Dissertacao andreapossa
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Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Novo Hamburgo
2011
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Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Trabalho de Conclusão apresentado ao Mestrado em Processos e Manifestações Culturais como requisito para a obtenção do título de mestre em Processos e Manifestações Culturais.
Orientadora: Profa. Dra. Lurdi Blauth
Novo Hamburgo
2011
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Bibliotecária responsável: Susana Fernandes Pfarrius Ladeira – CRB 10/1484
Possa, Andréa Christine Kauer
O grafite e sua trajetória da rua para a instituição cultural / Andréa Christine Kauer Possa. – 2011.
125 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Processos e Manifestações Culturais) –
Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2011.
Inclui bibliografia.
“Orientadora: Profª. Drª. Lurdi Blaut”.
1. Grafite. 2. Arte de rua. 3. Manifestação artística. 4. Cultura. I. Título.
CDU 73.04:546.26-162
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Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Trabalho de Conclusão de mestrado aprovada pela banca examinadora em
11 de Janeiro de 2012, conferindo ao autor o título de mestre em Processos e
Manifestações Culturais.
Componentes da Banca Examinadora:
Profa. Dra. Lurdi Blauth. (Orientadora)
Universidade Feevale.
Profa. Dra. Elaine Tedesco.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS.
Profa. Dra. Rosa Maria Blanca.
Universidade Feevale.
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ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
Trabalho de Conclusão do Mestrado em Processos e Manifestações
Culturais, com título O Grafite e sua Trajetória da rua para a Instituição Cultural,
submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito para obtenção
do grau Mestre.
Aprovado por:
_________________________
Profa. Dra. Lurdi Blauth (Orientadora)
_________________________
Profa. Dra. Elaine Tedesco (Banca Examinadora)
_________________________
Profa. Dra. Rosa Maria Blanca. (Banca Examinadora)
Novo Hamburgo, 11.01.2012.
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DEDICATÓRIA
Dedicado ao meu querido sobrinho Enrico, por ser
fonte de alegria em todos os momentos; por reforçar em
mim, que a fé na vida realmente move montanhas e por
mostrar com seus pequeninos gestos e palavras de quem
está descobrindo o Mundo, que um futuro melhor é
possível de ser concretizado.
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AGRADECIMENTOS
Em especial à minha orientadora, Profa. Dra. Lurdi
Blauth, que soube ensinar e me orientar na direção
correta, mostrando-se sensível e dedicada a sua profissão
e aos seus alunos, assim como para que o meu
crescimento fosse possível e que se perpetue, por ser
fonte de inspiração pessoal, o que me motiva a querer
continuar e melhorar.
A oportunidade oferecida pela Universidade
FEEVALE e ao departamento de Pós-graduação Stricto
Sensu e a analista administrativa Camila Barth Paiva,
sempre disponível para nos orientar em nossas dúvidas.
Ao Mestrado em Processos e Manifestações
Culturais, em especial a coordenadora Profa. Dra. Paula
Puhl pela carinhosa acolhida e aos demais docentes e
colaboradores em qualificar o meu conhecimento
acadêmico de modo que eu possa almejar novos
objetivos e disseminar o aprendizado recebido.
Aos colegas de Mestrado pela oportunidade de tê-
los conhecido e convivido, sendo preciosa a troca de
conhecimento na diversidade de áreas que
representavam.
Aos amigos, familiares, colegas de trabalho e
demais pessoas pela compreensão de minha ausência
em diversas atividades e pelo incentivo na realização
deste curso.
À minha amada irmã Viviane por sua paciência nas
horas de angústia; por seu incentivo nos momentos em
que se pensou desistir de tudo e por seu carinho em
todos os tempos deste caminhar.
Ao meu cunhado Edgar que acreditou na minha
capacidade e investiu nos meus estudos.
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Figura 01 Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re.
“Desde a pré-história, o homem
come, fala, dança e graffita” .
Maurício Villaça
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RESUMO
Este estudo investiga o grafite enquanto manifestação artística e analisa a
transformação em seus aspectos estéticos, sociais e ideológicos, tendo como
referência a mostra TRANSFER ocorrida na cidade de Porto Alegre no ano de 2008.
Esta mostra reascendeu posicionamentos sobre o que é a arte erudita e o que é a
arte urbana, evidenciando, a partir da diferença, sua identidade e o deslocamento do
grafite para as instituições culturais, quando este sofre ameaça à integridade de sua
identidade, incitando o preconceito pelos próprios artistas/produtores desta arte de
rua. Para melhor ambientar este fato, há o interesse de se fazer registrar a trajetória
do grafite da rua aos centros culturais, buscando sublinhar seus contrastes
ideológicos. Como referência utiliza-se autores como Nestor Garcia Canclini, Roque
de Barros Laraia, Stuart Hall, Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli e Cliffort
Geertz.
PALAVRAS-CHAVES: Manifestação artística. Grafite. Arte Urbana. Cultura.
Instituições Culturais.
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ABSTRACT
This study has as objective to investigate the graffiti as artistic expression and to
analyze their expression and transformation in urban art - as a means of aesthetic
manifestations, social and ideological with reference to the exhibit TRANSFER -
urban culture - contemporary art - transfers - changes - occurred in the city Porto
Alegre in 2008. This shows reignited positions about what is high art and what is folk
art, highlights from the difference, identity, carved by socio-cultural acceptance. The
displacement of graphite for cultural institutions (public and private) is a remarkable
point in this study, graphite suffers when the threat to the integrity of his identity by
encouraging prejudice themselves artists/producers in the street art. To better
context to this fact, there is interest to do record the trajectory of the graffiti from the
streets to the cultural and vice versa, trying to emphasize their ideological conflict. Is
used as reference authors like Nestor Canclini, Roque de Barros Laraia, Stuart Hall,
Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli and Cliffort Geertz.
KEYWORDS: Demonstration art. Graffiti. Street art. Culture. Cultural Institutions.
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ÍNDICE DAS FIGURAS
Figura 01. Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER – cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 17.
Figura 02. Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax
jogando damas. Assinado por Exekias. Cerca de 540 a.C. Museu do Vaticano. Impresso em fonte: GOMBRICH, E.H. A História da Arte. 15ª Ed. LTC Editora: Rio de Janeiro, RJ, p. 50.
Figura 03. Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008,
nº 20.
Figura 04. Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS
_______”. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 31.10.2011, p. 5.
Figura 05. Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão
diferentes, tão atraentes? (1956), Colagem, 26 x 25 cm, Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 07.
Figura 06. James Rosenquist, F-111 (1965), Óleo sobre tela com alumínio,
304,8 x 2.621,3 cm, Museum of Modern Art, Nova York. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.72.
Figura 07. Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961), Óleo sobre
tela, 86,4 x 91,4 cm, Moderna Museet, Estocolmo. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 33.
Figura 08. Roy Lichtenstein, Whaam! (1963), Óleo e magna sobre tela, 172,7 x
406,4 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 60.
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Figura 09. Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964), Polímero sintético e serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm, Coleção particular. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.25.
Figura 10. Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964), Tinta acrílica e esmalte
sobre tela, 204,3 x 163,6 cm, Walker Art Center, Minneapolis. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 45.
Figura 11. Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964), Serigrafia e acrílico sobre
tela, 56,2 x 71,1 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 71.
Figura 12. Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo
Negativo], 1969. Disponível em http://www.terramagazine.terra.com.br acessado em 26.05.2011; Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral], 1970. Disponível em www.iconia.com.br acessado em 26.05.2011; Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O Campo dos Raios], 1977. Disponível em www.sinprorp.org.br acessado em 24.05.2011.
Figura 13. Obras de Maurício Villaça. Impresso em fonte: Capa do livro
GITAHY, Celso. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999 e disponível em http://fabriciosecchin.blogspot.com, acessado em 07.11.2011.
Figura 14. Acima: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 31,5 x 18 cm; Alex
Vallauri, Peixe – s.d. (déc. 80), 36,8 x 26,5 cm; Abaixo: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 18 x 31,5 cm; Alex Vallauri, Bota – 1978, 60 x 31 cm. Matrizes de grafite (pintura sobre cartão). Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 74.
Figura 15. Beira riacho Ipiranga e Laçador, ambos em Porto Alegre. Disponível
respectivamente em http://depositomaia.blogspot.com e http://portoimagem.wordpress.com.
Figura 16. Lídia B., Nós. Disponível em www.flickr.com/photos/huanita acessado em 17.06.2010.
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Figura 17. Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/07/local-de-atropelamento-de-rafael-nao-foi-preservado-diz-delegada.html Foto de Bernardo Tabak/G1 acessado em 21.07.2010.
Figura 18. Grafites de Trampo. Disponível em www.graffitiartmaps.com.br
acessado em 17.06.2010.
Figura 19. Pedro Gutierres, Meio homem – meio porco. Disponível em
www.flickr.com/photos/pedrogutierres acessado em 27.07.2010.
Figura 20. Grupo Beco RS. Disponível em http://www.flickr.com/photos/becors
acessado em 27.07.2010.
Figura 21. Grafite de Os Gêmeos. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O
mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 85.
Figura 22. Grafite de Vitché. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 119.
Figura 23. Grafite de Nina. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 83.
Figura 24. Grafite de Herbert. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo
do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 65.
Figura 25. Binho, A Barata. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 34.
Figura 26. Grafite de Binho. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p.35.
Figura 27. Grafite de Does. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 57.
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Figura 28. Grafite de Caru. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 45.
Figura 29. Keith Haring. Impresso em fonte: ARRUDA, Jacqueline;
VENTRELLA, Roseli. Projeto Educação para o século XXI, p. 27.
Figura 30. Keith Haring, Desenho do metropolitano (1985). Giz sobre papel.
Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 21.
Figura 31. Keith Haring, Sexo Seguro (1988). Acrílico sobre tela, 305 x 305 cm.
Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 56.
Figura 32. Keith Haring, Ignorância = Medo, Silêncio = Morte (1989). Cartaz, 61
x 110 cm. Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 71.
Figura 33. Keith Haring, Sem Título (1988). Tinta Sumi sobre papel, cada 57 x
76 cm e 76 x 57 respectivamente. Coleção particular. Cortesia da galerie Hans Mayer, Düsseldorf, Alemanha. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 77.
Figura 34. Keith Haring, Tuttomondo (1989). Mural, Igreja de Sant‟Antonio,
Pisa, Itália. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 90.
Figura 35. Alex Vallauri. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri -
Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 101.
Figura 36. Esquerda: Alex Vallauri, Sem título (releitura) – s.d. (déc. 70),
Litografia, p.a., 60 x 40 cm. Direita: Alex Vallauri, For Friends (releitura) – s.d. (déc. 70), Xilogravura, p.a., 49 x 33,9 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 26.
Figura 37. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Xilogravura, p.a., 44 x 26,5
cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti -
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fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 47.
Figura 38. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Gravura em metal, p.a., 29
x 24,5 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 84.
Figura 39. Alex Vallauri, Sem título (street art, Tomkins Park, Nova York) – s.d.
(déc. 80). Grafite, 300 x 200 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 100.
Figura 40. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80). Grafite – recorte, detalhe,
80 x 100 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 133.
Figura 41. Alex Vallauri, Acrobatas (1982). Serigrafia, p.a., 67,5 x 68,2 cm.
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Doação de Suzanna Sassoun. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 82.
Figura 42. Alex Vallauri, Detalhes da instalação A Festa na casa da Rainha do
Frango Assado (1985). Grafite sobre madeira. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 138-143.
Figura 43. Capa do livro TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea –
transferências – transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008.
Figura 44. Capa do Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”.
Figura 45. Esquerda: Cezar Gordo. Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008. Manobra: Flip transfer, Local: Porto Alegre. Acervo do fotógrafo. Direita: Guilherme Zolin, Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008. Manobra: Switchstance crooked grind reverse, Local: Porto Alegre. Acervo do fotógrafo. Impresso em
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fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 101 e 103.
Figura 46. Capa do livro TRANSFER: arte urbana & contemporânea: transferências & transformações. São Paulo: Conceito Consultoria em projetos Culturais: Editora ZY, 2011.
Figura 47. Kboco, Convite ao artista para produção in loco (2008). Foto: Fabio
Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 27.
Figura 48. Lauro Roberto, Sem título (1999-2006). Raspagem sobre tetrapak.
Acervo do artista. Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 59.
Figura 49. Yury Hermuche, Perigondas (1997). Fanzine. Coleção Fabio
Zimbres. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 62.
Figura 50. Bruno 9li, ZN na Meta (2008). Técnica mista sobre papel. Acervo do
artista. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 32-33.
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SUMÁRIO
ÍNDICE DAS FIGURAS..............................................................................................10
RESUMO....................................................................................................................08
ABSTRACT................................................................................................................09
INTRODUÇÃO...........................................................................................................17
1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR .................................................................................................................................. 23
1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE ........... 29 1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS ................... 376
2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ........................................... 432
2.1 GRAFITE OU PICHAÇÃO? ......................................................................... 554 2.2 GRAFITE E SUAS MANIFESTAÇÕES ESTÉTICAS E CULTURAIS ............. 60 2.3 MANIFESTAÇÕES NÃO TÃO MARGINAIS ASSIM .................................... 665
2.3.1 GRAFITEIROS DE RENOME: KEITH HARING E ALEX VALLAURI .. 74 2.4 OUTROS EVENTOS EM GRAFITE .............................................................. 84
3 MOSTRA TRANSFER/RS E O ESPAÇO INSTITUCIONAL ................................ 887
3.1 ARTISTAS GRAFITEIROS DA TRANSFER/RS .......................................... 932 3.2 DEPOIMENTOS, REGISTROS E ANALOGIAS VISUAIS COM A POP ART
................................................................................................................................ 976 3.3 GRAFITE: COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO INSTITUCIONAL ................. 11110
CONCLUSÃO ............................................................................................................118
REFERÊNCIAS .........................................................................................................120
18
INTRODUÇÃO
A mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências
– transformações - ocorrida em 2008, na cidade de Porto Alegre, foi muito
significativa para iniciar as investigações sobre a temática artística do grafite. Esta
mostra teve como proposta apresentar num centro cultural, considerado erudito,
uma diversidade de manifestações artísticas provenientes de movimentos populares
que ocorrem no espaço urbano, como o skate, hip hop e o grafite.
Neste estudo pretende-se abordar, em especial, a arte do grafite, cujas
manifestações se originaram nas paredes e muros da cidade, situando-se na
marginalidade, fora dos espaços culturais instituídos pela sociedade. Porém, esta
arte marginal, gradativamente, começou a ser considerada arte urbana,
principalmente pela inserção de obras de alguns artistas em espaços da cultura
erudita, como galerias de arte, centros culturais, mostras e museus.
A exposição TRANSFER é abordada como referência para exemplificar a
passagem de manifestações provenientes da arte de rua migrando para um espaço
expositivo cultural. Embora estivessem presentes outros segmentos como o skate,
hip hop, fanzines, etc., o enfoque de reflexão é direcionado para as produções da
arte dos grafiteiros. Interessam seus componentes artísticos e suas percepções
estéticas e culturais a respeito da arte urbana e do grafite, inseridos em espaço
reconhecido culturalmente. Inclusive, este último sendo contestado por alguns, nem
todos, uma vez que, certo número de artistas grafiteiros consideram esta arte como
manifestação estritamente do espaço urbano, enquanto outros estão abandonando
a rua para produzir suas obras em ateliers (como é o caso de Bruno 9li).
Nesse sentido surge o questionamento: porque o grafite em instituições
culturais não possui reconhecimento tanto quanto o grafite de rua pelos próprios
grafiteiros? Quais as diferenças manifestadas nesta abordagem? Enquanto arte
urbana, o grafite é reconhecido por seus membros (grafiteiros) de maneira
satisfatória. Porém, quando esta arte invade museus, instituições culturais e
galerias; perde sua identidade, tornando-se para os grafiteiros apenas uma obra
com a aplicação da técnica do grafite, mesmo que seja cópia fiel do exposto na rua.
Para fundamentar esta abordagem necessitamos de maiores esclarecimentos a
19
este respeito, o que faremos através de entrevistas aos grafiteiros de diversos
segmentos, tanto dos que participaram da mostra ou não.
Este trabalho tem como propósito principal abordar aspectos estéticos,
sociais e ideológicos do grafite como arte urbana e sua inserção em espaços
culturais considerados eruditos, analisando as suas diferenças.
O presente trabalho também tem como finalidade: 1. Problematizar o termo
cultura e as diferenças conceituais entre o erudito e o urbano; 2. Analisar os
aspectos estéticos, sociais e ideológicos do grafite, a partir de espaços
considerados culturais; 3. Realizar uma revisão bibliográfica sobre o grafite e a arte
urbana presente em alguns estados brasileiros como Rio Grande do Sul e São
Paulo; 4. Realizar entrevistas com artistas grafiteiros tendo por intenção a exposição
de seus pensamentos acerca do grafite enquanto arte urbana e do grafite quando
levado às instituições culturais; 5. Refletir sobre o trânsito do grafite proveniente das
ruas para os centros culturais, tendo como referência a mostra TRANSFER - cultura
urbana - arte contemporânea – transferências - transformações ocorrida no
Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008 e 6. Selecionar imagens do
trabalho de alguns artistas do grafite que são referência no segmento da arte urbana
e que participaram da mostra TRANSFER e fazer analogias com o movimento
inspirador – Pop Art – de muitos destes artistas.
O estudo dos acontecimentos estéticos, sociais e ideológicos deste
movimento artístico justifica a realização do trabalho, pois a arte urbana vem
tomando proporções cada vez maiores no mundo, refletindo também em Porto
Alegre. Dessa forma propõe-se analisar como se deu a passagem de uma
manifestação artística proveniente das ruas para a sua institucionalização e
aceitação como arte, contribuindo, com mais este conhecimento, nesta área,
escassa de uma bibliografia específica.
Analisaremos estes conceitos estéticos e as manifestações artísticas
anteriormente mencionadas, e faremos relações com o grafite/arte urbana, através
do artista plástico e grafiteiro Celso Gitahy, assim como de João J. Spinelli, em
contrapartida com teóricos em outras áreas (da comunicação, sociologia,
antropologia e filosofia), como Nestor Garcia Canclini, Stuart Hall, Peter Burke e
Cliffort Geertz.
20
Para este estudo adotaremos dois métodos de procedimento adequado para
as investigações e pesquisas acima mencionadas. Partindo da concepção segundo
Prodanov e Freitas (2009, p. 33) de que:
[...] método é um procedimento ou caminho para alcançar determinado fim [...] a finalidade da ciência é a busca do conhecimento, [...] o método científico é um conjunto de procedimentos adotados com o propósito de atingir o conhecimento.
Neste processo em busca do conhecimento, dentre os diversos métodos de
procedimentos – meios técnicos da investigação (histórico, experimental,
observacional, comparativo, estatístico, clínico e monográfico), nosso estudo
enquadra-se nos métodos: comparativo e monográfico. Conforme Prodanov e
Freitas (2009, p. 46) “nem sempre um método é adotado rigorosa ou
exclusivamente. [...] porque nem sempre um único método é suficiente para orientar
todos os procedimentos a serem desenvolvidos ao longo da investigação”.
O método comparativo segundo Prodanov e Freitas (2009, p. 47):
procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre eles. [...] centrado em estudar semelhanças e diferenças, esse método realiza comparações com o objetivo de verificar semelhanças e explicar divergências.
Sendo assim, o presente estudo investiga fenômenos ou fatos (no nosso
caso, o grafite e a mostra TRANSFER), ressaltando suas semelhanças e diferenças;
analisando e comparando com dados concretos (grafite/arte urbana, cultura erudita
e popular, concepções artísticas, instituições culturais).
Enquadra-se aqui, o método monográfico devido ao grafite –
especificamente seu grupo (cultura/arte urbana) em relação à sociedade (cultura
erudita) -, relacionando-o à mostra TRANSFER – referenciando a cultura e a
instituição cultural - ser também um estudo de caso, examinando o tema central (o
grafite) e observando os fatores que o influenciam, analisando-o em seus aspectos
estéticos, sociais e ideológicos.
Consideraremos para a realização desta pesquisa diversos meios no
levantamento de informações e ordenação/redação da argumentação como a
revisão bibliográfica sobre alguns movimentos artísticos ocorridos na modernidade,
no início do século XX, e, que provocaram mudanças significativas em relação à
21
incorporação de elementos do cotidiano nas obras. Incluiremos também nesta
pesquisa, o livro sobre a mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea –
transferências – transformações, a fim de investigar suas trajetórias artísticas na rua
e nos espaços culturais; a pesquisa bibliográfica em livros, artigos, revistas
especializadas no assunto como a Vista Skateboard Art; folders do evento, incluindo
o Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”;
entrevistas com artistas grafiteiros; além de periódicos sobre o grafite, a cultura
urbana e cultura erudita, entre outros.
O primeiro capítulo trata especificamente da cultura urbana e sua
contextualização, evidenciando questões como hibridismo entre a cultura erudita e
urbana; assim como as oposições e aproximações entre o erudito e o popular
segundo Canclini, Peter Burke, Geertz, Thompson e Laraia, remetendo ao grafite e
ao multiculturalismo.
O capítulo seguinte aborda antecedentes históricos da arte; a diferenciação
entre grafite e pichação; apresentando também alguns artistas grafiteiros, sendo
estes considerados os precursores nesta arte. Sendo precária a bibliografia sobre
este tema, acolheremos as concepções de Celso Gitahy e João J. Spinelli, assim
como teses e monografias encontradas a este respeito.
As questões acima citadas já surgiram em períodos anteriores da
humanidade. Assim sendo, pretende-se enfatizar um movimento de vanguarda, com
suas inquietações em relação à arte pela arte; considerando quando Marcel
Duchamp, com os seus readymades descontextualiza um objeto e o insere no
espaço que é respeitado, socialmente, próprio para obras de arte e também a Pop
Art, que, segundo Artur C. Danto (2006, p. 134) “[...] em meu ponto de vista, o
movimento de arte mais crucial do século”. Neste contexto, pode-se questionar:
porque um objeto que não é arte foi aceito? Isto não ocorre também com o grafite?
Quais seriam essas diferenças?
Em sentido inverso, almeja-se abordar a Land Art – arte que utiliza o terreno
natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é ele próprio
trabalhado de modo a integrar-se à obra; movimentos estes que saem dos museus
para ocupar o espaço urbano, questionando se a arte devia estar dentro ou fora das
galerias, museus ou outras instituições culturais. Como o público poderia apreciar
uma obra que acontece apenas num dado momento, numa intervenção efêmera,
numa paisagem de difícil acesso? Quais os dispositivos utilizados pelos artistas para
22
que se tenha conhecimento destas obras? E ainda, apresentaremos algumas
notícias que foram destaque no Brasil e no Mundo a respeito do grafite, como meio
de podermos vislumbrar sua abrangência.
No terceiro e último capítulo a mostra TRANSFER é apresentada sob os
aspectos: histórico; alguns artistas participantes e suas obras; além de depoimentos
e registros visuais. Relativo à cultura erudita, procuraremos evidenciar as instituições
culturais como maior representante deste segmento, tendo reflexões a respeito
destas, como forma de divulgação da cultura erudita e as apresentações de
decretos-lei e estatutos que as regem, as normatizações referentes aos museus e
instituições culturais, salientando este conhecimento, e frisando que não iremos
adentrar neste universo político-administrativo.
Partindo destes pressupostos sobre o culto e o urbano, abordaremos o
grafite como manifestação urbana, que transita do espaço urbano para o espaço
cultural, no momento que se integra às instituições e galerias. Também
exploraremos os aspectos estéticos, sociais e ideológicos que o grafite, enquanto
manifestação artística faz referência junto do maior motivador sobre o assunto: a
mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências -
transformações ocorrida no Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008.
23
1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR
Iniciamos as nossas considerações em relação aos pressupostos e as
diferenças entre as manifestações e expressões culturais oriundas do espaço
urbano, buscando alargar a compreensão sobre a arte do grafite. Embasamos os
estudos em alguns autores que afirmam que a cultura não é algo estanque, pois ela
depende das complexas características de uma determinada sociedade, que muda
constantemente seus valores no decorrer dos tempos, devido exatamente a sua
evolução.
Neste contexto, procuramos esclarecer o conceito de cultura, o que se
descobre ser algo difícil, pois ele não é fechado, principalmente pela sua
abrangência paradoxal entre as origens de uma determinada cultura e também pelos
seus aspectos universais. Na cultura atual, globalizada, podemos encontrar os
mesmos produtos em diversas partes do mundo, contrapondo-se a singularidade
das diferenças regionais. Peter Burke1 (2010, p. 11) reafirma a dificuldade de se
conceituar cultura quando comenta:
Cultura é uma palavra imprecisa, com muitas definições concorrentes; a minha definição é a de “um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados”. A cultura nessa acepção faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele.
A cultura, portanto, é construída conforme a sociedade e a época em que se
vive, desde os utilitários, o vestuário, o linguajar utilizado, o fazer diário (rotina) do
indivíduo e/ou seu grupo, tudo isto faz parte da convivência social do homem. Por
outro lado, segundo Fayga Ostrower2 (1978, p. 11), “as culturas assumem formas
variáveis que se alteram com bastante rapidez, incomparavelmente mais rápidas do
1 Nasceu em Stanmore/Inglaterra – 1937. Doutorou-se na Universidade de Oxford, foi professor na
Universidade de Essex, na Universidade de Sussex, na Universidade de Princeton e atualmente é professor emérito da Universidade de Cambrigde. Foi professor visitante da USP/IEA – SP entre 1994-1995. É considerado um dos maiores especialistas na Idade Moderna Européia e na obra de Gilberto Freyre. Impresso em fonte: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 2 Nasceu em Lodz, Polônia em 1920. Chegou ao Rio de janeiro na década de 30. Cursou Artes
Gráficas na Fundação Getúlio Vargas em 1947 e entre 1954 e 1970 desenvolveu atividades docentes no MAM/RJ; no decorrer da década de 60 lecionou no Spellman College (Atlanta/EUA), na Slade School da Universidade de Londres, Inglaterra e posteriormente foi professora de pós-graduação em várias universidades brasileiras. Faleceu no Rio de Janeiro em 2001. Disponível em www.faygaostrower.org.br/artista.php acessado em 08.11.2011.
24
que eventuais alterações biológicas”. O desenvolvimento do ser humano é vinculado
aos padrões culturais e históricos, ou seja, ele “age culturalmente, apoiado na
cultura e dentro de uma cultura” (p. 13). Nesse sentido, podemos entender que a
cultura não é individual, envolve a experiência coletiva, ou seja, aspectos de um
determinado modo de vida, em seus diferentes valores estéticos e sociais são
compartilhados e transmitidos para as gerações seguintes.
Para Thompson3 (1995), o estudo da constituição significativa e da
contextualização social das formas simbólicas seria o mais próximo que se pode
chegar ao conceito de cultura. As múltiplas formas simbólicas elaboradas pelo
indivíduo são condicionadas a partir de um determinado contexto histórico e técnico,
servindo para estabelecer ou sustentar relações de dominação, através do “[...]
conjunto de valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas
características de uma sociedade específica ou de um período histórico” (p. 166)4.
Essa concepção evidencia como as diferentes culturas influenciam o
comportamento social e diversificam enormemente a humanidade:
O homem vê o mundo através de sua cultura, tendendo, portanto, a considerar o seu modo de vida o mais correto e o mais natural. Como resultado dessa dinâmica social, evidenciamos os mais diversos tipos de conflitos etnocêntricos. O conflito “nós e os outros” tem como ponto fundamental a referência de grupo em detrimento a referência de
humanidade, tão comum na sociedade moderna. (LARAIA5, 2003, p. 72)
Para este autor, cada sociedade ordena, a seu modo, o mundo que a
circunscreve e que essa ordenação dá um sentido cultural à aparente desordem das
coisas naturais. Nessa perspectiva, atribui também ao raciocínio humano a
possibilidade de tornar a cultura dinâmica e, em constante processo de mudança. É
pela capacidade de questionar os próprios hábitos que o homem torna-se capaz de
modificar a si e a maneira de se relacionar com a vida. Laraia ainda afirma que a
cultura permite ao homem adaptar-se ao seu meio, mas também adaptar esse meio
3 Professor de Sociologia na Universidade de Cambridge. Nasceu em Miniapolis/Estados Unidos em
1958. Impresso em fonte: THOMPSON, John B. “Metodologia da Interpretação”. In: ______. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995. 4 Disponível em fonte: www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/educacao, acessado em 01.11.2011.
5 Professor emérito da UnB iniciou sua carreira, como antropólogo, no Museu Nacional da UFRJ.
Transferiu-se em 1969 para a UnB, onde dirigiu o Instituto de Ciências Humanas, sendo promovido a professor titular em 1982. Doutor pela USP realizou pesquisas de campo entre os índios brasileiros. Atualmente é membro do Conselho Consultivo do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Conselho Nacional de Imigração. Impresso em fonte: LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
25
ao próprio homem, as suas necessidades e seus projetos. Expõe que cultura pode
referir-se tanto a uma sociedade específica, mas também a grupos sociais dentro
dela; e ainda que seja entendida como dimensão não-material da sociedade, não
abandonou a preocupação com os aspectos materiais.
Por outro lado, as relações culturais também supõem a mediação entre o
poder e o objeto de sua ação, implicando em contradições, desigualdades,
diferentes condições sociais, envolvendo algum tipo de dominação entre a cultura
considerada erudita6 e a cultura popular. Ambas as culturas são importantes para o
desenvolvimento das sociedades, mas são vistas e valoradas de formas diferentes.
Isto se reflete também nas artes, quando verificamos que um jarro cerâmico (Figura
02), por exemplo, por ser de determinada dinastia grega, muda do valor de uso para
o valor de obra de arte, perdendo a característica primeira de utilitário, de algo
produzido para conter alguma coisa, para tornar-se objeto estético. Podemos pensar
que, na produção de objetos de uso cotidiano e objetos com a finalidade de uso em
rituais, havia a “preocupação” com os propósitos e significações culturais,
interligados à vida e com certa unidade estética.
Figura 02 Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax jogando damas. Assinado por Exekias.
Cerca de 540 a.C. Museu do Vaticano.
6 A definição de erudito é tão complexa quanto à definição de cultura. Nesta pesquisa utilizo o termo
para fazer um distanciamento e uma diferenciação com o urbano e/ou popular, não entrando nos paradigmas de Pierre Bourdieu (A Economia das Trocas Simbólicas. Perspectiva, 2009) que explica ser uma categoria relacional em oposição à cultura de massa.
26
O conceito de cultura a partir de uma perspectiva antropológica no
entendimento de Geertz7 (2008) sofre uma revisão e passa a ser visto como um
padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos e
materializado em comportamentos. Na época em que foi confeccionado o jarro
grego, portanto era somente um jarro para conter óleo, água ou perfume, mas
resistindo ao tempo e sobressaindo sua beleza estética, séculos depois, os seus
significados e funções originais se modificaram.
Controladora do comportamento em sociedade, a cultura, ao mesmo tempo
cria e recria este comportamento, devido ao seu conteúdo ideológico, impossível de
ser exaurido de significado, já que toda cultura possui uma ideologia que o embasa.
Para Geertz (2008), a ideologia é apresentada como a dimensão norteadora
do “arbitrário cultural” -, os princípios que são aceitos pelo senso comum como
indiscutíveis, e que definem o que é valorizado ou desvalorizado em termos
comportamentais em determinado grupo humano -, sendo este arbitrário cultural o
elemento mediador da apreensão dos signos e significados presentes em uma
cultura.
Na perspectiva desta investigação, nos propomos refletir sobre as questões
que mediam a valorização e a aceitação de produções simbólicas provenientes de
uma cultura urbana em relação à cultura erudita. Colocam-se algumas indagações:
porque a arte erudita saindo das instituições culturais para os espaços urbanos é
mais bem quista pelo público e pela sociedade? E a arte urbana, a exemplo do
grafite, quando inserida em uma instituição cultural pode vir a tornar-se arte (com
mesma ênfase da arte erudita) e como é sua aceitação pelo público e pela
sociedade estabelecida como culta?
A exemplo da arte que saiu da instituição para as ruas, sendo oferecido ao
olhar do cidadão comum, um grupo de artistas de São Paulo (Cildo Oliveira, Lucia
Py, Lucia Porto e Newman Schutze) realizaram duas intervenções. Numa,
representaram, por meio de esculturas no jardim, elementos arquitetônicos que
cercavam o MAC, cuja identificação imediata pelo público de que o que estava fora
era a arte que estava dentro do museu, fez aumentar o número de visitantes.
Noutra, uma exposição de objetos no formato de painéis no Viaduto do Chá, cujos
7 Considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea - a chamada
Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa - que floresceu a partir dos anos 50. Nasceu em São Francisco/Estado Unidos em 1926 e faleceu na Filadélfia/Estados Unidos no ano de 2006. Impresso em fonte: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
27
desenhos encontravam-se pela metade, suscitou o convite dos artistas ao público
durante a montagem, de buscarem a outra metade na abertura da exposição à noite.
Essa atitude integrou o espectador, instigou uma platéia nova, de office-boys,
empregadas domésticas, bancários, comerciários, etc. Vê-se que neste contexto, há
uma apreciação mais fluída por parte do cidadão comum com a arte acadêmica.
Existe um respeito velado nesta relação, uma herança de anos de entendimento -
mesmo que não em sua plenitude ou sabedoria que lhe é própria – das pessoas
comuns a arte e a artistas de galerias, instituições, museus. O estranhamento inicial
é imediatamente trocado pelo encantamento, sentimento atávico que se sobressai a
inibição, a falta de cultura, a modesta educação. Já o contrário, a arte que sai das
ruas e vai para as instituições, como no caso dos acontecimentos recentes em favor
da disseminação do grafite, o respeito pelo artista é ignorado, também veladamente
há um preconceito sobre a origem desta arte, que reforça o pensamento de Canclini8
de que o popular é o excluído.
O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos “legítimos”; os espectadores dos meios massivos que ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a alta cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos. (CANCLINI, 2006, p. 205)
Para tentar entender o processo de migração do grafite, buscaremos um
apoio no conceito de cultura popular de Peter Burke (2010, p. 11), “talvez seja
melhor de início defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a cultura da
não elite”.
Neste sentido, o grafite circunda a alta cultura no momento em que seus
autores buscam direta ou indiretamente artistas e movimentos artísticos (em grande
parte o referencial vem da Pop Art9) aos quais se identificam para expressarem sua
8 Nasceu em La Plata/Argentina em 1939. Estudou filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na
Universidade Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris. Atuou como docente nas universidades da Prata entre 1966-1975, Buenos Aires entre 1974-1975, Stanford, Austin, Barcelona e São Paulo. Desde 1990 é professor da Universidad Autónoma Metropolitana no México, onde está radicado. É considerado um dos maiores investigadores em comunicação, cultura e sociologia da América Latina. Impresso em fonte: CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1998. 9 Movimento artístico iniciado na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 50, cuja figura de maior
destaque foi o americano Andy Warhol. Pretendia demonstrar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Procurava a estética das massas, aproximando-se do que costuma chamar de kitsch. Disponível em ww.itaucultural.org.br acessado em 10.06.2011.
28
arte. O diferencial em relação à arte erudita é a sua espacialidade (a cidade) como
forma de manifestação, tornando-se um patrimônio de todos.
Reforçando esta abordagem, Canclini (2006, p. 196) se limita a questões
espaciais e de apropriação:
Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares.
Por outro lado, Canclini (2006) fala de uma cultura urbana, sendo esta a
principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. Neste sentido
podemos constatar que há uma grande diversidade cultural nas cidades, diversos
grupos sociais ou “tribos”, classificadas de acordo com a idade, credo, sexo,
condição financeira, etc., que acabam por desenvolver características únicas e
múltiplas, constituindo uma heterogeneidade imensa dentro de uma mesma cidade
que por sua vez tem uma característica homogeneizada de acordo com as outras
cidades.
[...] As oposições entre o culto e o popular, entre o moderno e o tradicional, condensam-se na distinção estabelecida pela estética moderna entre arte e artesanato. Ao conceber-se a arte como movimento simbólico desinteressado, um conjunto de bens “espirituais” nos quais a forma predomina sobre a função e o belo sobre o útil, o artesanato aparece como o outro, o reino dos objetos que nunca poderiam dissociar-se de seu sentido prático. Os historiadores sociais da arte, que revelam as dependências da arte culta com relação ao contexto social, quase nunca chegam a questionar a fenda entre o culto e o popular, que em parte se superpõe à cisão entre o rural e o urbano, entre o tradicional e o moderno. (CANCLINI, 2006, p. 242)
Aliando a esta oposição entre o culto e o popular, Canclini (2006, p. 243) nos
relata que o que opõe a arte erudita à arte popular é que os produtores da primeira
seriam singulares e solitários, enquanto os populares seriam coletivos e anônimos:
O culto e o popular, o nacional e o estrangeiro apresentam-se ao final deste percurso como construções culturais. [...] Sua verossimilhança foi alcançada historicamente mediante operações de ritualização de patrimônios essencializados. A dificuldade de definir o que é culto e o que é o popular deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade
29
– por seu relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo. (CANCLINI, 2006, p. 362)
Neste sentido, Canclini ao salientar as diferenças do que pode ser
considerado uma produção culta, abre uma perspectiva de pensarmos então, que a
arte urbana também pode ter sido uma possível convenção diminuta de sua real
abrangência, de sua permeabilidade na contemporaneidade, o que a levou ao
patamar de ter o privilégio de ser adquirida, nos tempos atuais, por instituições até
então, apreciadoras somente de produções acadêmicas.
Esse aceite do grafite causou uma inicial estranheza ao adentrar as
instituições culturais, ao ser reconhecido como arte urbana, como uma forma de
cultura urbana que em si ganhou contorno e força, o que motivou esta dissertação
sobre arte e cultura em suas relações e conseqüentes mudanças comportamentais
frente a cultura erudita; estas aproximações e diferenças relativas inclusive, ao
artesanato, de modo a valorar o trabalho de um grupo de menor prestígio.
Portanto, podemos verificar que o conceito de cultura vai muito além das
significações que calcificam regras, costumes e legados históricos das gerações
anteriores e, com isso, impõem uma simplificação demasiada a um assunto digno de
inumeráveis reflexões e considerações.
1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE
A temática sobre as implicações das produções consideradas como arte
urbana, - oriunda da cultura erudita -, e a constatação da presença do grafite nos
espaços públicos das cidades requer algumas reflexões.
Os lugares públicos envolvem vários ambientes que encontramos nas
cidades, como as praças, os viadutos, as ruas em geral, além dos museus e das
galerias de arte. O mesmo se dá quanto ao grafite10, quando cada grupo marca de
forma diferenciada seu espaço, com símbolos e grafismos característicos de sua
região ou entorno. Há uma identificação entre os artistas que integram este meio
10
Segundo o Miniaurélio Dicionário Eletrônico, palavra, frase ou desenho feito em muro ou parede de local público. Conforme Celso Gitahy, do italiano graffiti, plural de graffito.
30
que valorizam de forma significativa as suas criações, bem como da população local,
pois o grafite, de certa maneira, delimita um território gerando uma identidade local.
Segundo, Helena Mendonça11, urbano vem do latim e significa “o que é
próprio da cidade”. Cultura urbana seria, por extensão, a expressão de grupos que
desenvolvem sua arte nas ruas, nos bairros, em espaços públicos que são
democratizados, criando novas sociabilidades12. No cenário do espaço urbano, em
seus aspectos mais gerais, colaboram também outras manifestações – o teatro de
rua, os seresteiros, as estátuas humanas, os panfletos, os outdoors - que interferem
de forma desordenada no espaço urbano – igualmente relacionados à cultura
urbana como o hip hop e a própria cidade enquanto meio de divulgação de arte e
cultura, torna-se de grande importância abordar as questões relativas aos espaços
que a cidade oferece.
A cidade é, portanto um produto da diversidade da vida social, cultural e
pessoal, devendo ser “pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e
não como um espaço de desigualdades”, como afirma Jorge Luiz Barbosa13 “[...]
sendo esta a expressão da pluralidade de vivências culturais, afetivas e
existenciais”.
Por outro lado, estar numa cidade trabalhando e morando nela, não significa
ter vinculo definitivo e único a ela, pois podemos estar em qualquer outro lugar
através da internet, acessando outros espaços urbanos e culturais, de forma bem
diversificada. Sob este enfoque, Anne Cauquelin (1996, p. 35) relata: “duas ficções
estão presentes simultaneamente, a do local circunscrito que delimita um objeto
preciso, individualizado, e a da extensão indefinida das potencialidades de
comunicação que apagam o tempo e o local”.
No contexto das cidades, Anne Cauquelin (1996, p. 33) considera que elas
são objetos que tem seus limites, podendo-se entrar ou sair delas, obedecendo as
suas fronteiras. A cidade é o local da comunicação entre os membros da
comunidade deste modo protegida, onde a língua, os costumes, os comportamentos
são compartilhados, tendo uma identidade que se inscreve numa história coletiva e
ao mesmo tempo individualizada. E, em relação às produções da arte
11
Supervisora pedagógica do Programa Salto para o Futuro. Disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em 06.10.2011. 12
Disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em 06.10.2011. 13
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Observatório de Favelas.
31
contemporânea, para Cauquelin o objeto estável cedeu o lugar a um processo de
construção permanente onde a cidade não é mais fixa, pois “[...] qualquer ser
humano de qualquer ponto do planeta pode entrar e sair deste invólucro e participar,
como membro ativo, da cidade mundial”.
Por outro lado, a ocupação do espaço das cidades, as discussões sobre os
limites, a territorialidade, cartografias, etc, tem motivado ações e intervenções de
diversos artistas na atualidade. E como nos diz Nelson Brissac (2000, p. 239): “[...]
Nos últimos anos, uma série de projetos artísticos internacionais têm ocupado
cidades, optando por espaços urbanos em vez de museus e galerias”. Nesse
sentido, como um exemplo local (no caso, Porto Alegre) as BIENAIS DO
MERCOSUL têm ocupado diversos espaços da cidade e o território, propondo
outras interações com a população.
A 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de Geopoética14 – teve como tema o
território e sua redefinição crítica a partir de uma perspectiva artística, tratando de
tópicos relevantes para essa discussão: mapeamento, colonização, fronteira,
aduana, alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade, viajantes
científicos, nação e política. O projeto curatorial desenvolveu sete grandes ações,
abordadas por meio de duas estratégias - expositivas e ativadoras.
Nas ações ativadoras, tiveram como resultado uma exposição, com ênfase
na relação entre artista e público. Nas exposições propriamente ditas, a ênfase
estava na obra e na sua relação com os trabalhos dos demais artistas e com o tema
proposto. Dessa forma, a cidade de Porto Alegre e o território do nosso estado foram
vistos como lugares a descobrir e a ativar por meio da arte. Além dessas ações,
houve a exposição do artista chileno homenageado Eugenio Dittborn, que esteve em
Porto Alegre no Santander Cultural, com desdobramentos em três cidades do
Estado: Bagé, Caxias do Sul e Pelotas.
A Casa M, um dos projetos-chave da bienal consistia em um espaço de
encontro para a comunidade artística local, pessoas interessadas em arte e cultura,
professores e estudantes de arte e áreas afins. A proposta partiu da vontade de criar
uma comunidade temporária em torno da mostra, promovendo a reflexão e o diálogo
e favorecendo o intercâmbio e a criação de redes. Esta terá duração de sete meses,
oferecendo à comunidade uma programação de residências curatoriais, pequenas
14
Ocorreu no período de 15 de setembro a 15 de novembro deste ano em Porto Alegre. Reuniu 107 artistas de 34 países.
32
exposições, conversas, oficinas e outras atividades. O local conta com um espaço
de convivência, sala de leitura, biblioteca e ateliê, entre outros ambientes e a
programação é desenhada pela equipe curatorial da 8ª Bienal em parceria com o
Projeto Pedagógico15, contando com o apoio de um conselho formado por seis
artistas, teóricos e agentes culturais de Porto Alegre.
A Bienal abraçou todo o território do Rio Grande do Sul levando artistas,
obras, exposições e atividades pedagógicas a mais de dez cidades16. Na capital
foram realizadas as exposições Geopoéticas e Cadernos de Viagem, no Cais do
Porto e Além Fronteiras, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS. Além
disso, nove locais do centro abrigaram a exposição Cidade Não Vista, com o
propósito de chamar a atenção para lugares que habitualmente não são percebidos
pela população.
Segundo o presidente da 8ª Bienal do Mercosul, Luiz Carlos Mandelli, a
realização dessa edição reafirma o compromisso da Fundação Bienal com a
comunidade: “o projeto curatorial [...] amplia as ações e envolve comunidades de
todo o Estado, promovendo efetivamente a transformação social através de
propostas artísticas contemporâneas17”.
Quais as relações da arte urbana com o espaço local e a noção de território?
As relações da arte urbana com o espaço, o local e o território que são abordadas
na 8ª Bienal do Mercosul, nos remete aos estudos de Maria Amélia Bulhões (2002,
p.153): “O território, suporte físico de toda vivência social, foi sempre um dos
determinantes da identidade cultural, na medida em que pode ser definido como a
área geográfica em que um indivíduo ou um grupo desenvolve sua existência”.
Nesse contexto, a rua, a cidade e até mesmo um território (o Rio Grande do Sul)
enquanto lugar, pode-se tornar um espaço para ações e intervenções artísticas, que
foi a proposta da 8ª Bienal do Mercosul, pois ao apreendermos uma obra, em um
espaço público, ampliamos nosso horizonte, começamos a visualizar o ambiente
que nos rodeia de outra forma, nos apercebendo destas intervenções de forma mais
15
As diversas linhas de ação curatorial foram concebidas também como ações pedagógicas. O Projeto Pedagógico contemplou atividades de formação de professores, curso para formação de mediadores, oficinas, palestras, seminários, publicações destinadas a diversos públicos e, especialmente, a programação da Casa M, além dos agendamentos de visitas guiadas e o transporte gratuito para escolas públicas e atividades diferenciadas oferecidas ao público visitante durante o período da mostra. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011. 16
Bagé, Caxias do Sul, Ijuí, Montenegro, Pelotas, Santa Maria, Santana do Livramento, São Miguel das Missões e Teutônia. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011. 17
Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011.
33
sensível ou não, mas nos causando de qualquer maneira uma reação positiva ou
negativa.
Por outro lado, percebemos que os territórios, os locais e os espaços
urbanos são impregnados de vivências culturais, o que de certa maneira, são
determinantes para essas intervenções e, que não ocorrem de maneira “marginal”
como os grafites. Ou seja, quando se trata de projetos artísticos vinculados a uma
instituição “erudita”, geralmente, são realizadas proposições em locais escolhidos
anteriormente pelo artista e que pode ter uma curadoria para isso. Nelson Brissac
(2000, p. 240) coloca:
Como são determinados os lugares? Agora o curador decide, para cada obra específica para um sítio, onde este começa e termina e quais são os parâmetros básicos que estimulam o trabalho. A noção de sítio é ampliada e estratificada, para incluir não só a materialidade de uma estrutura particular como também a sua categoria genérica e funcional. O sítio pode então se estender da edificação para o bairro, a cidade, o país.
Deste modo, os locais públicos escolhidos a sofrerem intervenções artísticas
começam a ser vistos como locais particularizados pelas obras e seus artistas,
tornando-se um ponto de referência local, mas ao mesmo tempo estético, contendo
traços históricos e sociais, visto que a escolha tanto do local como da temática
abordada pode ou não modificar a percepção quanto ao ambiente inicial que se
possuía daquele mesmo local.
Para Nelson Brissac (2000, p. 242): “A arte em espaços urbanos pode
proporcionar grande visibilidade para grupos sociais marginalizados e possibilitar a
descoberta de lugares descartados pela cultura dominante”. Acrescente-se aí toda a
arte grafite que está espalhada pela cidade e que atualmente já não causa tanto
estranhamento na população.
Segundo Brissac (2000, p. 243):
Colocada nestes espaços reestruturados, a arte pública contribui funcional e esteticamente para formatar os ambientes urbanos, encorajando os projetos imobiliários e revitalização das áreas. A intervenção artística pode auxiliar a garantir aceitação para a reestruturação, forma contemporânea da urbanização capitalista. Além de reforçar, ao ordenar praças e átrios corporativos, a privatização dos espaços públicos.
Neste sentido, as ações artísticas além de favorecerem uma mudança
estética e visual nos espaços urbanos, também podemos perceber as diversas
34
mesclas culturais que os espaços da cidade proporcionam. Para Canclini (2006, p.
19), essas diversas expressões,
[...] são denominadas intercultural de hibridação em vez de sincretismo ou mestiçagem, porque abrange diversas mesclas interculturais - não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo “mestiçagem” – e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que “sincretismo”, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais.
Descartamos o conceito do sincretismo por não estarmos abordando
questões simbólicas tradicionais ou religiosas em arte, mas propondo reflexões
acerca dos procedimentos que envolvem as práticas híbridas, como no caso o
grafite, em que podemos considerar os seus elementos como híbridos por se
esquivar das convenções estéticas clássicas, por ter livre acesso em vários
segmentos: sociais, espaciais/territoriais e culturais. Confirmando e ampliando os
conhecimentos acerca deste tema, acrescenta-se:
[...] há gêneros constitucionalmente híbridos, por exemplo, o grafite e os quadrinhos. São práticas que desde seu nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial. Lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular, aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva. [...] as lutas pelo controle do espaço se estabelecem através de marcas próprias e modificações dos grafites de outros. Suas referências sexuais, políticas ou estéticas são maneiras de enunciar o modo de vida e de pensamento de um grupo que não dispõe de circuitos comerciais, políticos ou dos mass media para expressar-se, mas que através do grafite afirma seu estilo. Seu traço manual, espontâneo, opõe-se estruturalmente às legendas políticas ou publicitárias “bem” pintadas ou impressas e desafia essas linguagens institucionalizadas quando as altera. O grafite afirma o território, mas desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos. (CANCLINI, 2006, p. 336)
O grafite nesta conjuntura cumpre seu objetivo de limitar num determinado
espaço da rua, sua marca. Ele tem a propriedade de aparecer ao público sem ser
propriedade de alguém, despreocupado de análises formais de linguagem, saindo
da ideia de pertencimento e polidez. O grafite pertence à cidade, aos transeuntes
que a admiram ou não, sendo respeitado seu espaço de existir, não sofrendo, em
sua maioria, interferências de outros grafiteiros, de acordo com as regras que estes
estabelecem entre os grupos.
As hibridizações descritas por Canclini (2006, p. 348):
35
levam a concluir que hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento.
Em se tratando de hibridização, pode-se perceber que no campo das artes
visuais em geral, estamos constantemente lidando com dimensões universais, com
aculturações, com assimilações de outras culturas de maneira consciente e/ou
inconsciente. Podemos verificar em alguns grafites, algumas referências de
movimentos artísticos consagrados apreendidos pelo grafiteiro que o incorpora em
seu trabalho, sem que este perca a espontaneidade. Este referencial faz parte de
seu conhecimento, de sua cultura acerca da arte erudita, de modo simplificado ou
não, pois não afeta significativamente seu instinto criador, mesmo que haja a
negação deste fato, como o grafiteiro Alberto Monteiro18, da mostra TRANSFER
(tema do capítulo 3) relata em entrevista a revista Vista Skateboard Art19 (Figura 03),
não possuir nenhuma relação com o universo das artes plásticas, mas ao mesmo
tempo se contradiz ao afirmar que possuía a época da confecção de fanzines20 em
1988-89 influência do Neo Expressionismo, da Transvanguarda e da Geração 80 no
Brasil.
18 Natural de Duque de Caxias/RJ. Começou a produzir fanzines em 1988 e 1989, depois de experiências com óleo sobre tela. Colaborou com quadrinhos e ilustrações em diversos fanzines e agregou fanzines de todo o Brasil. Terminada a experiência com este tipo de publicação, voltou à pintura, agora sobre papel. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69. 19
Revista de Setembro/Outubro 2008, nº 20. Possui periodicidade bimestral, de distribuição gratuita em boardshops, galerias de arte, blitz & cadastro. Editor chefe: Xande Marten, Administrativo: Gustavo Tesch, Impressão: Gráfica Pallotti. 20
Ver sobre o assunto – “Fanzines: Reflexões a cerca do uso de mídia independente na perspectiva de potencialização de ideias”, por Melissa Eloá Silveira Nascimento - Mestranda em Educação do Programa de Pós-graduação da UERJ e integrante do grupo de pesquisa “Linguagens desenhadas e Educação”, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/extraprensa/article/view/s-ses2-16/ss2-t16 acessado em 24.05.2011.
36
Figura 03 Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008, nº 20.
Ao referenciarmos a devida mostra, nos remetemos ao local de sua inserção
(o espaço Santander Cultural Porto Alegre, neste caso), onde encontramos certo
conflito pessoal ao nos confrontarmos com os mesmos ícones de grafites dentro e
fora da instituição cultural referenciada, causando, estranheza e desconforto por um
lado, e admiração e surpresa, de outro. Os sentimentos gerados são antagônicos e
por isso mesmo suscitam os questionamentos deste deslocamento, da visão dos
artistas e da sociedade em relação ao que esta sendo exposto.
O diálogo entre a obra, o lugar, o artista e o público, todos tentando
encontrar um lugar para “se acomodar”, seja no sistema das artes, seja no sistema
de relações da sociedade, seja no lugar do outro – podendo ser tanto o artista, como
a obra e até o espectador ou o local. O grafite neste sentido “desestrutura as
coleções de bens materiais e simbólicos” como afirma Canclini (2006, p. 336), pois
estar no lugar do outro é difícil, requer uma reflexão aberta, sem nossas limitações –
afinal, grafite é arte ou não? Neste momento, o grafite está inserido nas produções
da arte contemporânea, arte urbana, arte que foge dos contextos de arte (erudita)
até então conhecida. Inclui-se nela o nosso cotidiano, o barulho das ruas, a vida
agitada, a correria, e talvez isto fique agora mais evidente através das imagens
misturadas, confusas, algumas coloridas e outras nem tanto, transbordando do
quadro ou da parede onde esta.
Portanto, a relação do grafite traz de uma maneira simbólica a relação da
mistura, do hibridismo, estes sentimentos contraditórios de surpresa, de admiração e
de repulsa, ao mesmo tempo, em ambos os locais onde podemos encontrá-lo – na
instituição cultural ou na rua, gerando sempre no íntimo, conflitos e também
unidades.
37
1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS
A abordagem da questão multicultural diante da perspectiva das produções
oriundas do grafite, que em seu percurso inverso, ou seja, saindo das ruas e
tomando espaço em um novo ambiente, que são as instituições culturais, sofre uma
ressignificação, principalmente, em relação ao olhar de um “público” que não
percebia e nem valorizava a arte nos muros da cidade.
Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que há uma distinção entre os aspectos de
multicultural e multiculturalismo. Segundo Stuart Hall (2003, p. 52):
Multicultural é o termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida comum, ao mesmo tempo retêm algo de sua identidade “original”. [...] Multiculturalismo é termo substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.
Ambos os termos são praticamente inseparáveis. O homem é um ser social
por natureza. Porém, busca uma identidade desde seus tempos mais remotos. De
acordo com Anspach (2000, p. 71):
[...] já na Pré-História, os primeiros homens a ocupar o planeta Terra manifestavam seu interesse em tal questão. Ao imprimirem suas mãos sobre rochas de cavernas, esses homens não só tentavam afirmar seu desejo de posse e seu poder sobre entes e fenômenos naturais, mas também deixavam uma marca, que se pretendia indelével, de sua presença na e através da história.
Fazendo uma analogia com o grafite, que também deixa sua marca na
parede, retratando um desejo, expressando algo que podemos avaliar desde a
temática do belo (ou não) até sua revelação mais ideológica, há de alguma maneira
o retorno a essência primeira do ser humano, de criar e deixar sua marca para o
grupo ao qual está diretamente inserido, da mesma forma que denuncia algo para a
sociedade ao seu redor.
A arte do grafite, portanto, manifestando suas insatisfações sociais, políticas
ou meramente tentando agregar “encanto” ao ambiente onde está exposta, expressa
diferentes maneiras de se conviver, procurando soluções para a construção de uma
38
vida melhor, mais humanitária, sem que isto acarrete a perda da identidade do grupo
(do grafite) perante outras comunidades sociais. Atualmente, detectamos a sua
inserção em espaços urbanos de forma mais “bem quista”, e o exemplo disto, são os
tapumes decorados pelos artistas grafiteiros que são contratados pelas empresas da
construção civil para enfeitar o empreendimento até a sua conclusão.
Se antes, as intervenções eram infiltradas como meio de contestação na
sociedade contemporânea, hoje há uma maior anuência, na forma de arte urbana,
que cada vez mais, afirma sua identidade e ao mesmo tempo, confirma uma vasta
participação de um público mais aberto, a exemplo da arte urbana “PORTO
ALEGRE PRECISA DE MAIS ______________” (Figura 04), disposto diversas
vezes ao longo de um tapume localizado na esquina da Rua Silva Jardim com a Rua
Eudoro Berlink, bairro Auxiliadora da capital gaúcha; provocação do coletivo Shoot
the Shit21, onde as pessoas completaram a frase com palavras como: educação,
árvores, honestidade, políticos sérios, amizades, saúde, atitude positiva,
saneamento, amor, etc.
O grupo faz parte do circuito de arte urbana Artemosfera22. Seguem a
tendência mundial de megaeventos que revitalizam o espaço urbano por meio da
arte e da criatividade, com o objetivo de tornar a cidade melhor e fazer esta arte
chegar às pessoas, sem um conhecimento erudito e anterior para desfrutá-las, com
enfoque, segundo argumenta o curador Cézar Prestes23, para a importância da
preservação do patrimônio público, como as praças e os monumentos.
21
Grupo criado em agosto de 2010 por Giovani Groff, Gabriel Gomes e Luciano Braga. É um dos representantes dos jovens no Artemosfera. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5. 22
Realização do Grupo RBS, com patrocínio da Chevrolet, Zaffari, Braskem e TIM e apoio de Tintas Renner e a prefeitura de Porto Alegre. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5. 23
Ex-diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e ex-secretário de Cultura do Estado. Disponível em http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/artemosfera/19,0,3541924,Respire-Artemosfera-inedito-no-pais-circuito-de-arte-urbana-quer-mudar-relacao-dos-porto-alegrenses-com-a-arte.html acessado em 02.11.2011.
39
Figura 04 Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS ___________”.
Sobre esta ótica, citamos Ortiz (2001), que afirma que cada cultura é
percebida pelos seus detentores como o modo natural e necessário de serem
homens em face dos membros do seu próprio grupo e em face de outros grupos
humanos. Nesse sentido, também os grafiteiros vêm apagando a sua imagem inicial
considerada como marginal, buscando os espaços urbanos autorização para realizar
suas pinturas e participando de campanhas sociais, justamente para afastar crianças
e jovens das ruas, da marginalidade e das drogas. O mesmo não ocorre com o
restante da população, que sequer reconhece o grafite como manifestação cultural,
como um meio de comunicação, vinculando-o ao ato marginal.
Atualmente, reflexões sobre estas questões já estão ocorrendo em escolas,
ONGs e outras instituições culturais com o intuito de desorganizar este discurso,
como relata Ivana Bentes24(2007):
Essa cultura das favelas e periferias (música, teatro, dança, mídia, vídeo, moeda, educação), surge como um discurso político “fora de lugar” (não vem da universidade, não vem do Estado, não vem da mídia, não vem de partido político) e coloca em cena novos mediadores e produtores de cultura: rappers, funkeiros, [...], produtores da chamada economia informal, artistas urbanos, grupos e discursos que vêm revitalizando os territórios da pobreza e reconfigurando a cena cultural urbana. Transitam pela cidade e ascendem à mídia de forma muitas vezes ambígua, podendo assumir esse lugar de um discurso político urgente e de renovação num capitalismo da informação.
O grafite tem signos, termos e gírias próprios, além de uma linguagem
pictórica característica, abusando do ambiente externo (a rua) para se expressar,
24
Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Diretora e professora da ECO/UFRJ.
40
compreensível aos componentes do seu meio que se diferencia da pichação, cujo
assunto será retomado posteriormente. Gradativamente estas questões estão sendo
assimiladas e reconhecidas pela população em geral, bem como, os grafiteiros estão
buscando aprofundar seus conhecimentos, através de sua entrada em cursos de
Arte e mesmo universidades na área.
Um novo confronto dado ao grafite é sua inserção nas instituições artísticas
e culturais, causando certo desconforto entre os artistas que trabalham na rua
grafitando, e que já neste momento, desconsideram o grafiteiro e o próprio grafite
em ambiente fechado e particular, como tal; pois neste caso o grafite ganha outro
sentido fora das ruas. E, diante de um mundo globalizado, tal questão torna-se
bizarra, pois nesta busca por uma aceitação/aprovação da sociedade, esta,
diríamos, “categoria”, está se auto-excluindo enquanto grupo e diante de outros
grupos sociais. Onde esta o respeito à diversidade multicultural? Onde esta a
igualdade nesta diferença? É a diferença da própria diferença. Segundo Stuart Hall
(2006) a diferença num contexto multicultural deve ser fundamental à definição de
democracia como espaço genuinamente heterogêneo.
O espaço utilizado para a confecção da arte urbana, seja um muro, seja uma
parede ou o arrimo de um viaduto ou passarela, nos proporciona sentimentos
ambíguos, num primeiro momento de confusão, desorganização; e num segundo
momento, admitindo-se algum conhecimento estético, e fruição político-social, há um
deslocamento da acomodação de uma sociedade. O mesmo acontece quando
vemos o grafite no espaço cultural, pois causa estranheza até o momento em que
nos deparamos com o contexto almejado pelo autor/artista e sua obra. Na realidade
precisamos nos colocar no contexto do outro para tentar perceber as diferenças
estéticas.
Conforme Ortiz (2001), “ao tentar estar no lugar do outro aprendemos muito
sobre nós mesmos, na medida em que exploramos o espaço, por vezes tênue que
nos separa, isto é, alargarmos os nossos horizontes de compreensão do mundo”.
Percebemos um respeito muito grande entre os grafiteiros e de certo modo não
concordamos com o antropólogo Roberto Albergaria que seja um ato de rebeldia.
Em toda a nossa história da arte acadêmica, é fato que vários artistas e suas obras
eram rejeitadas e incompreendidas, pois somos muito apegados as nossas regras
sem levarmos em consideração as regras do outro e seus paradigmas.
41
A arte grafite é uma das manifestações artísticas que provou que a arte em
geral, enquanto movimento cultural, não se bastava apenas em constar nos livros,
estar em museus e galerias. O grafite é a arte que se libertou, que foi às ruas e
invadiu o cotidiano de uma forma que não foi possível passar despercebida. Hoje já
está, inclusive, na Internet, tem fãs, na maioria jovens, é copiada e reverenciada por
grupos urbanos e tem simpatizantes da cultura erudita.
Nesta primeira década do século XXI, o termo arte urbana, chegou próximo
ao status de arte erudita, ao dividir espaço com importantes nomes da arte
contemporânea em grandes galerias e centros culturais nacionais e internacionais,
sendo objeto de estudo e caso de sucesso no segmento artístico, nos mesmos
moldes convencionais da academia. Excelente que esteja atingindo toda a
sociedade, incomodando-a e questionando-a, rompendo com o julgamento da arte
ser para os privilegiados financeiramente e culturalmente. Como tudo que é
legitimado tem o seu dia comemorativo, com o grafite não foi diferente: dia 27 de
março, data de morte do pioneiro Vallauri.
Voltando a questão espacial, o que dizer do grafite que hoje encontramos
nos museus, nas galerias e instituições culturais? Estes espaços é bem verdade que
são públicos, mas possuem uma limitada visitação por parte do público. Podemos
nos aperceber que houve uma significativa evolução em torno do grafite como meio
de revelação cultural, onde este transita do popular ao erudito com grande
desenvoltura pela visão dos eruditos, não se tendo igual visão pelos grafiteiros
populares/de rua (os que não se consideram grafiteiros artistas) que não
reconhecem o grafite no meio culto como tal e não aceitam esta transição, conforme
depoimentos informais sobre o assunto.
Para compreendermos melhor estas mudanças, veremos suas
características sociais, ideológicas e estéticas em alguns artistas grafiteiros e suas
obras, posteriormente; repercutindo finalmente na mostra TRANSFER ocorrida em
Porto Alegre em 2008, e especificada no último capítulo deste estudo.
Embora, Roberto Albergaria de Oliveira25, em 2002, afirmasse que o grafite
era apenas a marca de uma pessoa excluída do mundo sério, um ato adolescente
de rebeldia, alegando também que, erroneamente a sociedade e a academia
estavam considerando o grafite uma arte, com o intuito de legitimar e recuperar um
25
Doutor em antropologia pela Universidade de Paris e professor da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em http://www.aai.ufba.br acessado em 14.05.2011.
42
tipo de expressão selvagem, num espaço definido como artístico, na atualidade,
esse pensamento não se mantém. Lúcia Gouvêa Pimentel26 observa que, desde o
início desta década a arte do grafite, dentre outras expressões, está extremamente
ligada aos interesses individuais e coletivos dos jovens, na busca da identidade, na
descoberta de suas potencialidades pessoais e de dimensão social.
26
Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo – USP. Disponível em http://www.comartevirtual.com.br acessado em 14.05.2011.
43
2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Inicialmente, para desenvolver este tema, buscaram-se os referenciais dos
grafiteiros aliando-se as leituras das imagens produzidas por eles na mostra
TRANSFER. Como mais adiante se pôde constatar, através de investigações e
entrevistas, há uma predominância da pop art nas obras, o que foi significativo para
a pesquisa, pois este movimento artístico sempre causou particular interesse por
seu caráter industrial, mercantil, além de suas características pictóricas
inconfundíveis.
Ao adentrar nas pesquisas deste movimento, constatamos que havia um
movimento contrário aquele que levou os grafiteiros às instituições culturais,
causando surpresa ao averiguarmos que este possuía características não-
mercantilistas, já que seus artistas estavam negando o espaço institucional,
desenvolvendo obras em tamanhos descomunais, impossíveis de serem inseridas
nestes espaços.
As questões envolvidas neste enfoque, portanto são de caráter particular,
envolvendo a admiração por ambos os movimentos artísticos (seja estético,
funcional ou simbólico) e tendo como objetivo um panorama destes, para podermos
entender melhor as reflexões e as analogias entre as obras da Pop Art e a mostra
TRANSFER.
Na década de 1960, artistas defenderam uma arte que interagia diretamente
com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cercava a
cultura de massa e a vida cotidiana da época, recusando-se a separação arte/vida.
Seus traços característicos, segundo Arthur Danto (2006, p. 101): “[...] grande parte
dela, teve como base a arte comercial – em ilustrações, etiquetas, no design de
embalagens, em pôsteres [...]”, seguido da ratificação de McCarthy (2002, p. 08)
“essa nova arte deveria ser popular, transitória, consumível, de baixo custo,
produzida em massa, jovem, espirituosa, sexy, chamativa, glamourosa e um grande
negócio”. Estamos falando da Pop Art ou como encontramos em vários outros livros
Art Pop. Nesta dissertação preferimos particularmente usar o termo Pop Art, porém
respeitaremos a terminologia utilizada pelos teóricos nas citações.
44
Uma das primeiras, e mais famosas imagens relacionadas ao que o crítico
britânico Lawrence Alloway27 chamaria de pop art: “[...] O seu som é o ruído de um
colapso abrupto, como o de um balão explodindo” (DANTO, 2006, p. 141) é a
colagem de Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão
diferentes, tão Atraentes? (Figura 05):
Concebido como pôster e ilustração para o catálogo da exposição This Is Tomorrow [Este É o Amanhã] do Independent Group de Londres, o quadro carrega temas e técnicas dominantes da nova expressão artística. A composição de uma cena doméstica é feita com o auxílio de anúncios tirados de revistas de grande circulação. Nela, um casal se exibe com (e como) os atraentes objetos da vida moderna: televisão, aspirador de pó, enlatados, produtos em embalagens vistosas etc. Os anúncios são descolados de seus contextos e transpostos para a obra de arte, mas guardam a memória de seu locus original. Ao aproximar arte e design comercial, o artista borra, propositadamente, as fronteiras entre arte erudita e arte popular, ou entre arte elevada e cultura de massa.
28
Figura 05 Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (1956).
Colagem, 26 x 25 cm. Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel.
27
Predecessor imediato de Arthur Danto como crítico de arte da The Nation. Nasceu em 1926 e faleceu em 1990. Impresso em fonte: DANTO, Artur. Após o Fim da Arte. EDUSP. São Paulo: Odysseus Editora, 2006 e disponível em http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html acessado em 14.11.2011. 28
Disponível em www.itaucultural.org.br acessado em 12.11.2011.
45
Os demais integrantes do Independent Group eram jovens artistas e críticos
britânicos, quase todos nascidos no começo dos anos 20, que estavam ansiosos
para provocar ideias sobre arte moderna e lançar as bases da nova forma de
expressão artística, que se aproveita das mudanças tecnológicas e de possibilidades
da visualidade moderna, que está no mundo - ruas e casas - e não apenas em
museus e galerias. Eduardo Luigi Paolozzi29, Richard Smith30 e Peter Blake31 são
alguns dos principais nomes do grupo britânico.
Porém, segundo McCarthy (2002, p. 59):
Vários artistas pop, especialmente na Grã-Bretanha, eram nostálgicos, o que suavizava o comercialismo impetuoso [...] notadamente Peter Blake. [...] Um excelente exemplo é sua Loja de brinquedos que apresentava uma falsa frente de loja com uma bandeira inglesa, carros e aviões de lata, soldados de plástico, alvos e outros itens produzidos em massa quando o autor era criança. O sentimento gerado é inevitavelmente romântico, e sublinha o desejo da arte pop de forçar o reconhecimento pelo observador de objetos de outro modo despercebidos, imbuindo-os da força do mágico.
Esta nostalgia se justifica através das condições sob as quais a pop art
floresceu. Enquanto a Grâ-Bretanha estava emergindo da escassez do pós-guerra
em meados dos anos 50, os Estados Unidos estavam bem no meio de seu boom
econômico: “Um semelhante medo da perda, casado com o potencial para a
aniquilação total, vem à tona na obra de alguns artistas pop britânicos que se
preocupavam com o que poderia acontecer ao país se os Estados Unidos e a União
Soviética entrassem em guerra”. (McCARTHY, 2002, p.66)
Ao contrário do que acontecia na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos
conforme McCarthy (2002, p.14): “[...] os artistas pop norte-americanos não tinham
programa comum. Eles não lançaram manifestos de grupo, e continuaram a
trabalhar separadamente depois de identificados como os principais praticantes da
nova sensibilidade” até 1963, quando duas exposições32 reúnem obras que se
beneficiam do material publicitário e da mídia. Nomes como Roy Lichtenstein33, Andy
29
Biografia disponível em http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html acessado em 17.11.2011. 30
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12. 31
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12. 32
Arte 1963: Novo Vocabulário, Arts Council, na Filadélfia, e Os Novos Realistas, Sidney Janis Gallery, em Nova York. 33
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 24.
46
Warhol34, Claes Oldenburg35, James Rosenquist36 (Figuras 06 e 07) e Tom
Wesselmann37 surgem como os principais representantes da pop art em solo norte-
americano.
Figura 06 James Rosenquist, F-111 (1965).
Óleo sobre tela com alumínio, 304,8 x 2.621,3 cm. Museum of Modern Art, Nova York.
Figura 07 Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961).
Óleo sobre tela, 86,4 x 91,4 cm. Moderna Museet, Estocolmo.
34
Andrew Warhola, assim registrado, mas conhecido como Andy Warhol, nasceu na cidade de Pittsburgh, no dia 6 de agosto de 1930, filho de migrantes provenientes do norte da Eslováquia. Warhol, um dos criadores e principal representante da Pop Art, pintor e cineasta norte-americano, morreu em Nova York, no dia 22 de fevereiro de 1987, após uma cirurgia bem-sucedida da vesícula biliar. Famoso durante 35 anos, ele foi o criador da frase: “No futuro, toda a gente será célebre durante quinze minutos”, o que se concretiza na atual cultura de massa, na qual a arte é um mero produto comercial, disseminado através de meios de produção massificados. Impresso em fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. SP: Companhia das Letras, 1992 e disponível em http://www.infoescola.com/biografias/andy-warhol/ acessado em 22.11.2011. 35
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 23. 36
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 29-31. 37
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.29-31.
47
A nova atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana encontra
seus precursores na antiarte dos dadaístas e surrealistas. Tomam ainda como
referência as colagens tridimensionais de Robert Rauschenberg38 e as imagens
planas e emblemáticas de Jasper Johns39, que abre a arte para a utilização de
imagens e objetos inscritos no cotidiano. O nome de Wesselmann liga-se às
naturezas-mortas compostas de produtos comerciais, Lichtenstein, aos quadrinhos -
Whaam!, 1963 (Figura 08) -, e Oldenburg, mais diretamente às esculturas - Duplo
Hambúrguer, 1962.
Figura 08 Roy Lichtenstein, Whaam! (1963)
Óleo e magna sobre tela, 172,7 x 406,4 cm. Tate Gallery.
Andy Warhol se tornaria referência primeira da pop art com suas 32 Latas de
Sopas Campbell, 1961/1962, Caixa de Sabão Brilho, 196440 (Figura 09), e os
diversos trabalhos feitos com imagens da atriz Marilyn Monroe41, todos datados
de 1962.
38
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 72. 39
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 19. 40
Segundo McCarthy (2002, p. 25): “é surpreendentemente semelhante às caixas de Robert Morris, Donald Judd e Walter De Maria”. 41
Seu nome de batismo era Norma Jeane Mortensen. Nasceu no County Hospital em Los Angeles. Não conheceu seu pai biológico e sua mãe era Gladys Pearl Monroe. Ícone do cinema americano e símbolo sexual da época, na manhã de 5 de agosto de 1962, aos 36 anos, faleceu enquanto dormia em sua casa em Brentwood, na Califórnia, prevalecendo a versão oficial de overdose pela ingestão de barbitúricos. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 11.12.2011 e disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe# acessado em 15.11.2011.
48
Figura 09 Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964).
Polímero sintético e serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm. Coleção particular.
Suas obras se particularizam pelo uso original da cor brilhante, de materiais
industriais e pelo exagero do efeito de simultaneidade. A multiplicação das imagens
enfatiza a idéia de anonimato e também o efeito decorativo; a imagem destacada e
reproduzida mecanicamente, com o auxílio do silkscreen, afasta qualquer vestígio do
gesto do artista.
Warhol fez ainda filmes, revolucionou o conceito de fotografia, praticou
pintura e a escultura, escreveu livros... até mesmo o seu jeans e a sua jaqueta de
couro tornaram-se um estilo para esta geração.
Nos anos 30 as marcas repetidas por Warhol (a Coca-Cola e as sopas
Campbell’s) faziam parte dos produtos populares, assim como as atrizes (Marilyn
Monroe, Natalie Wood e Liz Taylor) eram produtos dos grandes estúdios e da
publicidade que haviam sustentado o cinema desse país desde a Depressão. Alia-se
aí também conforme Mccarthy (2002, p.63) sustenta: “[...] A figura em Super-Homem
de Ramos, como Popeye de Lichtenstein, é um modelo de força e firmeza
masculina”, pois não podemos esquecer que neste período surgem os heróis em
quadrinhos como forma de estímulo a população, já que estamos pós quebra da
bolsa de Nova Iorque e com um contingente enorme de desempregados e sem
expectativa de uma vida melhor – “o sonho americano acabou”.
Danto (2006, p. 138):
[...] Para mim, foi graças à pop que a arte mostrou qual era a questão propriamente filosófica sobre si mesma, e que consistia no seguinte: o que faz a diferença entre uma obra de arte e algo que não o é se, na verdade, ambos se parecem exatamente? Essa questão jamais poderia se impor
49
enquanto alguém pudesse ensinar o sentido de “arte” por meio de exemplos, ou enquanto a distinção entre arte e realidade parecesse perceptual.
A celebração da opulência e da fama42 assim como firmeza e vitória, depois
de um período de escassez e racionamento, convive a partir de 1963, com as
tragédias, com a violência racial e das guerras (da Guerra Fria e do Vietnã), que
causavam ansiedade ao povo norte-americano. Para Warhol, cita Mccarthy (2002,
p. 44):
[...] a fama era com freqüência uma imposição ambígua, uma configuração infeliz de acontecimentos que confirmava a fragilidade humana. [...] A falta de privacidade era o preço da fama e o outro lado da revolução dos meios de comunicação que transformou a vida ocidental nos anos do pós-guerra.
Prova disto é a obra que retrata o sofrimento público após o assassinato do
presidente Kennedy em Dezesseis Jackies de 1964 (Figura 10), assim como
Levante Racial Vermelho, 1963, e Cadeira Elétrica (Figura 11), 1964.
Figura 10 Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964).
Tinta acrílica e esmalte sobre tela, 204,3 x 163,6 cm. Walker Art Center, Minneapolis.
42
Mccarthy (2002, p. 39): “[...] o conceito pop de fama envolvia algo que acontecia às pessoas, ou por merito ou por acidente”.
50
Figura 11 Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964).
Serigrafia e acrílico sobre tela, 56,2 x 71,1 cm. Tate Gallery.
Melhor que qualquer outro artista pop, Warhol, entendia o mercado das artes
e praticamente abandonou a tradicional pintura de cavalete em 1962 para se
concentrar na serigrafia. Ao morrer, em 1987, Warhol deixou um espólio avaliado em
US$ 100 milhões.
A pop art foi um dos movimentos centrais na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos, afetando diretamente o curso da arte em todo o mundo, e reconfigurando
nosso entendimento da cultura do século XX. Existem três pontos comuns entre os
países, em se tratando da pop art: o primeiro ponto é o elemento de classe. Vários
de seus integrantes, como Paolozzi e Warhol, vinham da cultura de classe
trabalhadora imigrante, e tinham pouco apreço por hierarquias rígidas de forma e
tema. O segundo ponto comum é o interesse por revistas em quadrinhos e pelo
cinema de Hollywood, que constituíam elementos importantes na formação da
cultura visual desses artistas. O último ponto comum, descoberto através de um
levantamento de artistas entre os dois países é a inexistência de artistas mulheres
no movimento.
Segundo McCarthy (2002, p. 76):
Por mais de uma geração a arte pop recebeu status de mestria de museus e colecionadores. [...] Sua popularidade, que foi tão imediata quanto duradoura, autorizou muitos novos indivíduos a levar a arte a sério. [...] As imagens eram localizadas o bastante em seu tempo para que não se precisasse de uma formação clássica ou religiosa para reconhecer a iconografia. [...] a arte pop era produzida em um momento no qual mais universidades, galerias e museus estavam abrindo suas portas a públicos maiores que queriam acesso às artes.
51
No Brasil, sugestões da pop art foram trabalhadas na década de 1960 por
Antonio Dias43 - Querida, Você Está Bem? (1964), Nota Sobre a Morte Imprevista
(1965) e Mamãe, Quebrei o Vidro (1967) -, Rubens Gerchman44 - Não Há Vagas
(1965) e O Rei do Mau Gosto (1966) -, Claudio Tozzi45 - Eu Bebo Chop, Ela Pensa
em Casamento (1968), entre outros.
No entanto a incipiente proliferação no Brasil dos meios de comunicação de
massa, na década de 1960, leva, paradoxalmente, esses artistas a aproximar
técnicas da pop art (silkscreen e alto-contraste) a temas engajados politicamente.
Para Danto (2006, p.127):
[...] uma vez que a própria arte destacou a verdadeira forma da questão filosófica – isto é, a questão da diferença entre obras de arte e coisas reais -, a história chegou ao fim. [...] Dizer que a história acabou é dizer que não há mais um limite da história além do qual as obras de arte possam cair. Tudo é possível. Qualquer coisa pode ser arte. [...] Greenberg
46 está certo:
nada aconteceu durante 30 anos. [...] Mas a situação está longe de ser desoladora [...] Em vez disso, ela inaugura a mais ampla era da liberdade que a arte já conheceu.
A pop art significou o fim da arte, como argumenta o autor acima, e o que os
artistas fariam depois do fim da arte é também difícil de dizer segundo ele, mas
havia pelo menos a possibilidade de que a arte também poderia ser colocada a
serviço direto da humanidade. Arthur Danto (2006, p. 149) complementa: “A arte não
estaria se movendo lentamente, mas o próprio conceito de história em que ela se
movia, lenta ou rapidamente, tinha ele próprio desaparecido do mundo da arte, e
nós, agora, estaríamos vivendo no que tenho chamado de tempos “pós-históricos”.
Numa acepção adversa, existe um movimento artístico cujas obras são
produzidas com materiais alternativos e saem dos museus para ocupar o espaço
urbano – a Land Art. Para o público apreciar estas obras que acontecem apenas
num dado momento, numa intervenção efêmera, numa paisagem de difícil acesso,
busca-se o recurso da fotografia e dos vídeos como única alternativa de
perpetuação de sua existência.
43
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 44
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 45
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 46
O mais importante crítico de arte norte-americano do século XX nasceu em 1909. Sua influência foi decisiva para a afirmação do expressionismo abstrato e toda uma geração de artistas que incluía nomes como Jackson Pollock (1912-1956), Mark Rothko (1903-1970) e David Smith (1906-1965). Morreu em 1994. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/200/Clement-Greenberg.aspx acessado em 29.11.2011.
52
A Land Art, também traduzida como "arte da terra", implanta uma nova
relação com o ambiente natural. Tem sua origem no minimalismo47 dos anos 1960.
Referida a uma tradição que remonta aos readymade48 de Marcel Duchamp
e às esculturas de Constantin Brancusi, que testam explicitamente os limites da arte,
esta coloca em xeque as distinções arte/não arte, denunciando o sistema
institucional de validação dos objetos artísticos.
Não mais paisagem a ser captada e representada. A natureza agora é o
locus onde a arte finca raízes. Desertos, lagos, canyons, planícies e planaltos
oferecem-se aos artistas que realizam intervenções sobre o espaço físico.
Podemos destacar os artistas Michael Heizer, Robert Smithson e Walter de
Maria (Figura 12) como seus principais expoentes. Seus trabalhos dirigem-se à
natureza, transformando o entorno com o qual se relacionam intimamente.
Figura 12 Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo Negativo], 1969; Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral], 1970;
Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O Campo dos Raios], 1977.
Para exemplificar melhor a magnitude destas obras, lembramos que o
processo de execução foi engenhoso. O artista Michael Heizer49 para a obra Double
Negative [Duplo Negativo] abriu grandes fendas no topo de duas mesetas do
deserto de Nevada/Estados Unidos, removendo duzentas e quarenta mil toneladas
47
Técnica ou estilo (musical, literário, visual) caracterizado por extrema concisão e simplicidade, que utiliza um número reduzido de elementos ou temas valorizados pela sua repetição. Impresso em fonte: Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 48 Já feito, pronto – Tem o objetivo de provocar e também acabar com o conceito de beleza estética. Impresso em fonte: STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna. São Paulo, Jorge Zahar Editor, 1994. 49
Nasceu em Berkeley, Califórnia, em 1944. Começou produzindo em pequena escala pinturas e esculturas, mas no final dos anos 1960, começou a produzir em larga escala obras que não poderia caber em um ambiente do museu, exceto talvez em fotografias. Desde então, continuou sua exploração de terraplenagem, sendo que tem focado principalmente na City (ainda não disponível ao público), desde o final dos anos 90 até hoje, apoiado pela Fundação de Arte Dia através de uma doação da Fundação Lannan. Disponível em http://doublenegative.tarasen.net acessado em 08.11.2011.
53
de terra. Robert Smithson50, em Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral] construiu um
gigantesco caracol de terra e pedras sobre o Great Salt Lake, em Utah, Estados
Unidos e Walter de Maria51, The Lightning Field [O Campo dos Raios] fincou
quatrocentos pára-raios de aço inoxidável, espalhados em distância regular um do
outro, cobrindo totalmente a área de um imenso platô ao sul do Novo
México/Estados Unidos, emoldurado por montanhas ao fundo.
Como o público poderia apreciar as obras destes artistas que acontecem
apenas num dado momento, numa intervenção efêmera, numa paisagem de difícil
acesso? Quais os dispositivos utilizados pelos artistas para que se tenha
conhecimento destas obras?
Respondendo a estas questões, as obras, de grandes dimensões, resistem
à observação distanciada, e se perpetuam por meio de fotografias e filmes. Para
experimentá-las, é preciso que o sujeito se coloque dentro delas, percorrendo os
caminhos e passagens que projetam. Ancorados num tempo e espaço precisos, os
trabalhos rejeitam a sedução do observador ou as sugestões metafóricas. Põem
ênfase na percepção, pensada como experiência ou atividade que ajuda a produzir a
realidade descoberta. O trabalho de arte é concebido como fruto de relações entre
espaço, tempo, luz e campo de visão do observador.
Há neste movimento artístico a recusa da rede alimentada por museus,
galerias, colecionadores e outros. Isso se explicita na defesa da indissociação
arte/natureza/realidade e na realização de trabalhos que não são feitos para vender,
que não podem ser colecionados. Neste sentido, segundo Maria Amélia Bulhões
(2002, p. 160): “[...] o artista altera o espaço natural, introduzindo ou reordenando
elementos visuais. A natureza deixa de se tornar um suporte da representação
artística”.
Conjeturando sobre a Land Art de forma análoga ao Grafite, tornamos a
questionar porque o grafite em instituições culturais não possui reconhecimento
tanto quanto o grafite de rua pelos próprios grafiteiros? Quais são as diferenças
manifestadas nesta abordagem?
50
Pintor e escultor norte-americano nasceu em 1938, em Passaic. Seus trabalhos integram as qualidades físicas e os acidentes naturais dos lugares onde se inserem, sendo em grande parte realizados para serem observados do ar. Morreu em Amarillo, no Texas, em 1973, em consequência de um desastre de helicóptero, enquanto inspecionava "Amarillo Ramp", o seu último trabalho. Disponível em http://www.spiraljetty.org acessado em 10.11.2011. 51
Escultor norte-americano nascido em 1935, em Albany. Estudou Arte na Universidade da Califórnia, em Berkeley, entre os anos 1953 e 1959 e em 1960 instala-se em Nova Iorque. Disponível em http://www.infopedia.pt acessado em 10.11.2011.
54
Primeiramente podemos colocar que para os grafiteiros de rua, o grafite
somente tem significação quando está em espaço aberto; fora deste contexto,
dentro de um espaço fechado, uma instituição cultural, torna-se somente a
representação da técnica de “grafitagem”, conforme manifestaram.
Um segundo ponto a salientar, no caso de estar o grafite inserido em uma
instituição cultural, contém aqui um agravante que nos apercebemos ser contrário ao
que ocorre na Land Art – o grafite enquanto arte de rua não tem valor de mercado,
não se tem o interesse em comprá-lo, mas enquanto obra neste espaço cultural,
possui valor significativo no mercado das artes, o que fere suas características
primordiais, sua identidade.
No que se refere ao grafite (devido à precária bibliografia) e até mesmo
antes disto, buscamos através de Celso Gitahy52 as influências da arte latino-
americana neste contexto, através da arte muralista mexicana até o grafite
demonstrado em nossas cidades brasileiras.
No século XX, Celso Gitahy comenta que pintores mexicanos como Diego
Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros, utilizavam-se das técnicas
da pintura muralista para decorar os prédios públicos, levando a arte às ruas. David
Alfaro Siqueiros, em Barcelona proclama a necessidade de se levar a arte às ruas,
para as multidões: “Pintaremos os muros das ruas e das paredes dos edifícios, dos
sindicatos, de todos os cantos onde se reúne gente que trabalha”. (GITAHY, 2002,
p. 15)
Em solo brasileiro sofrendo a influência desta agitação externa, em meados
dos anos 50 vários murais se apresentam nas fachadas dos edifícios narrando
temas da história e arte brasileiras.
Durante o período da ditadura militar não se viam paredes pichadas nas ruas
de São Paulo. Gitahy faz uma analogia com o Muro de Berlim, que do lado oriental
este estava sempre limpo e do lado ocidental, desenhos e frases se sucediam,
articulados ou desordenados por toda a sua extensão. Por aqui, no Brasil, para que
os grafites pudessem tomar uma dimensão de “obra de arte”, conquistando espaços
urbanos e, além disto, conquistando uma posição mais privilegiada na sociedade,
levou-se muito tempo para isto, inclusive no campo da história, como fator decisivo
52
Artista paulista, grafiteiro, nascido em 11 de janeiro de 1968. Impresso em fonte: GITAHY, Celso. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999.
55
das inquietações que junto surgiram em vários âmbitos – políticos, sociais,
econômicos.
Para enfatizar melhor esta temática, Armando Silva (1987 apud CANCLINI,
2006, p. 337) fala das três etapas principais na “evolução do grafite” no mundo:
[...] que associa a três cidades53
. O de maio de 68 em Paris (também em Berlim, Roma, México, Berkeley) se fez com palavras de ordem antiautoritárias, utópicas e fins macropolíticos. O grafite de Nova Iorque, escrito em bairros marginais e no metrô, expressou referências de gueto com propósitos micropolíticos, incompreensível às vezes para os que não manejavam esse código hermético, foi o que mais tipicamente quis delimitar espaços em uma cidade em desintegração e recuperar territórios. Na América Latina existiram as duas modalidades, mas nos últimos anos, como manifestação simultânea da desordem urbana, da perda de credibilidade nas instituições políticas e do desencanto utópico, desenvolve-se um grafite debochado e cínico.
Segundo Ortega y Gasset (2008, p. 29) Compreende-se, pois, que a arte do
século XIX haja sido tão popular: está feita para a massa indiferenciada na
proporção em que não é arte, mas sim extrato da vida.
2.1 GRAFITE OU PICHAÇÃO?
O grafite é um movimento relativamente recente, nascido na década de 70
nos EUA. Chegou ao Brasil, vindo de Buenos Aires, no fim da mesma década, em
São Paulo, por Alex Vallauri54, que usou também outros suportes além dos muros
urbanos; estampou camisetas, bottons e adesivos55. Para ele, o grafite era a forma
de comunicação que mais se aproximava do seu ideário de arte para todos.
Inicialmente, o grafite foi considerado um ato de vandalismo pela sociedade,
sendo fortemente associado à marginalidade e a delinquência. Contudo, os
grafiteiros vêm apagando a imagem formada de marginais, buscando autorização
de suas pinturas e participando de campanhas sociais, justamente para afastar
crianças e jovens das ruas, da marginalidade e das drogas, as quais sempre foram
associadas a este grupo.
53
Armando Silva, Punto de Vista Ciudadano: Focalización Visual y Puesta em Escena Del Grafiti, Bogotá, Instituto Caro y Cuervo, 1987, pp. 22-24. 54
Biografia na p. 78. 55
Fita, papel ou plástico autocolante. Disponível em Miniaurélio Dicionário Eletrônico.
56
Celso Gitahy (2002) vai mais longe neste tema, quando aborda a pré-história
para encontrar nas pinturas rupestres a origem do grafite, sua manifestação mais
antiga, seguido dos hieróglifos egípcios, que misturam textos e imagens, passando
pelos primeiros cristãos romanos que inscreviam símbolos nas catacumbas de
Roma, onde se reuniam secretamente.
Segundo Gitahy, um dos precursores da arte do grafite no Brasil foi Maurício
Villaça56 (Figura 13) que “partilhava a idéia de que graffiti são também as garatujas
que fazemos desde a mais tenra idade, os rabiscos e gravações feitos em bancos
de praças, banheiros, e até mesmo aqueles que surgem quando falamos ao
telefone” (2002, p. 12). Para João J. Spinelli (2010, p. 05): “Mais que apenas o
precursor do grafite no Brasil, Alex Vallauri foi um artista de múltiplos recursos, para
quem a intervenção no espaço público era uma forma de ação política calcada no
humor e na poesia, no desafio anárquico à autoridade e à elitização da arte”.
Figura 13 Obras de Maurício Villaça.
Na concepção de Gitahy, “o graffiti veio para democratizar a arte, na medida
em que acontece de forma arbitrária e descomprometida com qualquer imitação
espacial ou ideológica”.
O suporte do grafite é a cidade como um todo. Sua natureza é efêmera, e
aborda temas desde a crítica social ao mais puro humorismo, desprovido da idéia de
consumo para o espectador. Complementando com o pensamento de Canclini
(2006, p. 301): “Grafites, cartazes comerciais, manifestações sociais e políticas,
monumentos: linguagens que representam as principais forças que atuam na
cidade”.
As características mais acentuadas do grafite são de cunho estético e
conceitual. No primeiro caso encontramos a expressão plástica figurativa e abstrata;
56
Disponível em www.stencilbrasil.com.br acessado em 02.10.2010.
57
o estilo do traço e/ou massa para delimitar melhor as formas; uma natureza gráfica e
pictórica; o uso de imagens do inconsciente coletivo, produzindo releituras de
imagens já editadas ou o uso das criações do artista grafiteiro; a reprodução de
original através do uso de uma matriz/máscara (Figura 14), geralmente utilizando-se
de lâminas de radiografias usadas, herança da pop art e a repetição de um estilo
quando feito a mão livre.
Figura 14 Acima: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 31,5 x 18 cm;
Alex Vallauri, Peixe – s.d. (déc. 80), 36,8 x 26,5 cm. Abaixo: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 18 x 31,5 cm;
Alex Vallauri, Bota – 1978, 60 x 31 cm. Matrizes de grafite (pintura sobre cartão).
No segundo caso, suas características conceituais são: espontaneidade,
gratuidade, efemeridade, ser perturbador, discutir e denunciar valores (sociais,
políticos e econômicos) de forma irônica e bem humorada, produzir interferência
humana na arquitetura da cidade, democratizar e aproximar a arte do homem (sem
distinção de etnia ou credo) e por fim, mas não menos importante, transformar as
ruas em galerias de arte urbana, tornando-se acessível ao público, a massa, ao
transeunte.
Refletindo sobre as características acima, percebemos que a pichação
(Figura 15) faz parte de outro grupo da arte de rua que possui o objetivo de rabiscar
muros, fachadas, monumentos e edificações com frases de protestos, insultos e
58
assinaturas pessoais como forma de demarcação de território entre grupos, algumas
vezes rivais, de modo que também intervém no espaço da cidade, nas mais diversas
paredes das ruas, sendo também espontânea e gratuita, além de ser efêmera, tanto
quanto o grafite. No que os dois se diferenciam? A diferença é que o grafite veio das
artes plásticas e a pichação surgiu da escrita, conforme nos relata Celso Gitahy, em
concordância com Souza (2007, p. 28):
[...] a principal diferença entre as duas formas de intervenção, consiste em que a Pichação advém da escrita enquanto o Graffiti está diretamente ligado as artes plásticas, com a pintura e a gravura. A primeira privilegia a palavra e a letra ao passo que a segunda relaciona-se com o desenho, com a representação plástica da imagem.
Figura 15 Beira riacho Ipiranga e Laçador, ambos em Porto Alegre.
Para Gitahy o ato de pichar esta relacionado à escrita e ao ato de sujar, de
agredir um determinado espaço com palavras e manchas. “Vários são os
significados da pichação: ação ou efeito de pichar; escrever em muros e paredes;
aplicar piche em; sujar com piche; falar mal – de acordo com esse último conceito,
não há quem não tenha pichado uma vez na vida [...]”. (GITAHY, 2002, p. 19)
Celso Gitahy igualmente busca na História da Arte a origem da pichação,
nas paredes de Pompéia57 predominavam xingamentos, cartazes eleitorais,
anúncios e poesias; na Idade média, no período da inquisição os padres pichavam
com betume as paredes dos conventos de outras ordens que não lhes eram
simpáticas; em anos posteriores se pichavam as paredes das casas das pessoas as
quais se queria atacar, denunciando suas malfazejas qualidades.
57
Cidade vitimada pela erupção do vulcão Vesúvio em 24 de agosto de 79 d.C. Disponível em www.itaucultural.org.br acessado em 20.04.2011.
59
Após a Segunda Guerra Mundial, começam a ser produzidos materiais em aerossol, como inseticidas, perfumes, desodorantes, etc. As tintas e vernizes em spray descendem do uso da tinta sob pressão de uma bomba compressora, como a pintura automotiva. Assim, o spray substituiu as antigas técnicas de aplicação bucal de vernizes e fixadores nos trabalhos artísticos, e isso significou maior liberdade de movimentos, permitindo também maior velocidade. (GITAHY, 2002, p. 20)
O ato de pichar, por ser ilegal e subversivo, nos anos 70, era executado a
noite, em alta madrugada, para poder driblar o policiamento, o que nem sempre se
conseguia.
Em meados dos anos 70, aparecem os grafites de Alex Vallauri, Carlos
Matuck, John Howard, Waldemar Zaidler58 e outros. Estes artistas conseguiram
manter uma produção de rua e fazer seus registros fotográficos, com o intento de
manter uma qualidade gráfica sobre o grafite e registro da sua conquista pelo
espaço, inclusive no campo da história. Ivan Sudbreck, artista de rua, geração 80 do
grafite foi uns dos primeiros artistas a assinar sua obra, deixando inclusive seu
número de telefone. Segundo ele, “a arte sempre será o reflexo social de um povo”
(GITAHY, 2002, p. 23). Outro artista receptivo a pichação é Villaça que vislumbrava
além da questão artística:
Devemos procurar entender essa manifestação humana. Se somos da mesma espécie, por que reprimir, tão drasticamente, uma atividade muito menos perigosa do que as barbaridades sociais, ecológicas e políticas, corrupções e violência que se sucedem a nossa vista e são enaltecidas pela mídia? (GITAHY, 2020, p. 25)
Villaça acreditava num processo político-pedagógico aplicado ao pichador,
chegando a dar várias oficinas junto com Alex Vallauri. Em sua análise percebe os
pichadores “como „despreparados‟ artisticamente – eles são a obra. Suas
assinaturas precedem essa obra como se, auto-assinando, o pichador queira dizer
„Eu existo‟. Consequentemente, o pichador não se prende ao artístico, para ele
existe só o próprio valor da existência”. (GITAHY, 2002, p. 26)
A ação de pichar possui características distintas onde podemos perceber
quatro fases que iniciaram nos anos 80 e persistem até hoje:
1. Corresponde ao carimbar exaustivamente o próprio nome, com o objetivo
de sair do anonimato;
58
Grafiteiro, pintor, cenógrafo e ilustrador. Disponível em www.itaucultural.org.br acessado em 14.04.2011.
60
2. Passar a existir a competição pelo espaço a ser pichado. Em vez do
nome, alguns usam pseudônimos ou símbolos de identificação do grupo;
3. Inicia-se a competição de pichar os locais mais altos dos prédios e de
difícil acesso, incluindo aqui os monumentos públicos. O que passa a
contar é o “picho” mais difícil.
4. Entra em cena a questão da mídia. O grupo ou pichador que gerar mais
polêmica atinge seu auge.
Por outro lado, o ato de grafitar/pichar teve sua proibição sancionada pela
Lei 9.605 (lei ambiental) de 1998, que além de conceituar grafite e pichação como
iguais, declara crime ambiental, passível de penalidades. Conforme Gitahy
[...] antes de chegar às galerias, o graffiti é spray art (pichação de signos); em seguida, é stencil art – o artista utiliza um cartão com formas recortadas que, ao receber o jato spray, só deixa fazer a tinta pelos orifícios determinados. A primeira operação valoriza o desenho; a segunda, a cor. (2002, p. 39)
Dentro deste contexto, ao adentrarmos no mundo dos grafiteiros nos
apercebemos que estes possuem ainda outras características importantes como os
signos próprios, a linguagem (gíria59), a música (hip hop60), o esporte/hobby (skate)
e suas roupas (grunge), manifestando assim a ideologia de vida, arte e
conhecimento de uma parcela da sociedade reprimida pela cultura dominante.
O grafite possui uma assinatura do autor/artista grafiteiro que se chama tag
e quando grupo, se chama crews. Esta é a forma como os membros do grafite
buscam sua afirmação como identidade individual tanto quanto sua afirmação como
identidade coletiva. Não podemos nos esquecer das letras estilizadas (ver Figuras
15 e 20), chamadas de letters, que possuem vários estilos, cores, formas e
geralmente tamanhos grandes, extrapolando os limites ao qual é desenhado.
Algumas vezes estas compõem frases com citações filosóficas, questionamentos
atuais, provocativas ou provérbios. Com freqüência também vemos entre os grafites
a repetição de certos personagens criados por estes artistas, de forma a reforçar a
identidade, como uma assinatura do próprio grafiteiro.
Os materiais utilizados também são importantes na produção do grafite, tais
como spray, rolinhos (usados em sua maioria aqui na região sul do país), estêncil,
59
Vocabulário informal e peculiar de um grupo social, segundo o Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 60
Disponível em www.hiphoplace.vila.bol.com.br acessado em 15.01.2011.
61
entre outros. O que mais impressiona é o teor autodidata entre os membros deste
movimento artístico.
Ainda, salientamos por último o surgimento de um termo novo, o Grapicho:
Fase intermediária entre pichação e graffiti, seriam, basicamente, pichações mais coloridas, não tão elaboradas como as estrangeiras, porém já não eram simples “pichos”, junto com as tais letras (pequenos arabescos grafitados) à base de “máscara” que iam surgindo. (GITAHY, 2002, p. 31)
2.2 GRAFITE E SUAS MANIFESTAÇÕES ESTÉTICAS E CULTURAIS
O grafite, atualmente, já faz parte do dia-a-dia dos espaços urbanos,
principalmente das grandes cidades do mundo, e, vem sendo legitimado como uma
manifestação artística que rompe com padrões estéticos de percepção e apreensão
convencional da arte.
Ao mesmo tempo, percebemos que, o grafite esta sendo discutido e inserido
cada vez em diferentes espaços culturais, inclusive no meio acadêmico, gerando
algumas polêmicas entre artistas, críticos e apreciadores de arte, bem como na
sociedade sobre estas intervenções marginais que “sujam e poluem” a cidade.
Nesse aspecto, procuramos refletir sobre a passagem do grafite, uma produção
oriunda das ruas para os centros culturais.
Nesse cenário, notamos que o grafite já possui reconhecimento como arte
urbana, e, gradativamente, também se desmistifica o seu caráter marginal, bem
como, ampliam-se os estudos em relação aos acontecimentos estéticos, sociais e
ideológicos deste movimento artístico. Ou seja, há neste universo uma diversidade
de características que poderíamos enumerar. Andreoli, G.61 e Maraschin, C.62 (2004,
p. 07) no estudo “Linguajares urbanos: Composições, olhares e Conversações”
observam:
Os “grafismos portáteis” servem para trocas de material e de referências entre os produtores de imagens, sejam originais ou cópias. [...] organizam
61 Psicólogo, Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional/UFRGS.
Disponível em http://pepsic.bvsalud.org acessado em 05.06.2010.
62 Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação/UFRGS e Docente dos Programas de
Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional e em Informática na Educação/UFRGS. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org acessado em 05.06.2010.
62
coleções de imagens em mostruários para interação e trocas. Funcionam como um repositório de memórias e de referências de estilo. Embora se constituam na maioria das vezes como arquivos pessoais – esboços, treinamento de formas, exercícios, colagens - são “abertos” ao coletivo, pois se compõem de referências gráficas variadas, contendo desenhos de outros grafistas, cartões, adesivos, fotografias, imagens (de revistas, jornais, etc.). Tais mostruários funcionam como redes interativas de auto e hetero-formação, uma vez que cada grafista pode conservar um histórico de sua produção como pode operar trocas com outros grafistas, incorporando e difundindo estilos e formas. As “grafias urbanas”, sobre as superfícies da cidade, campo de uma conversação de maior abrangência, no qual os grafismos ganham um endereçamento para além das possíveis intenções de quem o produz.
E nesta construção, as diversas percepções do artista em relação ao mundo,
entram em ação na sua produção estética. No tocante a este ponto, embasados por
Halbwachs (2006), há uma percepção coletiva que agrupa as pessoas naturalmente
de acordo com as semelhanças ou com o enfoque maior de suas diferenças com o
outro. A complexidade de sentimentos “nos acomoda” nos grupos, seja por
igualdade, seja por um traço marcante que temos com relação a determinado grupo,
nos sentindo livres para optar e de maneira inconsciente fazermos uma seleção, de
acordo com o que nosso sistema social impõe. Dentro das questões estéticas deste
movimento há um grande dilema, pois estes escritos são confundidos na sua maioria
com as pichações.
Outra maneira de identificarmos os autores dos grafites espalhados pela
cidade é através dos personagens criados e repetidos com bastante frequência, até
mesmo em outras cidades do país como, por exemplo, o grafite da moça com
cabelos longos entrelaçados com mãos, intitulado “Nós” (Figura 16), obra de Lídia
B.63, que se encontra grafitado na Rua da República, bairro Cidade Baixa, em Porto
Alegre/RS. Com algumas alterações, esta personagem/imagem foi representada de
maneira semelhante em Perdizes/SP64.
63
Entrevista na p. 96. 64
Disponível em www.flickr.com/photos/huanita em street - álbum acessado em 17.06.2010.
63
Figura 16 Lídia B., Nós.
As composições artísticas são desenvolvidas através dos registros dos
grafiteiros, no sentido e funções específicas de acordo com as apreensões de
mundo, experiências e estilo de vida de cada artista, de acordo com o contexto a ser
almejado. Conforme Geertz (1997), o processo de atribuir aos objetos, materiais ou
não, um significado artístico é dependente de um contexto cultural. Este, por sua
vez, é sempre um processo local. Deste modo, estabelecer reflexões e atribuir
funções às suas próprias produções faz parte do itinerário discursivo elaborado
pelos agentes envolvidos no processo produtivo.
Ainda tratando deste simbolismo, a mais recente representação foi a
homenagem realizada a Rafael Mascarenhas (filho da atriz Cissa Guimarães), morto
por atropelamento no Rio de Janeiro, de forma brutal, que comoveu todo o país em
20 de julho de 2010. Os amigos grafitaram o muro de um dos integrantes da banda
The Good Fellas, a qual Rafael era vocalista e guitarrista. O grafite citado contém
guitarras coloridas estilizadas (Figura 17).
Figura 17
64
Para Bakhtin (1988), o signo é um reflexo da realidade, torna-se um
fragmento material desta realidade. As experiências vividas do indivíduo exercem
influência no seu exterior, que por sua vez irá influenciar aquele que recebe/percebe
tal signo. A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são alimento da
consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento e elas refletem sua lógica
e suas leis.
Partindo destes signos para uma análise de composição plástica,
verificamos que, em se tratando de cores, são poucos os trabalhos em preto e
branco, tais como o grafite de Lídia B. (Figura 16); os pássaros estilizados e uma
única figura humana de autoria de Trampo65, assim como suas linhas geométricas,
ambas situadas na Av. Getúlio Vargas (Figura 18). As cores já aparecem com mais
freqüência, no grafite de Pedro Gutierres, intitulado “Meio homem – meio porco”
(Figura 19) que se encontra no Cabaret do Beco, assim como as formas e as linhas
que são soltas, livres, estilizadas; e no coletivo do grupo Beco RS, situado no muro
da Mauá, composto de letters66 e a cidade em perspectiva, tendo um céu colorido ao
fundo (Figura 20).
Figura 18 Grafites de Trampo.
65
Começou a fazer seus primeiros rabiscos urbanos em 1986. Na década de 90, fez parte de grupos que deram os primeiros passos na cultura de rua porto-alegrense, sendo hoje um dos grafiteiros mais respeitados do Rio Grande do Sul. Seu estilo de trabalho é influenciado pela cultura brasileira, desde as tribos indígenas e a xilogravura, até problemas sociais e personagens urbanos. Já expôs na galeria Adesivo e em outros espaços independentes, foi duas vezes para a Alemanha como muralista e atualmente desenvolve projetos com o grupo Urbanóide. Disponível em www.graffitiartmaps.com.br/galeria/parceiro/luis-flavio acessado em 27.07.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 51. 66
Obter significado na p. 58.
65
Figura 19 Pedro Gutierres, Meio homem – meio porco.
Figura 20 Grupo Beco RS.
O grafite cumpre seu papel social como meio de divulgação de protesto ou
de embelezamento nos diversos ambientes em que se apresenta. Um exemplo de
66
grafite de protesto contra a violência e a morte de um jovem - Figura 17 - esta em
um ambiente de circulação limitada. Por outro lado, os grafites de Lídia, Trampo e
Beco RS (Figuras 16, 18 e 20) manifestam sua vontade de terem seus grafites vistos
por um grande número de pessoas por estarem em ambientes abertos, de livre
circulação, com caráter de embelezar o meio ao qual estão inseridos. Também o
grafiteiro Pedro Gutierres ao desenvolver seu grafite (Figura 19) em um bar –
Cabaret do Beco – torna-o decorativo (mesmo longe dos paradigmas de beleza) e
limitado, e ao mesmo tempo protesta ao criar um ser “meio homem meio porco”,
debochando ainda mais com a palavra “AME” pintada ao lado deste. Se levarmos
em consideração o ambiente em que se encontra a obra, um bar, não se espera ver
pessoas fora do padrão de beleza que a sociedade propõe/impõe.
Portanto, as questões simbólicas que cada grafiteiro aborda e externa ao
grafitar um espaço são vinculadas as suas vivências e experiências pessoais, mas
que mesmo sendo algo individual, contempla também o coletivo, o seu grupo e o
seu espaço de criação. A sociedade carece de uma percepção mais aprimorada e
aberta a este movimento tão expressivo da nossa contemporaneidade, o que não se
refere somente para o grafite, mas para a arte em geral.
Temos de levar em conta que este meio artístico, com seu espaço inusitado
da rua, não é algo novo. Nossos primórdios ancestrais já rabiscavam com sangue e
pigmentos as paredes das cavernas a fim de revelarem ao grupo e a posteridade
(involuntariamente) seus sucessos e fracassos nas caçadas, seus rituais de dança,
sua religiosidade, sua maneira de viver. Buscamos nestes desenhos entender o
passado. Não vejo porque não tentarmos entender o futuro com o que se apresenta
agora, na contemporaneidade – o grafite busca a funcionalidade dos homens
primitivos ao revelar, protestar e embelezar a cidade.
2.3 MANIFESTAÇÕES NÃO TÃO MARGINAIS ASSIM
Atualmente há um grande número de grafiteiros de renome mundial que não
poderíamos deixar de citar. Iniciaremos com os brasileiros, principalmente de São
Paulo (centro do grafite no Brasil).
67
Os Gêmeos (Figura 21) – Gustavo e Otávio Pandolfo - são paulistanos da
capital, nascidos em 1974. Depararam-se com a pintura com spray em 1986, onde
iniciaram participação em inúmeras competições e eventos direcionados para o
grafite como também abriram caminho para a arte urbana brasileira. Conhecidos por
pintarem com uma espécie de entendimento intuitivo, e por seus fantásticos
personagens, feitos com freqüência usando um estilo distorcido, típico das histórias
infantis e em quadrinhos, tendem a refletir suas personalidades, experiências e
emoções através destes.
Figura 21 Grafite de Os Gêmeos.
Outro pioneiro da pintura com spray no Brasil, Vitché (Figura 22), nasce em
São Paulo em 1969 e se envolve ativamente com o grafite em 1987. Com suas
imagens, ele quer levar os transeuntes a pensar, convidando-os a viajar por meio de
suas obras.
68
Figura 22 Grafite de Vitché.
A cultura brasileira e a experiência pessoal têm sido influências importantes
em seu trabalho que, com freqüência, representa máscaras – usadas geralmente
para simbolizar a superficialidade das pessoas. Segundo Ganz (2010, p. 119):
Considerar a forma com que o artista usa as cores também é um elemento crucial para compreender a mensagem de suas figuras. O vermelho, por exemplo, é usado muitas vezes para significar o ódio, embora posteriormente tenha assumido papel mais positivo em suas composições.
69
A grafiteira Nina (São Paulo, 1977) começa essa atividade em 1990 e é uma
das escritoras pioneiras no Brasil. Seus desenhos na maioria das vezes
representam animais, insetos ou outras formas da natureza e têm um elemento
infantil intencional, que ela usa para salientar a beleza e o valor dos objetos que
pinta, levando por todo o mundo suas imagens fantásticas (Figura 23).
Figura 23 Grafite de Nina.
Herbert (São Paulo, 1977) principia grafitando em 1992 e desde então,
participa de uma série de eventos e exposições, usando várias técnicas para criar
um fundo onde ele desenvolve constantemente seus personagens e suas
composições por meio da experimentação (Figura 24).
70
Figura 24 Grafite de Herbert.
Binho (1971) começa a grafitar somente treze anos após. Com seu
tradicional estilo old-school, retrata uma barata, salientando os preconceitos e a
resistência em relação ao grafite no Terceiro Mundo. Entre outras atividades ele
publica a revista - Documento Grafite -, além de ter sua própria marca de roupas - 3º
Mundo - e organizar eventos de grafite em todo o Brasil (Figuras 25 e 26).
72
Does (São Paulo, 1976) começa pintando estênceis com spray doze anos
depois de ver um vídeo de trens “bombardeados” percorrendo a cidade de Nova
York, onde passa a pintar letras. Hoje em dia, Does tem seu próprio estilo
wildstyle67, que mistura elementos do artesanato brasileiro, referências tribais
indígenas e caligrafias árabes (Figura 27).
Figura 27 Grafite de Does.
Próximo de nós brasileiros, podemos destacar Caru (Argentina, 1978) que
dá início ao grafite em 1994 e atualmente mora na França (Figura 28).
67
Construção bem complexa de letras entrelaçadas. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 390.
73
Figura 28 Grafite de Caru.
Dando prosseguimento, destacamos os EUA, berço do grafite. Hoje em dia
muitos dos primeiros grafiteiros são artistas free-lancers, ou trabalham como
designers para empresas importantes no setor de moda. Podemos citar alguns
grafiteiros de renome: Buff Monster, Michael De Feo, Sonik. O Canadá teve início
tardio no grafite, que só por volta de 1984 começaram a imprimir sua marca em nível
mundial por meio da tradição dos monikers68. Alguns destaques: Case, Other, Sectr.
É importante ressaltar que do outro lado do Oceano Atlântico também
encontramos inúmeros grafiteiros. Estes, porém não tinham relação com o hip-hop,
mas sim com o movimento punk rock, surgido na década de 1980. Somente bem
mais tarde o movimento hip-hop vai influenciar estes artistas. Assim sendo,
destacamos os italianos - com seus trainbombing69 iniciados em Milão e
68
Figuras e desenhos pintados em trens de carga, criados com pastel oleoso. Os monikers têm sua história que remonta à Depressão da década de 1930, quando as pessoas pulavam dos trens sem planos específicos e viajavam de cidade em cidade à procura de trabalho. Ao longo dos anos, essas pessoas criaram sua forma própria de comunicação, usando giz pastel para expressar opiniões e trocar ideias. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 18. 69
Bombardear trens com pintura em spray. Foi fácil durante muitos anos, tendo a vantagem adicional de os trens geralmente terem uma vida longa e viajarem por todo país. Hoje pintá-los é mais difícil: por causa dos seguranças e a tendência de se limpar os trens rapidamente. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 128.
74
posteriormente em Roma -, Blef, Etnik, Hitnes; os alemães que começaram a
desenvolver a cultura do grafite em meados de 80 em Berlim, Munique, Hamburgo e
todo o vale do Rio Ruhr, como Besok, Esher, Evol; os espanhóis que espalharam
por todo o país seus grafites, a começar por Madri, Barcelona e Granada, tendo
como principais responsáveis: Cha, Dier, Glub; os franceses com os seguintes
grafiteiros (muitos vindo de Paris e Toulouse): Akroe, Jace, Miss Van. A Inglaterra
influenciada pela cena nova-iorquina, por volta de 1993, começa a formar grandes
comunidades de artistas do spray como: Bansky, Chrome Angelz e Adam Neate.
Destacamos também o grafite holandês que surgiu do movimento punk. Amsterdã
foi uma das primeiras cidades a desenvolver o grafite no início dos anos 70. Seus
artistas grafiteiros mais importantes: Casroc, Juice, Karski. A Rússia inicia o
movimento através do grafite de banheiro que já era presente há muito tempo. Seus
expoentes: KTO, LA, RUS Crew. No continente africano a cultura do grafite está
concentrada principalmente na África do Sul, desde 1984. As condições sociais
extremas exerceram um papel fundamental no desenvolvimento do grafite no país.
Os primeiros artistas como Falco, Mantis e Rasty surgiram dos guetos da Cidade do
Cabo, das Cape Flats e dos pequenos barracos de metal sem água. Eles tentam
produzir muitas imagens com o que têm em mãos, usando o chamado sistema de
cápsulas “Fêmea70”.
Com menos participantes, mas nem por isto de menor impacto social temos
o grafite japonês (bem desenvolvido já que os jovens costumam ser receptivos ao
que acontece nos Estados Unidos e Europa) com Kazzrock, Volt/Suiko; o grafite
australiano (tendo como precursor Arthur Stace que grafitou toda Sidney no início
dos anos 50 com a palavra “Eternity”, e hoje possui uma placa em sua homenagem)
com Kasino e Stormie; o grafite português (inicia em 1990 principalmente em Lisboa)
com Joan; o grafite escocês com 1 Mor; o grafite grego (concentrado em Atenas e
Thessaloniki) com Bizare; excluindo-se ainda assim, um grande número de
grafiteiros, até mesmo os nomes oficiais de equipes destes, que fazem trabalhos de
forma coletiva.
Constatando que todos os grafiteiros citados acima possuem prestígio
artístico mundial, resolvemos abordar a vida e obra de dois expoentes desta arte tão
70
A vantagem dessa variação é a facilidade bem maior de controlar a pressão da lata, podendo-se fazer linhas bem finas e grossas com o mesmo bico. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 329.
75
controversa - Keith Haring e Alex Vallauri - pelos seguintes motivos: o primeiro por
ser um seguidor de Andy Warhol (destacado pioneiro da Pop Art, movimento
histórico abordado neste estudo) e ser também um parâmetro da arte grafite nos
EUA; o segundo, por ser um europeu que trouxe esta arte para o Brasil e a valorizou
e incentivou de forma insistente.
2.3.1 GRAFITEIROS DE RENOME: KEITH HARING E ALEX VALLAURI
Keith Haring (Kutztown/Pensilvânia, 04.05.1958 – 16.02.1990) se tornou um
dos mais conhecidos artistas dos anos 80 por levar o grafite que antes era
exclusivamente das ruas, becos e guetos nova-iorquinos para o convívio das
galerias, museus e bienais (Figura 29).
Figura 29
Keith Haring.
Com o apoio do pai na sua paixão pelo desenho em 1976 matricula-se na
Ivy School of Professional Art, para estudar design gráfico comercial. Em um ano
76
interrompe estes estudos para se dedicar a arte e aos dezenove anos, matricula-se
na School of Visual Arts (SVA) onde desenvolve vídeos e montagens. Neste período
conhece Jean-Michel Basquiat.
Na década de 80, Keith Haring se apropria dos espaços vazios de cartazes
publicitários nas estações de metropolitano de Nova Iorque (Figura 30) e cobre-os
com seus desenhos a giz. Também organiza muitas exposições coletivas no Club 57
e no Mudd Club.
Figura 30 Keith Haring, Desenho do metropolitano (1985).
Giz sobre papel.
Em 1982 o dono de galerias Tony Shafrazi concorda em expor
continuadamente as obras de Haring, que começa então a ter lucro com as vendas
destas. As pinturas de sua primeira exposição são executadas predominantemente
em lonas de vinil, permitindo obras de grandes dimensões.
Através das relações obtidas no ambiente artístico dos graffiti, sua atenção
volta-se para Angel Ortiz71 (cuja assinatura era LA II e LA Roc) com quem executa
vários projetos conjuntos. Neste momento, não retorna a SVA, deixando de obter a
graduação, sendo em 2000 outorgado título póstumo. Nesta fase de sua vida, suas
obras já são conhecidas na Europa por onde viaja fazendo exposições como
Holanda, Bélgica, Itália e Japão.
Participa na década de 80 da Bienal de Whitney, em Nova Iorque e na
Bienal de São Paulo. Por ocasião da inauguração de sua exposição na Fun Gallery,
71
Artista de graffiti de 14 anos. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 32.
77
encontra-se casualmente com Andy Warhol72, iniciando-se uma amizade
caracterizada pelo respeito mútuo e troca de ideias sobre a arte: “sempre
procurando discutir a delicada questão entre arte oficial e não oficial e a hierarquia
existente entre arte, cultura e poder” (GITAHY, 1999, p. 37), sendo considerado o
mais próximo discípulo deste. Na segunda metade desta década, Keith Haring
desenvolve uma arte pública ligada a projetos filantrópicos em benefício de crianças;
abre sua primeira Pop Shop, no SoHo, em Nova Iorque, para venda de produtos
como T-shirts, cartazes, autocolantes e ímãs, permitindo que as pessoas partilhem
de sua arte; entre outras atividades.
Em 1988 recebe o diagnóstico que está infectado pelo HIV e nesta condição
suas obras assumem um novo caráter – oscilando entre a esperança e o desespero
–, não perdendo a sua energia artística, mas, empenhado fortemente na causa do
movimento antiaids, enriquecendo sua arte com um novo tipo de complexidade
(Figuras 31,32 e 33).
Figura 31 Keith Haring, Sexo Seguro (1988). Acrílico sobre tela, 305 x 305 cm.
Nova York, Patrimônio de Keith Haring.
72
Um dos expoentes da Pop Art americana. Impresso em fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. SP: Companhia das Letras, 1992, p. 688.
78
Figura 32
Keith Haring, Ignorância = Medo, Silêncio = Morte (1989). Cartaz, 61 x 110 cm.
Nova York, Patrimônio de Keith Haring.
Figura 33
Keith Haring, Sem Título (1988). Tinta Sumi sobre papel, cada 57 x 76 cm e 76 x 57 respectivamente.
Coleção particular. Cortesia da galerie Hans Mayer, Düsseldorf, Alemanha.
No último ano de sua vida, entre outras atividades, executa murais em
Barcelona, Mônaco, Nova Iorque, Pisa (Figura 34) e cria uma fundação com seu
79
nome, com a finalidade de apoiar instituições de caridade dedicadas às crianças e
criar organizações dedicadas à luta contra a Aids, além de levar o homem e artista
Keith Haring ao conhecimento do grande público através de exposições, publicações
e empréstimos de quadros (disponível em www.haring.com e www.haring-kids.com).
Figura 34 Keith Haring, Tuttomondo (1989).
Mural, Igreja de Sant‟Antonio, Pisa, Itália.
Percebemos assim que desde o início de sua carreira Keith Haring evitou a
corrente artística dominante e aproveitou os espaços públicos para manifestar sua
arte, tendo desta maneira uma aproximação com o graffiti. E mais, pictoricamente
falando, vemos inicialmente desde figuras reduzidas (iconografia contemporânea de
fácil assimilação, como o “homem-palito” – (ver Figura 30) a somente algumas
pinceladas, até obras em que ele cobria toda a superfície com desenhos. Abordava
temas como o amor, a felicidade, a alegria, o sexo, assim como a violência, a morte,
o abuso e a opressão sexual.
80
Seguiremos com o artista que trouxe do exterior a arte do grafite para o
Brasil, a valorizou e incentivou insistentemente: Alessandro Marco Vallauri (Figura
35), posteriormente mais conhecido como Alex Vallauri, nasceu em Asmara (antiga
Etiópia, atual Eritreia) no dia 09 de outubro de 1949, filho primogênito de Humberto e
Lea Vallauri.
Figura 35 Alex Vallauri.
Entre 1950 e 1964 reside com sua família na Argentina e freqüenta a
Asociación Estímulo de Bellas Artes de Buenos Aires. Chega ao Brasil, em 1964,
indo residir em Santos/SP e frequenta o ateliê da artista plástica Gilda Figueiredo e
do xilogravurista Augusto Barroso (Figuras 36 e 37). Quatro anos depois ingressa no
81
curso de Comunicação Visual da Faculdade de Artes Plásticas da Faap - Fundação
Armando Álvares Penteado73.
Figura 36 Esquerda: Alex Vallauri, Sem título (releitura) – s.d. (déc. 70), Litografia, p.a., 60 x 40 cm.
Direita: Alex Vallauri, For Friends (releitura) – s.d. (déc. 70), Xilogravura, p.a., 49 x 33,9 cm.
Figura 37 Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70)
Xilogravura, p.a., 44 x 26,5 cm.
No ano anterior a Faap lhe outorga a licenciatura em Desenho e Plástica e a
habilitação ao magistério. Neste mesmo ano, recebendo passaporte italiano, com a
finalidade de complementar sua formação, viaja para a europa permanecendo até
1976. Em 1977 desenvolve uma série de desenhos e gravuras de temática erótica,
com ênfase nos fetiches femininos: sapatos pontiagudos de saltos altos, ligas,
73
Nos anos seguintes participa de vários Salões de Artes e Bienais. Obter mais subsídios impressos em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010.
82
leques e a bota preta de salto alto que seria no próximo ano estampada em estêncil
nos muros e paredes da cidade de São Paulo, dando início ao grafite (Figuras 38 e
39).
Figura 38 Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Gravura em metal, p.a., 29 x 24,5 cm.
Figura 39 Alex Vallauri, Sem título (street art, Tomkins Park, Nova York) – s.d. (déc. 80).
Grafite, 300 x 200 cm.
Entre 1979 e 1981 intensifica sua produção artística na arte do grafite,
idealizando Luva preta de cano longo que indica uma direção; Gravata listrada;
Biquíni com bolinhas e Telefone vermelho com o fio enrolado e apresenta na sua
exposição individual na Pinacoteca o audiovisual Interferência Urbana – Grafitis de
83
Alex Vallauri, além de editar com Caíto (Luis Carlos Martinho) e texto de Paulo
Yutaka o livro de artista A Rainha do Frango Assado (Figura 40).
Figura 40 Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80) Grafite – recorte, detalhe, 80 x 100 cm
Nos anos seguintes até sua morte, em 27 de março de 1987, Alex Vallauri
produziu: um painel mural de grande formato com a imagem do Acrobata na
Califórnia (Figura 41); grafites nos muros e paredes de Nova Iorque (1983); na XVIII
Bienal Internacional de São Paulo a sua obra mais debatida: A festa na casa da
Rainha do Frango Assado (Figura 42); e organizou os cadernos de arte postal: Faça
uma mágica sair da cartola; Concurso de Misses; Quebre um Ovo. Neste mesmo
período editou livros - 3 Crianças vão ao Dentista: 9 minutos para cada uma e
Sintonize o canal 27 -; participou de várias mostras, exposições e bienais; recebeu
prêmios e convites para expor e viajou para vários lugares participando de
workshops e palestras, retornando ao Brasil em final de 1983.
Figura 41 Alex Vallauri, Acrobatas (1982). Serigrafia, p.a., 67,5 x 68,2 cm.
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Doação de Suzanna Sassoun.
84
Figura 42 Alex Vallauri, Detalhes da instalação A Festa na casa da Rainha do Frango Assado (1985).
Grafite sobre madeira.
Como podemos constatar, os seus primeiros grafites eram simples e foram
se aprimorando. Iniciou-se com a bota de mulher, acrescentou-se a luva preta
apontando; depois os óculos escuros estilo anos 50 e ainda um biquíni de bolinhas,
resultando numa bela mulher latina, que foi acompanhada durante os anos 70, com
curiosidade. Mereceu atenção de Edward Lucie-Smith74 cuja instalação concebida
pelo artista e realizada em stencil art - A festa na casa da Rainha do Frango Assado
(ver Figura 42), foi um dos momentos mais significativos da participação latino-
americana na arte contemporânea do último quartel do século passado, conforme
descreve Spinelli (2010):
Era uma recriação satírica de uma casa de classe média, como o espelho do burguês com pretensões de ascensão, iniciando a afirmar-se na terra de ninguém, entre os ricos e os pobres. A ascensão da classe média era um fenômeno marcante no Brasil da década de 1980, especialmente na cidade de São Paulo. A pintura brasileira reinterpreta com freqüência a pop art, adaptando-a ao contexto e optando pelos suportes não convencionais. (Edward Lucie-Smith, Art Today, New York: Phaidon, 2007. P. 376-377 [tradução nossa]).
74
Autor do livro Art Today, um estudo particularizado sobre a arte contemporânea realizada nas últimas décadas do século XX. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010.
85
Vallauri encontra na pop art sua principal inspiração, pois esta se rebela
contra o sistema hierárquico da arte e os artistas da época acreditavam que
poderiam com isto popularizar a criação artística. O que não se esperava é que
contrariando o pensamento dos artistas da época, esta produção foi apropriada
pelos museus e colecionadores, obtendo reconhecimento comercial pelos
marchands e galerias de arte. O historiador e crítico de arte Roberto Pontual
argumenta em seu livro Explode Geração: “Alex andava povoando os muros
paulistanos com a figura da Bota Preta, por ele próprio classificada como a moça
que passeia por São Paulo”.
2.4 OUTROS EVENTOS EM GRAFITE
Atualmente, constatamos inúmeras manifestações em diferentes países,
cujas iniciativas propõem a divulgação e inserção do grafite em projetos sociais e
culturais. Algumas destas propostas podem ser citadas, como por exemplo, a do
Trensurb75 propondo Grafitagem de um Trem76. A iniciativa faz parte do Projeto
Identidade de Rua77, do Instituto Trocando Idéia78 trazendo o colorido e a cultura do
grafite para a Trensurb e a região metropolitana. Os artistas envolvidos foram: Seila
Pax, Celo Pax, Jotape Pax, Trampo, Mateus Grimm, Kico NSK e Ítalo NSK, todos de
Porto Alegre, os quais grafitaram toda a parte externa de uma composição de
vagões. A idéia foi “ocupar o mobiliário urbano e levar a arte para o maior número de
pessoas possível”, afirmou a consultora de projetos do Instituto Trocando Idéia,
Fabiana Menini. E, segundo o diretor-presidente da Trensurb, Marco Arildo Cunha,
“a empresa, nos 26 anos de operação comercial, tem se preocupado em incentivar
ações culturais em suas estações e trens, buscando, dessa forma, alterar a rotina
75
Um transporte coletivo entre Porto Alegre e a região do vale dos Sinos. 76
Ver vídeos sobre este evento disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=mNHWcD-ohrM e http://www.youtube.com/watch?v=5xUjNHmnhF0&feature=related, acessado em 20.08.2011. 77
Existe desde 2005, interferindo com arte no mobiliário urbano. 78
Promove ações como: o Projeto Palavras, que leva saraus a bibliotecas de escolas públicas e organizações não governamentais; o Curso de Produtor Cultural Comunitário, que já formou mais de 40 produtores culturais; o Circuito Trocando Idéia de Rap, que realiza debates sobre a música independente; o Intercâmbio Hip Hop Sem Fronteiras, que leva artistas brasileiros ao exterior e traz estrangeiros ao Brasil. Disponível em www.trensurb.gov.br acessado em 20.07.2011.
86
dos usuários, através das mais diferentes formas de expressão artística79”. Uma
outra proposta neste sentido, ocorreu no Museu Brasileiro da Escultura - MUBE80,
em São Paulo, através da Exposição IX Graffiti Fine Art, no período de 13 a 24 de
Julho de 2011. Essa mostra apresentou os trabalhos de 20 grafiteiros, através de
painéis, telas e até esculturas 3D, representando as diferentes tendencias da arte
urbana atual, usando a técnica base do grafite, o spray. Binho Ribeiro81, foi o
curador do evento. Entre os artistas convidados estavam Flip, Tinho, Tikka, que
estiveram na Bienal de 2010.
No momento atual ainda ocorrem mais dois eventos, um acontece no
MASP82: Exposição de Arte Urbana Contemporânea Internacional De Dentro e De
Fora, que teve início em 17 de agosto e irá até dia 23 de dezembro de 2011 na
Galeria Clemente de Faria. Uma versão internacional da mostra traz ao Brasil alguns
dos mais importantes nomes da arte urbana mundial, vindos dos Estados Unidos,
Argentina, República Tcheca e França. Iniciativa do curador do MASP Teixeira
Coelho, a mostra tem curadoria especial de Binho Ribeiro, Eduardo Saretta e
Mariana Martins, e vai utilizar a arquitetura do MASP como base para o graffiti,
fotografia, vídeo, escultura, pintura, muralismo, colagem e instalações. O segundo
evento é Grafite Efêmero III. Theo Werneck. Octógono na Pinacoteca do Estado de
São Paulo – PESP83.
79
Disponível em www.trensurb.gov.br acessado em 20.07.2011. 80
Disponível em www.mube.art.br acessado em 17.07.2011. 81
É respeitado por desenvolver um apelo singular de expressão, dando vida aos elementos de sua criação. Seu estilo arrojado já ilustrou embalagens de Nescau, campanhas publicitárias da Ford, Brasil Telecom, Motorola, Red Bull, Nestlé, Nike, Skol, Ecko, Guarana Antártica, Sony, Colorgin, Bob Burniquist, Spoleto entre outras. 82
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand. Disponível em http://masp.art.br acessado em 20.07.2011. 83
Disponível em www.pinacoteca.org.br acessado em 15.09.2011.
87
Outras notícias sobre intervenções de grafite: no Jornal da Estação84
encontramos - Castelo grafitado por brasileiros85 faz sucesso na Escócia – e gerou
discussões entre os responsáveis pelo patrimônio histórico escocês, o castelo de
Kelburn, ornamentado em 2007. Inicialmente, a pintura seria de caráter provisório e,
em três anos, deveria ser removida. Porém, a obra que uniu a arquitetura clássica
com a pintura urbana se tornou uma das atrações turísticas mais visitadas na
pequena cidade e está na lista dos dez melhores exemplos de arte urbana do
mundo. O proprietário da construção de oitocentos anos, Patrick Boyle, pediu ao
órgão responsável por edifícios históricos pela permanência da pintura. A decisão
ainda está nas mãos da administração regional86. No jornal ZERO HORA87 -
monumento em homenagem a lideres comunistas búlgaros foi grafitado na capital do
país (Sófia), com “temas capitalistas”. As estátuas foram transformadas em Super-
Homem, Capitão América, Ronald McDonald, Papai Noel e outros ícones da cultura
americana.
84
Jornal pertencente à Trensurb, Ano 3, Nº 97, p. 02, de circulação gratuita em Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul e São Leopoldo. 85
Os grafiteiros foram Nina, Nunca e Os Gêmeos (nota minha). 86
Disponível em www.vejaabril.com.br acessado em 25.09.2011. 87
De 02.10.2011 relatando informação do The Wall Street Journal (de 18.06.2011).
88
3 MOSTRA TRANSFER/RS E O ESPAÇO INSTITUCIONAL
A mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências
– transformações (Figura 43) ocorrida de 25 de Junho a 28 de Setembro de 2008,
em Porto Alegre/RS, contou com cerca de trezentas obras do país e do exterior de
mais de cem artistas brasileiros e estrangeiros. A exposição reuniu onze murais
especialmente criados para a exposição, pinturas, vídeos, desenhos, fotografias,
seminários, oficinas, palestras e até uma "planície skatável" projetada especialmente
para o evento.
Figura 43 Capa do livro TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações.
Porto Alegre: Santander Cultural, 2008.
89
Também fez parte deste evento o Programa de Atividade Simultânea “Viva o
Centro – Circuito de Arte Urbana” (Figura 44), aberto ao público de forma gratuita,
que contou com a participação do grafiteiro Luis Flávio “Trampo”, em visita guiada
aos bairros Cidade Baixa e Centro da cidade de Porto Alegre, mostrando os grafites
aí expostos, no dia 13 de setembro de 2008. Ainda neste circuito houve uma visita a
Galeria Pública de Street Art, localizada na estação Rodoviária da Trensurb88; a
visita a Galeria Adesivo89; e a visualização do extenso muro localizado na Av. Mauá,
junto ao Cais do Porto para contemplar as intervenções de diversos artistas locais e
de outros estados; encerrando o circuito no Santander Cultural para visita a mostra
TRANSFER.
Figura 44 Capa do Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”
Para Lucas Ribeiro90 (TRANSFER, 2008, p.16) “cultura urbana em Transfer
trata-se de um recorte de expressões surgidas no meio urbano, desdobramentos de
subculturas como o punk, o hip hop e o skate, que atualmente se refletem na arte
contemporânea”. Sobre essa inserção dessas produções oriundas de espaços
urbanos, Liliana Magalhães91 (TRANSFER, 2008, p. 13) comenta:
88
Foi realizada neste local uma intervenção a partir da Oficina de Graffiti da mostra TRANSFER com os artistas Hisake, Sirilo e Lucas NCL. Impresso em fonte: Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”, p. 01. 89
Localizada na Av. João Pessoa. 90
Também conhecido com “Pexão”, é skatista, fanzineiro, jornalista, galerista (em Porto Alegre mntém a galeria de arte Fita Tape) e curador geral da mostra. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 16. 91
Projeto geral e Desenvolvimento. Superintendente Santander Cultural.
90
Com a transferência do conhecimento como lema, o projeto aproximou e estimulou a participação dos curadores e artistas que acabaram por criar a abordagem da mostra e um processo próprio e particular de organização que, por sua vez, exigiram da produtora e da instituição uma nova condução de realização. E sem dúvida, isso proporcionou a ambos universos uma flexibilização e um rico ambiente de inovação.
Foram apresentados nesta exposição trabalhos de 27 artistas envolvidos
com o grupo, entre eles os cineastas Harmony Korine ("Gummo") e Larry Clark
("Kids" e "Ken Park"), o fotógrafo Terry Richardson e Shepard Fairey, artista norte-
americano que chamou a atenção ao colar extensivamente nas ruas dos EUA
lambe-lambes de seu personagem Obey Giant, inspirado no campeão de luta-livre
francês Andre the Giant (1946 - 1993). Entre os artistas de fora do Brasil que
participaram da mostra está o coletivo surgido nos Estados Unidos – BeautifulLosers
– que teve uma ala dedicada ao seu trabalho, com curadoria do norte-americano
Christian Strike92.
A exposição contou com três seções, uma delas abordando artistas
brasileiros contemporâneos que se destacaram por meio de ilustrações para
fanzines, cartazes de shows, pranchas de skate e capas de discos. Denominada
Mauditos, apresentava trabalhos gráficos, antigos e recentes, produzidos em
diferentes suportes por artistas que nos anos 80-90 não chamaram a atenção no
universo das artes visuais, mas que “atualmente são citados como influência direta
para o que é visto nas galerias de arte urbana, da chamada cultura underground
brasileira” (TRANSFER, 2008, p. 14). Esta ala teve curadoria de Fábio Zimbres93 e
Alexandre Cruz94 e apresentou trabalhos dos desenhistas Jaca, Lourenço Mutarelli,
Luís Fernando Schiavon, Marcatti, MZK e Speto.
Houve ainda em TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea –
transferências – transformações as alas Street Fine Art, dedicada a artistas de rua
92
Fundador do projeto Beautiful Losers juntamente com Aaron Rose, responsável pela divulgação dos trabalhos de diversos artistas integrados no projeto. Atualmente dirige a galeria Country Club e a produtora Iconoclast em Cincinnati/EUA. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 80. 93
Artista gaúcho de Porto Alegre/RS, autor de quadrinhos, ilustrador, designer e editor. Criou e mantém a editora independente Tonto, com a qual também fez a curadoria de exposições coletivas. Publicou em diversos países e fez exposições individuais com desenhos e pinturas no Brasil e Argentina. Disponível em www.fzimbres.com.br acessado em 17.09.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69. 94
Artista plástico paulista, fanzineiro, designer e sócio-fundador da primeira galeria de arte urbana do Brasil, a Most. Disponível em www.reupgrade.com acessado em 17.09.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69.
91
brasileiros - como Bruno 9Li, Herbert Baglione, Kboco, Nunca, Stephan Doitschnoff,
Tinho, Titi Freak e Vitché – apresentando a produção criativa desta geração por
meio de pinturas, intervenções, serigrafias, esculturas, instalações e painéis
produzidos no local da mostra, e Intervencionistas, com registros em fotografia e
vídeo produzidos por documentaristas especializados, além do ambiente
multifuncional destinado em sua maioria as sessões de skate. No espaço desta
última ala esteve a chamada "planície skatável" (Figura 45), projetada para o evento
pelo arquiteto Pedro Mendes da Rocha, com consultoria do coletivo Noh.
Figura 45 Esquerda: Cezar Gordo. Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008
Manobra: Flip transfer, Local: Porto Alegre Acervo do fotógrafo
Direita: Guilherme Zolin, Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008. Manobra: Switchstance crooked grind reverse, Local: Porto Alegre
Acervo do fotógrafo
Questiona Arthur Dantas95 (TRANSFER, 2008, p. 30):
Qual o papel da mostra Transfer? É o primeiro esforço sistemático de colocar em perspectiva o que de melhor fora produzido no mundo e no Brasil nos últimos vinte anos relacionados à arte urbana em uma grande instituição no Brasil. [...] outro ponto é a expansão da arte urbana para além do graffiti, [...] muito além dos estereótipos relacionados a ela.
95
Redator da revista + SOMA. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 30.
92
Para ele a mostra expõe de forma concreta que qualquer especulação sobre
o futuro da arte urbana é incerta. No período que se sucedeu a mostra Transfer e
durante a produção desta dissertação, ocorreu também a segunda mostra
TRANSFER – arte urbana & contemporânea – transferências & transformações
ocorrida em São Paulo (Figura 46) no Pavilhão das Culturas Brasileiras no Parque
Ibirapuera, a qual contou com uma estrutura arquitetônica que permitiu inúmeras
intervenções de skatistas. Praticamente não se repetiram obras entre as duas
exposições e o número de artistas em relação à mostra de Porto Alegre ampliou,
sendo o mesmo curador geral nas duas exposições.
Figura 46 Capa do livro TRANSFER: arte urbana & contemporânea: transferências & transformações. São
Paulo: Conceito Consultoria em projetos Culturais: Editora ZY, 2011.
O único eixo que mudou de nome em relação à edição anterior, que, mesmo
constatadas suas limitações, por falta de uma opção melhor, se chamava Street Fine
Art, agora chamou-se Autoindicados (TRANSFER, 2010, p. 19):
[...] emprestado de um estêncil de Bruno 9li que podia ser visto nas ruas de Porto Alegre em meados dos anos 2000, no qual se lia “Universidade Autoindicada por Entidades Livres”, uma suposta instituição usada para identificar toda uma postura perante o aprendizado, adotada por ele, e pelos demais integrantes do coletivo de artistas Upgrade do Macaco. [...] o nome parece fazer sentido para apresentar esse grupo de artistas, sugerindo a formação autodidata da maioria deles, ou, pela ironia, remetendo à ideia de não precisarem de uma “indicação” para participar do circuito, digamos oficial das artes. Eles se autoindicaram.
93
3.1 ARTISTAS GRAFITEIROS DA TRANSFER/RS
Dentre vários artistas grafiteiros presentes nos diversos seguimentos serão
abordados alguns nesta dissertação.
Márcio Mendanha de Queiroz, mais conhecido por seu apelido de grafiteiro:
Kboco96 é goiano e já realizou exposições dentro e fora do Brasil, sendo
representado inclusive por uma galeria de arte de São Paulo. Este artista é um
exemplo de inserção da sua produção artística no espaço considerado da cultura
erudita, inclusive no mercado da arte, porque possui um trabalho plástico
considerável frente aos padrões acadêmicos, bem aceito pelo público apreciador de
arte e que o levou a apresentar significativo valor comercial. De maneira geral, as
obras de Kboco registram lugares visitados desde sua saída do seu estado natal, o
sertão, e, segundo ele, tem uma vibração ancestral forte que o liga diretamente com
a África. O seu estilo apresenta a linha como elemento importante e um conjunto
orgânico e evolutivo, que vai da pintura sobre tela e desenho sobre papel, ao
desenho urbano, onde coexiste com a arquitetura e se adapta à pichação paulistana
(Figura 47).
Titi Freak97 é paulistano e começou fazendo grafite nas ruas da cidade em
1995. Seu estilo é uma fusão das culturas ocidental e oriental com elementos da
moda, imaginário pop, ilustração, grafite e menções de histórias em quadrinhos.
Define seu trabalho como uma reciclagem de lixo, pois converte em arte a realidade
que divisa nas ruas (ver Figura 01).
Natural de Volta Redonda/RJ, Lauro Roberto98 é fanzineiro, criador de
diversos personagens e experimentador com técnicas de desenho e reprodução.
Produzia o fanzine Olix, onde utilizava uma técnica de xilogravura alternativa (Figura
48).
96
Disponível em www.myspace.com/kboco acessado em 26.08.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 50. 97
Disponível em www.tfreak.com acessado em 26.08.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 51. 98
Disponível em lauro.desenhos.fotoblog.uol.com.br acessado em 26.08.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69.
95
Figura 48 Lauro Roberto, Sem título (1999-2006)
Raspagem sobre tetrapak. Acervo do artista. Foto: Fabio Del Re
96
Yury Hermuche99 é paulistano, jornalista, desenhista e webdesigner.
Começou a fazer fanzines e quadrinhos em Brasília sozinho ou com o parceiro
Ricardo Borges e outros fanzineiros dos anos 90. Lançou os livros Peridongas
(Figura 49) e Sobre Viagens e Fugas.
Figura 49 Yury Hermuche, Perigondas (1997)
Fanzine. Coleção Fabio Zimbres
99
Disponível em www.rock-action.com acessado em 26.08.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69.
97
Natural de Fortaleza, Bruno 9li100 sofre influências de experiências diárias
em meio à vasta miscigenação cultural do Brasil, assim como sua busca por um
sentido de vida através da espiritualidade. Seus trabalhos ilustram encontros épicos
de seres naturais e sobrenaturais (Figura 50). Esses encontros podem ser
compreendidos como contos míticos do passado, assim como situações fantásticas
de um futuro distante. Recentemente, em maio deste ano, concluiu trabalhos para a
exposição individual ATRA, na Galeria de Arte Fita Tape, em Porto Alegre, contendo
vinte serigrafias em preto e branco, com textos criptografados e imagens de
entidades, além de esculturas de látex e uma pintura. As entidades que cria,
segundo ele, “são uma forma de trazer à tona todas as dimensões do homem101”.
Esta mostra estava ocorrendo paralelamente em Buenos Aires, na Galeria I/-.
Figura 50 Bruno 9li, ZN na Meta (2008)
Técnica mista sobre papel. Acervo do artista
3.2 DEPOIMENTOS, REGISTROS E ANALOGIAS VISUAIS COM A POP ART
Cabe ainda destacarmos aspectos que consideramos significativos em
relação aos pensamentos e apreciações dos grafiteiros da mostra TRANSFER/RS
entre outros artistas do circuito nacional, com o intuito de ampliar as nossas
100
Disponível em www.bruno9li.com acessado em 26.08.2010 e impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 50. 101
Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 14.05.2011.
98
reflexões sobre o grafite. A intenção inicial foi de realizar entrevistas com alguns
destes artistas, através das seguintes perguntas:
a. O que de fato caracteriza uma pichação de um grafite?
b. Porque a insistência em pintar nas paredes das cidades, sabendo ser
efêmero o resultado?
c. Quais são as possibilidades de os grafiteiros tornarem-se artistas? Há o
interesse?
d. Qual a visão do grafite no museu? E do grafiteiro?
e. O que você entende por estética? E por Arte?
f. Formação (grau de ensino/curso):
g. Idade:
Estas perguntas foram encaminhadas através de uma pessoa envolvida em
projetos com o grafite em cidade da grande Porto Alegre, sendo mais de quinze
destes questionários impressos e não obtivemos êxito. O mesmo ocorreu aos vinte
e-mails enviados aos grafiteiros, tanto da mostra TRANSFER/RS como de fora dela.
Esbarramos, porém, na dificuldade de se obter um retorno desejado, o que nos leva
a algumas reflexões sobre essa baixa adesão.
Talvez uma das grandes dificuldades em relação às análises que se
almejavam seja primeiro a complexidade das perguntas e, segundo, o acanhamento
e o baixo grau de instrução da maioria. Houve também, a tentativa de fazer
entrevistas diretamente, mas esta abordagem também não surtiu efeito, visto que a
maioria alegou estar com seus horários comprometidos em atividades diversas.
Sendo assim, não foram realizadas as entrevistas na totalidade desejada,
porém nos valemos de duas entrevistas de grafiteiros, Lídia B. e Bruno 9li e diversas
reflexões de outros artistas, em âmbito mundial, presentes nas análises de Ganz
(2010).
3.2.1 Lidia B
Entrevistada em 28.07.2010, via celular, respondeu:
99
a. O que de fato caracteriza uma pichação de um grafite?
Pichações são tipografias criadas por certo grupo que visa utilizar as paredes da
cidade para marcar território, quanto mais desafiante o lugar ou quanto mais fizerem, melhor.
O graffiti é sim muito ligado a pichação no Brasil já que a pichação apareceu
primeiro nas grandes metrópoles e que a raíz do graffiti, como ele nasceu e se desenvolveu em
Nova York, é o vandalismo, também marcação de território. Hoje em dia temos outros
nomes como arte de rua e intervenções urbanas, que poderíamos dizer que foi um
desenvolvimento de técnicas que começaram pelo graffiti.
Se você aprofundar, o graffiti tem estilos característicos (bomb, tag, wild style e os
personagens, desenvolvidos com o spray), e acredito que a rua vêm ganhando outras
expressões que são mais livres, colagens, adesivos, pinturas com pincel, costuras, móbiles,
etc, coisas que não são totalmente novas, mas que começaram a chamar atenção da mídia e a
moda, que hoje em dia utilizam essas linguagens na publicidade. É um acontecimento normal,
no meu ponto de vista.
Voltando a diferença entre a pichação e o graffiti, o grafitti é visto pela sociedade de
uma forma mais agradável, o que não quer dizer que é totalmente aceita, enquanto a pichação
para alguns é puro vandalismo, a ligação de ambos é a rua e o manifesto de usar espaços
públicos, graffiti é mais elaborado, se gasta mais sprays, mais cores, estudos de desenho
enquanto a pichação geralmente é feita apenas com uma lata de spray. É difícil explicar todas
as diferenças, pois, como dito antes, são duas formas de expressões conectadas no Brasil.
Quem graffita já pichou ou mesmo ainda picha.
b. Porque a insistência em pintar nas paredes das cidades, sabendo ser
efêmero o resultado?
Pela experiência de compartilhar com todo tipo de pessoas, não limitar a arte a um
espaço fechado. Utilizar o barulho, as divergências da cidade como inspiração e parte do
trabalho. O fato de ser efêmero chega a ser uma forma de incentivo para propagar os graffitis
e pinturas por toda cidade.
c. Quais são as possibilidades de os grafiteiros tornarem-se artistas? Há o
interesse?
Os grafiteiros são artistas, assim como os pichadores ou qualquer pessoa que se
sinta livre para se expressar, comunicando acontecimentos do momento e que são
produzidos, sentimentos pessoais ou coletivos, de revoltas ou pacifistas.
100
Se existe interesse de chegar no espaço de galerias, acho que isso é comum, assim
como aconteceu com Basquiat ou Andy Warhol. O interesse varia de pessoa para pessoa,
alguns não conhecem ou não se envolvem com outras linguagens que não o grafite de forma
“vandal” ou mesmo não se sentem a vontade, visto que galerias geralmente costumam abrigar
artes mais conceituais. As pessoas acabam gerando preconceitos ou sentindo-se excluídas do
direito de experimentar a arte. Alguns grafiteiros acreditam que a rua é o único lugar onde o
grafite é graffiti e isso basta.
d. Qual a visão do grafite no museu? E do grafiteiro?
O grafite no museu não é graffiti, não se comunica com o espaço público e com as
pessoas que o compõe (grifo nosso). Geralmente quem faz grafite e chegam às galerias são
pessoas que não se limitam, estudam e acabam mesclando o que fazem na rua com alguma
técnica mais clássica. Há essa preocupação de diferenciar, pois o espaço na criação do artista
é fundamental, no meu ponto de vista. Alguns grafiteiros fazem no museu ou nestas galerias o
que fazem na rua também, e não se importam. É uma questão que varia de pessoa para pessoa.
e. O que você entende por estética? E por Arte?
(Quanto a esta questão a grafiteira não se manifestou).
f. Formação (grau de ensino/curso):
Cursando Design gráfico na Universidade Ritter dos Reis.
g. Idade: 23 anos.
3.2.2 Bruno 9li
Enviado por e-mail a entrevista dia 26.07.2011, em resposta manifestou o
seguinte: “[...] faz mais de quatro anos que não risco na rua. Tenho me dedicado para meu
trabalho em atelier - pintura, mesmo. Creio que por estar afastado da prática seja mais
conveniente conversar com alguém que esteja na ativa...”
101
Apercebemo-nos através da fala que o grafiteiro Bruno 9li já está inserido no
contexto artístico erudito e também no mercado das artes, trabalhando somente com
pintura e longe das ruas, não mais produzindo intervenções urbanas. Esta tem sido
uma realidade bem comum neste meio, quando os grafiteiros começam a atingir o
mercado internacional, deslocam-se para o interior de seus ateliers.
A seguir citamos algumas reflexões de artistas grafiteiros de diferentes
países e que nos remetem a suas preocupações estéticas, culturais e sua inserção
no espaço urbano.
“A maior ironia do grafite é o fato de você usar tintas permanentes para fazer uma
obra que é tudo, menos permanente”.
Buff Monster102
“Encaro minhas pinturas como arte feita com spray, e meus muros ou trens como
grafite. A arte é para as galerias. O grafite é para os trens”.
Case103
“Grande parte do meu trabalho tem uma tendência política. Acho que vivemos numa
época em que acontecem muitas coisas ruins. A arte do grafite é uma forma de alcançar as
massas e mudar a mente das pessoas. Tenho prazer em tentar fazer isso”.
Man One104
“Grande parte das nossas influências vem do contato que temos uns com os outros e
de nosso interesse em todas as formas de arte – não só o grafite, mas também a história da
arte, tanto antiga quanto moderna”.
The Crome Angelz105
102
Nasceu em 1978 em Los Angeles/EUA e começou a grafitar em 1994. Disponível em www.buffmonster.com acessado em 25.10.2011 e impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 39. 103
Nasceu em 1977 em Toronto/Canadá e começou a grafitar em 1992. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 42. 104
Nasceu em 1971 em Los Angeles/EUA e começou a grafitar em 1987. Disponível em www.manone.com acessado em 25.10.2011 e impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 80. 105
Grupo fundado em 1985 em Londres/Reino Unido. Membros: Bando, Colter, Mode 2, Pride, Scribba, Shoe e Zaki 163. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 159.
102
“Não quero encaixar num rótulo as coisas que faço, tipo „ah, isso é pop art‟ ou
„fotorrealismo‟[...] acho que faço todos os tipos de estilos, faço letras, estênceis, desenhos
animados [...]”
Karski106
“Espero que meu estilo seja o reflexo de minhas paixões fora do grafite... Minha
pintura se tornou mais divertida e relaxada, aproximando-se da pop art e distanciando-se do
hip-hop”.
Nylon107
“A rua, sendo um lugar neutro, desde o início nos deu a chance de trabalhar
independentemente de regras e modelos [...]”
Viagrafik108
Nestes comentários dos grafiteiros, embora coloquem que não ocorrem
influências ou mesmo com certa informalidade, percebemos que as suas
intervenções nos espaços urbanos não acontecem de forma aleatória, mas há
sempre uma intencionalidade no seu fazer, seja com questões efêmeras, seja com
questões sociais ou por pura paixão no que fazem.
No intuito de provocarmos questionamentos acerca desta informalidade e
naturalidade do grafite, de forma intuitiva, sem influências, como alguns grafiteiros
manifestam, propomos algumas analogias entre os grafites da mostra
TRANSFER/RS e as obras da pop art. Para este fim, buscamos algumas reflexões
quanto ao modo de analisarmos estas obras a partir de elementos plásticos
simbólicos, como cor, linha, formas, contexto, etc. lembrando, porém, que para Joly
(1996, p. 44):
[...] Ninguém tem a menor ideia do que o autor quis dizer; o próprio autor não domina toda a significação da imagem que produz. Tampouco ele é o outro, viveu na mesma época ou no mesmo país, ou tem as mesmas expectativas... Interpretar uma mensagem, analisá-la, não consiste
106
Nasceu em 1974 em Utrecht/Holanda e começou a grafitar em 1986. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 219. 107
Nasceu no Reino Unido. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 247. 108
Grupo fundado na Alemanha em 1999. Membros: Boe, Geist 13, Meanworks, Nexus 6 e Sign. Disponível em www.viagrafik.com acessado em 25.10.2011 e impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 303.
103
certamente em tentar encontrar ao máximo uma mensagem preexistente, mas em compreender o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e agora, ao mesmo tempo que se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo.
Assim sendo, as composições artísticas possuem sentido e funções
específicas de acordo com as apreensões de mundo, experiências, o contexto e o
modo de vida de cada artista grafiteiro. Nesse sentido, buscamos elementos visuais
e simbólicos que nos permitem aproximar e diferenciar produções realizadas por
grafiteiros e artistas da pop art, nos quais encontramos referenciais mais evidentes
nas reflexões de Gitahy (1999) quanto a:
Composição plástica: de acordo com a escolha mais adequada de cores,
formas, estilos de linhas, disposição espacial dos elementos.
Funcionalidade: de acordo com o objetivo ambicionado – imagem de
protesto, denúncia de algo ou apenas imagem decorativa.
Contexto espacial: grafite composto de elementos que integrem o meio ao
qual está inserido. É a atuação do antes e depois do “espaço em branco”.
Questões simbólicas: Os desenhos expressam coerência com fatos atuais
de suas vivências (grafiteiros), buscando os elementos necessários para a
interpretação temática.
3.2.4 Kboco e Richard Hamilton
Nas obras de Kboco e Hamilton há o predomínio de tons de cinza ao preto e
cores vibrantes como o vermelho. Em Eu te amo com meu FORD, de Richard
Hamilton, uma única parte (na base da obra) contrasta com o restante, em termos
de cor (Figuras 07 e 47).
Quanto à forma, são abstratas em grande parte, tendo em comum a
sinuosidade. O estilo de linhas de Kboco resgata traços nativos através de um
emaranhado delas e na obra de Hamilton já encontramos uma linha bem marcada
na figura do carro, seguido de uma mancha ao meio do quadro delineando uma
figura feminina e terminando também por um emaranhado de espaguete com linha e
mancha na parte inferior da obra.
104
No tocante a disposição espacial dos elementos, as obras ocupam o espaço
total da tela, sendo que a obra pop encontra-se dividida em três partes distintas,
retratando o sonho americano de consumo – carro, mulheres e comida
industrializada enlatada. De acordo com a sua funcionalidade, a imagem de Kboco
resgata traços familiares do seu ambiente natal, nos ariscando a afirmar ser uma
obra de caráter decorativa. Para McCarthy (2002, p. 32) a obra de Hamilton
[...] sugeria que os norte-americanos faziam amor com e em seus carros. As imagens conjugavam elegantemente a fantasia encenada de romance hollywoodiano [...] com a grade estilizada de um Ford 1950 e a cor saturada e levemente nauseante de espaguete enlatado. Tudo é claro, disponível aos consumidores.
Portanto, as obras expressam as vivências de seus artistas e sua época,
buscando os elementos necessários para a interpretação temática vigente nas obras
– no caso de Kboco suas raízes e no caso de Richard Hamilton os desejos
americanos de consumo dos anos 50-60.
Figura 07 Figura 47 Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961). Kboco, Convite ao artista para produção Óleo sobre tela, 86,4 x 91,4 cm. in loco (2008). Foto: Fabio Del Re. Moderna Museet, Estocolmo.
3.2.5 Titi Freak e Andy Warhol
Este grafite de Titi Freak tanto quanto esta obra de Andy Warhol utiliza-se da
figura humana feminina com seus fetichismos e cores contrastantes. Na obra do
105
primeiro artista encontramos uma única figura humana desenhada de forma livre,
lembrando os elementos das histórias em quadrinhos e em Dezesseis Jackies, como
o próprio nome da obra diz, há 16 Jackies distribuídas na tela (Figuras 01 e 10).
Titi Freak usou cores quentes e o preto em seu grafite, para criar contraste e
Andy Warhol usou a fotografia em preto e branco e a cor azul, possivelmente pintada
manualmente direto na imagem. Com esta obra Warhol retratou a dor, o sofrimento
público de Jackie após o assassinato de seu marido, o presidente dos Estados
Unidos, Kennedy. Para Warhol:
[...] a fama era com frequência uma imposição ambígua, uma configuração infeliz de acontecimentos que confirmava a fragilidade humana. [...] A falta de privacidade era o preço da fama e o outro lado da revolução dos meios de comunicação que transformou a vida ocidental nos anos do pós-guerra. (McCARTHY, 2002, p. 44).
Titi Freak executou seu grafite direto na parede do Santander Cultural Porto
Alegre, em tamanho grande (Figura 01), de modo que ao estarmos na frente desta,
sentíssemos o impacto de sua grandiosidade e a exuberância de cores. Nota-se que
em ambas as obras há uma ideia de dor, até mesmo pela característica comum das
figuras humanas estarem com suas bocas retorcidas, como num gesto de grito (na
obra de Warhol – Figura 10 -, na segunda linha das fotografias).
Figura 01 Figura 10
Titi Freak, Convite ao artista para produção Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964). in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re. Tinta acrílica e esmalte sobre tela, 204,3 x 163,6 cm. Walker Art Center, Minneapolis.
106
3.2.6 Lauro Roberto e Andy Warhol
O grafite de Lauro Roberto mistura publicidade, quadrinhos, punk, pop,
criando uma selva de linhas branca e pretas, além da mancha, característica comum
a obra de Andy Warhol (Figuras 11 e 48). Na serigrafia “Cadeira Elétrica”, da série
Morte na América (destaque para desastres de carros, suicídio, uma nuvem em
forma de cogumelo, além desta obra), Warhol denuncia as atrocidades desta prática,
em vários estados americanos e revela o emblema mais público da crença dos
norte-americanos na pena capital, através da imagem derivada de fontes da mídia
de uma cadeira elétrica ao centro de uma grande sala, tendo borrões escuros ao
redor, o que dá a obra um caráter pesado, como a própria situação traz.
Comentando sobre esta obra, neste contexto, para Giulio Argan (1992, p. 647):
[...] retira a imagem dos circuitos de informação de massa, mas apresenta-a gasta, desfeita, consumida. É uma imagem que no jargão jornalístico, “fez notícia”: [...] a cadeira elétrica em que morreu o famoso assassino [...]. Acabamos por reconhecê-la sem observá-la. [...] mesmo que no final se reduza a uma sombra ou uma mancha que apenas o tedioso hábito permite-nos reconhecer. Por uma hora, a notícia foi um mito de massa; como todos os mitos, passa para o inconsciente sem passar pela consciência.
Esta obra de Warhol serviu de denúncia à violência e à morte, que na
década de 60 começou com a execução de Caryl Chessman, preso por crimes
sexuais dez anos antes e, testemunhou um intenso e finalmente bem-sucedido
ativismo público contra essa pena. Segundo McCarthy (2002, p. 68): “[...] esse
moderno instrumento de morte é tão implacável e horripilante como um instrumento
medieval de tortura”.
Lauro Roberto traz no seu grafite várias caveiras desenhadas e uma figura
que podemos classificar como a “Morte humanizada”. Esta última apesar do contexto
comum entre os dois artistas – a morte - tem seu caráter decorativo e criativo, pois
foi executada em caixas tetrapak (objeto de consumo comum, item característico da
pop art), pintadas de preto internamente e depois raspadas com elemento
pontiagudo para aparecer o prateado do papel alumínio, formando a cena desejada.
107
Figura 11 Figura 48 Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964). Lauro Roberto, Sem título (1999-2006). Serigrafia e acrílico sobre tela, 56,2 x 71,1 cm. Raspagem sobre tetrapak. Acervo do artista. Tate Gallery. Foto: Fabio Del Re.
3.2.7 Yuri e Richard Hamilton
As obras “O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão
atraentes?” e “Perigondas” (Figuras 05 e 49) retratam a figura feminina com
estereótipos da fantasia masculina (mulher nua e grandes lábios, por exemplo).
Na obra de Yury há uma composição plástica característica da publicidade -
através do uso da retícula – e o predomínio do contraste total do preto e branco. Há
também o predomínio comum de linhas e de manchas em ambas as obras e cores
terrosas e colagens na obra de Richard Hamilton, dispondo vários elementos de
consumo, de maneira ordenada.
Perigondas tem caráter decorativo e grande influência da pop art, já que nos
remete as obras de Lichtenstein (ver Figura 08), quando faz suas narrativas
ilustradas (cartuns e histórias em quadrinhos) e para Giulio Argan109 (1992, p. 582):
109
Giulio Carlo Argan nasceu em Turim, em 1909, e morreu em Roa, em 1992. Aluno do crítico e hitoriador da arte Lionello Venturi, destacou-se internacionalmente a partir da década de 30 com estudos sobre a arte medieval e renascentista. Em 1959 sucedeu a Venturi na cátedra de história da arte moderna, na Universidade de Roma. Publicou numerosas monografias e coletâneas de ensaios. Impresso em fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. SP: Companhia das Letras, 1992.
108
A análise da banalidade desse tipo de comunicação é metodologicamente irrepreensível. Isola uma imagem da tira, aumenta-a, estuda acuradamente os processos, inclusive tipográficos, que a tornaram comunicável em milhões de exemplares: reproduzindo-o manualmente, com microscópio, ele demonstra que esse processo de produção industrial de imagens é de absoluta correção, um modelo de perfeição tecnológica. Coloca-se, em suma, na posição do diretor técnico, que sabe quais foram os problemas e dificuldades enfrentados para chegar ao padrão que permite que milhões de pessoas leiam ao mesmo tempo a mesma narrativa, interpretem-na do mesmo modo, sintam a mesma emoção momentânea e, um segundo depois, esqueçam-na. Os consumidores de histórias em quadrinhos são poupados de qualquer mínimo esforço intelectual; tudo foi pensado, preparado, digerido de antemão.
A obra de Richard Hamilton tem caráter de protesto quanto ao consumo
desenfreado de objetos supérfluos (mas muito desejados), dos cidadãos americanos
nos anos 50-60.
Figura 05 Figura 49
Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de Yury Hermuche, Perigondas (1997). hoje tão diferentes, tão atraentes? (1956). Fanzine. Coleção Fabio Zimbres. Colagem, 26 x 25 cm. Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel.
109
3.2.8 Bruno 9li e James Rosenquist
A obra F-111 e o grafite ZN na Meta (Figuras 06 e 50) são obras que
possuem suas imagens saturadas de elementos visuais, cores vibrantes, linhas bem
definidas e possuem um tamanho que causa no espectador um impacto visual muito
forte.
Ambas as obras remetem a questões simbólicas – o sentimento humano, a
espiritualidade, a vida. Aparentemente, no grafite de Bruno 9li, há imagens sacras e
simbolismos ocultos no emaranhado dos elementos projetados, enquanto que na
obra de James Rosenquist há o lado perverso da humanidade – armas, poder,
destruição e a banalidade (simbolizada pelo macarrão industrializado enlatado).
Segundo McCarthy (2002, p. 71):
[...] uma grande pintura mural que conjugava o prazer do consumidor com a tecnologia militar avançada [...]. Talvez a mais perturbadora ligação visual numa pintura que vinculava um popular bolo caseiro a um pneu Firestone, e um guarda-chuva a uma nuvem em forma de cogumelo, fosse a substituição da cabine do piloto pela cabeça exageradamente grande de uma menina estereotipicamente graciosa. Seu cabelo loiro e seu sorriso de fadinha estão paradoxalmente situados abaixo de um secador de cabelos de metal cromado com cabeça em forma de bala. Aqui a inocência comercial suplantava a guerra profissional para sugerir que uma nação ainda jovem podia despreocupadamente levar a cabo a morte em massa. Para concluir essa igualdade enervante entre inocência e mal, Rosenquist fez o bombardeiro terminar numa piscina de espaguete, como se fosse possível voltar ao lar para uma refeição depois de um dia no front.
Observamos tanto em “ZN na Meta” quanto em “F-111” a busca de
sentimentos mais humanos e a denúncia para que nos apercebamos do quanto
estamos banalizando a vida, desperdiçando sentimentos em troca de produtos
industriais (muitas vezes de utilidade fútil) em demasia, numa ânsia em adquirir
desenfreadamente. A obra “F-111” é o protesto mais aberto contra o envolvimento
dos Estados Unidos no Vietnã.
110
Figura 06 James Rosenquist, F-111 (1965).
Óleo sobre tela com alumínio, 304,8 x 2.621,3 cm. Museum of Modern Art, Nova York.
Figura 50 Bruno 9li, ZN na Meta (2008).
Técnica mista sobre papel. Acervo do artista.
Após estas reflexões sobre as obras, observações de teóricos a respeito
das mesmas e as analogias feitas em relação à pop art, de modo pessoal,
compartilho com a ideia de Joly (1996, p. 60) quando este coloca que apesar de
haver uma instrumentalização para a leitura de imagens nas artes plásticas, o que
prevalece ao espectador é sua analise pessoal, simplesmente estética de acordo
com a bagagem visual, simbólica e cultural deste indivíduo, com algumas
referencias de perspectiva coletiva.
111
3.3 GRAFITE: COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO INSTITUCIONAL
O homem sendo um ser social por natureza busca uma identidade desde os
tempos mais remotos. Através do ato de pintar/desenhar na parede, a
representação de um fato (seja uma caçada, um desejo a ser alcançado ou mesmo
a descrição simbólica de um ritual religioso ou pagão), torna-se um meio de
comunicação (visual) que não precisa necessariamente da palavra para ser
entendida como a comunicação verbal.
Considerado primeiramente como ato de vandalismo pela sociedade, o
grafite através de suas participações em campanhas sociais, busca a legalidade e a
legitimidade, através da autorização de suas pinturas em espaços urbanos. Sua
comunicação gera uma nova fonte de criatividade e de manifestação simbólica do
ser humano em busca do bem-estar social. Os membros integrantes e produtores
de grafites (os grafiteiros) possuem signos próprios110, como já citamos
anteriormente, abusando do ambiente externo (a rua) para se expressar,
compreensível aos componentes do seu meio; seu esporte e suas roupas revelam
uma ideologia de vida, arte e conhecimento. Entretanto, o restante da população
sequer reconhece como manifestação estético-cultural, como um meio de
comunicação. Além disso, ainda vinculam-no a marginalidade.
É de causar estranheza, já que os homens sempre se comunicaram num
processo social que sempre existiu na história e não foi inventada pela imprensa, TV
ou internet, segundo relata Vera França. A comunicação é do domínio real, fato
concreto de nosso cotidiano, que nós encontramos nas bancas de revistas e jornais,
na televisão, no rádio, nos outdoors espalhados pelas cidades e ainda nas nossas
conversas do dia-a-dia. Podemos incluir neste grupo do cotidiano atual, o grafite
como manifestação estética e comunicativa, pois transmite um pensamento, uma
mensagem, que pode ser percebida e interpretada de várias maneiras, conforme a
bagagem cultural e social do indivíduo que contempla. Conforme Jorge Pedro Souza
(2004) as atividades ou estratégias organizadas de produção, difusão e recepção de
mensagens, que visam a comunicação mediada com membros da sociedade fazem
parte da história desta comunicação social contemporânea, e em seu conceito
110
A gíria, o hip hop e o grafite.
112
podemos incluir o grafite, pois tem ampla difusão por usar espaços públicos para
sua propagação de ideais de um grupo.
Jorge Pedro Souza (2004) afirma ainda que é difícil definir um conceito
sobre comunicação. A comunicação só possui significado ao homem quando este
compreende os signos, os significados que lhe são transmitidos. Há duas asserções:
1. A comunicação como um processo de troca de mensagens codificadas e 2. A
comunicação atividade social, onde se cria e troca significados de acordo com a
cultura determinante do grupo. Ambas as asserções podem servir como referência
ao grafite, já que podemos ver nestes desenhos a mensagem codificada ao
transeunte, que nem sempre consegue penetrar neste campo, mas que reconhece
de certa forma a beleza ou não, do que esta sendo representado e qual sua
implicação no âmbito social, denunciando um grupo e sua cultura num espaço
delimitado pela via urbana.
A comunicação liga-nos à rede de seres humanos, começando na nossa família imediata e continuando pelos nossos amigos, pela sociedade e pelo mundo inteiro. A forma como nos desenvolvemos como indivíduos, depende muito do grau de sucesso com que construímos essas redes. A comunicação não é apenas uma troca de informações “duras”, mas também a partilha de pensamentos, sentimentos, opiniões e experiências. (JORGE P. SOUZA, 2004, p. 24).
Há neste movimento artístico, vários grupos que interagem ou não entre si,
que são diversos de cidade para cidade e mesmo entre bairros, que buscam um
ideal comum de circulação pela cidade e livre manifestação estética, respeitando
seus espaços. Acabam transformando-se em grandes famílias que constroem uma
identidade coletiva e consequentemente uma gama enorme de simbologias
diferenciadas, com regras e preceitos morais de convivência, que se modificam
conforme as transformações sociais ocorrem.
Para Jorge P. Souza (2004, p. 28) “A comunicação é um processo
precisamente porque se desenvolve num contínuo espaço-temporal em que
coexistem e interagem permanentemente múltiplas variáveis”. Dentre as várias
formas de comunicação humana, o autor aborda a Comunicação Social –
desenvolvida para grupos heterogêneos, comunicação de massas (mass
communication). Está relacionada com o jornalismo, a indústria do entretenimento, a
publicidade e a propaganda e a comunicação de marketing. Quem faz comunicação
113
social tem que vencer vários obstáculos: Necessidade de conhecer a audiência
(para que a mensagem surta o efeito desejado); Necessidade de levar as pessoas a
reparar numa mensagem, a selecioná-la e a consumi-la; Obrigação de confeccionar
mensagens simples; Imperativo de contornar os problemas decorrentes das
dificuldades de obtenção de feedback.
Os obstáculos citados pelo autor são vivenciados no histórico do grafite e
sua trajetória social e urbana, que precisa também ter uma audiência, com
mensagem simples e clara, a fim de que o espectador (transeunte) possa percebê-
la, selecioná-la e consumi-la de acordo com as suas vivências, aspectos que tenham
semelhança com seu cotidiano.
Segundo a grafiteira Lídia B.111, de Porto Alegre, quando questionada sobre
a insistência de se pintar grafites nas paredes da cidade, sabendo ser um efeito
efêmero, a mesma relatou que eram feitos grafites pela experiência de compartilhar
com todo tipo de pessoas, não limitar a arte a um espaço fechado. Utilizar o barulho,
as divergências da cidade como inspiração e parte do trabalho. O fato de ser
efêmero chega a ser uma forma de incentivo para propagar os grafites e pinturas por
toda cidade. Não deixa de ser uma forma de selecionar e consumir arte por quem
cruza estes espaços.
A comunicação social também é um agente de socialização e aculturação;
promove o estatuto social das pessoas; tende a reforçar as normas sociais;
dissemina informações e promove conhecimentos comuns; é um espaço de
entretenimento e libertação da imaginação; possui função interpretativa; contribui
para a transmissão cultural e para a reprodução social e cultural; é veículo de
mensagens persuasivas; reforça atitudes pessoais; favorece a mobilização pública;
coordena atividades separadas; promove negociações entre indivíduos para se co-
orientarem em relação a terceiros, ao mundo e as coisas; contribui para o
desenvolvimento e o crescimento econômico; etc. O grafite como agente de uma
comunicação social também traz sua contribuição através de eventos artísticos com
crianças e jovens de rua ou baixa renda, pintura de espaços urbanos de maneira
individual ou coletiva e até a contratação de grafiteiros para a pintura/ornamentação
de painéis de construções privadas, buscando o embelezamento do meio em que
está inserido. Torna-se então, uma fonte de cultura, de conhecimento e renda para
111
Ver entrevista na p. 97.
114
esta categoria e para a sociedade de um modo geral, que alia arte e comunicação
num mesmo espaço.
Para John Thompson citado no livro de Giovandro M. Ferreira112, a
sociedade moderna tende a funcionar de maneira sistêmica. Na visão contestada, a
sociedade é harmonicamente integrada e seus indivíduos controlados. E segue
assim até os dias de hoje.
“Como pensar, no que pensar, o que não pensar ou sobre o que silenciar”
(FERREIRA, 2001, p. 115). O grafite tem trazido muitos questionamentos sobre a
Arte. Há várias modalidades, por assim dizer: arte urbana, arte popular, artesanato,
cultura de massa, cultura popular, e noutro ponto, inclui-se a arte erudita, a cultura
erudita, revelando este universo que não sabemos se são semelhantes ou
completamente distintos, que nos fazem pensar a sua importância, mas, temos
certeza que modificou o final do século XX, em vários setores: sociais, artísticos,
políticos e educacionais, não nos permitindo silenciar a este respeito.
Pensarmos o grafite nos museus e instituições culturais113 nos faz refletir e
questionar seu papel neste meio. Questões estas também são abordadas por
Canclini (2006):
o museu é a sede cerimonial do patrimônio, o lugar em que é guardado e celebrado, onde se reproduz o regime semiótico com que os grupos hegemônicos o organizaram. Entrar em um museu não é simplesmente adentrar um edifício e olhar obras, mas também penetrar em um sistema ritualizado de ação social.
Neste contexto, ao situar o museu como meio de divulgação da cultura
erudita, surge um movimento para atrair o público leigo a vislumbrar esta arte. São
então levadas as obras de arte (ou suas reproduções) aos espaços alternativos
(praças, ruas e escolas) para apreciação. Esta movimentação que o museu faz é
descrito no livro A Imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e Novos Tempos de Ana
Mae Barbosa (2002), mostrando o que ocorre no Brasil. Segundo a autora, em 1960
o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro realizou cursos de arte para crianças e
112
Ver mais subsídios impressos em fonte: FERREIRA, Giovandro M. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. IN: HOHLFELDT, A.; FRANÇA, V. V.; MARTINO, L. C. Teorias da comunicação - Conceitos, Escolas e Tendências. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 113
Ver mais subsídios nos decretos-lei 25-37 e nº 3551.200, estatutos e as leis nº 4845.65 e nº 11.904, as ordens, para a realização das exposições de arte, disponível em http://www.iphan.gov.br acessado em 17.10.2009.
115
adultos, além do programa educacional “Domingos de Criação”, onde eram
realizadas atividades no parque do museu envolvendo a população ocasional. Com
a abertura política iniciada no final dos anos de 1970, o Brasil sai do período
ditatorial, de censura e exílio de vários intelectuais e artistas. Surge nos anos 80 a
necessidade de uma reconstituição cultural.
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo também
procurou aproximar da arte as classes populares a partir de 1987. A preocupação
maior era inter-relacionar curadoria, pesquisa e arte-educação estabelecendo-se a
medida certa para cada evento, a partir da premissa de que tanto o curador quanto o
arte-educador tinham a responsabilidade de facilitar a comunicação e a apreciação
do público. Esta complementaridade resultou na bem-sucedida exposição “As
Bienais no Acervo do MAC114”, atingindo um público de cerca de cinco mil pessoas
dentre grupos de religiosos, estudantes universitários, crianças, adolescentes,
professores de arte, etc.
Outro projeto do MAC para a população que não tinha acesso à arte foi
concretizado com os arte-educadores do museu que organizaram uma exposição
com reproduções de obras do seu acervo, somente de artistas brasileiros, em
escolas de periferia, deixando-as no saguão por um mês. Após, escolhida uma
turma de alunos, uma das arte-educadoras do museu dava aula sobre as obras,
estimulando outras leituras e comparações entre obras e promovendo a visita da
turma ao museu, onde os originais foram vistos. No seu retorno à escola para
recolher as reproduções, realizava uma comparação das apreciações antes e depois
da visita.
Uma equipe de artistas tendo como integrantes Cildo Oliveira, Lucia Py e
Lucia Porto, fizeram trabalhos escultóricos no jardim do MAC, na cidade
universitária, que representavam uma leitura dos elementos arquitetônicos que
cercavam o museu. Identificando “o de dentro” com “o de fora”, facilitavam a entrada
aumentando o número de visitantes. As esculturas foram quase todas levadas pelo
público, o que foi previsto pelos próprios artistas.
A este grupo se juntou, em 1988, Newman Schutze para organizar a
exposição “Via Duto: Via MAC”. Prepararam uma exposição de objetos, formando
painéis nas paredes. Destes objetos, uma parte foi apresentada pela metade e a
114
Realizado entre outubro de 1987 a abril de 1988.
116
outra metade foi levada para o Viaduto do Chá, onde os artistas expuseram nas
calçadas e ofereceram ao público que quisesse ir buscar, à noite, na abertura da
exposição do museu, a sua outra metade. O museu teve visitantes incomuns: office-
boys, empregadas domésticas, faxineiros, bancários, comerciários e outros, sendo
que alguns continuaram indo ao museu aos domingos. A este trabalho de formação
e sedução de público se acrescentou o trabalho de aprofundamento do público nas
artes através das “Apreciações Comentadas” que eram realizadas no MAC aos
sábados e domingos. Outro fato ocorrido no Brasil, na década de 1990, que
realmente contribuiu para que as imagens se incorporassem de maneira mais ampla
nas propostas contemporâneas para o ensino de arte, foi a divulgação nos meios
acadêmicos de diversos estudos e pesquisas que comprovam a importância deste
recurso pedagógico para o ensino da arte115. Em contrapartida, Arthur C. Danto nos
dá uma visão americana deste deslocamento (2006, p. 202):
[...] sempre houve um certo tipo de arte pública nos Estados Unidos, qual seja, a construção de monumentos comemorativos. [...] Essa estratégia era sutilmente arquitetônica, na medida em que criava um museu sem paredes e colonizava espaços em nome do museu, ostensivamente em benefício do público. O próprio público não tinha voz na escolha da arte, e isso foi determinado pelo que chamo de curadoria.
Apercebemo-nos assim, que com o grafite ocorre o inverso, onde a cultura
popular, não admirada e nem admitida como arte pela população culta, esta se
fazendo notar ao adentrar museus e instituições públicas e/ou privadas, tendo uma
nova conotação de arte urbana, tornando-se um desdobramento dos diversos
movimentos artísticos da pós-modernidade.
[...] a cultura moderna se construiu negando as tradições e os territórios. Seu impulso ainda vigora nos museus que procuram novos públicos, nas experiências itinerantes, nos artistas que usam espaços urbanos isentos de conotações culturais, que produzem fora de seus países e descontextualizam objetos. A arte moderna continua praticando essas
115
Em termos normativos foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – (Lei Federal nº 9.394), em 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu no seu artigo 26, parágrafo 2 que “o ensino de Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educação básica [...].” E em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – Artes, lançados pelo Ministério da Educação e Cultura, surgiu com o propósito de planificar as ações dos professores de artes e destacar que a disciplina de arte não é mais para ser vista “como um mero lazer, uma distração entre as atividades „sérias‟ das demais disciplinas”. Impresso em fonte: DUARTE JUNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. São Paulo: Cortez, 1981, p. 131 e disponível em http://ensinandoartesvisuais.blogspot.com/2008/12/imagem-no-ensino-de-arte-contemporneo.html acessado em 30.11.2011.
117
operações sem a pretensão de oferecer algo radicalmente inovador, incorporando o passado, mas de um modo não convencional. Com isso, renova a capacidade do campo artístico de representar a última diferença “legítima”. (CANCLINI, 2006, p. 49).
Os museus e as instituições culturais tornam-se assim, um meio significativo
de comunicar as mudanças que vem ocorrendo no conceito de cultura, rompendo
com paradigmas do início do século XXI, pelas classes dominantes e projetando um
futuro mais democrático para que possa abranger todas as classes sociais,
modificando-se a ideia inicial que nos expõe Danto (2006,p. 161) “[...] os museus
vieram a ser estigmatizados como repositórios de objetos opressivos que tinham
pouco a dizer aos próprios oprimidos”.
Buscamos aprofundar nossos conhecimentos acerca das instituições
culturais e dos museus, para melhor compreendermos sua trajetória de repositório
de obras para um público erudito à instituição sócio-educativa e cultural que busca
integrar os diversos segmentos da sociedade com a arte, através do relato de Danto
(2006, p. 162):
[...], não é uma instituição muito antiga, e na abertura do Musée Napoleon – posteriormente Louvre -, sua agenda era política em todos os aspectos. [...] O Atles Museum Museu Antigo de Karl Friedrich Schinkel, em Berlim, foi projetado em parte para receber de volta as obras roubadas por Napoleão, e portanto para proclamar o poder prussiano e a derrota francesa, e para proporcionar um sentimento de identidade nacional aos alemães. A maior parte dos grandes museus do século XIX na Europa tinha missões paralelas, e penso que é razoável dizer que, hoje, o impulso de nações recém-independentes para construir museus e pressionar pelo retorno da “propriedade cultural” tem motivos similares.
O museu na atualidade disponibiliza vários tipos de experiências sócio-
educativas e estético-culturais, dispensando, em parte, os conhecimentos em
história da arte ou sua apreciação, pois estas experiências também acontecem fora
dos museus. Em um ensaio na Art Forum de 1992, escreveu Danto (2006, p. 205) o
seguinte: “O que vemos hoje é uma arte em busca de um contato mais imediato com
as pessoas do que aquele possibilitado por um museu... e este, por sua vez, luta
para acomodar as imensas pressões que lhe são impostas no âmbito da arte e fora
dele”. Para Osório (2005):
nos museus a atividade curatorial explora novas relações de sentidos para as obras; redefine seu papel, absorvendo a arte contemporânea. Além de sua legitimação histórica, assume uma função mais política e pedagógica,
118
criando formas de aproximação entre a arte e o público; veicula esse confronto com uma atualidade heterogênea e múltipla; a crítica hoje começa se perceber criativamente, produzindo uma escrita com as obras, refletindo junto com a gênese da obra.
Reafirmamos, portanto que as instituições culturais e os museus na
contemporaneidade são vistos como espaços de experimentação e educação.
Assumem um papel significativo na sociedade, integrando diversas modalidades de
arte, diversificando seu repertório cultural e atraindo deste modo um público
heterogêneo. O grafite neste sentido contribui cada vez mais para esta mudança,
pois através de exposições como as mostras TRANSFER/RS e TRANSFER/SP
justificam pelo número de público alcançado e de artistas que contribuíram para que
estas fossem realizadas.
119
CONCLUSÃO
Diante de todas as questões abordadas sobre cultura, grafite, pichação, arte
urbana e arte popular, além dos artistas nestas proposições inseridos,
compreendemos que a cultura não é individual, envolve a experiência coletiva,
aspectos de um modo de vida específico, em seus diversos valores estéticos e
sociais e que são compartilhados e transmitidos para a sociedade no decorrer dos
tempos. Com isso, a postura desta sociedade em relação a arte está sofrendo
constantes transformações com a finalidade de ampliar e se adaptar as novas
atitudes do mundo contemporâneo.
O modo como a produção urbana – o grafite - esta sendo encarado por essa
sociedade contemporânea, com uma resistência mais amena, desfaz tensões
(preconceito sobre a origem desta arte) e expande a maneira como se relacionam
estas produções aos conhecimentos da história da arte e da arte erudita de forma
que suas influências não limitem a espontaneidade do ato de grafitar.
A banalização de que tudo pode ser arte, a atenção conferida aos objetos
comuns e à vida cotidiana e o consumismo excessivo ocorrido através do
movimento da pop art e de seus artistas no século passado, traz novas observações
e perspectivas sobre a arte em relação à atualidade, onde os grafiteiros fazendo
conexão a este movimento expõem sua criatividade, suas frustrações, seus anseios,
seus pensamentos e suas denúncias nas paredes da cidade, sendo este o estilo
comum de se relacionar com a coletividade e sua obra, na pretensão que esta faça
alguma distinção aos espectadores.
Também encontraremos o grafite inserido nos museus, galerias e
instituições culturais, sendo motivador de desconforto entre os grafiteiros de rua que,
deste modo, desconsideram o grafiteiro e o próprio grafite em ambiente fechado e
particular, como tal. Neste caso o grafite ganha outro sentido fora das ruas, atingindo
outra modalidade de público, sendo este mais seletivo, erudito, e, portanto, abrindo
campo de conquistas num círculo nunca antes supostamente pensado, dividindo
espaço com importantes nomes da arte contemporânea e sendo objeto de estudo e
caso de sucesso no segmento artístico, nos mesmos moldes convencionais da
academia.
120
Neste aspecto, a postura dos museus é muito importante e este foi em
busca de uma maior aproximação em relação ao público, através de uma arte mais
voltada as “coisas mundanas”, aos conflitos existenciais da humanidade e a cultura
urbana – o grafite, que conquista aos poucos nova abertura de parâmetros artísticos,
sociais, culturais e educacionais ao rever uma arte que se expressa fora de suas
limitações físicas, acontecer diariamente na rua, na praça, na cidade e encarar o
desafio de adentrar tais espaços. Lembramos também o movimento da Land Art,
cujas obras são produzidas em espaços urbanos, com materiais alternativos e em
grandes dimensões, impossível de ser colocada no ambiente das instituições
culturais e, na verdade, uma forma de registrar a negação do poder e hierarquia dos
museus e das instituições culturais, trabalhando inversamente ao grafite, que
conquista o espaço destas instituições. Assim, o grafite, os espaços urbanos, os
museus e as instituições culturais tornam-se um meio significativo de comunicar a
sociedade as mudanças que vem ocorrendo no conceito de cultura, rompendo com
paradigmas do início do século XXI, pelas classes dominantes, visando o coletivo
como meio de divulgação desta arte.
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