dissertacao beethoven - UFRJ

82
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS INTERROGATIVAS NO AMPHITRVO DE PLAUTO Beethoven Barreto Alvarez Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mára Rodrigues Vieira Rio de Janeiro Fevereiro de 2008

Transcript of dissertacao beethoven - UFRJ

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS INTERROGATIVAS NO AMPHITRVO DE PLAUTO

Beethoven Barreto Alvarez

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mára Rodrigues Vieira

Rio de Janeiro Fevereiro de 2008

Alvarez, Beethoven Barreto.

Considerações sobre as interrogativas no Amphitruo de Plauto / Beethoven Barreto Alvarez. Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2008. vi, 81 f.; 29,7 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas) — Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, 2008. Orientadora: Mára Rodrigues Vieira Referências bibliográficas: f. 74-77. 1. Sintaxe latina. 2. Interrogativas. 3. Plauto. I. Vieira, Mára Rodrigues. II. UFRJ, FL, PPGLC. III. Título.

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS INTERROGATIVAS NO AMPHITRVO DE PLAUTO

Beethoven Barreto Alvarez Prof.ª Dr.ª Mára Rodrigues Vieira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. Aprovada por: ____________________________________________________ Presidente, Prof.ª Dr.ª Mára Rodrigues Vieira – PPGLC – UFRJ ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Alice da Silva Cunha – PPGLC – UFRJ ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mary Kimiko Guimarães Murashima – UERJ ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vanda Santos Falseth – PPGLC – UFRJ, suplente ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Silveira Cerqueira – UFF, suplente

Rio de Janeiro Fevereiro de 2008

RESUMO

ALVAREZ, Beethoven Barreto. Considerações sobre as interrogativas no Amphitruo de Plauto. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas). Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. O estudo da interrogação – direta e indireta – no texto latino arcaico, a comédia Amphitruo de Plauto. Pertencendo a uma linha de pesquisa sobre sintaxe latina, o estudo parte de um problema proposto básico: a existência, no emprego da interrogativa, de uma função estilística definida, como, por exemplo, servir de apoio à construção do elemento cômico no texto teatral de Plauto. Realização de ampla revisão bibliográfica sobre o tema, que se inicia pela leitura de Holtze e Kühner, passa pelas observações de Morris e chega a gramáticos da língua latina mais recentes. Identificação das interrogações no corpus, categorização das frases interrogativas elencadas e análise, em contexto mais amplo, de seu emprego e de sua sintaxe para as considerações estilístico-literárias.

ABSTRACT

ALVAREZ, Beethoven Barreto. Considerações sobre as interrogativas no Amphitruo de Plauto. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas). Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. The study of sentence question – direct and indirect – on archaic Latin text, the Plautus’ Amphitruo comedy. Belonging to a line of research on Latin syntax, the study comes from a basic proposed problem: the existence, in the usage of the interrogatives, of a defined stylistic function, as, for instance, to work like a support to the construction of comic element on the theatrical Plautus’ text. Achievement of a wide bibliographical review on the theme, which starts from the read of Holtze and Kühner, comes through the remarks of Morris and arrives to newest Latin language grammarians. Identification of the interrogatives in the corpus, distinction of the listed interrogative sentences and analysis, in wider context, of her usage and syntax for the stylistic and literary considerations.

[AM.] nam me quam illam quaestionem inquisitam hodie amittere

mortuom satiust. [...] vv. 1017-8

[ANF.] É preferível que eu morra a deixar hoje esta questão não examinada. [...]

LISTA DE ABREVIATURAS Comédia:

Amph. Amphitruo Periódicos:

AJP American Journal of Philology CP Classical Philology G&R Greece and Rome Lat Latomus HSCP Harvard Studies in Classical Philology TAPA Transactions of the American Philological Association Manuscritos:

A Palimpsesto Ambrosiano (séc. IV-V) B Palatino Vaticano (séc. X-XI) C Palatino Heidelbergense (séc. X-XI) D Vaticano (séc. X-XI) E Ambrosiano (séc. VII)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................8 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO DO TEATRO PLAUTINO..................................10 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE AS INTERROGATIVAS ......................................15

3.1 Holtze e Kühner: precursores do estudo moderno da sintaxe das interrogativas ...........15 3.2 Morris: crítica à metodologia .........................................................................................24 3.3 Ernout, Bassols e Ernesto Faria: novos estudos .............................................................26

4 ESTUDO DAS INTERROGATIVAS: CONSIDERAÇÕES SINTÁTICAS E ESTILÍSTICAS ........................................................................................................................29

4.1 Prólogo ...........................................................................................................................31 4.2 Ato I................................................................................................................................39 4.3 Ato II ..............................................................................................................................62 4.4 Ato III .............................................................................................................................67 4.5 Ato IV.............................................................................................................................69 4.6 Ato V ..............................................................................................................................71

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................72 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................74 Apêndice A – Proposta de leitura sob o ponto de vista das interrogativas...............................78

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo o estudo da interrogação – direta e indireta – no texto

latino arcaico, a comédia Amphitruo de Plauto.

Pertencendo a uma linha de pesquisa sobre sintaxe latina, o estudo parte de um

problema proposto básico: haveria no emprego da interrogativa ou, mais especificamente, na

sintaxe da interrogativa uma função estilística definida, como servir de apoio à construção do

elemento cômico no texto teatral de Plauto?

A escolha da peça Amphitruo nos pareceu acertada tendo em vista que, em

aproximadamente um terço dos versos que a compõem, identificamos estruturas

interrogativas. Ademais, o Amphitruo seria uma das últimas peças de Plauto; obra da

maturidade, estaria livre de diversos exageros ou erros de adaptação, como sugerem alguns

autores.

Assim, a partir de uma atenta leitura de toda a peça, faremos inicialmente a

identificação das interrogações no corpus definido e, a seguir, procederemos à categorização

das frases interrogativas elencadas e à análise de seu emprego e de sua sintaxe.

Utilizaremos o texto da edição das Comoediae de Lindsay – sem as notações de

métrica –, datado de 1904, e, à exemplificação em latim, com a devida anotação numérica dos

versos, seguirá nossa tradução em português, literal, sempre que possível.

Entretanto, para realizarmos a análise referida, desenvolveremos antes uma ampla

revisão bibliográfica sobre o tema, que se inicia pela leitura de Holtze e Kühner, os quais, na

Alemanha, em meados do século XIX, junto com o surgimento da lingüística e da filologia

modernas, são os primeiros gramáticos modernos a sistematizarem um estudo sobre a sintaxe

das frases interrogativas no texto latino arcaico de Plauto e Terêncio.

9

Em seguida, teceremos comentários sobre o excelente trabalho que E. P. Morris,

professor de latim da Universidade de Yale, publicou no The American Journal of Philology,

entre 1889 e 1890, intitulado On the Sentence-Question in Plautus and Terence.

Chegaremos, então, a Ernout e Thomas, Woodcock, Bassols de Climent e Ernesto

Faria, gramáticos da língua latina que editaram suas sintaxes e gramáticas já em meados do

século XX.

Além do estudo de ordem lingüística, realizado a partir das sintaxes de diversos

autores e dos comentários de Morris, procederemos, enfim, ao exame das diversas ocorrências

das interrogações, em contexto mais amplo, para as considerações de ordem literária e

estilística.

Essa abordagem estilístico-literária realizada terá como intuito responder a questões

(ou antes, propô-las), como: “por que as interrogativas?”, “por que a pergunta e não o

comando?”, “por que a questão e não a declaração?”, “por que a dúvida e não a certeza?”.

Sobre a resposta a essas questões (ou em suas simples proposições) reside o foco de discussão

deste trabalho – sempre mantendo o texto como objeto de estudo.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO DO TEATRO PLAUTINO

Nunca poderemos perder de vista que este trabalho tem como “matéria-prima” o texto

do teatro, que apresenta uma série de características distintas e relevantes. Características

essas que diferenciam esse texto de um outro qualquer e que nos proporcionarão uma reflexão

mais ampla, que manteremos, sempre que possível, como “pano de fundo” de nossa análise

textual.

O texto de que estamos tratando é o do teatro de Plauto (254 – 184 a.C.)1,

comediógrafo latino que subverte o conceito de teatro e cria uma comédia em Roma jamais

vista anteriormente, lançando as bases para toda a comédia ocidental posterior.

Assim, antes de adentrarmos o universo textual propriamente dito, precisamos fazer

certas considerações sobre o teatro em si e o sobre o teatro de Plauto.

Segundo Ortega y Gasset (1966, p. 45), teatro é a “metáfora visível”. Entretanto, uma

vez que o teatro em questão seja o teatro latino e a peça Amphitruo seja (ainda que

discutivelmente2) datada de 188 a.C., não teremos mais o elemento “espetacular”, não

teremos mais o “visível”: ficaremos apenas com o texto, com a palavra.

O próprio Ortega y Gasset entende que “a palavra tem no teatro uma função

constituinte”, porém completa “mas muito determinada; quero dizer que é secundária à

‘representação’ ou ao espetáculo. Teatro é, por essência, presença e potência de visão –

espetáculo –, e como público, somos antes todos espectadores, e a palavra grega qevatron,

teatro, não significa senão isto: miradouro” (1966, p. 32).

William S. Anderson, autor do livro Barbarian Play: Plautus’ Romam Comedy, trinta

anos depois de Ortega y Gasset, reafirma essa idéia, tratando especificamente do teatro

1 Sobre a biografia de Plauto, cf. Paratore E., História da Literatura Latina, Lisboa, 1983, p. 24-28. 2 Esta data é considerada por Sedgwick, em Plautine Chronology, AJP, v. 70, 1949, p. 376-383. Ainda discutem a cronologia das peças de Plauto Paratore, em História da Literatura Latina, Lisboa, 1983; Buck, em A

Chronology of the Plays of Plautus, Baltimore, 1940; Segal, em Perché Amphitruo, Dioniso, 46, 1975, p. 247-267; entre outros.

11

plautino: “não podemos perder de vista que o enredo e a construção da peça são os itens mais

importantes do drama – as palavras são empregadas subordinadamente” (1996, p. 107).

A tentativa de entender como a palavra atua de forma subordinada no texto plautino

será um forte dado associado a todo estudo sintático realizado neste trabalho. Até os meados

do século XX, os estudos clássicos não possuíam muito clara a percepção de que, além do

texto, havia muitos outros elementos teatrais.

Durante muitos anos, diríamos quase os dois últimos séculos, “filologistas” plautinos

se fixaram no texto como único elemento de análise. Quando lemos o artigo de Beare

(Plautus and his Public, CR, v. 42, 1928, p. 106-111), por exemplo, percebemos apenas uma

tímida referência ao gosto da audiência romana –, entretanto, a crítica de Beare é puramente

textual.

Apesar disso, desde fins do século XX, muitos teóricos e estudiosos de Plauto

apontam para uma nova direção possível.

Richard C. Beacham, professor de teoria teatral de Harvard, em 1980, quando vai

estudar o teatro romano, constrói uma réplica de um teatro, simula vestimentas e cenários, e

coloca em cena as antigas peças. Partindo de um insight visual, Beacham conta que foi ao ver

as pinturas nas paredes em Pompéia e Herculano que começou a imaginar como o espectador

romano percebia o seu próprio teatro. Na adaptação das comédias e nos estudos sobre o que

diziam antigos comentadores, surgem-lhe várias dúvidas, que o levam à seguinte conclusão: a

reconstrução de um teatro romano e a tradução das comédias iriam além de questões

arquitetônicas ou literárias – a audiência e a atuação em si, no tempo e no espaço, seriam

elementos irreconstruíveis nesse cenário.

No prefácio do seu The Roman Theatre and its Audience, Beacham chega a afirmar:

“As pessoas que se envolvem na história do teatro logo percebem que estudar um teatro é

estudar toda a época em que ele existiu, visto que isso acende as luzes sobre a atividade teatral

12

e porque, por outro lado, essa época é espelhada por ele” (2000, p. xii). Tanto que para tratar

dos temas que vieram das conclusões de sua pesquisa “de campo”, Beacham leva um capítulo

inteiro apenas dissertando sobre o início do teatro em Roma. Para ele, sem esses detalhes e

considerações, ficaria difícil estudar a comédia de Plauto. No fim desse capítulo, com título

homônimo ao do livro, Beacham afirma o que será um mote em sua obra:

“A influência que a tradição dramática e o gosto da audiência exerceu nas peças de Plauto se estendeu além da modificação de seus conteúdos e sua estrutura até a determinação também da estética da atual performance. A teatralidade romana, evidentemente desde tempos antigos, envolveu um substancial elemento da participação da audiência [...].” (2000, p. 33)

Corroborando com a idéia de que a linguagem cômica deve estar firmemente

associada ao momento social em que está inserida, ou seja, o riso deve estar extremamente

associado ao público ao qual é direcionado, Erich Segal, no prefácio do seu livro Roman

Laughter: the Comedy of Plautus, afirma que “a risada romana é uma afirmação de valores

compartilhados. Ela é, como Bergson constantemente nos lembra em seu ensaio, um gesto

social. A comédia sempre precisa de um contexto, uma comunidade, ou, pelo menos, de um

espírito comum” (1987, p. ii).

Duckworth diz que a falha da crítica (de seu tempo) está em olhar pouco para a

comédia antiga como uma forma de entretenimento popular e então ignorar sua grande

essência de ser. A crítica que Duckworth mostra como ineficiente é aquela que toma as obras

“como uma espécie de unidade artística no vácuo” (1952, p. viii).

Duckworth escreve em 1952 o The Nature of Roman Comedy, Segal escreve seu The

Roman Laughter em 19683, obras que se tornarão basilares para os estudos modernos do

teatro romano.

A idéia sobre um novo paradigma acerca das análises da obra plautina são claras, tanto

que Segal chega a escrever no prefácio do seu livro que “[até 1968] muitos grandes

3 1987 é a data da segunda edição.

13

pesquisadores europeus lidaram com aspectos de sua arte [de Plauto], particularmente em

relação à Nova Comédia Grega. Porém, nenhum estudou Plauto em relação à cultura romana

contemporânea ou à tradição cômica”.

Já mais tarde, por sua vez, Slater, em 1983, em seu Plautus in performance: The

Theatre of the Mind, vai ressaltar a importância de termos em mente a dimensão da

performance quando estudamos o teatro. Lembra que o criticismo literário não dá conta de

levar essa dimensão em consideração. Slater é um teórico do teatro, e nos informa que, pela

primeira vez, à entrada do século XXI, depois dos estudos sobre o teatro elisabetano e

jacobiano, realizados em 1970 por J. L. Styan – que foi o primeiro a adotar um método claro

e definido de análise para o teatro –, o criticismo da performance mostra como os elementos

sub-textuais e não-textuais tão diversos como a arquitetura do teatro e as expectativas da

platéia possuem um significado teatral.

Nesse sentido, Slater abre mais ainda a possibilidade de ação da cultura sobre a arte.

Nesse momento, ele entende que o texto da comédia plautina está fora do papel. Uma peça,

sendo um evento artístico autônomo, é uma criação que atende a uma específica ocasião

teatral. A maneira como funciona uma peça vai além do texto, além mesmo da performance.

Mas, ainda assim, só poderemos entender uma peça dentro da relação que ela, como uma obra

de arte, estabelece com a cultura de sua época.

Tanto Slater (1983) como Moore (1998), apoiados nas idéias de Lionel Abel – que

publica em 1963 um livro intitulado Metatheatre, instituindo as definições acerca do

metateatro –, vão defender uma nova tese do “metateatro de Plauto”. Não vamos aqui discutir

as definições de metateatro, convenções ilusórias e não-ilusórias, e outras mais trabalhadas

por Slater e Moore; mas gostaríamos de mostrar, com essa ilustração, como os estudos acerca

do texto teatral de Plauto vêm sendo atualizados. Vale ressaltar que Moore manifesta a

14

vontade de que seu livro, o The Theater of Plautus: Playing to the Audience, “ajudasse a

atravessar uma grande lacuna: aquela entre os estudos clássicos e a história do teatro” (p. ix).

Os estudos clássicos, por muito tempo, não enxergaram o público romano como mais

um elemento plautino, não de forma tão clara como atualmente. Percebemos um movimento

nos estudos das peças plautinas em relação às metodologias de análise, tal que poderíamos

sugerir três estágios, da seguinte maneira: um primeiro momento em que o texto,

filologicamente, ainda era muito mais importante e se sobrepunha como elemento principal (a

que chamamos “filológico”); um segundo momento, marcado pela inserção da cultura e de

elementos como público e época, quando os estudos da comédia plautina ganham uma

abrangência literária não experimentada antes (“crítico”); e, por último, um terceiro momento,

atual, por que passamos hoje, quando a dimensão do teatro e da audiência parece ter sido

realmente entendida (“teatral” ou “metateatral”).

Assim, após esse pequeno apêndice introdutório sobre as metodologias de análise da

obra (do texto e do teatro) plautino, poderemos proceder à revisão bibliográfica sobre as

interrogativas, para, em seguida, entendê-las inseridas em um contexto não só textual, como

também teatral, quando então faremos nossas análises estilística e literária sobre a utilização

das interrogativas no texto plautino, seguindo o paradigma mais atual dos estudos da comédia

latina.

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE AS INTERROGATIVAS

3.1 Holtze e Kühner: precursores do estudo moderno da sintaxe das interrogativas

Tendo como objetivo, então, dissertar sobre o emprego das sentenças interrogativas no

Amphitruo, nosso primeiro passo será dado na direção de construir um arcabouço teórico

sobre as discussões de gramáticos e estudiosos latinos anteriores acerca do tema.

Concentraremos nossas observações nos estudos realizados a partir do século XIX,

afinal R. H. Robins nos explica, na Pequena História da Lingüística, que:

“Tanto na história geral como na história de fatos particulares, o Renascimento é justificadamente considerado como o marco inaugural da Idade Moderna, embora a primeira metade do século XIX tenha assistido a uma transição ainda mais expressiva para o mundo com que hoje estamos familiarizados. [...] Do ponto de vista intelectual, também o século XIX testemunhou o nascimento das condições que hoje prevalecem.” (1983, p. 106)

Ao consultarmos a famosa edição de 1911 da Encyclopaedia Britannica, encontramos

a informação de que a editio princeps da obra de Plauto, baseada principalmente no

manuscrito D, foi impressa em Veneza, em 1472, por Georgius Merula. Ernout, na Introdução

do seu Plaute: Comédies, acrescenta que, um pouco mais tarde, Buccardus melhora a obra de

seu antecessor e publica em 1506 sua editio, porém indica que o primeiro texto científico,

baseado nos manuscritos B, C e D, foi de autoria de Camerarius, completado em 1552. A este,

seguiram Labinus, em 1576; Taubmann, publicado entre 1605 e 1621; Pareus, em 1619 e

1623; Guyet, editado em 1658; e Gronovius (com a chamada Vulgata), entre 1664 e 1684.

Nesse tempo, entre os séculos XV e XVII, não haviam sido descobertos ainda alguns

manuscritos, e a filologia clássica dava seus primeiros passos. Após um lapso de mais de um

século, desde a edição de Gronovius, chegam as edições de Bothe, entre 1809 e 1811; Naudet,

em 1830; e Weise, entre 1837 e 1848.

16

Porém, é entre 1848 e 1854 que uma nova era se inicia nas obras críticas de Plauto,

com a publicação da edição de Ritschl, na qual uma collatio de A foi pela primeira vez

utilizada.

Friedrich Wilhelm Ritschl (1806-1876) foi um famoso estudioso de Plauto. Foi ele

quem trouxe à luz muitas das verdadeiras características do texto plautino original. Com a

ajuda do palimpsesto Ambrosiano, ele recuperou o nome T. Maccius Plautus, em lugar do M.

Accius e provou que significavam “canticum” e “diuerbium” as marcas C e DV que

apareciam nas margens do manuscrito Palatino repetidas vezes; assim, conseqüentemente,

mostrou que na comédia romana só os diálogos em senários iâmbicos não foram destinados

para o canto.

Uma revisão de sua edição de Plauto foi iniciada pelo próprio Ritschl e continuada por

seus discípulos Goetz, Loewe e Schoell, entre 1871 e 1894.

Outras edições modernas dos textos de Plauto são de Fleckeisen (contendo dez peças),

de 1859; Ussing (com excelentes comentários), publicada entre 1875 e 1887; Leo (um

trabalho muito importante para a modernidade), de 1895 e 1896; e Lindsay, 1904 e 1905 (um

dos textos mais confiáveis)4.

Entretanto, por mais que muitos desses estudiosos clássicos tenham feito comentários,

alguns como Ritschl tratando dos problemas de métrica, prosódia, língua e gramática, é

apenas em 1842 que Friedrich Wilhelm Holtze (também conhecido por seu nome latinizado,

Fredericus Gulielmus Holtzius) publica sua Syntaxis Priscorum Scriptorum Latinorum: usque

ad Terentium, primeira obra moderna que trata da sintaxe do latim arcaico, baseada nos textos

conhecidos até então (Holtze também publicou em 1846 uma editio da obra de Plauto). Antes

de Holtze, não podemos de falar de sintaxes do latim arcaico, apenas há comentadores como

4 Lindsay merece uma importante nota nos estudos plautinos. Além da reconstituição do texto de toda a obra de Plauto – no reconhecido trabalho T. Macci Plauti Comoediae –, também publicou Early Latin Verse, The Syntax

of Plautus e An Introduction to Latin Textual Emendation Based on the Text of Plautus, e diversos artigos em revistas especializadas.

17

Handius, Uberius, Bremium, Hermanus, entre outros; ou teríamos de nos referir aos

grammatici latini antigos, anteriores ao século V.

Lindsay, gramático, estudioso de Plauto e professor de latim de Oxford, em 1907,

comenta a importância desta obra no Prefácio do seu Syntax of Plautus: “the only existing

work which deals with Early Latin Syntax as a whole (...)” [o único trabalho existente que

trata da sintaxe do latim arcaico como um todo].

Holtze parte de trabalhos específicos e temáticos de determinados comentadores

setecentistas e sistematiza a primeira Sintaxe latina moderna. Em seu prefácio, indica quais os

autores que basearão sua obra. Especificamente para o tratamento das interrogativas, Holtze

aponta a importância dos trabalhos anteriores de Handius, ou Ferdinand Gotthelf Hand (1786-

1851), que foi um professor de literatura grega da Universidade de Jena, na Alemanha, cujo

trabalho mais conhecido é a edição (não finalizada) do tratado de Horatius Tursellinus (Orazio

Torsellino, 1545-1599) sobre as partículas latinas (Tursellinus, seu de particulis Latinis

commentarii, 1829-1845). Vejamos o que Holtze escreve em seu praefatio:

“In particularum doctrina dicere non possum quantum mihi profuerit Handii opera, quem in describendis significationibus et distribuendis generibus plurimarum particularum, quae quidem ab eo tractatae erant, secutus sum. [...] Denique enunciationes interrogativas, quae sine nota interrogationis sunt prolatae, accuratiore disquisitione et tractatione dignas putavi, quam quae usque adhuc a grammaticis iis imperita est.” (1862, p. vi)

Não posso dizer quanto me foi útil no estudo das partículas a obra de Handius, a quem segui na descrição dos significados e na distribuição dos tipos das muitas partículas, as quais certamente já haviam sido tratadas por ele. [...] Por fim, considerei as sentenças interrogativas, que foram enunciadas sem marca de interrogação, dignas de mais acurada pesquisa e discussão do que foi empreendida até então por estes gramáticos.

No capítulo IV, intitulado Doctrina Enunciationum, no item 15, Holtze começa a

descrever a sintaxe da frase interrogativa, que, em sua interpretação, muitas vezes, pode ser

simplesmente definida pela fórmula quis est qui.

Para o estudo das orações interrogativas, Holtze propõe que primeiro seja observado o

emprego de sua estrutura em Plauto e Terêncio, uma vez que a utilização das interrogações

18

esteja fortemente aparente em suas comédias. A sintaxe do texto dramático e, mais

especificamente, da comédia, deriva-se mais diretamente do gênero da fala, e as interrogativas

nesse contexto resistem tanto que, muitas vezes, as interrogações diretas são empregadas onde

se esperavam frases indiretas ou mesmo outras construções declarativas.

Holtze, no item 16, inicia uma classificação das frases interrogativas, indicando que

podem ser enunciadas (1) interrogações sem nenhuma marca de interrogação, seja um

pronome ou um advérbio interrogativo, seja uma partícula interrogativa; ou (2) com pronomes

e advérbios interrogativos e ainda (3) com partículas interrogativas.

Sobre as interrogativas sem pronomes ou advérbios ou partículas de interrogação,

Holtze indica uma forma tripartida de classificação: (1) pode haver o caso em que, pela

interrogação, aquele que pergunta não sabe o que é perguntado, ou certamente simula não

saber; (2) outro grupo é o das chamadas interrogações retóricas, que, em gênero, mantêm a

forma tal de interrogação, mas que antes servem para expressar admiração, indignação, riso

ou repreensão daquele que interroga; e (3), por fim, a interrogação que é posta no lugar da

enunciação desenvolvida. Contudo, além dessas interrogações, Holtze categoriza as

interrogativas negativas, especialmente as enunciadas por non, definindo-as em um grupo à

parte.

Sobre estas últimas, Bremium (apud HOLTZE, 1862, p. 248) diz que “a partícula

negativa só é posta na interrogação quando alguém não suspeita que alguma coisa seja

verdadeira”. Uberius sobre essa questão disputa com Handius:

“Per se intelligitur non etiam in interrogatione ad verbum aut ad nomen aliquod pertinere, nec ipsum exprimere interrogationem. Atque is, qui per non quaerit supponit ne negationem in alterius, quocum loquitur, sententiam, quam alter respondendo aut pronuntiat, aut reiicit afirmans contrarium. Utuntur hac dictione indignabundi aut irascentes aut admirantes”. (apud HOLTZE, 1862, p. 249) Por si, enfim, non é entendido pertencer na interrogação ao verbo ou ao nome, ele próprio não é entendido exprimir interrogação. Assim, aquele que com non pergunta põe a negação na sentença do outro com quem fala, pois este ou o pronuncia quando responde ou rejeita afirmando o contrário. Utilizam-se desse discurso indignações iradas ou admiradas.

19

Holtze ainda separa aquelas passagens onde o infinitivo ou o acusativo com infinitivo

é empregado e as interrogações em que a partícula nempe é adicionada.

No item 17, passa àquelas interrogações que são expressas por pronomes ou advérbios

interrogativos, e, no 18, começa a tratar das interrogações com partículas interrogativas,

iniciando com a partícula ne, que é chamada por Handius de dubitativa.

Holtze abre um espaço para discutir a natureza da partícula ne e também da

interrogativa. Para Handius, toda dúvida se constitui quase como uma negação: assim a

interrogação em si se manteria sobre aquilo que, seja ou não seja, duvidemos e, por isso,

queremos saber. Daí, Hermanus e outros nos ensinam que dentro de toda interrogativa existe

uma negação, e, exatamente por essa causa, ne, uma partícula inicialmente associada à

negação, torna-se a partícula da dúvida e da interrogação. Handius ainda afirma que o gênero

da interrogativa, direta e indireta, é tríplice: primeiro, então, simplesmente se deseja saber se

alguma coisa existe. Em seguida, a sentença, que costuma chamar-se de problemática, se

desvia para a negação, por meio da qual pensamos ou que a coisa não existe ou que pode não

existir. Em seguida, a partícula ne é expressa e a força da interrogação é adicionada, por meio

da qual, aquele que quer saber declara que está convencido de que não pode ser respondido de

outra forma (ou afirmando não existir ou negando a negativa).

Holtze observa que a partícula ne com sentido dubitativo é adicionada aos pronomes

relativos pelos cômicos de uma forma contrata, assim por estne ille qui ou tune es qui, os

latinos diziam quine, porque se pronunciavam essas interrogações assim com maior força de

admiração.

Da mesma forma, o ne era adicionado aos pronomes interrogativos, porém muito mais

para expressar admiração sobre a grandeza ou a verdade da questão – no sentido dubitativo,

indagando se determinada característica poderia ser negada.

20

Quanto à forma itane, lemos que ita obtém na interrogação o mesmo efeito de quando

é empregado na afirmação. Itane então interroga instantaneamente se a coisa vista é duvidosa

ou inacreditável. Quer saber aquele que assim fala sobre a verdade da coisa vista ou

desacreditada, como presume a afirmação.

Egone comumente segue outra pergunta no diálogo, desta forma se subentende uma

pergunta sobre o que foi dito antes. Expressa ou admiração ou indignação.

Sobre a fórmula ain tu?, Schuetz (apud HOLTZE, 1862, p. 251) diz ser utilizada para

significar admiração do que foi visto ou feito. Com vero adicionado, considera-se aumentar a

admiração.

Também a interrogação com ne seguida da segunda pessoa do singular do presente do

indicativo mantém, muitas vezes, força de imperativo; desse gênero o mais freqüente é abin

(abis ne?).

Assim, Holtze trata das interrogações com ne, considerando diversos casos especiais.

Importante é notar que a abordagem de Holtze, muitas vezes, propõe uma função emocional a

uma estrutura sintática.

Em seguida, no item 19, trata da significação da partícula nonne e, no 20, da partícula

num. Sobre nonne, é categórico: nonne é utilizado se aquele que pergunta espera uma resposta

afirmando. Sobre num, Handius (apud HOLTZE, 1862, p. 255) expõe que é a mais comum

das partículas: de modo geral, é a partícula principalmente empregada pelo povo. Num não

pode ser empregada senão quando se espera uma resposta que seja negativa.

Entretanto, o que conduz à negação não seria próprio da partícula num, que tanto tem

em si a força de constituir e designar. Principalmente, então, num pode-se empregar naquelas

sentenças em que não possa haver desaprovação daquele que responde (ou seja, uma

afirmação contrária ao que foi perguntado), como também não pode haver alguma opinião ou

consideração da situação, assim aquele que responde só pode negar o que lhe foi indagado,

21

porque aquele que interroga com num conhece a verdade e dificilmente reprime para si

próprio a dúvida. Daí, são utilizadas com esta partícula essas perguntas que desejam remover

toda a dúvida sobre uma questão e, por causa desta força da partícula, ela ocupa um lugar

próprio na ironia.

É adicionado pelos cômicos nam, separadamente ou em um composto numnam, e

certamente espera a negação, mas pode significar apenas uma maior admiração, assim

também é dito de numquidnam.

Sobre a fórmula numquid vis?, Lind. (apud HOLTZE, 1862, p. 255) diz: “essa

favorável e honrosa interrogação daqueles que partem, essa que, ao mesmo tempo, era sinal

de despedir ou de ir embora”.

Por fim, nos itens 21 e 22, trata da partícula utrum que se usa para interrogações

disjuntivas, com ne ou an, e, no 23, das respostas.

Essa é a abordagem de Holtze, esse é o cenário do tratamento da sintaxe das

interrogativas em meados do século XIX.

Já, em 1878, outro gramático alemão, Raphael Kühner, publica Ausführliche

Grammatik der lateinischen Sprache, um trabalho mais completo, com muito boas

considerações sobre o emprego dos modos na interrogação e um vasto repertório de exemplos

– outro trabalho basilar para os estudos contemporâneos.

Para Kühner, as orações interrogativas são independentes (diretas) ou dependentes de

uma oração anterior (indiretas), como em: “o amigo veio?” e “diga-me se o amigo veio.” Essa

distinção Holtze também traça, porém, no cap. XV, apenas a interrogativa direta é discutida.

Antes de tratar especificamente dos tipos de interrogativa, Kühner escreve acerca dos

modos verbais nas orações interrogativas: nas orações interrogativas indiretas, o subjuntivo

seria utilizado por autores do período clássico e pós-clássico. Já os autores do pré-clássico

fariam uso, além do subjuntivo, também do indicativo.

22

De modo geral, os autores pré-clássicos empregariam as mesmas regras do indicativo

e subjuntivo que seus sucessores clássicos, porém, em alguns casos de orações interrogativas

dependentes, os primeiros faziam uso do indicativo em frases em que os outros empregariam

o subjuntivo.

Kühner explica que todos os idiomas começam com a conexão de frases soltas,

independentes de qualquer continuidade (sintática) entre elas, que se situam uma ao lado da

outra sem indícios de seqüência lógica, porém que estão subordinadas a um pensamento

anterior, do qual são dependentes. Esta simples conexão de diferentes elementos – as frases –,

postos lado a lado, encontra-se incessantemente nas línguas de todos os povos da humanidade.

Porém, essa relação de dependência só ocorre de maneira clara após o idioma ter-se

desenvolvido formalmente em frases dependentes e independentes. Esta ligação primitiva das

frases, tanto dependentes como independentes, pode ser indicada pelo indicativo do verbo,

que fora tirado pelos autores pré-clássicos da linguagem cotidiana e do latim vulgar. Embora,

há muito, já existisse a regra na língua latina acerca do uso do subjuntivo em interrogativas

dependentes. De todos os autores pré-clássicos que fizeram uso da língua latina cotidiana e do

latim vulgar, Plauto e suas comédias são o melhor exemplo que podemos citar.

Assim, Kühner encerra sua discussão sobre os modos e começa a tratar das

interrogativas: as interrogativas-palavra ou interrogativas nominais (em alemão, Wortfragen

ou Nominalfragen), isto é, orações interrogativas nas quais o fim da pergunta possui apenas

uma única palavra como uma resposta (um sujeito, um atributo, um objeto), são introduzidas

por pronomes interrogativos substantivos ou advérbios interrogativos, como: quis, quid,

qualis, quantus, ecquis; ecquisinam; numquis, numquisnam; quisnam, quidnam; ibi, unde,

quo, quando, ecquando, ecquandone (raro), numquando, cur, cur non, quidni; etc.

As interrogativas-frase (em alemão, Satzfragen), que podem aparecer sem partículas

interrogativas, são perguntas nas quais é a estrutura que informa se o pensamento expresso

23

possui, ou não, valor, esperando apenas uma afirmação ou negação sobre o que é questionado.

No idioma alemão, a pergunta ocorre pela posição do verbo finito e pela entonação; em latim,

isto ocorre raramente e apenas (a) quando uma resposta é incondicionalmente demandada, o

que ocorre muito no período pré-clássico, principalmente em Plauto; e (b) quando a pergunta

expressa um afeto já conhecido, principalmente, de admiração, de irritação, de intensidade, de

repreensão ou que exija alguma especificação.

Sobre as interrogativas com non, sem partícula interrogativa, há que se explicar: non,

por si mesmo, não é capaz de classificar uma frase como interrogativa. Isso ocorre somente

através da entonação; non refere-se, apenas, ao verbo ou a uma outra palavra da frase.

As interrogativas-frase podem aparecer também com partículas interrogativas, e, em

regra, são introduzidas pelas seguintes partículas interrogativas: ne, nonne, num, utrum, an.

Ne em orações interrogativas é a forma mais fraca da negação ne, não. Aqui, a

pergunta implica uma negação, na qual um questionamento aponta para um outro, cuja

resposta ainda não se sabe se será positiva ou negativa, mas sabe-se que se deseja, a princípio,

obtê-la.

Num é, segundo Corssen (apud KÜHNER, 1878, p. 356), o acusativo mais prático e

objetivo de um pronome desaparecido, como em nam, o acusativo feminino do mesmo

pronome pode ser comparado a tam e tum. Num possui um significado originalmente

temporal, “agora, já”, e que se mantém em etiam num; deste num desenvolve-se nunc, através

da junção do dêitico c (do antigo ce), o mesmo em tum, tunc. No início da frase, num é

empregado apenas ligado a uma partícula interrogativa. O uso mais constante de num na

escrita de todos os períodos encontra-se em frases interrogativas, nas quais a expectativa de

uma resposta é negativa (não é, não?, e, em interrogativas indiretas: porém).

Nonne é a união do negativo non com a partícula interrogativa ne. Em uma pergunta

negativa espera-se uma resposta positiva, como em: nonne vides? [tu não vês]?

24

Enfim, Kühner estende a discussão sobre as interrogativas, trabalha alguns conceitos

que basearão as sintaxes posteriores e é, de certa forma, o primeiro a criar a divisão clássica

das interrogações.

3.2 Morris: crítica à metodologia

Para Morris (1889, p. 397), realmente, as mais completas discussões sobre a frase

interrogativa em latim foram as de Holtze e Kühner. Foram eles que começaram com a

distinção entre interrogações diretas e indiretas, embora ambos tenham-se detido mais sobre

as interrogativas diretas – sobre as indiretas, Morris afirma que Becker5 “já disse tudo

necessário” (op. cit., p. 398).

Assim como revimos, Morris indica que as frases interrogativas são divididas por

Holtze e Kühner (1) de acordo com a partícula que as introduz, (2) em sentenças sem

partículas e (3) em sentenças com ne, nonne, num, utrum, an. Sob cada tópico estão

classificadas expressões idiomáticas, como ne, itane, ain tu, satin, scin quomodo, etc. Essas

expressões cobrem os casos especiais; para os mais comuns casos de questões com ne Holtze

não faz nenhuma classificação. Kühner emprega uma divisão tripartida em questões para

informação, questões esperando uma resposta positiva e questões esperando uma resposta

negativa. Questões sem uma partícula são divididas de acordo com a presença ou ausência de

emoção.

Esse sistema de classificação, para Morris, então, seria aberto para uma séria crítica.

As bases em que se apóia a distinção entre questões emocionais e não emocionais seriam

inteiramente inadequadas; a língua escrita possui poucos sinais de emoção. E mesmo um

arranjamento de questões de acordo com a resposta esperada é muito estreito e, às vezes,

5 Syntaxis Interrog. Obliq. Studemund, Studien, I, p. 115-316. Diversos outros autores citam este trabalho de Becker sobre as indiretas, entretanto não tivemos acesso a ele. Ficaremos apenas com os exemplos apontados pelo próprio Morris.

25

efetivamente errôneo. O estudo das frases com um intuito de descobrir suas funções deveria

ser o último passo, não o primeiro, no processo indutivo, ainda segundo o autor. Ademais,

Holtze e Kühner usaram ao mesmo tempo dois sistemas de classificação que eram muito

distintos. Holtze, por exemplo, divide questões sem partícula em (a) questões para

informação, (b) questões expressando emoção, (c) questões equivalentes a imperativos, (d)

questões negativas, (e) questões infinitivas, etc., misturando forma e função em uma total

confusão. Assim, uma frase como non taces? Poderia estar dentro de (b), (c) e (d).

Foi parcialmente uma percepção do caráter ilógico e confuso do sistema de Holtze que

levou Draeger6 a adotar uma classificação mais simples e reservada. Sob ne, por exemplo, ele

dá uma afirmação geral do significado da partícula e então trata das palavras a que se fixa.

Questões sem partícula, entretanto, ele classifica de acordo com a presença ou não de emoção.

O tratamento das interrogativas em Stolz-Schmalz7 é necessariamente breve, mas é

marcante quando não faz nenhuma referência à divisão tripartida de acordo com a expectativa

de resposta nem à questão da presença ou ausência de emoção. Exceto por um parágrafo sobre

questões de desaprovação, as discussões lidam todas com a forma, e não com o significado

das interrogativas.

A história do estudo da questão direta, logo, desde 1843, quando Holtze publica seu

primeiro programa sobre o assunto, mostra um gradual abandono do sistema confuso de

classificação de acordo com a função, sem dúvida, devido ao aceite geral dos princípios e

métodos da filologia histórica. Nada, entretanto, foi feito em direção à substituição de um

sistema melhor. Todo o estudo foi reduzido, como no trabalho de Schmalz, ao estudo das

partículas, pouca atenção sendo dada às amplas diferenças produzidas pelas variações na

estrutura das sentenças.

6 Anton August Draeger publica, em 1878, Historische Syntax der Lateinischen Sprache. 7 Friedrich Stolz e Joseph Hermann Schmalz publicam, em 1900, Lateinische Grammatik: Laut- und

Formenlehre. Syntax und Stilistik.

26

É Morris que tenta alcançar um entendimento mais completo sobre as formas comuns

da interrogação através da análise da estrutura, tão quanto possível, porque assume: “no

tratamento de questões sem partícula, é impossível aderir estritamente a uma análise formal,

por razões que serão mostradas, e alguma confusão será encontrada neste ponto” (1889, p.

399).

Assim, Morris propõe uma divisão: I. Questões com -ne; II. Num; III. Ecquis, ecquid,

en unquam; IV. Questões sem partícula interrogativa; V. Questões com ut e infinitivo; VI. An

e questões disjuntivas.

É seu trabalho uma séria discussão sobre a interrogação e sua sintaxe, seus métodos de

classificação e sua função: uma síntese do início do século XX sobre os primeiros momentos

do estudo sintático moderno das interrogativas, embora tenhamos sentido a falta do

tratamento das questões introduzidas por pronomes e advérbios interrogativos. Contudo, até

hoje não se apresentou nada semelhante que se contrapusesse ou adicionasse no estudo

específico das interrogativas no latim de Plauto e Terêncio. O próprio Lindsay baseia todo o

item Interrogatives do seu Syntax of Plautus no trabalho de Morris, este que no início de seu

estudo informa: “the lists [of interrogatives] are intended to be complete except where the

contrary is expressly stated ; [...] there should be no errors in the collection of 3000 cases”

(1889, p. 399) [as listas das interrogativas pretendem ser completas, exceto onde o contrário

estiver expressamente apontado; [...] não haveria nenhum erro na coleção de 3000 casos].

3.3 Ernout, Bassols e Ernesto Faria: novos estudos

Durante o meio século seguinte, diversos autores publicaram estudos sobre a sintaxe

da língua latina, especialmente porque a lingüística e a filologia histórico-comparativas já

possuíam bases bem solidificadas. Brugmann, Devoto, Buck, Tovar, Bennet, Meyer-Lubke,

27

Meillet, Hofmann, Lindsay, Hoppe são alguns que citamos. Uns voltaram-se mais para a

sintaxe própria do latim, outros trataram mais de questões históricas das línguas, alguns se

debruçaram sobre a estilística e o metro; enfim, o importante é notar o surgimento de diversas

obras que viriam a constituir os pilares dos estudos contemporâneos de sintaxe latina.

Vamos fazer aqui a revisão do que sintetizam Alfred Ernout e François Thomas em

sua Syntaxe latine, publicada em 1951.

Para Ernout e Thomas, as interrogações (diretas) são de dois tipos:

1º. uma, denominada interrogação parcial, que visa a identificar o sujeito, o

complemento, ou uma circunstância. Interrogação essa que se exprime então por um pronome,

um adjetivo ou por um advérbio interrogativo.

2º. outra, chamada interrogação total, ou aquela que indaga acerca do enunciado e que

tem como centro o verbo. Pode ser expressa apenas com entonação. Para os autores, a este

tipo de interrogação, próprio da língua falada, é comum ainda a adição de partículas

(afirmativas, neutras, ou dubitativas), e, no caso de uma alternativa, a interrogativa pode ser

dupla.

Primeiramente, no §181, são tratadas as interrogações introduzidas por pronomes,

adjetivos e advérbios interrogativos: a. quis (qualis, uter); b. cur, quamobrem, quare; c. ut; d.

ubi. Em seguida, no §182, é a vez das partículas interrogativas: ne, nonne, num, an.

Segundo uma divisão que Ernout e Thomas chamam de clássica, nonne faz prever uma

resposta afirmativa e num, uma resposta negativa. An marca uma dúvida.

Por fim, abordam outras partículas raras, como en e ec- e falam da interrogação dupla

ou disjuntiva.

A Sintaxe de Bassols de Climent e a Gramática Superior de Ernesto Faria são também

duas obras da metade do século passado, que, seguindo uma mesma orientação, serão guias

28

em nossas posteriores análises. Contudo, diversas vezes voltaremos a Holtze, Kühner, Morris

e Lindsay para enriquecer nossas discussões.

O que nos importou neste capítulo foi entender como surgiram os primeiros estudos

modernos acerca da sentença interrogativa e traçar um caminho, em linhas gerais, de como se

encontra o tratamento das interrogativas em nossas sintaxes atuais.

Vale perceber que, além das obras de Holtze ou Morris, o estudo das interrogativas no

latim deve muito ao próprio Plauto, que fez ser possível o entendimento de sua utilização em

um tempo anterior ao do latim literário de Cícero, já bastante helenizado e preso a uma

estrutura estilística condicionante. Plauto emprega as interrogativas em uma estrutura mais

tipicamente informal, própria do drama e da comédia, o que nos possibilita conhecer – ou

vislumbrar – o que teria sido o latim falado.

4 ESTUDO DAS INTERROGATIVAS: CONSIDERAÇÕES SINTÁTICAS E

ESTILÍSTICAS

Após a revisão bibliográfica que realizamos sobre a análise do emprego e da sintaxe

das frases interrogativas, procederemos a uma atenta observação do elenco de orações

interrogativas destacadas da peça Amphitruo, não antes de um breve comentário sobre a

cronologia e o enredo da peça.

O Amphitruo, em grego Amphitryón (!A mfitruovn), é, possivelmente, uma das últimas

obras de Plauto. Obra da maturidade, aparece-nos, como diz Fonseca (1993, p. 9), livre das

complicações e exageros bem característicos do início de sua carreira. Segal, Buck, Paratore e

Sedwick discutem a cronologia desta peça, situando-a entre 201 e 186 a.C., mas nenhum deles

duvida que tenha sido uma das últimas de Plauto apresentadas nos Jogos.

Seu enredo é simples e linear. Conta a história do retorno do general tebano Anfitrião,

que fora guerrear contra os teléboas, deixando em Tebas sua esposa Alcmena grávida. Logo

que regressa ao porto de Tebas, vitorioso, Anfitrião manda seu escravo Sósia ir à frente para

avisar Alcmena de sua chegada. Assim começam as confusões. Júpiter, nesse mesmo tempo,

enamorado já há muito de Alcmena, aproveitou o ensejo e se disfarçou de Anfitrião para se

deitar com ela, fingindo ser o marido pródigo. E Mercúrio, seu filho, por sua vez, disfarçou-se

de Sósia para garantir os prazeres do pai. Para poder desfrutar bem de seu encontro com

Alcmena, Júpiter ordena que a noite se prolongue por quanto tempo ele desejar. Anfitrião e

Sósia, bem como Alcmena, são enganados o tempo todo por Júpiter e Mercúrio, até que o pai

dos deuses se satisfaz. Durante o desenrolar da história, Anfitrião, não entendendo seus

desencontros com Alcmena, desconfia que há algo de errado e põe em xeque a castidade de

sua esposa, que tenta defender-se. Por fim, ex machina, Júpiter aparece e esclarece o ocorrido

para todos, garantindo a fidelidade e castidade de Alcmena, e informando que a esposa de

30

Anfitrião dera à luz dois filhos, um mortal, filho de Anfitrião, e outro semi-deus, filho de

Júpiter, cujo nome será conhecido como Hércules.

O que rendeu muita discussão sobre o Amphitruo foi a participação de deuses e

mortais, conferindo-lhe um caráter de “tragicomédia”8. Ainda muitos estudiosos se detiveram

sobre alguns “problemas” de construção da peça, especialmente em relação à questão

temporal sobre a geração e o nascimento de Héracles, que teria ocorrido numa mesma noite9.

Nunca chegaram a conclusões elucidativas também sobre quais teriam sido os originais

gregos de onde foi adaptado o Amphitruo. Contudo, um pouco à margem dessas discussões,

nossa intenção neste trabalho será ampliar a observação sintática no espírito de tratar de

questões literárias e estilísticas referentes ao texto da comédia plautina, especialmente no que

tange à utilização das sentenças interrogativas.

Muitas vezes, nós nos aprofundaremos no estudo sintático pormenorizado,

considerando, eventualmente, a sintaxe de outras estruturas não-interrogativas; por outras

vezes, passaremos da abordagem gramatical simplificada direto ao universo da literatura e do

teatro. Desta forma, decidimos unificar em um mesmo capítulo, apesar dos riscos de sua

extensão, as análises de cunho sintático e estilístico, porque ora certas construções possuem

uma sintaxe mais elaborada ou interessante por algum ponto de vista, ora são os

desdobramentos literários de qualquer estrutura interrogativa mais simples que merecem

destaque.

Assim, iniciamos nossas considerações lembrando o que W. S. Anderson escreveu: “as

palavras dos personagens individualmente e do diálogo funcionam efetivamente para capturar

o significado e o sentimento de cada situação a fim de mover o drama em direção ao que foi

planejado” (1996, p. 108).

8 Citamos um excelente e atual artigo sobre os aspectos da “tragicomédia” no Amphitruo: R. P. Bond. Plautus’

‘Amphitryo’ as Tragi-Comedy. GR, s. 2, v. 46, n. 2. (1999), p. 203-220. 9 Sobre o tema, ver H. W. Presscott, The Amphitruo of Plautus, CP, n. 8 (1913), p. 14-22; R. Hannah, Alcumena’s Long Night: Plautus, Amphitruo, Lat, n. 52 (1993), p. 65-74; e mais recentemente Z. Stewart, Plautus’ Amphitruo: Three Problems, HSCP, v. 100 (2000), p. 293-299.

31

4.1 Prólogo

Há apenas 8 frases interrogativas diretas e 8 indiretas no prólogo, entre seus 152

versos, todos em senários iâmbicos. Como não faz parte do enredo da peça, o prólogo não

compartilha das mesmas características textuais e teatrais dos 5 atos que a compõem. Não há

diálogos propriamente ditos, pois não há em cena personagens ainda. E, por ser tipicamente

descritivo, a interrogativa não é um recurso muito utilizado. Entretanto, veremos que a

interrogação assume um papel muito próprio na construção textual deste prólogo – em

particular, quando o monólogo se transforma em um diálogo mascarado.

Durante alguns séculos, especialmente após a edição de Ritschl, a autoria dos prólogos

plautinos foi seriamente discutida. Michaut (1920, p. 94-6) explica que pode ter havido um

excesso de hipercriticismo nos resultados dos estudiosos sobre o tema. Pouco a pouco, as

antigas conclusões começaram a ser revistas e, hoje, não se duvida que a maioria dos prólogos

tenha sido efetivamente escrita pelo próprio Plauto – ainda que com diversas passagens

corrigidas e alteradas. O que se quer enfatizar é que, mesmo no prólogo, Plauto demonstraria

o aspecto da sua dramaturgia e seu trato com o texto.

Michaut (1920, p. 99) informa que apenas três peças de Plauto possuem esta estrutura

em que ao prólogo, ao qual a ação está plenamente encadeada, se segue imediatamente, sem

interrupção, a cena que é apresentada, tanto que o ator do prólogo já está vestido como

personagem: esses seriam prólogos de exposição. O prólogo que estudamos apresenta esta

forma – Mercúrio entra em cena e faz todo o monólogo inicial já vestido de escravo: et

seruos, quoiius ego fero hanc imaginem (v. 141) [e o servo, de quem tomo esta forma].

Os prólogos normalmente são compostos, segundo explica Michaut, da captatio

beneuolentiae e da apresentação do argumento.

32

No caso do Amphitruo, são os primeiros 16 versos do prólogo que compõem a

captatio beneuolentiae proferida por Mercúrio, quando ao público são prometidos benefícios

em dinheiro e negócios para que todos assistissem ao espetáculo e o julgassem honestamente

– ita huic facietis fabulae silentium / itaque aequi et iusti hic eritis omnes arbitri (vv. 15-6)

[dessa forma, fareis silêncio para esta história / e assim sereis todos aqui juízes justos e

imparciais]. Como observamos, esses primeiros 16 versos não apresentam nenhuma

interrogativa.

Encerrada a captatio beneuolentiae, Mercúrio, no verso 17, dá início à apresentação do

argumento com duas interrogativas indiretas, como complemento do verbo dicam, que se

propõem a indagar sobre duas questões básicas:

ME. Nunc quoiius iussu uenio et quam ob rem uenerim dicam [...]. (17-8) MER. Agora pela ordem de quem venho e por que causa eu vim direi [...].

Nessa passagem, chama-nos a atenção o uso indistinto do indicativo e do subjuntivo

nas orações interrogativas dependentes e indiretas10. Assim, é interessante notar o que

Woodcock (2005, p. 134) afirma no § 179 do seu livro A New Latin Sintax11, sobre as

interrogativas indiretas: “o subjuntivo nas questões indiretas de fato não foi original no latim”.

A explicação sobre a mudança do emprego do indicativo pelo subjuntivo, que se teria

completado por volta de 200 a.C., seria que o subjuntivo passou a ser um meio pelo qual o

falante deixava de se responsabilizar pelo que dizia.

10 As palavras e indiretas são importantes, segundo aponta Woodcock (2005, p. 133, § 177), porque uma interrogação pode ser dependente sem ser indireta, como em Ele perguntou: ‘– O que está acontecendo?’. Nesse caso, para Woodcock, haveria uma oração dependente, mas direta. 11 A primeira edição é de 1959, quando então se lê “more updated than Gildersleeve and Lodge (1898), G. M. Lane (1898), Allen and Greenough (1903), Hale and Buck (1903), or C. E. Bennet (1908): all these grammars are quite out of date on many essentials points, especially on the historical side.”

33

O subjuntivo é, reconhecidamente no latim clássico, o modo da subordinação, mas não

podemos perder de vista que a subordinação é fruto de um longo processo de evolução na

sintaxe de uma língua e que o subjuntivo já era utilizado antes da subordinação.

O uso do subjuntivo mostra uma expressão subjetiva, na qual o falante ou quem

escreve está indicando que ele próprio possui sentimentos ou considerações acerca da ação,

evento ou estado sobre o que fala ou escreve. Assim, quando utilizado independentemente, o

subjuntivo expressava desejo, vontade ou opinião (como possibilidade).

Na verdade, o subjuntivo começa a ser utilizado de forma dependente em orações

subordinadas (adverbiais, adjetivas e substantivas) quando passa a ter a função de afirmar ou

perguntar como parte de uma citação indireta, que não representa o ponto de vista do falante.

Quando tratamos especificamente das orações substantivas interrogativas indiretas

dependentes, identificamos que estas se desenvolveram a partir de uma estrutura paratática de

questões deliberativas12 diretas e verbos interrogativos (ou com algum significado que

implicasse uma pergunta ou uma resposta a uma questão). Nesse momento, a palavra

interrogativa – advérbio, pronome ou partícula – passa a funcionar como “conjunção”.

Posteriormente, questões diretas de fato, com o verbo no indicativo, também se

desenvolveram em estruturas hipotáticas.

Nossa primeira interrogação indireta do texto (ainda no prólogo) é exatamente um

exemplo desse caso, no qual quoiius e quam ob rem funcionam como “conjunções”, criando a

relação de dependência com o verbo da ação principal dicam. Em construções paratáticas

hipotéticas, teríamos dicam: quoiius iussu uenio e dicam: quam ob rem ueni. Notemos

ademais o uso indistinto do presente do indicativo e do perfeito do subjuntivo, sobre o que

Ernout e Thomas explicam: “[na concordância dos tempos no estilo indireto] esta alternância

12 Questões deliberativas normalmente empregam o subjuntivo, assim, quando passam de estruturas hipotáticas para se tornarem sentenças dependentes, o verbo permanece no subjuntivo. Para Ernesto Faria (1958, p. 384, § 37), “o subjuntivo deliberativo tem os mesmos empregos do futuro deliberativo, indicando por parte do sujeito uma deliberação íntima, dúvida ou hesitação, por vezes reação a uma ordem, senão censura ou surpresa indignada”.

34

dos tempos nas proposições subordinadas [...] seria para os autores um meio de aliviar um

estilo particularmente pesado, e de sugerir alguma coisa de uma diversidade temporal do

discurso direto” (1959, p. 430). Em diferentes tempos e modos, o emprego do presente uenio,

no indicativo, e do perfeito uenerim, no subjuntivo parece mesmo ter o sentido de nos

demonstrar um ambiente textual próprio da fala, ou seja, mais informal.

Após o emprego das duas interrogativas subordinadas a dicam, Mercúrio passa, nos

30 versos seguintes, a expor os poderes e as qualidades de Júpiter.

Quase no fim dessa explanação sobre Júpiter, no verso 41, encontramos uma

construção interrogativa iniciada com o subjuntivo deliberativo – memorem:

[ME.] nam quid ego memorem (ut alios in tragoediis uidi, Neptunum, Virtutem, Victoriam, Martem, Bellonam commemorare quae bona uobis fecissent) quis benefactis meu’ pater, deorum regnator, architectust omnibus? (41-5) [MER.] pois por que eu devo lembrar (como tenho visto nas tragédias outros deuses, Netuno, Virtude, Vitória, Marte, Belona, comemorarem as boas coisas que teriam feito a vós) quais benefícios para todos, traz, como arquiteto, meu pai, rei dos deuses?

Morris (1887, p. 141) aponta: “[nas interrogativas diretas,] das 139 questões com quis

[em Plauto] e com a primeira pessoa do singular do presente do subjuntivo, 81 são

introduzidas pelo quid”. Morris ainda identifica que em 54 dessas ocorrências quid é objeto

direto e que, no acusativo, quid é geralmente indistinto do quid interrogativo, por quê?.

Ernout e Thomas sobre o acusativo adverbial esclarecem que o papel atribuído antigamente ao

acusativo como determinação autônoma persiste particularmente no dito acusativo adverbial:

“[...] das formas pronominais surgem as conjunções: quid? ‘por quê?’, em quid uenisti?

significaria relativamente a que vieste, daí por que vieste?” (1959, p. 28).

A memorem está subordinada a interrogação indireta – quis benefactis meu’ pater, /

deorum regnator, architectust omnibus – com verbo no indicativo – est –, introduzida pelo

35

pronome interrogativo quis no dativo plural, em concordância com benefactis, na construção

de duplo dativo com verbo est.

Interessante é perceber a “função” dessa interrogativa: após uma discussão sobre os

poderes e qualidades de Júpiter (que se estende por 31 versos), Mercúrio encerra o assunto

com uma pergunta que faz a si mesmo. Em verdade, não é uma resposta que ele busca. Por

meio da interrogação, Mercúrio cria uma possibilidade metareferencial (ou metateatral) de

fazer uma conclusão e declarar, em solilóquio, definitivamente que Júpiter é o pai dos deuses

e arquiteto de todos os benefícios que os próprios deuses podem conceder.

Em seguida, logo que termina a prolação, tendo informado já a mando de quem veio,

Mercúrio anuncia:

[ME.] Nunc quam rem oratum huc ueni primum proloquar; post argumentum huius eloquar tragoediae. (50-1) [MER.] Primeiro agora falarei qual questão vim aqui para pedir; depois contarei o argumento desta tragédia.

No v. 50, identificamos uma interrogação indireta introduzida pelo pronome

interrogativo quam, como adjunto adnominal de rem e novamente com o verbo no indicativo

– ueni –, em uma construção que remonta ao v. 17. O motivo de sua vinda, entre outros, é

expor o argumento da peça (eloquar argumentum, v. 51), mas, ao pronunciar a palavra

“tragédia”, Mercúrio lança sua segunda pergunta no prólogo – agora não mais em solilóquio:

[ME.] quid? contraxistis frontem quia tragoediam dixi futuram hanc? [...] (50-3) [MER.] O quê? contraístes a fronte porque eu disse que esta peça há de ser uma tragédia?

É interessante observar o uso do pronome quid no verso 52 em comparação com as

edições de Holtze, Gronovius e Ernout do Amphitruo:

[ME.] Quid contraxistis frontem? quia tragoediam Dixi futuram hanc? [...] (52-3)

36

[MER.] Por que contraístes a fronte? Por que eu disse que esta peça há de ser uma tragédia? [...]

Parece-nos mais expressiva a construção do texto de Lindsay, no qual quid é toda uma

interrogativa, quando então todo o caráter interlocutório da pergunta se demonstra de forma

concentrada em um só termo – quid? –, pergunta esta seguida de uma interrogação sem

marcas (pronomes, advérbios ou partículas), contraxistis frontem quia tragoediam dixi

futuram hanc?. Afinal, Mercúrio já esperava uma reação contrária da platéia, que neste

momento se põe claramente como seu interlocutor.

Nessa hora, o uso da interrogativa serviu para criar um ambiente de diálogo, no qual a

platéia é convidada a interagir, além disso, é claro, para simular na boca de Mercúrio uma fala

possível de cada um dos espectadores.

Mercúrio explica que pode transformar a tragédia em comédia e, da mesma forma, a

comédia em tragédia por ser um deus, e pede que o público decida. É então empregada uma

oração interrogativa disjuntiva (ou dupla), introduzida pelas partículas utrum...an – outra

interrogativa em diálogo com o público:

[ME.] utrum sit an non uoltis? [...] (56) [MER.] Quereis que seja ou não? [...]

Ele desconsidera o que seria uma resposta e informa que vai fazer essa peça uma peça

mista, uma tragicomédia, porque afinal há reis e deuses na trama. É enfática a interrogação

quid igitur? [o quê (fazer), então?] no v. 62, à qual se segue a apresentação de outro motivo

para a tragicomédia: porque também haverá escravos em cena. Esta interrogação também faz

a manutenção do ambiente pseudo-dialogado, mantendo a platéia como elemento integrante

do contexto teatral.

No v. 64, Mercúrio começa a tratar do pedido de Júpiter efetivamente, até o v. 87. O

pedido de Júpiter é que não haja trapaça na platéia, promulgando o que seriam algumas leis

37

para as traições de espectadores ou outros comediógrafos. Neste entremeio, Mercúrio

pergunta:

[ME.] [...]: qui minus eadem histrioni sit lex quae summo uiro? (76-7)

[MER.] [...]. Por que a lei não seria a mesma para o comediante que para o homem mais importante?

Essa pergunta, na verdade, é uma pergunta em que sentimos mais a fala do próprio

autor da comédia, referindo-se ao universo teatral de seu tempo, e seria um terceiro tipo de

interrogativas que identificamos no prólogo.

No v. 88, então, Mercúrio anuncia o porquê do pedido: “ipse hanc acturust Iuppiter

comoediam” [o próprio Júpiter será ator nesta comédia], o que causaria admiração no público,

haja vista o v. 89, em que o mesmo tipo de construção interrogativa do v. 51 é identificado:

[ME.] quid? admiratin estis? [...] (89) [MER.] O quê? Estais admirados? [...].

Sobre o uso acima divergem também Gronovius, que apresenta no v. 89:

[ME.] Quid admirati estis? [...] (89) [MER.] Por que estais admirados? [...]

e Ernout, com a versão:

[ME.] Quid admirati estis, quasi uero nouum Nunc proferatur, Iouem facere histrioniam? (89-90) [MER.] Por que estais admirados como se, verdadeiramente, agora fosse apresentado algo novo, Júpiter se fazer de ator?

Há uma grande diferença, além da sintaxe, entre os modelos textuais apresentados.

Contudo, não será nosso intuito defender uma ou outra construção. Na verdade, essa múltipla

38

possibilidade sintática (que podemos identificar no nível textual) só serve para demonstrar o

que a língua viva poderia realizar.

Mercúrio depois de fazer a pergunta do v. 89 explica, então, a participação de Júpiter

na peça até o v. 95, quando então começa, finalmente, a expor o argumento da peça, o que faz

até o v. 147 e os 5 últimos versos do prólogo funcionam como um encerramento, servindo

para fazer a ligação com o início do ato I.

Neste final do prólogo, apresentam-se 2 estruturas com 4 interrogações indiretas:

[ME.] hau quisquam quaeret qui siem aut quid uenerim. (130) [MER.] ninguém perguntará quem eu sou ou por que vim. [...] [ME.] [...]. ibi nunc meu’ pater memorat legiones hostium ut fugauerit, quo pacto sit donis donatus plurumis. (135-7) [MER.] [...]. Lá agora meu pai conta como afugentou as legiões dos inimigos, (e) com que pacto foi presenteado com muitos presentes.

Em todas as 4 orações interrogativas indiretas, notamos o emprego do subjuntivo, e os

pronomes introdutores qui, quid e quo, e o advérbio ut. Estas construções indiretas aparecem

como as demais no prólogo, em falas expositivas. São utilizadas, em geral, para reproduzir

falas de outros personagens em um estilo indireto, criando uma polifonia interessante em um

momento tipicamente do monólogo.

Ainda sobre a interrogação indireta, visto que das 8 orações interrogativas indiretas do

prólogo, 3 apresentam o verbo no indicativo e 5, no subjuntivo, vejamos o que Lindsay nos

explica:

“In Dependent Clauses the use of the Subj. in Plautus’ colloquial language was not at all so strictly regulated as in the literally language of the Augustan Age. It is extremely difficult to say with certainly: ‘in this or that Dependent Clause Plautus could not use the Ind.’ or ‘could not use the Subj.’ In most types of clause we find both Moods used, but never quite at random. There is always a particular nuance of thought expressed by the one or the other. The use of Ind. makes the statement more a

39

definite statement of actual fact, the use of Subj. makes it more indefinite, more dependent on external agency.” (1907, p. 65, V, 27)

Em frases dependentes, o emprego do subjuntivo na língua coloquial de Plauto não era completamente regulado de forma estrita como na língua literária do período augustano. É extremamente difícil dizer com certeza: ‘nessa ou naquela frase dependente Plauto poderia não usar o indicativo’ ou ‘poderia não usar o subjuntivo’. Na maioria das frases encontramos ambos os modos empregados, porém nunca completamente de forma aleatória. Sempre há uma nuance particular de pensamento expressa por um ou por outro. O uso do indicativo torna a oração mais definida, expressando um fato real, já o uso do subjuntivo torna a oração mais indefinida, mais dependente de um fator externo.

O prólogo se encerra no v. 152, e seus 15 versos finais não apresentam mais

interrogativas.

Na seqüência, na análise dos próximos atos, veremos um cenário diferente do que nos

apresentou o prólogo em termos do emprego das interrogações diretas. No diálogo, o emprego

da interrogação direta será mais extenso e diversificado.

4.2 Ato I

Dos 398 versos que compõem este primeiro ato, 99 são constituídos de frases

interrogativas, das quais 84 são diretas e 15 indiretas, ou seja, aproximadamente, 1/4 do

primeiro ato é composto por estruturas interrogativas.

Esse dado já é um indício para a confirmação da hipótese a partir da qual partimos

para responder ao problema proposto: as interrogações seriam amplamente utilizadas na

comédia latina (especificamente em Plauto) por serem estruturas típicas da língua falada e por

funcionarem como elementos frasais de condução e estruturação do drama. Veremos, ao

longo deste capítulo – especialmente no ato I –, como as interrogativas então “conduzem” o

texto (e a ele se subordinam) no sentido de mover a história em direção ao que fora

anteriormente planejado, como acenou Anderson (1996, p. 108).

40

Após o longo prólogo de Mercúrio, com escassa utilização das interrogativas, como

vimos, devido especialmente à sua estrutura de monólogo, começa o ato I, no verso 153. Os

três primeiros versos do ato I, ou seja, os três primeiros da trama já conformam duas

interrogações. Vejamos a primeira: Mercúrio sai de cena, encerrando o prólogo, e entra Sósia,

o escravo de Anfitrião, trazendo uma lanterna à mão e chegando do porto. Voltado

possivelmente para o público, sua primeira fala é exatamente a primeira interrogação da peça

(o que nos é bastante interessante):

SO. Qui me alter est audacior homo aut qui confidentior, iuuentutis mores qui sciam, qui hoc noctis solus ambulem? (153-154) SÓS. Que outro homem é mais audaz ou mais confiante que eu, (tal) que conheça os costumes da juventude, que ande por aqui sozinho à noite?

Em relação à estrutura sintática, este é o tipo mais simples da interrogativa, o modelo

básico proposto por Holtze quis est qui, introduzido por um pronome interrogativo. Kühner e

Draeger, a respeito dessa construção, introduziram o conceito de interrogativa-palavra – a

interrogativa que tem como resposta uma única palavra (um sujeito, um atributo ou um

objeto) –, conceito este que, em Ernout e Thomas, aparece tratado como “interrogação

parcial”. Em nosso exemplo, o termo introdutor é qui, a forma adjetiva masculina do pronome

interrogativo quis, sobre cujo emprego transcrevemos aqui a nota da Syntaxe Latine:

“Au nominatif singulier, le doublet qui était utilisé comme adjectif et pour insister sur l’état ou la qualité (= fr. quel?), tandis que quis servait surtout de pronome et interrogeait sur l’identité. Ainsi: Ter., Eu. 823-4: quis fuit igitur? – iste Chaerea || qui Chaerea? – iste ephebus, frater Phaedriae [...]. Mais cette répartition n’était par absolute, par ex. Cir., de Or. I, 220: quis enim unquam orator magnus et gravis ... haesitavit? [...]” (1959, p. 155-6) No nominativo singular, a forma dupla qui seria utilizada como adjetivo e para insistir sobre o estado ou a qualidade, ao passo que quis servia, sobretudo, como pronome e interrogava sobre a identidade. Assim: Ter., Eu. 823-4: Então quem foi? – aquele Quérea / qual Quérea? – aquele efebo, irmão de Fedra [...]. Mas esta repartição não seria absoluta, por ex. Cir., de Or. I, 220: qual grande e respeitado orador certamente nunca hesitou? [...].

41

O pronome adjetivo qui, que indaga sobre o estado ou a qualidade, no contexto em que

é empregado, faz-nos reconhecer seu sentido: afinal a qualidade sobre a qual se indaga é a de

um outro homem. Assim, partindo da especulação final dos gramáticos franceses, “esta

repartição não seria absoluta”, podemos entender que a interrogação reside sobre a

possibilidade de haver um outro, podendo muito bem ser entendida como quis alter homo

est...? [quem é o outro homem...?].

Entretanto, por trás dessa construção simples, reside uma interrogação de fato

complexa para o Amphitruo de Plauto: qui alter homo est...? [que outro homem é...?]. Essa

primeira pergunta já sugeriria um diálogo, ou uma brincadeira, com a trama de toda peça. A

figura do “sósia” na cultura ocidental contemporânea é a do “outro” (alter, em latim), e essa

imagem do “sósia” é criada exatamente a partir da identidade do personagem-escravo

homônimo da comédia de Plauto, o Sósia, filho de Davus. Essa apropriação de sentido se

processou ao longo dos tempos com a grande popularização do Amphitruo e suas posteriores

adaptações13. Enfim, quando Sósia pergunta que homem outro é...?, ele admite a possibilidade

de haver um outro – alter, o outro de dois –, que seria mais audaz e confiante do que ele. O

que Sósia não imagina é que este outro seja, de certa forma, ele mesmo. Do ponto de vista do

ambiente dramático, essa pergunta, a serviço do texto, prenunciaria a longa discussão na peça

sobre a possibilidade de haver um outro. A utilização de uma interrogação direta, em especial

com o introdutor qui, alcança certamente um grande efeito de expressão logo no primeiro

instante do drama.

Quando discute a natureza da relação entre a ilusão da performance e a realidade dos

atores, Bond (1999, p. 216) demonstra ser de enorme importância essa discussão no

Amphitruo, dado que a ficção na peça dependesse muito da troca de identidade e mesmo da

perda de identidade muitas vezes.

13 Acerca da popularização do Amphitruo, ver Segal, 1983, p. 171.

42

Bond ainda explica que, no início da cena de abertura, não há dúvida de que Sósia

esteja bem consciente de quem ele é e de seu status; ele é um escravo de um homem rico e

isso é duro, mas Sósia ainda lembra que deve suportar esse fardo de qualquer forma –

habendum et ferendum hoc onust cum labore (v. 175) [é preciso manter e suportar isso com o

esforço]:

“In an aside not heard by Sosia Mercury immediately introduces the topic of identity and role. He, Mercury, had been free that morning (although he has already told us, the audience, that he and his father are merely actors), but now was his father’s slave; Sosia, on the other hand, had been ‘born a slave’ (179). Sosia then takes on the role of messenger and rehearses the speech, which he is under instructions from Amphitryo to give to Alcumena, informing her of the successful outcome to the battle and of her husband's exploits in achieving the victory.” (1999, p. 216) À parte, não ouvido por Sósia, Mercúrio imediatamente introduz o assunto da identidade e do papel [do escravo]. Ele, Mercúrio, tinha sido livre pela manhã (apesar de já ter dito para nós, a audiência, que ele e seu pai são meramente atores), mas agora era o escravo de seu pai. Sósia, por outro lado, tinha ‘nascido escravo’ (179). Sósia então desempenha o papel de mensageiro e ensaia o discurso que, sob instruções de Anfitrião, ele deve dar à Alcmena, informando a ela do sucesso alcançado na batalha e das proezas de seu marido na obtenção da vitória.

A identidade de Sósia é desconstruída durante o desenrolar da primeira cena deste

primeiro ato. Mercúrio, metamorfoseado, faz o verdadeiro Sósia ser o outro, ou mesmo não

ser ninguém. Podemos entender que essa desconstrução de identidade se processa pelo poder

da interrogação. Em nossa proposta de identificar a interrogativa como elemento textual de

construção do cômico, esse é um resultado muito significativo.

Assim, o grande drama de Sósia circulará então em volta da questão da identidade, e é

exatamente essa sua primeira dúvida: quem é o outro? Bond sugere que seja Mercúrio quem

introduz o tema da identidade no v. 179, porém podemos entender que é Sósia que antecipa

todo o ambiente de dúvida quanto às identidades com sua interrogação, preparando assim o

público para as incertezas e confusões, e, de certa forma, indicando que a dúvida será de

grande importância para a história.

Vale ainda mencionar que, ao perguntar se haveria alguém mais audaz e confiante que

ele, que conhecesse os costumes da juventude e andasse sozinho à noite, notamos, no texto,

43

um certo efeito estilístico: um paralelismo sintático na seqüência de duas orações adjetivas

adverbiais de valor consecutivo, ambas com o pronome relativo qui e com o verbo na

primeira pessoa do singular do presente do subjuntivo, sciam e ambulem, sugerindo um

contraponto com os adjetivos audacior e confidentior. Michaut (1920, p. 104) ainda diz ser

particularmente típica de Plauto a utilização de superlativos e comparativos nas falas de

introdução, conferindo ao texto um caráter grandiloqüente e exagerado.

Ainda no bloco dos três primeiros versos, identificamos, no verso 155, uma

interrogação iniciada pelo pronome interrogativo quid, em uma frase na qual há uma

correlação condicional, com a oração condicionante si tresuiri me in carcarem compegerint,

em que podemos observar a utilização do futuro perfeito compegerint:

[SO.] quid faciam nunc si tresuiri me in carcerem compegerint? (155) [SÓS.] O que farei agora se os triúnviros me meterem na cadeia?

Lindsay acerca desse emprego nos ensina: “Plautus’ expression of threats follows

strict laws, which however are not the laws of class. Lat. With nisi (ni) the Pres. Ind. is used,

with si the Fut. Perf.” (2002, p. 123-4, VIII, 5) [a expressão de ameaças de Plauto segue leis

estritas, as quais, contudo, não são as leis do latim clássico. Com nisi (ni) o presente do

indicativo é utilizado, com si, o futuro perfeito]. Vemos então, nesse caso, a utilização do

futuro perfeito, como explica Lindsay, respeitando as leis plautinas para o emprego dos

tempos e modos verbais em expressões de ameaças.

A partir da condição “se os triúnviros me meterem na cadeia” que integra esta

interrogativa, Sósia aproveita para expor os flagelos que poderiam suceder-lhe e fala da

natureza de ser escravo. Essa interrogação não busca uma resposta. Ela adquire um papel bem

claro na estrutura do texto: apresentar um tema.

Sua exposição sobre a condição de escravo estende-se até o v. 164, quando surge uma

terceira pergunta, ainda em sua primeira fala:

44

SO. nonne idem huc luci me mittere potuit? (165) SÓS. Ele não me teria podido enviar para cá de dia?

Introduz a interrogação a partícula nonne, cujo emprego, segundo a divisão clássica

proposta por Ernout e Thomas, remontando a Kühner, pressupõe uma resposta afirmativa

(veremos adiante a relativização desse conceito). Na peça, não se responde, mas, além do

introdutor nonne, o uso do verbo potuit, na expressão de possibilidade, conforme nos explica

Grimal, (1986, p. 95, I), concorre para o engendramento do pensamento. Como dito quanto ao

emprego do nonne em Plauto, veremos mais à frente suas particularidades; por hora,

gostaríamos de ressaltar apenas a força da interrogativa baseada em uma proposição negativa

– não teria podido?. Em seguida, Sósia desata a falar sobre como é duro ser escravo de um

senhor rico. A pergunta do v. 165, sem resposta, então funciona como um recurso para a

descrição que faz acerca da maldade do amo e da dureza da vida do escravo, assim como a

pergunta do v. 155 havia funcionado para possibilitar sua descrição dos flagelos.

Então, propomos compreender a primeira fala de Sósia dividida em três “atos”, com

três funções distintas. Um primeiro (vv. 153-154), completo em uma única pergunta: qui me

alter homo est...?, como uma antecipação da discussão do tema “identidade”, seguido de dois

outros momentos iniciados por questões sem resposta, que funcionam apenas como recursos

dramáticos (textuais), conferindo fluidez à trama e apresentando os “dramas” do escravo: um

(vv. 155-164), em que Sósia fala da violência contra o escravo e dos maus tratos que sofre, e

um outro (vv. 165-175), em que trata do amo, descrito como cruel e rico.

Ainda, no final de sua primeira fala, Sósia cogita sobre os critérios de justiça do amo

rico, em uma interrogação indireta e disjuntiva:

[SO.] nec aequom anne iniquom imperet cogitabit. (173) [SÓS.] não pensará se ordena o justo ou o injusto.

45

Ernesto Faria (1958, p. 413) explica que além da forma mais comum em interrogações

disjuntivas duplas utrum... an, há inúmeras possibilidades de construção, por exemplo, com a

omissão do utrum no primeiro membro, só aparecendo an ou anne no segundo: conforme

demonstra o v. 173. Ernout e Thomas (1949, p. 159) ainda adicionam que anne aparece como

forma substitutiva de an quando diante de palavras iniciadas por vogal e que é utilizado

sobremaneira em interrogações indiretas, como vemos. A construção da oratio obliqua com

verbo no subjuntivo, embora não haja leis formais de utilização do tempos nas orações

dependentes como vimos, remonta ao conceito que se estende por trás da utilização de todo o

subjuntivo: o falante expressa um determinado ponto de vista ou se apropria, de forma

indireta, do ponto de outrem14.

Partindo desse primeiro bloco de perguntas da primeira fala de Sósia, no v. 176,

Mercúrio participa com sua primeira fala em que alerta o público sobre sua condição fingida

de escravo, deixando claro que escravo mesmo era Sósia.

Depois, Sósia, ao abrir sua segunda fala, vitupera contra si mesmo – sum uero uerna

uerbero [eu sou mesmo um escravo, um velhaco] –, e lança mais uma pergunta,

reconsiderando sua condição de escravo ingrato, o que Mercúrio, à parte, corrobora, no v.

185, na construção em que identificamos uma interrogação indireta, com verbo no subjuntivo:

[SO.] [...]: numero mihi in mentem fuit, dis aduenientem gratias pro meritis agere atque adloqui? (180-1) [SÓS.] [...]: prontamente me veio à mente, enquanto chegava, exortar e agradecer aos deuses por (seus) favores? [...]

ME. facit ille quod uolgo hau solent, ut quid se sit dignum sciat. (185) MER. Ele faz aquilo que não costuma o povo: já que sabe o que merece.

14 Ver as discussões sobre o subjuntivo em Woodcock (2005, p. 84, passim).

46

Não há marcas de interrogação na pergunta de Sósia do v. 180: é interessante notar

que, nesse tipo de sentença, há muito pouca diferença sintática entre a declaração e

interrogação. Seria a entonação do falante que marcaria essa distinção. E ainda: Morris indica

que uma marca sintática que confere força de interrogação a uma sentença sem nenhuma

outra marca interrogativa seria o deslocamento do verbo para o início da frase (1890, p. 31).

Isso não ocorre neste verso, entretanto não podemos duvidar, de nenhuma forma, da força

interrogativa dessa sentença, muito embora possamos ainda enxergar seu caráter fortemente

exclamatório, visto que, na seqüência, Sósia replica – ne illi edepol si merito meo referre

studeant gratiam, / aliquem hominem adlegent qui mihi aduenienti os occillet probe, /

quoniam bene quae in me fecerunt ingrata ea habui atque inrita [por Pólux, certamente se

eles dedicam-se em dar em troca um agradecimento pelo meu mérito, contratarão um homem

qualquer que me quebrará a boca muito bem assim que eu chegar, porque considerei aquelas

coisas que me fizeram de bom de forma ingrata e ineficaz].

Só então após este preâmbulo de questões, que, na verdade, discutem a natureza do

escravo e sua inserção na peça, é que Sósia vai começar a desenvolver o enredo, no v. 186,

em que contará como sucedeu a guerra da qual saíram vitoriosos os tebanos e refletirá sobre a

maneira de anunciar os fatos à Alcmena, já que esta foi sua incumbência dada por Anfitrião.

Em sua descrição, que se estende por 75 versos, do v. 186 até o 262 – exceto os versos

247 e 248, em que Mercúrio faz uma breve intervenção confirmando a história de Sósia –,

encontramos duas interrogativas indiretas, ambas com verbos no subjuntivo:

[SO.] ea nunc meditabor quo modo illi dicam, quom illo aduenero. (197) [SÓS.] Agora pensarei de que modo lhe direi essas coisas, quando chegar lá. [...] [SO.] sed quo modo et uerbis quibus me deceat fabularier, prius ipse mecum etiam uolo hic meditari. [...] (201-2) [SÓS.] Mas, de que modo e com que palavras me convém mentir, primeiramente, eu mesmo quero então pensar aqui. [...]

47

Nas duas construções, o verbo meditari é o introdutor das interrogativas indiretas e

podemos perceber a preocupação de Sósia quanto ao relato dos fatos à Alcmena.

Notadamente, as descrições e narrações que compõem o texto da peça não apresentam muitas

interrogativas.

Após a longa descrição, depois de pensar muito sobre o modo de contar a história,

Sósia finaliza, nos versos 261 e 262: haec sic dicam erae. / nunc pergam eri imperium exsequi

et me domum capessere [assim direi essas coisas a minha senhora / agora continuarei a seguir

a ordem do meu senhor e a me dirigir para casa]. Ao ouvir as últimas palavras – me domum

capessere –, Mercúrio reage: attat, illic huc iturust. ibo ego illic obuiam [ah! há de vir para

cá. Irei pará-lo já] e lembra que, com a aparência de Sósia, pode enganá-lo e não permitirá

que ele entre em casa. No final de sua fala, no v. 270, Mercúrio, de forma inesperada,

surpreso com as ações de Sósia em palco, lança uma pergunta:

[ME.] sed quid illuc est? caelum aspectat. opseruabo quam rem agat. (270) [MER.] Mas o que é aquilo? Ele olha o céu. Verei o que ele faz.

A interrogativa direta quid est illuc? é, do ponto de vista sintático, a pergunta básica

quis est qui? (= quid est illuc?), porém, textualmente, sua função vai além de efetivamente

indagar sobre o que é alguma coisa. É com essa indagação que Mercúrio troca o fio condutor

de seu pensamento para o desenvolvimento da ação em cena, fazendo referência não a um

elemento textual, mas a um elemento tipicamente teatral.

A frase caelum aspectat, na seqüência, é outra referência ao ambiente teatral, à qual se

segue uma interrogação indireta opseruabo quam rem agat – cujo verbo introdutor opseruabo

serve de recurso para mover o público a observar as ações do personagem (Sósia) em cena.

Do v. 271 até o 290, alternam-se as falas: de um lado, Sósia observa o céu que permanece

48

inalterado, talvez, diz, o Sol esteja dormindo por ter bebido demais – credo edepol equidem

dormire Solem, atque adpotum probe, v. 282 –; por outro lado, Mercúrio, ainda à parte,

aprova e deseja que a noite se prolongue para seu pai, entretanto expressa sua indignação com

o modo de falar de Sósia:

ME. aïn uero, uerbero? deos esse tui similis putas? (284) MER. Ainda falas, patife? Julgas que os deuses são iguais a ti?

Morris quando trata das questões iniciadas por -ne destaca a utilização da partícula

acompanhando verbos na segunda pessoa do singular: um desses empregos se dá com o verbo

ais (aisne > ain). Morris nota que ain pode aparecer com um infinitivo dependente, seguido

por uma questão com uerba dicendi, com a repetição da frase anterior e sem a repetição da

frase anterior. No caso do v. 284, notamos que a ain se segue uma questão com infinitivo e

com um verbo de pensamento, sobre o que Morris esclarece:

“[...] the verb of saying or thinking is a kind of substitute for and interpretation of ain, giving such a color to the whole as to make the preceding statement seem absurd. They imply a somewhat contemptuous rejection, [...].” (1889, p. 402) “[...] o verbo declarativo ou de pensamento é um tipo de substituto e uma interpretação do ain, dando uma coloração ao todo como se fizesse a afirmação anterior parecer absurda. Eles implicam uma forte rejeição de alguma forma, [...].”

Esse é o efeito que provoca a interrogação de Mercúrio: faz a fala de Sósia parecer

absurda. Morris ainda explica que:

“In general it is worthy of note that ain never refers forward (as quid ais? does) to what is about to be said, but always backward, to what has been said. As Langen remarks, it always stands at the beginning of a speech, [...]. When ain tu (vero, tandem) precedes a repetition, it becomes an exclamation, calling attention to what follows. In Pl. the following question is without ne; [...].” (1889, p. 404) Em geral, merece nota que ain nunca se refere ao que se segue (como quid ais? se refere), ao que vai ser dito, mas sempre ao que antecede, ao que foi dito. Como Langen indica, ele sempre aparece no início da fala [...]. Quando ain tu (vero, tandem) precede uma repetição, ele se torna uma exclamação, chamando atenção ao que segue. Em Plauto, a questão seguinte é sem ne; [...].

49

Sósia, por sua vez, continua em suas fantasias e pensa sobre o que se poderia fazer em

uma noite dessas, e se pergunta onde estariam os libertinos que nunca se deitam sozinhos:

SO. ubi sunt isti scortatores qui soli inuiti cubant? (287) SÓS. Onde estão aqueles libertinos, que se deitam contrariados (quando) sozinhos?

A estrutura da interrogativa, iniciada pelo advérbio interrogativo ubi, sem uma idéia de

movimento, indaga puramente sobre onde estariam esses libertinos, insinuando que esta seria

uma boa oportunidade para se ter com as mulheres. Situação que agrada a Mercúrio, pois

assim a Noite daria mais tempo a Júpiter para o amor.

Após sua observação sobre a duração da noite, Sósia parte para finalmente levar a

notícia a sua senhora, quando percebe alguém diante da porta da casa. Sua fala anuncia a

seqüência de ações:

SO. ibo ut erus quod imperauit Alcumenae nuntiem. sed quis hic est homo quem ante aedis uideo hoc noctis? [...] (291-2) SÓS. Irei para que anuncie à Alcmena o que meu senhor ordenou. Mas quem é este homem que vejo lá diante de casa, à noite? [...]

À intenção de Sósia (v. 291) surge uma situação adversa – o v. 292 começa com a

conjunção sed – expressa por uma interrogativa direta quis hic est homo ante aedis uideo hoc

noctis?, quando põe em cena, pela primeira vez, Mercúrio.

Cria-se agora uma atmosfera de tensão que precede o primeiro encontro entre Sósia e

Mercúrio, que se estende do v. 293 até o 340, em falas à parte, como se um não soubesse da

presença do outro, em que Sósia se sente ferozmente ameaçado pelo desconhecido. Durante

esse embate de palavras, três interrogações diretas conferem apenas graça à ação,

notadamente aparecendo pela terceira vez no texto uma interrogação sobre identidade.

SO. quis homo? [...] (309) SÓS. Que homem?

50

[...]

ME. quid si ego illum tractim tangam, ut dormiat? [...] (313) MER. E se lhe bato sem parar para que durma? [...] [...] ME. [...]. SO. ei, numnam ego obolui? (321) MER. [...] SÓS. Ai, será que soltei algum cheiro?

Notamos, no v. 309, a ocorrência do pronome interrogativo quis, e não qui,

adjetivamente ligado a homo, assim como no v. 292 – quis hic est homo...? – em

contraposição à estrutura do v. 153, reforçando nossa observação sobre o uso quase indistinto

do quis e qui, especialmente nas questões de identidade no Amphitruo.

Uma das ameaças de Mercúrio, neste preâmbulo do seu diálogo com Sósia, é realizada

por meio de uma interrogativa, o v. 313. A tradução, de acordo com Gaffiot, p. 1299, item 1.c,

para quid, si é “e se”. Essa pergunta simula um cenário possível, não é ainda uma ameaça

formal, mas deixa entrever o que poderá acontecer: quid, si15.

Na estrutura do v. 321, em que Sósia se questiona, encontramos a partícula num

acompanhada do reforçativo nam. Holtze diz que numnam é empregado quando aquele que

pergunta tem certeza de que algo não aconteceu, mas mesmo assim pergunta para lhe tirar

toda a dúvida, possibilitando então, em um ambiente cômico, ser utilizado a serviço da ironia.

A passagem que vemos aqui é tipicamente risível, em especial reforçada por numnam.

Em desespero, Sósia ainda se questiona sobre sua consciência:

[SO.] non edepol nunc ubi terrarum sim scio, si quis roget, (336) [SÓS.] Por Pólux! se alguém perguntasse agora não sei em que lugar da terra estou,

Identificamos o emprego da interrogação indireta introduzida pelo verbo scio, com o

advérbio interrogativo ubi e o verbo sim.

15 A edição do texto de Lindsay não apresenta a vírgula entre quid e si.

51

Toda a atmosfera de dúvidas – criada a partir do seqüencial uso de interrogativas –

contribui fortemente para manter atentos os espectadores, assim a interrogativa segue

funcionando como um recurso textual de desenvolvimento do drama.

Enfim, confrontam-se Mercúrio e Sósia, lançando perguntas sucessivas um ao outro,

nos versos 341 e 342 (as primeiras falas que os dois trocam são interrogações!):

ME. quo ambulas tu qui Volcanum in cornu conclusum geris? SO. quid id exquiris tu qui pugnis os exossas hominibus? (341-2) MER. Para onde andas tu que levas Vulcano num chifre encerrado? SÓS. Por que inquires isto tu que com socos desossas as bocas dos homens?

Interessante é perceber, na construção das frases, o paralelismo entre as estruturas

sintáticas das duas interrogativas, ambas em períodos compostos por duas orações: a

principal, introduzida por um advérbio interrogativo, constitui a indagação, em contraposição

à afirmação enfática expressa pela subordinada adjetiva iniciada por um pronome relativo.

Associada a essa estrutura sintática paralela percebemos também a assonância que as duas

perguntas mantêm diferentemente, em um contraponto fonético, criador de um efeito

histriônico tipicamente plautino – quo ambulas tu qui Volcanum in cornu conclusum geris e

quid id exquiris tu qui pugnis os exossas hominibus. Mercúrio lança sua primeira pergunta

grave com muitos fonemas /u/ e /o/, ao que Sósia replica, utilizando-se marcadamente do

fonema /i/, possivelmente construindo um ambiente irônico.

Inicia-se, assim, um longo diálogo – do v. 341 ao 462 – em que Mercúrio procura

confundir Sósia, desconstruindo-lhe a identidade, como bem aponta Bond:

“As Mercury plays his cruel games with Sosia and finally discloses the fact that he has stolen the slave’s very name, his father, and identity, the actual Sosia becomes an ever more sad and sorry figure. From staunchly defending his own identity Sosia is beaten into submission, into a position where he surrenders his identity and name (380ff.) and, after the comic testing of Mercury on the question of a certain jug of undiluted wine, the bewildered slave is made by Plautus finally even to give the details of his tormentor’s identity with himself: [...].” (1999, p. 216) Quando Mercúrio aplica seu jogo cruel com Sósia e finalmente revela o fato de ter roubado o próprio nome de Sósia, seu pai e sua identidade, o atual Sósia se torna uma

52

figura totalmente triste e lamentável. Da defesa incondicional de sua própria identidade Sósia é abatido em submissão, em uma posição em que ele entrega sua identidade e seu nome (v. 380) e, após o cômico teste de Mercúrio sobre a questão de uma certa garrafa de vinho misturado, o confundido escravo é levado por Plauto finalmente a dar detalhes da identidade de seu atormentador (misturada) com a sua própria: [...].

Neste trecho, aparecem 58 interrogações. Aqui, claramente, percebemos como as

interrogativas atuam na desconstrução da identidade de Sósia. Já no v. 343, Mercúrio retruca

com mais uma indagação:

ME. seruo’sne an liber? [...] (343) MER. Tu és escravo ou homem livre? [...]

Uma interrogação disjuntiva introduzida por -ne...an. Interessante é perceber que

Mercúrio dá duas alternativas para Sósia responder, por isso a utilização das partículas, mas

Sósia responde livremente que pode ser qualquer coisa – utquomque animo conlibitum est

meo [(sou) aquilo que agrada ao meu ânimo]. Mercúrio fica zangado e questiona:

ME. aïn uero? [...] (344) MER. Dizes verdadeiramente (isto)? [...]

Morris explica que quando não há repetição de palavras, ain se torna uma mera

exclamação de admiração, incredulidade ou indignação, e como está em sua natureza uma

resposta para uma reafirmação, ele geralmente se inclina em direção à rejeição do que foi dito

(1889, p. 404). Nesse exemplo, Sósia não responde negativamente, pelo contrário, sua

resposta é aio enim uero [digo sim, com certeza]. Mas para confirmar que a disposição inicial

da pergunta de Mercúrio era receber uma resposta negativa, Mercúrio exclama em seguida –

uerbero [patife]. Sósia retruca – mentire nunc [agora mentes] – e Mercúrio vaticina – at iam

faciam ut uerum dicas dicere [mas já farei que digas a verdade].

ME. [...]. SO. quid eo est opus? (345) MER. [...]. SÓS. Por que se preciso disso?

53

É o que pergunta Sósia, confuso, encerrando o assunto. Em seguida, Mercúrio interroga:

ME. possum scire quo profectus, quoius sis aut quid ueneris? (346) MER. Posso saber para onde vais, de quem és ou por que vieste?

Morris trata também das expressões e sentenças com leve efeito interrogativo, entre as

quais categoriza a construção com o verbo possum no início da frase seguido de um infinitivo

dependente:

“These questions are strongly ironical, but they are in form questions for information. The irony consists in using a formal interrogation instead of a less courteous command. We should therefore expect ne. Its absence is due to the compound nature of possum; to say pos-sum-ne would have been against the usage, which required, e. g., molestusne sum, not molestus sumne, and so potis-ne sum, not potis sum-ne.

Plautus therefore does not use possumne at all.” (1890, p. 33) Essas questões são fortemente irônicas, mas elas são em forma de questões por informação. A ironia consiste em usar uma interrogação formal no lugar de um comando menos cortês. Deveríamos logo esperar ne. Sua ausência é devida à natureza composta de possum; dizer pos-sum-ne seria contra o uso, o que requereu, por exemplo, molestusne sum, não molestus sumne, e então potis-ne sum, não potis sum-

ne. Plauto assim não usa possumne em nenhum caso.

Notemos ainda as interrogativas indiretas dependentes da locução possum scire: são as

três informações que Mercúrio quer de Sósia – para onde vais, de quem és, por que vieste –,

todas com verbo no subjuntivo, ao que Sósia responde e questiona:

SO. [...]. numquid nunc es certior? (347) SÓS. [...]. Por acaso estás mais informado agora?

Sobre numquis, Morris observa que, com força negativa, nas questões, desafia o

ouvinte a negar um fato evidente, mas pode aparecer sem esse tom desafiador, e

especialmente, cita o v. 347 (1890, p. 25).

Ernout diz que num teria diversas formas de reforço, numnam (arc.), numne (Cic.),

numqui (raro) e numquid. Numquid – de onde o quid teria origem no acusativo de relação (ou

adverbial) – suplantaria num no latim vulgar (1959, p. 158).

54

Lindsay, sobre num (também numnam e numquid), diz que aparentemente não

esperaria uma resposta negativa. Na peça inteira, aparecem numquid cinco vezes; num, três

vezes e numnam, duas (1907, p. 130).

Na seqüência, em uma série de interrogações diretas, o escravo e o filho de Júpiter

continuam a não se entenderem:

[SO.] [...]. ME. pergin argutarier? quid apud hasce aedis negoti est tibi? SO. immo quid tibi est? (349-50) [SÓS.] [...]. MER. Continuas a mentir? O que tens de negócio junto a esta casa? SÓS. E o que tu tens ainda? […] [SO.] [...]. ME. at scin quo modo? (356) [SÓS.] [...]. MER. Mas sabes como?

Morris (1889, p. 409) explica que onde o infinitivo é utilizado após pergin, a

interrogação é quase regular, e, embora emocional, não é influenciada na sua sintaxe pela

emoção. Isto é, por um certo autocomedimento sarcástico, o falante pergunta se um certo tipo

de conduta será mantido, em vez de pedir que cesse. Para esse tipo de ironia é essencial que

uma forma simples de interrogação seja usada, ou a aparência de um desejo polido de

informação será perdida. Enfim, para o autor, este é estudadamente o estilo formal do

sarcasmo.

Sobre scin quomodo (quam, quemadmodum, quoiusmodi, quid), Morris explica na

seqüência (1889, p. 411) que pode aparecer um verbo na oração subordinada. Scin pode

aparecer (a) com objeto direto no acusativo e, em uma oração indireta, com verbo no

subjuntivo e (b) com quid e verbo no indicativo – nesse caso, a sentença seguinte apresenta

um verbo no subjuntivo funcionando como um comando no discurso direto, sempre com o

verbo faciam, facias.

55

Sobre o v. 356, at scin quo modo? faciam ego hodie te superbum, ni hinc abis, Morris

diz que seria um posterior desenvolvimento dos empregos a e b, que permanece apenas em

estruturas interrogativas: “they refer, as do the others, to a preceding speech, which they

correct (...) by adding an exaggerated and often threatening explanation” (1889, p. 412) [elas

se referem, como as demais, à fala antecedente, que elas corrigem (...) pela adição de uma

explicação exagerada e muitas vezes ameaçadora].

À ameaça de Mercúrio, então Sósia pergunta:

[ME.] [...]. SO. quonam modo? (357) [MER.] [...]. SÓS. Como?

Aqui nam aparece apenas como reforçativo do pronome quo, na questão quo modo?,

que aparece na peça seis vezes, funcionando no diálogo como um elemento de explicação,

conduzindo o enredo e movendo o texto, além, é claro, de agir como elemento testificante do

caráter interlocutório do teatro.

Mais a frente, depois de ser impedido de entrar em casa por Mercúrio, Sósia entra em

um embate que o faz questionar sua casa, seu patrão e que culmina com o questionamento de

seu próprio nome:

SO. tun domo prohibere peregre me aduenientem postulas? ME. haecine tua domust? SO. [...]. ME. quis erus est igitur tibi? (361-2) SÓS. Tu pensas proibir a mim que chego de longe entrar em casa? MER. Está é tua casa? SÓS. [...]. MER. Quem é teu senhor então? […] [SO.] [...]. ME. quid ais? quid nomen tibi est? (364) [SÓS.] [...]. MER. O que dizes? Qual teu nome?

E é quando Sósia fala seu nome que Mercúrio intensifica sua “brincadeira” de

desconstruir a identidade do escravo de Anfitrião.

SO. [...]. ME. tun te audes Sosiam esse dicere, qui ego sum? [...] (373-4)

56

SÓS. [...]. MER. Tu ousas dizer que és Sósia, que sou eu? [...]

Observamos acima que, além das duas perguntas com o pronome interrogativo quis,

aparecem três questões introduzidas pela partícula ne adicionada a pronomes (2 pessoais e 1

demonstrativo), sobre o que Morris explica (1889, p. 415): nos casos de tune (tun) a partícula

ne enfatizaria a segunda pessoa e conferiria um caráter emocional ao diálogo, expondo

rejeição ou repúdio da parte daquele que pergunta, nessa hora aproximando a interrogação da

exclamação.

Como em um duelo de palavras, Mercúrio continua indagando Sósia:

[ME.] quoius nunc es? SO. [...] [SO.] [...]. ME. etiam clamas, carnufex? loquere, quid uenisti? SO. [...]. ME. quoius es? SO. [...]. (375-8) MER. Agora de quem és? SÓS. [...]. [SÓS.] [...] MER. Então clamas, assassino? Dize: por que vieste? SÓS. [...]. MER. De quem és? SÓS. [...]. […] ME. etiam muttis? SO. iam tacebo. ME. quis tibi erust? SO. [...]. ME. quid igitur? qui nunc uocare? (381-2) MER. Então murmuras? SÓS. Já calarei. MER. Quem é teu senhor? SÓS. [...]. MER. O que (há), então? Como agora tu te chamas? […] ME. dicito [si] quid uis, non nocebo. SO. tuae fide credo? ME. meae. SO. quid si falles? ME. [...]. (391-2) MER. Dize: o que queres, não te maltratarei. SÓS. Confio na tua fidelidade? MER.

Sim. SÓS. E se me enganas? MER. [...]. […] [SO.] [...]. ME. etiam denuo? (394) [SÓS.] [...]. MER. De novo?

57

É durante esse diálogo, repleto de interrogações, normalmente realizadas por

Mercúrio, que a dúvida ou, muitas vezes, as respostas forçadas de Sósia, aos poucos, vão

levando Sósia a desacreditar em si mesmo. Do verso 403 ao 409, Sósia se questiona por que

duvida de si mesmo, e faz isso com uma série de perguntas para si. É aqui que o texto no ato I

demonstra com muita clareza o papel das interrogações: ajudar no levantamento das dúvidas

que mais confundem do que esclarecem e desconstroem a identidade do escravo de Anfitrião:

SO. quid, malum, non sum ego seruos Amphitruonis Sosia? nonne hac noctu nostra nauis <huc> ex portu Persico uenit, quae me aduexit? non me huc erus misit meus? nonne ego nunc sto ante aedis nostras? non mi est lanterna in manu? non loquor, non uigilo? nonne hic homo modo me pugnis contudit? fecit hercle, nam etiam <mi> misero nunc malae dolent. quid igitur ego dubito, aut qur non intro eo in nostram domum? (403-9) SÓS. O quê, malvado, não sou eu Sósia, escravo de Anfitrião? Por acaso nosso navio que me trouxe não chegou do porto pérsico aqui esta noite? Não me enviou para cá meu senhor? Não estou eu diante agora da nossa casa? Não tenho uma lanterna na mão? Não falo, não estou acordado? Não me bateu há pouco este homem com socos? Por Hércules, fez (isto), com certeza, agora infeliz me doem os queixos. Então, por que duvido, ou por que não entro aqui em nossa casa?

Acerca do nonne16, que, como já dissemos, seguiria a divisão clássica proposta por

Ernout e Thomas, esperando uma resposta afirmativa, Lindsay esclarece um ponto

interessante: “Nonne não é comum em Plauto, mas é sem dúvida utilizado, por exemplo,

Amph. 407 […]. É apenas utilizado antes de uma palavra iniciada por vogal (i. e. nunca é

dissilábico na prosódia), enquanto non aparece diante de consoantes”. (1907, p. 129)

Non, por si mesmo, não basta para classificar uma frase como interrogativa. Isto

ocorre, somente através da entonação; non refere-se, apenas, ao verbo predicativo ou a uma

outra palavra da frase. Todas as frases interrogativas com non dividem-se em duas partes: a)

as que não expressam afeto e seu fim espera uma resposta positiva, em que se poderia, ao

invés de non, utilizar-se nonne, porém, nonne aguarda, ainda mais intensamente, uma resposta

16 Para uma lista completa de exemplos da utilização de nonne, ver Schrader, De particularum -ne, anne, nonne

apud Plautum prosodia, Strasburg, 1885, p. 42 et seq.

58

afirmativa (emprego no excerto acima citado); e b) as interrogativas que expressam

sentimentos de impaciência, espanto, irritação, sabendo-se que há certeza de que o

questionamento será respondido, através de exigências ou mesmo extorsão. São abundantes os

exemplos dessas orações interrogativas entre os cômicos. Para Morris (1890, p. 20), “the

distinction in sense between non and nonne, which Kuhner attempts to make, is valueless for

Pl. and Ter., at least” [a distinção de sentido entre non e nonne, que Kühner tenta fazer é sem

valor em Plauto e Terêncio, pelo menos].

As interrogações que se seguem são sintomáticas e vão servindo ao propósito de

Mercúrio (e de Plauto), quando também podemos perceber sua sintaxe, que é diversificada,

demonstrando a vivacidade da língua:

ME. quid, domum uostram? (410) MER. O quê, em vossa casa? [...] [SO.] sed quid ais? quid Amphitruoni a Telobois datum est? (418) [SÓS.] Mas o que dizes? O que foi dado a Anfitrião pelos teléboas? [...] SO. [...]. ubi patera nunc est? ME. [...]; (420) SÓS. [...]. Onde está o cálice agora? MER. [...]; [...] [ME.] [...]. SO. signi dic quid est?17 MER. [...]. quid me captas, carnufex?18 (421-2) [MER.] [...]. SÓS. Dize que selo é (este)? MER. [...]. Por que me procuras pegar, assassino? [...] [SO.] nescio unde haec hic spectauit. [...] (424) [SÓS.] Não sei de onde ele viu estas coisas. [...] [...]

17 Genitivo partitivo de signi. 18 Sufixo -ta com valor freqüentativo em captas.

59

[SO.] si tu Sosia es, legiones cum pugnabant maxume, quid in tabernaclo fecisti? [...]. (428) [SÓS.] Se tu és Sósia, quando as legiões lutavam com toda força, o que fizeste na tenda? [...]. [...] ME. quid nunc? uincon argumentis te non esse Sosiam? SO. tu negas med esse? ME. quid ego ni negem, qui egomet siem?19 (433-4) MER. O quê, agora? Eu te convenci de que não és Sósia? SÓS. Tu negas que eu sou (Sósia)? MER. Como não negarei visto que eu sou eu

mesmo? [...] [ME.] nam iniurato scio plus credet mihi quam iurato tibi. SO. quis ego sum saltem, si non sum Sosia? te interrogo. (437-8) [MER.] Pois sei que crê mais em mim que não jurei do que em ti que juraste. SÓS. Quem sou eu então, se não sou Sósia? Pergunto-te. [...] [SO.] [...]. quid uerbis opust? (445) [SÓS.] [...]. O que é preciso dizer? [...] ME. quo agis te? SO. [...]. ME. [...]. (450) MER. Para onde vais? SÓS. [...]. MER. [...]. [...] SO. nonne erae meae nuntiare quod erus meu’ iussit licet? (452) SÓS. Não me é permitido anunciar a minha senhora o que meu senhor ordenou? [...] [SO.] ubi ego perii? ubi immutatus sum? ubi ego formam perdidi? an egomet me illic reliqui, si forte oblitus fui? (456-7) [SÓS.] Onde morri? Onde fui transformado? Onde perdi minha forma? Eu me teria deixado aqui, se acaso eu me tivesse esquecido?

É aqui, no v. 457, que Sósia “assina” sua sentença de personagem sem identidade, e o

faz com uma interrogativa. E assim encerra a cena I, deixando em aberto: quem é Sósia?

19 Oração relativa, ou seja, or. subord. adjetiva com valor adverbial.

60

Poderíamos sugerir um diálogo com o primeiro verso: quem é o outro? Existiria um outro

Sósia que não fosse o próprio Sósia?

Foram 66 interrogativas no espaço de 122 versos. Estudamos a sintaxe de algumas

delas, entendemos o momento em que foram empregadas e agora nos parece clara a percepção

de que essas estruturas desempenham importante papel no desenvolvimento do drama no

Amphitruo.

Enfim, inicia-se a cena II, que na verdade é um monólogo de Mercúrio. Esta fala se

estende do v. 463 até o 498, com apenas 2 interrogações identificadas, na mesma estrutura do

prólogo, no qual a interrogativa só aparece criando interlocução com a audiência:

[ME.] [...]. iamne hoc scitis quid siet? 485 [MER.] [...]. Já sabeis agora o que é? [...] [ME.] [...]. quid igitur? [...] (492) [MER.] [...]. O que (há), então? [...]

Na cena III, última do primeiro ato, dialogam Alcmena e Júpiter, este transfigurado em

Anfitrião:

AL. Quid istuc est, mi uir, negoti quod tu tam subito domo abeas? IV. [...]; (502-3) ALC. Que negócio é este, meu marido, (tal) que te afastas tão de repente daqui de casa? JUP. [...] [...] IV. satin habes si feminarum nulla est quam aeque diligam? (509) JUP. Não consideras bastante se não há outra mulher de que eu goste tanto quanto de

ti? [...] [AL.] [...]. hocin placet? (514) [ALC.] [...]. Isto te agrada? [...] IV. carnufex, non ego te noui? abin e conspectu meo?

61

quid tibi hanc curatio est rem, uerbero, aut muttitio? (518-9) JUP. Assassino, eu não te conheço? Afastas-te da minha vista? Por que te ocupas com esta coisa, patife, ou estás a murmurar? [...] [IV.] [...]. ME. facitne ut dixi? [...] (526) [JUP.] [...]. MER. Faz como eu disse? [...] [...] [AL.] [...]. IV. qur me tenes? (532) [ALC.] [...]. JUP. Por que me seguras? [...] IV. pergin autem? nonne ego possum, furcifer, te perdere? (539) JUP. Mas continuas? Será que não posso te destruir, assassino? [...] IV. numquid uis? AL. [...] (542) JUP. Acaso queres (algo)? ALC. [...] [...] [IV.] [...]. numquid uis? AL. [...] (544) [JUP.] [...] Ainda queres (algo)? ALC. [...]

Acerca das últimas duas perguntas de Júpiter, Morris explica:

“numquid vis? On this formula abeundi [...] I should agree with him [Brix] in thinking that the words in themselves contain no negative. The politeness of the question would be slight if it meant “You don't want anything more, do you?”. It is like the shopman’s question, as the customer takes out his money, “Can I show you anything else?”. The courtesy consists in making the offer as if it were to be accepted; the negative suggestion comes from the readiness already shown by the other speaker to bring the interview to a close. [...] is used Amph. 542, 544, [...].” (1890, p. 26) numquid vis? Sobre essa fórmula abeundi [...], eu deveria concordar com ele [Brix] em pensar que as palavras em si não contêm nenhum sentido negativo. A polidez da interrogação seria imperceptível se ela significasse “você não quer alguma coisa a mais, quer?”. Isso é como a pergunta do vendedor de uma loja quando o cliente tira seu dinheiro “posso lhe mostrar mais alguma coisa?”. A cortesia consiste em fazer uma oferta como se ela fosse para ser aceita; a sugestão negativa vem da prontidão demonstrada pelo falante para tornar a conversa mais próxima. [...] é usada em Plauto em Amph. 542, 544, [...].

62

Sobre especificamente numquid uis, Lindsay diz que era a fórmula polida de despedida

(1907, p. 128).

Entretanto, como a cena serve apenas para apresentar o encontro de Alcmena e o

pseudo-Anfitrião, sem nenhuma discussão sobre identidade, as interrogativas observadas não

apresentam nenhuma característica estilística que mereça atenção especial, além das

considerações sintáticas que já realizamos, tanto que em sua maioria são introduzidas pela

partícula dubitativa ne, meramente indagando por informação.

4.3 Ato II

No segundo ato, dos 310 versos, 137 apresentam interrogativas (das quais apenas 9

são indiretas). Mais de 1/3 dos versos que compõem o ato, então, são interrogativas. Os atos I

e II, que juntos representam mais de 2/3 de toda a peça, destacam-se, sobretudo, no sentido do

desenrolar da trama, pois que fazem sobressair os problemas da identidade. No ato I, Sósia é

posto em xeque; agora, no ato II, será a vez de Anfitrião sofrer pelos embustes de Júpiter e

seu filho.

A cena I, que se estende do v. 551 ao 632, apresenta o diálogo de Anfitrião e Sósia, em

que o escravo tenta explicar que há dois Sósias a Anfitrião, que, obviamente, se nega a

acreditar, como vemos a seguir:

AM. quo id, malum, pacto potest nam (mecum argumentis puta) fieri, nunc uti tu <et> hic sis et domi? […] (592-3) ANF. De que forma pode, malvado, (pensa comigo nos argumentos) isso acontecer, que agora tu estejas aqui e em casa? […]

63

Essa discussão persistirá por 83 versos, nos quais identificamos 31 interrogativas

diretas e 1 indireta. Este é um dos trechos da peça em que mais encontramos perguntas.

Apresentamos algumas como exemplo:

AM. [...]. SO. nam quamobrem? (552) ANF. [...]. SÓS. Mas, por quê? [...] AM. quid est? quo modo? [...] (556) ANF. O que é? Como? [...] [...] AM. scelestussime, audes mihi praedicare id, domi te esse nunc, qui hic ades? [...] (561-2) ANF. Grandíssimo patife, ousas me dizer isso, que estás em casa agora tu, que estás aqui? [...] [...] AM. tun me, uerbero, audes erum ludificari? tune id dicere audes, quod nemo umquam homo antehac uidit nec potest fieri, tempore uno homo idem duobus locis ut simul sit? (565-8) ANF. Velhaco, tu ousas enganar-me a mim, teu senhor? Tu ousas dizer isso, que nenhum homem nunca antes viu nem pode ter feito, que no mesmo instante um mesmo homem esteja em dois lugares ao mesmo tempo? [...] [AM.] [...]. SO. quid mali sum, ere, tua ex re promeritus? AM. rogasne, inprobe, etiam qui ludos facis me? (570-1) [ANF.] [...]. SÓS. Que mal eu mereci de tua questão? ANF. Ainda perguntas, canalha, (tu) que me enganas? [...] SO. egone? AM. tu istic. ubi bibisti? SO. nusquam equidem bibi. AM. quid hoc sit hominis? SO. equidem decies dixi: domi ego sum, inquam, ecquid audis? et apud te adsum Sosia idem. satin hoc plane, satin diserte, ere, nunc uideor tibi locutus esse? AM. uah, apage te a me. SO. quid est negoti? AM. pestis te tenet. SO. nam qur istuc dicis? equidem ualeo et saluos sum recte, Amphitruo. AM. [...] (576-83)

64

SÓS. Eu? ANF. Tu sim. Onde bebeste? SÓS. De fato não bebi em lugar nenhum. ANF. Que espécie de homem é este? SÓS. Já disse dez vezes: eu estou em casa, eu digo, acaso me ouves? e junto de ti estou, o mesmo Sósia. Meu amo, pareço agora a ti ter falado bastante clara e eloqüentemente? ANF. Ah!, sai de perto de mim. SÓS. O que é isso? ANF. (Que) a peste te pegue. SÓS. Por que dizes isto? Certamente passo bem e estou fortemente são, Anfitrião. ANF. [...] [...] AM. Quo modo? [...] (596) ANF. Como? [...] [...] AM. Quid igitur? SO. [...]. AM. Quas, malum, nugas? satin tu sanus es? SO. [...]. (603-4) ANF. Então, o quê (há)? SÓS. [...]. ANF. Quais besteiras, malvado? Tu não estás suficientemente são? SÓS. [...]. [...] AM. Quis te uerberauit? SO. [...]. (607) ANF. Quem te bateu? SÓS. [...]. [...] [AM.] Omnium primum iste qui sit Sosia, hoc dici uolo. (609) [ANF.] Antes de tudo, que Sósia é este, quero que tu contes isso. [...] [SO.] [...]. quid opust uerbis? [...]. AM. [...]. sed uidistin uxorem meam? SO. [...]. AL. quis te prohibuit? (615-7) [SÓS.] [...]. O que é preciso dizer? [...]. ANF. [...]. Mas viste minha mulher? SÓS. [...]. ALC. Quem te proibiu? [...] AM. quis istic Sosia est? SO. ego, inquam. quotiens dicendum est tibi? AM. sed quid ais? num obdormiuisti dudum? SO. [...]. (619-20) ANF. Quem é este Sósia? SÓS. Sou eu, digo. Quantas vezes devo dizer para ti? ANF. Mas o que dizes? Não dormiste agora há pouco? SÓS. [...]. [...] AM. quis homo? SO. Sosia, inquam, ego ille. quaeso, nonne intellegis?

65

AM. qui, malum, intellegere quisquam potis est? ita nugas blatis. (625-6) ANF. Que homem? SÓS. Sósia, digo, eu, ele. Por favor, não entendes? ANF. Como, malvado, alguém é capaz de entender alguma coisa? Só dizes besteiras.

Notamos ainda que orações apositivas junto a pronomes neutros – vv. 592-3; vv. 561-

2; vv. 565-8; v. 609; etc. – bem como orações adjetivas explicativas – vv. 561-2; vv. 570-1;

etc. – são utilizadas como reforço muitas vezes, em uma possível tentativa de despertar

interesse pelas informações que serão passadas em seguida. Este recurso ainda é utilizado em

outras passagens pelo texto.

A cena II é aberta por um monólogo de Alcmena, que se estende do v. 633 ao 653, e

que apresenta apenas 1 interrogativa, que ocupa os 2 primeiros versos de sua fala:

AL. Satin parua res est uoluptatum in uita atque in aetate agunda praequam quod molestum est? [...]; (633-4) ALC. Muito pouca coisa é prazer na vida e no passar do tempo em comparação com o que é molesto? [...];

Satin, algumas vezes, pode ser utilizado em interrogativas sem nenhum paralelo com

seu emprego em frases declarativas. Em todos esses casos, Morris (1889, p. 434) indica que o

verbo sempre está no indicativo e que, invariavelmente em Plauto, as perguntas são

direcionadas ao próprio falante, todas em solilóquio. Os prazeres a que Alcmena faz alusão

são os advindos do encontro com o pseudo-Anfitrião, no fim do ato anterior; e o desgosto, sua

nova despedida. Esse monólogo de Alcmena leva o público a situar-se no problema que será

apresentado em seguida: a aparição do verdadeiro Anfitrião e seu “primeiro encontro” com

Alcmena, o que vai ajudar a construir a imagem da boa esposa – feram et perferam usque /

abitum eiius animo forti atque offirmato, id modo si mercedis / datur mi, ut meus uictor uir

belli clueat, vv. 645-7 [suportarei e sofrerei até o fim sua ausência com ânimo forte e firme,

apenas se me for dado em troca isto, que meu marido seja proclamado vencedor da guerra].

66

Depois, até o verso 675, encontramos falas à parte de Alcmena e Anfitrião e de Sósia,

que tenta a todo custo dissuadir Anfitrião de encontrar a esposa. Nesses 17 versos, eles trocam

por dez vezes interrogações, insistentemente.

Do v. 676 ao 860, está inserido o diálogo entre Anfitrião e Alcmena que mostra o

desentendimento criado entre eles a partir do encontro anterior dela com o pseudo-Anfitrião.

Já a primeira pergunta de Alcmena direcionada a Anfitrião apresenta o problema:

AL. opsecro ecastor, quid tu me deridiculi gratia sic salutas atque appellas, quasi dudum non uideris, quasi qui nunc primum recipias te domum huc ex hostibus, atque me nunc proinde appellas quasi multo post uideris? (682-685) ALC. Peço, por Castor! Por que tu me saúdas e chamas assim com essa graça ridícula, como se há pouco não me tivesses visto, como se agora regressasses a casa da guerra, e por isso me chamas agora como se há muito não me visses?

A partir daí, com 86 interrogativas diretas, Anfitrião, Sósia e Alcmena tentam-se

entender. A seqüência de interrogativas funciona como uma série de testes de verificação para

as verdades distintas de cada personagem. Anfitrião encontra a esposa pela primeira vez desde

seu regresso da terra dos Teléboas – immo equidem te nisi nunc hodie nusquam uidi gentium,

v. 686 –, porém, para Alcmena, é o marido, que há pouco havia regressado a sua tropa, quem

de súbito ela revê – primulo diluculo abiisti ad legiones, v. 737. O desentendimento entre os

dois – Anfitrião não acredita em Alcmena, que não acredita no marido – leva a uma sucessão

de desencontros em suas falas, continuamente marcadas por perguntas na tentativa de

desvendar toda a verdade, como podemos observar, por exemplo, em:

AL. quid enim censes? te ut deludam contra lusorem meum, qui nunc primum te aduenisse dicas, modo qui hinc abieris. (693-95) ALC. Mas o que estás a pensar? Que, ao contrário, eu te engano, a ti, meu enganador, que dizes agora ter chegado aqui pela primeira vez, tu que daqui saíste há pouco.

Pouco a pouco, cresce a suspeita de Anfitrião, que passa a desconfiar da sanidade e da

castidade de sua mulher:

67

AM. tu me heri hic uidisti? AL. ego, inquam, si uis decies dicere. AM. in somnis fortasse? AL. [...]. (725-6) ANF. Tu ontem me viste aqui? ALC. Vi, digo, se queres que eu diga dez vezes. ANF. Em sonhos, talvez? ALC. [...].

Aproximadamente do v. 800 ao 849, a castidade de Alcmena é seriamente questionada

por Anfitrião:

AL. opsecro ecastor, qur istuc, mi uir, ex ted audio? AM. uir ego tuo’ sim? ne me appella, falsa, falso nomine. (812-3) ALC. Peço, por Castor, por que ouço, meu marido, isto de ti? ANF. Eu sou teu marido? Não me chames, falsa, por um nome falso.

Após uma série de indagações, de ambas as partes, anuncia-se o fim da confusão por

meio de uma interrogação de Alcmena:

[AM.] quid si adduco tuom cognatum huc a naui Naucratem, qui mecum una uectust una naui, atque is si denegat facta quae tu facta dicis, quid tibi aequom est fieri? numquid caussam dicis quin te hoc multem matrimonio? (849-852) [ANF.] E se eu trago do navio teu primo Naucrates, que fez a viagem na minha companhia, e se ele desmente os fatos que tu dizes terem acontecido, o que é justo a ti acontecer? Por ventura, dizes uma causa para me impedir de romper nosso casamento?

Alcmena, em busca da verdade, assim encerra a cena e o ato com este verso:

[AL.] quidquid est, iam ex Naucrate cognato id cognoscam meo. – [ALC.] seja o que for já de meu primo Naucrates conhecerei a verdade. –

4.4 Ato III

Dos 148 versos que compõem o terceiro ato, apenas 17 apresentam estruturas

interrogativas, das quais 3 são indiretas.

68

Do v. 861 ao 881, a cena I é um monólogo de Júpiter. Como já observamos ao longo

deste trabalho, os monólogos, por serem tipicamente narrativos ou descritivos, não são

construídos com base em enunciados interrogativos, e este, em específico, não apresenta

nenhuma interrogação.

Em seguida, Júpiter, à parte, e Alcmena, pensando estar só, falam por 16 versos, em

que também não identificamos nenhuma interrogativa.

Quando, enfim, os dois se dirigem um ao outro trocando falas, é uma interrogativa que

possibilita o diálogo:

IV. quo te auortisti? AL .[...]: (899) JUP. Por que te afastaste? ALC. [...]:

Do v. 900 ao 972, Júpiter – metamorfoseado em Anfitrião – tenta convencer Alcmena

de que está arrependido, diálogo em que levantamos 14 interrogativas, das quais 3 indiretas –

as únicas neste ato. O diálogo se estende por toda cena II e adentra a cena III, quando entra

Sósia. Os argumentos de Júpiter levam Alcmena a perdoá-lo, ao lançar-lhe a interrogativa em

sua última fala, percebemos claramente:

IV. i sane, et quantum potest parata fac sint omnia. AL. quin uenis quando uis intro? faxo hau quicquam sit morae (971-2) JUP. Vai bem, e faze que todas as coisas fiquem prontas o mais rápido possível. ALC. Por que não vens, quando quiseres entrar? Farei que não haja nenhuma demora.

Júpiter encerra a cena III com um pequeno monólogo de 11 versos, do v. 973 ao 983,

notadamente sem nenhuma interrogativa, e Mercúrio, na cena IV, aparece em um monólogo

encerrando o pequeno ato III, do v. 984 ao 1008, em que identificamos 2 perguntas sempre

em solilóquio, atraindo o interesse do público.

A primeira delas se estende por dois versos:

[ME.] nam mihi quidem hercle qui minus liceat deo minitarier

69

populo, ni decedat mihi, quam seruolo in comoediis? (986-7) [MER.] A mim, sendo deus, por Hércules, acaso seria menos lícito ameaçar o povo, caso não se afastasse de mim, do que a qualquer escravo nas comédias?

A última é breve e sucinta:

[ME.] [...]. quid mea? (1003) [MER.] [...]. O que tem isso com minhas coisas?

No ato III, a baixa ocorrência da interrogação parece-nos ser devida, sobremaneira, ao

fato de ser ele marcado por monólogos, os quais preenchem 57 de seus 148 versos.

4.5 Ato IV

A análise do ato IV é dificultada por sua estrutura fragmentada.

O ato se inicia com um monólogo de Anfitrião do v. 1009 ao 1020. Após descrever

seu insucesso em encontrar Naucrates, o esposo de Alcmena tenta entrar em casa, e assim

encerra-se o monólogo, bem como a cena com 2 interrogações que mais servem para

estabelecer uma conexão entre as ações executadas em cena:

AM. [...]. heus, ecquis hic est? ecquis hoc aperit ostium? (1020) ANF. Oi, está aqui alguém? Alguém abre esta porta?

Do v. 1021 ao 1034, ao abrir a cena, Mercúrio tenta enganar Anfitrião. São 14

interrogativas trocadas entre Anfitrião e Mercúrio, porém não temos o desfecho dessa cena,

que se inicia com provocações do filho de Júpiter – aqui o texto original está perdido, são

apenas 19 fragmentos que se seguem, nos quais identificamos 4 interrogações, uma das quais

indireta:

(AM.) quoius? X (XVI)

70

(ANF.) de quem? X (XVI) (AM.) quid minitabas te facturum, si istas pepulissem fores? XI (V) (ANF.) O que me ameaçavas fazer se continuasse a bater esta porta? (AM.) nilne te pudet, sceleste, populi in conspectum ingredi? XVII (VIII) (ANF.) Não te envergonhas, criminoso, de caminhar diante do público? (IV. sive AM.) qui nequeas nostrorum uter sit Amphitruo decernere. XIX (XIV) (JUP. ou ANF.) Pois não é capaz de discernir quem de nós dois é Anfitrião.

Encerra, então, o ato IV uma cena, do v. 1035 ao 1052, também muito entrecortada, da

qual participa Blefarão, em que faz uma rápida aparição e se despede já no v. 1037, com uma

interrogação direta, na qual se reconhece ainda uma interrogativa indireta:

BL. quid opust me aduocato, qui utri sim aduocatus nescio? (1038) BLE. Por que há necessidade de mim, como advogado, se não sei de qual dos dois sou

advogado?

Júpiter em seguida sai também de cena e deixa Anfitrião, que em um breve monólogo,

até o v. 1052, lança 5 perguntas em solilóquio:

[AM.] quid ego? * * * quem aduocati iam atque amici deserunt? (1040) [ANF.] O que eu (farei)? A quem já abandonaram os amigos e defensores? [...] [AM.] sed ubi illest? [...]. qui me Thebis alter uiuit miserior? quid nunc agam, quem omnes mortales ignorant et ludificant ut lubet? (1045-7) [ANF.] Mas onde ele está? [...]. Que outro (homem) em Tebas vive mais infeliz que eu? O que farei agora, a quem todos os mortais ignoram e ridicularizam como lhes apraz?

71

4.6 Ato V

Por fim, estudamos o encerramento da peça no ato V – o que menos apresenta

proporcionalmente interrogativas – dos 98 versos, apenas 12 são interrogativas.

Do v. 1053 ao 1075, encontramos um monólogo de Brômia, com 4 perguntas, a

primeira das quais é uma interrogação indireta:

[BR.] [...]. me miseram, quid agam nescio. (1056) [BRÔ.] [...]. Infeliz de mim, não sei o que faça. [...] [BR.] sed quid hoc? quis hic est senex, qui ante aedis nostras sic iacet? numnam hunc percussit Iuppiter? (1072-3) [BRÔ.] Mas o que é isto? Quem é este ancião que diante de nossa casa jaz? Acaso Júpiter o acertou?

Do v. 1076 ao 1130, Brômia explica para Anfitrião o que ocorrera com o

nascimento dos gêmeos de Alcmena, quando identificamos 8 perguntas.

Do v. 1131 ao 1143, o monólogo final de Júpiter, sem interrogativas. E do v.

1144 ao 1146, o monólogo final de Anfitrião, sem interrogativas.

A não utilização das interrogativas nos atos IV e V corrobora com o que este

trabalho tentou a todo tempo demonstrar – as interrogativas na peça Amphitruo de Plauto

estão, de certo modo, presas ao desenvolvimento da trama e aparecem de forma muito bem

desenvolvida nos diálogos que se ligam a esta função. Uma vez que estes últimos atos se

prestam a objetivos outros dentro do esquema da comédia romana, percebemos o baixo uso

destas estruturas interrogativas, tanto que não nos prendemos muito em comentários e análises

dos últimos atos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho, um estudo de ordem lingüística, com ênfase na sintaxe, a partir

de uma ampla revisão bibliográfica, foi realizado por nós. Procedemos ao exame das diversas

ocorrências das interrogações, sempre tendo em vista um contexto mais amplo para traçar

nossas considerações de ordem estilística e literária.

Essa abordagem estilístico-literária, na verdade, demonstrou-nos que o emprego e a

sintaxe das interrogativas no texto plautino apresenta uma grande conexão com o ambiente

dramático ao qual o texto está subordinado.

Vimos que, embora seja reduzido o número de interrogativas nos monólogos – há até

os que não apresentam uma sequer –, neles identificamos tanto as indiretas quanto as diretas,

que funcionam, por exemplo, para criar um ambiente de diálogo com o público, que, como

interlocutor, é estimulado a interagir, ou simplesmente para levar alguma informação.

Muitas vezes também, em cena, há dois personagens que falam em solilóquio, visto

que um não sabe da presença do outro. Identificamos que o papel das interrogativas nesses

trechos é amplo, em especial, por que a larga utilização das estruturas interrogativas nestes

momentos cria uma atmosfera de dúvida e tensão que precede o diálogo e prevê a discussão

de temas importantes, ou ainda pode servir para expressar indignação, surpresa, enfim,

sentimentos dos personagens, contribuindo com a construção do cômico e sempre

desenvolvendo o enredo.

Ademais, verificamos que a interrogação (em especial, a interrogativa direta)

desempenha mesmo um papel bastante significativo nos diálogos, quando, então, revela

emoções de personagens, impulsiona ações, cria a dúvida e ajuda a responder certas questões,

enfim, atua expressivamente no espírito de mover a trama em direção ao que fora planejado.

Vimos interrogativas utilizadas em construções tipicamente declarativas, exclamativas,

imperativas e negativas. Constatamos, pois, que a necessidade da interrogação na peça o

73

Amphitruo de Plauto vai além das necessidades da língua de puramente estabelecer a

comunicação. Plauto trabalha as interrogativas como elementos de construção do riso em

nível textual.

Por fim, todo nosso estudo, a título de produzir um resultado objetivo e de fácil acesso,

culminou na montagem de uma proposta de leitura de toda a peça tendo como marcos

estabelecidos de leitura as interrogativas que analisamos. Esta proposta é um quadro

demonstrativo que constitui o Apêndice A deste trabalho.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6.1 Edições do Amphitruo de Plauto

PLAUTUS. Amphitruo. Edited by David Christenson. New York: Cambridge UP, 2000.

______. Comédies. Texte établi et traduit par Alfred Ernout. 12. ed. Paris: Les Belles Letres, 2003. Tome I.

______. Anfitrião. Introdução, tradução e notas por Carlos Alberto Louro da Fonseca. Lisboa: Edições 70, 1993.

______. Marci Accii Plauti Comoediae. Ex editione Joh. Frederici Gronovii. Glasguae: Academia Typographi, 1743. Tomus I.

______. T. Macci Plauti Comoediae. Edidit F. G. Holtzius. Lipsiae: Carolum Tauchnitium, 1846. Tomus I.

______. T. Macci Plauti Comoediae. Recognovit brevique adnotatione critica instruxit W. M. Lindsay. Oxonii: E Typographeo Clarendoniano, 1904. Tomus I.

6.2 Sin taxes e gramáticas latinas e estudos sobre interrogativas

BASSOLS, M. de C. Sintaxis latina. 6. ed. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1981.

ERNOUT, A. et THOMAS, F. Sintaxe latine. 2. ed. Paris: Librairie C. Klincksieck, 1959.

GRIMAL, P. et alii. Gramática latina. Tradução e adaptação de Maria Evangelina Villa Nova Soeiro. São Paulo: EDUSP, 1986.

FARIA, E. Gramática superior da língua latina. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1958.

HOLTZE, F. W. Syntaxis priscorum scriptorum Latinorum: usque ad Terentium. Leipzig: Otto Holtze, 1862. v. 2.

75

KÜHNER, R. Ausführliche Grammatik der lateinischen Sprache. Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1878. v. 2.

MORRIS, E. P. On the sentence-question in Plautus and Terence: first paper. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 10, n. 4, p. 397-436. 1889.

______. On the sentence-question in Plautus and Terence: second paper. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 11, n. 1, p. 16-54. 1890.

______. On the sentence-question in Plautus and Terence: concluding paper. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 11, n. 2, p. 145-181. 1890.

______. The subjunctive in independent sentences in Plautus. I. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 18, n. 2, p. 133-167. 1897.

WOODCOCK, E. C. A new Latin syntax. Wauconda: Bolchazy-Cardussi Pub., 2005. 6.3 Teatro e teatro plautino

ANDERSON, W. S. Barbarian play: Plautus’ roman comedy. Toronto: Toronto UP, 1996.

BEACHAM, R. C. The Roman theatre and its audience. Cambridge: Harvard UP, 2000.

BEARE, W. The Roman stage: a short history of Latin drama in the time of the Republic. 3. ed. London: Methuen, 1964.

BOND, R. P. Plautus’ ‘Amphitryo’ as tragi-comedy. Greece & Rome. [S.l.], s. 2, v. 46, n. 2, p. 203-220. Oct. 1999.

DUCKWORTH, G. E. The nature of Roman comedy. New Jersey: Princeton UP, 1952.

LINDSAY, W. M. Syntax of Plautus. London: Oxford UP, 1907.

MICHAUT, G. Histoire de la comédie romaine: Plaute. Paris: E. de Boccard, 1920. v. 1.

MOORE, T. J. The theater of Plautus: playing to the audience. Austin: Texas UP, 1998.

76

ORTEGA Y GASSET, J. Idea del teatro. 2. ed. Madrid: Ed. de la Revista de Occidente, 1966. (Colección El Arquero).

PARATORE, E. História da literatura latina. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.

SEGAL, E. Roman laughter: the comedy of Plautus. 2. ed. New York: Oxford UP, 1987.

SLATER, N. W. Plautus in performance: the theatre of the mind. New Jersey: Princeton UP, 1983.

6.4 Obras de referência e outros

PLAUTUS. In: ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. 11. ed. Londres: [s.n.], 1911. Disponível em: http://www.1911encyclopedia.org/plautus. Acesso em: 08 set. 2007.

ROBINS, R. H. Pequena história da lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.

GAFFIOT, Félix. Dictionnaire illustré Latin-Français. Ed. rev. e ampl. Paris: Hachette, 2000.

6.5 Obras consultadas sem referência

FRAENKEL, E. Plautine elements in Plautus. Tradução de Tomas Drevikovsky e Frances Muecke. 1. ed. Oxford: Oxford UP, 2007.

FRANK, T. Life and literature in the Roman Republic. Berkeley: University of California Press, 1971.

MATTHEW, L. Comedy and the rise of Rome. New York: Oxford UP, 2004.

McCARTHY, K. Slaves, masters and the art of authority in plautine comedy. Princeton: Princeton UP, 2000.

77

MORRIS, E. P. The Subjunctive in Independent Sentences in Plautus. II. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 18, n. 3, p. 275-301. 1897.

______. The Subjunctive in Independent Sentences in Plautus. III. The American Journal of Philology. [S.l.], v. 18, n. 4, p. 383-401. 1897.

NORWOOD, G. Plautus and Terence: our debt to Greece and Rome. New York: Longmans, Green and Co., 1932.

SARAIVA, F. R. dos Santos. Novísssimo dicionário latino-português. 10. ed. Rio de Janeiro/Belo Horizonte, Garnier, 1993.

SEGAL, E. Oxford readings in Menander, Plautus and Terence. New York: Oxford UP, 2001.

SELLAR, W. Y. The Romans Poets of the Republic. 3. ed. London: Macmillan & Co., 1889.

TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Marânus, 1945.

Apêndice A – Proposta de leitura sob o ponto de vista das interrogativas

Prólogo Vv. Nº. vv. Nº. int.20 Descrição da ação Papel das interrogativas 1-16 16 0/0 Captatio beneuolentiae

prometendo benefícios em dinheiro e negócios para que os espectadores fizessem silêncio durante a apresentação e para que fossem juízes honestos.

Não apresenta nenhuma interrogativa.

17-18 2 0/2 Finalizando a captatio

beneuolentiae, Mercúrio introduz a apresentação dos motivos de sua vinda.

Para introduzir o tema, Mercúrio lança duas interrogações indiretas, dependentes do verbo dicam – quoiius iusso uenio et quam ob rem

uenerim. 19-49 31 1/1 Mercúrio responde que veio a

mando de Júpiter para fazer ao público um pedido, entretanto leva 31 versos tratando das qualidades de Júpiter, antes de fazer o pedido.

Uma interrogativa indireta exalta as qualidades de Júpiter.

50-51 2 0/1 Mercúrio anuncia que agora vai fazer o pedido e, na seqüência, vai expor o argumento da “tragédia”.

Assim como nos vv. 16-17, a interrogação indireta aqui funciona como introdutora de um novo assunto.

52-53 2 2/0 Após ter falado em “tragédia”, Mercúrio “contracena” com o público.

Duas interrogativas diretas – quid?

contraxistis frontem quia tragoediam

/ dixi futuram hanc? – criam um ambiente de diálogo com a platéia.

54-63 10 2/0 Explicação sobre o que será uma “tragicomédia”.

Neste trecho, duas interrogativas diretas mantêm o diálogo com o público, bem como sugeriram as perguntas dos vv. 52-53.

64-87 24 1/0 Mercúrio expõe o pedido de Júpiter.

Aqui aparece interrogação direta que sugere uma fala do próprio autor – qui minus / eadem histrioni sit lex

quae summo uiro? 88-95 8 2/0 Anúncio e explicação da

participação de Júpiter como ator na peça.

Aparecem no v. 89 quid? admiratin

estis?, no mesmo papel das perguntas dos vv. 52-3.

96-147 52 0/4 Finalmente, a exposição do argumento da peça.

É de se notar a ocorrência de apenas 4 interrogações indiretas nestes versos presas a 2 verbos – quaeret e memorat – e nenhuma incidência de interrogações diretas.

148-152 5 0/0 Encerramento do prólogo. - 152 8/8

Ato I Vv. Nº. vv. Nº. int. Descrição da ação Papel das interrogativas 153-154 2 1/0 Sósia abre a peça com sua

primeira fala. A interrogação mais significativa da peça qui alter est homo...?

20 Número de interrogativas diretas / Número de interrogativas indiretas

79

155 1 1/0 Após fazer sua primeira indagação, Sósia ainda em sua primeira fala, lança outra pergunta.

Interrogação direta em uma estrutura condicional – quid faciam nunc si...

me... compegerint? Esta interrogativa propicia a descrição seguinte de Sósia.

156-164 9 0/0 Descrição dos flagelos de ser um escravo.

-

165 1 1/0 Terceira interrogativa ainda na primeira fala de Sósia.

Interrogação direta – nonne idem huc

luci me mittere potuit? Na seqüência também identificamos outra descrição de Sósia.

166-175 10 0/1 Descrição de como é duro ser escravo de um homem rico.

Aparece apenas uma interrogação indireta com verbo no subjuntivo, em referência aos julgamentos do amo cruel.

176-179 4 0/0 Primeira fala de Mercúrio no ato I.

-

180-184 5 1/0 Sósia se maldiz – sum uero

uerna uerbero – e lembra que não agradeceu aos deuses.

Interrogação direta sem pronome, advérbio ou partícula, em solilóquio.

185 1 0/1 Constatação de Mercúrio sobre o papel do escravo.

Interrupção da fala de Sósia, com uma interrogação indireta, constatando que o escravo sabia qual era seu papel.

186-262 77 0/2 Descrição de Sósia da guerra contra os teléboas e de sua participação.

Duas indiretas apenas. Em um momento não-dialogado, o emprego da interrogativa diminui consideravelmente.

263-269 7 0/0 Mercúrio fala sobre sua condição de “escravo”.

-

270 1 1/1 Chamada de atenção para ação da peça.

Duas interrogações, uma direta e outra indireta – sed quid illuc est? ...

opseruabo quam rem agat. Aqui as interrogativas ajudam a transferir o foco da narração para as ações em cena.

271-290 20 2/0 Considerações de Sósia e Mercúrio sobre a longa noite.

Encontramos duas interrogações diretas, apenas como elementos de construção do cômico.

291 1 0/0 Lembrança de Sósia da necessidade de anunciar à Alcmena o que Anfitrião ordenou.

-

292 1 1/0 Sósia indica que está vendo outro personagem em cena pela primeira vez.

Interrogação direta – quis hic est

homo...?

293-340 48 3/1 Atmosfera de ameaças antecipando o encontro de Sósia e Mercúrio.

Três interrogações diretas e mais uma indireta (v. 336) subordinadas ao ambiente de ameaças.

341-2 2 2/0 Primeira fala entre Mercúrio e Sósia.

Uma interrogação de Mercúrio para Sósia, que retruca com outra interrogativa – criando um forte efeito cômico.

343-462 120 57/7 Série de diálogos entre Sósia e Mercúrio que desconstrói a identidade de Sósia e que se estende até o fim da cena I.

O jogo de idéias e a desconstrução da identidade de Sósia são montados sobre o efeito das interrogações neste trecho.

463-498 36 2/1 Cena II. Monólogo de Mercúrio. Duas interrogações diretas que criam um ambiente de diálogo com a platéia.

80

499-545 47 12/1 Cena III. Diálogo entre Júpiter (transformado em Anfitrião) e Alcmena, depois de seu encontro de amor.

As interrogações funcionam como recursos de fazer avançar a trama.

546-550 5 0/0 Encerramento da cena III e do ato I. Júpiter permite que a noite vá embora.

-

398 84/15 Ato II Vv. Nº. vv. Nº. int. Descrição da ação Papel das interrogativas 551-632 82 31/1 Diálogo de Anfitrião e Sósia,

quando Sósia tenta explicar que há dois Sósias. Cena I.

Algumas interrogativas atuam como impulsionadoras do drama e da ação, outras são empregadas em solilóquio e demonstram o pensamento ou a emoção daquele que indaga.

633-4 2 1/0 Abertura de Alcmena da cena II. Um pergunta em solilóquio para abrir um pequeno monólogo.

635-658 24 0/0 Falas à parte de Alcmena e Anfitrião.

-

659-675 17 10/0 Ainda à parte, Sósia tenta dissuadir Anfitrião de encontrar Alcmena.

O ritmo das interrogações aumenta, criando uma atmosfera de tensão que precede os encontros de personagens.

676-860 185 86/8 Diálogo entre Anfitrião e Alcmena: desentendimento criado a partir do encontro anterior de Alcmena e o pseudo-Anfitrião.

A larga utilização das interrogativas aqui está fortemente associada ao tema em discussão – a identidade de Anfitrião.

310 128/9

Ato III Vv. Nº. vv. Nº. int. Descrição da ação Papel das interrogativas 861-881 21 0/0 Monólogo de Júpiter. Cena I. Sem interrogativas, como costuma

acontecer nos monólogos. 882-897 16 0/0 Alcmena e Júpiter à parte falam

precedendo seu encontro na cena II.

-

898-899 2 1/0 Primeira fala de Júpiter à Alcmena.

A interrogação costuma abrir as falas de personagens.

900-972 73 11/3 Júpiter (metamorfoseado em Anfitrião) tenta convencer Alcmena de que está arrependido. Cenas II e III.

Alcmena aceita os argumentos de Júpiter e o perdoa, o que se percebe por sua última interrogativa – quin uenis quando

uis intro, v. 972. 973-983 11 0/0 Encerramento da cena III.

Júpiter em monólogo. -

984-1008 25 2/0 Monólogo de Mercúrio. Cena IV.

Identificamos apenas duas perguntas metateatrais.

148 14/3

81

Ato IV Vv. N. vv. N. int. Descrição Interrogativas 1009-1020 12 2/0 Monólogo de Anfitrião. Cena I. Observamos duas perguntas que

servem para dar seguimento à ação.

1021-1034 14 11/0 Mercúrio tenta enganar Anfitrião, dizendo que ele não é Anfitrião verdadeiramente na cena II.

Típico diálogo de Mercúrio na tentativa de confundir outro personagem acerca de sua identidade. Utilização larga de interrogações.

Fragmentos 19 3/0 Continuação da cena II, quando ainda aparecem Sósia e Blefarão.

Estas interrogativas não são boas para esta análise.

1035-1052 18 7/1 Cena III: Blefarão, Anfitrião e Sósia encerram a cena fragmentada.

Duas interrogativas marcam as falas de Blefarão, mas as demais aparecem no monólogo final de Anfitrião, todas fazendo referências ao seu estado de infeliz e traído do momento.

63 23/1

Ato V Vv. Nº. vv. Nº. int. Descrição da ação Papel das interrogativas 1053-1075 13 3/1 Monólogo de Brômia de entrada. Interrogações que apontam para as

ações em cena. 1076-1130 55 8/0 Brômia explica para Anfitrião os

fatos acontecidos. Todas as perguntas são de Anfitrião, em desespero, tentando se negar a acreditar no que ouvia.

1131-1143 13 0/0 Monólogo final de Júpiter. Sem interrogativas. 1144-1146 3 0/0 Monólogo final de Anfitrião. Sem interrogativas. 94 11/1