DISPUTAS EM TORNO DA RITALINA: entre a obediência ... · assunto. É bastante comum a crítica...

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1 DISPUTAS EM TORNO DA RITALINA: entre a obediência farmacológica e a inteligência drogada 1 Igor Fidelis Maia (PPGCS/UFRN) Palavras-chave: Medicalização. Psicofármacos. Ritalina. INTRODUÇÃO Esse artigo tem como objetivo produzir uma análise sobre a construção histórica do metilfenidato, substância mais conhecida pelo nome comercial de Ritalina, pensando em como a trajetória desse medicamento pode auxiliar a compreensão da conjuntura atual de medicalização. Resgatar esses acontecimentos tem como propósito elucidar o debate sobre a possibilidade desse fármaco produzir obediência a normas sociais. Será feita uma breve reconstituição histórica do seu surgimento e das controvérsias que surgiram desde esse período, descrevendo a participação do saber médico, do Estado, da mídia e também dos críticos desse medicamento. Para, dessa forma, contribuir com a discussão sobre o seu potencial normalizador, questionando a alcunha atribuída à Ritalina de droga da obediência. Esse psicofármaco 2 de efeito estimulante é um dos mais consumidos no mundo, e também um dos que reúne o maior número de críticas e controvérsias. Denominado popularmente como a “pílula da obediência”, está associado diretamente à medicalização de crianças em ambiente escolar e já foi acusado de produzir um genocídio do futuro 3 . É atualmente indicado para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas possui outras utilizações não oficiais, como para maximizar a concentração em atividades de estudo. Esse texto é parte integrante de uma pesquisa mais ampla, que tem como tema as alterações comportamentais e cognitivas de usuários adultos de metilfenidato, focando em seus usos médicos e não médicos. Nesse meu trabalho de mestrado procuro realizar uma comparação entre o discurso largamente difundido de que esse fármaco produz 1 “Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.” 2 Psicofármacos são considerados aqui enquanto medicamentos que atuam no funcionamento do cérebro e estão associados ao tratamento de doenças mentais. 3 Sobre esse assunto consultar a matéria no portal da Unicamp “A ritalina e os riscos de um 'genocídio do futuro'” Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/08/05/ritalina-e-os-riscos-de-um-genocidio-do- futuro. Acesso em 01 de maio de 2016.

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DISPUTAS EM TORNO DA RITALINA: entre a obediência farmacológica e a

inteligência drogada1

Igor Fidelis Maia (PPGCS/UFRN)

Palavras-chave: Medicalização. Psicofármacos. Ritalina.

INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo produzir uma análise sobre a construção histórica

do metilfenidato, substância mais conhecida pelo nome comercial de Ritalina, pensando

em como a trajetória desse medicamento pode auxiliar a compreensão da conjuntura

atual de medicalização. Resgatar esses acontecimentos tem como propósito elucidar o

debate sobre a possibilidade desse fármaco produzir obediência a normas sociais. Será

feita uma breve reconstituição histórica do seu surgimento e das controvérsias que

surgiram desde esse período, descrevendo a participação do saber médico, do Estado, da

mídia e também dos críticos desse medicamento. Para, dessa forma, contribuir com a

discussão sobre o seu potencial normalizador, questionando a alcunha atribuída à

Ritalina de droga da obediência.

Esse psicofármaco2 de efeito estimulante é um dos mais consumidos no mundo,

e também um dos que reúne o maior número de críticas e controvérsias. Denominado

popularmente como a “pílula da obediência”, está associado diretamente à

medicalização de crianças em ambiente escolar e já foi acusado de produzir um

genocídio do futuro3. É atualmente indicado para o Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade (TDAH), mas possui outras utilizações não oficiais, como para

maximizar a concentração em atividades de estudo.

Esse texto é parte integrante de uma pesquisa mais ampla, que tem como tema as

alterações comportamentais e cognitivas de usuários adultos de metilfenidato, focando

em seus usos médicos e não médicos. Nesse meu trabalho de mestrado procuro realizar

uma comparação entre o discurso largamente difundido de que esse fármaco produz

1 “Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2016, João Pessoa/PB.” 2 Psicofármacos são considerados aqui enquanto medicamentos que atuam no funcionamento do cérebro e

estão associados ao tratamento de doenças mentais. 3 Sobre esse assunto consultar a matéria no portal da Unicamp “A ritalina e os riscos de um 'genocídio do

futuro'”

Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/08/05/ritalina-e-os-riscos-de-um-genocidio-do-

futuro. Acesso em 01 de maio de 2016.

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obediência a normas sociais, e o relato dos usuários que estou tendo contato ao longo da

pesquisa. Tenho investigado se é possível afirmar que o metilfenidato produz

normalização a partir da fala de seus consumidores. Porém, não irei tratar aqui dos

discursos desses usuários de Ritalina, mas sim das polêmicas que acompanharam o

metilfenidato desde o princípio de sua utilização. Tomar conhecimento dessa trajetória e

das discussões que a acompanharam, pode facilitar a compreensão do alto índice de

consumo do metilfenidato e do atual cenário de disputa em torno desse medicamento.

Ao mesmo tempo, historicizar essas relações enriquece o debate sobre o potencial

disciplinar dos psicofármacos, e propicia melhor compreensão dos processos de

medicalização da vida na contemporaneidade.

CONTEXTUALIZANDO

Segundo a bula da Ritalina, a principal indicação desse medicamento é para o

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Sabe-se que o TDAH é

considerado pela psiquiatria como um transtorno neurobiológico fortemente

influenciado por fatores genéticos. É caracterizado por um padrão persistente de

desatenção, hiperatividade e impulsividade, que acontece há um longo tempo, e que

estão presentes em dois ambientes ou mais (casa, escola e trabalho, por exemplo).

Apesar de ter sido considerado historicamente uma desordem da infância, grande

quantidade de estudos sobre TDAH também têm sido focados na população adulta.

Atualmente se tem a compreensão de que os sintomas sentidos nos primeiros anos

persistem para o resto da vida (CLEAVE, 2008).

O metilfenidato é utilizado como um psicoestimulante para elevar o nível de

alerta do sistema nervoso central, produzindo uma maior concentração, coordenação

motora e controle dos impulsos. É uma substância controlada, possui semelhanças

estruturais com as anfetaminas e só pode ser vendida com retenção de receita. Segundo

seus defensores, é o tratamento para TDAH mais amplamente pesquisado, clinicamente

efetivo e mais comumente prescrito (NIH, 1998). Para ter acesso a essa droga é

necessário passar pela avaliação de um médico especializado em psiquiatria ou

neurologia, atender às expectativas do diagnóstico e dessa forma ter acesso às receitas.

Há uma intensa produção discursiva que aponta o TDAH como um exemplo

pertinente de como a psiquiatria e os psicofármacos podem ser utilizados de forma

problemática. Emanando de diversas fontes, como livros, matérias em jornais e revistas,

3

vídeos ou artigos científicos, críticas bastante severas tem sido produzidas em torno do

assunto. É bastante comum a crítica ácida e a afirmação de que está ocorrendo uma

patologização indevida de comportamentos que são característicos de crianças, e que

estão sendo transformados em uma condição médica passível de ser tratada. Para que as

crianças se tornem mais obedientes, principalmente no contexto escolar, os médicos

estão prescrevendo drogas que induzem um comportamento bem ajustado para esse

ambiente. Por desconsiderarem fatores pedagógicos que influenciam no rendimento

escolar e interesse dos estudantes, pais e professores estão pressionando psiquiatras para

medicar esses jovens que poderiam se adaptar à escola através de outras formas.

Além disso, dados que demonstram um enorme crescimento na quantidade de

pessoas diagnosticadas e nas vendas desse medicamento, conduziu muitos à

interpretação de que o déficit de atenção é uma condição inventada para produzir lucros

para a indústria farmacêutica. Nas discussões que ocorrem sobre o metilfenidato são

frequentes referências a estatísticas que fundamentam a existência da epidemia de

TDAH e de uso dessa droga. É raro encontrar notícias, artigos científicos ou relatórios

que não fazem uso desse artifício, pois o crescimento gigantesco nos diagnósticos e

vendas de Ritalina é expresso em dados que impressionam muito. Ao contrário dos

períodos anteriores, que não dispunham de dados confiáveis em âmbitos nacionais

(DILLER, 1998), a partir dos anos noventa e principalmente na virada do século esses

dados alarmantes vieram à tona.

Segundo o relatório internacional de uso de narcóticos da ONU (2008, APUD

ITABORAHY, 2009), a produção mundial de metilfenidato passou de 2,8 toneladas, em

1990, para 19,1 toneladas em 1999, o que representa um aumento de mais de 580%4. Já

em 2004, chegou a 33,4 toneladas; em 2005, a 28,8 toneladas, e quase 38 toneladas

produzidas em 2006. Este crescimento da produção mundial, de 1990 a 2006, consiste

em um aumento de mais de 1.200% (ITABORAHY, 2009). Até esse período, 82,2% de

toda essa quantidade eram consumidas nos EUA. Nesse país, a produção cresceu 700 %

entre 1990 e 1998, e quase cinco milhões de pessoas – a maioria crianças – usavam o

fármaco (Diller, 1998).

No Brasil, a produção do metilfenidato passou de 40 kg em 2002 para 226 kg em

2006, ou seja, entre esses anos, a produção brasileira cresceu 465% (ITABORAHY,

4

2009). O número de caixas vendidas teve um aumento de 1.000 caixas em 2000 para

2.000.000 de caixas em 2010. Esse nível de compra fez do Brasil o segundo maior

consumidor desse medicamento no mundo, ficando atrás apenas dos EUA (Conselho

Federal de Psicologia, 2011). Segundo um relatório da ANVISA (2012, p.10), “No ano

de 2011, o gasto direto total estimado das famílias brasileiras com a aquisição de

metilfenidato foi de aproximadamente R$ 28,5 milhões [...]”.

Esses números expressam o cenário que a partir do final dos anos noventa se

estabeleceu no Brasil e no mundo em torno da Ritalina. Se foi difícil constatar a

epidemia de TDAH no começo dos anos noventa, na atualidade essas questões se

tornaram mais claras. Porém, há ainda pesquisadores que defendem a legitimidade dessa

quantidade de diagnósticos e vendas. De acordo com a versão oficial da psiquiatria, o

TDAH é subdiagnosticado no Brasil e vários portadores do transtorno continuam sem

passar pelo tratamento. As preocupações pelo excesso de uso de estimulantes carecem

de base científica, sendo necessárias mais campanhas educativas para identificar aos

indivíduos com TDAH não tratados no Brasil (MATTOS, ROHDE & POLANCZYK,

2012). Essa tese é adotada pelas associações de TDAH5 e se encontra frequentemente

nas notícias sobre o assunto. Portanto, mesmo com o crescimento das vendas, é possível

constatar que existe atualmente um extenso cenário de disputa em torno da legitimidade

do transtorno de déficit de atenção e de seu tratamento com Ritalina.

O metilfenidato é uma substância que ao longo de sua história sofreu defesas e

críticas muito fortes. Ao mesmo tempo em que há uma grande suspeita ou oposição em

torno de seu uso, o discurso da medicina aliado à indústria farmacêutica parece ter

construído um regime de verdade em seu entorno que o legitimou e protegeu de

qualquer limitação significativa. O Estado, seja norte-americano ou em outros países,

frequentemente se subordinou aos imperativos da medicina e contribuiu para a

hegemonia de um paradigma “médico-legal”. Isso pode ser pensado como resultado do

crescimento de uma forte medicalização em nossa sociedade, em que progressivamente

5 Existem associações que buscam disseminar informações sobre o TDAH dentro de uma perspectiva

biológica. Para essas organizações é de suma importância esclarecer a sociedade da existência física desse

transtorno e, para demonstrar esse fato, com frequência é mencionado o reconhecimento oficial da doença

pela OMS e por importantes médicos em todo o mundo. No Brasil, a ABDA é um exemplo desse tipo de

associação, mas também existem quase cem grupos semelhantes localizados em todos os continentes e a

ADHD World Federation, que é uma instituição internacional que reúne todo esse conjunto. Todos esses

grupos divulgam em seus endereços virtuais definições didáticas do TDAH, bem como o quadro de

sintomas e as opções de tratamento.

5

a medicina passa a assumir um papel de regulação social que antes era exercido pela

igreja ou pela lei (AGUIAR, 2004).

6

HISTÓRIA DA RITALINA

Embora as discussões e polêmicas em torno da Ritalina tenham se intensificado

a partir dos anos noventa, e tomado consistência da virada do milênio até a atualidade,

esse medicamento possui uma trajetória que remonta ao final da primeira metade do

século vinte. Para ter uma noção mais precisa de como esse cenário marcado pelo

excesso de diagnósticos e prescrições se constituiu, pode ser elucidativo investigar as

condições de possibilidade históricas que precedem o momento atual. Tal procedimento

metodológico pode ser adequado para uma contraposição aos discursos do saber médico

sobre esse psicofármaco, como, por exemplo, o de que a sua utilização foi desde sempre

para o tratamento de TDAH6.

Uma referência importante para nos aproximarmos da trajetória do

metilfenidato, é o texto Not Just Naughty: 50 Years of Stimulant Drug Advertising de

Ilina Singh, pesquisadora dos aspectos sociais e éticos da neurociência e psiquiatria.

Nesse artigo percebemos que algumas rotas para descrever de onde uma droga

psiquiátrica veio, segundo Singh (2007), podem ser traçadas a partir do

acompanhamento da sua criação num nível molecular em laboratórios, da emergência

da substância no território da clínica ou, até mesmo, nos seus anúncios e propagandas

direcionadas para médicos e o público em geral7. Nesse capítulo tentarei delinear alguns

aspectos da história da Ritalina tendo com base esses três âmbitos mencionados pela

autora. Singh posiciona os anúncios como uma parte importante desse processo, tendo

em vista que há uma escassez de informações sendo divulgadas pela Novartis8 acerca de

sua história.

6 Essa afirmação pode ser encontrada no artigo sobre o Metilfenidato da Wikipédia em inglês. De acordo

com o texto: “Foi autorizado pela primeira vez pela FDA em 1955 para o tratamento do que era então

conhecido como hiperatividade”. Em tradução livre. “It was first licensed by the U.S. Food and Drug

Administration (FDA) in 1955 for treating what was then known as hyperactivity”.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Methylphenidate#cite_note-131. 7 No Brasil e na maior parte do mundo a propaganda de medicamentos controlados é proibida para o

público em geral, sendo restrita apenas aos profissionais de saúde que podem receita-los. Porém a

publicidade desses medicamentos é permitida nos Estados Unidos e na Nova Zelândia. 8“Novartis foi criada em 1996 a partir da fusão da Ciba-Geigy e Sandoz Laboratories, ambas empresas

suíças com longas histórias. Ciba-Geiby foi formada em 1970 a partir da fusão de J.R. Geigy LTD

(fundada na Basiléia em 1758) e CIBA (Fundada na Basiléia em 1859). Combinando a história dos dois

sócios fundidos, a história completa da empresa alcança 250 anos”. Em tradução livre. “Novartis was

created in 1996 from the merger of Ciba-Geigy and Sandoz Laboratories, both Swiss companies with

long histories. Ciba-Geigy was formed in 1970 by the merger of J. R. Geigy Ltd (founded in Basel in

1758) and CIBA (founded in Basel in 1859). Combining the histories of the merger partners, the

company's effective history spans 250 years”.

7

O metilfenidato foi sintetizado pela primeira vez em 1944 na Suíça pelo químico

da antiga empresa CIBA (atualmente, Novartis S/A) Leandro Panizzon. Esse

acontecimento é precedido por um conjunto de trabalhos de outro cientista dessa mesma

companhia, Max Hartmann, que desde o começo do Século XX manipulava compostos

químicos derivados da piperidina. Ele descobriu a possibilidade de alguns desses

compostos serem usados enquanto tratamentos para doenças como a diátese do ácido

diurético, e, em 1924, o estudo dessas substâncias também resultou na síntese de

nikethamide, um estimulante que altera o ciclo respiratório e que posteriormente foi

deixado de lado por ser considerado perigoso. O metilfenidato, que também é um

derivado da piperidina, apareceu posteriormente a esse conjunto de pesquisas. E foi

somente em 1950 que, ao lado de Max Hartmann, Panizzon aprimorou a síntese dessa

substância e conseguiu uma patente dos EUA para começar os testes em humanos e a

preparação do medicamento. Como acontece com muitos psicotrópicos, as suas

invenções não resultam de um estudo para a cura de uma doença específica, já que

geralmente em sua descoberta molecular os usos mantêm-se em aberto (DUPANLOUT,

2009).

O nome de Ritalina foi criado nesse período e fazia referência a um apelido da

esposa do Dr. Panizzon, que utilizava a substância como um estimulante antes de suas

partidas de tênis. Quatro anos depois, o medicamento é aprovado para uso enquanto

agente para tratamento de desordens psicológicas sob esse nome fantasia de Ritalina, e

passa a ser comercializado na Suíça e Alemanha. Em 1956, ocorre a aprovação da Food

and Drug Administration (FDA) e o medicamento chega aos Estados Unidos, fazendo

grande sucesso.

Nesse período, a Ritalina era indicada para diversas condições e considerada útil

para a maioria dos diagnósticos psiquiátricos (SINGH, 2007, p.134). Seu uso era

prescrito para sintomas como depressão, cansaço e letargia, principalmente em

pacientes de meia idade e idosos. Desde o início da comercialização nos EUA até os

anos setenta, é frequente nos anúncios do medicamento a sugestão de uso para pessoas

com fadiga crônica, pacientes com depressão, auxílio para a verbalização na

psicoterapia e até mesmo sujeitos esquizofrênicos. Não há nesse conjunto de

propagandas nenhuma criança sendo retratada, apenas adultos que aparentam estar da

meia-idade à velhice, com um ar de cansaço ou tristeza, podendo apresentar em outro

quadro do anúncio sorrisos largos e aparência de satisfação. Slogans frequentes nesse

8

contexto são Ritalin Sparks Energy ou Helps Brighten the Day9, e várias vezes há um

texto que promete o alívio da fadiga crônica e aprimoramento do espírito e da

performance.

É nesse contexto que a CIBA anuncia a entrada do Ritonic no mercado. Esse

tônico consistia num coquetel de metilfenidato, hormônios e vitaminas. Seu uso estava

relacionado à melhora do humor, aumento da vitalidade e da condição nutricional de

seus usuários, que eram os pacientes geriátricos, de meia idade e que haviam passado

pela menopausa (MENHARD, p.35). No anúncio sobre o Ritonic foram referenciados

estudos que conduziram testes em asilos de idosos, e que verificaram os seus riscos e

benefícios (BARE, W. 1960; BACHRACH, S. 1957; NATENSHON, A. L. 1958). Os

resultados desses três estudos são bastante otimistas e relatam que a grande parte dos

participantes melhorou nitidamente seus sentimentos de bem estar e vitalidade,

deixando de apresentar sintomas de fraqueza, lassitude ou cansaço. No estudo de

Wesley W. Bare há ainda um agradecimento à Ciba Pharmaceutical Products pelas

doses usadas na pesquisa. Porém, mesmo com essas publicações, o Ritonic foi retirado

do mercado pela FDA com a justificativa de que não havia provas substanciais de que o

tônico fosse tão efetivo como alegavam.

Anúncio de 1959 da CIBA.

9 “Ritalina faísca energia” e “Ajuda a iluminar o dia”, em tradução livre.

9

Outro uso veiculado na época se trata de uma injeção de metilfenidato indicada

para induzir pacientes de psicoterapia à fala. A chamada Parenteral Ritalin teria como

propósito ajudar os seus consumidores a verbalizar e torná-los mais cooperativos num

curto espaço de tempo, que poderia ser tão pequeno quanto cinco minutos, segundo o

seu anúncio. Essa utilização parece estar relacionada a um período em que a psicanálise

ainda ocupava uma posição privilegiada na psiquiatria, e que as terapias com drogas

deveriam disputar o lugar com as já tradicionais. É curioso como nesse período de

transição na psiquiatria, onde a psicanálise perdeu sua hegemonia para uma vertente

biológica (RUSSO & VENANCIO, 2006), esses dois paradigmas, que hoje entendemos

como nitidamente opostos, imiscuíam-se em algumas situações. Em um anúncio de

1959 há a declaração de que a Ritalina injetável promove a verbalização do material

reprimido e subconsciente10. Outro cartaz de 1956 utiliza um linguajar psicanalítico,

prometendo a sua eficácia no tratamento de depressão leve à moderada em neuróticos e

psicóticos11.

Sobre outros usos da Ritalina parenteral, há outra propaganda, também de 1959,

que a indica para o pós-operatório de cirurgias que envolviam barbitúricos como

anestésicos, diminuindo o efeito desses sedativos e facilitando a recuperação12. As

injeções de Ritalina foram retiradas do mercado em 1988, possivelmente devido ao

potencial de abuso que uma dosagem tão forte pode provocar. De acordo com Ilina

Singh:

One can only imagine what a shot of amphetamine would do to a patient in

the doctor´s office; this form of Ritalin appears to have been taken off the

market very quickly, for reasons about which we can only speculate. For one,

abuse potential would be high. By doctors or patients or both?

(SINGH, 2007, p.136) Em tradução livre13.

10 A Ritalina Parenteral o torna mais acessível à psicoterapia por promover a verbalização do material

subconsciente reprimido. Tradução livre: “Parenteral Ritalin renders him more accessible to

psychotherapy by promoting verbalization of repressed and subconscious material”. 11 Ritalina é um estimulante cortical suave e mais seguro, que é particularmente útil para o tratamento de

depressões suaves e moderadas em pacientes neuróticos e psicóticos. Tradução livre: “Ritalin is a mild,

safer cortical stimulant which is particularly ‘efficacious in the treatment of mild to moderate depressions

in neurotic and psychotic pacients’” 12 Administrada imediatamente após a cirurgia, Ritalina parenteral rapidamente desperta os pacientes

anestesiados, diminuindo os efeitos de barbitúricos, complicações pós-operatórias e minimizando a

necessidade de extender o uso de internação. Tradução livre: “Administered immediately after surgery,

parenteral Ritalin quickly arouses your anesthetized patients decreasing barbiturate effects and

postoperative complications and minimizing the need for extended recovery-room care”. 13 Só podemos imaginar o que uma injeção de anfetamina faria em um paciente num consultório médico;

essa forma de Ritalina parece ter sido retirada do mercado muito rapidamente, por razões que só podemos

especular. Por um lado, o potencial de abuso seria alto. Por médicos, pacientes ou ambos?

10

Porém, não havia uma associação com risco ou abuso em torno da droga, mas,

pelo contrário, havia uma insistente produção discursiva que retratava a Ritalina como

um medicamento inofensivo, que não poderia causar nenhum problema (WEBER,

2000). Em manuais de química dos anos sessenta ela era agrupada na classe dos tônicos,

ao lado da cafeína, geleia real e do extrato de malte (DUPANLOUT, 2009). E em outra

publicação dos anos cinquenta há a afirmação de que “A Ritalina age com mais doçura

e por mais tempo que a cafeína e as anfetaminas, e não leva ao costume”. Já havia nessa

época o emprego relacionado a emagrecimento, melhoria da performance atlética e

como automedicação para melhorar o desempenho intelectual (ITAPORAHY, 2009,

p.62). Existiam também propagandas que afirmavam a possibilidade de utilização por

pessoas saudáveis:

“(...) segundo a recomendação da época [anos 50], os sujeitos saudáveis

também podiam aproveitar da Ritalina: ‘quando você quiser estar em plena

forma no dia seguinte de ter passado uma noite acordado, refletindo’.”

(Weber, 2000) APUD ITAPORAHY.

Havia claramente uma ligação entre o uso da substância e o aprimoramento do

estilo de vida ou aparência em seus usuários (SINGH, 2007). Por mais que

posteriormente haja a construção do estreitamento entre o metilfenidato e doenças

objetivas com fundamentação científica, nesse primeiro momento as indicações são

bastantes vagas e imprecisas. Ao invés da descrição de efeitos precisos como “[...]

melhora a atenção e a concentração, além de reduzir comportamento impulsivo [...]”

(Bula da Ritalina), vemos com frequência frases como “aprimoramento do

comportamento e da maneabilidade14”.

14 “[...] improvement in behaviour and manegeability”.

11

Nesse anúncio de 1957 vemos a indicação para o aprimoramento (improve) dos espíritos e

performance. Mais abaixo há a indicação para os apáticos (apathetic) e mal-humorados (moody).

O uso de tal psicofármaco sem ligação direta com um transtorno psiquiátrico,

não se deu pela subversão das orientações do dispositivo médico, mas eram

determinadas por este. É possível observar essas questões claramente nas suas

promessas de energizante para o espírito (boosts the spirit), alívio para a fadiga física

(relieves physical fatigue), estimulante para idosos apáticos ou mal-humorados, ou até

mesmo numa das primeiras utilizações de sua história: a ação tonificante do

comprimido para as partidas de tênis de Margarite, esposa do primeiro cientista a

sintetizar o metilfenidato.

Portanto, essa droga que hoje em dia é classificada ao lado da cocaína pela

Drug Enforcement Administration (DEA), e que portá-la sem prescrição médica em

países como o Reino Unido pode levar a uma prisão de cinco anos ou mais, já foi

consumida sem muito controle e sem nenhuma associação com o TDAH. A mesma

forma de consumo que era sugerida nas propagandas da Novartis nos anos cinquenta,

hoje em dia é condenada e implica em punição jurídica dos usuários. De acordo com

12

Dupanlout (2009, p.122), é “o decreto médico [que] traça a fronteira entre um

melhoramento químico de si legítimo e ilegítimo15”.

A construção da aliança entre a Ritalina e o TDAH enquanto um fato científico

precisaria ainda de alguns anos para ser consolidada. Esse processo não aconteceu de

forma repentina, como a partir de alguma descoberta ou fruto de uma pesquisa

específica, mas demandou o envolvimento ativo de diversos atores que não

necessariamente fazem parte do mundo da ciência.

Apenas em 1963, quase dez anos após as primeiras vendas, a CIBA anuncia que

a Ritalina também pode ser prescrita para crianças com problemas de comportamento

(MENHARD, p.35). E, ao mesmo tempo, essa não era a sua principal utilização como é

possível perceber nos anúncios dessa década, que não retratam nenhuma criança.

Durante os anos 60, pesquisadores começaram a pensar na Ritalina como um tratamento

para a síndrome da criança hiperativa, reação hipercinética, desordem do impulso

hipercinético ou hiperatividade, nomenclaturas antigas para TDAH. (MENHARD,

p.36). Segundo Dupanloup (2004), entre os anos 50 e 70 foram publicados nos EUA

centenas de estudos sobre que efeitos gerais ou específicos os estimulantes podem ter

nos comportamentos infantis16. Principalmente entre 1957 e 1964 foram publicadas

várias pesquisas sobre o uso de metilfenidato em crianças com distúrbios de

comportamento.

Esse conjunto de pesquisas culmina com a publicação, em 1966, pelo serviço

público de saúde dos Estados Unidos, do documento intitulado “Minimal Brain

Dysfunction (MBD17) in Children: Terminology and Identification” de autoria de

Samuel Clements. Esse texto de trinta páginas parecia ter como intenção unir um

conjunto de referências sobre MBD, e fundamentar cientificamente essa doença

enquanto uma entidade diagnóstica. São citados cento e vinte e quatro artigos que foram

escritos desde 1921 a 1964, e havia uma tentativa de construir uma classificação mais

homogênea e precisa desse transtorno.

15 “Le décret médical trace la frontière entre une amélioration chimique de soi légitime et illégitme”. (p.

122). 16 “Entre 1950 e 1970, segundo Loney (1980, 267), são publicados nos Estados Unidos centenas de

estudos sobre o efeito gerais e específicos dos estimulantes (principalmente a Ritalina e a Dexedrina) no

comportamento infantil” (p.128) (Em tradução livre). Original: “Entre 1950 et 1970, selon Loney (1980,

267), des centaines d’études portant sur les effets généraux ou spécifiques que ces stimulants

(principalement la Ritaline et la Dexedrine) peuvent avoir sur les comportements infantiles sont publiées

aux USA” (p.128) 17 Nomenclatura antiga para o TDAH

13

Ao mesmo tempo, os oficiais do sistema público de saúde estadunidense

passam a fazer campanhas sobre o MDB entre o público médico e geral, distribuindo

panfletos e exibindo pequenos filmes sobre como reconhecer, avaliar e tratar essa

doença (SINGH, 2007). Os anúncios da Ciba desse período sofrem mudanças e passam

a retratar pela primeira vez crianças. Os textos e imagens dessas propagandas estão

centrados, a partir dos anos setenta, a convencer os médicos da necessidade do

diagnóstico. Eles parecem ter um conteúdo educativo e se contrapor ao discurso que

defende a MDB como um mito da medicina, como é possível ver na imagem abaixo.

Anúncio de 1971 retirado da internet

Esse anúncio é um dos primeiros a representar o estereótipo da criança com

problemas de comportamento associado à Ritalina. Esse tipo de imagem passa a ser

veiculada a partir desse momento e continua por várias décadas, chegando até a

atualidade. Nela, a figura retratada é sempre um menino que parece estar fora de

controle, podendo aparecer gritando, pulando ou brigando com algum colega. A

particularidade da década setenta é que todos os anúncios encontrados dialogam com o

médico, tentando convencê-los da objetividade da disfunção cerebral mínima. São

usadas estratégias argumentativas que evocam experiências clínicas em comum desses

profissionais, como podemos ver no anúncio acima: “What medical practitioner has not,

at one time or another, been called upon to examine an impulsive, excitable

hyperkinetic child?”.

14

Paralelo ao progresso da aliança entre metilfenidato e controle infantil,

algumas críticas e polêmicas começaram a aparecer. Portais de notícias de amplo

alcance nos EUA publicaram matérias alarmistas, denunciando o uso de estimulantes

semelhantes à anfetamina em crianças. Podemos citar as publicações da revista Time

“Too many drugs”, em 1961, e “Pepills for students”, em 1970, e a do Washington

Posto “Omaha Pupils Given ‘Behavior Drugs”, em 1971. De acordo com Diller, o clima

político antiautoritário dos anos setenta também contribuiu para o aumento da

temperatura acerca do uso da Ritalina18.

Essa série de críticas resultou em mais uma participação do governo

estadunidense nas polêmicas sobre a Ritalina. Em 1971, acontece uma audiência pública

sobre o uso de drogas modificadoras do comportamento em crianças, denominada de

“Use of behavior modification drugs on gramar school children”. Nenhuma ação formal

foi tomada após as audiências.

Porém, mesmo com essas oposições claras ao enlace entre a Ritalina e o

TDAH, essa ligação se tornou com o passar dos anos mais difícil de ser dissociada. Um

conjunto de pesquisas no final dos anos setenta, representadas principalmente pela

figura de Virginia Douglas, produziram uma reformulação no conceito de reação

hipercinética. A partir desse momento, há um deslocamento dos sintomas de

hiperatividade para uma ênfase nas dificuldades de atenção e no controle dos impulsos.

Essa mudança de foco foi fundamental para que na terceira edição do DSM (1980),

ocorresse a mudança na nomenclatura para "distúrbio de déficit de atenção (DDA)", que

incluía um subtipo com e outro sem hiperatividade (LIMA, 2005).

Essa mudança garantiu mais especificidade à entidade diagnóstica, podendo ser

diferenciada de outros transtornos da infância que também tinham como sintoma a

hiperatividade, como o autismo e ansiedade. Ao mesmo tempo, foi possível incluir

outras inúmeras crianças que não apresentavam a hiperatividade, e até mesmo facilitou

a incorporação de adultos no transtorno. E foi após algumas críticas ao destaque dado à

atenção, que a nomenclatura atual foi adotada na revisão da terceira edição do DSM

(1987): "transtorno do déficit de desatenção/hiperatividade". Segundo Diller, foi a partir

18 “O clima cultural no começo dos anos setenta também colaborou para aumentar a temperatura em torno

da questão do uso da Ritalina. Os espíritos anti-autoritários dos anos sessenta encorajaram a propagação

de teorias ‘não repressivas’ do desenvolvimento das crianças e da educação”. (Em tradução livre)

Original: “The cultural climate in the early 1970´s also helped raise the temperature around the issue of

Ritalin use. The antiauthoritarian spirits of the sixties encouraged the spread of ‘nonrepressive’ theories of

child development and education […]” (DILLER, 1998)

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desse ponto que o TDAH se tornou inextricavelmente ligado à Ritalina. Dupanlout

parece concordar com Diller quando afirma que:

“Depois dos anos 80, um arsenal de estudos e publicações foram implantados

para desarmar as crenças e resistências suscitadas contra o uso de um

derivado de antefamina em crianças19” (DUPANLOUT, p.140).

Após esse período, a utilização de Ritalina só aumentou nos Estados Unidos, e

começou a chegar a outros países, como o Brasil em 1998.

DISCUSSÃO

Para compreender essas questões pode ser profícuo pensarmos a partir do

conceito de psicofarmacologia cosmética, criado por Peter Kramer em Ouvindo o

Prozac (KRAMER, 1993). Segundo esse psiquiatra, para além de fins terapêuticos no

tratamento de doenças, o Prozac possui a capacidade de esculpir a personalidade de seus

usuários. O seu uso cosmético se daria por indivíduos sem uma patologia formal que

ingerem esse antidepressivo para aprimorarem suas capacidades pessoais, como de

iniciativa, concentração ou persistência. Kramer faz uma descrição detalhada de seus

pacientes, que através desse uso modificaram seu modo de ser para um estado

profundamente superior ao de antes. E narra a sua surpresa diante da descoberta da

possibilidade de alterar a personalidade dos pacientes a partir do uso de psicofármacos.

O uso cosmético dessas substâncias não está restrito ao Prozac, e a partir dessa premissa

podemos pensar também a farmacologia cosmética do metilfenidato.

Para Kramer (1993) essa ligação entre o uso de psicofármacos e as expectativas

sociais é claramente perceptível nos antidepressivos. Ele argumenta que há uma

mudança no uso desses medicamentos entre as mulheres estadunidenses, já que nos

décadas de 50 e 60 havia um forte consumo de ansiolíticos entre donas de casa e que

mais recentemente há uma demanda maior por substâncias como o Prozac. As primeiras

drogas produziriam efeitos tranquilizadores e estavam associados a um período em que

as mulheres eram mais impulsionadas ao confinamento no ambiente doméstico. E

antidepressivos como o Prozac geravam capacidade de iniciativa e bem-estar, que são

características mais bem ajustadas num contexto em que as mulheres se lançam com

mais intensidade no espaço público. Portanto, o uso dos fármacos está relacionado com

as exigências e objetivos de nossa sociedade, aqui e agora (KRAMER, 1993, p.58).

19 “Depuis les années 80, un arsenal d’études et de publication a été déployé pour désamorcer les craintes

et les résistances que suscite l’usage d’un dérivé d’amphétamine auprès des enfants” (p.140).

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A utilização cosmética dos psicofármacos pode ser mais perceptível no período

de surgimento desses compostos a partir da década de cinquenta, principalmente através

das propagandas produzidas pela indústria farmacêutica. Porém, essa utilização tem

crescido de forma intensa nos últimos anos, tendo em vista que a psicofarmacologia tem

se tornado um estilo de vida (ROSE, 2011), tornando-se bastante presente no âmbito

doméstico e em instituições como a escola, família ou a universidade.

Não estando indicada oficialmente para uma doença, mas para vários transtornos

mentais ou mesmo para pessoas sem enfermidades, a Ritalina já esteve oficialmente

relacionada a uma utilização cosmética. Ou seja, indicada para finalidades como a de

melhorar o humor, se manter disposto, aumentar a performance, em suma: fazer parte de

um estilo de vida farmacológico. Nesse sentido, há atualmente uma distinção moral

entre diferentes utilizações da Ritalina, já que enquanto o uso não oficial e com fins de

estudo é proibido, o outro polo que é marcado pelo intenso crescimento de diagnósticos

é estimulado. Essa proibição do primeiro caso é paradoxal, pois no seu surgimento esse

medicamento era utilizado com essas finalidades variadas que não envolviam

diretamente uma doença.

Dessa forma, é difícil a distinção entre o mau uso do metilfenidato e uso

considerado verdadeiro destinado a tratar de uma doença. Os dois casos são exemplos

de uso de drogas para atender a demandas sociais, e também demonstram como a

psicofarmacologia tem se inserido na vida dos sujeitos. A diferença está na legitimidade

dado pelo saber médico para um caso, e para outro não.

O metilfenidato faz parte de uma série de substâncias que influenciam

fortemente as relações sociais nas nossas sociedades capitalistas contemporâneas,

atuando na coprodução da nossa existência coletiva. Com a imensa utilização desse

medicamento no ambiente escolar, e em algumas situações de forma equivocada

(BARBARINI, 2011), se torna difícil negar o caráter normalizador que essas

substâncias podem ter.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do esboço desses acontecimentos que acompanharam a Ritalina desde

seu surgimento, é possível contestar algumas afirmações da psiquiatria sobre esse

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fármaco. Podemos perceber que há uma distinção fluida entre o uso associado a uma

doença objetiva e a utilização para outros propósitos. E que em toda a história do

metilfenidato o uso cosmético esteve presente.

Podemos concluir que a possibilidade da Ritalina produzir efeitos de

normalização em seus usuários é bastante plausível. Porém, para ter mais segurança

nessa afirmação é necessário atentar para a opinião das pessoas envolvidas na rede de

utilização dessa droga.

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BARBARINI, Tatiana. O Controle da Infância: Caminhos da medicalização.

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