagem que o meio urbano tenta proporcionar. A

partir daí, surge a idéia da cidade onde o indivíduo cria uma identidade própria e

mesmo na ausência desta consegue pensá-la e senti-la. O significado parte da

3 Segundo Lynch (2010, p. 3-4) legibilidade significa estruturar e identificar uma cidade. Por

exemplo, uma cidade legível seria aquela cujos bairros, marcos ou vias fossem facilmente reconhecíveis e agrupados num modelo geral. Do ponto de vista do autor, ele afirma que a legibilidade é crucial para o cenário urbano, para analisá-lo de modo razoavelmente e detalhado. Assim, estruturar e identificar o meio ambiente, é uma capacidade vital para todos os seres que se locomovem, usando como indicadores as sensações visuais de cor, forma, movimento ou polarização da luz, além de outros sentidos como, olfato, audição, tato, cinestesia, sentido da gravidade e, talvez, dos campos elétricos ou magnéticos.

31

representação que o indivíduo constrói social, histórica e culturalmente da urbe que

ele habita e acredita conhecer.

2.4 CIDADE, CULTURA E CIDADANIA

Para conhecer uma cidade, é imperioso

vivermos nela três dias ou trinta anos. Ao

final dos trinta anos, verifica-ser que o

julgamento que fizemos sobre a mesma

após os três dias é que era certo.

(Jean Cocteau)

Quando se fala de cidade é preciso ter um entendimento a partir da

convivência que se tem nela, ou seja, é preciso viver nela para compreendê-la

enquanto espaço geográfico de múltiplas relações, onde o homem busca realizar

suas aspirações, objetivos, prazeres, educação, profissão, enfim tudo que julgar

importante e necessário para sua vida.

O “homem pós-moderno” não mora apenas em uma casa: ele habita espaços

cada vez mais amplos e complexos, na medida em que necessita deles para a

realização de suas várias atividades religiosas, sociais, econômicas e culturais,

como produtos de seu processo civilizatório. A cidade, desta feita, pode ser

compreendida como a casa estendida do homem.

Neste contexto de formação das cidades, para que possamos refletir e

entender o movimento incessante de uma metrópole, impulsionada pela ação

propulsora de milhares, de milhões de habitantes, não podemos perder de vista este

imã que as cidades exercem sobre os homens desde os primeiros embriões de

cidades que se tem noticia, como os zigurates4 que surgiram nas planícies da

Mesopotâmia (ROLNIK, 1996).

4 Zigurates: templos criados pelos sumérios que era comum entre os babilônios e assírios,

pertinente à época do antigo Vale da Mesopotamia, por volta do terceiro milenio antes da era cristã. Eles eram construídos na forma de pirâmides terraplanadas, sendo que com base quadrada ou retangular, sempre feito de tijolo cru. Ao contrario das piramides egipcias elas não possuiam câmaras internas. Sua finalidade não era funerária e sim de moradia das divindades. Os zigurates assemelham-se a lendária Torre de Babel citada na Bíblia. Fonte: Larousse Cultural, pag. 6057.

32

Espontaneamente, o ser humano vive em grupo, necessita de uma habitação

na qual possa desempenhar suas principais relações fisiológicas e sócias afetivas.

Mas vivem, também, nos variados espaços urbanos, principalmente nos públicos,

nos quais exerce sua cidadania cívico-cultural e política, relacionando-se com outros

indivíduos e grupos sociais. Dessa maneira, é importante compreender a cidade

como a “casa maior”, de todos, na qual o homem se desenvolve ao desempenhar

suas relações sociais. É do interesse de todos, portanto, cuidar da cidade como da

sua própria casa: se a casa é o abrigo, a morada do indivíduo, a cidade é a casa do

cidadão, o habitat do homem social, político, citadino, culturalmente enriquecido,

sendo cada vez mais presente na vida do homem contemporâneo.

A qualidade espacial da cidade, apta a bem favorecer as relações

econômicas, sociais e culturais de seus habitantes é tão importante para a formação

e educação do homem quanto a casa é para a da criança. O homem se forma nas

experiências espaciais tanto na casa como na cidade.

“Ser” e “estar” são atos tão imbricados que muitas vezes demonstram o

mesmo fazer. Nossas experiências espaciais fazem parte do nosso ser, na medida

em que são filtro para todas as outras experiências espaciais e de vida. E a

qualidade dessas experiências espaciais determina e muito a nossa cultura: não só

a casa tem que ser bonita, mas também a escola, a rua, o bairro, o escritório, a

cidade e outros ambientes em que o homem costuma estar para ser e sentir-se

satisfeito e realizado.

Esse espaço habitado, com seus atributos, não deve apenas abrigar o

indivíduo, mas libertá-lo para a criação. A cidade constitui-se, então, como um lugar

da cultura, até porque esta necessita da liberdade e da diversidade presentes

naquela. A cidade grande caracteriza-se por reunir muitas e diferentes pessoas.

Essa diversidade, ao mesmo tempo em que é produtora de liberdade, na qual o

indivíduo não está preso a um único e hegemônico modo de ser e de pensar, é

também fomentadora das mais diferentes manifestações culturais.

Rolnik (1996) descreve que desde os tempos imemoriais quando surgem os

aldeamentos medievais o homem busca essa diversidade que a cidade proporciona.

Na história das cidades européias enquanto os portugueses e espanhóis navegavam

os mares na busca de novos territórios, nas cidades italianas como Veneza,

Florença e Nápoles os camponeses das vizinhanças fluíam para essas cidades,

33

atraídos pelas “artes”, pelos mercados, serviços artesanais, pelas obras públicas da

cidade ou simplesmente para uma ocupação ou oficio. (ROLNIK, 1996, p. 30-31).

A cidade, enquanto local de habitação e trabalho permanente, sugere ir, além

disso, significa, também, uma forma de grafia, de composição pela necessidade de

memorização do espaço urbano e produção para além do consumo imediato e

estimulando o trabalho coletivo, na proporção em que seus moradores são

consumidores e não produtores dos bens que necessitam para sobreviver, sendo,

então, a partir da cidade que a produção dos bens de consumo do homem é

impulsionada para que este possa viver na cidade nas condições que deseja.

Nesse sentido, o homem acumula experiências e vai tornando-as parte do

seu patrimônio cultural. Suas relações com outras pessoas, com outros povos e

culturas vão formando uma diversidade cultural presente no desenvolvimento

humano de forma gradual, mas que define comportamentos a partir da necessidade

de sobrevivência de cada grupo social que foi se organizando de acordo com as

condições que o meio ambiente oferece e se traduz através dos saberes e fazeres

para que sejam decodificadas ao longo dos tempos pelo homem e acumulando

conhecimentos imprescindíveis para uma dimensão de cidade escrita. Segundo

Rolnik (1996), o entendimento sobre o que a cidade produz é importante para se

conceber que o que nela contém é capaz de tornar o homem dependente de todas

as suas criações oferecidas num mundo de desenvolvimento veloz de tecnologia

que se tornam atrações e necessidades para sua vida nesse espaço (trabalho,

educação, lazer, cultura etc.).

Na Constituição de 1988 são abordadas questões relacionadas aos direitos à

educação e à cultura como forma de integrar as ações pertinentes ao processo

educacional e às manifestações culturais. Ou seja, estabelecer a relação entre

educação e cultura, em geral, indica o investimento na formação de indivíduos,

estimulando-os como sujeitos atuantes no mundo, conhecedores e questionadores

de sua própria cultura.

O patrimônio cultural brasileiro a partir da C. F/88 é consagrado como um

direito de todos e um dever do Estado, portanto, a educação e a cultura devem ser

promovidas e incentivadas com a colaboração da sociedade:

34

[...] as fontes e manifestações culturais que podem se expressar em bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, que portam referências à identidade, ação ou memória dos grupos que formam a sociedade, constituem o patrimônio cultural brasileiro (BRASIL, 1988).

A qualidade de vida que o cidadão quer hoje é assegurada

constitucionalmente como direito indispensável à dignidade da pessoa humana a

partir da Constituição Federativa Brasileira de 1988 (art. 1º). Desta feita, o futuro, o

novo, o projeto da casa nova, da cidade, tem um passado. Daí a indispensável

preocupação com a valorização da História e da Cultura dos cidadãos quando se

pensa na construção de uma cidadania plena nas cidades brasileiras.

A preocupação com a atual situação da participação no processo político de

preservação do patrimônio cultural pelos municípios se faz necessária no contexto

contemporâneo. Este é um reflexo de variados processos históricos urbanizadores

que desencadearam na conquista de espaços destinados a construção de uma

cidadania preocupada com a permanência da memória coletiva e da identidade

cultural de uma sociedade ávida de proteção do seu valiosíssimo patrimônio

adquirido no passado, no presente e que participará ou não das transformações do

futuro5.

Deve-se, neste contexto, lembrar que a palavra cidadania nos remete a uma

complexidade sócio-política do dia-a-dia da população urbana, em função do

significado da própria palavra cidadão, significando habitante da cidade. A cidade

deve ser, portanto, o lugar do exercício pleno da cidadania. Isso significa que, não

só a cidade deve proporcionar as condições para que o ser humano se desenvolva

material e culturalmente, mas que a própria cidade deve ser fruto do desejo e obra

de todos os seus cidadãos, efetivada pela gestão democrática também dos espaços

urbanos.

5 Cf. BIONE, [2004]. Marcelo Mara. Patrimônio Cultural e Cidadania: conceitos, políticas e ações.

Disponível em: www.catalao.ufg.br/mat/revista/ART-002.pdf. Acessado em 16/07/2010.

35

A cidadania6 consiste num conjunto indissociável de direitos e deveres do

indivíduo, perante o Estado e a Sociedade, os quais caracterizam a democracia,

fundamentando-se nos princípios da lei e da igualdade: todos são iguais perante a

lei e todos têm o direito de participar, direta ou indiretamente, do processo de

elaboração dessas mesmas leis (participação política). A cidadania implica, ainda,

direitos sociais como o de participar efetivamente da herança social e de dignidade e

respeito aos direitos de cidadão, conforme os padrões que a mesma sociedade

estabelece.

A cidadania, pois, é mais que um mero conjunto de direitos, implicando

também na participação responsável na esfera pública e na vida social, nas quais o

cidadão deverá desenvolver atividades no sentido da integração social, conservação

do ambiente, justiça social, solidariedade, segurança, tolerância, etc.

Assim, a política de desenvolvimento urbano deve ser fruto desse exercício. O

Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10 de julho de 2001), seguindo elementar

disposição constitucional, estabelece que a função social da propriedade (art. 5º,

XXIII, e 182, §2º, da Constituição Federal Brasileira de 1988) e o direito à cidade são

os fundamentos da política urbana. Isso significa, primeiramente, que o interesse

público sobrepõe-se aos interesses privados e que a propriedade urbana deve

adequar-se aos princípios do bem-estar coletivo e da justiça social, ordenadores de

toda ordem democrática brasileira.

A implantação do Estatuto da Cidade e o exercício da função social da

propriedade dependem de um instrumento fundamental previsto na Constituição

Federal (art. 182): o Plano Diretor. Este é o instrumento básico da política urbana,

tornado obrigatório pela Constituição de 1988 para todas as cidades com mais de 20

mil habitantes. O Plano Diretor é uma lei, aprovada pela Câmara Municipal, que

estabelece as diretrizes para a expansão urbana (delimitação da zona urbana e de

expansão urbana, ou seja, para onde a cidade deve crescer), para o zoneamento

urbano (controle do uso do solo: locais mais apropriados para a instalação de

indústrias, áreas comerciais, edifícios residenciais, conjuntos habitacionais etc.),

6 Cidadania - o termo cidadania tem origem etimológica no latim civitas, que significa "cidade". Estabelece um estatuto de pertencimento de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada – um país – e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações, sob vigência de uma constituição. Ao contrário dos direitos humanos – que tendem à universalidade dos direitos do ser humano na sua dignidade –, a cidadania moderna, embora influenciada por aquelas concepções mais antigas, possui um caráter próprio e possui duas categorias: formal e substantiva. Disponível em: www.brasilescola.com/sociologia/cidadania-ou-estadania.htm. Acessado em 4/07/2010.

36

para a implantação de loteamentos, para a regularização fundiária (loteamentos

clandestinos, favelas, cortiços etc.) e tudo mais que diga respeito ao crescimento e

ao desenvolvimento da cidade.

O Estatuto da Cidade determina que, na elaboração do Plano Diretor, deve

haver, obrigatoriamente, a participação da população, diretamente e indiretamente,

através de suas associações representativas. Devem ser feitas conferências da

cidade, debates e audiências públicas e os estudos, diagnósticos e propostas

elaborados devem ser amplamente divulgados pelos meios de comunicação, para

que todos possam participar em igualdade de condições.

O direito à cidade é muito mais do que o direito à moradia, é o direito a uma

vida digna dentro de tudo aquilo que uma cidade pode proporcionar: escolas, postos

de saúde, hospitais, praças, áreas verdes, água, esgoto, coleta de lixo, museus,

espaços históricos, enfim, todos os equipamentos sociais e infra-estrutura que

possam tornar a vida urbana saudável e segura.

A construção de uma cidade cidadã, de todos e para todos, demanda um

fórum permanente de debates políticos e uma agenda social que se traduza em leis,

planos e ações valorizadores da pluralidade de dimensões sócio-históricas e

culturais de todos seus habitantes.

Portanto, cultura vem a ser o universo da escolha, da opção, da circulação de

valores decorrentes da ação social por meio de mecanismos de identificação,

garantindo o direito à diferença entre as pessoas. A cultura é o que torna singulares

os sujeitos, assim, o patrimônio como expressão cultural vai constituir os costumes,

a política, os interesses econômicos e sociais de um povo e as características de um

lugar. A respeito de cultura Leff (2002, p. 121) dá o seguinte entendimento:

A cultura, entendida como as formas de organização simbólica do gênero humano remete a um conjunto de valores, formações ideológicas e sistemas de significação, que orientam o desenvolvimento técnico e as práticas produtivas, e que definem os diversos estilos de vida das populações humanas no processo de assimilação e transformação da natureza.

Como componente de identidade de um povo e de um local, a cultura

apresenta próprio desenvolvimento, e as práticas sociais denotam, nesse processo,

as relações de afetividade e respeito às qualidades do outro e às diferenças.

37

No sentido de reforçar e complementar tais noções a respeito de cultura,

recorre-se às concepções de Arantes (1990, p. 64):

[...] o sentido de cultura vem ser constituído por um extenso conjunto de representações, que possui elementos da identidade de um povo, assim, o patrimônio arquitetônico de um local demonstra os traços culturais de um grupo, onde se encontra inserido.

A cultura compreende as mudanças que ocorrem no patrimônio arquitetônico

no decorrer dos séculos, sejam as reformas públicas, as preservações, a pluralidade

arquitetônica ou mesmo a conservação das obras arquitetônicas. Logo, considera-se

histórico aquele patrimônio que tem ou representa a memória de um grupo.

A memória, segundo Pesavento (2007), tem referência na história e na cultura

dos lugares que, por sua vez, são carregados de simbolismos e significações.

Assim, uma cidade é formada de espaços, simbolismos e significações, onde a

memória é resultado de vivências, criações, imaginações que vêm entranhados de

sentimentos criados no imaginário ao longo do tempo, coisas do passado que se

alicerçam no presente para integrar-se na cultura já que foram apropriadas pelo

social, como afirma a autora:

Uma cidade é formada de espaços que, dotados de significado, fazem, de cada cidade, um território urbano qualificado, a integrar esta comunidade simbólica de sentidos, a que se dá o nome de imaginário. [...] Todos nós, que vivemos em cidades, temos nelas pontos de ancoragem da memória: lugares em que nos reconhecemos, em que vivemos experiências do cotidiano ou situações excepcionais, territórios muitas vezes percorridos e familiares ou, pelo contrário, espaços existentes em um outro tempo e que só tem sentido em nosso espírito porque narrados pelos mais antigos, que os percorreram no passado. (PESAVENTO, 2007, p. 1).

Segundo Le Goff (2003) a memória de uma cidade a partir de seus

monumentos histórico-culturais diz respeito à memória coletiva. Entretanto, existem

singularidades nas formas de se conceber as questões da memória, conforme a

área do conhecimento. A memória, então, apresenta tipos diferentes de concepção,

quer seja analisada a partir do campo científico global ou das ciências humanas, ela

põe a tônica nos aspectos de estruturação, nas atividades de auto-organização,

como enfatiza o autor:

38

Os fenômenos da memória, tanto nos seus aspectos biológicos como nos psicológicos, nada mais são do que os resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem “na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui”. (LE GOFF, 2003, p. 421).

Se a memória é coletiva, portanto, social, fala dos aspectos históricos que

formam a cultura, trazendo uma visão do tradicional. Todavia, há uma relação entre

a história e a memória no contexto da cultura da sociedade, em cada tempo e lugar,

enfim, no cenário da cidade onde estão erguidos os grandes monumentos e feitos

históricos que preservam, em si, todo o traçado arquitetônico e artístico, recheado

de simbolismos e concepções imaginárias.

Burke (2000) afirma que tanto a história quanto a memória, nem sempre são

objetivos, pois dependem da interpretação dos sujeitos que, muitas vezes, distorcem

ou interpretam fatos e/ou fenômenos de forma consciente ou inconsciente, de

acordo com o poder de sua percepção, como afirma: “Nos dois casos, passam a ver

o processo de seleção, interpretação e distorção, como condicionado ou, pelo

menos, influenciado por grupos sociais. Não é obra de indivíduos isolados” (BURKE,

2000, p. 70). Para o autor, embora sejam os indivíduos que lembram, no sentido

literal da expressão, são, no entanto, os grupos sociais que determinam o que é

memorável e as formas pelas quais é lembrado, identificando, assim, os

acontecimentos públicos relevantes para o seu grupo. A memória, geralmente,

reconstitui e descreve o passado.

2.5. PATRIMÔNIO CULTURAL E CIDADÂNIA

O Patrimônio Histórico possui um conceito complexo que envolve diversos

meandros de cultura de uma sociedade, por se referir aos bens incomensuráveis,

que é a memória coletiva construída socialmente e a identidade de um povo.

(CASTELO BRANCO, [s.d.]).

Os primeiros registros sobre a preocupação com o patrimônio cultural no

Brasil partiram do Conde de Galveias, em meados do século XVIII, quando em 5 de

abril de 1742, escreveu ao governador de Pernambuco, Luis Pereira Freire de

Andrade, uma carta lamentando o projeto que tinha transformado o Palácio de Duas

Torres, construído pelo Conde de Nassau, em quartel de tropas locais, pois, na sua

opinião, o prédio deveria ser preservado como testemunho da vitória na guerra,

39

motivo de orgulho para o povo. Em suas palavras: "Aquelas obras são livros que

falam, sem que seja necessário lê-los". (LEMOS, 2006, p.34). Durante muito tempo,

mudanças políticas, como a Independência, serviram de desculpa para apagar os

vestígios de uma era política anterior.

Apenas por volta da década de 1920, o deputado e historiador Wanderley

Pinho, fez um projeto de lei relativo à proteção do patrimônio cultural brasileiro

arrolando entre os bens preserváveis:

[...] as cimalhas, os forros, arquitraves, portas, janelas, colunas, azulejos, tetos, obras de marcenaria, pinturas murais, e quaisquer ornatos (arquitetônicos ou artísticos) que possam ser retirados de uma edificação para outra. (LEMOS, 2006, p. 36).

Em 1923, o deputado Luiz Cedro é o autor de um projeto de lei que visava

proteger o patrimônio cultural brasileiro. O projeto sugeria a criação de uma

“Inspetoria dos Monumentos Históricos dos Estados Unidos do Brasil, com o fim de

conservar os imóveis públicos ou particulares, que no ponto de vista da história ou

de artes revistam um interesse nacional". (LEMOS, 2006, p. 37).

Em 1925, atendendo à solicitação do governador de Minas Gerais, Jair Joins

também defende os bens representativos de nosso passado, apresentando um

progresso na eleição dos bens a serem guardados pelo seu projeto de lei, e

segundo LEMOS (2006) pela primeira vez, menciona-se o termo imóvel entre os

bens a serem conservados.

[...] os móveis ou imóveis, por natureza ou destino, cuja conservação possa interessar a coletividade, devido o motivo de ordem histórica ou artística, serão catalogados, total ou parcialmente na forma desta lei e, sobre eles, a União ou Estados passarão a ter direito de preferência. (LEMOS, 2006, p. 36).

O Movimento Artístico Modernista, cujo marco histórico é a Semana de Arte

Moderna de 1922, culminância de tendências e reflexões vanguardistas de um

significativo grupo de intelectuais brasileiros, traz em seu bojo a ruptura com valores

europeizantes e a valorização da produção de uma cultura local, única,

genuinamente brasileira. Nos dizeres de Bosi (1994, p. 332), o Modernismo

“representou um esforço de penetrar mais fundo na realidade brasileira”.

40

Objetivavam encontrar e representar uma identidade cultural essencialmente

nacional, numa valorização do folclore e da cultura popular recriadora das

influencias européias, ressignificando, ou melhor, “antropofagiando” as influencias

exógenas na produção de manifestações típicas e peculiares, que tanto encantam

os nacionais e os estrangieiros. Vale ressaltar que essa tendência artísitica foi

paulatina a uma tendência política do Estado Getulista, nacionalista, que passou a

incluir, no seu projeto ideológico, uma construção de uma identidade nacional e a

valorização do patrimônio histórico. Foi o impulso oficial necessário para que

intelectuais modernistas, como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros,

entre os quais destacamos principalmente, em razão do teor do trabalho, Mário de

Andrade, uniram-se no esforço de construir a identidade cultural brasileira.

De tal modo que o moderno passou a ser o modelo da época, e a corrente de

modernistas defendia a arquitetura colonial e as artes barrocas como símbolo da

identidade cultural brasileira. Para eles, a arquitetura colonial representava um estilo

genuinamente brasileiro e fonte de inspiração para uma moderna arquitetura

autenticamente brasileira, valorizando a relação passado-futuro. Essa valorização da

memória foi a razão maior para que, em 1936, o então Ministro de Educação e

Saúde, Gustavo Capanema, amigo pessoal de Mário de Andrade, solicitasse a este

gênio das letras e das artes que redigisse um projeto de lei para proteção e

preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Mário de Andrade foi pioneiro na proposta de valorizar a riqueza das

expressões e manifestações culturais e a importância da diversidade cultural. Seu

amplo conceito de patrimônio estava à frente das concepções culturais da época, no

dizer de Bomeny (2010), um conceito imerso num “pansensualismo integrador e

compromisso”7. Em seu ousado anteprojeto, são propostos quatro livros de tombo,

abrigando oito categorias de classificação e tratando de bens tangíveis e intangíveis.

No documento, Andrade (apud BOMENY, 2010, p.19) assim expõe:

7 “As categorias pansensualismo integrador e compromisso me pareceram duplamente

apropriadas para definir a concepção de patrimônio de Mario de Andrade. De um lado, traduzem a forma extensiva com que pretendia preservar para o Brasil todo o conjunto de manifestações culturais e artísticas espalhados de forma desorganizada, escondidas dos próprios brasileiros, intocadas por qualquer avaliação mais apurada. [...] Uma elástica e inesgotável capacidade de inclusão orienta a concepção de patrimônio de Mário de Andrade.” (BOMENY, 2010, p. 19).

41

Entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil. (grifo meu) Entende-se por obra de arte patrimonial, pertencente ao Patrimônio Artístico Nacional, todas e exclusivamente as obras que estiverem inscritas, individual ou agrupadamente, nos quatro livros de tombamento. Essas obras de arte deverão pertencer pelo menos a uma das oito categorias seguintes: 1. Arte arqueológica; 2. Arte ameríndia; 3. Arte popular; 4. Arte histórica; 5. Arte erudita nacional; 5. Arte erudita estrangeira; 6. Artes aplicadas nacionais; 7. Artes aplicadas e estrangeiras.

O autor esclarece, ainda, que: "Arte é uma palavra geral, que neste seu

sentido geral significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência,

das coisas e dos fatos". (ANDRADE apud BOMENY, 2010, p. 19).

Esse sentido integrador Mário de Andrade levou das incursões antropológicas

e literárias aos mais longínquos lugares desse país de “dimensão continental”, numa

viagem que configurou fonte inesgotável de inspirações e descobertas sobre a

nossa brasilidade. Em seu livro “O turista aprendiz”, chega a relatar, maravilhado,

suas impressões sobre a arquitetura (assim como dos demais aspectos culturais) de

nossa cidade:

O Theatro da Paz é bom. A Basílica de Nazaré é admirável no seu luxo, embora não seja nada brasileira. [...] E há um lugar sublime que é preciso preservar, preservar de qualquer modificação: o Largo da Sé. Só mesmo a Praça de São Francisco, em São João Del Rei é tão bela como o Largo da Sé, daqui. Nem na Bahia se encontra um conjunto tão harmonioso, tão equilibrado e sereno. É uma preciosidade (ANDRADE apud MARANHÃO, 2000, p. 197).

42

Figura 1 - Largo da Sé em pleno processo de urbanização da cidade de Belém (Pará), com vista do antigo Hospital Militar, obra de Landi.

Fonte: Belém da Saudade, 2004. Figura 2 - Igreja da Sé.

Fonte: Belém da Saudade, 2004.

43

No ano seguinte ao citado por Andrade (1936 apud BRASIL, 1937) foi

aprovado o texto regulamentador definitivo, o decreto-lei nº 25 de 25/11/1937,

trazendo significativas alterações na concepção dada ao patrimônio histórico cultural

por Mário, ou seja, ocorre a restrição e simplificação decorrentes das pressões e

negociações políticas incidentes sobre as aspirações intelectuais dos visionários

modernistas. Exemplificando tal reducionismo, temos o texto promulgado fala

apenas de bens móveis e imóveis, descuidando dos bens de natureza imaterial. Ou

seja, para solicitar a proteção legal há que se referir a coisas, não sendo possível o

tombamento dos saberes e manifestações folclóricas, por exemplo.

No Estado Novo, pois, o Instituto Jurídico do Tombamento é finalmente

instaurado no Brasil, por meio do citado decreto-lei. Promulgada por Vargas, a

norma também estabelece o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(SPHAN), do qual foi um consultor permanente, o que também se depreende das

numerosas e significativas cartas que trocou com o considerado “patrono do

IPHAN”, Rodrigo Melo Franco de Andrade.

A Constituição Federal de 1934, no artigo 10, define como competência

concorrente da União e dos Estados proteger as belezas naturais e os monumentos

de valor histórico, além de poder impedir a evasão de obras de arte. Entretanto, foi

grave a omissão constitucional em relação aos municípios, quando o deixa de fora

da responsabilidade preservacionista.

Em 1936, Mário de Andrade elabora um projeto de lei sobre patrimônio,

tornado lei em novembro de 1937. Nesse mesmo período, o jornalista Paulo Duarte

programa na imprensa uma campanha denominada “Contra o Vandalismo e o

Extermínio”, trazendo a público o que sobrou do Patrimônio Cultural Arquitetônico

brasileiro. (LEMOS, 2006, p. 38).

É importante considerar que o projeto de Mário de Andrade era muito

avançado, pois, arrolava bens culturais dentro de uma sistemática, e somente hoje é

divulgada por entidades internacionais. Na verdade, seu projeto incluía tudo que

queria "catalogar", todas as manifestações culturais do homem brasileiro, não só nos

seus artefatos, mas também registrar a sua música, seus usos, costumes, assim

como o seu "saber" e o seu "saber fazer". Dessa feita, Mário de Andrade assim

definiu patrimônio cultural:

44

Entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particular estrangeiro, residente no Brasil (ANDRADE apud LEMOS, 2006, p. 38).

A Constituição de 1937, no artigo nº 34, estendia aos municípios a

competência em proteger monumentos históricos, artísticos, naturais e determinava

os crimes contra o Patrimônio Nacional. Dessa época, o Decreto Lei nº 25, de 30 de

novembro de 1937, em vigor até hoje, e define Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional como:

[...] o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (IPHAN, 2004, p. 283).

Esse decreto organiza, também, o Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e

Nacional (SPHAN), precursor do atual Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e

Nacional (IPHAN). A atual Constituição do Brasil (1988) deu ao Patrimônio Cultural

um tratamento abrangente e avançado, atendendo às mudanças da própria

sociedade em relação ao tema e demonstra o interesse do Estado como instituição

que se estrutura sob os alicerces da Nação. A conceituação dada ao Patrimônio

Cultural brasileiro por esta Constituição está definida no artigo 216 e seus incisos:

Constitui o patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referencia à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações cientificas, artísticas e tecnológicas,- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados as manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico (BRASIL, 1988).

Além dessas afirmações, o artigo 216 estabelece que a Administração

Pública, na forma da lei, estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento

45

de bens e valores culturais, e que ficam tombados todos os documentos e os sítios

detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Choay (2001) discute a evolução do conceito de Patrimônio Histórico, de sua

preservação e conservação, a partir das prerrogativas da 1ª Comissão dos

Monumentos Históricos, criada em 1837 na França, até as chamadas Cartas

Patrimoniais. Levando em conta para isso, o conceito de Patrimônio Histórico como:

[...] um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras-primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. (CHOAY, 2001, p. 11).

No que se refere à guarda e preservação do patrimônio histórico, artístico e

cultural, surgem os conceitos de restauração e de conservação, e os primeiros

datam do século XVIII, na Europa. Inicialmente, a busca foi compreender e

sistematizar uma relação de conceitos usados na articulação e elaboração de

propostas de Preservação e Gestão do Patrimônio, especificamente, sobre o

Patrimônio Histórico que se configura por um conjunto de normatizações que

surgem a partir de conferências internacionais que tratam a respeito de um tema. Os

princípios enunciados por Boito (1884 apud CHOAY, 2001), por exemplo, a respeito

de restauração não chegaram a ser uma teoria, pois se constituem numa

estruturação de conceitos que poderiam orientar a prática por meio de múltiplas

aplicações e não de uma específica. Entretanto, somente no século XIX é que a

atividade de restaurador passa a ser reconhecida e, assim, teóricos como John

Ruskin, na Inglaterra e Viollet LeDuc, na França, ensaiam as primeiras teorias a

respeito da restauração e conservação.

Ao longo do século XX, os estudos preparatórios para a conservação e

restauração dos monumentos históricos exigiram a aquisição suplementar de novos

e numerosos conhecimentos e técnicas ligadas, sobretudo, à degradação dos

materiais (CHOAY, 2001). Preservar o passado sempre foi uma necessidade

inconsciente (ou consciente) do ser humano. Mesmo diante deste sentimento

intrínseco à condição humana, as constatações das ações determinantes para

preservação das edificações arquitetônicas tornam-se efetivas somente nos séculos

XIX e XX, quando ocorre uma consagração preservacionista institucionalizada. Esta

46

preocupação estendeu-se a vários países que passaram a estimular leis de

tombamento, conservação e restauração traduzindo-se numa problemática mundial.

Vale ressaltar que a preocupação com a preservação do passado tem início na

Europa, no século XVIII, materializando-se na atenção dada aos conceitos de

restauração e de conservação.

2.6 AÇÕES SOCIO-EDUCATIVAS E CULTURAIS PARA A PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO PÚBLICO

A Educação Patrimonial pode ser traduzida nas palavras de Horta; Grunberg

e Monteiro (1999, p. 5) como:

Um instrumento de alfabetização cultural, que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido.

Assim, a Educação Patrimonial possibilita o reforço da auto-estima dos

indivíduos e das comunidades e a valorização da cultura. Portanto:

Na Educação Patrimonial, a valorização do patrimônio histórico-cultural ultrapassa a mera conservação e restauro de edifícios e monumentos públicos associados a um passado distante da população e dissociados de seu cotidiano. Mais do que conservação e restauro, o patrimônio histórico-cultural exige conhecimento e reconhecimento. A identificação, divulgação e popularização dos lugares de memória - sejam prédios públicos, museus, monumentos, parques, bibliotecas ou arquivos - permitem o resgate e a reconstrução dos valores que engendraram a consideração destes elementos como representantes de uma memória coletiva. É a interação, mais do que a contemplação, que possibilita ao ser humano a valorização do patrimônio histórico-cultural. (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 5).

Em termos teórico-metodológicos, a Educação Patrimonial se utiliza dos

lugares e suportes da memória (museus, monumentos históricos, arquivos,

bibliotecas, sítios históricos, vestígios arqueológicos, etc.) no processo educativo a

fim de desenvolver a sensibilidade e a consciência dos educando e dos cidadãos

para a importância da preservação desses bens culturais. Oriá (2002) discute a

elaboração na área. Segundo o autor:

47

Atualmente, alguns historiadores, arquitetos, artistas, professores e os diversos profissionais que lidam com a dimensão da memória vêm propondo no âmbito de suas instituições culturais e educacionais, sobretudo em museus, onde surgiu inicialmente. A educação patrimonial é um tema ausente ou pouco comum na atual agenda do ensino básico e médio brasileiro. Isso também é resultado de uma conjuntura que impõe dificuldades ao que, em última instância, chamamos de "cultura brasileira", incluindo aí a preservação de prédios e espaços históricos, objetos diversos, paisagens naturais e outros elementos. Não se trata apenas de legislação específica e verbas (ou da sua ausência!), mas da consciência histórica que permite valorizar/preservar a cultura material e a memória da nossa sociedade e de outras que nos precederam em nível local, regional ou nacional. (ORIÁ, 2002, p. 31).

A Educação Patrimonial apresenta-se como uma das mais recentes vertentes

multidisciplinares, por abranger propostas metodológicas nas varias área do

conhecimento. Os projetos voltados para a educação patrimonial devem estar

abertos a um olhar questionador do passado para que, em seu resgate e

compreensão, sejam estabelecidos os laços de pertinência entre aquele que “vê” e

aquilo que é “visto”.

Caracterizada pela inter-relação entre diferentes disciplinas, a Educação

Patrimonial oferece possibilidades tanto na educação informal quanto institucional,

constituindo-se em oportunidade de efetivação da práxis ao profissional que se

identifica com as questões de memória e patrimônio histórico-cultural.

A educação e a cultura são elementos de formação de valores essenciais

para a vida do homem, o que é garantido na Constituição Federal de 1988, conforme

já se mencionou. As ações que integram este processo têm por objetivo caracterizar

cada indivíduo como um ser social que constrói sua história a partir das relações que

mantêm com outras culturas, através de um processo educacional onde se inserem

várias manifestações culturais. Isso significa que entre educação e cultura existe

uma relação estabelecida que, em geral, indica o investimento na formação de

indivíduos, estimulando-os como sujeitos atuantes na sua realidade, pois como

conhecedores do seu espaço, da sua cidade, constituem-se interventores

conhecedores e questionadores de sua própria cultura.

Este sentido de educação e cultura para a transformação social do homem

vem conceituar o cidadão como aquele que toma parte do fazer de sua cidade, que

ajuda a construir e que tem um entendimento de sua participação e formação de sua

48

cultura e suas manifestações culturais, através de suas ações participativas que se

expressam de várias formas, ou seja, tanto de natureza material e imaterial, que

isoladamente ou em conjunto fazem referências à identidade, ação ou memória dos

grupos que formam a sociedade, que num conjunto formam o patrimônio cultural

brasileiro. Entre os bens culturais, de acordo com a Constituição Federal de 1988,

incluem-se:

[...] as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988).

Dessa forma, busca-se compreender em Leff (2000) o sentido de cultura e

suas manifestações culturais como sendo o conjunto de valores que decorrem da

relação e da ação social e que tornam diferente e singular cada indivíduo do grupo

social, e nesse jogo estão contidos interesses econômicos e sociais, costumes,

política e muitos outros elementos que vão se somar para construir o patrimônio

cultural e de acordo com as características do lugar. Para o autor a cultura são

formas de organização simbólica do ser humano que orientam seu desenvolvimento

e suas práticas produtivas num processo de assimilação e transformação da

natureza (LEFF, 2000).

Complementado esse entendimento, Arantes (1990) diz que cultura é um

extenso conjunto de representações que identifica um povo, cujo patrimônio

arquitetônico demonstra os traços do grupo onde está inserido. Mas, segundo alguns

autores, a cultura está sujeita a mudanças que ocorrem no patrimônio arquitetônico

no decorrer dos tempos sejam as reformas públicas, as preservações, a pluralidade

arquitetônica, ou mesmo, a conservação das obras arquitetônicas. Este “decorrer”

diz respeito ao percurso de vida dessas construções, indicando sua existência no

mundo. Logo, considera-se histórico aquele patrimônio que tem ou representa a

memória de um grupo, no caso desta pesquisa, o Engenho Murutucu é um marco de

uma época e, por conseguinte, referência importante na história e na memória da

cidade de Belém.

A proposta de Educação Patrimonial, dentro de um contexto sócio-cultural, diz

respeito às ações que visem à conscientização sobre a valorização do patrimônio

49

cultural e também que promovam a construção de sujeitos sensíveis, por meio do

contato concreto com os bens culturais e mediante uma atuação efetiva que

possibilite o reconhecimento desses bens como referência de sua própria memória e

não só da memória dos outros.

A esse respeito, Pellegrini Filho (1997, p. 335) afirma que “atualmente, o

significado de patrimônio cultural é muito amplo, incluindo outros produtos do sentir,

do pensar e do agir humano – o que no conjunto se poderia definir como o meio

ambiente artificial”.

Assim, ao analisar o patrimônio histórico-cultural de um determinado local,

este deve, no primeiro momento, estar ligado à identidade do grupo que o

representa. Desse modo, não devem ser esquecidas as origens étnicas que, com o

tempo e com os deslocamentos, misturaram culturas e formaram novos princípios

próprios de cada localidade.

Assim sendo, Varine-Boham (apud LEMOS, 2006) divide o patrimônio

histórico-cultural em três grupos: elementos naturais, como os rios, as matas, as

praias; elementos do saber, as técnicas e artes, que o homem utiliza para

sobreviver, como saber cozinhar, desenhar, transformar, dançar, esculpir; e, bens

culturais que surgem a partir dos outros dois grupos que são objetos, artefatos e

construções. Os bens culturais se dividem em móveis, que são setoriais e possíveis

de serem colecionados como fotografias, selos, lendas, músicas, festas populares; e

imóveis, que são as edificações como igrejas, residências, fortes, prédios, ruas,

cidades.

Varine-Boham (apud LEMOS, 2006, p. 10) considera que no terceiro grupo

estão os elementos mais importantes “[...] porque reúne os chamados bens culturais

que englobam toda sorte de coisas, objetos artefatos e construções obtidas a partir

do meio ambiente e do saber fazer.” Esse conhecimento é determinante para uma

proposta de Educação Patrimonial que leve à compreensão das inter-relações entre

o homem e os sentidos atribuídos às coisas do mundo.

50

3 A FORMAÇÃO DE BELÉM ENQUANTO CIDADE AMAZÔNICA: ASPECTOS

HISTÓRICOS, POLÍTICOS E SOCIOCULTURAIS

3.1 A CONJUNTURA POLÍTICA E SOCIAL DAS CIDADES AMAZÕNICAS NA ERA

DOS ENGENHOS

Inicialmente as cidades amazônicas se estabeleceram fundamentando suas

bases na experiência urbanizadora a partir do contexto do urbanismo enquanto

expressão artística e, em especial, no modelo colonial português. Num segundo

momento, a partir do século XVIII, o processo de urbanização dessas cidades tem

como característica mais forte ainda a marca européia. Mas o que se observa em

todo o processo histórico de urbanização é que a arquitetura e a arte com que foi

construído têm marcas, eminentemente, político-militares e religiosas provenientes

do poder português, cujos exemplos estão nas construções dos fortes, castelos e

igrejas, capelas, ruas, praças, entre outros monumentos, que estão presentes em

quase todos os espaços e equipamentos construídos naquela época (ARAUJO,

1998).

Assim, foi se construindo a história cultural da Amazônia e, portanto, de suas

cidades, num misto de imagens e signos, principalmente devido à catequese e à

pedagogia dos padres, gerando conflitos nos símbolos culturais nativos dos índios e

dos caboclos, mudando traços culturais ao impor outros novos elementos

provenientes da cultura européia daquela época, que se encontram até hoje nos

legados monumentais das cidades amazônicas. (LOUREIRO, 2001).

As cidades sempre tiveram importância no ordenamento territorial da região

amazônica. Os primeiros núcleos urbanos surgiram ao longo dos rios, isso porque

essas vias desempenhavam papel estratégico no processo de circulação de

mercadorias, de pessoas e de idéias, inicialmente devido à exploração das drogas

do sertão8 e, posteriormente, devido a outros fatores tais como a agricultura e a

exploração da borracha. Cada uma dessas expressões econômicas fez surgir

cidades ao longo dos rios nesta imensa região do norte brasileiro. Com a integração

da região Amazônica ao restante do País, muitas transformações ocorreram na 8 Nessa categoria estão dezenas de produtos vegetais e animais, tais como: condimentos,

tinturas, fibras, tabaco, ervas medicinais, castanhas, peles de felinos, jacarés e lontras, animais vivos como papagaios e araras, ovos de tartaruga, gordura de peixe boi, entre outros. (Cf. MEIRELLES FILHO, 2006, p. 113).

51

realidade regional e repercutiram de maneira decisiva na configuração das cidades

amazônicas, mas nem todas se inseriram da mesma maneira nessa nova dinâmica.

Em algumas delas, muitas vezes, ligadas a lógicas socioeconômicas herdadas do

passado e às vias fluviais, o rural e o urbano se confundem, mostrando a intensa

articulação da cidade com uma temporalidade ainda não totalmente assimilada pelas

novas atividades e modos de vida implantados mais recentemente.

As cidades amazônicas se desenvolveram e junto com essa evolução e

crescimento o seu patrimônio histórico-cultural também foi se estruturando e

adquirindo o seu formato (MONTEIRO et al, 1997; MARANHÃO, 2000; LOUREIRO,

2001; MELO JÚNIOR, 1973). Em sua relação com o meio ambiente, as cidades

amazônicas evoluíram e contemplaram o cenário amazônico (antes composto por

grandes selvas e extensos rios caudalosos) com grandes monumentos de raríssima

beleza e extraordinária arquitetura em estilo barroco colonial e depois neoclássico,

impressas nas obras de Landi. Assim, novos traços imprimiram nas cidades

amazônicas características das grandes metrópoles européias, impactando com o

cenário exuberante da região formado pelo verde das florestas e pelas águas dos

rios. Nesse contexto está Belém, cidade que historicamente sempre apresentou um

vínculo muito próximo com o elemento hídrico, como foi denominada por Eidorfe

Moreira (apud TRINDADE JÚNIOR, 1998, 2) de “ribeirinha”, característica também

de várias outras cidades amazônicas.

O papel do homem amazônida no contexto das cidades, como cidadão que

transforma o cenário, ora para o desenvolvimento urbano, ora para o desequilíbrio

ambiental, tem sido contrastante em suas ações desde o início, ou seja, desde a

colonização. As construções monumentais implementaram grandes transformações

no cenário urbano, de modo que grande parte do conjunto arquitetônico artístico e

cultural era representada pelos engenhos próprios da classe rica e dos poderosos,

pois eram mansões, casarões, palacetes, ocupando grandes espaços e bem

privilegiados devido ser uma área ainda em seus aspectos naturais.

Hoje, a paisagem amazônica já não é mais a mesma, suas características

naturais sucumbem diante da ambição do homem, como afirma Monteiro et al.

(1997) que devido à ação dos grandes investimentos econômicos as paisagens

naturais estão se modificando. As cidades vivem o reflexo do capitalismo que

explora a Amazônia de modo inescrupuloso, ameaçando o meio ambiente e sua

gente. A ambição pelo enriquecimento, sem se importar com o meio ambiente, tem

52

favorecimento a degradação do espaço amazônico (MONTEIRO, et al, 1997). Assim,

a relação do homem com o meio ambiente tem sido devastador e o seu papel

ineficaz socialmente. Os que têm poder e decidem pela estruturação e preservação

do espaço urbano, ou seja, o Estado, não gerenciam políticas e ações mais eficazes

para assegurar atitudes e condutas cidadãs preservacionistas dos demais que vivem

nesse espaço.

Dessa forma, tem sido desde sempre: o espaço urbano é palco de mudanças

devido à ação do homem que não tem assumido um papel de respeito na relação

com o meio ambiente. Na era dos engenhos, o homem e o meio ambiente

complementavam o cenário, pois mesmo havendo a necessidade de transformar o

espaço, havia uma relação sem uma profunda agressão ambiental por parte

daqueles que decidiam as ações e daqueles que as exerciam; não havia a cobiça

destruidora pelo espaço como agora e nos engenhos da Amazônia o poder de

decisão não alterava a integridade da terra.

3.2 A CIDADE DE BELÉM NO CONTEXTO DAS CIDADES AMAZÔNICAS SOB O

ESTILO DE LANDI

A cidade de Belém, cuja fundação data de 12 de janeiro de 1616, tem sua

origem sustentada, sobretudo, sob dois aspectos: a territorialidade e o militarismo. O

primeiro caso está relacionado à intenção do colonizador de blindar parte do

território contra possíveis invasores; o segundo aspecto, ainda relacionado ao

primeiro, encontra-se atrelado à instalação de uma fortaleza, o Forte do Presépio, ao

lado do qual foi construído, posteriormente, o Colégio e a Igreja da Companhia de

Jesus (da Congregação dos Jesuítas). No entanto, esses fatores não foram os

únicos que promoveram a ocupação da região. Moreira (1966 apud CORRÊA, 1989.

p. 16)9 aponta como motivo o seguinte:

9 Essa informação é parte integrante do trabalho de Antônio José Lamarão Corrêa, Relatório

3 capítulo 1, parte integrante da obra: PARÁ. Secretaria Executiva de Desenvolvimento Urbano e Regional: COMPANHIA DE HABITAÇÂO DO ESTADO DO PARÁ. Região Metropolitana de Belém: estudos preliminares do plano estratégico – relatórios parciais 1, 2 e 3. Belém, 2004. 1 CD-ROM.

53

[...] o leitmotiv da fundação de Belém foi, sem dúvida, de natureza político-militar, embora ressalte terem sido bem mais amplos os objetivos que ensejaram a ocupação portuguesa da Amazônia. Segundo este autor, tal ocupação não visou apenas à posse e ao controle de uma posição geográfica, mas também o monopólio ou a exclusividade de uma exploração econômica.

Figura 3 - Vista de Belém do Pará, em 1784. Desenho a bico de Pena, aquarelado (detalhe). Retrata a expedição de Alexandre Ferreira. J.J. Codina.

Fonte: MATTEUCCI, 1999, p. 7.

Há que se ponderar alguns fatores que estão ligados à formação da cidade de

Belém, condizentes com os conflitos culturais que se iniciaram com a colonização

portuguesa na região amazônica. Esses conflitos foram complexos e profundos, pois

quando os colonizadores chegaram ao solo amazônico trouxeram em sua bagagem

a cultura européia e aqui se depararam com os nativos que também possuíam uma

organização cultural própria, completamente diferente da deles. Entretanto, após

esse processo inicial, estabeleceram-se fusões culturais, que mais tarde originariam

uma população com descendentes principalmente da miscigenação entre o índio e o

branco, e, por vezes, traços da cultura negra cuja presença foi menos marcante em

relação ao que ocorreu com a população de outras regiões do país.

O processo de ocupação territorial de Belém tem início com a chegada dos

colonizadores portugueses, e com a formação do primeiro núcleo de

desenvolvimento da cidade, fundada para atender, inicialmente, às exigências

político-militares e de defesa da região. Assim, o marco inicial desse processo de

fundação e urbanização da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará

54

corresponde à construção de uma fortaleza, atualmente conhecida como Forte do

Presépio, a partir da qual se expandiu o povoado. Nesta época, nos inícios do

século XVII, as construções existentes eram pequenas casas de morada e as

edificações mais eminentes eram o Forte e a Igreja Matriz, que posteriormente veio

a se chamar Igreja da Sé.

No século XVIII, com a vinda da Comissão Demarcadora de Fronteiras entre

Portugal e Espanha, como já apontamos, o acervo arquitetônico da cidade se

enriqueceu, e edificações de estilo neoclássico vieram se juntar aos exemplares em

estilo barroco jesuítico, principalmente das igrejas, que existiam na região.

Foi nesse contexto específico que ocorreu a inclusão mais significativa na

economia regional: a mão-de-obra negra. Somado a esses fatores, havia o fato de

que a Coroa portuguesa pretendia restringir o poder dos religiosos jesuítas que

ocupavam a região e dominavam sua economia mediante a exploração da mão-de-

obra indígena. A esse respeito, esclarece Raymundo (2005, p. 02):

Em meados do séc. XVIII a coroa buscou reverter esta dinâmica econômica em benefício do Reino, bem como ampliá-lo, inserindo-a no sistema de tráfico africano, e conseqüentemente, no sistema mercantil do Atlântico Sul.

Assim, pode-se verificar que, na Amazônia, no tocante à mão-de-obra que

favoreceu o desenvolvimento da região, os índios representaram um grande suporte

na área da construção civil, na agricultura, nos transportes marítimos e na pesca,

uma vez que eram grandes conhecedores das condições ambientais locais e

auxiliavam os colonizadores, inclusive no desbravamento do território.

A mão-de-obra da população negra10, por sua vez, foi explorada

principalmente nos engenhos, mas em uma época posterior à utilização do trabalho

indígena. Quando, no século XVIII, a cidade começou a apresentar um

desenvolvimento econômico mais efetivo, os engenhos de açúcar representaram

uma das principais atividades exploradas. Deste modo, se inicialmente o pequeno

núcleo urbano de Belém vivenciou grandes dificuldades econômicas, foi a partir do 10 Capítulo importante da historia social do Pará escreveu o negro nos engenhos de cana-de-açúcar. Ali ele exercitou a fuga para os quilombos. Tornou–se ladino. Incorporou-se a Cabanagem. Solidarizou-se ao caboclo pela condição de escravo. No complexo cultural amazônico, deixou sua marca indelegável. O negro espalhou-se pela planície, levou a todos os rincões a cana-de-açúcar. Tornou-se assim um dos responsáveis pela disseminação da cultura da cana. (O NEGRO NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE PARAENSE, VICENTE SALLES, 1931, p. 47e 49).

55

século XVIII que passou a exercer importante influência no cenário político-mercantil

da região, sobretudo em decorrência de sua posição geográfica, pois apresentando

as características das cidades ribeirinhas, exercia papel representativo no contexto

da economia amazônica. Houve, então, a necessidade de mão-de-obra que se

adequasse a esse novo formato de economia, correspondente à exploração dos

engenhos de açúcar, dentre os quais o Engenho do Murutucu, destacado como um

dos mais próximos do centro urbano de Belém.

Belém é considerada uma das principais capitais da Amazônia. Ao longo de

quase quatro séculos essa cidade foi marcada por fatos e eventos expressos em

inter-relações sociais e culturais, evidenciados por suas ruas e pelas margens dos

seus rios que guardam na memória lembranças de episódios materializados na

arquitetura dos seus palacetes, dos seus casarios, das suas capelas e das suas

igrejas barrocas e neoclássicas e de seus engenhos como cenário de um passado

recheado de narrativas míticas e lendas caboclas que quase sucumbem por entre

suas calçadas de pedras portuguesas (pedras de ilhós) e que ainda compõem e

marcam o traçado inicial do seu primeiro núcleo urbano.

Atualmente, a cidade encontra-se envolvida pelo processo de verticalização

das edificações desde o advento da arquitetura moderna, despontando um prédio a

cada dia, de forma exageradamente desordenada. Assim, de um lado, ergueu-se um

emaranhado de arranha-céus esbanjando o uso das novas tecnologias que,

segundo Magnani e Torres (2002, p.17), mudam a dinâmica da cidade, ou melhor,

“as mudanças na paisagem urbana, com proposta de intervenção, requalificação e

alterações institucionais, não passam de adaptações às fases do capitalismo”.

Uma perspectiva voltada para o entendimento da paisagem urbana de Belém

e dos espaços inseridos, hoje considerados Patrimônio Cultural, nesse ambiente

urbano, ao longo dos séculos, apontam para os aspectos formais e conceituais que

se configuram para uma compreensão de uma lógica contextual para o tombamento

e salvaguarda de monumentos com essa característica.

Durante o processo de urbanização o Porto do Reduto transforma-se em um

canal. Algumas dessas edificações sucumbiram, entretanto é possível identificar o

prédio de dois pavimentos que está à esquerda da imagem acima são construções

remanescentes dessa época que ainda resistem ao tempo.

Todas essas transformações, materializadas em conceitos e leis, definem o

patrimônio histórico da cidade de Belém edificado, especificamente, o Engenho do

56

Murutucu, em monumento do patrimônio cultural, relevante na manifestação dos

ideais de seu tempo e, como remanescente histórico de um empreendimento

associado a aspectos econômicos, políticos e sociais do estado do Pará. Figura 4 - O Porto Reduto, um dos portos da cidade de Belém.

Fonte: Belém da Saudade, 2004.

Em seu aspecto físico territorial, Belém apresenta um patrimônio arquitetônico

e urbanístico significativo, capaz de evidenciar a grandeza da cidade ao longo de

sua trajetória histórica e fundamental para o processo de solidificação de seus

valores culturais. Esse patrimônio histórico-cultural representa um papel importante

na vida da sociedade local, na medida em que representa as manifestações de sua

cultura. Quanto aspecto físico territorial, Belém apresenta um patrimônio

arquitetônico e urbanístico significativo, capaz de evidenciar a grandeza da cidade

ao longo de sua trajetória histórica, e fundamental para o processo de solidificação

de seus valores culturais. Esse patrimônio histórico-cultural representa um papel

importante na vida da sociedade local, na medida em que representa as

manifestações de sua cultura.

O processo de ocupação territorial de Belém tem início com a chegada dos

colonizadores portugueses, e com a formação do primeiro núcleo de

desenvolvimento da cidade, fundada para atender, inicialmente, às exigências

político- militares e de defesa da região. Assim, o marco inicial desse processo de

57

fundação e urbanização da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará

corresponde à construção de uma fortaleza, atualmente conhecida como Forte do

Presépio, a partir da qual se expandiu o povoado. Nesta época, nos inícios do

século XVII, as construções existentes eram pequenas casas de morada e as

edificações mais eminentes eram o Forte e a Igreja Matriz, que posteriormente veio

a se chamar Igreja da Sé.

No século XVIII, com a vinda da Comissão Demarcadora de Fronteiras entre

Portugal e Espanha, como já apontamos, o acervo arquitetônico da cidade se

enriqueceu e edificações de estilo neoclássico vieram se juntar aos exemplares em

estilo barroco jesuítico, principalmente das igrejas, que existiam na região. A

presença de Landi foi, portanto, relevante, no contexto das transformações e

contribuições arquitetônicas e urbanísticas que Belém sofreu à época.

Figura 5 - Planta da cidade de Belém de 1791 – Desenho à pena, aquarelado, C. Chermont.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

De acordo com Meira Filho (1974), Landi escreveu parte importante da

história arquitetônica e artística de Belém, onde em vários monumentos se observa

o desenho e a beleza de sua criação e obra, como as das que se inscrevem nas

ruínas do Engenho do Murutucu:

58

[...] representativo da fachada de uma capela (sob o carimbo do Arquivo da Marinha e Ultramar) e (Arquivo Histórico Colonial) ostenta nas molduras da porta o detalhe típico da concepção de Landi. As quatro pilastras e os dois painéis intercalados, lembram a Capela de S. João (a jóia de Bazin), a do Palácio do Governo (recentemente restaurada) e a Igreja de Sant’Ana. A proporcionalidade e equilíbrio transparecem, tanto nesse desenho, como, também, nas frontarias daquelas Casas religiosas, projetadas pelo acadêmico Clementino. Resta, ainda, observar, aquele cantablile revelador da mão do Mestre nas suas mais variadas formas de compor. (MEIRA FILHO, 1974, p. 41),

Figura 6 - Palácio Lauro Sodré.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

Observa-se a suntuosidade deste monumento que marca de forma detalhada

o estilo arquitetônico de Landi, o que é visto em todas as suas criações artísticas.

Como o palácio, outras edificações foram construídas, especialmente igrejas.

Mendonça (2003) em concordância com Meira Filho (1974), faz a seguinte

referência ao arquiteto bolonhês:

Landi marcou de forma indelével a cidade Belém, não só pelos edifícios que nele construiu, como pela influência que sua obra exerceu na evolução da arquitetura local. A sua obra no Brasil estendeu-se a múltiplas áreas artísticas – do urbanismo e da arquitetura à pintura de quadratura [...]. (MENDONÇA, 2003, p. 67).

Em decorrência de tais condições, pode-se considerar a implantação do

Engenho do Murutucu e de outros engenhos na região como um estímulo à

produção e à exploração da economia local, e ainda, à expansão do espaço urbano

59

de Belém – especialmente porque esses engenhos eram, normalmente, edificados

em zonas mais afastadas do núcleo da cidade, mas mantinham contato direto com

seu centro administrativo.

Figura 7 - Ruínas do Engenho do Murutucu.

Fonte: Autoria própria, 2008.

Com relação a sua importância histórica no cenário cultural da cidade de

Belém, o Engenho do Murutucu é o marco de uma época e, por conseguinte,

referência importante na história e na memória da cidade de Belém, situando-se

como remanescente arquitetônico do estilo de Landi. Este arquiteto bolonhês que

veio para a região Amazônica no século XVIII, juntamente com a Comissão

Demarcatória das terras ocupadas em território brasileiro pelos reinos de Portugal e

Espanha, ocupando a função como desenhador militar, qualidade na qual foi

contratado pelo rei de Portugal

Destaca-se, porém, que para a compreensão de seu papel no contexto do

desenvolvimento urbano da cidade de Belém, entre outros aspectos históricos que

devem ser relacionados, inclusive no que diz respeito ao processo de formação da

cidade, desde a época de sua fundação.

Neste contexto de transformações, o Engenho do Murutucu representou papel

de destaque para a compreensão da paisagem urbana no processo de configuração

60

da cidade de Belém. Na época de sua construção, o sítio onde está situado

correspondia a um empreendimento rural que se encontrava em uma área distante

do centro da cidade, fora de uma zona considerada urbanizada. Ao longo dos

séculos, Belém foi sendo expandida e, atualmente, o Engenho do Murutucu

incorpora-se ao contexto urbano da cidade, localizado em uma área de proteção

ambiental (APA) e sua ocupação é balizada pela legislação federal, estadual e

municipal.

Juntamente com as atividades canavieiras desenvolvidas no Engenho que

contribuíram para o desenvolvimento da economia local nos alvores do século XVIII,

desenvolviam-se ali outras atividades que também estavam relacionadas, de algum

modo, ao processo de crescimento urbano de Belém. Neste caso, podem-se referir

as atividades correspondentes à fabricação de cerâmicas com a produção de telhas

e tijolos, e outros utensílios utilizados nos imóveis que eram construídos nas áreas

dos primeiros núcleos de expansão: sobretudo nas áreas adjacentes ao núcleo de

fundação da cidade (hoje chamado de Centro Histórico).

Tal panorama refletia esse momento de desenvolvimento econômico,

especialmente pelo dinamismo que se aplicava às áreas da construção civil e do

urbanismo – com a abertura e pavimentação de novas ruas e a implantação de

praças e parques. Portanto, a relevância do Engenho como um marco histórico da

cultura local está atrelado, de forma efetiva, ao processo de desenvolvimento de

Belém, tanto em relação aos aspectos econômicos, como aos aspectos de

estruturação do espaço urbano e do seu acervo arquitetônico. A presença de Landi

foi, portanto, relevante, no contexto das transformações, contribuições arquitetônicas

e urbanísticas que Belém sofreu à época. Entretanto, sabemos que sua atuação

como arquiteto se destacava principalmente na arquitetura religiosa, quando

desenvolveu vários projetos de edificações e reformas de igrejas e capelas em

várias cidades da região amazônica.

Autor de significativas realizações no campo da arquitetura religiosa e civil,

projetando cenários, pintura de quadraturas, púlpitos, monumentos; confeccionando

mapas; na decoração e ilustração de livros, sem mencionar sua contribuição ao

estudo da história natural da região com os desenhos relativos à botânica e à

zoologia. Landi foi capaz de responder com maestria aos diversos segmentos da

sociedade, tanto no que concerne ao poder governamental quanto ao eclesiástico,

bem como segmentos particulares enriquecidos da população.

61

Através dos estudos realizados foi possível evidenciar as imputações de

diversos estudiosos da arquitetura, comprovando sua participação efetiva nas igrejas

de Belém, tais como: Carmo, Ordem Terceira, Mercês, Santo Alexandre, Sé; mas

concebendo inteiramente as igrejas de Sant’Ana, Capela Pombo e São João Batista.

Figura 8 - Desenho original da Capela de São João de autoria de Landi.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

62

Figura 9 - Igreja de São João Batista11.

Fonte: Autoria própria, 2008. Figura 10 - Desenho original do projeto da Igreja de Sant’Ana de autoria de Landi. Desenho à pena, aquarelado.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

11 Valorizada até hoje por várias características arquitetônicas singulares, sua nave que é

oitavada, coberta por abóbada em forma de cúpula, pinturas de quadratura, capela-mor retangular e singeleza de concepção, sendo considerada “A Jóia das Construções Barroca de Belém”.

63

Figura 11 - Fachada frontal da Igreja de Sant’Ana.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO: O ENGENHO DO MURUTUCU NO

CONTEXTO SOCIAL URBANO DE BELÉM

O Engenho do Murutucu foi construído no século XVIII, sua arquitetura possui

semelhança com os demais engenhos do Brasil Colonial existentes na mesma

época. Porém, a influência da escola bolonhesa de arquitetura, refletida no uso

exacerbado de elementos como a quadratura e os arcos, o diferem de outros artistas

da época. Além disso, Landi é importante para a cidade de Belém, pois, em

contraponto aos engenheiros militares que erguiam as construções da cidade, ele foi

um arquiteto no sentido lato da palavra, concebendo espaços em que a estética

também era considerada e que, portanto, configurou a cidade de Belém da forma

como se pode enxergá-la atualmente, pelo menos, na área do Centro Histórico.

Este sítio urbano possui vários elementos indicadores para o conhecimento

da história e da cultura de Belém e, de certa forma, indica aspectos da feição desta

cidade, refletindo, também, os ideais civilizatórios europeus à época de sua

fundação, como os traços arquitetônicos de Landi, cuja presença foi relevante no

contexto das transformações e contribuições arquitetônicas e urbanísticas que

Belém sofreu à época.

64

Neste sentido, Matteucci (1999, p. 249) enfatiza:

Pela qualidade de sua visualidade e valor na harmonização de ritmos de formas, Landi foi sempre muito conceituado e elaborou uma criação altamente significativa para a história da arte, tendo trazido a este país um influxo italiano que ele absorvera em Bolonha e iria aplicar pessoalmente e diretamente na Amazônia.

De acordo com a descrição dos elementos que caracterizam o estilo

neoclássico, é possível identificar na Capela do Engenho do Murutucu traços da

intervenção de Landi.

3.3.1 O Engenho do Murutucu na arquitetura da cidade de Belém

3.3.1.1 Murutucu: trajetória de uma obra

O cultivo da cana e a fabricação do açúcar foram introduzidos no Brasil, no

início do século XVI, pelos portugueses. Em 1516, o rei D. Manuel procurou

introduzir o cultivo da cana e a tecnologia da fabricação do açúcar no Brasil. Por se

constituir no mais importante empreendimento agrícola e comercial dos séculos XVI

e XVII, a cana-de-açúcar modificou a relevância do território brasileiro para seus

colonizadores. Experiências isoladas já ocorriam no Nordeste, mas foi com a

implantação da capitania de São Vicente por Martim Afonso de Souza, a partir de

1532, que foram criadas as condições para a instalação e funcionamento dos

primeiros engenhos do litoral Sul do país.

O engenho, nome aplicado também à máquina que moía a cana-de-açúcar e

as outras instalações envolvidas no processo de produção do açúcar, era a grande

propriedade produtora de açúcar, e constituía-se, basicamente, por dois grandes

setores: o agrícola (canaviais) e o de beneficiamento (casa-do-engenho, onde a

cana-de-açúcar era processada e transformada em açúcar e ou aguardente). A

maior parte do açúcar produzido era destinada ao mercado europeu. De acordo com a afirmação de Chaves (1999) a montagem da indústria

açucareira no Brasil foi complexa e dispensava grandes somas em dinheiro para sua

manutenção como, por exemplo, para a renovação de peças e a reposição de

escravos que, na maioria, morriam de doenças ou invalidez, mesmo assim, era um

65

negócio compensador que imprimiu, na Colônia, uma organização capitalista e

completa.

Até meados do século XX, os engenhos eram a principal indústria sucro-

alcooleira, principalmente, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e os

principais estados do nordeste. O declínio dessa economia se deu com a evolução

da agroindústria e o surgimento das usinas de álcool e de açúcar, o que causou o

desaparecimento gradativo dos engenhos obsoletos.

Em Belém, o Engenho do Murutucu foi um grande patrimônio do legado

Landi, cidade na qual esse arquiteto do século XVIII deixou marcas importantes de

um momento histórico das grandes construções prediais que representam a cultura

européia em nosso território. Hoje, a ação do tempo e do homem transformou-o em

ruínas, do qual restam apenas as paredes da capela que formava o complexo da

propriedade rural e depois a residência desse arquiteto.

As ruínas do engenho do Murutucu estão localizadas nas imediações do

município de Belém, à margem esquerda do igarapé do Murutucu (a oeste), um dos

afluentes do rio Guamá, e a leste pela rodovia Murutucu, pelo complexo da CEASA,

principal acesso para chegar até o porto do rio Guamá.

66

Figura 12 - Vista panorâmica das ruínas da Capela do Engenho do Murutucu.

Fonte: MARQUES, 2003.

A localização do Engenho do Murutucu reflete uma opção que atendia

algumas condições específicas para este tipo de empreendimento. Segundo

Marques (2003), esta construção está assentada como paisagem típica de estuário,

na transição da terra firme para a várzea, com disponibilidade dos seguintes

recursos naturais: força hidráulica para movimentar a moenda, solos férteis para as

plantações e o próprio igarapé para escoamento da produção, entre outros. Sobre a

localização e o tamanho do engenho, Cruz (1973, p. 121) informa que:

O engenho Murutucu principiava no igarapé Tocunduba, indo até o igarapé Uriboca, onde se achava as terras da fazenda Utinga. Essas são as características referidas pelo tabelião Celso C. da Cunha, na escritura de venda do referido engenho, lavrada em 9 de dezembro de 1882. De inicio, porém, o Engenho não era tão extenso. Em 1795, o Brigadeiro graduado e tenente coronel de milícia João Antônio Rodrigues Martins, que exercia nessa época o elevado Coutinho a escrever ao governador e capitão-general do Grão-Pará [...] pela quantia de quatrocentos mil réis, meia légua de terras “adjacentes à fazenda Murutucu. Mais tarde, essa área foi incorporada ao engenho. Era onde esta a capela, construída em 1711, e restaurada pelo arquiteto Antônio José Landi.

67

A arquitetura do Engenho do Murutucu possui semelhança com os demais

engenhos do Brasil, construídos na mesma época, porém apresenta ornatos e

emprego de materiais de nossa região mesclados aos tradicionais materiais que

compõem a estrutura em taipa de pilão. A disposição das estruturas deste Engenho

remete a um partido arquitetônico aberto, típico da maioria dos engenhos do

Nordeste do Brasil. A casa de engenho possuía grandes dimensões como galpões,

dispostos linearmente na beira do rio. A técnica construtiva remete à taipa de pilão,

porém com paredes de malha de madeira e barro socado, elementos típicos da

região. Nesse conjunto arquitetônico a presença da Capela é marcante na

organização espacial desse engenho, mas o que personaliza este exemplar é o

traço de Landi que marca sua presença também no contexto da arquitetura dos

engenhos do Brasil, no século XVIII.

3.4 O ESTILO ARQUITETÔNICO DO ENGENHO DO MURUTUCU

O Engenho do Murutucu é um marco histórico da cultura local, atrelado de

forma efetiva ao processo de desenvolvimento de Belém, tanto em relação aos

aspectos econômicos, como aos aspectos de estruturação do espaço urbano e do

seu acervo arquitetônico. Este monumento histórico está localizado nas imediações

periféricas do município de Belém, na margem esquerda do igarapé do Murutucu,

afluente do rio Guamá, limitando-se a oeste pelo igarapé e ao leste, pela Rodovia

Murutucu, antiga estrada da CEASA. Atualmente está sob responsabilidade da

Embrapa Amazônia Oriental. Sua área possui um terreno de forma quadrangular,

apresentando dimensões aproximadas de 120.000m², limitando-se ao oeste pelo

igarapé e ao leste pelo complexo da CEASA e rodovia de acesso ao porto do rio

Guamá.

Segundo o arqueólogo Marques (2003), através de pesquisas arqueológicas e

históricas desenvolvidas desde a década de 1990 nas proximidades de Belém,

registrou e estudou aproximadamente, 40 sítios históricos de engenhos construídos

em alvenaria de pedra argamassada ou em madeira, oriundos de um período que

abrange desde fins do século XVII até o início do século XX. Estas buscas

resultaram em informações importantes que vieram subsidiar o conhecimento da

trajetória histórica e arqueológica da agroindústria canavieira, cuja importância

68

desse estudo foi a revelação da existência de mais de cem engenhos nas margens

dos rios e ilhas do estuário amazônico durante o período colonial, e entre os quais o

Engenho do Murutucu é atualmente o único exemplar remanescente dessa atividade

de produção de açúcar e aguardente, no contexto urbano de Belém.

Figura 13 - Localização do sítio histórico do Murutucu.

Fonte: MARQUES, 2003.

O Engenho Murutucu possui quase trezentos anos de história, entre apogeu e

ruína, e durante quase toda a segunda metade do século XVIII teve como um de

seus proprietários o arquiteto italiano Antônio José Landi.

A história inicial de sua construção data do ano de 1711 e está ligada às

propostas de exploração da área pelos frades carmelitas que chegaram à Amazônia

com o intuito de catequizar os índios nativos, no período correspondente à fase de

colonização da região. Logo as informações historiográficas indicam que o sítio era

ocupado pelos Frades Carmelitas no início do século XVIII, quando é mencionada a

construção de uma capela, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de

Portugal (TOCANTINS, 1976). Por volta de 1750, o engenho passou a ser

propriedade de José Borges Valério e após sua morte foi transferido para Domingos

da Costa Bacelar, de acordo com a relação de engenhos da Comarca de Belém,

com data referente a 1760. (MARQUES, 2003, 2004).

69

Em 1766, o Engenho Murutucu foi adquirido pelo arquiteto italiano Antonio

José Landi, com “setenta pessoas, entre índios, índias e rapazes nascidos no dito

engenho”12 e passa a produzir açúcar e aguardente e, também, implanta uma olaria

com objetivo de abastecer a cidade de Belém13 que se encontrava em fase de

expansão (MARQUES, 2004, p.81). Em 1780, Landi solicita permissão para utilizar

mão-de-obra indígena14 para a colheita e processamento da cana-de-açúcar.

Nesse período em que Landi é proprietário, é-lhe atribuída a reforma da

Capela de Nossa Senhora da Conceição, cuja obra registra os traços marcantes do

barroco tardio na arquitetura neoclássica, estilo artístico do qual foi precursor no

Brasil. Há uma lacuna a ser desvendada com relação à autoria da edificação desta

capela. Neste sentido, Mendonça (2003) levanta questionamentos quanto a sua real

autoria, pois de acordo com a técnica construtiva nela existente e que configura

características da técnica aplicada por Landi, esta autora atribui-lhe a construção

desta capela, fazendo comparações com outras obras por ele realizadas. Neste

sentido, a autora afirma:

[...] A capela, cujas estruturas murarias podemos ainda observar, foi construída de raiz, nada existindo que permita afirmar tratar se de um mero restauro de uma construção anterior [...] trata-se certamente de mais uma obra de Landi15 que ainda hoje podemos observar parte de suas linhas arquitetônicas conservadas no sitio arqueológico do Murutucu e próximo as ruínas da capela encontramos as fundações da casa da fazenda em tijolos maciços e blocos de arenito [...] (MENDONÇA, 2003, p. 504 ).

12 Doc. n. 7080, de 19 de novembro de 1780 (APEP/AHU). 13 AHU, Brasil,Para, Caixa 40. doc 127 14 AHU, Brasil, Para, Caixa 40. Doc. 127. 15 Sobre a origem da Capela de Nossa Senhora da Conceição, ver MELLO JUNIOR (1973);

MENDONÇA (2003. p. 501).

70

Figura 14 - Ruínas da Capela do Engenho do Murutucu.

Fonte: MATTEUCCI, 1999.

Sobre as reformas empreendidas no prédio da capela, são descritas por Melo

Júnior (apud COIMBRA, 2003, p.143) da seguinte forma: “No classicismo do traço,

no ar paladiano de arquitetura erudita, nos arcos, nas colunas dóricas, na

composição das sobreportas com um ornato em medalhão circular”.

Figura 15 - Portal de entrada da Capela de Nossa Senhora da Conceição, Detalhe do medalhão do portal de entrada da capela.

Fonte: Autoria própria, 2008.

71

Pesquisas arqueológicas e históricas desenvolvidas, desde a década de

1990, nas proximidades de Belém registraram, aproximadamente, quarenta sítios

históricos de engenhos construídos, em alvenaria de pedra argamassa ou em

madeira, entre fins do século XVII até o início do século XX. Entre eles, se destaca o

Engenho do Murutucu (MARQUES, 2003, p.2).

Posteriormente, nos anos de 1996 e 1997, o arqueólogo Fernando Marques16

fez mais duas escavações, em caráter de pesquisa de salvamento arqueológico, no

interior da Capela e na área da Casa Grande, com apoio do Instituto de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Na área da Capela, o solo estava revolvido “pela ação de raízes de vegetação

de grande porte e por escavações, provavelmente, realizadas por curiosos em busca

de tesouros” (MARQUES, 2003, p.7). O material arqueológico coletado era formado

por:

[...] fragmentos de telhas tipo canal, lajotas cerâmicas, argamassas com indícios de reboco e camadas de tinta, blocos de pedra argamassa, pregos, cravos, dobradiças, ferrolhos e argolas de ferro. Foram ainda recolhidas peças de uma balança de ferro, peças de cobre, ferramentas agrícolas e cartuchos de munição (MARQUES, 2003, p.7).

De acordo com a observação do arqueólogo Fernando Marques, através da

sua utilização de esteios de madeira no interior das paredes de pedra visando uma

maior sustentação desta. Ao que parece, esta técnica remete a uma adaptação de

pau a pique, usado na chamada taipa de pilão, na qual se estruturava as paredes

com uma malha de madeira entre barro socado.

Segundo Marques (2003) foram observadas também paredes divisórias

duplas, o que levanta a discussão de possíveis intervenções construtivas na área da

Casa-Grande, para novos arranjos espaciais. A descoberta de paredes e piso

possibilitou a definição de uma planta provisória, compartimentada em nove

16 Pesquisador de arqueologia e história de engenhos coloniais no estuário amazônico, faz levantamento documental em bibliotecas de Belém e São Luis, no Maranhão; Análise de material arqueológico; Visitas aos sítios de engenho para fins de registro fotográfico e entrevistas; Elaboração de produtos gráficos: mapas, gráficos, croquis; Digitalização de imagens; Organização do acervo documental e iconográfico; Consolidação de um Banco de Dados da Cultura Material de Engenhos Coloniais; Elaboração de Projeto de Gestão do Sítio Engenho Murutucu, Belém; Elaboração de Projeto de Gestão do Sítio Engenho Jaguarari, Moju; Desenvolvimento de proposta para Exposição sobre Arqueologia de Engenhos Amazônicos.

72

ambientes, intercomunicados através de vãos de acesso, com formato característico

do traçado de Landi.

Figura 16 - De acordo com o desenho acima é possível identificar através do Layout da Casa Grande a disposição dos cômodos da casa do engenho do Murutucu na planta arqueológica desenhada por Marques (2003).

Fonte: MARQUES, 2003.

Coimbra (2003, p. 143) informa que: “Quanto às edificações, afora a capela e

a casa do engenho, havia ali também residência suntuosa, e, cabana para

escravos”. Marques (2003) ressalta que é importante mencionar que na Casa

Grande foram encontrados também elementos decorativos, como molduras e frisos,

bastante similares àqueles presentes em vários prédios de autoria de Landi, em

Belém.

Após a morte de Landi, ocorrida neste sítio em 1791, o engenho torna-se

propriedade de seu genro, o Capitão João Antonio Roiz Martins. Em 1841, em meio

à documentação de venda do Engenho para seu novo proprietário, Henrique Antonio

Strauss, dentre os bens registrados, encontra-se uma casa de vivenda, casa do

73

engenho, rancho dos pretos (senzala), roda d’água, moendas de ferro, um vapor,

serraria, alambique, tachas de ferro, balança etc. Descreve também os pertences

litúrgicos referente à capela. O documento cita, ainda, a existência de 48 escravos.

Conforme o historiador Cruz (1973). Por volta de 1850, o engenho teria sido visitado

pelo viajante americano John Esaias Warren, na qual fez referência às “misteriosas

ruínas” desse Engenho.

Foi no início do século XIX, quando o engenho passa a pertencer ao tenente-

coronel Francisco Marques d´Elvas Portugal, filho do Capitão João A. Roiz Martins e

neto de Landi, que eclode a Guerra da Cabanagem, ocorrida em 1835. O Engenho

Murutucu também esteve ligado a este importante acontecimento históricos do Pará,

pois o Murutucu serviu de acampamento para os cabanos liderados por Vinagre,

Angelim e Gavião antes do ataque ao centro de Belém, segundo informa Raiol

(1970, p. 832). Outros autores paraenses, como os abaixo citados, também

informam sobre o movimento e nesses relatos, é comum a referência ao Engenho

Murutucu:

[...] o movimento sediou-se logo nos subúrbios de Belém, lugar conhecido como Cacoalinho, mas já se espraiava pelo sítio do Bacuri, na Pedreira, onde pontificava o escravo liberto patriota e atingia o centro da cidade, na casa de ten. Aranha, no Largo da Memória, na Estrada de Nazaré. O sitio Murutucu, dos Vinagres, servia como ponto de contato entre o pessoal vindo do interior e os moradores da cidade. O plano acertado para tomar Belém, foi organizado em quatro colunas: Antônio Vinagre, do Murutucu, atacaria o quartel do corpo de caçadores e de artilharia. (MONTEIRO, [s.d.], p. 143). Na convenção de Itaboca, além da escolha do comandante, elaboram-se o plano de ataque a capital. O exército revolucionário segue transportando em batalhões e canoas até o Murutucu, fazenda dos Vinagre, à margem direita do Guamá e próxima a capital (SALLES, 1992, p. 104).

Mello Júnior (1973) considera que nesse período (1835-1840) inicia o declínio

do Engenho Murutucu, pois a ocupação promoveu a decadência e consequente

abandono do lugar.

Ao longo do tempo e da formação da cultura de Belém e do seu patrimônio

histórico não houve estudos sobre o Engenho do Murutucu que buscassem

desvendar toda a sua história (fatos, vivências, acontecimentos, costumes, hábitos,

74

trabalho, relação entre proprietário e trabalhadores, etc.). A pesquisa arqueológica

nesse sítio ficou inconclusa, faltando estudos sobre a área da casa e a localização

do espaço da senzala, até então inteiramente desconhecido. Assim, esses aspectos

do Engenho permanecem obscuros, o que impede de se conhecer o teor de uma

história, talvez bastante relevante e significativa para a contribuição do processo de

formação do patrimônio histórico cultural de Belém. São aspectos que, segundo

Tocantins (1963 apud MARQUES, 2003, p. 8), poderiam revelar o fazer histórico-

social das pessoas que lá conviveram. Neste sentido, o autor levanta algumas

questões que ainda estão impregnadas nas paredes das ruínas do Murutucu e

suscitam revelação de vidas, experiências e hábitos:

Que mistérios envolvem a criação e o desaparecimento deste estabelecimento rural, cujos escombros deixam entrever a nobreza e a dignidade de uma construção que ainda resiste aos efeitos do tempo e do abandono? Que se conhece sobre a vida social do engenho Murutucu? Sobre as missas, os batizados, as ladainhas, os casamentos na capela? Sobre os dramas na “casa dos negros”, sobre a cachaça, o açúcar, o mel, a rapadura, as madeiras que iam para Belém nos batelões? Sobre os senhores, as sinhás, as sinhazinhas, os meninos da Casa-Grande? (TOCANTINS, 1963 apud MARQUES, 2003, p. 8)

É um mundo morto várias vezes: no espaço, no tempo, na documentação

histórica. Este sítio histórico tem sido objeto de pesquisas arqueológica, histórica e

arquitetônica, buscando compreender vários aspectos do processo histórico ocorrido

ao longo de sua existência. Estas evidências devem ser entendidas como produtos

remanescentes da atividade humana, que podem evidenciar importante indicador

sociocultural, nos aspectos artísticos, ideológicos, tecnológicos e ambientais já que o

mesmo encontra-se situado em uma Área de Proteção Ambiental (APA).

75

Figura 17 - Objetos arqueológicos encontrados nas escavações durante a pesquisa do arqueólogo Fernando Marques, em 2003.

Fonte: MARQUES, 2004.

3.5 O TOMBAMENTO DO ENGENHO

O Engenho do Murutucu tornou-se patrimônio da União, em 1940, ao ser

incorporado pelo antigo Instituto Agronômico do Norte, atualmente, Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que implantou um campo

experimental de práticas agrícolas e agropecuárias, mas em compensação nada fez

pelo Engenho que já estava nessa área há muito tempo, antes dessa instituição.

Este engenho compreende um conjunto de ruínas de grande porte, cuja

significância histórica e valor arquitetônico fundamentaram seu processo de

tombamento como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo IPHAN, em outubro

de 1981 (ver documento em anexo).

Apesar de ser propriedade de órgão público e tombado como patrimônio

histórico, condições que deveriam garantir sua proteção e conservação, este

monumento encontra-se em abandono total e por falta de segurança, tendo sido alvo

76

de destruição17. Dessa forma, o tombamento de um patrimônio material não garante

a integridade física de um bem patrimonial e nem se transforma automaticamente

em um instrumento de preservação cultural para sua comunidade. São necessárias

políticas públicas que, de fato, sejam postas em prática, em que as instituições,

como primeiras instâncias a exercer ações de proteção dos bens patrimoniais,

exerçam sua gestão contemplando essa necessidade de preservação do patrimônio,

assim como também a sociedade seja inserida nessa relação, através de um

processo educativo e de conscientização para garantir o processo de preservação

patrimonial.

O Engenho do Murutucu, como vários outros monumentos tombados pelo

governo estadual, não tem sido contemplado com as garantias de que falam as

propostas de preservação ora implementadas pelas políticas públicas delineadas

pela SECULT. Neste sentido, convém afirmar que as políticas públicas não têm

garantido a integridade desse elemento histórico-cultural do patrimônio de Belém: o

abandono e a destruição demonstram a falta de implementação dessas políticas,

através de ações práticas.

17 Um dos exemplos de maior agressão para com este sítio histórico se deu em 1995,

durante as obras de manutenção da estrada do CEASA; quando funcionários de uma empresa de construção sem conhecimento da importância desse patrimônio, entrou no engenho com um trator e derrubou quase todas as paredes remanescentes da Casa-Grande, com a finalidade de obter pedras para tampar os buracos da rodovia. Este acontecimento divulgado no jornal Diário do Pará, sob o título “Memória esquecida no meio do mato”, em 16.04.2007, cad. Cidades, fl. 06.

77

4 A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E AS AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS NAS RUÍNAS

DO ENGENHO MURUTUCU

4.1 AS DIFERENTES PERCEPÇÕES SOBRE O ENGENHO

4.1.1 As comunidades do entorno

As comunidades que vivem no entorno da área da EMBRAPA, onde está

localizado o Engenho do Murutucu, são formadas por moradores do local e/ou

trabalhadores (feirantes) da CEASA, além da presença transitória de pessoas que

vão à área para outras atividades, tais como explorar os recursos naturais do local

seja de forma autorizada ou predatória18. Ali também moram os ribeirinhos do Rio

Guamá que vivem da pesca e dos produtos da floresta, sendo a maioria autônoma e

desprovida de bens e serviços públicos, tais como educação, saúde, emprego,

saneamento básico, moradia adequada, seguridade social, etc.

A violência se faz presente de forma acentuada pela falta de segurança

pública. A soma de todos esses fatores representa uma condição desfavorável ao

desenvolvimento de consciência crítica e entendimento a respeito de seus direitos e

deveres enquanto cidadão. Compreender a importância histórica e cultural do

Engenho do Murutucu e a necessidade de sua preservação enquanto patrimônio

público,é, portanto, mais do que a questão legal: urge a necessidade de implantação

de projetos voltados à participação na construção de um trabalho de preservação do

bem patrimonial e ambiental que envolva toda a comunidade.

Figura 18 - Palafita de mo radores da Rodovia do Murutucu.

Fonte: Pesquisa de campo na Rodovia do Murutucu, nov./2010.

18 Caçadas aos animais silvestres, exploração ilegal das áreas verdes da floresta urbana,

etc.

78

Figura 19 - Vista aérea do Engenho Murutucu e o complexo da Ceasa cortado pela Rodovia do Murutucu.

Fonte: http://.cpgf.ufpa.br.

4.1.2 Entre o rural e o urbano

Apesar da EMBRAPA estar localizada dentro da área urbana de Belém, os

bairros que hoje estão presentes nos seus arredores se formaram por meio de

assentamentos espontâneos adjetivados de invasões. Mas, sobretudo, são cidadãos

oriundos do interior do estado ou de outras periferias de Belém que construíram

suas residências nesse espaço, trazendo seus costumes, hábitos, vivências e

atividades próprias da área rural, deste modo, permitindo uma relação paradoxal

entre o rural e o urbano.

79

Loureiro (2001) assim nos traduz esta relação paradoxal do cidadão caboclo:

O homem da Amazônia, o caboclo, vivendo fora do contexto das grandes cidades – Belém e Manaus especialmente – não se encontra completamente integrado à moderna sociedade de consumo, suprindo parte de suas necessidades cotidianas pela abundancia dos rios e florestas. (E quando migra para as cidades – grandes, médias, pequenas -, carrega consigo parte dos traços de sua cultura original). (LOUREIRO, 2001, p. 67).

Daí os aspectos rurais invadindo um espaço urbano e por fazer parte da

nossa paisagem amazônica, como uma cena indissociável desta identidade cultural

cabocla, os gestores, as instituições, ou são permissivas, ou são cúmplices ou não

se apercebem da população que chega e se avizinha do seu território. E com suas

atividades e habitus onde se denota distintas tarefas do cotidiano como a pesca, o

extrativismo, agriculturas de subsistência, pequenos comércios, feiras e muitas

outras ocupações relativas à área rural. E assim, o espaço urbano passa a mesclar-

se com as características da área rural.

4.1.3 As vozes do engenho

A Amazônia toda tem sua história miscigenada por crenças e valores nativos

e externos que se somam aos devaneios do imaginário dos caboclos urbanos nos

personagens surreais, próprios da natureza daqueles que habitam as florestas e as

margens dos rios desta região e fazem parte da vivência da população. São criações

que vão se configurando e se entranhando no imaginário do povo, passando a

ganhar existência na configuração do seu cotidiano.

Loureiro (2001) faz uma análise dos povos da floresta da seguinte forma:

A cultura amazônica em que predomina a motivação de origem rural-ribeirinha é aquela na qual melhor se expressam, mais vivas se mantêm as manifestações decorrentes de um imaginário unificador refletido nos mitos, na expressão artística propriamente dita e na visualidade que caracteriza sua suas produções de caráter utilitário - casas, barcos, etc. (LOUREIRO, 2001, p. 66).

No meio deste cenário ilustrado por histórias contadas pelos antepassados e,

hoje, pelos feirantes e moradores antigos e atuais, se encontra o Engenho do

Murutucu em Belém, onde, segundo a crença popular, as almas dos escravos ainda

80

pairam sobre as ruínas para fazer suas orações e lamentações. Lá as vozes dos

negros, dos índios e dos caboclos que trabalhavam como escravos enchem de

mistérios o Engenho e os moradores do entorno acreditam que essas criaturas ou

espíritos estão presentes e dos quais sentem medo, considerando o lugar

“misterioso, sagrado ou maldito e pavoroso porque lá aparecem almas do outro

mundo”, como afirma o Diretor administrativo da EMBRAPA “[...] mas é um lugar

meio que sacralizado pra eles também, tem um, percebi, um certo medo por que

eles dizem ‘ah, tem um cemitério de escravos...’ Tem um certo mito sobre o lugar

[...]”. (informação verbal).

Figura 20 - Moradia de ribeirinho à margem do rio Guamá e as canoas dos moradores da área da rodovia do Engenho Murutucu.

Fonte: Pesquisa de campo, nov./2010. Figura 21 - Complexo da CEASA - feirante.

Fonte: Pesquisa de campo, nov./2010.

O medo dos moradores e dos feirantes também se dá em função da violência

pela falta de segurança, como se observa na seguinte fala: “[...] Aí vem essa

questão agora, que é atual, que é da CEASA. Essa área toda era uma área de

81

violência, ‘desovar’19 inclusive cadáver, mandava matar pessoas e ali e tal. De outro

lado, nós temos uma preocupação muito grande pela falta de vigilância”. (Diretor

Administrativo da EMBRAPA, informação verbal). Essas questões, não são só do

passado, mas da violência da atualidade urbana e rural, geram a inquietude e

insegurança, valores e crenças para os populares enchendo de mitos e crendice os

monumentos antigos, pois são histórias que atravessam o tempo e continuam

perpetuando valores. É assim que ressoam as vozes do Engenho que, através das

vozes dos moradores e trabalhadores do entorno dessa área, atravessando os

tempos, levando a crenças em vidas sobrenaturais e, por assim ser, tornam-se parte

da história.

Desde a Amazônia selvagem, desde o tempo das icamiabas20, a Amazônia

tem o dom de impressionar civilizações distantes, através dessa dádiva o homem

vem contando, recontando e transmitindo sua cultura e sua memória individual ou

coletiva, esta é uma necessidade latente do ser humano. Então, o caboclo paraense,

urbano ou rural não deixaria essa prerrogativa passar despercebido. Desta forma o

que se percebe é que as circunstâncias da vida amazônica vem regulando

peculiares relações entre os homens e o meio, tanto no que diz respeito aos fins

práticos da produção, circulação e consumo, assim como vêm dando origem a um

processo dominante oralizado de transmissão cultural. (LOUREIRO, 2001, p.67).

4.2 A TRILHA DA ORALIDADE

A pesquisa de campo, realizada através de entrevistas, se efetivou com base

na percepção e expressão de duas categorias: o discurso oficial que se configura no

depoimento de representantes de instituições que têm responsabilidade sobre a

preservação do patrimônio público em Belém e a fala dos atores sociais que são

formados por trabalhadores e moradores do entorno.

19 Expressão usada para referir-se ao crime de ocultação de cadáveres. 20 A Lenda das Icamiabas - Lenda tradicional da Amazônia recontada por vários

historiadores, "Conta a lenda que, há muito tempo, na Floresta Amazônica, existiu uma tribo indígena da grande nação “Tupi”, constituída unicamente de belas mulheres, livres e independentes, sem maridos, excelentes arqueiras e bravas guerreiras na defesa de sua gente, da floresta e de suas riquezas: as “Icamiabas “

82

4.2.1 O discurso oficial

Representando os órgãos oficiais envolvidos no estudo, quatro personagens

formam este bloco de informações a respeito da preservação do Engenho do

Murutucu enquanto parte do patrimônio cultural de Belém, cujos depoimentos se

expressam a seguir, respondendo a um roteiro específico de entrevista.

A respeito da responsabilidade de preservar o sítio histórico do Engenho do

Murutucu, todos os representantes de órgãos oficiais envolvidos na pesquisa se

eximiram de tal encargo, mesmo os técnicos da EMBRAPA que considerando que

tal monumento está dentro de sua área, afirmam categoricamente que a

responsabilidade cabe a quem tem competência de gerir tal empreendimento visto

que ela não tem a competência técnica, pois a missão da EMBRPA diz respeito,

exclusivamente, à pesquisa agropecuária, devendo essa função ser assumida por

outros órgãos oficiais com conhecimento sobre patrimônio histórico.

No entanto, os demais órgãos afirmam que a responsabilidade é da

EMBRAPA pelo fato do Engenho do Murutucu estar dentro da sua propriedade e da

área de sua gerência. Nesse sentido, as instituições expõem suas justificativas para

a responsabilidade de gestão em preservar tal monumento. O diretor administrativo

da EMBRAPA explica:

[...] São duas coisas. Em termos de gestão, o Engenho do Murutucu pertence a uma área que é da EMBRAPA. Ele é da EMBRAPA. Então, do ponto de vista legal, tá numa área da EMBRAPA. Então, a gente que é responsável, em tese, por isso. Daí a gente é muito cobrado pelo Ministério Público por conta disso, só que a gente, do ponto de vista técnico e do ponto de vista da missão da EMBRAPA, a gente não tem competência pra gerir ou pra fazer qualquer projeto finalístico pra manutenção das ruínas do Engenho do Murutucu. A gente não tem essa competência técnica. Até porque, nós somos o quê? A EMBRAPA, ela é uma empresa agropecuária, de pesquisa agropecuária. Então, o negócio ou a atividade finalística da EMBRAPA é a pesquisa, a pesquisa pra desenvolver a atividade agropecuária. Então, por se tratar de um prédio histórico, um monumento, que fica dentro da EMBRAPA, aí, por força de lei, a gente também é responsável por conta disso, pelo fato de se constituir um patrimônio histórico?, tombado ... pelo patrimônio histórico da União? Daí a grande dificuldade nossa, que tá na nossa área, mas a gente não tem, pela nossa missão ... a competência técnica de ter alguma interferência, ... pra ter a gestão técnica de lá. Por exemplo, a manutenção: teria que ter técnicos específicos. Aí tem uma das questões aqui nossa que é o seguinte: nós temos uma dificuldade muito grande de recursos. Empresas de pesquisa... já

83

têm dificuldade de recursos pra suas atividades fins. Os recursos orçamentários já são parcos, já são assim bem limitados, tem uma dificuldade muito grande. Por quê? Porque apesar da gente ser uma empresa pública, mas basicamente é uma empresa pública que depende de recurso do Tesouro. Então nós não somos uma empresa que, um exemplo, fazendo uma comparação, uma empresa como a Petrobrás, que ela tem sua receita própria, que ela tem recursos, assim, suficientes, ou uma outra empresa que tenha uma fonte de recursos que possibilite que ela tenha outras atividades. Nesse sentido, muito por conta do interesse [...] nós fizemos uma articulação com a SECULT, também por força de conhecimento e de algumas pessoas de lá da SECULT... a gente tentou formatar um projeto em articulação com eles, pra eles darem um apoio técnico pra gente, apoio, inclusive, financeiro a partir do projeto, pra ter um uso lá das ruínas, só que não foi pra frente, tivemos dificuldades. Então falta, na verdade, uma maior articulação com os órgãos que, na verdade, lidam com essa questão...com a área da cultura. (informação verbal).

Segundo o comentário do diretor administrativo, a EMBRAPA reconhece a

importância do monumento, mas não se julga na competência, nem na condição de

desenvolver projetos de preservação. Estando o Engenho do Murutucu na área da

EMBRAPA que é considerada responsável por ele, mas esta instituição não tem

conhecimento técnico e gestão competente para cuidar desse monumento

patrimonial, este não recebe sequer atividades de manutenção, sendo que apenas o

terreno onde está localizado é que recebe a limpeza através de serviço de capina, o

que confirma o abandono às ruínas do monumento, como se observa na informação

abaixo:

A manutenção não do prédio, manutenção da área, do terreno, a capina do mato pra não ficar grande. Isso, de vez em quando. Só que cresce muito rápido. Aqui, assim, em período de chuva cresce muito rápido. Mas, assim, dois em dois meses, a gente vai lá, faz a limpeza da área, não é limpeza, até porque pra fazer a limpeza mesmo de lá do prédio tem que ter toda uma abordagem técnica, de técnico da área. Aí, quando chega lá, por exemplo, se tem mato lá na estrutura predial, na ruína que tão lá, a gente não interfere, a gente só pega mesmo o mato de lá, o mato raso ... É isso que a gente faz, da área, na verdade, na área. A gente tem uma grande dificuldade porque, pelo fato da limitação do recurso nosso, nós temos uma dificuldade, por exemplo, de vigilância ... (informação verbal).

Quando questionado a respeito da forma como é realizada a limpeza dos

espaços internos e externos da capela do Engenho, ele justificou:

84

Sendo do patrimônio histórico... na verdade, precisaria mais disso, assim, de ter, externamente, maior articulação, tanto com o IPHAN como com a SECULT, já que falta, por nossa parte, o conhecimento técnico. Acho que isso é uma coisa que a gente poderia fazer ... de articular esses órgãos pra nos auxiliar, nos dar assim subsídios, de captar recursos, mas só que a gente não tem ... nenhum pesquisador que tenha competência técnica pra descrever, fazer a descrição de um projeto e submeter isso pra captação de recursos. Então, essa que é a grande dificuldade! Essa que é a dificuldade, assim, enorme. ... O que a gente faz lá é a questão da manutenção. (informação verbal).

O diretor científico da empresa complementa a filosofia da instituição e reforça

os comentários do Diretor administrativo em relação ao patrimônio cultural quando

afirma:

[...] a princípio, toda a parte experimental agronômica foi concentrada nessa área edificada que a gente tá aqui no momento. Então, essa é uma área que foi deixada, não constituía interesse, porque, inclusive, o objetivo da empresa é pesquisa agropecuária e não ligada com questões históricas de patrimônio. Então não tinha nenhum recurso do Ministério da Agricultura pra esse tipo de trabalho. Então, de uma certa forma, não contempla as atribuições da empresa. (informação verbal)21.

A Diretora de patrimônio da SECULT (Secretaria de Estado de Cultura), órgão

responsável por questões do patrimônio em esfera estadual, reconhece que há uma

dificuldade de entendimento dos órgãos das diversas esferas quanto à

responsabilidade pelo monumento:

[...] O Engenho do Murutucu, qual é o imbróglio? É exatamente que... ele é tombado pelo IPHAN, está dentro de uma área que é propriedade da União, mas que também tá dentro de uma área que é preservação permanente, e tombado pelo Estado que é o Parque Ambiental do Utinga. Então, ele tá numa área que tem a proteção de todos os lados... (informação verbal)22.

A Diretora do Instituto de patrimônio histórico e artístico nacional (IPHAN)

acusa a EMBRAPA pela ingerência do espaço:

21 Fala do Diretor científico da EMBRAPA, pesquisador com responsabilidade de co-gestor

da unidade e pesquisador da instituição. 22 Fala da Diretora de patrimônio do Estado.

85

A EMBRAPA foi notificada várias vezes porque o IPHAN construiu um edifício, aliás, através de uma medida compensatória, o IPHAN obrigou a empresa que estava utilizando as pedras lá das ruínas na construção. Então, como medida compensatória, o IPHAN obrigou a empresa a fazer um prédio que era exatamente pra dar apoio pra visitação lá dentro. E aí a empresa construiu, mas depois ficou abandonado porque nem Estado, nem Município, nem a União assumiram. [...] Primeiro que aquilo é uma área da EMBRAPA. Ela deveria desenvolver e assegurar a preservação. Nós já tivemos vários problemas, já solicitamos a atuação do Ministério Público, já fizemos vários investimentos lá em termos de ajuste de conduta, com a participação da EMBRAPA - que no final não cumpriu o que foi acordado - e os investimentos que nós fizemos lá foi totalmente saqueado. Por duas vezes nós investimos recursos ali e não teve resultado algum. [...] E quando a gente começa a discutir isso todo mundo tá interessado, menos a Embrapa. A prefeitura quer, o Museu Goeldi quer, o Estado quer, só que quando chega na hora da pessoa arcar todo mundo sai. A gente fez um investimento daquele, no sentido de que havia vários interessados em assumir e, no final, ninguém assumiu. E a EMBRAPA, que em termo de conduta assumindo a responsabilidade de dar vigilância, no final foi tirando, não tinha mais nada [...]. (informação verbal)23.

Diante desses argumentos, percebe-se que o poder público nas três esferas

se exime de suas responsabilidades por tal monumento, importante peça do

patrimônio histórico e cultural de Belém e do Estado do Pará que se encontra

desprotegido, se deteriorando com o tempo e sob constantes ações criminosas ou

de pessoas não esclarecidas que não entendem sua importância de para a história e

cultura do Pará.

Ainda sobre a questão da responsabilidade sobre a preservação do Engenho,

a EMBRAPA, a gestora (Diretora de patrimônio do Estado) afirma que existem leis,

não de proteção patrimonial, mas relativos aos objetivos da instituição que são

projetos agropecuários, como enfatiza:

Eu sei que essas leis existem, mas tá muito atrelado com as questões ligadas às nossas atribuições como instituto de pesquisa agronômica. [...] mas são projetos ligados a agropecuária, a questões ligadas a cultivos, tem uma conotação basicamente de projetos de pesquisa são pesquisa agronômica, então nunca houve interesse de buscar questões de leis como objetivo a esse patrimônio. Na verdade, esse patrimônio histórico tá ligado a unidade por essas questões que eu falei anteriormente. Foi tipo uma herança que foi deixada aqui dentro, é uma herança desvinculada com as atribuições

23 Fala da representante do IPHAN no Estado do Pará.

86

como unidade de pesquisa agrônoma ligada ao Ministério da Agricultura. (informação verbal).

Quando o Estado faz o tombamento de um elemento cultural, tornando-o

parte do seu patrimônio histórico, ele está, também, assumindo a responsabilidade

de cuidar de sua preservação e conservação, através de seus órgãos competentes,

cujas ações, geralmente, revestem-se em projetos e eventos socioculturais que

visam incluir a sociedade, especialmente as comunidades populares, educando-as

para que juntos assumam o compromisso de promover a preservação dos bens

patrimoniais. Pois como afirma Horta; Grunberg e Monteiro (1999), só com a

participação da sociedade serão possíveis transformações de realidades e

realizadas certas mudanças, especialmente nos hábitos e atitudes das pessoas que,

enquanto agentes sociais, terão, também, oportunidade de participar e colaborar

com o Estado no processo de preservação de ambientes e bens públicos, o que

também resguardará sua vivência nesse contexto.

Left (2001) afirmar que preservar inclui, também, boa relação com o público e

que este bem informado e/ou educado assume responsabilidades com o que se

deseja dele. No entanto, é observável que mesmo com toda uma legislação que

resguarda o patrimônio público no Pará, esta não tem sido suficiente observada para

garantir a salvaguarda de monumentos tombados como Patrimônio Cultural, em

especial, do Engenho do Murutucu.

Em relação às políticas e ações empreendidas para preservação do

monumento do Murutucu, as instituições denunciam a falta de políticas e ações,

visto que não conseguem estabelecer parcerias pela falta de acordo entre elas,

apesar de haver propostas e planejamento prévio, encontros e discussões, mas a

implementação não se estabeleceu. Como esta pesquisa não estabeleceu

metodologicamente uma ordem para analisar as informações, ou seja, quem falaria

primeiro, procurou-se apresentar as respostas que discutissem a proposta de

políticas públicas e de ações em ordem sequencial, de modo a demonstrar o que foi

planejado pelo Governo e o que, de fato, tem sido realizado e/ou acontecido.

No sentido de preservar o patrimônio histórico-cultural, o Governo do Estado,

neste momento, planejou e propôs parcerias, com atenção especial ao Engenho do

Murutucu devido a sua precária conservação que se encontra em grande

deterioração.

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A proposta do governo para a preservação do patrimônio histórico-cultural do

Pará consiste em um programa denominado “Programa de Preservação das

Memórias, Identidades e Diversidade Cultural do Estado do Pará”, instituído em

2007, e que se configura, exatamente, como: “uma política de preservação que não

é focada só no monumento, só no patrimônio edificado, como em outras políticas

culturais”. Embora seja uma proposta abrangente, apresenta alguns pontos

definidos, conforme explica a diretora de patrimônio do Estado:

Aí, em cima disso nós construímos, nós fizemos as ações estratégicas, os objetivos estratégicos, os resultados esperados, e aí saiu esse programa das memórias, das identidades e da diversidade cultural no Estado. Entre elas, tem umas linhas de ação. Dentro dessas linhas de ação, uma delas é o que nós chamamos de Patrimônio em Revista. Dentro do Patrimônio em Revista tem todo o leque de pesquisas, o inventário, as pesquisas aprofundadas pra poder nortear realmente o processo de tombamento, por exemplo, intervenções, mais no campo mesmo da restauração, e a instalação de Centro de Referência e Memórias. Dentre essas linhas de atuação, dentro desse Patrimônio em Revista, nós temos o projeto Memórias dos Engenhos do Estuário Amazônico, e aí nós colocamos como prioridade dentro desse projeto o Engenho do Murutucu, colocamos o Engenho Pacheco lá em Abaetetuba, que é o último em funcionamento. Então, esses dois foram colocados como os prioritários. (informação verbal).

Segundo a gestora, o mais relevante do Programa é seu respeito a alguns

princípios como:

o respeito à diversidade, o pleno exercício da cidadania, que aí é a cidadania cultural; a diversidade cultural como patrimônio da humanidade; e a inclusão social foram observados [...] então, os fóruns, seminários, as conferências intermunicipais de cultura, as conferências municipais de cultura, e as conferências estaduais de cultura, etc. foi exatamente pra gente discutir com a sociedade o que é importante, o que ela iria pontuar como importante pra preservação. (informação verbal).

Ao falar sobre a relevância desta postura, a mesma gestora afirma que:

[...] não foi uma decisão dentro dos gabinetes, não foi uma decisão política somente, não foi uma decisão puramente técnica, não. O Estado quando realiza os fóruns de debate é exatamente colocando o princípio da participação popular na definição, contribuindo com Estado na gestão da política cultural. Então, nesse campo, o nosso governo está colocando o Estado realmente como mediador, ele é o

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gerenciador dos desejos da sociedade, vendo o que a sociedade quer que preserve, que memórias essa sociedade quer que preserve [...] Dentro das diretrizes nacionais a gente fez uma pactuação entre os desejos da sociedade e as diretrizes nacionais das políticas de preservação. (informação verbal).

Varine-Bohan (2010) durante a Conferência “Desenvolvimento social local

para comunidades tradicionais”, realizada na Fundação Escola Bosque e no

Ecomuseu24 da Amazônia em 2 de dezembro de 2010, afirma que:

Os direitos à diferença, à singularidade, às especificidades, às pluralidades, à autodeterminação, ao pertencimento e à fraternidade de cada comunidade são a garantia da diversidade dos processos museológicos comunitários e da autonomia de ações segundo objetivos e funções diferenciados. Os habitantes de uma comunidade, de uma aldeia, vilarejo, bairro ou cidade, construtores, criadores, herdeiros e defensores das culturas, compreendidas como bem comum que integram as comunidades ao seu patrimônio e ao seu território, são legítimos detentores e proprietários desses bens. A esses mesmos habitantes compete interpretá-las e valorizá-las, ancorados no sentido de pertencimento e de empoderamento e ao poder público nas esferas municipal, estadual e federal, compete apoiar e garantir as iniciativas populares de valorização da cultura e do patrimônio (BOHAN, 2010).

Em relação às ações das instituições convidadas para essa proposta de

preservação, procurou-se saber sobre as parcerias entre elas e sua preocupação

em pô-las em prática para dar sustentação ao projeto de preservação do Murutucu.

Quando questionado sobre essa proposta de projeto, o diretor administrativo da

EMBRAPA comentou a respeito das possíveis parcerias:

[...] Participei de várias reuniões com a SECULT, pessoal da SEMMA...Nós fomos lá, teve uma reunião lá. Eles vieram aqui. Só que aí depois parou, não sei porque. A SECULT ia submeter um projeto pro Ministério da Cultura, só que não foi pra frente. Aí depois ia ter uma emenda parlamentar, mas também não deu certo. Aí depois disso, os detalhes disso só falando com o pessoal da SECULT, mas a gente, de fato, não tem tido, mas aí ... tem de ter a responsabilidade de todos, por que, olha só há contradição. [...] falando do ponto de vista de gestor ..., também é muito fácil, na verdade, é um patrimônio histórico da União, que é de interesse público, de interesse coletivo, mas todo o entendimento do Ministério Público e do IPHAN, que eu acho que é um entendimento

24 O Ecomuseu é uma proposta recente de espaço museal que se constitui em espaços

abertos de preservação e valorização das culturas tradicionais. Surgida na França, essa proposta é difundida por Varine Bohan, entre outros idealizadores.

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equivocado, que diz que toda responsabilidade é da EMBRAPA. Que, na verdade, esses órgãos, por exemplo, o IPHAN, que trabalham com a cultural e preservação do patrimônio, deveria o seguinte, sentar numa mesa e pensar “Como é que a gente pode dar uso pra isso? De forma coletiva.” Eles que tem o conhecimento técnico, as fontes de recursos, e a gente aqui, pelo fato de estar no nosso terreno, nas terras da EMBRAPA. Isso aí é uma questão que não é uma responsabilidade só da EMBRAPA. Essa é uma coisa que a gente pode até provocar o IPHAN [...]. (informação verbal).

Observa-se a existência de ações para o estabelecimento de parceiros na

gestão de preservação da natureza e do sítio do Engenho do Murutucu como parte

do patrimônio histórico, como o projeto da SECULT por sua diretora:

Procuramos fazer parceria com a EMBRAPA, Museu Goeldi, Universidade Federal do Pará, através do Fórum Landi, Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura e o IPHAN. Nós fizemos várias reuniões com a EMBRAPA, porque a EMBRAPA tinha que assumir porque a propriedade era dela e a EMBRAPA sempre dizendo que a missão da instituição é com a pesquisa agropecuária e não com a preservação do patrimônio cultural. E nós fizemos o contraditório, fizemos, aliás, várias vezes, apresentando a justificativa porque que a EMBRAPA tinha condições de justificar perante o Ministério da Fazenda que ela tinha sim, que ela podia fazer, podia disponibilizar dentro do seu PPA, do seu orçamento, podia disponibilizar uma verba pra isso, porque ali dá pra fazer, além de ser tombado pela União, é da União. Ali nós poderíamos implantar vários pólos de pesquisa e difusão de conhecimentos na área da pesquisa agropecuária, uma vez que ali era um engenho. O Engenho, ele era movimentado por uma tecnologia utilizando a própria força motriz da água ali da maré. (informação verbal).

De acordo com a Diretora do IPHAN, houve uma tentativa de parceria quando

o próprio IPHAN tomou iniciativa, estabelecendo certa estrutura para o processo de

preservação do Engenho e de modo a favorecer a utilização pelo público. A idéia de

parceria era tentar dar outra finalidade a este monumento, inclusive a turística, visto

que o sítio histórico-cultural, como um todo, mesmo se encontrando abandonado e

em ruínas, ainda apresenta uma extraordinária beleza pelas características da

natureza, cujo terreno, ainda com muito verde e às proximidades do Rio Guamá, é

protegido por estar numa área de preservação ambiental. Porém, no momento de

por em prática as propostas estabelecidas e acordadas, todos se eximem das

responsabilidades assumidas, conforme se pode perceber nas afirmativas da

diretora do IPHAN:

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Eu tive informação através de alguns gestores mais antigos que todas as iniciativas que foram feitas junto com a esfera estadual e municipal foram inócuas. Eles tinham interesse, mas o interesse ficou no esquecimento. [...]. (informação verbal). Infelizmente, a esfera municipal e a estadual que... foram disponibilizadas, em algum momento, pra assumir essa responsabilidade, a principio demonstrou esse interesse, mas de concreto, infelizmente, não tem nada, só a intenção. (informação verbal).

[...] já solicitamos a atuação do Ministério Público, já fizemos vários investimentos lá em termos de ajuste de conduta, com a participação da EMBRAPA - que no final não cumpriu o que foi acordado - e os investimentos que nós fizemos lá foi totalmente saqueado. [...] E quando a gente começa a discutir isso, todo mundo tá interessado, menos a Embrapa. A prefeitura quer, o Museu Goeldi quer, o Estado quer, só que quando chega na hora da pessoa arcar, todo mundo sai. A gente fez um investimento daquele, no sentido de que havia vários interessados em assumir e, no final, ninguém assumiu. E a EMBRAPA, que em termo de conduta assumindo a responsabilidade de dar vigilância, no final foi tirando, não tinha mais nada. [...] Daí teve o segundo termo de conduta, nessa época eu nem participei, pessoalmente, e a partir do pesquisador Marques que fez uma pesquisa interessante nessa área de engenho e uma proposta de construir lá um laboratório pra tratamento de material dessa origem histórica, mas também foi feito um outro investimento, foi construída uma outra estrutura e no final o Goeldi recuou, que não tinha condições de assumir, e novamente foi tudo saqueado. (informação verbal).

Na proposta do governo estadual existem projetos sustentáveis e propostas

para a inclusão de representações sociais (ONGs, OS) trabalharem como parceiras

como são explicado a seguir:

Projeto sustentável? Então, além de poder se trabalhar o ecoturismo. Então tem um leque de possibilidades pra trabalhar, inclusive conjugando com a missão da EMBRAPA. Nós tiramos algumas diretrizes pra se trabalhar essa gestão compartilhada... Fazendo parcerias com outras instituições como a UFPA, Museu Goeldi, SEMMA, UFRA, IPHAN que não cuide somente do patrimônio e da cultura, mas também das questões ambientais. [...] É, o ecoturismo também entra nesta proposta de trabalho. Então, o que está faltando realmente é a vontade. A SECULT já iniciou isso, fez essa provocação às instituições, o que tá faltando realmente é firmar um compromisso entre todas essas instituições porque elas se afastaram, porque ninguém quer meter a mão no bolso, mas é uma área que todos tão envolvidos, pelo menos todas as esferas de poder, estão envolvidas. Várias entidades e instituições acadêmicas estão envolvidas, então basta este esforço, essa vontade de fechar

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essa gestão compartilhada e aí todo mundo fazer a gerência daqui. (informação verbal).

Para as representações sociais existe sim, uma abertura para elas estarem participando desse processo de gestão participativa, já que elas manifestaram interesse. Olha, a primeira, nas Conferências de Cultura, em quase todas foram pontuadas essa questão do Murutucu. Elas estão nas demandas apresentadas pela sociedade, aparece o Engenho do Murutucu. Então isso já é um dado interessante. Então, isso aí é institucional, da memória do engenho com o projeto de memória urbana da cidade. ... Então é muito significativo pra memória, pra história do Estado e da Cidade. Então, no programa de preservação do Estado, da Secretaria de Cultura, o Engenho do Murutucu é uma preocupação e é uma prioridade pra nós e realmente a gente precisa efetivar isso. A gente precisa provocar e garantir o compromisso dessas outras instituições, porque realmente só o Estado não vai conseguir fazer. E tentar convencer a EMBRAPA que embora não esteja imediatamente na missão deles, ela faz a interface com a missão da pesquisa agropecuária. (informação verbal). Cabe também um papel para as ONGs, cabe. Acho que é uma solução viável. É uma solução plausível, inclusive porque aí com uma ONG é a sociedade que vai ficar lá gerenciando, administrando, e ela tem muito mais flexibilidade pra fazer captação de recursos pra poder funcionar o equipamento cultural realmente. Então seria muito interessante que a própria sociedade garantisse, se organizasse, se institucionalizasse pra poder fazer o gerenciamento desse espaço. Associação de moradores, os trabalhadores, ou enfim, formar uma entidade cultural, pode ser os próprios ribeirinhos, tem cooperativas, tem entidades, que podem tranquilamente administrar aquilo ali. E aí é feito um regime de comodato – como é do Governo Federal, faz um regime de comodato – e essa entidade vai administrar o espaço. E investimento tem e muito. Porque tu sabes que quando entra um projeto em que aparece a Amazônia no meio existem investimentos, recursos internacionais, e não são poucos. Nós que não estamos sabendo ir buscar esses recursos... Isso é um problema de gestão, de capacitação, realmente. O Estado investir mais na capacitação da sociedade pra ela poder se organizar e fazer a gestão das referências culturais e da memória dela. Porque recursos tem, tem muitos, tanto do Governo Federal quanto das entidades internacionais. Tem muito. E o Murutucu seria um espaço de excelência pra pesquisa, pra educação, pra lazer, e ali seria mais um espaço realmente pra entrar no roteiro turístico. E é um roteiro realmente que a gente propôs a criar um roteiro turístico, e é o roteiro dos Engenhos. E você pode fazer isso pela via fluvial, que é muito bacana porque aí você atravessa, ali o Murutucu, atravessa o rio Guamá, e já chega ali do outro lado com os outros Engenhos que ficam ali do lado de Barcarena, Abaetetuba, e você ainda navega por um outro circuito que é o circuito da Cabanagem, por que a Cabanagem realmente, o Movimento Cabano, as forças revolucionárias se organizaram e ficaram instalados exatamente nesses pontos, nesses municípios estratégicos. (Gestor 3, informação verbal).

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Tudo é uma questão política, a estrutura da máquina administrativa e a falta

de interesse dos políticos e dos gestores, incluindo a incompetência técnica e de

gestão de algumas instituições envolvidas, impedem as ações de se realizarem,

como se denota a seguir na visão diferenciada dos gestores:

Não, não temos nenhuma informação técnica, nenhum conhecimento a esse respeito, por isso não podemos fazer. Acho que é o IPHAN que pode fazer isso [...] A gente, enquanto gestor, a gente tem sim, tem consciência que esta é uma área de preservação e conservação ambiental, cultural e patrimonial. Só que a gente não tem essa competência. Porque nós somos uma empresa de pesquisa agropecuária. Então, quando pessoas vão lá, na verdade, não é uma explicação técnica sobre a questão da preservação do patrimônio histórico. O que fala é: “Olha, isso aqui é o Engenho do Murutucu, e tal”. É aquela coisa de livro. Não é como uma pessoa que tenha uma abordagem técnica diferenciada, que seja da área. Então, quem é que vai? Geralmente, o pessoal que coordena esse projeto que é o projeto de visitação aqui da unidade: pessoal de área da comunicação, pessoal da área de negócio tecnológico, que vai lá. Nossa abordagem não tem assim um conhecimento sobre essa questão (Diretor Administrativo da EMBRAPA, informação verbal). É uma proposta de intervenção, de pesquisa acompanhada de ação educativa, envolvendo a Universidade, o próprio Goeldi, tentando mobilizar a sociedade pra questão e não só a sociedade, como as instituições que tem algum interesse na área. Porque todo mundo tem interesse, mas o que todo mundo não quer ou não pode é assumir a manutenção dessa estrutura: botar segurança, botar gente lá, aí chega aí não pode [...] Então eu acho que isso é recurso público, é sério. Como tem o ajuste de conduta que foi costurado junto ao Ministério Público, ano passado ele reuniu todo mundo, chamou a EMBRAPA, que com essas mudanças de gestão já tinha perdido, não tinha idéia da coisa, não sabia como aquilo tinha ido parar lá, mas eu mostrei aqui nos nossos arquivos quando a gente concluiu a obra entregou pra eles e passamos pra mão deles e o procurador pediu a eles que retomassem a questão da segurança, fizessem a manutenção. Eles fizeram uma limpeza lá. O Estado, já chamamos a SEMMA porque é uma área de reserva, tem interesse, e a Secretaria de Cultura tem interesse com as entidades que eles apresentam e construíram uma proposta. E até um senador se interessou, apresentou uma emenda que a principio seria responsabilidade pela SECULT, depois veio prá cá, só que a SECULT tinha construído (a proposta) de reconstruir aquelas estruturas e eu falei “Eu não vou fazer isso. O IPHAN não vai investir em recursos lá enquanto não houver uma solução pra gestão, que é quem ta jogando recurso público fora. [...] Tinha vários interessados, no final ninguém assumiu esse quadro... Nem a própria EMBRAPA. Daí eu peguei essa emenda parlamentar e tentei conduzir, porque a minha proposta é que a gente desenvolva

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atividade mais a título de mobilização, chamar a atenção da população (Diretora do IPHAN, informação verbal).

É considerado na fala dos gestores que a prefeitura também precisa ser

parceira nessa proposta de ação de preservação do patrimônio histórico e cultural

de Belém, como se denota na fala do diretor administrativo da EMBRAPA: “A

prefeitura também não tem interesse. Também não tem, assim, interesse... Então,

tem um conjunto de questões aí que, às vezes, impede. E ao mesmo tempo tem

essa questão... É um “jogo de empurra e tudo fica no papel, na intenção”

(informação verbal).

Percebe-se através dos discursos que nem o governo estadual nem o

municipal estão interessados em gerenciar qualquer proposta de preservação desse

monumento patrimonial. O planejamento proposto pela SECULT para o período de

2007 a 2010 foi perfeito em suas propostas, mas a ação não frutificou, pois

chegando ao final do governo nada de concreto foi feito em relação ao Engenho do

Murutucu, que continua ali em ruínas e assombrando os moradores do entorno.

“Ninguém parece estar interessado em preservar o Murutucu”, confirma o diretor da

EMBRAPA.

As entrevistas com as instituições permitiram que outras questões

entremeassem as discussões, algumas delas foram unanimes nas falas dos

entrevistados, tais como a segurança, que foi muito citada por eles como elemento

fundamental na preservação.

A dificuldade e a falta de vigilância têm provocado ações predatórias e

prejuízos ao sítio do Engenho do Murutucu. A mídia tem denunciado essas ações,

mas o governo parece não estar sensibilizado com a questão, como enfatizam os

gestores:

[...] É, já aconteceu aquele caso do motorista que entrou e derrubou a casa grande... Na verdade, não é do motorista, foi a empresa... pelo que eu soube, isso já faz tempo ... é que estavam asfaltando, não sei se você está recordando, estavam asfaltando a estrada... Estavam asfaltando a estrada da CEASA, aí viram uma casa lá com pedras e tudo mais, aí viram, a empresa contratada que tava fazendo falou: “Ah, olha só tem aquelas pedras e tal”... Foram lá, derrubaram a casa todinha pra utilizar as pedras. Aí, o que que eles fizeram? Como recompensa a essa destruição, fizeram aquela casa lá. Então a gente tem uma dificuldade, aí sim, a gente tem uma dificuldade muito grande (Diretor Administrativo da EMBRAPA, informação verbal).

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O fato citado aconteceu por não haver nenhum tipo de segurança no local que

pudesse impedir ações como essa que se caracterizam como um crime contra o

patrimônio público. Em relação à falta de segurança no local, outro gestor fala:

Olha, pra segurança pública, ele sendo um equipamento cultural e um equipamento turístico, que vai atender o turista, ele necessariamente tem que ser incluído no programa de segurança ao turista que a PM, a Policia Militar tem, que é o SIPTUR, que é um comando, é um posto que tem da Policia Militar, que é só pra atender o turista, dá segurança, oferecer segurança ao turista mesmo. Então tranquilamente a área de segurança pode entrar com um posto da SIPTUR e a própria população que fica ali também buscar essa forma de segurança pra gente poder oferecer ao visitante... segurança. Inclusive, ali no Murutucu, como é uma área aberta, o povo entra muito ali pra caçar, pra pescar, pra retirar a vegetação (flores, por exemplo, pra decoração, fazer arranjo, ornamento), então essa área realmente precisa de uma fiscalização ali [...] Sendo uma área de preservação, deveria já existir (Diretora da SECULT, informação verbal).

Observa-se nessas falas que acontecem ações de depredação e de extração

de produtos naturais existentes na área, além de outra ação mais grave que diz

respeito à criminalidade e violência, o que muito assusta e preocupa a população do

entorno. As intenções da gestão de preservação do Murutucu com as comunidades do

entorno praticamente não existem, visto que não são realizadas atividades

socioeducativas para informar, educar e sensibilizar as pessoas para uma postura

consciente no sentido de colaborar com a preservação do Engenho do Murutucu.

Trabalhar uma parceria com a comunidade seria um passo importante porque

haveria troca, o que viria a favorecer uma relação mais duradoura, pois a população

se tornaria parte do processo de preservação e vigilância. Além disso, a participação

de um processo educativo seria um investimento na vida da comunidade, ação que

viria favorecer a autoestima, a formação do cidadão e, com isso, solidificaria uma

parceria que garantiria a preservação do Engenho e do sítio arqueológico como um

todo, visto que os agentes sociais com esse investimento assumiriam

responsabilidades porque também estariam sendo beneficiados. O diretor da

EMBRAPA argumenta a favor da instituição:

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Uma relação com a comunidade que convive ali naquele entorno, bom, a gente não vê porque a gente nunca teve um trabalho lá nesse sentido justamente pelas dificuldades... Eu acho que isso pode ser potencializado ali nesse movimento, mas é preciso ter alguém lá pra desenvolver ações com continuidade, a gente de vez em quando ir lá e fazer alguma coisa é diferente de você fazer realmente, abrir visitação, fazer programa com as escolas, com as comunidades vizinhas, porque ali nas imediações já tem uma boa população. Eu acredito que seria um trabalho bem interessante. Mas aí tem que fazer toda uma estrutura pra ser posta em prática. Então, assim, como a gente não quer investir na estrutura nesse momento, porque não tem ninguém pra tomar conta disso na prática e de fato (de direito até tem, mas na prática não ta acontecendo), fica difícil... (informação verbal).

Bourdieu (2003), ao se referir as trocas, sobre essa relação entre as pessoas,

no caso aqui entre a população do entorno do Murutucu e as instituições do

governo, diz que isto viria estabelecer uma relação de confiança, em que as pessoas

esperam o alcance de algum benefício. Isso seria importante desde que os gestores

refletissem a respeito das iniciativas de ações sociais sustentáveis para essa

comunidade, estabelecendo, assim, uma parceria satisfatória e benéfica a todos,

especialmente para o Engenho do Murutucu que ganharia a atenção da população.

Em relação à existência de uma ação socioeducativa promovida pela

EMBRAPA ou outro projeto de assistência social para os moradores do entorno e

para os ribeirinhos, a maioria dos gestores afirmou que não existe atividades nesse

sentido, somente a EMBRAPA manifestou ação através de ações educativas. No

entanto, o que se observa são atividades para outro público e não para os

moradores do entorno, como se observa nas falas a seguir:

É, existe. A gente tem um programa aqui, o programa que é “EMBRAPA-Escola”...Esse EMBRAPA-Escola é um período que tem que, uma vez ao ano, uma semana que as escolas públicas e privadas, a gente recebe esses alunos da escola aqui, e a gente faz uma visita em todos os nossos laboratórios, em alguns pontos experimentais, e também leva lá nas ruínas, lá no Engenho do Murutucu. Uma outra coisa que a gente faz também são visitas dos nossos funcionários. Porque aqui é muito grande, nossa área é uma área enorme, então boa parte dos nossos funcionários, por exemplo, não sabe, não conhece as ruínas, ouve e tal, mas não conhece. Então o que é que a gente faz? Quando eles chegam aqui, a gente tem um programa, um projeto que é “Socialização dos novos empregados”, então, nessa socialização a gente faz também visita. Leva esses novos empregados pra lá, pra ruína, pra conhecer... (Diretor Administrativo da EMBRAPA, informação verbal).

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Segundo informações do diretor científico da EMBRAPA existem alguns

projetos que envolvem outras comunidades, tais como “distribuição de mudas de

plantas” e “tratamento do lixo”, mas são ações que não envolve as pessoas da

comunidade para a preservação patrimonial, como afirma:

[...] eu acho que não há a questão de pessoa física. A EMBRAPA não pode lidar com a pessoa física, mas ela tem de tá organizada. Então, por exemplo, a EMBRAPA tem um trabalho no contexto da gestão ambiental com a comunidade de entorno pra tratamento de lixo que é gerado aqui. Um trabalho que vem sendo feito é a questão do papel: toda renda que é conseguida ... É feito um trabalho aqui de segregação do lixo, esse papel é doado pra essas instituições e depois esse recurso é em prol da comunidade. Nesse contexto também existem trabalhos ligados a hortas urbanas que é feito em áreas da Grande Belém. [...].(informação verbal).

Em relação aos ribeirinhos, os diretores da própria EMBRAPA reconhecem

que não há para eles projetos específicos:

Não existe. Não, não existe nenhuma proposta de ação socioeducativa para o cidadão do entorno. Existem questões aderentes com a questão de gestão ambiental, não especificamente com a questão do patrimônio histórico. A questão de gestão ambiental é atribuição da empresa, é um dos fins da empresa, inclusive já existem iniciativas pontuais, inclusive com questões do entorno, a gente tem parcerias com outros órgãos, inclusive porque tem uma particularidade: essa propriedade está inserida em duas unidades de conservação ambiental, que é a APA Belém, que inscreve toda a propriedade da EMBRAPA, e o Parque Estadual do Utinga, que pega parte da área da EMBRAPA. Então, a gente tem discutido com a SEMA as questões ambientais (Diretor Científico da EMBRAPA, informação verbal). Não, a gente não assim uma relação com essas comunidades, não há por parte da EMBRAPA nenhum projeto de assistência social para cuidar dessas pessoas que moram às nossas proximidades. Na verdade, eles não são assistidos de nada, na verdade eles são invasores dessa área da EMBRAPA. Eles surgiram no momento em que tinha aquela infra-estrutura ali, foram chegando, se acomodando, então tem registros, acho que na década de 80 já estavam, parte daqueles trabalhadores que já estavam lá. Não existe também nenhuma relação com a população de ribeirinhos. Acredito que não existe (Diretor Administrativo da EMBRAPA, informação verbal).

Como se pode observar, as poucas ações socioeducativas realizadas pela

instituição não se destinam às comunidades, mas aos pesquisadores, universitários,

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escolas e outras instituições afins. Com isso, conclui-se que não existe um trabalho

de informação e sensibilização para a preservação do Engenho junto à comunidade

do entorno, portanto não existe uma relação com essa população, ou seja, a

EMBRAPA, talvez pela sua “missão” exclusivamente agropecuária, não percebe

essa comunidade com a necessidade de ações sociais e educativas e, muito menos,

como parceira em potencial para a preservação, e a vigilância do Engenho e da área

como um todo.

Sendo poucas atividades (visitas e passeios) que realiza, a EMBRAPA não

tem nenhum material de divulgação do Engenho do Murutucu que sirva, também,

para a orientação das visitas, especialmente os estudantes das escolas,

universitários e o púbico em geral, como explica seu diretor administrativo:

Mas um material de divulgação e orientação, não, nós não temos [...] tem esse livro que é um livro que é especificamente sobre o Engenho do Murutucu, que foi publicado pela EMBRAPA. É uma publicação da EMBRAPA ... Mas um material de divulgação e orientação, não, nós não temos. Tem esse evento que a gente faz uma vez por ano, pra comunidade externa, e a interna assim, e pros novos empregados... (informação verbal).

Continuando, ele diz:

A EMBRAPA não possui pessoal preparado para servir de guia, não possui. Não possui pessoas específicas e preparadas para apresentar o lugar aos visitantes durante um passeio, expondo-o como área de preservação ambiental. Não... Como a gente não tem pessoas preparadas, a nossa atividade é uma atividade que é totalmente diferente da questão de preservação... O que é até contraditório... Porque foi tombado e tá na área da EMBRAPA, Então... por tá na área da EMBRAPA, a gente tem que cuidar...! (informação verbal).

A EMBRAPA com o discurso de cuidar exclusivamente da sua “missão”, que

é a pesquisa em agropecuária, diz-se não ter competência com outras atividades,

tais como as sociais, educativas, de turismo, entre outras. De fato, sem pessoal

qualificado para tratar das questões ambientais e patrimoniais a EMBRAPA não tem

competência para efetivar um programa para essa questão, mas poderia estabelecer

parcerias como as que ela desenvolve como projetos em outros locais, por exemplo,

junto com a Fundação Escola Bosque/SEMEC que fica na Ilha de Caratateua em

Outeiro, distrito de Belém.

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Nesse sentido, seu diretor administrativo diz não tem um controle de fluxo de

interesse turístico ou até mesmo de pesquisa sobre essa temática, não possui um

programa de avaliação dessa busca de interesse ou de clientela, como explica:

Não, não tem. A gente não tem nada assim a respeito de turismo e de pesquisa sobre patrimônio e preservação [...]. Não, não tem nada de programa de avaliação sobre a clientela. Nós não temos isso, não. Nessa parte [...] Aí, por conta disso, o IPHAN, ele provoca muito, que é o guardião, é do mandato deles por isso, essa questão da preservação, ele provoca o Ministério Público, por sua vez o Ministério Público nos aciona pra ver quais são as medidas que a gente tem tomado sobre a preservação desse patrimônio. Então a gente, todo momento, tá respondendo, tem de responder ao Ministério Público a esse respeito, exatamente pela dificuldade. Do ponto de vista de gestão, enquanto gestor, talvez eu que faço alguns movimentos por conta de ser sensível à questão da preservação e conservação do patrimônio histórico material e imaterial. Por que lá é material, mas tem o imaterial por conta de ter a história. Toda uma história... Até o Landi morou aí... Tem que ser preservado, né?, porque tem toda uma história, o patrimônio imaterial. Mas aí não tem um projeto ou uma programação pra dar um uso mais efetivo desse patrimônio. Essa que é a grande dificuldade [...] (informação verbal).

Percebe-se que há um nível de consciência da EMBRAPA a respeito da

importância do Engenho, mas faltam projetos e estrutura para o desenvolvimento

das ações, mas acima de tudo falta vontade política. Segundo as informações

recebidas na EMBRAPA, a falta de projetos de ação socioeducativa na área de

preservação ambiental, cultural e patrimonial e demais necessidades é por não ter

pessoas preparadas:

Por não ter pessoas qualificadas pra isso, e por não ter, sobretudo, recursos [...] vou reafirmar novamente, é que, por ser uma empresa pública dependente de recursos federais e que os recursos vêm muito mais pra pesquisa. É difícil a gente tirar recursos da pesquisa agropecuária, que é a finalidade da empresa, a gente tá aí cumprindo a nossa missão que é fazer a preservação, fazer a pesquisa agropecuária e tirar pra isso. Já é pouco, já tem uma limitação muito grande pra você deslocar. Uma das formas seria exatamente isso [...] captar recursos externos [...].(informação verbal).

Como se percebe na fala dos gestores envolvidos na pesquisa, o que falta, na

verdade, é vontade de fazer, falta de compromisso de todos e de políticas públicas

mais substanciais para estruturar, dar direção às propostas elaboradas e

implementá-las.

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4.2.2 A Fala dos atores sociais

Esta parte da pesquisa foi constituída pela entrevista com 11 (onze) sujeitos

que convivem na área da EMBRAPA, sendo 02 (dois) funcionários dessa instituição

com formação superior e 01 (um) funcionário com formação básica, 02 (dois)

feirantes e 01 (um) funcionário da CEASA, 03 (três) donas de casa moradoras em

um dos bairros do entorno, 01 (um) autônomo (serigrafista) e 01 (um) ribeirinho

(quase todos com a escolaridade de apenas até a 4ª série do ensino fundamental ou

antigo primeiro grau e um analfabeto). Esses atores sociais, com faixa etária entre

36 a 70 anos, são todos residentes da área há bastante tempo e conhecedores da

situação de risco da população. Porém, não entendem a importância do Engenho do

Murutucu para a história e a cultura, por isso, ignoram a sua condição de

preservação. Este sítio histórico é denominado por eles como “Fazenda Velha”, ou

seja, aquela fazenda que pertenceu ao arquiteto Landi, na qual existia um trabalho

realizado por escravos (índios e negros). Os moradores da área têm receio do lugar,

devido aos mitos e simbolismos que o Engenho representa no imaginário das

pessoas do entorno, o que faz com que eles não se aproximem deste local. Nesse

sentido, eis o que apresentam a respeito deste monumento patrimonial:

Quanto ao conhecimento a respeito da História do Antigo Engenho ouvimos

os seguintes relatos: “Soube que extraviaram muitas peças históricas do lugar, da

casa do engenho, da capela que está em ruínas. Não sei a quem pertenceu este

engenho [...] Atualmente pertence ao governo do Estado”. (Ribeirinho 1, informação

verbal), ou: “O Engenho do Murutucu está todo em ruínas por falta de quem cuide

dele, ou a EMBRAPA ou o governo. Pelo que sei pertenceu ao arquiteto Landi, hoje

é patrimônio do governo do estado que deve cuidar dele para que seja preservado”.

(Feirante 2, informação verbal).

Observa-se a existência da consciência de preservação dos monumentos

históricos de patrimônio histórico cultural, embora não exista o investimento na

educação da população da comunidade do entorno, fator que contribuiria para a

transformação do capital social. Dando prosseguimento nessa discussão sobre a

história do antigo engenho, têm-se as seguintes falas:

100

O engenho é do tempo da escravidão, o dono morreu, os negros deram uma surra no padre do engenho. Não sei quem era o dono, agora o Engenho é da EMBRAPA (Feirante 3, informação verbal). E: O povo fala que lá morava uma família de negros e que também lá no engenho tem uma forca, e um poço e eles jogavam os negros lá, é um lugar mal assombrado! Ninguém sabe quem era o dono antigamente, agora é da EMBRAPA. (Ribeirinho 4, informação verbal).

Como não houve investimento na educação ambiental e patrimonial, as

pessoas não têm idéia da importância das ruínas enquanto patrimônio histórico

cultural. Observa-se, no entanto, a formação de um mito do sofrimento dos

escravos, da assombração das almas, do cemitério existente no sítio, entre outros

elementos encontrados por eles, ou que eles imaginam.

Esse é um lugar que dá medo, os escravos era enforcado quando não queria trabalhar, quando queria fugir. Soube também que outras pessoa também era enforcado. Não sei o nome do antigo dono, agora o dono é a CEASA. Hoje a gente tem também mais medo por causa da bandidagem [...], matam muita gente, aparece só o corpo lá, é muita violência. (Feirante 5, informação verbal). Ah! Nesse lugar tem muita visage que mete medo no povo. Acho que é alma do outro mundo [...] dos escravos. Não sei não, quem era o primeiro dono, só sei que agora é da EMBRAPA. (Feirante 6, informação verbal). Sei que era um lugar que tinha escravos, que tinha tronco pra acorrentar negros, escravos, tinha cova, tem uma igreja velha que começaram a construir de novo e pararam, derrubaram a casa grande no tempo da construção da estrada. Hoje tem muita violência que mete medo na população que mora aqui. Não sei quem era o dono no tempo dos negros e também não sei de quem é agora [...] (Feirante 7, informação verbal). O engenho velho tem uma capela que já caiu quase toda, só resta a frente. Tinha uma casa grande que o dono era dono de escravos, os escravos eram enforcados, por isso aparece almas, espíritos, o lugar é assombrado, aparece muita visagem lá. Hoje quem mete mais medo na gente é a violência, falta segurança, aparece muita gente morta lá na capela velha. Não sei quem era o primeiro dono, agora acho que é do governo ou da EMBRAPA. (Ribeirinho 8, informação verbal).

Não sei da história desse engenho, só sei que todo mundo daqui diz que é um lugar mal assombrado, que aparece alma de escravo e a gente tem medo de lá. Mas tem também muita violência e, o que é pior, matam muitas pessoas, acontece isso sempre, só aparece o

101

corpo. Não sei quem foi o antigo dono, acho que hoje é da EMBRAPA. (Feirante 9, informação verbal). Lá diz que aparece alma de negro, de índio, de todos que eram escravo, tem muito espírito que aparece lá, agente tem muito medo, por isso não vamos lá [...] é um lugar maldito, tem alma do outro mundo, tem um cemitério de escravos africanos... Não sei dos donos. Hoje deve ser do governo. (Ribeirinho 9, informação verbal). Eu não tenho assim muito conhecimento sobre esse assunto, trabalho na CEASA. Foi no tempo dos escravos que esse engenho foi feito. Inclusive, em virtude que acabou a cana de açúcar, e tudinho. Aí, os escravos foram libertados. Só isso que eu sei. Não sei nem o nome do proprietário. Só que o que fazia aí era sobre cana de açúcar e os traços de açúcar. Tinha a matéria prima, eles pegavam e tiravam o açúcar. É interessante porque é de antepassado. Queria mesmo conhecer profundamente a história. A gente não tem esse material. Seria interessante, por parte da CEASA que tivesse esse material, porque trabalho na portaria. Vem muitos turistas ver o Engenho e fazem muitas perguntas. Não estamos preparados, não sei como falar. Eles sempre perguntam o que era feito, como foi feito e como eles trabalhavam. Eles cuidam da entrada, para as pessoas não destruírem o patrimônio. Inclusive, a comunidade lá no porto deve saber a história. Procura os antigos. Interessante também se tivesse panfleto, e desenvolvesse algum trabalho aqui; uma parceria Embrapa e CEASA. (Funcionário da CEASA, informação verbal).

Com é percebível na fala dos atores sociais, todos desconhecem a história do

engenho, permanecendo apenas as crenças, pois a falta de conhecimento dificulta a

visão real da história que o Engenho do Murutucu representa no contexto do

patrimônio histórico e cultural do Pará. A falta de informação a respeito deste

engenho faz com que os moradores locais não percebam a importância deste

monumento, pois segundo eles nunca receberam qualquer informação sobre o

Murutucu, só conhecem o que presenciam e vivenciam no cotidiano.

A grande maioria não tem sequer idéia do que seja patrimônio cultural, sendo

que apenas três deram um conceito bastante limitado, o que confirma a falta de

conhecimento e necessidade de educação para o povo. “Patrimônio cultural é uma

coisa de valor para estudo e pra história”. (Ribeirinho 1, informação verbal). “São

coisas importantes para a cultura do lugar, para a história, como prédios antigos,

lugares históricos que precisam ser conservados pelo governo”. (Feirante 2,

informação verbal). “São coisas antigas que é de todos nós e precisam ser

preservadas”. (Ribeirinho 8, informação verbal). “Não, não sei não [...] é na verdade

102

eu até sei, mas não sei explicar [...] é assim, tem haver com as coisas de

antigamente”. (Ribeirinho 8, informação verbal).

Sem informação, os moradores do entorno continuam acreditando nos antigos

valores, crendices, histórias antigas, além das vivências em um ambiente

urbano/rural com grande índice de violência, o que aliado à falta de conhecimento os

impede de contribuir para a preservação do patrimônio cultural, no caso, o do

Engenho do Murutucu.

A grande maioria não soube informar a respeito da importância da área da

EMBRAPA que abriga o Engenho do Murutucu, no entanto eles demonstram noção

de que existe alguma importância e que cabe ao governo preservar, como se

observa nas falas a seguir: “Esta área da EMBRAPA e do Murutucu é muito

importante para a nossa história, para a nossa cidade, pela própria história do

Engenho e pelo verde”. (Feirante 1, informação verbal). “É importante porque faz

parte da história da cidade, cabe ao governo preservar”. (Feirante 2, informação

verbal). “É muito importante porque tem muitas histórias para a comunidade saber. A

EMBRAPA é a dona da área então deve preservar e proteger”. (Ribeirinho 5,

informação verbal). “É importante para contar um pouco da nossa história. É área da

EMBRAPA, o governo precisa preservar”. (Ribeirinho 9, informação verbal). “Precisa

ser preservado as coisas dos tempos antigos que existem no local”. (Ribeirinho 8,

informação verbal). “Construção de uma igreja, de escola e outras coisas assim que

não tem no local”. (Feirante 3, informação verbal). “Que construísse uma escola que

falta aqui neste local”. (Ribeirinho 3, informação verbal). “Que valorizassem os

prédios antigos”. (Feirante 5, informação verbal). “Que restaurasse o Engenho para

sabermos como era antigamente”. (Ribeirinho 8, informação verbal).

Apenas quatro respostas demonstraram a forma como os moradores do

entorno podem participar para ajudar a preservar e conservar o engenho e o local,

como se observa a seguir: “Contribuindo para que não seja depredado o resto, né".

(Feirante 1, informação verbal). “Preservar as plantações que existem no engenho

(castanha, cacau, mamão, ingá, cupuaçu, jaqueira, pé de açaí e outras)”. (Ribeirinho

8, informação verbal). “Preservando as árvores frutíferas a mata”. (Feirante 3,

informação verbal). “Se me pagassem eu ia lá, cuidar lá daquele lugar capinava lá,

ia ficar sempre bonito, eu até podia morar lá, por que tá se estragando”. (Ribeirinho

8, informação verbal).

103

No entanto, a maioria dos entrevistados afirmou que precisa ajudar a

preservar, sem especificar como seria a sua participação, isso significou que durante

a entrevista eles passaram a perceber a importância desse patrimônio e isso

demonstrou um grande avanço na percepção do Engenho do Murutucu por eles.

Considera-se, assim, que a informação a respeito do Engenho e do

patrimônio cultural, como um todo, junto aos moradores do entorno ajudaria a

conservar o local, visto que eles seriam uma parceria imprescindível, principalmente

se houvesse uma relação das instituições responsáveis pelo patrimônio com eles

através de programas de formação, educação e conscientização, o que propiciaria a

sensibilização de todos em preservar este monumento e a área ambiental,

possibilitando uma possível proteção em relação à ação dos vândalos e da violência

urbana.

4.3 A CONTRADIÇÃO DOS DISCURSOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Muito tem sido discutido sobre a necessidade da preservação do local onde

estão localizadas as ruínas do Murutucu. Inevitavelmente, na diretriz de sua

preservação e conservação devem ser consideradas a forma como o monumento foi

deixado pela ação do tempo e pela ação depredatória humana.

A implementação de um programa de preservação de Engenhos, como

sinalizou a gestora 3, por meio de uma ação educativa junto à comunidade do

entorno deste monumento de Belém, com proposta de oficinas profissionalizantes

para essa nova geração que surge na comunidade. Isto possibilitará a percepção da

comunidade no entorno do engenho, de modo a incluir não somente aqueles atores

sociais que residem ou trabalham no entorno, mas todos aqueles que constroem a

dinâmica histórica dos vários períodos que constituem o tempo histórico do Engenho

do Murutucu, principalmente o local onde todas as relações sociais aconteceram em

vários níveis. Os agentes sociais precisam estar conscientes da importância da

preservação desse patrimônio histórico cultural para tornarem-se parte desse

processo, daí a necessidade de uma ação socioeducativa para a informação e

educação de todos para garantir a preservação desse bem público. A comunidade

local precisa ter esse entendimento para colaborar na preservação do patrimônio.

Com relação aos procedimentos que desencadeiem ações de educação

ambiental, prevê-se, inicialmente, a necessidade de realização de uma avaliação

104

sobre o panorama sócio-ambiental mais complexa, correspondente ao objeto da

proposta. Neste caso, foi importante compreender por quais motivos os moradores

do lugar ainda não reconhecem a história do Engenho do Murutucu ou sua condição

como referência de patrimônio no contexto cultural da cidade de Belém.

Compreensão esta que permitiu perceber que entre os motivos de não

reconhecerem a história deste monumento está, como principal, a ausência de

ações que estimulem esses moradores a uma conduta preservacionista. Isto é

demonstrado nos depoimentos sobre a história do lugar, feitos por pessoas que

moram ou trabalham na comunidade, evidenciando esse desconhecimento,

conforme demonstrado no subitem 4.2.2 – A fala dos atores sociais.

O que se considerou relevante nos depoimentos da população do entorno não

é seu desconhecimento a respeito da história do engenho, mas sua preocupação

com a preservação do lugar e a clara noção, para eles, de que o Engenho é, de fato,

um patrimônio cultural de relevante valor histórico. De certo modo, parece evidente

que aquele sítio já pareça representar no ideário da população local uma referência

de sua cultura. Ainda que desconheça a história oficial do local e a sua importância,

os depoentes apresentam uma história construída em seu imaginário, enriquecida

por mitos, ou seja, pela própria necessidade de conhecer e reconhecer o lugar à sua

maneira, já que a história oficial se faz ausente.

A relação entre educação e patrimônio cultural vem sendo debatida no

contexto das atuais propostas educacionais, seja nas esferas federal, estadual ou

municipal, pois elas se encontram garantidas, inclusive, por instrumentos legais

como a Constituição Federal, que destacam, nessa relação, a possibilidade de

diferencial acadêmico enquanto proposta educativa.

Quando se propõe uma reflexão sobre as práticas da chamada Educação

Patrimonial no Brasil, faz-se necessário refletir também sobre os rumos das políticas

públicas de proteção do patrimônio cultural em suas diversas instâncias. Com esse

objetivo, muito se tem avançado em relação ao reconhecimento sobre a importância

da associação entre preservação do patrimônio e educação. Muitas vezes, as várias

dimensões do poder público não percebem a importância de ações voltadas para a

preservação do patrimônio histórico arquitetônico e urbanístico, como meio de

resgatar a memória de uma sociedade em relação à sua cidade.

A dificuldade de se apreender as relações entre o elemento construído e a

sua inserção no ambiente urbano é uma conduta recorrente quando não se prevê

105

uma ação global que envolva posturas educativas nas questões da preservação do

patrimônio, isto porque se torna ineficaz, por parte dos sujeitos envolvidos nesse

processo, uma leitura integral do seu ambiente sócio-espacial. Sob essa

perspectiva, considera-se a cidade como expressão dos ideais humanos, sejam eles

de ordem política, histórica, econômica, ou mesmo formais ligados a aspectos

técnicos ou estéticos.

Portanto, deve-se atentar para o fato de que o meio urbano é um todo

integrado no espaço e no tempo, entender-se-á que a relação entre o homem e seu

contexto ambiental circunscrito à cidade diz respeito à maneira como ele se apropria

dos conceitos de sua cultura. Logo, a cidade está para o homem na medida em que

ela se expressa em forma de valores culturais, todos eles associados entre si.

No reconhecimento dos bens que constituem herança cultural para as futuras

gerações, é que se pode chegar mais perto daquilo que de fato seja representativo

de um determinado grupo social. No tocante ao patrimônio cultural circunscrito ao

meio urbano, se reconhece esses bens expressos nas edificações, nas construções

e sítios históricos, no desenho das ruas, no estilo das praças, na configuração da

própria cidade, concebida e apropriada como uma representação sem fronteiras.

Para reforçar tais noções, toma-se como analogia as palavras de Pascal,25 para

quem “a natureza é uma esfera infinita, cujo centro está em todo lugar e sua

circunferência em lugar nenhum”.

Ao se tomar a paisagem urbana de Belém como referência de uma

determinada natureza, pode-se, portanto, afirmar que todos os elementos que

contribuem para o conhecimento do arcabouço sócio, histórico e espacial da cidade

constituem manifestações culturais compreendidas como patrimônio e são todos

importantes veículos para a construção de uma relação de afinidade entre seus

habitantes e a cidade. Considera-se, mediante essas argumentações, que quanto

mais articulado com outros saberes e contextualizado com o meio ambiente, maior

será a probabilidade de se realizar um processo de construção do conhecimento,

cujos saberes mais fundamentados e integrados serão os significados construídos

nas práticas sociais. Está claro, desta forma, o direito a cultura, a educação e à

fruição do patrimônio histórico, neste caso do Engenho do Murutucu, como um bem

público essencial para o conhecimento de parte importante da história local, do

25 Blaise Pascal (1623-1662), escritor francês, filósofo e matemático.

106

urbanismo de Belém e da história atual que poderá seguir outros caminhos, compor

outras histórias com os atores sociais dessa comunidade do entorno.

107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se investigou algumas pessoas da comunidade, o que de mais

interessante se percebeu nos depoimentos realizados não é seu desconhecimento a

respeito da história do engenho, mas sua preocupação com a preservação do lugar,

assim como a percepção que eles têm de que o Engenho é, de fato, algo de

relevante valor histórico. Eles reconhecem a sua importância para a cidade e para o

estado, se estendendo além do nosso território brasileiro, mesmo que eles não

tenham o conhecimento oficial sobre patrimônio histórico cultural.

De certo modo, aquele sítio representa, no ideário da população local, uma

referência de sua cultura. Ainda que seja mínimo o conhecimento da história oficial

do local, o depoente apresenta uma história construída em seu imaginário,

enriquecida por outros mitos, ou seja, pela própria necessidade de conhecer e

reconhecer o lugar à sua maneira, já que a história oficial se faz ausente.

Considere-se esta uma questão configurada para reforçar a idéia sobre a

noção de Patrimônio Cultural e a Educação Patrimonial como meio de reforçar o

sentimento de identidade e de pertencimento entre o homem e seu meio. Assim,

está claro que uma ação educativa, isolada, não será capaz de criar esses vínculos,

mas a experiência e a vivência cotidiana que vai estimulando essa relação de

afinidade e tornando o homem um ser mais sensível em sua apreensão do mundo.

Em suma, o Patrimônio Cultural de uma nação é importante para a

sobrevivência da cultura, pois as pessoas se sentem responsáveis e necessárias

para a preservação de suas manifestações.

As ações educativas realizadas com objetos culturais exigem, assim, a

utilização de encaminhamentos metodológicos e de referenciais teóricos específicos

que permitam evidenciar para todos os sujeitos a relevância desses objetos como

significados da cultura.

Neste caso, os sítios e objetos arqueológicos, além da sua materialidade

concreta, possuem significados simbólicos que se acumularam ao longo de sua

existência e que envolvem os motivos pelos quais foram criados, sua função para as

sociedades que deles usufruíram e as formas como foram ou não preservados até o

presente.

No caso de ações voltadas para o Engenho Murutucu como referência no

processo educacional, é relevante se propor um trabalho interdisciplinar. Em

108

particular, é preciso tornar a aprendizagem significativa para que seu processo seja

internalizado, pois o que é simplesmente copiado ou transmitido mecanicamente,

não permanece como um sentido construído já que não faz parte da experiência.

De acordo com a investigação sobre as Ruínas do Murutucu, no decorrer de

várias gestões e das esferas federal, estadual e municipal sugere-se uma proposta

de gestão que priorize a Educação Patrimonial, partindo de uma abordagem que

considere os diversos problemas que envolvem o referido sítio, entre eles, sua

representativa destruição e sua proximidade com um núcleo urbano.

Essas questões levam a se apontar a importância em abordar o Engenho do

Murutucu enquanto patrimônio cultural, e destacar os aspectos legais, garantidos na

Constituição Federal e nas Cartas Patrimoniais, que o colocam nesse patamar de

patrimônio e orientam sobre a necessidade de sua preservação por meio, não só de

ações técnicas voltadas à sua revitalização e/ou restauração, mas, também,

mediante o desenvolvimento de um programa de Educação Patrimonial. Logo,

considera-se histórico aquele patrimônio que tem ou representa a memória de um

grupo, no caso do Engenho Murutucu, considerado o marco de uma época e, por

conseguinte, é referência importante na história e na memória da cidade de Belém.

Portanto, a relevância deste monumento como um marco histórico da cultura

local está atrelado, de forma efetiva, ao processo de desenvolvimento de Belém,

tanto em relação aos aspectos econômicos, como aos aspectos de estruturação do

espaço urbano e do seu acervo arquitetônico.

Assim, para que a participação da comunidade possa ser incentivada, haverá

necessidade de promoção de políticas públicas, o que possivelmente levará a

comunidade, através de um processo de educação e conscientização, a ter noção

de seus direitos e deveres junto aos órgãos públicos e, em especial, diante do

patrimônio cultural.

Nesse sentido, enfatiza a necessidade das instituições públicas responsáveis

pela preservação do patrimônio cultural de Belém assumirem o compromisso por

meio de parcerias com a finalidade de preservarem o Engenho do Murutucu,

envolvendo, também, as comunidade através de ações educativas para que

assumam conjuntamente a preservação deste monumento patrimonial e o

reconheçam como parte de nossa cultura e de nossa história.

109

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

MODELO DE ENTREVISTA PARA OS GESTORES DA ÁREA DO ENGENHO DO MURUTUCU (EMBRAPA)

Cidadania e Gestão de Preservação do Patrimônio Histórico Público Sócio Cultural: O caso do Engenho do Murutucu em Belém do Pará.

Data da entrevista: ___/___/2010 1. Quem é o responsável legal pelo Engenho do Murutucu? 2. Quem faz a manutenção do Engenho? 3. Como é feita a conservação e manutenção do Engenho? Há uma orientação técnica externa? 4. Existe material divulgando este atrativo histórico (folders, anúncios em guias ou mapas turísticos da região)? 5. Há sinalizações indicando (placas indicativas ou explicativas, mapas)? 7. Existe algum tipo de visitação guiada (ou trilha auto guiada) ao Engenho? 8. Já teve eventos ou programações envolvendo o sítio histórico? 9. É feito algum treinamento aos funcionários responsáveis pelo engenho? 10. Existe algum instrumento de controle de fluxo turístico neste Engenho (número, características socioeconômica do visitante, interesses gerais)? Em relação ao sítio histórico especificamente? 11. Há instrumento de avaliação da visitação? 12. Qual a sua opinião sobre uma ação sóciocultural, no Engenho do Murutucu com escolares do ensino fundamental? 13. Esta atividade já existe? 14. Se não: é possível desenvolver alguma atividade junto as escola próximas do Sítio? *Essas questões só podem ser dirigidas aos gestores da Embrapa.

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APÊNDICE B

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A COMUNIDADE DO ENTORNO DO ENGENHO

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

URBANO

CIDADANIA E GESTÃO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PÚBLICO SÓCIO CULTURAL: O CASO DO ENGENHO DO MURUTUCU EM

BELÉM DO PARÁ

DATA DA ENTREVISTA:_____/_____/20____

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A COMUNIDADE DO ENTORNO DO ENGENHO

1)Você reside ou trabalha nesta localidade? 2)Há quanto tempo você reside neste local? 3)Você conhece a história deste local? ( ) Sim ( ) Não 4) O que você sabe sobre este antigo Engenho? 5) Sabe a quem pertenceu este antigo engenho? 6)Atualmente, a quem pertence este engenho? 7)Você já recebeu qualquer informação sobre a história deste local? 8)Você sabe o que é Patrimônio Histórico? 9)Qual a importância deste local para nossa História?

10) O que você gostaria que acontecesse com este local? 11)De que maneira você pode participar da preservação deste local?

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ANEXOS

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Portaria no07, de 01 de Dezembro de 1988 http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=319