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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MARIA DO CARMO WALBRUNI LIMA “DISPOSIÇÕES PARA CRER, DISPOSIÇÕES PARA AGIR”: JOVENS DE ESCOLA PÚBLICA PENSANDO A EDUCAÇÃO, O TRABALHO E O FUTURO FORTALEZA CEARÁ 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MARIA DO CARMO WALBRUNI LIMA

“DISPOSIÇÕES PARA CRER, DISPOSIÇÕES PARA AGIR”: JOVENS DE ESCOLA PÚBLICA PENSANDO

A EDUCAÇÃO, O TRABALHO E O FUTURO

FORTALEZA – CEARÁ

2013

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Maria do Carmo Walbruni Lima

“DISPOSIÇÕES PARA CRER, DISPOSIÇÕES PARA AGIR”: JOVENS DE ESCOLA PÚBLICA PENSANDO A EDUCAÇÃO, O

TRABALHO E O FUTURO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parceial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Rosemary de Oliveira

Almeida

FORTALEZA – CEARÁ

2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário (a) Leila Cavalcante Sátiro – CRB-3 / 544

L732d Lima, Maria do Carmo Walbruni.

“Disposições para crer, disposições para agir”: Jovens de escola

pública pensando a educação, o trabalho e o futuro / Maria do Carmo

Walbruni Lima. — 2013.

CD-ROM 159 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol.

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7

mm)”.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará,

Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico

em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade.

Orientação: Profª. Drª. Rosemary de Oliveira Almeida.

1. Jovens. 2. Escola pública. 3. Desigualdades. 4. Disposições em relação ao futuro. I. Título.

CDD: 711.4

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AGRADECIMENTOS

À Professora Liduina Farias, pelas palavras de incentivo que me fizeram pensar no retorno à Universidade através do Curso de Mestrado. À Professora Rosemary Almeida, pela sabedoria e leveza na condução das orientações deste trabalho, sempre cuidadosa no sentido de me fazer refletir sobre as ideias construídas acerca da Escola Pública e de seus jovens estudantes. Ao Professor Geovani Jacó pelas contribuições no processo de realização desta pesquisa através das discussões no Laboratório de Estudos e Pesquisas Conflitualidade e Violência – COVIO, bem como durante a Qualificação do Projeto de Pesquisa, contribuições que foram fundamentais para a recondução do nosso olhar sobre o problema investigado. À Professora Isabel Sabino, pelas análises e sugestões apresentadas ao Projeto de Pesquisa durante a fase de Qualificação. Ao Professor Rosendo Amorim, amigo e grande incentivador no meu percurso de ingresso ao Mestrado. À Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza – SME e à Secretaria da Educação do Ceará – SEDUC, pela autorização de afastamento para meus estudos de Mestrado. Ao Núcleo Gestor das Escolas das Redes Públicas Municipal e Estadual que constituíram campos de investigação desta Pesquisa, aos professores e demais funcionários dessas escolas pela acolhida em suas dependências durante o processo de pesquisa de campo. Aos jovens estudantes que foram nossos interlocutores neste estudo. Suas narrativas constituíram as bases que tornaram possíveis as discussões aqui apresentadas. A todos os professores e funcionários do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade que contribuíram para o desenvolvimento do Curso.

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RESUMO

A preocupação central deste estudo está direcionada aos jovens entre 15 e 17 anos, estudantes de escolas públicas, que ainda não ingressaram no Ensino Médio, etapa da Educação Básica oficialmente recomendada para essa faixa-etária. Discutimos, a partir das narrativas dos entrevistados, suas condições de acesso ao capital cultural representado pela cultura escolar e ao capital econômico e social, capitais que também funcionam como capital simbólico capaz de interferir nas posições desses jovens dentro do campo escolar, na formação de suas disposições em relação à educação e ao trabalho, em suas pretensões de cursar o Ensino Médio, de profissionalização e de inserção no Ensino Superior. Procuramos pensar em que medida esses atores sociais se aproximam ou se distanciam da outra parcela de jovens da escola pública que consegue chegar ao Ensino Médio na idade considerada adequada. Desse modo, esta discussão também se estende a esses jovens entre 15 e 17 anos que já se encontram no Ensino Médio. A partir de Bourdieu, refletimos sobre os direitos consagrados aos jovens pelo Direito, no campo da educação, e sobre a (des) igualdade na distribuição de oportunidades entre esses estudantes. O pensamento de Lahire nos ajuda a entender as relações entre os contextos de vivência dos entrevistados e suas disposições diante do mundo, que são diversas, já que somos indivíduos plurais. A fase de campo desta pesquisa foi realizada em 03 (três) escolas públicas de Fortaleza. A primeira fase foi desenvolvida na escola onde atuávamos como docente. As outras duas escolas foram selecionadas por meio do critério de maior e menor taxa de distorção idade-série nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º Anos). A participação total de estudantes foi de 98 (noventa e oito) jovens entre 15 e 17 anos, sendo 53 (cinquenta e três) da Educação de Jovens e Adultos – EJA, 6 (seis) estudantes matriculados nas turmas de 8º e 9º Anos e 39 jovens do Ensino Médio. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada através de observações in loco, aplicação de questionários, entrevistas individuais semiestruturadas e grupos focais. Os resultados apontaram os estudantes da EJA como os mais afetados pela estrutura desigual de distribuição de capital econômico, cultural e social entre todos os entrevistados. Com trajetória escolar marcada por dificuldades de aprendizagem acumuladas e não solucionadas; reprovação; perda do direito ao ensino diurno e não acesso ao Ensino Médio na idade oficialmente recomendada, a maioria desses estudantes, mesmo apresentando disposições para crer na possibilidade de inserção futura em profissões socialmente consideradas de prestígio, demonstraram poucas chances de desenvolver disposições para agir na perspectiva de formação para essas profissões, considerando as condições objetivas e subjetivas que vivenciam. Ao contrário, os jovens de 8º e 9º em situação de distorção idade-série e os estudantes do Ensino Médio demonstraram conviver em uma rede de relações em que há maior circulação e valorização do capital cultural escolar por parte de familiares e amigos, favorecendo a construção de disposições para crer e também disposições para agir no sentido de realização de seus projetos de futuro.

Palavras-chave: Jovens; Escola Pública; Desigualdades, Disposições em relação ao futuro

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ABSTRACT

The central concern of this study is targeted to young people between 15 and 17 years, public school students who have not enrolled in high school, stage of education officially recommended for this age group. We discuss, based on the narratives of the respondents, their conditions of access to cultural capital represented by the school culture and the economic capital and social capital that also function as symbolic capital can interfere in the positions of these young people within the school field, in forming their provisions in relation to education and work, in their pretensions to attend high school, and insertion of professionalization in Higher Education. We try to think to what extent these social actors are closer or more distant from the other portion of the public school youth who can get to high school at age deemed appropriate. Thus, this discussion also extends to those aged 15 to 17 who are already in high school. From Bourdieu, we reflect on the rights granted by law to young people, in education, and the (in) equality in the distribution of opportunities for these students. The thought of Lahire helps us understand the relationships between the contexts of experience of respondents and its provisions before the world, they are diverse, as are individuals plural. The field phase of this research was conducted in three (03) schools in Fortaleza. The first phase was developed at the school where we worked as a teacher. The other two schools were selected by the criterion of lowest and highest rate of age-grade in the final years of elementary school (6th to 9th Years). The total participation of students was 98 (ninety-eight) young people between 15 and 17 years, with 53 (fifty three) Education of Youth and Adults - Adult Education, 6 (six) students enrolled in classes 8 and 9 Years and 39 young high school students. The research, qualitative in nature, was carried through in situ observations, questionnaires, semi-structured individual interviews and focus groups. The results showed students the EJA (Youth and Adult’s Education) as the most affected by the structure of unequal distribution of economic capital, cultural and social among all respondents. With school career marked by accumulated learning difficulties and unresolved; disapproval, loss of the right to education and no daytime access to high school at age officially recommended, most of these students, even with provisions to believe in the possibility of future entry into professions socially considered prestigious, showed little chance of developing dispositions to act in the context of training for these professions, considering the objective and subjective conditions they experience. Unlike the young of 8 and 9 at-age-grade and high school students demonstrated live in a network of relationships in which there is increased circulation and capital appreciation cultural school by relatives and friends, enhancing the building provisions to believe and also dispositions to act towards achieving their future projects.

Keywords: Youth; Public School; Inequalities; Provisions for the future.

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SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLA.................................................................................10

LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................12

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................13

2 PERCURSO METODOLÓGICO: RE(CONSTRUINDO) O OLHAR SOBRE O CAMPO

.............................................................................................................................................. 21

2.1 Mondubim: O Campo Familiar........................................................................................32

2.2 Bonsucesso e Parque São José: Campos Estrangeiros? ........................................... 35

3 ESCOLA, FAMÍLIA E TRABALHO: REGULARIDADES E VARIAÇÕES NAS

EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DE EJA ...................................................................38

3.1 Diferentes Motivações para Inserção em Turmas do Ensino Noturno de EJA ..........42

3.2 Os Jovens da Escola do Mondubim ..........................................................................43

3.3 Os Jovens da Escola do Bonsucesso ........................................................................47

3.3.1 Trabalhar para comprar as minhas coisas .......................................................49

3.4 Condições de acesso à Cultura Escolar entre jovens e familiares ............................53

3.5 A Rede de Relações Sociais entre os Estudantes de EJA do Bonsucesso ............. 61

4 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS, ESCOLARES E DE TRABALHO ENTRE ESTUDANTES NO

PARQUE SÃO JOSÉ .......................................................................................................... 68

4.1 A Escola do Parque São José .................................................................................. 69

4.2 Jovens de 8º e 9º Anos: Distanciamentos e aproximações com os estudantes de EJA

...........................................................................................................................................68

4.3 Jovens do Ensino Médio na Série Recomendada para a Idade ,................................75

4.4 O Trabalho: Entre a necessidade de ajudar à Família, o desejo de Consumir e a

formação para a Responsabilidade ..................................................................................77

4.5 Rede de Relações Socais ..........................................................................................80

4.6 O Lugar de Moradia: Imagens construídas sobre o Parque São José ......................85

5 EDUCAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO: DISPOSIÇÕES DOS JOVENS DE

ESCOLAS PÚBLICAS .........................................................................................................87

5.1 Perspectivas Construídas por Jovens de EJA do Mondubim e Parque São José:

Crença ou Ilusão? ............................................................................................................88

5.1.1 “Terminar o Ensino Médio e pronto: Adeus” ................................................... 92

5.1.2 Será que eu vou “chegar lá também”? .............................................................93

5.2 A gente já vive o presente pensando o futuro ............................................................95

5.3 Eu vou porque eu gosto, porque eu quero ...............................................................101

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6 DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: DIFERENÇAS E

DESIGUALDADES NO ATENDIMENTO AOS JOVENS ..................................................105

6.1. A Educação de Jovens e Adultos – EJA: Respeito à particularidade de Jovens em

situação de Distorção Idade-Série?.............................................................................. 107

5.1.1 EJA: “É melhor que série por série”? ............................................................112

6.2 Ensino Médio: Entre a formação geral e a preparação para o mercado de trabalho ........................................................................................................................................117

6.2.1 Escolas de Educação Profissional: “É muita burocracia pra entrar lá”...........123

6.3 Adolescente e Jovem Aprendiz – “Vida Profissional começando direito”: Para quem?

.........................................................................................................................................127

6.4 O Projovem Adolescente .........................................................................................129

6.5 Políticas Públicas: O que os jovens sugerem? ....................................................... 133

6.5.1 O que falta aos jovens: Força de vontade, incentivo ou investimento do

Governo? ...................................................................................................................... 135

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 145

APÊNDICES .......................................................................................................................150

Apêndice A– Modelo de Questionário utilizado com Jovens da Educação de Jovens e

Adultos – EJA do Mondubim ..............................................................................................151

Apêndice B - Roteiro para Entrevista com os Jovens das Turmas de Educação de Jovens e

Adultos – EJA do Bonsucesso .......................................................................................... 152

Apêndice C - Roteiro para Entrevista com os Jovens das Turmas de 8º e 9º Anos em

Situação de Distorção Idade- Série ................................................................................... 154

Apêndice D - Roteiro para Entrevista com os Jovens do Ensino Médio na Série considerada

adequada para a Idade ..................................................................................................... 155

Apêndice E - Quadro 1: População de Jovens entre 15 e 17 anos por Bairros e Secretarias

Executivas Regionais de Fortaleza ....................................................................................156

Anexo A – Figura 2. Valor da Renda Média Pessoal por Bairros de Fortaleza – 2010 ......159

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABEMCE – Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José

CEASA - Centrais de Abastecimento do Ceará S/A

CEB- Câmara da Educação Básica

CEPES – Célula de Estudos e Pesquisas

CIES – Centro Integrado de Educação e Saúde

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público

COAVE – Coordenadoria de Avaliação e Acompanhamento da Educação

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EEEP – Escola Estadual de Educação Profissional

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano do Município

IDHM – B - Índice de Desenvolvimento Humano do Município por Bairro

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MEC – Ministério da Educação

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

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SEDUC – Secretaria da Educação do Ceará

SEFOR - Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza

SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social

SER – Secretaria Executiva Regional

SGA - Sistema de Gestão Acadêmica

SINE – Sistema Nacional de Emprego

SEPLA- Secretaria de Planejamento e Orçamento de Fortaleza – SEPLA

STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Criança

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa de Fortaleza com a distribuição dos Programas e Equipamentos da

Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social por bairros e Regionais – 2011 ............. 84

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1 INTRODUÇÃO

As noções elaboradas acerca dos jovens e da juventude são construções sociais

e historicamente situadas1. Fundadas em parâmetros que se diferenciaram de acordo com

as relações de sociabilidade de cada modelo de organização social, essas noções estiveram

associadas a diferentes critérios de referência. O saber, o desenvolvimento biológico, o

exercício de funções sociais, as relações de trabalho, podem ser apontados como alguns

desses critérios utilizados pelas sociedades para demarcar os limites entre as fases da vida.

Constitui uma construção teórica do nosso tempo, e se torna um pensamento

universal, a compreensão e afirmação de que os jovens2 são sujeitos reais, vivendo sob

condições objetivas e subjetivas específicas, dependendo do lugar social em que se

encontram no interior da sociedade, o que nos impede de considerá-los como um grupo

homogêneo.

Desigualdades econômicas, diferenças culturais, diferenças de gênero,

orientação sexual, religião, dentre outras situações, constituem elementos de distinção e de

definição de posições desses sujeitos no espaço social, compreendido como o lugar da

coexistência de diversas posições sociais. Para Bourdieu (2010b, p.138), “Falar de um

espaço social, é dizer que se não pode juntar uma pessoa qualquer com uma pessoa

qualquer, descurando as diferenças fundamentais, sobretudo econômicas e culturais”.

Dentro do espaço social, as diferentes situações vividas pelos jovens podem

contribuir para a aproximação ou para o distanciamento entre esses sujeitos, no jogo das

relações que estabelecem no desenrolar de suas práticas cotidianas. Novaes (2006), ao

refletir sobre “quem são os jovens hoje”, afirma:

São aqueles nascidos há 14 ou 24 anos – seria uma resposta. No entanto, esses limites de idade também não são fixos. Para os que não têm direito à infância, a juventude começa mais cedo. E, no outro extremo – com o aumento de expectativas de vida e as mudanças no mercado de trabalho -, uma parte “deles” acaba por alargar o chamado “tempo de juventude” até a casa dos 30 anos. Com efeito, qualquer que seja a faixa etária estabelecida, jovens com idades iguais vivem juventudes desiguais. (p.105).

Os parâmetros etários têm sido instituídos como referência para a elaboração de

políticas públicas. O Estado brasileiro, atualmente, vem se adequando à tendência

internacional de considerar como jovens aqueles indivíduos que se encontram entre 15 e 29

1 Ver Philippe Ariès - História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar, 2006; Luis Antonio Groppo –

Juventude: ensaios sobre sociologia e história das Juventudes Modernas: Difel, 2000 e Pierre Bourdieu – Questões Sociológicas Lisboa: Fim de Século, 2003. 2 Neste estudo utiliza-se o termo “jovem” para se referir aos indivíduos, homens e mulheres, que se encontram

em uma determinada fase da vida que, embora vivenciada sob diferentes e desiguais condições, está também associada a elementos da ordem do desenvolvimento biológico, psicológico e social.

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anos de idade3. Tomando como referência essa faixa-etária, o País apresenta um total de

cerca de 50.936.791 jovens4. Deste contingente populacional, privilegiamos como foco de

nosso estudo um grupo de jovens que compartilham uma determinada posição no campo

escolar: estudantes da escola pública, com idades entre 15 e 17 anos que ainda não

alcançaram o Ensino Médio, etapa da educação básica considerada adequada para essa

faixa-etária.

Constituem objetivos deste estudo discutir sobre as condições de acesso ao

Capital Econômico, Capital Cultural e Capital Social entre esses estudantes que ainda

permanecem no Ensino Fundamental e compreender de que modo se configuram entre

esses jovens as “disposições para crer” e as “disposições para agir” em relação à Educação,

ao Trabalho e ao Futuro.

Procuramos pensar como se situam esses atores sociais no campo escolar,

como se movem no interior das relações de forças e lutas que se estabelecem nesse

espaço e em que medida se aproximam ou se distanciam da outra parcela de jovens da

escola pública, que consegue chegar ao Ensino Médio na idade considerada adequada5. É

nesta perspectiva que lançamos nosso olhar sobre esses jovens entre 15 e 17 anos,

discutindo sobre suas disposições em relação à formação proporcionada pela escola e

sobre suas perspectivas em relação ao futuro: pretensões de cursar o Ensino Médio, de

profissionalização e de inserção no ensino superior.

Associamos a noção de disposição aos esquemas de pensamento, de

percepção, de apreciação e de ação diante do mundo (BOURDIEU, 2001), construídos e

incorporados pelos agentes sociais através dos processos de socialização que vivenciam

em suas práticas cotidianas em vários momentos de suas trajetórias de vida e nos diversos

contextos em que se inserem. Desse modo, a constituição e a assimilação de uma

disposição exige tempo de duração e repetição de experiências que mantenham

semelhanças entre si. “A incorporação de hábitos ou de disposições (discursivas, mentais,

3 Em 07 de Julho de 2010, o Senado brasileiro aprovou a Proposta de Emenda à Constituição nº 42/08 (que ficou

conhecida como PEC da Juventude), ampliando o intervalo etário considerado jovem, que anteriormente era de 15 a 24 anos, e passou a se estender até os 29 anos de idade. (Jovens e Direitos – Legislação Comparada em Matéria de Juventude – Organização Ibero-Americana de Juventude - OIJ, 2012). 4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - Censo Demográfico 2010 – Características da População

e dos Domicílios - Resultados do Universo. Rio de Janeiro, 2011. 5 A idade considerada ideal para ingressar no Ensino Médio é de 15 anos de idade e de 17 anos para a

conclusão. Dessa forma, a idade adequada para cada uma das séries do Ensino Médio seria: 15 anos para 1ª Série; 16 anos para 2ª Série e 17 anos para a 3ª Série do Ensino Médio. (Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP – Notícias da Imprensa – Defasagem Idade – Série. Consulta realizada em 13/06/2012).

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perceptivas, sensório-motoras, apreciativas...) não se realiza de uma só vez [...] são fruto de

uma repetição sistemática, cotidiana e de longa duração”. (LAHIRE, 2004, p. 28).

Assim, as disposições apresentadas pelos sujeitos interlocutores neste estudo,

expressas mediante seus modos de pensar e de se comportar diante do mundo escolar e do

futuro profissional, resultaram de experiências e práticas que não se limitam àquelas

realizadas no campo da escola, uma vez que são anteriores às vivências realizadas nesse

espaço e o extrapolam, considerando que a escola, como um campo de inserção desses

jovens, constitui apenas um entre os diversos contextos onde realizam suas práticas sociais.

A noção de campo se refere, aqui, a espaços sociais de atividades, com

instituições, leis e finalidades próprias, onde os sujeitos ou agentes sociais encontram-se

envolvidos e movidos por certos interesses comuns, uma vez que “[...] cada campo confina

assim os agentes a seus próprios móveis de interesse [...]” (BOURDIEU, 2004, p.121).

Esses agentes podem se situar em posições diferenciadas dentro de um campo,

dependendo do domínio que exerçam sobre as regras consideradas legítimas nesse campo

e que comandam as relações que se estabelecem em seu interior. Os agentes que

apresentam maior familiaridade com essas regras ou leis de funcionamento poderão obter

maiores vantagens em seu desempenho dentro desse campo.

Partimos da compreensão de que a formação das disposições dos jovens, de

suas atitudes em relação ao campo da educação e ao campo do trabalho mantêm

articulação com sua origem social, uma vez que “[...] a posição ocupada no espaço social,

isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de capital, que também são armas,

comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para

conservá-lo ou transformá-lo”. (BOURDIEU, 2011, p.27). A posição ocupada pelos agentes

no interior desses campos, como a escola e o trabalho, por exemplo, está associada ao

volume de capitais possuídos ou que podem ser mobilizados por esses sujeitos, o que

significa que a origem social é um fator que interfere nas posições ocupadas pelos sujeitos

nos diversos campos, mas não é o único. Desse modo, outros elementos podem contribuir

para as mudanças de posição dos agentes dentro do campo, compreendido com um espaço

em que se relacionam pessoas com interesses comuns, diferentes daqueles partilhados em

outros espaços, e que são conhecedoras das regras ou leis próprias do funcionamento do

seu campo de interesse e que estão dispostas a jogar o tipo de jogo imposto por esse

espaço de relações.

Em Bourdieu (2011a), a noção de capital constitui um elemento que ajuda a

compreender o lugar ocupado pelos agentes sociais dentro do mundo. Essa noção de

capital foi elaborada pelo autor em analogia ao capital econômico (NOGUEIRA E

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NOGUEIRA, 2004), uma vez que seria capaz de proporcionar lucros aos seus detentores.

Para Bourdieu, os vários tipos de capitais funcionam como instrumentos capazes de

propiciar ganhos aos seus detentores, sejam ganhos materiais e/ou simbólicos e também

expressariam formas de poder.

A posse do tipo de cultura legitimado pela sociedade como a cultura escolar,

socialmente valorizada, bem como o acesso a uma ampla rede de relações sociais mantidas

pelos agentes, capazes de proporcionar vantagens no mundo do trabalho, no mundo

acadêmico, no mundo social ou em outros espaços, representam formas de poder

consideradas pelo autor como capital. Bourdieu considera que qualquer tipo de capital, seja

físico, econômico, cultural ou social apresenta a propriedade de ser também capital

simbólico. Segundo o autor, o capital simbólico é uma propriedade qualquer [...] percebida

pelos agentes sociais cujas categorias de percepção são tais que eles podem entendê-las

(percebê-las e reconhecê-las, atribuindo-lhes valor [...]). (BOURDIEU, 2011b, p.107)

Neste estudo abordaremos, particularmente, os tipos de capitais classificados

pelo autor como capital econômico, capital social e capital cultural, procurando relacioná-los

aos processos de constituição das disposições dos agentes sociais investigados, às

posições ocupadas por esses agentes e às suas tomadas de posição no interior do campo

escolar e do campo do trabalho.

Discutimos sobre as relações entre a condição econômica, social e cultural

desses jovens e as diferentes tomadas de posição em relação à educação, problematizando

a sentença de “[...] um ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela

escola [...]” (BOURDIEU, 2011, p.48). Como se visualiza nas práticas sociais dos jovens a

existência e/ou distanciamento desta máxima na experiência escolar, no trabalho e em suas

disposições para o futuro?

A relevância deste estudo apresenta-se associada à possibilidade de colocar em

discussão um problema que afeta cerca de metade6 dos jovens brasileiros entre 15 e 17

anos de idade que ainda não alcançaram o Ensino Médio. O Brasil apresenta um

contingente de 10.326.8727 jovens nessa faixa-etária entre os quais cerca de 50% pode

ainda estar retido no Ensino Fundamental ou já ter abandonado a escola.

[...] são essas frações dos jovens que entram mais cedo no mercado de trabalho e largam mais cedo a escola, antes mesmo do tempo mínimo obrigatório de escolarização e de proteção ao trabalho. São eles que evadem, abandonam, repetem anos na escola por não conseguirem acompanhar os ritmos definidos pela cultura escolar. São eles que buscam

6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE, SIS 2010, p. 46).

7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – Censo Demográfico 2010.

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o ensino noturno e Educação de Jovens e Adultos para permanecerem estudando, o que demonstra que, apesar dos fracassos, o valor da escola ainda é relevante. São eles que não partilham do banquete da modernidade, restando-lhes as migalhas que lhes sobram. As promessas de ascensão social por meio de uma escolaridade longa distanciam-se no horizonte, pois nem a escolaridade básica e, mais precisamente, nem a educação prevista e garantida em lei como obrigatória e gratuita – o ensino fundamental – são consolidadas para essa fração juvenil. (MEC, 2011, p. 18).

O município de Fortaleza, cidade de realização desta pesquisa, apresenta um

total de 136.8588 jovens entre 15 e 17 anos, onde 121.857 encontravam-se frequentando

algum estabelecimento de ensino em 2011, correspondendo a 89%9 desse grupo

populacional. A escolaridade líquida10 apresentada foi de apenas 52,7 %, indicando que

pouco mais da metade desses jovens encontrava-se no Ensino Médio, ou seja, em

Fortaleza 47,3% dos jovens dessa faixa etária não estão matriculados na série considerada

adequada para a idade, configurando situação de distorção idade-série11.

Neste estudo, a pesquisa de campo perpassou três espaços escolares distintos

e teve seu início em Escola da Rede Pública Municipal de Fortaleza onde lecionávamos em

turmas de Educação de Jovens e Adultos - EJA12, constituindo o primeiro momento de um

percurso de aproximação com os sujeitos pesquisados e que se estendeu a outras duas

escolas públicas selecionadas e localizadas em bairros diferenciados. Para a compreensão

do leitor acerca da trajetória percorrida no campo e identificação de qual espaço escolar

fazemos referência ao longo desta escrita, esses espaços escolares são identificados

através do uso dos nomes dos bairros em que se situam.

O processo de seleção desses espaços escolares é discutido no Primeiro

Capítulo que também apresenta os critérios que nortearam as escolhas teóricas e

metodológicas que fundamentaram este estudo em suas várias fases.

Para pensarmos sobre as experiências em relação à educação e ao trabalho

vivenciadas pelos jovens que constituem interesse nesta proposta de investigação, 8 IDEM

9 SEDUC, COAVE/CEPES – Censo Escolar 2011.

10 “A taxa de escolaridade líquida indica a proporção da população em determinada faixa-etária que se encontra

frequentando escola no nível adequado à sua idade”. (IBGE, SIS, 2010). 11

A noção de distorção idade-série parte da compreensão da existência de uma adequação teórica entre a série e a idade do aluno. No caso do sistema educacional brasileiro, atualmente, considera-se a idade de 6 anos como a idade adequada para o ingresso de crianças no 1º Ano do Ensino Fundamental. Com duração de 9 anos, o Ensino Fundamental deveria ser concluído aos 14 anos de idade. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP - EDUTABRASIL /GLOSSÁRIO. Consulta realizada em 24/05/2012. 12 Modalidade de ensino que, de acordo o Artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº

9.394/96, é “destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. O mesmo artigo afirma a competência do poder público de estimular e viabilizar o acesso e a permanência do trabalhador na escola. (MEC, CNE/CEB nº 7/2010, p.36).

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18

discutimos no Segundo Capítulo as condições de acesso à renda, à educação, à cultura, ao

trabalho, bem como a extensão das redes de relacionamentos sociais observadas entre os

estudantes de EJA das escolas municipais pesquisadas nos bairros Mondubim e

Bonsucesso.

No Terceiro Capítulo, direcionamos nosso olhar para as experiências sociais,

escolares e de trabalho entre os estudantes de Escola Estadual do Parque São José.

Buscamos refletir sobre as situações que os aproximam ou que os distanciam das

experiências vividas pelos estudantes de EJA do Mondubim e do Bonsucesso. Procuramos

compreender os sentidos que esses agentes sociais atribuem à escola, à profissionalização,

ao trabalho, ao futuro e às relações com a família e com seus pares.

As reflexões do Segundo e Terceiro Capítulos tomam como referencial teórico

de análise o conceito de habitus e disposições utilizados por Pierre Bourdieu, bem como os

conceitos de capital econômico, capital cultural e capital social já mencionados no início

desta Introdução.

É importante ressaltar que consideramos a existência de críticas lançadas ao

pensamento de Pierre Bourdieu, cuja teoria foi associada por alguns de seus comentadores,

como determinista. Em relação a essas críticas, pensamos que o próprio Bourdieu, ao

destacar a função da noção de habitus, procura desvencilhar-se de uma perspectiva

determinista ao afirmar que

Uma das funções principais da noção de habitus consiste em descartar dois erros complementares cujo princípio é a visão escolástica: de um lado, o mecanismo segundo o qual a ação constitui o efeito mecânico da coerção de causas externas; de outro, o finalismo segundo qual, sobretudo da teoria da ação racional, o agente atua de maneira livre, consciente, e como [....] sendo a ação o produto de um cálculo das chances e dos ganhos. (BOURDIEU, 2001 p. 169).

Para Bourdieu, as ações realizadas pelos agentes não resultariam de um

determinismo externo das condições objetivas por eles vivenciadas, nem tampouco

constituiriam um ato completamente livre e programado ou planejado por esses agentes,

independente de seus contextos de vivência. O habitus, estruturas incorporadas pelos

agentes sociais através de seus processos de socialização, estaria presente nas práticas

desenvolvidas por esses agentes e, em certa medida, influenciariam suas tomadas de

posição. Desse modo, tais tomadas de posição diante das várias situações vivenciadas por

esses agentes, seja na família, na rua, na escola ou no trabalho, não seriam comandadas

apenas por decisões racionais, livres das influências desse habitus, ou seja, desse passado

incorporado, uma vez que “[...] nossas ações possuem mais frequentemente por princípio o

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senso prático do que o cálculo racional [...], o passado permanece presente e ativo nas

disposições por ele produzidas [...]”. (BOURDIEU, 2001, p.78-79).

Procuramos refletir sobre as experiências de nossos pesquisados, levando em

consideração os contextos que os cercam sem, no entanto, tomar tais contextos como

determinantes últimos de suas ações. Mas, ao mesmo tempo considerar os limites que

certas condições de existência podem impor aos desejos, perspectivas e ações desses

sujeitos, o que também não significa dizer que esses sujeitos não possam agir de forma

diferenciada diante dessas condições e construir estratégias para superação desses limites.

As tomadas de posição diante da escola, do trabalho, da profissionalização e do

futuro podem nos mostrar sujeitos que apresentam disposições variadas ou heterogêneas

quando comparados aos seus pares que experimentam situações econômicas e sociais de

vida semelhantes. Mas, também, um mesmo sujeito pode agir de forma diferenciada nos

diversos contextos de socialização em que se insere enquanto ator plural que é. Para Lahire

(2002),

Um ator plural é, portanto, produto da experiência – amiúde precoce - de socialização em contextos sociais múltiplos e heterogêneos. No curso de nossa trajetória ou simultaneamente no curso de um mesmo período de tempo, participou de universos sociais variados, ocupando aí posições diferentes. (LAHIRE, 2002, p.36).

Crítico do pensamento de Bourdieu, Lahire põe em evidência a fragmentação do

ator ou dos agentes sociais em seus trânsitos pelos diversos contextos de socialização

percorridos em suas trajetórias sociais, procurando mostrar que esses agentes sociais não

são monocoerentes em suas disposições, nem tampouco estão condenados a ocupar uma

única posição nos diversos espaços de suas práticas cotidianas.

Bernard Lahire amplia a discussão acerca da noção de disposições. Desse

modo, recorremos também ao seu pensamento na tentativa de aprofundarmos as reflexões

sobre as narrativas de nossos entrevistados.

O foco do Quarto Capítulo está direcionado às perspectivas de futuro

apresentadas pelos jovens pesquisados. Interessa-nos perceber se há entre esses sujeitos

a pretensão de ingressar no Ensino Superior e/ou em cursos de profissionalização ou,

ainda, se a pretensão desses jovens no campo da educação limita-se à conclusão da

Educação Básica. Nesse Capítulo, discutimos sobre as regularidades, variações ou

especificidades entre os projetos de futuro apresentadas pelos estudantes de EJA, pelos

jovens em situação distorção idade-série nas turmas de 8º e 9º Anos e por aqueles que se

encontram no Ensino Médio na série recomendada para a idade.

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No Quinto Capítulo, procuramos refletir sobre os aspectos relativos à justiça no

campo escolar: O que seria justo oferecer aos jovens na escola pública: igualdade de

oportunidades, igualdade de condições, o reconhecimento de suas particularidades?

Discutimos sobre a Política Nacional para o Ensino Médio, destacando a ação relativa às

escolas de Educação Profissional do governo do Estado do Ceará; sobre a Educação de

Jovens e Adultos – EJA e sobre o Projovem Adolescente, programas mencionados nas

narrativas dos entrevistados durante as entrevistas individuais e grupos focais.

As temáticas relacionadas à justiça e ao reconhecimento no campo escolar

foram abordadas com os jovens, por meio dos grupos focais, na perspectiva de entender em

que medida estaria presente entre esses sujeitos a preocupação com os objetivos das

políticas públicas educacionais. Procuramos compreender como avaliavam o alcance e a

efetividade dessas políticas sobre suas trajetórias de vida e, em que medida, se sentem

reconhecidos ou desrespeitados em seus direitos no campo da educação.

O pensamento de Axel Honneth, mediante a Teoria do Reconhecimento,

apresenta elementos conceituais que contribuíram para nossa análise dos posicionamentos

expressos pelos pesquisados acerca dessas questões que envolvem a afirmação ou

denegação de direitos sociais.

Estar na escola nem sempre representa para determinada parcela de jovens de

escolas públicas de Fortaleza usufruir dos resultados que cabe à instituição escolar garantir

a todos. Diversas refrações do mundo social interferem nas trajetórias escolares desses

atores sociais. As narrativas apresentadas pelos jovens que participaram do nosso estudo

talvez nos ajudem a pensar sobre esse problema.

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2 PERCURSO METODOLÓGICO: RE(CONTRUINDO) O OLHAR

SOBRE O CAMPO

As primeiras incursões no campo de pesquisa, conforme mencionado,

anteriormente, foram realizadas no período de 2009 a 2010, na escola onde lecionávamos a

disciplina de História em turmas de EJA. Essa escola integra a Rede Pública Municipal de

Fortaleza e está localizada no bairro Mondubim, situado na região sudoeste de Fortaleza,

tendo como limites: ao norte, o bairro Maraponga; ao sul, o conjunto Industrial que pertence

ao município de Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza; a leste, os bairros Prefeito

José Walter, Cidade Nova, Planalto Ayrton Senna e Jardim Cearense e, a oeste, os bairros

Vila Manoel Sátiro, Conjunto Esperança, Parque Santa Rosa e Parque Presidente Vargas.

Esses bairros pertencem à Regional V, Regional do município de Fortaleza que apresenta a

menor renda média pessoal13. (Anexo A)

A experiência nessa unidade escolar permitiu-nos elaborar nossos primeiros

questionamentos sobre o problema em estudo. Mas, percebemos a importância de

ampliarmos nosso campo de investigação e nos afastarmos desse mundo familiar. Nesse

momento, o desafio foi, então, buscarmos outros mundos escolares mais estranhos às

experiências já vivenciadas, conhecidas. Nesta perspectiva, definimos critérios para a

seleção de outras duas escolas que também passariam a integrar nosso campo de

pesquisa.

Para a escolha dessas duas novas escolas a serem investigadas, partimos,

inicialmente, do critério populacional dos bairros de Fortaleza. Foram realizadas consultas

ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE com o objetivo de obter dados sobre

a população residente14 de jovens desses bairros, que se encontravam na faixa-etária entre

15 e 17 anos. O acesso ao Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, disponível

no site da instituição, possibilitou a construção de quadro com dados demográficos dos

bairros da Cidade (Apêndice E).

13

IPECE/ INFORME nº 42: Perfil Municipal de Fortaleza. Tema VII: Distribuição Espacial da Renda, p.6. 14

O IBGE considera como população residente os moradores da residência na data de referência, quer estivessem presentes ou ausentes nessa data, desde que essa ausência não fosse superior a 12 meses e que estivesse relacionada às seguintes situações: viagens, internação em estabelecimento de ensino ou hospedagem em outro domicilio, detenção sem sentença definitiva declarada, internação temporária em hospital ou estabelecimento similar e embarque a serviço (marítimos). Fonte: www.ibge.gov.br/glossário. Consulta realizada em 24/05/2012.

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De acordo com os dados consultados, foi identificado que a Secretaria Executiva

Regional – V – SER V15 apresentava a maior concentração de jovens na faixa-etária de

interesse, 32.834 jovens, seguida da SER VI com 31.816; Regional III com 20.045; Regional

I com 19.704, Regional II com 16.760 e Regional IV com 13.711 jovens. A SER V abrange

um total de 18 (dezoito) bairros e, entre eles, o Mondubim, bairro com maior população na

faixa-etária de interesse neste estudo: 4.389 jovens. Em relação à população residente total

dos bairros, o Mondubim aparecia como o mais populoso quando comparado aos demais

bairros de Fortaleza: 76.044 habitantes.

Procuramos identificar, dentro do bairro Mondubim, escolas da Rede Pública

Estadual que apresentassem oferta de matrícula nas duas situações de interesse neste

estudo. Em consulta realizada à Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza -

SEFOR16 verificamos a existência de duas escolas da Rede Pública Estadual com oferta de

matrícula no Ensino Fundamental e Ensino Médio, o que favorecia o contato com os jovens

que ainda permaneciam no Ensino Fundamental, em situação de distorção idade-série e

com os jovens da mesma faixa-etária que se apresentassem na série do Ensino Médio,

considerada adequada à idade. Entretanto, as informações obtidas indicaram a inexistência

de oferta de turmas de EJA nas duas escolas estaduais identificadas. O número de jovens

na situação de distorção idade-série, nas turmas seriadas do 6º ao 9º Ano, também não era

considerado expressivo, o que resultou na exclusão dessas escolas para o processo de

pesquisa.

Apesar da exclusão das duas escolas estaduais, por não atenderem ao critério

de oferta de matrícula em turmas de EJA no Ensino Fundamental, o bairro Mondubim

continuou contemplado na pesquisa através da escola municipal, onde foram realizadas as

primeiras incursões no campo.

Após algumas reflexões sobre as características principais, as quais deveriam

ser atendidas pelos sujeitos que constituiriam o grupo de interlocutores desta pesquisa,

foram pensados outros critérios para a escolha das duas unidades escolares. Consideramos

que a taxa de distorção idade-série17 apresentada pelas escolas deveria, então, ser

15

O município de Fortaleza está dividido em seis Secretarias Executivas Regionais as quais congregam os bairros da cidade de acordo com sua localização geográfica. A Secretaria Executiva Regional V (SER V) é a mais população e a mais pobre de Fortaleza. 16

A Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza – SEFOR é um órgão vinculado à estrutura administrativa da Secretaria de Educação do Ceará – SEDUC responsável pelas ações de acompanhamento, monitoramento e controle da gestão das escolas da rede pública estadual localizadas no município de Fortaleza. (Diário Oficial do Estado do Ceará, Série 2, Ano X, nº 244, publicado em 28/12/2007). 17

A taxa de distorção idade-série é expressa através de percentuais que variam de zero a 100% e é calculada da seguinte forma: “[...] considerando o Censo Escolar do ano t e a série k do ensino fundamental, cuja idade adequada é de i anos, então o indicador será expresso pelo quociente entre o número de alunos que, no ano t,

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colocada como critério principal para a nova seleção de escolas, tendo em vista que o grupo

priorizado para este estudo deveria ser constituído por estudantes nessa situação de

distorção. Dessa forma, foi identificada, inicialmente, a escola da rede pública com maior

taxa entre o 6º e o 9º Ano dentro do município de Fortaleza. De acordo com dados do Censo

Escolar 201118, essa escola apresenta a taxa de 100% e integra a Rede Pública Municipal.

Nos primeiros contatos com a referida escola, foi verificado que a totalidade da

taxa de distorção idade-série apresentada estava relacionada ao fato de disponibilizar a

oferta exclusiva de matrícula para os anos finais do Ensino Fundamental, na Educação de

Jovens e Adultos – EJA, modalidade de ensino particularmente direcionada àqueles que não

tiveram acesso à educação na idade certa. A escola não oferece matrícula para os jovens

em turmas regulares de 6º ao 9º Ano no período diurno ou noturno. A oferta de matrícula

para segundo segmento do Ensino Fundamental é limitada a turmas de EJA IV e V19 no

horário noturno.

A transferência de jovens para as turmas de EJA parece ser um fenômeno

nacional que já foi identificado pelo próprio INEP, ao constatar o aumento da matrícula de

jovens em situação de distorção idade série em turmas dessa modalidade de ensino.

O Censo Escolar 2011 mostra que os alunos que frequentam os anos iniciais do ensino fundamental da EJA têm idade muito superiores aos que frequentam os anos finais e o ensino médio dessa modalidade [...] Esse fato sugere que os anos iniciais não estão produzindo demanda para os anos do ensino fundamental de EJA. Considerando as idades dos alunos nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio de EJA, há fortes evidências de que essa modalidade está recebendo alunos provenientes do ensino regular. (INEP, 2012, p. 25).

Esse fato pode indicar a inexistência de demanda para formação de turmas de

ensino fundamental regular (seriação) nas unidades escolares ou a transferência

compulsória dos jovens em situação de distorção idade-série para as turmas de EJA. No

caso específico dessa unidade escolar, de acordo com informações apresentadas pelo

Supervisor, durante visita ao campo, a demanda para turmas do 6º ao 9º Ano seria

inexpressiva, insuficiente para a formação de turmas, fato que poderia estar associado à

existência de outras escolas das Redes Municipal e Estadual funcionando dentro do bairro

ou em seu entorno com oferta de vagas no ensino regular.

completam i+2 anos ou mais (nascimento antes de t-[i+1]), e a matrícula total na série k”. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP - EDUTABRASIL /GLOSSÁRIO. Consulta realizada em 24/05/2012. 18

Coordenadoria de Pesquisa e Avaliação da Secretaria de Educação do Ceará – SEDUC 19

As turmas de EJA IV congregam estudantes com nível de 6º e 7º Anos e as turmas de EJA V, os estudantes de 8º e 9º Anos.

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De acordo com o Supervisor, a maior demanda colocada para essa escola é

direcionada às turmas de 1º ao 5º Ano. Dessa forma, oferece matrícula nos dois períodos

(manhã e tarde) para essas 5 (cinco) séries do Ensino Fundamental, esgotando a

capacidade física de atendimento da escola no período diurno.

A escola em questão, com maior taxa de distorção idade-série, está localizada

no bairro Bonsucesso que faz parte do território da SER III. O Bonsucesso apresenta uma

população residente entre 15 e 17 anos de idade de aproximadamente 2.364 jovens20. O

bairro é classificado como de baixo IDHM –B Geral21, com média de anos de estudo do

chefe da família e renda considerados baixos, embora apresente taxa de alfabetização

considerada alta. A escola selecionada apresenta-se entre as 10 (dez) escolas de Fortaleza

com menor desempenho escolar22 nos anos finais do Ensino Fundamental, levando-se em

consideração o Índice de Desenvolvimento da Educação - IDEB 23 de 2011.

Em situação diferenciada, foi selecionada a terceira escola para a pesquisa,

atendendo ao critério de menor taxa de distorção idade-série no Ensino Fundamental. Essa

escola apresentou a taxa de 10,6%. Entretanto, é necessário destacar que essa baixa taxa

de distorção pode estar associada ao número reduzido de oferta de matrícula no Ensino

Fundamental, considerando que integra a Rede Pública Estadual de Ensino que tem como

prioridade e responsabilidade o Ensino Médio. De acordo com informações do Instituto de

Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, essa escola encontra-se entre as 10 (dez)

unidades escolares da Rede Pública de Ensino de Fortaleza com melhor desempenho nos

anos finais do Ensino Fundamental, também tomando como referência os resultados do

IDEB 2011.

20

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - Censo Demográfico 2010 – Características da População e dos Domicílios - Resultados do Universo. Rio de Janeiro, 2011. 21

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado a partir da combinação de dados sobre a esperança de vida, a instrução e o rendimento de uma determinada população. Esse índice varia em uma escala de 0 (zero) a 1 (um). O IDHM – B é o Índice de Desenvolvimento Humano do Município por Bairro elabora pela Secretaria de Planejamento e Orçamento de Fortaleza – SEPLA. O último relatório elaborado pela SEPLA sobre o IDH dos bairros de Fortaleza teve como referência as informações do Censo 2000. A SEPLA aguarda a divulgação de informações complementares do Censo 2010 para elaboração de um novo cálculo do IDH dos bairros da Fortaleza. 22

De acordo com informação apresentadas pelo documento Perfil Socioeconômico de Fortaleza publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE disponível em www.ipece.ce.gov.br 23

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB é um indicador utilizado pelo Ministério da Educação para avaliar a qualidade educacional das escolas do país. Esse índice é calculado a partir da combinação do desempenho dos estudantes em exames padronizados realizados no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e no 3º Ano do Ensino Médio com informações sobre o rendimento escolar (aprovação). Dessa forma, a escola onde os estudantes permanecem mais tempo em uma determinada série, apresentará menor IDEB, considerando que o valor do desempenho alcançado nos exames padronizados será dividido pelo tempo médio de permanência em cada série de ensino. Os resultados do IDEB variam numa escala de zero e dez.

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No Ensino Fundamental, essa unidade escolar apresenta 4 (quatro) turmas em

funcionamento no período da tarde, sendo 2 (duas) de 8º Ano e duas de 9º Ano, perfazendo

um total de 131 estudantes. No Ensino Médio, esse total é de 842 estudantes e a oferta de

matrícula é de 9 (nove) turmas para a 1ª Série e 8 (oito) para a 2ª Série distribuídas entre os

três turnos. Para a 3ª Série do Ensino Médio a oferta é de 5 (turmas) limitadas aos turnos

manhã e noite. A escola está localizada no bairro Parque São José com uma população

residente de 593 jovens na faixa-etária de 15 a 17 anos. O Parque São José, assim como o

bairro Bonsucesso, apresenta baixo IDHM – B.

A escola da Rede Municipal localizada no Mondubim, lugar onde teve início o

percurso da investigação de campo, apresentou, em 2011, a taxa de 52,1% de distorção

idade-série, o que significa que mais da metade dos estudantes do Ensino Fundamental

encontrava-se acima da idade recomendada para a série cursada. O IDEB apresentado em

2009 foi correspondente a 3,5. Em 2011, essa escola apresentou o total de 1.390

matrículas, sendo 198 para a Educação Infantil, 1077 para o Ensino Fundamental regular de

1º ao 9º Ano e 115 para a Educação de Jovens e Adultos – EJA. O Mondubim apresenta

uma população total de 4.389 jovens entre 15 e 17 anos e IDHM de 0,439, índice

considerado baixo. As três escolas localizam-se em bairros diferentes dentro da divisão

territorial do município de Fortaleza, mas esses bairros se encontram próximos tanto do

ponto de vista geográfico quanto social.

Na busca de compreensão dos fatos observados, diversas categorias são

criadas ou utilizadas como instrumentos de apreensão e explicação da realidade, como as

categorias oficiais, aqui referidas e utilizadas, para a delimitação do campo de investigação:

a taxa de distorção idade-série; o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, o

Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. Como construções teóricas, essas categorias

constituem tentativas de representação do real. Dessa forma, tais categorias apresentam

limitações, uma vez que nos procedimentos de cálculo de taxas e índices alguns elementos

da realidade social ou do universo ao qual se referem nem sempre estão devidamente

considerados ou colocados de forma explícita ao leitor, exigindo uma depuração das

informações que lhe serviram de base para realização desse cálculo.

Este problema foi observado no processo de seleção das escolas utilizadas

como campo para esta pesquisa. A elevada taxa de distorção idade-série da primeira escola

(100%), apresentada pelos números do Censo 2011 conduzia a uma interpretação imediata

de que todos os estudantes do 5º Ano, da escola municipal do Bonsucesso, já passariam

para o 6º Ano em situação de distorção, o que não correspondeu à realidade observada. O

percentual apresentado estava associado a uma situação particular dessa escola de

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disponibilizar matrículas apenas para jovens que já se encontravam acima da idade

recomenda para as séries finais do Ensino Fundamental.

No caso da escola com menor distorção (10,6%), o percentual também estava

associado a um aspecto particular daquela escola da Rede Pública Estadual: ter prioridade

na oferta de Ensino Médio, disponibilizando menor oferta de matrícula para turmas de 8º e

9º Anos, repercutindo no cálculo da taxa de distorção.

As avaliações técnicas fundadas nessas categorias podem produzir

comparações entre escolas, bairros, municípios ou estudantes independentemente das

particularidades dos contextos estudados. Apesar dessas limitações, elas ajudam nas

tentativas de leitura dos problemas do mundo que se pretende estudar. Mas, é necessário

“abdicar da visão representacionista de conhecimento que toma a mente como o espelho do

mundo” (SPINK, 2010, p. 9) e assumir uma posição crítica frente às construções teóricas

que pretendem apreender o real e explicá-lo. Desse modo, procuramos manter a atenção

quanto às possibilidades e os limites do alcance dessas construções teóricas nas análises

sobre os contextos de existência dos sujeitos interlocutores deste estudo.

Embora compartilhem algumas situações em comum, os estudantes dessas três

escolas não apresentam trajetórias homogêneas, considerando que seus percursos

pessoais, suas vivências, seus processos de socialização os diferenciam. No entanto, o

lugar de moradia, o bairro, a rua, são lugares de encontro entre pessoas que apresentam

algumas características biográficas comuns como a posição de origem, as histórias

familiares, as escolas que tiveram acesso, os lugares de lazer ou a ausência desses

lugares, as praças, igrejas, os campos de futebol, o lugar das festas de final de semana. As

experiências que vivenciam nesses lugares e espaços favorecem a incorporação de

determinadas estruturas que poderão influenciar suas disposições em relação ao mundo.

As disposições desses jovens, seus modos de ser em relação à escola, suas

percepções e apreciações, suas perspectivas quanto à continuidade dos estudos, à

profissionalização, ao trabalho, ao Ensino Superior são aspectos de suas vidas que

pretendemos investigar e discutir. Deste modo, consideramos a abordagem compreensiva

mais adequada para o tratamento do conteúdo das manifestações expressas por esses

sujeitos, visto que não há a pretensão de quantificar a incidência dessas manifestações,

mas compreender semelhanças e diferenças de percepções e posicionamentos construídos

por jovens de uma mesma faixa-etária, que vivem sob condições materiais de existência

aproximadas, mas em posições diferenciadas dentro do campo escolar.

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O pensamento de Weber (2004) acerca do conceito de ação, tomada como um

tipo de comportamento humano em que os agentes o relacionam com um sentido subjetivo,

ajudará na busca de interpretação dos sentidos atribuídos pelos sujeitos investigados neste

estudo, no que se refere à formação escolar e ao futuro. Mas, é preciso destacar que, para o

autor, os sujeitos, no desenvolvimento de suas ações “reais”, agem mesmo sem ter

consciência do sentido visado que possa estar presente nessas ações.

Toda interpretação pretende alcançar evidência. Mas nenhuma interpretação por mais evidente que seja quanto ao sentido, pode pretender, como tal e em virtude desse caráter de evidência, ser também a interpretação causal válida. Em si, nada mais é do que uma hipótese causal de evidência particular. a) Em muitos casos, supostos “motivos” e “repressões” [...] ocultam ao próprio agente o nexo real da orientação de sua ação, de modo que também seus próprios testemunhos subjetivamente sinceros, têm valor apenas relativo. (WEBER, 2004, p.7).

A interpretação elaborada por meio deste processo investigativo, junto aos

jovens das escolas pesquisadas, apresenta-se como uma possibilidade interpretativa dos

casos estudados, uma construção de significados produzidos pela professora que, agora,

observa o campo a partir de um outro lugar. Desse modo, como interpretação, não

expressa, necessariamente, um sentido objetivamente válido ou correto presente nas ações

desses sujeitos. Apesar do “caráter hipotético” ou relativo dos resultados obtidos através

dessa interpretação, buscamos identificar conexões de sentido nas ações ou posições

expressas por esses diferentes jovens frente ao problema investigado.

De acordo com Spink (2010), “[...] o sentido é uma construção social, um

empreendimento coletivo [...] interativo, por meio do qual as pessoas na dinâmica das

relações sociais, [...] constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as

situações e fenômenos a sua volta”. (p. 34). Se as pessoas ocupam diferentes posições no

interior da sociedade, o repertório linguístico24 acessado nessas interações poderá

apresentar especificidades próprias de seus contextos de vivência. Em suas práticas

discursivas, através da linguagem utilizada em seu cotidiano, os jovens ao estabelecerem

relações na família, na comunidade, na escola ou em outros espaços de socialização

produzem sentidos e se posicionam em relação a essas experiências vividas. Spink

conceitua esse momento como o tempo vivido. Segundo a autora,

Usamos o tempo vivido basicamente para falar do tempo de socialização. Aprendemos a usar repertórios a partir das nossas posições de pessoas: a família em que fomos criados; a escola que frequentamos. Esses diferentes contextos de socialização definem as oportunidades de contatos com repertórios, Gêneros de Fala e linguagens sociais. (SPINK, 2010, p. 33).

24

O repertório linguístico é constituído pelos termos, conceitos, os lugares comuns e figuras de linguagens que fazem parte do rol de possibilidades que podem ser acessadas no processo de construção de sentidos.(SPINK, 2010).

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28

Para as reflexões sobre o esquema temporal referente ao tempo vivido, a autora

fundamenta-se no conceito de habitus utilizado por Bourdieu como sistema de disposições

duráveis, que estão na base das percepções, apreciações e ações desenvolvidas pelos

sujeitos ou agentes. O repertório linguístico, acessível a esses sujeitos, estaria, em certa

medida, associado às especificidades desses espaços de socialização representados pela

família e pela escola. Assim, os filhos de famílias com um vasto repertório linguístico seriam

favorecidos, bem como aquelas pessoas cujas escolas propiciassem as condições

necessárias para ampliação desse repertório.

Na perspectiva de nos aproximarmos dos sentidos elaborados pelos jovens

escolares, utilizamos procedimentos de pesquisa como grupos focais25, entrevistas

individuais semi-estruturadas com os jovens e observações in loco como possibilidades

metodológicas para interpretação dos sentidos elaborados por esses agentes acerca das

questões investigadas. O processo exige atenção ao repertório utilizado por esses

interlocutores em suas falas, considerando que os termos presentes em seu discurso

expressam construções de sentido que são produzidas dentro de um determinado contexto

de existência. Essas construções dão indicações daquilo que o mundo social também

imprimiu nesses sujeitos.

Na escola do bairro Mondubim, fase inicial do processo de investigação, foram

realizadas observações in loco e aplicados 33 (trinta e três) questionários com estudantes

do ensino noturno das turmas de EJA IV e V, que se encontravam na faixa-etária entre 15 e

17 anos; estes que aceitaram responder às questões propostas no instrumental.

Na escola do Bonsucesso houve participação de 20 (vinte) estudantes de turmas

de EJA III, IV e V, predominando os jovens de EJA IV e V, turmas com maior número de

estudantes na faixa-etária de interesse. Foram realizados 02 (dois) grupos focais com

frequência de 06 (seis) participantes cada, e 17 (dezessete) entrevistas individuais com

alguns estudantes que participaram dos grupos focais e outros que não participaram. A

frequência irregular de alguns jovens às atividades cotidianas da escola inviabilizou a

participação de um número maior de estudantes no processo de pesquisa nessa unidade

escolar.

25

O Grupo Focal constitui um tipo de entrevista ou conversa realizada por meio da formação de grupos pequenos e homogêneos permitindo a interação entre os participantes e favorecendo a expressão de consenso ou divergências entre os sujeitos sociais participantes. A formação dos Grupos pode variar em número de seis a doze informantes (MINAYO, 2008). ABRAMOVAY (2004) também destaca a importância dessa técnica de pesquisa pelo fato do Grupo Focal permitir que os conteúdos expressos pela palavra de cada um dos participantes possam ser comentados pelos demais que compõem o grupo.

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29

Na escola estadual que apresentou menor taxa de distorção no Ensino

Fundamental, foram entrevistados 6 (seis) do total de 11 (onze) estudantes entre 15 e 17

anos matriculados nas turmas de 8º e 9º Anos que se encontravam em situação de

distorção idade-série. Esses estudantes participaram de 01 um grupo focal com outros

jovens na mesma situação de distorção idade-série no Ensino Fundamental.

Nessa mesma escola, foram entrevistados 09 (nove) jovens entre 15 e 17 anos,

que se encontravam cursando a série do Ensino Médio considerada adequada para a idade.

Além das entrevistas individuais, foram realizados 05 (cinco) grupos focais, cada grupo

formado por 06 (seis) estudantes nesse nível de ensino, sendo dois grupos focais no turno

da manhã, dois no período da tarde e um grupo focal no período noturno. A pesquisa, nessa

escola, contou com a participação total de 39 (trinta e nove) jovens do Ensino Médio. A

maior participação de jovens do Ensino Médio foi favorecida pelo maior número de

estudantes dessa etapa da Educação Básica matriculados na escola. Nos três primeiros

grupos focais com os estudantes do Ensino Médio, os interlocutores foram previamente

selecionados pela lista de frequência. Nos outros dias da pesquisa, fizemos o convite aos

jovens que se encontravam na Biblioteca da escola em momentos de intervalo das aulas,

procurando evitar interferências na dinâmica de estudos das turmas que, na semana da

pesquisa, encontravam-se em período de revisão para avaliações bimestrais.

O roteiro para a condução das entrevistas individuais foi elaborado a partir de

quatro eixos principais: Família, Trabalho, Educação e Futuro, e Os Jovens e o Bairro. No

eixo relativo à Família, procuramos identificar com quem os jovens residiam, a ocupação e

renda dos familiares e a escolaridade dos pais e familiares. Nesse eixo, a escolaridade dos

pais e familiares foi considerada como um aspecto relevante para a pesquisa, uma vez que

nos ajudaria a refletir sobre o universo cultural familiar no qual esses jovens encontram-se

inseridos e suas relações com a cultura considerada de prestígio no atual contexto.

Compreendemos que os agrupamentos familiares dos pesquisados podem

apresentar diversas composições e variações entre seus membros, formados por pai, mãe e

filhos, com a presença da autoridade paterna, até arranjos que se estendem a várias

gerações, com a presença de avós, tios ou primos, além da possibilidade de incorporação

de outros agregados e da existência de grupos em que predomine a presença da mulher

como chefe da família.

Segundo Osterne (2004), no Brasil, nenhum modelo de família predominou de

forma hegemônica, pois “[...] permaneceram as relações entre os grupos, não se instituindo,

consequentemente, qualquer forma hegemônica. Se a família é valor, não se conhece que

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30

tipo de família detém esse valor”. (p.50). Há uma diversidade de configurações familiares

nas quais esses sujeitos estabelecem laços de pertencimento, afetividade e de

reconhecimento mútuo que não estarão, necessariamente, fundados em associações de

parentesco e consanguinidade. No caso dos nossos interlocutores deste estudo, todos

apresentavam agrupamentos familiares fundados em laços de parentesco e

consanguinidade.

As questões propostas no eixo Trabalho visaram verificar a incidência de

trabalhadores entre os entrevistados e suas condições de inserção no mundo do trabalho,

como: os tipos de ocupações assumidas, horários de trabalho, remuneração. As formas de

contratação dos serviços dos estudantes trabalhadores constituíram também um ponto de

preocupação que moveu as discussões desse eixo, considerando que poderiam dar

indicações sobre as diversas modalidades de relações de trabalho às quais têm acesso:

práticas formais, informais ou ilegais do ponto de vista do Estatuto da Criança e do

Adolescente - ECA e outras legislações relacionadas ao trabalho de menores em vigor no

país.

Ainda nesse mesmo eixo, discutimos com os pesquisados como eles percebiam

a entrada dos jovens no mundo do trabalho e as possibilidades de conciliação do tempo

entre escola e trabalho.

No eixo Educação e Futuro procuramos perceber os sentidos atribuídos pelos

jovens à escola, se estabelecem relações entre essa formação escolar e suas pretensões

de futuro. Abordamos entre os jovens que ainda não atingiram o Ensino Médio se havia

entre eles a pretensão de cursar esse nível de ensino e em qual escola pretendiam estudar.

As outras questões gerais desse eixo lançadas aos três grupos referiram-se a:

tipo de profissão que pretendiam exercer no futuro; nível de informação sobre a existência

de escolas profissionalizantes no bairro ou na cidade; pretensões de cursar o Ensino

Superior e qual curso; informações sobre a localização das faculdades e universidades

dentro de Fortaleza; existência de conhecidos, amigos ou familiares cursando o Ensino

Superior.

No eixo Os Jovens e o Bairro as perguntas foram elaboradas na intenção de que

os jovens dessem indicações dos tipos de atividades, além da escola, que costumavam

participar no cotidiano, em especial nos finais de semana. Embora não tenham sido

colocadas alternativas para respostas dos jovens, intencionava-se verificar se esses sujeitos

participavam de grupos esportivos, culturais ou religiosos dentro da comunidade ou fora

dela. Outras questões referiram-se diretamente à ida desses jovens ao cinema, ao teatro ou

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31

a outras práticas de lazer e cultura, bem como se identificavam no bairro outras instituições

educativas ou culturais. Além dessas questões, foram incluídas algumas perguntas

relacionadas à percepção dos jovens sobre o bairro em que vivem quanto ao aspecto

relativo à violência.

As discussões nos grupos focais foram orientadas a partir de quatro temas

principais: Escola, Trabalho, Profissionalização e Ensino Superior. Nossa intenção foi de

provocar reflexões relacionadas ao papel da escola na vida dos jovens; o valor atribuído ao

trabalho, bem como sobre suas práticas variadas no mercado formal e informal; suas

perspectivas em relação à profissionalização e ao ingresso no Ensino Superior.

As primeiras reflexões acerca do problema que constituiu objeto desta proposta

de investigação foram instigadas a partir da convivência cotidiana com jovens da EJA IV e V

através do exercício profissional como professora, como já mencionamos, anteriormente.

Os relatos apresentados por esses jovens que em sua maioria se encontravam entre 15 e

17 anos de idade e ainda permaneciam no Ensino Fundamental, bem como as observações

realizadas no ambiente escolar, apontavam para a vivência de um cotidiano marcado por

muitos problemas, entre os quais podem ser citados: dificuldades no domínio das

habilidades básicas de leitura e escrita, muitas vezes mascaradas por certa indisposição

para as atividades propostas pelos professores; necessidade de renda que impunha a

alguns a submissão a condições precárias26 de trabalho; dificuldades no relacionamento

familiar; desinteresse pelas atividades escolares e indisciplina; faltas frequentes e a iminente

ameaça do abandono da escola.

Embora não constitua foco desta pesquisa o abandono escolar entre os jovens

da escola pública, compreendemos que esse problema está diretamente relacionado a

questões que envolvem a distorção idade-série, tendo em vista que o abandono escolar é

uma de suas consequências previsíveis e expressa a inexistência, ineficiência e/ou

ineficácia das políticas públicas governamentais no campo da educação direcionadas aos

jovens. A preocupação que nos move neste estudo é impulsionada por sentimentos de

quem reconhece nesse fenômeno da distorção um problema que pode resultar no

distanciamento dos jovens da escola e no gradativo abandono escolar. Para a Organização

Internacional do trabalho – OIT,

26

Trabalho sem contrato formal ou registro em Carteira Profissional e realizado sem condições e remuneração adequadas.

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32

Cuando lós jóvenes son exluidos de las esferas de la educación y del trabajo, las bases sociales de la gobernabilidad democrática se deterioran. Hay relación marcada entre la incapacidad de lós países para brindar uma trayectoria de vida educativa y laboral apropriada a su juventud y los problemas de violência, falta de seguridad y anomia del conjunto de la sociedad. OIT, 2010, p. 10).

A OIT destaca a associação existente entre os problemas de violência e anomia

social e a incapacidade dos governos dos países em garantir aos seus jovens as condições

necessárias para que esses sujeitos possam construir trajetórias apropriadas de educação e

trabalho, situação que foi obervada nas vivências de muitos dos nossos interlocutores, e

expressa por meio de suas narrativas, particularmente no caso dos estudantes de EJA.

Como nossa pesquisa foi limitada a três escolas da rede pública de Fortaleza,

seus resultados não podem ser generalizados ao conjunto de estudantes que se encontra

entre 15 e 17 anos, considerando as particularidades das situações experimentadas por

esses sujeitos, vivendo sob diferentes condições e posições no mundo. No entanto,

entendemos que há muitas aproximações entre as situações daqueles que compartilham

uma origem social comum, como os jovens das camadas pobres que se encontram em

situação de desvantagem social. Essa posição é ocupada pela maioria dos que dependem

das redes públicas de ensino do País e que estão entre os 84,5% dos estudantes27

matriculados na educação básica. Dessa forma, os resultados deste estudo, ainda que

particulares, podem oferecer elementos para a discussão sobre as políticas públicas

educacionais, uma vez que os sujeitos sociais que dependem dessas políticas, guardam

muitas similaridades em seus percursos sociais.

2.1 Mondubim: O Campo Familiar

A investigação na escola do Mondubim restringiu-se aos estudantes das turmas

de EJA IV e V, embora houvesse, em menor número, jovens na faixa-etária de interesse nas

turmas de EJA III. Entretanto, o fato desses jovens apresentarem dificuldades no domínio

das habilidades de leitura e escrita inviabilizava a aplicação dos questionários utilizados

nesta fase da pesquisa que deveriam ser respondidos diretamente pelos jovens.

A condição de ser professora das turmas pesquisadas constituiu um elemento

facilitador de acesso a esses jovens, dada a familiaridade construída na relação cotidiana

entre educadora e educandos. Mas, ao mesmo tempo, criou dificuldades quanto à inclusão

de determinadas questões mais particulares acerca das condições de existência desses

sujeitos. “Como seria possível “se abrir” [...] pensando que o que fosse dito poderia ser

27

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação básica: 2011 – resumo técnico – Brasília, 2012.

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33

“utilizado” por aquele que escuta e que faz parte de sua constelação social ou universo

cotidiano, ou seja, imaginando que as palavras poderiam modificar de alguma maneira esse

universo?” (LAHIRE, 2004, p.33).

Para tentar evitar constrangimentos que levassem os interlocutores a desistirem

de participar da pesquisa, uma vez que mantinham com a professora certa proximidade e

familiaridade construídas na convivência dentro do campo escolar, o que poderia levá-los a

rejeitar a ideia de compartilhar informações de sua vida privada que preferissem ocultar, foi

elaborado um questionário que eles responderam sem necessidade de intervenção externa

(as intervenções somente ocorreram nas situações em que foram solicitadas pelos jovens).

Naquele momento procuramos privilegiar os aspectos concernentes às relações dos jovens

com a escola e o trabalho, evitando questões que envolvessem particularidades familiares.

Apenas as informações relacionadas à escolaridade dos pais foram mantidas no

questionário.

Muitas informações sobre as condições de existência desses sujeitos foram

obtidas também através das vivências como professora naquele espaço escolar, nos

momentos das aulas, nos corredores, através da observação de suas falas nas discussões

sobre determinados temas de estudo relacionados à formação escolar e ao trabalho;

quando da apresentação de justificativas para as faltas às aulas ou para os atrasos, bem

como nas brincadeiras, ao atribuírem aos colegas apelidos associados ao tipo de trabalho

realizado durante o dia: o “cheiro verde”, como ficou conhecido um dos jovens que era

vendedor ambulante de cheiro verde nas ruas da comunidade de residência da maioria dos

jovens matriculados nessa unidade escolar.

As conversas estabelecidas no espaço escolar entre os jovens, muitas vezes

não apresentavam reservas quanto à entrada nas particularidades de suas vivências

familiares, considerando que, por tratar-se de uma escola de bairro, reunindo vizinhos e

amigos de infância que compartilhavam problemas familiares comuns, conflitos

intrafamiliares que podiam chegar a se tornar públicos na rua de moradia, durante os finais

de semana, terminavam sendo comentados entre eles na escola. Para Certeau (2011),

A prática do bairro é uma convenção coletiva tácita, não escrita, mas legível por todos os usuários através dos códigos da linguagem e do comportamento. Toda submissão a esses códigos, bem como toda transgressão, constitui imediatamente objeto de comentários: existe uma norma, e ela é mesmo bastante pesada para realizar o jogo da exclusão social em face dos “excêntricos”, as pessoas que “não são/fazem como todos nós”. (p. 47).

Algumas ocorrências do cotidiano da rua que parecem transgredir algumas

normas interiorizadas pela comunidade, ainda que não sejam efetivamente vividas por essa

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34

comunidade, transformam-se em assunto nas rodas de conversas dos estudantes:

comentários sobre uma jovem grávida, irmã de algum dos colegas ou a vizinha que é ou foi

estudante da escola; uma briga entre pais e filhos e a saída de casa do filho para morar com

um amigo; a orientação sexual do irmão do colega; o envolvimento de algum conhecido em

práticas delituosas; o assassinato ou a prisão de algum morador da comunidade.

Dessa forma, tínhamos acesso à informação sobre diversas situações do

cotidiano desses sujeitos como o envolvimento de familiares com o alcoolismo; o tipo de

trabalho desenvolvido pelos pais ou pelos próprios jovens, muitas vezes classificados por

seus pares como de menor valor, como foi observado o caso de um dos jovens que ajudava

a mãe a vender verduras na CEASA28, tornando-se motivo de brincadeira entre os colegas,

estes afirmavam que ele falava alto na sala de aula porque estava acostumado a gritar na

CEASA, oferecendo os produtos vendidos pela mãe. Poderíamos inferir que, para esses

jovens, tal ocupação carregaria um capital simbólico negativo, uma vez que não constituiria

tipo de trabalho considerado de prestígio dentro do nosso atual modelo de organização

social.

Outra situação observada referiu-se ao caso de um dos estudantes da turma de

EJA V cujo irmão adolescente, menor de 15 anos, que também era estudante da mesma

escola no período diurno, trabalhava como manicure em um “Salão de Beleza” do bairro e

em domicílio. Nesse caso, a reação dos colegas não estava associada à desqualificação do

tipo de trabalho realizado por esse adolescente, mas eram feitas insinuações quanto à sua

orientação sexual. As brincadeiras realizadas pelos colegas expressavam preconceito pelo

fato do adolescente desenvolver atividade tradicionalmente realizada por mulheres. O jovem

defendia-se das brincadeiras dos colegas afirmando que o irmão adolescente chegava a

levar para a mãe, ao final do dia, cerca de R$ 30,00 (Trinta Reais) obtidos através desse

trabalho.

Assim, muitas particularidades do cotidiano desses sujeitos manifestavam-se de

forma explícita ou velada nas conversas paralelas na hora da aula, nas brincadeiras, nos

momentos de intervalo entre as aulas ou mesmo diretamente nos diálogos que estabeleciam

com os profissionais da escola, onde costumavam falar sobre o que haviam feito no final de

semana e sobre as ocorrências do bairro que consideravam importante compartilhar na

escola.

28

“A CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DO CEARÁ S/A-CEASA/CE, Sociedade de Economia Mista, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado do Ceará, cuja instituição foi autorizada pela Lei nº 9.448, de 12 de março de 1971, com autonomia administrativa, financeira e personalidade jurídica de direito privado. A CEASA/CE tem sede e domicílio no município de Maracanaú-CE, na Rodovia Dr. Mendel Steinbruch, s/nº, Pajuçara e foro jurídico na Comarca de Maracanaú-CE”. Fonte: www.ceasa.ce.com.br – Consulta realizada em 06/12/2012.

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35

A condição de ser nativa daquele lugar, como uma das professoras da escola

que já acompanhava a trajetória de muitos desses jovens naquela instituição, criava alguns

embaraços para o trabalho de investigação por meio de entrevistas diretas com questões

mais específicas referentes ao contexto familiar, como a escolaridade e profissão dos pais, a

renda familiar, as condições de moradia. O “[...] pesquisador não desapareceria do universo

familiar do pesquisado no final da pesquisa e o pesquisador e o pesquisado deveriam viver

com essa experiência comum, o que certamente modificaria sua relação” (LAHIRE, 2004,

p.33). A professora teria acesso a informações sobre características dos contextos

familiares que os jovens, talvez, não desejassem compartilhar com uma profissional da

escola.

Por outro lado, esse pertencimento àquele universo conferia certa naturalidade

nas relações entre estudantes e professora, criando condições de se perceber, nas relações

cotidianas, alguns modos de pensar e de viver desses sujeitos de uma forma mais natural e

menos guiada. Ao se sentirem observados e “objeto” de análise diante de uma entrevista, os

estudantes poderiam manifestar comportamentos e falas “artificiais” diante das questões

abordadas. Correríamos o risco de que alguns jovens, em suas respostas, tentassem

corresponder às expectativas que eles consideravam ser esperadas pela escola. Mas, o

conhecimento que já havíamos construído acerca de algumas atitudes cotidianas desses

jovens no ambiente escolar, permitiu o estabelecimento de conexões ou comparações com

os conteúdos de suas falas expressas nos diálogos estabelecidos durante as entrevistas.

2.2 Bonsucesso e Parque São José: Campos Estrangeiros?

A entrada na escola do Bonsucesso e na escola do Parque São José, novos

espaços escolares de investigação da trajetória de campo, já não representava mais o

contato com o familiar, o conhecido. Apesar das semelhanças estruturais e de gestão

existentes entre as escolas públicas, bem como no que se refere à origem social de grande

parte dos discentes, essas instituições e seu público guardam particularidades que as

diferenciam entre si. Nessa fase da pesquisa, buscamos uma aproximação com os jovens

das unidades escolares pesquisadas nesses dois bairros. Para os jovens desses novos

espaços escolares, a professora aparecia agora como uma estrangeira, mesmo

apresentando certo domínio sobre “a língua e cultura locais”.

O fato de ser professora de escola pública favoreceu as primeiras aproximações

com esses jovens e, ao mesmo tempo, por não ser docente da unidade escolar, as falas

desses novos atores alargaram-se para particularidades de suas vidas que não foram

abordadas pelos sujeitos da escola do Mondubim, com os quais mantínhamos certa

familiaridade.

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36

Mas, se ser vista como uma estrangeira que ali estaria de passagem, favorecia a

abertura dos jovens às questões colocadas nas entrevistas, essa situação poderia também

sugerir aos sujeitos pesquisados a possibilidade de não serem “fiéis” em suas respostas.

Para tentar minimizar esse risco, procuramos estabelecer alguns nexos entre as questões

propostas nos roteiros, bem como introduzir novos elementos nos diálogos com os jovens,

quando foi sentida a necessidade de maiores esclarecimentos sobre as respostas

apresentadas por esses atores sociais.

O olhar lançado pelos sujeitos sobre um determinado campo, suas impressões,

percepções são transpassados por elementos constituídos a partir das vivências e relações

que estabelecem com o mundo, a partir do seu lugar no mundo e do seu lugar em relação a

esse campo. Quem olha de fora pode visualizar aspectos que parecem imperceptíveis

àqueles que se encontram no jogo das relações que se efetivam no interior do campo. Mas,

ficar à margem, nem sempre é garantia de uma visão precisa sobre o que se deseja

conhecer, uma vez que a riqueza dos detalhes pode ser comprometida pela distância entre

a margem e o centro. Assim, privilegiar a margem ou o centro como ponto de observação do

campo pode representar um risco para aqueles que tentam compreendê-lo.

Nesse sentido, afirmamos que as posições assumidas nesta proposta de

investigação encontram-se permeadas pelo habitus de quem a escreve. Na tentativa de ficar

mais próxima da margem, assumimos a posição de quem observa, pesquisa. Mas, como

professora de escola pública, com uma aproximação excessiva ao centro do campo, não

nos desvencilhamos das disposições construídas em nossa trajetória profissional. Desse

modo, assumimos um “lugar de fala” de quem tenta investigar, mas também de quem

compartilha do cotidiano de um coletivo representado pela escola.

Como afirma BOURDIEU, “[...] só compreendemos, verdadeiramente, o que diz

ou faz um agente engajado num campo (um economista, um escritor, um artista, etc.) se

estamos em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse campo, se

sabemos de onde ele fala [...]”. (2004, p.23 -24). Dessa forma, assumimos aqui um “lugar de

fala” que tenta ensaiar um olhar que “vem de fora”, um pouco à margem, como observadora,

mas que também parte do interior do campo, como professora, agente engajado e que

apresenta um forte enraizamento no lugar sobre o qual tenta pensar e escrever.

Escrever sem apresentar explicações ou apontar possibilidades de soluções

para os problemas do campo da educação, talvez constitua uma difícil tarefa para quem

carrega em sua trajetória profissional, como professora, uma convivência cotidiana com os

diversos agentes que atuam nesse campo e com os problemas que o afetam. Nessa

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37

condição, muitas vezes, julgamo-nos capazes de apresentar respostas técnicas para

resolução desses problemas. Constitui um desafio o tempo todo enfrentado no processo de

elaboração deste trabalho: evitar que os fatos cheguem acompanhados de explicação, mas

que sejam envolvidos pela compreensão sociológica. Tentar narrá-los sem transformar essa

escrita em um boletim informativo. Segundo Benjamim (1994), a narrativa

não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (p.205).

Este estudo não tem a pretensão de transmitir ou desvendar um “puro em si”,

escondido à espera de quem o traga à luz. É a mão da professora que vem imprimindo os

contornos da argila desde o início quando elegeu a temática principal como problema a ser

pensado e investigado. Assim, seus resultados não estarão isentos dos vestígios que serão

deixados pela mão de quem o escreve, uma vez que é a mão de quem observa, vivencia e

sente o problema.

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3 ESCOLA, FAMÍLIA E TRABALHO: REGULARIDADES E

VARIAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DE EJA

Dependendo da condição econômica, social e cultural, muitos jovens vivenciam

experiências que os aproximam dentro do mundo. Determinados modos de ser e de viver,

esquemas comuns de pensamento, de percepção, de apreciação e de ação diante do

mundo formam o habitus, “[...] um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que

incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo,

de um campo, e que estrutura tanto a percepção como a ação nesse mundo”. (BOURDIEU,

2011, p.144).

Esse habitus mantém relação com as estruturas objetivas dos espaços físicos e

sociais de vivência dos grupos e, dependendo das mudanças e novas exigências que

possam ser colocadas aos indivíduos dentro desses espaços de relações, o habitus pode

ser reconduzido. Novas expressões culturais, novos sentimentos, afetividades e também

novas estruturas podem ser incorporadas pelos sujeitos na convivência com outros sujeitos

dentro dos campos ou espaços nos quais estabelece relações. Segundo Bourdieu,

Os agentes sociais, evidentemente, não são partículas passivamente conduzidas pelas forças do campo [...] Eles têm disposições adquiridas [...] que chamo de habitus, isto é, maneiras de ser permanentes, duráveis que podem, em particular, levá-los a resistir, a opor-se às forças do campo. Aqueles que adquirem, longe do campo em que se inscrevem, as disposições que não são aquelas que esse campo exige, arriscam-se, por exemplo, a estar sempre defasados, deslocados, mal colocados, mal em sua própria pele, na contramão e na hora errada, com todas as consequências que se possa imaginar. Mas eles podem também lutar com as forças do campo, resistir-lhes e, em vez de submeter suas disposições às estruturas, tentar modificar as estruturas em razão de suas disposições, para conformá-las às suas disposições. (2004, p. 28-29).

O habitus ou disposições não constituem elementos naturais ou inatos, mas

elementos construídos que são incorporados ou adquiridos pelos sujeitos dentro de seus

espaços de socialização. Como elementos construídos podem ser modificados diante de

novas situações e exigências colocadas pelos contextos, que se transformam ou pela

própria inserção dos sujeitos em novos contextos que lhes são estranhos.

A inserção em campos cujas disposições exigidas ou dominantes não se

assemelham mais àquelas às quais os sujeitos se encontram adaptados, familiarizados,

pode colocar a esses sujeitos duas possibilidades: manter-se em permanente estado de

vigília no sentido de realizar as correções ou reconduções de habitus necessárias para que

não adote condutas não adaptadas, deslocadas ou defasadas para esse novo campo; ou

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resistir a essas novas forças do campo representadas por uma estrutura que lhes parece

estranha, procurando modificar essa estrutura de acordo com suas próprias disposições.

A família, a escola, o trabalho, a rua, assim como as instituições culturais,

políticas e religiosas constituem grandes matrizes ou universos de socialização e de

formação de disposições. A família, particularmente, como primeira instância de

socialização, transmite a seus membros valores, costumes, comportamentos, gostos,

aspirações, propensões, inclinações, hábitos, tendências, persistentes maneiras de ser

(LAHIRE, 2004) que exercerão influência sobre o patrimônio das disposições dos indivíduos

e sobre suas tomadas de posições diante do mundo social ao longo de suas trajetórias de

vida. Dessa forma, as disposições individuais estão intrinsecamente associadas às vivências

familiares, mas isso não impede que tais disposições sejam reconduzidas, a partir das

novas experiências socializadoras realizadas pelos indivíduos em outros espaços de

convivência diferentes do ambiente familiar.

Os grupos sociais nos quais as famílias encontram-se inseridas podem situar-se

numa posição dominante, quando apresentam volumes elevados de capitais como bens

materiais e recursos financeiros; certo nível cultural e escolar, bem como uma rede de

relações sociais que lhes traga vantagens dentro do espaço social. Compartilham um

ethus29 que se impõe como universal e, portanto, referencial para toda a sociedade. Por

outro lado, quando têm acesso a baixos volumes desses capitais se encontram em uma

posição dominada30, o que pode conferir ao ethus do seu grupo um status de

desqualificação frente àquele dominante, tomado como universal.

A proximidade no espaço social [...] predispõe à aproximação: as pessoas inscritas em um setor restrito do espaço serão ao mesmo tempo mais próximas (por suas propriedades e disposições, seus gostos) e mais inclinadas a se aproximar; e também mais fáceis de abordar, de mobilizar. Isto não significa que elas constituam uma classe [...], isto é, um grupo mobilizado por objetivos comuns e particularmente contra uma outra classe. (BOURDIEU, 2011, p.25).

O compartilhamento de lugares de vivência como o bairro, a rua, a vizinhança, a

escola ou o trabalho expressam posições ocupadas dentro da estrutura de relações do

espaço social que estão associadas à forma de distribuição dos volumes de capitais dentro

da sociedade, mas isso não implica que os indivíduos que ocupam essas posições tenham

consciência da condição que os aproxima e que, de alguma forma, os tornam um grupo. “O

29

Utiliza-se a categoria Ethus como “sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados” (BOURDIEU, 1998, p. 41) pelos grupos sociais e que contribui para as tomadas de posição dos membros desses grupos em suas relações nos diversos campos sociais. 30

A expressão “dominada” é mencionada no sentido de indicar uma posição em determinada relação dentro do espaço social, não significando, necessariamente, condição de submissão, passividade ou docilidade. (CERTEAU, 2012).

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40

fato de pertencer a um bairro, quando corroborado pela pertença a um meio social

específico, vem a ser uma marca que reforça o processo de identificação de um grupo

determinado.” (CERTEAU, 2011, p.84).

No caso específico dos jovens que constituem interesse nesta pesquisa, sua

origem está associada a uma condição de existência em que predominam baixos volumes

de capital econômico, cultural e social e essa condição, em certa medida, tende a aproximá-

los através de seus modos de vida, comportamentos, práticas, gostos e interesses. O capital

econômico está aqui associado à disponibilidade de recursos financeiros e posse de bens

materiais. O Capital Cultural, conceito utilizado por Bourdieu e, como já mencionado na

Introdução deste estudo, pensado em analogia ao capital econômico, está relacionado ao

domínio, por parte desses agentes e de seus familiares, dos códigos da cultura que se faz

dominante dentro de um determinado contexto (Capital Cultural Incorporado), bem como à

posse de bens culturais materiais (Capital Cultural Objetivado) e diplomas (Capital Cultural

Institucionalizado).

Em nosso estudo buscamos compreender, particularmente, a posição de nossos

investigados e de seus familiares nessas relações de poder que envolvem o saber

escolarizado, considerado saber legítimo e que funciona como uma credencial para o

acesso a certas posições no mundo social e no mundo do trabalho. Como afirma Almeida

(2011, p.47),

O conceito de capital cultural é uma ferramenta para se apreender a dimensão simbólica da luta entre os diferentes grupos sociais, para descrevê-la, para definir diferenciais de poder. [...] permite que seja contabilizado um outro tipo de patrimônio, simbólico, que, a partir daí, pode ser pensado como recurso passível de ser investido na obtenção de outros recursos.

Foi nessa perspectiva que buscamos investigar a relação de nossos sujeitos

pesquisados e de seus familiares e amigos com esse patrimônio simbólico representado

pela cultura escolar e outros saberes capazes de funcionar como um recurso gerador de

novos recursos aos seus detentores.

O Capital Social é compreendido por Bourdieu como a extensão da rede de

relações sociais estabelecidas pelos agentes que estão próximos, devido à posse de

propriedades comuns e que pode ser mobilizada no sentido de proporcionar ganhos aos

seus integrantes. O volume de Capital Social de um agente manteria relação com o volume

de Capital Econômico e Cultural. Assim, procuramos também considerar em nossas

análises a extensão e composição dessa rede de relacionamentos mantidas por esses

jovens e a influência dessa rede sobre a trajetória escolar desses sujeitos.

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41

Buscamos pensar sobre as relações entre a origem social dos jovens e suas

incursões nos processos de formação escolar, refletindo sobre os sentidos construídos por

esses jovens acerca de suas experiências escolares, suas expectativas em relação à

formação profissional e ao futuro, levando em consideração a posição de desvantagem

social que eles ocupam na estrutura desigual de distribuição desses capitais no contexto da

sociedade capitalista brasileira. De acordo com LAHIRE (2004),

[...] um grande número de disposições não está ligado às condições de existência de classe, nem mesmo à tendência da trajetória. Algumas delas – e às vezes mesmo entre as mais fundamentais do ponto de vista do “temperamento” mais recorrente, dos traços de personalidade mais transferíveis e perceptíveis – são o produto de condições não específicas a meios sociais, no sentido de classes de condições de existência. É o caso de todas as disposições incorporadas pela criança devido à posição que ocupa na cofiguração familiar [...] Mas muitas outras disposições também são observadas em todos os meios sociais: é o caso, entre outros, das disposições ascéticas ou hedonistas presentes em uma grande diversidade de condições sociais. (p. 324).

Para o autor, nem todas as disposições estão, necessariamente, associadas às

condições econômicas e sociais vividas, uma vez que as outras posições assumidas por

esses sujeitos no interior dos coletivos em que se inserem, como a família, os grupos

culturais, religiosos ou esportivos, por exemplo, podem levá-los a desenvolver disposições

específicas a essas posições, que independem do meio social no qual nasceram e tiveram

suas primeiras experiências de socialização. Lahire amplia o horizonte de compreensão

acerca da noção de disposições trabalhada por Bourdieu. Lahire percebe os sujeitos como

seres plurais, dotados de um patrimônio de disposições que podem ser ativadas,

desativadas ou transferidas entre os diversos contextos de experiências desses sujeitos.

Neste Capítulo discutimos sobre aquelas disposições atuais apresentadas pelos

jovens pesquisados, que possam estar mais associadas às condições econômicas, culturais

e sociais e que mantenham relação com o campo escolar e com o campo do trabalho. O

mundo social não constitui uma instância separada ou desvinculada da vida dos sujeitos,

pois se encontra tanto dentro deles, naquilo que incorporam em suas experiências

cotidianas, quanto fora deles como uma realidade empírica. Dessa forma, esse mundo

social está presente no delineamento dos contornos das disposições construídas pelos

sujeitos no decurso de suas trajetórias sociais.

A extensão desta pesquisa não permite aprofundamento dos aspectos

relacionados às disposições incorporadas pelos pesquisados ao longo de suas trajetórias de

socialização vivenciadas no universo familiar. No entanto, parte-se da compreensão de que

tais disposições construídas através dessas experiências familiares influenciam as posições

assumidas por esses jovens na construção de seus sonhos e perspectivas na esfera da

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educação e do trabalho, pois a matriz de socialização familiar apresenta papel importante na

constituição de disposições fortes, que podem ser transferidas, posteriormente, para as

diversas situações extrafamiliares enfrentadas pelos jovens.

Na entrada desses jovens em novos espaços de sociabilidade, como a escola,

organizações religiosas, políticas ou culturais, bem como nas relações estabelecidas no

campo do trabalho e, ainda, nas vivências na rua, pode ocorrer uma reativação das

disposições construídas no ambiente familiar, adaptadas ao novo contexto. Mas, também

pode ocorrer a transformação de uma disposição, considerando as especificidades dos

diversos campos que esses sujeitos podem passar a atuar. Uma disposição “pode ser

inibida (estado de vigília) ou transformada (devido a sucessivos reajustes congruentes)”

(LAHIRE, 2004, p. 30), reajustes que podem ser exigidos pelos novos contextos de vivência.

3.1 Diferentes Motivações para a Inserção nas Turmas de Ensino Noturno de

EJA

De acordo com as observações nos espaços escolares, questionários ou

entrevistas realizadas com os estudantes de EJA do Mondubim e do Bonsucesso, a entrada

para o ensino noturno apresentava-se associada à inserção em alguma ocupação geradora

de renda. Entretanto, outras motivações também foram apontadas pelos jovens, como a

negativa por parte das escolas em efetuarem matrícula no ensino diurno para estudantes

em situação de distorção idade-série e ainda a necessidade de assumir as tarefas

domésticas de casa ou o cuidado com os irmãos mais novos enquanto as mães

trabalhavam. Quanto à inserção em turma de EJA, essa constituía a única possibilidade

oferecida no período noturno, uma vez que as escolas investigadas nos dois bairros não

disponibilizavam matrículas para turmas do Ensino Fundamental regular no referido turno.

Os sujeitos interlocutores deste estudo, são jovens estudantes de escola pública,

moradores de bairros periféricos da cidade de Fortaleza e provenientes de famílias com

acesso a baixos volumes de capital econômico. Essa condição de inserção em famílias de

limitado poder aquisitivo pode favorecer o ingresso de muitos desses jovens em práticas de

trabalho que ferem as determinações da Lei nº 8.069/1990 que instituiu o Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA e que afirma em seu Art. 60 a proibição de qualquer tipo de

trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz a partir dos

quatorze anos. Entre os jovens trabalhadores entrevistados das turmas de EJA, a maioria

das situações identificadas infringiam essas determinações legais estabelecidas pelo ECA.

Para muitos desses jovens, trabalhar, mesmo em condições em que a Lei não

autoriza, pode constituir a única forma de acesso a uma renda mínima para contribuir com o

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43

seu sustento e da família, senão para garantir a posse de determinados bens ou produtos

necessários ou desejados para os quais a família nem sempre possui capital econômico

suficiente para lhes viabilizar o consumo.

3.2 Os Jovens da Escola do Mondubim

Na escola do Mondubim, percebemos a presença de muitos jovens entre 15 e 17

anos integrando as turmas de Educação de Jovens e Adultos - EJA no período noturno em

decorrência da inserção no mercado de trabalho No entanto, foi observada também a

existência de outras motivações para a matrícula de jovens não trabalhadores nesse turno e

em tal modalidade de ensino: como a preferência pelo turno para ficarem com o dia livre e o

fato de estarem em situação de distorção idade-série, resultando na perda de prioridade na

escolha do horário de estudo diurno, que é garantida para aqueles que se encontram na

série oficialmente recomendada para a idade.

Para a maioria desses entrevistados, a transferência para o período noturno,

além de estar associada à situação de distorção idade-série, estaria associada também à

necessidade de disponibilizar as horas diurnas para o trabalho, passando também a serem

responsabilizados pela complementação da renda familiar.

Dentre os jovens dessa escola que responderam ao Questionário da pesquisa,

23 (vinte e três) afirmaram ser trabalhadores e 10 (dez) estavam apenas estudando no

período investigado. Entre os trabalhadores predominavam situações de trabalho informal,

sem proteção social e com baixa remuneração quando comparada ao salário mínimo

vigente no País. Apenas 3 (três) possuíam carteira profissional assinada. Predominou a

inserção em ocupações sem exigência de escolaridade como: lavadores de carro, auxiliares

de padeiro, auxiliar de ciclo peças, serralheiro, auxiliar de facção, costureiro (a), entregador

de água de mercadinho do bairro, garçom, empregada doméstica e babá. Dois jovens

trabalhavam nos estabelecimentos comerciais de seus pais durante o dia: em um dos casos,

o jovem trabalhava em uma churrascaria localizada na própria residência da família e no

outro caso, em uma oficina mecânica em uma área central do município de Fortaleza.

Em uma das questões do Questionário foi perguntado aos jovens trabalhadores

se eles gostavam do tipo de trabalho que realizavam. Abaixo são apresentadas algumas das

respostas emitidas por esses estudantes:

Não, porque é ruim. A pessoa queima a vista. (Serralheiro/soldador, EJAV, 17

anos).

Sim, porque eu ganho de acordo com o trabalho. (Ajudante de caminhão, EJA V,

17 anos).

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Sim, porque eu aprendo mais. (Auxiliar em Ciclo Peça, EJA IV, 15 anos).

Sim, porque eu gosto de criança. (Empregada Doméstica/Babá, EJA IV, 16 anos).

Não, porque é muito quente e outras coisas. (Garçom/Churrascaria, EJA V, 17

anos).

Não, porque é muito cansativo e a carga horária é muito alta. (Empregada

Doméstica, EJA V, 15 anos).

Sim. Adoro criança. Isso é de mim mesma. (Babá, EJA V, 16 anos).

Sim, porque é uma arte. (“Ratanseiro”31

, EJA IV, 16 anos).

Podemos observar que apenas parte dos estudantes, que respondeu a esse

item do questionário, expressou insatisfação em relação às suas condições de trabalho,

situações que representam uma infração ao Art.67 do ECA por parte daqueles que

empregam esses jovens, considerando que o referido artigo afirma em seus incisos II e III

ser vedado o emprego de adolescentes em trabalho perigoso, insalubre ou penoso e

realizado em locais que possam prejudicar o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social

desses adolescentes.

Como se tratava de turmas de EJA, observamos ainda uma situação em que o

patrão também era estudante na turma de seus funcionários menores de idade. Em algumas

situações em que foram discutidos em sala de aula temas relacionados ao ECA, como o

direito à profissionalização e à proteção no trabalho, foi possível verificar as brincadeiras

lançadas pelos jovens a esse senhor, no sentido de alertá-lo sobre os direitos daqueles

trabalhadores menores que não estariam sendo respeitados na pequena “fábrica” de sua

propriedade. Para esse senhor, a oferta de trabalho para os jovens da comunidade, ainda

que fora das exigências legais, constituiria do seu ponto de vista uma oportunidade de lhes

garantir renda e ocupação durante o tempo livre fora da escola.

Mesmo conscientes da situação de ilegalidade de suas condições de trabalho

perante o ECA, como a ausência de garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários, bem

como o desenvolvimento de atividades que não constituíam aprendizagem para formação

técnico-profissional, como previsto na referida Lei e, ainda, realizados em ambientes

prejudiciais à saúde, muitos jovens se submetem a essas condições para garantir algum

salário.

31

Trabalha na fabricação de móveis de Ratam.

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45

De acordo com uma liderança comunitária do bairro, os jovens teriam

consciência de seus direitos, mas aceitam as condições por conta da necessidade de

trabalho e sabem que se “for denunciar, vai perder o emprego”. Para a líder comunitária, a

maioria dos estudantes da escola, que trabalha, precisa ajudar à mãe. Mas, afirmou também

que há o desejo entre esses jovens de “comprar o tênis ou a calça de marca” que a família

não tem condições de fornecer.

Corti et al (2011), ao comentarem a situação dos jovens entre 15 e 17 anos que

ainda não se encontram matriculados no Ensino Médio afirmam que

o apelo ao trabalho nessa idade correlaciona-se diretamente com uma escolaridade acidentada, em que a ocupação laboral permitiria acesso a uma renda decisiva, em um momento em que o jovem busca uma autonomia financeira que lhe possibilite a realização de pequenos gastos, capazes de lhe propiciar o acesso ao consumo e uma maior mobilidade exigida pelo trânsito social que a idade lhe permite. Entre escola e trabalho, ganha o trabalho, ou melhor, ganha alguma atividade, mesmo que precária, que lhe garanta o acesso a uma renda minimamente satisfatória. (p.41)

De acordo com esses autores, a inserção em algum tipo de trabalho, mesmo

sem proteção, constituiria para esses jovens uma possibilidade de acesso ao consumo,

certa autonomia diante da família e reconhecimento que lhes favoreceria o trânsito social

entre seus pares. Nessa primeira fase da pesquisa foi possível observar entre os estudantes

investigados relatos sobre a necessidade de dinheiro para o lazer do final de semana, bem

como foi verificada entre eles a posse de aparelhos celulares de marcas e modelos

relativamente atualizados com as tendências do mercado.

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT),

la inserción temprana, especialmente entre las famílias de menores ingressos, es uno de lós mecanismos de perpetuación de la pobreza: um joven que inicia su trayectoria laboral permaturamente, es casi seguro que no há completato una educacion suficiente y portanto estará abocado a trabajar a cambio de uma escasa remuneración, em situación desvantajosa para progresar y para dar a sus hijos mejores oportunidades que las que él tuvo. (OIT, 2010, p.10).

Na perspectiva da OIT, a inserção dos jovens que ingressam no mercado de

trabalho antes da conclusão de um ciclo básico de estudos é considerada uma inserção

precoce ou prematura, como no caso dos jovens entre 15 e 17 anos da escola observada

que sequer concluíram o Ensino Fundamental. Esse ingresso prematuro no mercado de

trabalho pode comprometer o processo de escolarização desses sujeitos e levá-los à

submissão a baixos salários e condições inadequadas de trabalho,

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Segundo afirmações do Fundo das Nações Unidas para a Criança – UNICEF,

“Praticamente um a cada três adolescentes brasileiros pertence ao quintil mais pobre da

população brasileira (ou seja, os 20% mais pobres do País): 28,9% dos garotos e garotas

entre 15 e 17 anos estão nesse grupo de renda” (UNICEF, 2011, p.29). A ausência de renda

impele grande parte desses garotos e garotas a se inserirem no tipo de trabalho que

encontram e que os aceite dentro das condições limitadas de escolaridade que apresentam.

Estabelece-se, portanto, uma relação de influência mútua entre capital econômico e capital

cultural: se não dispõem de capital econômico, buscam uma ocupação que possa lhes

garantir dinheiro e a escolarização32 passa a ser colocada em segundo plano, diminuindo as

possibilidades de ampliação do volume de capital cultural que poderia vir a constituir capital

simbólico na luta pela ocupação de outras posições sociais e no mundo do trabalho.

As observações em campo, no Mondubim, permitiram perceber que essas

atividades laborativas desenvolvidas pelos jovens, muitas vezes, comprometiam a

frequência desses estudantes à escola, considerando que a ausência de um contrato formal

de trabalho condicionava o horário de trabalho desses jovens às exigências colocadas pelos

patrões. Em alguns casos, as faltas à escola eram frequentes, bem como os atrasos para os

horários de início das aulas e, geralmente, justificados como problemas relacionados a

esses turnos de trabalho.

A proximidade com a escola do Mondubim, na condição de professora da

unidade escolar naquele momento, permitiu-nos também perceber que nem sempre as

faltas à escola eram decorrentes das longas jornadas de trabalho. Alguns jovens chagavam

à unidade escolar no horário previsto para início das atividades pedagógicas, mas

permaneciam no pátio externo conversando com outros colegas e depois iam embora sem

nenhuma justificativa. Outros chegavam a ir até a sala de aula para informar ao professor

que não participariam das atividades naquele dia, sem uma exposição de motivos que

pudesse justificar sua ausência. Um pequeno número de jovens fez menção à permanência

na escola como uma imposição dos pais. Segundo esses jovens, se dependesse deles, já

teriam abandonado as atividades escolares. Foi possível observar que esses jovens

estavam entre aqueles com maior incidência de faltas às aulas.

32

Neste estudo procuramos afirmar a significação da escolarização como elemento importante no processo de inserção social dos jovens. Entretanto, compreende-se que a elevação da escolaridade não é garantia de acesso de todos ao emprego sob condições desejáveis, considerando as questões que dizem respeito às formas de organização e acumulação do capital no atual contexto brasileiro.

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Segundo informações de colegas e vizinhos, apresentadas nas conversas em

sala de aula ou nos corredores da escola, alguns estudantes da turma faltavam às aulas

para permanecerem mais tempo no campo de futebol da comunidade ou em jogos

eletrônicos em lan house nas proximidades de suas residências. Esse fato põe em evidência

que não só o trabalho deve ser apontado como o principal responsável pelo afastamento

dos jovens das atividades escolares.

Nessa fase da pesquisa realizada no Mondubim, fase exploratória e preparatória

para esse processo investigativo, alguns aspectos das trajetórias sociais dos jovens não

foram abordados através dos questionários, como: motivações apresentadas pelos próprios

jovens para a inserção laboral; com que idade começaram a trabalhar; as

possibilidades/impossibilidades de conciliação do tempo entre escola e trabalho; a rede de

relações sociais desses jovens, dentre outros aspectos que só foram pensados a partir

dessa aproximação inicial com os jovens, nessa fase exploratória, e que foram incluídos nos

roteiros de entrevistas e grupos focais utilizados, posteriormente, com os sujeitos

pesquisados nas outras duas escolas.

3.3 Os Jovens da Escola do Bonsucesso

A entrada para o mundo do trabalho é apontada pelos estudantes como uma das

justificativas para a transferência de turno escolar, embora não apareça em suas narrativas

como o único fator determinante para a matrícula no ensino noturno. Entre os vinte jovens

pesquisados do Bonsucesso, 14 (catorze) já haviam vivenciado alguma experiência de

trabalho remunerado e 12 (doze) estavam trabalhando no período da pesquisa. De acordo

com as informações fornecidas pelos entrevistados, nenhum dos 12 (doze) jovens que

afirmaram estar trabalhando apresentava contrato formal de trabalho. A idade do primeiro

trabalho entre esses jovens variou dos 12 aos 16 anos, predominando a idade de 16 anos

(05 casos).

Comecei com doze anos olhando menino dos outros. Ganhava dez reais. (Garota de 17 anos, EJA V).

Comecei com 12 anos..... Eu ajudava a carregar peso, essas coisa assim de levar arroz, comida, assim....Eu tinha a maior dificuldade. ( Garoto de 17 anos, EJA IV).

Comecei com 13 anos como babá ... até meio dia. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Com catorze ... Foi nas casas dos outros aí ... Às vezes era arrumando a casa, essas coisas assim. (Garota de 16 anos, EJA III).

Comecei com dezesseis .... como trocador de óleo de moto. (Garoto de 17 anos,

EJA V).

Comecei com dezesseis ... pintura de casa, supermercado. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

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Já trabalhei viajando ... distribuidora de alimentos, padaria. Tinha dezesseis anos.

(Garoto de 17 anos, EJA IV).

Como costureira ... Das sete e trinta às dezessete e trinta. Com dezesseis anos.

(Garota de 16 anos, EJA IV)

Com dezesseis anos ... Pintura de móveis, ajudante. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Entre as jovens que trabalhavam como empregadas domésticas ou babás, a

inserção nessas atividades foi iniciada antes dos 16 anos, configurando situação de

“trabalho infantil” de acordo com o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho

Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador que considera como “trabalho infantil” as

[...] atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independente da sua condição ocupacional. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011, p.6).

As outras ocupações citadas pelos estudantes trabalhadores foram: servente de

pedreiro, auxiliar de madeireira e costureiro, ocupação referida por 06 (seis) dos doze jovens

que se encontravam trabalhando no período da pesquisa, remetendo à afirmação de um dos

garotos durante os grupos focais: “Todo mundo que eu pergunto trabalha em confecção”

(Garoto de 17 anos, EJA, Grupo Focal).

Todos os participantes desse grupo focal apresentavam a experiência de ter

trabalhado em confecções do bairro. No período da pesquisa, três deles ainda continuavam

prestando serviços a alguma dessas confecções. Sobre o trabalho nessas empresas, os

jovens afirmaram:

Trabalho em negócio de confecção .... Trabalho das sete às dezessete .... Sou auxiliar de ... não sei o que lá... Aparo costura . O curso aqui pra confecção ... você vai dois dias pra aprender, pronto ... no terceiro, já tá formado. (Garoto de 17

anos, EJA V, Grupo Focal).

De auxiliar de costureira ... de 07:30 às 17:30 e sábado até meio dia... Almoço em casa. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Me chamaram, já. Eu tenho uns amigos que têm confecção ... Aí, ele me chamou pra trabalhar lá ... pra mim aprender e depois trabalhar pra ele. (Garoto de 17 anos, EJA V, Grupo Focal).

Eu trabalho... só que não pode assinar a carteira, porque eu sou de menor, né?(Garoto de 17 anos, EJA IV).

Esse último jovem afirmou trabalhar dois dias por semana em uma confecção, às

sextas e aos sábados. O pai não concordaria com o fato do patrão do filho não assinar sua

carteira e já teria ido a essa confecção reclamar dessa situação. De acordo com o jovem, ir

trabalhar somente às sextas e aos sábados seria uma forma do pai, que é separado de sua

mãe, não perceber que ele continuava trabalhando. As expressões e falas do jovem

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demonstraram indignação diante do fato do pai não lhe dar nenhuma ajuda e ainda interferir

na possibilidade que ele dispunha, naquele momento, de ganhar algum dinheiro trabalhando

na confecção.

Eu trabalho dois dia ... só dois dia... sexta e sábado, por causa que meu pai não deixa eu trabalhar ... porque ele, né... separado da minha mãe ... Ele bota o maior queixo. Aí, eu trabalho só dois dias... Oh, ele não me dá nada! Aí, ... separado da

minha mãe ... num me dá nada! Nem falar com ele, eu num falo... Ele botou queixo com o cara lá ... Só eu completar dezoito anos, eu volto pra lá ... (Garoto de 17 anos, EJA IV).

De acordo com os relatos desse mesmo jovem, o patrão teria afirmado: “Ei,

quando tu tiver dezoito anos, eu assino a tua carteira”. As determinações legais de proteção

ao trabalho para os menores de 18 anos parece não preocupar patrões e jovens

trabalhadores do Bonsucesso. A inserção de menores de dezoito anos em atividades

laborativas, sem nenhuma proteção legal, parece constituir uma prática no bairro

naturalizada entre os entrevistados.

3.3.1 Trabalhar para comprar as minhas coisas

Na perspectiva de tentar estabelecer relações entre a necessidade de trabalhar

e a opção pelo ensino noturno, foi abordado com os estudantes se eles poderiam

permanecer estudando sem trabalhar. Uma jovem não trabalhadora afirmou que estudando

no período noturno ficaria mais fácil para conseguir emprego. Por esse motivo, realizou sua

matrícula nesse período para ficar com tempo disponível para as oportunidades de trabalho,

pois caso conseguisse emprego, não teria problemas com a escola.

Outros três jovens deram indicações de que não seria uma necessidade urgente

inserir-se no mercado de trabalho: “Nunca precisei trabalhar não. Tudo que eu quero minha

mãe me dá. Tanto que eu perdi meu celular que me roubaram. Ela vai me dar outro”. (EJA

IV, 16 anos). Esse depoimento é de uma das jovens que assume as tarefas domésticas e a

responsabilidade com o irmão mais novo enquanto a mãe trabalha. Ao ser indagada se não

preferia estudar no período diurno, afirmou: “Não, porque de manhã eu faço as coisas na

casa da minha mãe, que minha mãe trabalha, e de tarde tem meu irmão pra mim vim deixar

no colégio”. (EJA IV, 16 anos).

Para Corti et al (2011), os afazeres domésticos representam um fator de indução

familiar dos filhos ao abandono escolar. A falta de dinheiro para manter os filhos na escola

não representaria o único elemento determinante para o gradativo abandono da escola, pois

a responsabilização das filhas, na maioria das vezes, pelo trabalho doméstico do lar, pode

também favorecer o afastamento das jovens das atividades pedagógicas da escola. Se não

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abandonam a escola, são transferidas para o período noturno, ficando com maior

disponibilidade de tempo para cuidarem da casa e dos irmãos mais novos.

Ainda que o trabalho fora de casa não constitua uma obrigação para alguns

desses jovens, a responsabilidade com as tarefas domésticas do lar e o cuidado com os

irmãos menores passam a ser transferidas para alguns deles quando as mães são

trabalhadoras e essa situação parece ser naturalizada por esses estudantes. Nenhum deles,

nessa escola, expressou insatisfação com as responsabilidades assumidas em casa.

Nos depoimentos de alguns jovens que declararam ser trabalhadores, o trabalho

é apresentado como uma possibilidade de ganhar dinheiro para comprar os bens que

desejam e que a família não teria condições financeiras para custear, ou como uma

alternativa para não pedirem dinheiro aos pais, como podemos observar através dessas

narrativas:

Não, é porque eu quero mesmo... tem muitos irmãos ... Aí, eu quero comprar minhas coisas.... (Garoto de 17 anos, EJA V)

Eu tenho que trabalhar né, porque eu tenho que comprar minhas coisas ..... A minha mãe diz que quer ver eu no ensino médio... Aí, ela diz: É preciso trabalhar né ... minha filha? .... Ajudar a ela, né? Porque o dinheiro que eu pego, eu dou todinho pra ela ... eu preciso comprar minhas coisas, né? Meu pai ...? (Garota de 16 anos, EJA III).

Se eu não trabalhasse, eu não ia ter as coisas que eu quero. (Garota de 17 anos, EJA V)

Porque quero comprar as minhas coisas. (Garoto de 17 anos, EJA V)

O cara fica liso... pagar merenda pas comade, como é que pode?.... Aqui e acolá (o pai) dá quando pede... Aí, ter que ficar dependendo, né? .... Passou o tempo de negócio de esperar da mamãe e de pai... Tem que trabalhar mesmo... Ser

independente logo cedo. (Garoto de 17 anos, EJA V, Grupo Focal).

Meu pai me dá dinheiro, só que eu não gosto de ficar pedindo, não. (Garoto de 17 anos, EJA V, Grupo Focal).

De acordo com Corti et al (2011),

O uso do dinheiro que se ganha com o trabalho demonstra, entretanto, que a necessidade não é apenas uma pressão da família por uma maior renda. Assim, podemos entender o papel da independência que o dinheiro confere ao jovem, pois, enquanto na faixa etária de 15 a 17 anos, 33% dos homens e 35 % das mulheres usam o dinheiro só para si, 59% dos homens e 57% das mulheres o dividem e apenas 4% dos homens e 5% das mulheres entregam para a família tudo o que ganham. Ou seja, o dinheiro, mesmo quando serve para ajudar a família, confere autonomia ao jovem para transitar, em seu tempo livre, no mundo da cultura juvenil. (p.45).

Para esses autores, o fato de que apenas um pequeno percentual do dinheiro

ganho pelos jovens trabalhadores venha a ser totalmente apropriado pela família

demonstraria que a inserção desses jovens no mercado de trabalho não seria,

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necessariamente, uma imposição das famílias como condição de garantia de subsistência

de seus membros. Além de constituir uma possibilidade de contribuir com a renda familiar, o

dinheiro ganho com o trabalho permitiria a esses jovens trabalhadores alcançar maior

autonomia diante da família e do próprio universo e cultura juvenil. A renda obtida com o

próprio trabalho abriria a possibilidade de acesso a determinados bens circulantes e

desejados pelos jovens, conferindo-lhes afirmação e reconhecimento diante de seus pares.

Mas, há situações em que a inserção dos jovens em ocupações geradoras de

renda aparece como uma necessidade para a garantia da manutenção básica de

sobrevivência da família e não, apenas, como um meio de construção de autonomia diante

da família:

Mas, eu trabalho até de noite, até seis horas. Cuido de duas meninas e ganho só cento e cinquenta... por mês! ... Pra cuidar de duas meninas! ... E é muito pouco, pouco mesmo... Porque é o jeito, né? Tem que trabalhar né? ... Porque... sabe, minha mãe .... trabalha .... sofrendo.... tem menino pequeno em casa, né? .....Tem que trabalhar para ajudar a sustentar a casa, né? .... Queria, assim, que eu pudesse, sei lá, mudar a minha vida, mas .... não sei nem o que falar ... (Garota de 16 anos, EJA III).

Os relatos da jovem indicam que trabalhar é uma urgência, constitui uma

condição para ajudar no sustento dos irmãos. Ela ainda destaca a insatisfação quanto à

remuneração recebida, considerando a jornada de trabalho e o número de crianças das

quais precisa cuidar, mas enfatiza a insatisfação também em relação à sua situação de vida

ao mencionar o desejo de querer mudá-la.

Assim, as motivações para a entrada e permanência no mundo do trabalho por

parte desses jovens encontram-se intrinsecamente associadas às especificidades dos

contextos familiares experimentados por cada um deles. Ainda que trabalhar represente

para alguns desses estudantes apenas a possibilidade de comprar “suas coisas”, e não a

obrigação de “ajudar a sustentar a casa”, nos dois casos há indicação de que as famílias

não estariam em condições de suprir determinadas necessidades demandadas por esses

sujeitos, o que os levaria a buscar através do trabalho uma renda capaz de suprir tais

necessidades.

Entre os pesquisados do Bonsucesso, cerca de metade dos jovens afirmou ser

beneficiária do Programa Bolsa Família33, o que não significa que a outra metade não

33

“O Programa Bolsa Família (PBF) apresenta-se como um programa de transferência direta de renda direcionado a famílias consideradas pelo Programa como em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais. A seleção das famílias para o PBF a partir das informações registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa renda existentes no Brasil. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) apresenta-se como um

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apresente o perfil exigido para o atendimento nesse Programa. Segundo relatos de alguns

entrevistados, desligados do referido Programa, os responsáveis pela família não teriam

procurado regularizar a situação dos filhos ou dependentes junto ao Programa. Uma jovem

afirmou que desde que a irmã “se mudou para São Paulo, não deu mais certo” (Garota de

16 anos, EJA V). Outra estudante afirmou: “O bolsa família da minha mãe foi cortada,

porque nós paremos de estudar, aí cortou o bolsa família dela” (Garota de 16 anos, EJA IV).

Quando indagada por que a mãe não solicitou a reintegração dos filhos ao Programa, já que

naquele momento estavam todos estudando, a jovem informou que a mãe não tinha tempo,

pois trabalhava o dia todo, até mesmo aos domingos.

Em 2008, o Governo Federal implantou o Benefício Variável Jovem34 que

incorporou os jovens de 16 e 17 anos que não eram atendidos pelo Bolsa Família que

limitava a idade até 15 anos. O fato de participarem do Programa Bolsa Família dá

indicações das condições de acesso desses jovens a baixos volumes de capital econômico,

uma vez que a condição para a inserção nesse Programa é que a renda per capta da família

seja inferior a R$ 70,00 (setenta reais) mensais.

Em um dos relatos dos entrevistados, uma jovem comentou sobre a prática

desenvolvida pelo irmão mais novo em relação aos recursos recebidos do Bolsa Família.

Segundo a jovem, o irmão, que ainda não trabalha, utiliza a parte do dinheiro que a mãe lhe

repassa para emprestar a juros a pessoas da comunidade, conseguindo, assim, aumentar

sua renda mensal. A mesma entrevistada também relatou que antes de ser empregada

doméstica vendia rifas no bairro. Do dinheiro arrecadado, ela repassava doze reais para o

ganhador e ficava com o restante. Atualmente, não tem mais condições de continuar essa

atividade, pois não dispõe “de tempo para andar pelo bairro vendendo as rifas” (Garota de

16 anos, EJA IV).

As ocupações dos pais, mães ou padrastos referidas pelos entrevistados foram:

Auxiliar de limpeza, Dono de Bodega na própria residência, Pedreiro, Empregada

doméstica, pintor, costureira, Pintor automotivo, Confeiteira, Atendente de loja de celular,

predominando as ocupações de Empregada Doméstica, Costureira e Pintor. Em apenas três

casos, foi afirmado que esses familiares possuíam carteira profissional assinada,

predominando as situações sem vínculo formal de trabalho.

instrumento para identificação e caracterização das famílias de baixa renda que, na perspectiva desse Programa, são aquelas que com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal total de até três salários mínimos. (Fonte: www.mds.gov.br. Pesquisa realizada em 10/12/2012). 34 O Benefício Variável Jovem - BVJ é uma modalidade de benefício variável do Programa Bolsa Família

vinculada aos jovens de 16 e 17 anos. Criado em 2008, esse benefício apresenta como objetivo principal contribuir para a permanência na escola dos jovens do programa bolsa família que completarem 16 anos. (Fonte: www.mds.gov.br. Pesquisa realizada em 11/12/2012).

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Os entrevistados não deram informações muito precisas sobre os rendimentos

familiares. Entretanto, pelos dados levantados, essas famílias apresentam renda mensal

total inferior a três salários mínimos. Desse modo, mesmo os que afirmaram não participar

do Bolsa Família poderiam ser classificados como de baixa renda se tomarmos como

referência os critérios utilizados pelo Cadastro Único para os Programas Sociais do Governo

Federal, que inclui nessa categoria as famílias que apresentam renda mensal per capta até

meio salário mínimo ou renda mensal total de até três salários mínimos.

3.4 Condições de acesso à Cultura Escolar entre jovens e familiares

As narrativas dos nossos entrevistados ao comentarem sobre suas ocupações e

condições sob as quais se encontram inseridos no mundo do trabalho, desenvolvendo

tarefas como babás, empregadas domésticas, serventes de pedreiro ou costureiros

permitem-nos perceber que tais práticas de trabalho não corroboram para seus processos

de formação técnico profissional35 dentro do que preconiza o ECA e o Decreto da

Presidência da República de nº 5.598 de 1º de Dezembro de 2005, que regulamenta a

contratação de aprendizes, única condição legalmente autorizada para a inserção dos

jovens menores de 16 anos no mundo do trabalho.

O tempo disponibilizado para essas atividades laborais pode representar um

tempo que deixa de ser investido no processo de aquisição da cultura escolar, cultura

socialmente valorizada e que, dependendo do contexto, pode conferir poder àqueles que a

dominam ao possibilitar o ingresso em outras posições no campo do trabalho.

Como já discutimos na Introdução deste estudo, Bourdieu utiliza a noção de

Capital Cultural para se referir aos tipos de saberes considerados legítimos dentro de um

determinado universo social. Desse modo, não desconsideramos os saberes que cada um

desses jovens possam trazer de suas experiências cotidianas. Mas, procuramos destacar

que há certos conhecimentos próprios dos conteúdos representados pela cultura escolar

que são exigidos para a inserção em determinadas atividades profissionais, bem como nas

próprias relações sociais entre grupos.

Para Bourdieu, tais conhecimentos seriam arbitrários, uma vez que não haveria

uma hierarquização natural entre eles, mas a construção de uma hierarquia entre saberes

35

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, “A formação técnico profissional deve ser constituída por atividades teóricas e práticas, organizadas em tarefas de complexidade progressiva, em programa correlato às atividades desenvolvidas nas empresas contratantes, proporcionando ao aprendiz uma formação profissional básica”. (MTE, 2011, p.12)

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orquestrada pelo grupo social dominante que procura impor sua cultura particular aos

demais grupos sociais que passam a tomá-la como universal. Segundo o autor, “[...] todos

os valores universais são, de fato, valores particulares universalizados, portanto, sujeitos à

suspeição (a cultura universal é a cultura dos dominantes, etc.)”. (BOURDIEU, 2011, p.

155).

Há críticas a esse posicionamento de Bourdieu quanto ao reconhecimento social

do valor de determinados conhecimentos apenas pelo fato de pertencerem aos grupos

dominantes. Segundo Nogueira & Nogueira (2004),

O fato de que os grupos socialmente dominantes dominem os conteúdos valorizados pelo currículo não seria suficiente para se afirmar, de uma forma generalizada, que esses conteúdos foram selecionados por pertencerem a esses grupos. Na verdade, o raciocínio poderia ser até o inverso. Por serem reconhecidos como superiores (por suas qualidades intrínsecas|), esses conteúdos passaram a ser socialmente valorizados e foram apropriados pelas camadas dominantes. (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004, p. 115).

De qualquer modo, arbitrários ou não, entendemos que determinados

conhecimentos, como aqueles que podem ser viabilizados pela escola, são socialmente

valorizados e exigidos para a inserção social dos jovens e poderão conferir vantagens a

esses sujeitos em seus percursos sociais.

Segundo Bourdieu (2011), a cultura escolar constitui um tipo de capital cultural

incorporado e dependeria de um processo de inculcação e de assimilação, uma vez que

exige investimento de tempo por parte “do “sujeito” sobre si mesmo”, tempo que muitos

jovens que já ingressaram no mundo do trabalho não mais dispõem, seja nos momentos

fora da escola, porque esse tempo já é consumido pelo trabalho, seja na própria escola,

quando matriculados no período noturno que apresenta uma carga horária de estudos

inferior àquela do período diurno.

Esse capital “pessoal” não pode ser transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo do título de nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca [...] Não pode ser acumulado para além das capacidades de apropriação de um agente singular; depaupera e morre com seu portador (com suas capacidades biológicas, sua memória, etc). (BOURDIEU, 2011, p. 75).

A quantidade de tempo livre a ser utilizado no processo de aquisição de capital

cultural influencia no volume a ser incorporado, o que significa que, aqueles com maior

disponibilidade de tempo para o investimento nesse processo poderão alcançar volumes

mais elevados desse capital. No caso dos sujeitos entrevistados no Mondubim e

Bonsucesso, há menor disponibilidade de liberação de tempo livre para o investimento

escolar entre aqueles que são estudantes trabalhadores, reduzindo as chances de

ampliação de capital cultural incorporado.

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No processo de aquisição desse tipo de capital, o volume apresentado pela

família pode interferir na precocidade com a qual o indivíduo inicia o processo de

incorporação. Os filhos de famílias dotadas de forte capital cultural são favorecidos, uma vez

que iniciam esse processo de incorporação logo nos primeiros momentos de socialização

quando crianças. Ao contrário, os filhos de famílias que apresentam baixo volume desse tipo

de capital, sem reserva acumulada de capital cultural incorporado através das experiências

familiares, só terão oportunidade de ampliá-lo a partir do ingresso em outros universos de

socialização como a escola, as organizações religiosas e culturais, dentre outras instâncias

socializadoras que possam vir a ter acesso.

Partindo da compreensão de que a escolaridade constitui um tipo de capital

cultural socialmente valorizado, podemos afirmar que na escola do Mondubim foi verificado

que predominavam baixos volumes desse tipo de capital cultural entre os pais dos jovens

pesquisados. A maioria desses pais havia concluído o 4º ou 5º ano do Ensino Fundamental,

tendo sido citadas situações de pais analfabetos ou com nível médio incompleto, neste

caso, com pequena expressividade. Esses dados indicam que a maioria dos pais possui

escolaridade inferior àquela alcançada pelos filhos. No caso dos estudantes do Bonsucesso,

a maioria dos pais dos entrevistados não chegou a concluir o Ensino Fundamental, tendo

cursado até, no máximo, as séries correspondentes ao 5º, 6º e 8º Anos. Foram citadas dois

casos de pais não alfabetizados e de um pai que teria concluído o Ensino Médio.

Nos roteiros das entrevistas realizadas na escola do Bonsucesso, além da

escolaridade dos pais, foram introduzidas questões relacionadas à escolaridade dos demais

familiares e dos amigos dos pesquisados em relação ao Ensino Médio e ao Ensino Superior,

bem como questões sobre familiares, amigos ou conhecidos da faixa-etária entre 15 e 17

anos que já haviam abandonado a escola. A introdução dessas novas questões às

entrevistas objetivou ampliar o grau de informações acerca do volume desse tipo de capital

cultural em circulação no contexto de vivência dos entrevistados.

As informações obtidas indicaram que entre os vinte jovens desse bairro que

participaram da pesquisa, havia onze casos de irmãos na faixa-etária recomendada para o

Ensino Médio, bem como acima dessa faixa, que já haviam abandonado a escola ou se

encontravam inseridos também em turmas de EJA ou Projovem36 na mesma escola. Foi

36

O Projovem foi instituído pelo Governo Federal em 2005 e é direcionado aos jovens na faixa-etária entre 15 e 29 anos, tendo como finalidade “[...] executar ações integradas para os jovens brasileiros, visando a elevação do grau de escolaridade e a conclusão do ensino fundamental; qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva e o desenvolvimento de ações comunitárias com práticas de solidariedade; exercício de cidadania e intervenção na realidade local”l. (OIT, 2009, p.82).

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citado um caso de uma irmã de 25 anos não alfabetizada. Foram citados cinco casos de

irmãos que já haviam concluído o Ensino Médio ou estavam cursando essa etapa de ensino.

Um relato sobre abandono escolar apresentado por um dos jovens referiu-se à situação do

irmão mais velho (atualmente com 19 anos), que apresentava problemas na coluna vertebral

e sofria com as brincadeiras dos colegas na escola, o que o teria levado a abandonar os

estudos. Outras duas entrevistadas fizeram referência à situação de irmãos mais velhos que

não estudavam, pois estariam presos.

Em relação a possuir em sua rede de relações amigos ou primos que se

encontravam cursando o Ensino Médio, quatro entrevistados afirmaram não conhecer

pessoas que estivessem cursando essa etapa da Educação Básica. Um dos jovens afirmou

no Grupo Focal: “Eu tenho três amigos que já tão fazendo o Ensino Médio .... E a gente que

devia ter vergonha ... “. (Garoto de 16 anos, EJA IV, Grupo focal). O jovem parece

convencido de que ele e seus colegas de EJA tiveram total responsabilidade sobre a

escolha desse destino, o qual a necessidade social pode ter-lhes antecipadamente

assinalado. (BOURDIEU, 2010).

Perguntamos a esses jovens sobre a existência de situações de familiares ou

colegas que haviam abandonado a escola e alguns deles afirmaram:

Ah, eles só quer curtir, num quer nada... Eu chamei, mas ele foi preso ... (risos)

(Garota de 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Ah, num quer nada na vida.... Passa o dia no meio da rua ... (Garota de 16 anos,

EJA IV, Grupo Focal).

Eu tenho um amigo que ele abandonou a escola porque ele disse que a professora não sabia ensinar ... a professora, ele dizia que era o problema.....Mas, o problema é do aluno que não quer estudar direito, não presta bem atenção nas aulas... Agora tá estudando ... Ele voltou.(Garoto de 16 anos, EJA IV, Grupo

focal).

Tenho primos que deixaram de estudar, ... uns pararam na 4ª série, na 2ª... A minha tia, eu não entendo a minha tia, não. Porque o pai deles era vagabundo. Aí ele morreu, queriam entrar na vida como meu tio... Taí, eles tão sofrendo. Tem um que tem 17 anos.... É o que tá no 2º ano. Meu primo mais velho é ... o mais comportado ...Ele tá estudando, já tá fazendo o segundo grau. (Jovem de 17 anos,

EJA IV).

Desistiram .... porque não queriam nada com a vida. Vinham e ficavam frescando na aula. Aí, depois desistiram de vir. (Jovem de 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Eu conheço, um amigo meu. Ele não estuda por causa que ele se envolveu nas drogas muito cedo. Ele com oito anos começou a fumar drogas, e hoje em dia ele tem quinze anos e fuma pedra ... Não, nunca estudou não... Vinha pro colégio, gazeava. (Garota de 16 anos, EJA V).

Meu irmão desde pequeno que ele fuma droga e não se interessa de estudar... Meu irmão desde pequeno que ele quis ser vagabundo ... nunca quis vim pro

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colégio... Tem dezessete anos. Veve mais preso do que solto. ... Ele tá no Patativa... (Garota de 16 anos, EJA V).

Meu irmão mais velho ... Abandonou, já .... Não quis nada na vida... Trabalha de costureiro ... (Garota de 16 anos, EJA III).

É a responsabilização total do indivíduo sobre seu destino que predomina nas

narrativas da maioria dos entrevistados ao procurar explicar o abandono escolar por parte

de seus familiares e conhecidos. Mas, o relato de outra jovem sugere uma reflexão sobre o

papel desempenhado pela escola junto aos estudantes no processo de aquisição das

competências básicas que se espera que essa instituição os ajude a desenvolver:

[...] a minha vontade é de ler muito, mas eu não ... (choro). Ninguém me ensina.... Não sei o que eu tenho que... não sei o que tem na minha cabeça que eu leio uma coisa aqui, ai eu esqueço as outras coisas ... Eu leio aqui uma palavra... Aí, daqui a pouco eu não sei aquela palavra, não segura dentro da minha cabeça... Não sei o que é isso, não sei porque que eu sou assim ... Às vezes eu sinto vergonha... Eu não sei ler... direito ... Aí, passar uma vergonha, né? Aí, eu prefiro ficar calada... A professora mandou eu assinar meu nome... Eu não sei direito, não sei. Aí, eu, ah, meu Deus... Vou ser burra pra sempre na vida. Porque se for continuar do jeito que eu tô aqui no colégio, venho, faço as tarefas e tal. Faço a tarefa, mas eu não sei. Eu faço... a tia manda eu fazer coisa na lousa, eu não sei ler ainda, não tem condições. Ô, tia, como é isso? Ela não explica, entendeu? Faça a prova... Eu não sei ler, como é que eu vou fazer minha prova que eu não sei?... Fica ruim pra mim, por isso que, às vezes, eu fico perto do meu irmão .... Aí, ele me ensina. Minha mãe fala assim, isso é uma vergonha pra ti, né? Porque tuas primas tudinha é formada... Assim, essas coisas e... Eu não sei escrever, né? (Garota de 16 anos, EJA III).

O depoimento da jovem pode demonstrar que a permanência na escola não lhe

tem garantido o acesso a um tipo de conhecimento básico: o domínio das habilidades de

leitura e escrita. A afirmação de que prefere ficar calada por não saber ler nos remete à

reflexão de Bourdieu de que “Os locutores desprovidos de competência legítima se

encontram de fato excluídos dos universos sociais onde ela é exigida, ou então, se veem

condenados ao silêncio.” (BOURDIEU, 1996, p.42). Um silêncio que pode representar o

gradativo distanciamento ou abandono de espaços sociais em que a condição de não saber

ler e escrever pode causar constrangimentos, como a própria escola, lugar de aprendizagem

dessas competências, particularmente para aqueles cujas famílias não são portadoras da

cultura socialmente consagrada como legítima.

A jovem ainda afirmou ter dificuldade em se deslocar para outras partes da

Cidade decorrentes dessa condição de não saber ler: “Não sei pegar ônibus também. Não

saio pra canto nenhum”. Esse não é um problema vivenciado apenas pela entrevistada, pois

segundo ela, sua mãe, pelo fato de não ser alfabetizada, limitava-se a conseguir trabalho de

faxineira em locais próximos à sua residência, pois não saberia deslocar-se para outros

bairros. A entrevistada afirmou: “Minha mãe, ela não sabe muito pegar um ônibus... Ela não

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sabe essas coisas assim... Ela não sabe ir pra longe... Ela num vai. Só vai por perto mermo

que as colega dela diz e ela vai”. (Garota de 16 anos, EJA III).

Nas entrevistas e grupos focais perguntamos ainda aos jovens se possuíam

familiares ou amigos e conhecidos do bairro cursando Faculdade. Seguem algumas

respostas apresentadas pelos entrevistados:

A minha prima trabalha também num hospital... Bem dizer ela é quase médica já... Ela já assina, passa remédio. (Garota de 16 anos, EJA V).

Minha prima também faz medicina. Primeiro passou nos estudos e fez... Aí, se inscreveu pra doutora... Tem 21 anos, ela... já trabalha... É auxiliar de enfermagem... técnico.(Garota de 16 anos, EJA V).

Uma amiga minha tá fazendo faculdade. ela é mulher do meu primo.... Sei não qual é o curso que ela faz...Mas, ela faz curso. Ela faz curso, quando é de noite ela vai pro colégio dela. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Tenho um amigo que tá fazendo, mas mora no Parque Manibura. (Garoto de 16

anos, EJA IV).

Meu tio faz administração. Minha tia que é enfermeira. (Garoto de 17 anos, EJA

IV, Grupo Focal).

Minha irmã vai fazer. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Um colega, vizinho, faz informática. (Garoto de 16 anos, EJA IV).

Não conheço ninguém que esteja fazendo faculdade. (Garoto de 16 anos, EJA V).

Nos três primeiros relatos notamos contradições nas informações fornecidas

pelas entrevistadas. Entretanto, após algumas perguntas lançadas às jovens foi possível

perceber que os cursos aos quais se referiam eram cursos profissionalizantes e não cursos

do Ensino Superior.

O fato dos entrevistados não possuírem familiares ou amigos cursando o Ensino

Superior, esse nível de ensino pode constituir uma situação estranha a alguns deles,

levando-os a confundir um curso profissionalizante de nível técnico com um curso de nível

superior. Podemos pensar em que medida essa aparente confusão estabelecida pelas

jovens entre cursos profissionalizantes e cursos superiores poderia conter uma carga

simbólica, no sentido de desejarem mostrar a possibilidade de um membro da família ou um

conhecido estar inserido em um curso ou profissão socialmente valorizado.

Para Bourdieu (2010), as disposições familiares influenciam os processos de

formação escolar dos filhos. O valor atribuído à escola e a esperança ou descrédito

depositado nessa instituição social, pelos pais e familiares, afetarão nas escolhas presentes

e futuras dos filhos, seja para aqueles que se encontram em uma posição de posse de

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elevados volumes de capital econômico, cultural e social, seja para aqueles com acesso a

baixos volumes desses capitais.

Na verdade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição social.A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito.(BOURDIEU, 2010, p.41-42).

No caso específico deste estudo, o fato de as famílias dos entrevistados

apresentarem baixa escolaridade pode influenciar nas disposições desses jovens em

relação ao interesse pelo tipo de capital cultural proporcionado pela escola. A continuidade

dos estudos por parte dos irmãos mais velhos, por exemplo, pode incentivá-los a continuar

persistindo no investimento escolar. Ao contrário, quando esses irmãos desistem desse

empreendimento, aumentam as chances de fragilização das atitudes positivas frente à

escola.

Essa situação não significa a impossibilidade de mudança ou alteração nas

posições ocupadas dentro do espaço social, tanto para os estudantes das camadas

privilegiadas quanto para aqueles que não usufruem desse privilégio. As tomadas de

posição desses jovens diante das oportunidades criadas dentro dos campos em que

desenvolvem suas práticas podem favorecer a evolução ou limitação do seu volume de

capitais, apesar das predisposições de seu grupo social de origem.

Mas, as tomadas de posição que possam permitir uma mudança ou uma

mobilidade ascendente desses jovens dentro do campo escolar ou do trabalho não

dependem, apenas, de suas vontades individuais, através de escolhas livres e conscientes e

de ações rigorosamente calculadas pela razão para o alcance dos objetivos pretendidos;

nem tampouco resultam, exclusivamente, do “efeito mecânico da coerção de causas

externas”, como aquelas advindas do modelo de organização econômica da sociedade que

interfere nas formas de distribuição do capital econômico.

De acordo com Bourdieu, “[...] as ações possuem mais frequentemente por

princípio o senso prático do que o cálculo racional [...]” (2001, p.78). Assim, há uma razão

prática que orienta as atividades realizadas pelos sujeitos em sua existência cotidiana e que

está associada ao habitus do seu grupo de pertencimento. No entanto, as novas

experiências de socialização que são vivenciadas pelos sujeitos nos diversos espaços de

convivência com outros sujeitos - seja na escola, na comunidade, na rua, no trabalho, nos

grupos culturais, religiosos, esportivos ou políticos podem viabilizar alterações nesse

habitus.

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A escola, como espaço de conhecimento e socialização, exerce influência sobre

essas disposições incorporadas, representadas pelo habitus, o que significa a possibilidade

de recondução ou conversão desse habitus, dependendo das exigências colocadas pelo

campo.

O investimento do tempo despendido nas atividades escolares representa para

algumas famílias o único possível e esse investimento pode estar associado à crença nos

resultados que o capital escolar é capaz de proporcionar. Neste estudo procura-se

compreender em que medida essa crença ainda persiste ou se corre o risco de ser

eliminada, desconstruída pela desilusão quanto aos resultados que o “diploma” ainda pode

exercer sobre suas condições de existência.

Segundo Bourdieu (2001), para que as pessoas possam continuar investindo em

um determinado campo, é necessário que a illusio não seja eliminada, que a incerteza não

se instaure para que as esperanças não se percam em meio às dificuldades colocadas

pelas limitadas possibilidades objetivas visualizadas pelos sujeitos frente ao mundo.

Segundo o autor,

[...] para que se instaure essa relação particular entre as esperanças subjetivas e as oportunidades objetivas que define o investimento, o interesse, a illusio, é preciso que as oportunidades objetivas se situem entre a necessidade absoluta e a impossibilidade absoluta, que o agente disponha de chances de ganhar que não sejam nulas (perde-se em todos os lances) nem totais (ganha-se em todos os lances), ou melhor, que nada seja absolutamente seguro sem que, por outro lado, tudo seja possível. (BOURDIEU, 2001, p.261).

Para que se continue no jogo, nesse caso, na escola, é necessário que os

jovens e seus familiares acreditem que ainda há pelo menos uma mínima chance de ganhar.

Mas, essa crença pode sempre ser reforçada ou abalada tanto pelas experiências

individuais de cada um desses jovens, como pelas experiências de sucesso ou insucesso de

amigos e familiares no que se refere aos resultados provenientes dos investimentos

realizados no campo da educação.

Na perspectiva de pensar sobre a persistência dessa crença nos resultados da

educação, perguntamos aos jovens do Bonsucesso sobre os motivos que os levavam a

continuar na escola, considerando que alguns de seus colegas do bairro já haviam desistido.

Os entrevistados afirmaram:

Eu queria ser uma coisa melhor... (Jovem de 17 anos, EJA V).

Porque eu quero o melhor pra mim... Eu quero terminar meus estudos pra mim arrumar um trabalho. (Jovem de 16 anos, EJA IV).

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Porque eu gosto de estudar... E minha mãe também manda, né? Ah, eu arrumar

uma coisa melhor no futuro, trabalhar, ter minha vida boa, né? (Jovem de 16 anos,

EJA IV).

Porque eu sinto que posso aprender mais... não tem nada lá fora ... eu aprendo na escola. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Porque a pessoa vai terminar... a pessoa... pode ter uma coisa, pode ganhar bem...ter uma família . (Garoto de 17 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Porque quero me formar. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Tem gente que não acha que a escola vai mudar a vida dos outros não ... Mas, eu acho. (Garoto de 15 anos, EJA III).

Porque quero terminar logo. (Garota de 16 anos, EJA IV)

Preciso de um futuro melhor. Se não for estudando ... (Garoto de 17 anos, EJA V).

Porque eu quero terminar e fazer alguma coisa. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Quero aprender. (Garota de 16 anos, EJA III).

Esses jovens parecem acreditar que a escola ainda pode lhes trazer algum

retorno positivo, que as chances de conseguir um futuro melhor não foram eliminadas,

apesar de se encontrarem em uma posição de desvantagem em relação aos outros jovens

da mesma faixa-etária que já se encontram no Ensino Médio.

Em nossas reflexões não desconsideramos a possibilidade de que a

permanência de alguns desses pesquisados na escola também esteja associada à garantia

de permanência no Programa Bolsa Família através do Benefício Variável Jovem já

comentado neste Capítulo.

3.5 A Rede de Relações Sociais entre os Estudantes de EJA do Bonsucesso

O lugar de moradia é um lugar de compartilhamento de algumas características

comuns de seus usuários e uma dessas características está associada, particularmente, ao

volume de capital econômico que possibilita ou impossibilita que as pessoas residam em

uma determinada região da cidade e não em outra. E é nesse lugar que se estabelecem

muitas das relações sociais de seus moradores, particularmente daqueles das camadas

mais pobres, como os sujeitos deste estudo, que nem sempre contam outros espaços de

sociabilidade além dos disponíveis no bairro: a praça, as Igrejas locais, as escolas, os

campos de futebol, os bares, os espaços locais de festas. As suas redes de relações

estarão associadas a sujeitos que se encontram em uma posição semelhante dentro do

espaço social que, neste caso específico, é constituída de pessoas que, em sua maioria,

dispõem de baixo volume de capital econômico. Para Bourdieu (2011) essa rede de

relações constituiria um tipo de capital social.

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O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 2011, p. 67).

O conceito de capital social ajuda a compreender os diferentes efeitos sociais

que a posse de determinados volumes de capital econômico e de capital cultural podem

exercer sobre as trajetórias de vida dos indivíduos. Os rendimentos obtidos por aqueles que

apresentam volumes equivalentes de capital econômico e social estarão associados à

capacidade desses indivíduos de mobilizarem os volumes de capitais possuídos. Assim, ao

estabelecerem relações nos diversos campos em que atuam, alguns conseguirão ampliar

seus volumes com uma margem superior à margem alcançada por outros, considerando as

articulações realizadas por intermédio de suas redes de interconhecimento e inter-

reconhecimento.

O capital social, ainda que não dependa de forma exclusiva dos volumes

possuídos de capital econômico e cultural, mantém relação intrínseca com esses capitais,

uma vez que eles garantem o pertencimento e o reconhecimento dentro de um determinado

grupo e posição social, que podem favorecer a multiplicação dos capitais possuídos e

investidos nesse jogo de relações. Para os jovens interlocutores deste estudo, que ocupam

uma posição de desvantagem social, pode predominar uma rede de relações sociais ampla

composta pelos amigos do bairro, da escola ou do trabalho. Entretanto, essa rede tem em

comum a condição de um lugar no espaço social, em que predomina a posse de baixos

volumes desses capitais, o que pode limitar as possibilidades de mudanças em suas

posições dentro desse espaço.

Os estudantes das turmas de EJA do Bonsucesso, como já foi anteriormente

comentado, encontravam-se inseridos em ocupações informais como costureiros

empregadas domésticas, babás, auxiliares de carpinteiros, serventes de pedreiros, dentre

outras ocupações, a maioria executada nos limites do próprio bairro de moradia,

caracterizando a rede de relações mais próxima desses jovens. Podemos, então, pensar:

em que medida essa rede de relações sociais, caracterizada pela baixa escolaridade e baixo

poder aquisitivo de seus membros, pode proporcionar vantagens para seus integrantes?

Na intenção de investigar a participação de nossos interlocutores em outros

espaços de socialização e pensar sobre as possibilidades de influência das relações

desenvolvidas nesses outros espaços de sociabilidade sobre suas disposições em relação à

escola, ao trabalho e ao futuro, conversamos com os jovens do Bonsucesso sobre suas

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63

práticas no bairro, ou fora dele, durante o final de semana quando não estavam na escola

ou no trabalho; se existiam na comunidade grupos ou projetos direcionados aos jovens e se

participavam desses grupos ou projetos, bem como procuramos compreender a percepção

desses sujeitos sobre o bairro.

Em relação às atividades desenvolvidas fora da escola e do trabalho ou nos

finais de semana, os entrevistados afirmaram:

Jogar bola, ir pra praia. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Domingo, pra praia, pro culto Pentecostal. (Garota de 17 anos, EJA V)

Fico andando no bairro (Garoto de 17 anos, EJA V).

Pra piscina... Pro Balneário Paulistão (no Bom Jardim)... Paga quatro reais.

(Garota de 16 anos, EJA IV).

Minha mãe não gosta de me levar pra canto, não... Assisto desenho. Sou mais de

ficar em casa. (Garoto de 15 anos, EJA III).

Pras festa do Maracanau. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Gosto de sair pra casa da minha avó. (Garota de 17 anos, EJA ).

Participava de grupo de jovens no Maranhão. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Sair pra casa da minha prima. Nós ir pra praia. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Ah, eu fico só dentro de casa... Eu fico ajudando minha mãe limpar peça .... ponto de linha . Ela vai pegar lá na comadre dela.... só faz tirar ponto de linha. (Garota

de 16 anos, EJA IV)

Eu vou fazer um projeto... é de informática ...mexer em computador... É um nome aí, eu num to lembrada não... É um novo aí... A maioria dos adolescentes tão... Aí, você faz um estágio... é estágio ... Você precisa ir pra aula. Você não pode faltar, tem que ter boas notas... Depois do North Shopping... Dão passagem, dão dinheiro pra ir e pra voltar. (Garota de 16 anos, EJA V).

Eu participo de... futebol... A gente às vezes joga... Essa igreja aí... tem outros tipos de trabalho ... Tirar o pessoal das drogas. (Garoto de 17 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Já participei do grupo de dança... Só que é aqui perto não... É no Henrique Jorge... Segunda, quarta e sexta... (Garoto de 16 anos, EJA IV, Grupo Focal)

Na universal, já participei do grupo de dança. Deixei... Só que agora faço no Centro Comunitário... Só que num é aqui perto não ... É no Henrique Jorge... três vezes por semana. Tem futsal, natação e hip hop. (Garoto de 16 anos, EJA IV,

Grupo Focal).

Lá no CIES tem balé, capoeira... Só pra quem estuda. (Garota de 16 anos, EJA

IV).

Faço curso de informática, lá no centro, de graça... É porque eu fui lá pro SINE da Parangaba... Dão vale transporte.... Precisa de uma carteira de trabalho, título... É à tarde. Eu saio de lá e venho direto pra cá... Eu treino, num só faço só curso de informática. Eu também jogo futebol. Eu treino, ....aqui no Nordeste, numa outra

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cidade. Tem que pegar dois ônibus. É lá na Fábrica Fortaleza. É dia de sábado... Eles treinam, aí depois a pessoa passa no teste, aí quando passar no teste já pode ser profissional. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Aqui no bairro? Onde é que tem?... Aqui num tem nem ... nem a pracinha tem aqui. Aqui mesmo não tem nada não. (Garoto de 16 anos, EJA V, Grupo Focal).

Tem (curso) pra ser ladrão, traficante... é o que não falta.... Uma semana a gente já tá formado. (Garoto de 16 anos, EJA V, Grupo Focal).

Assembleia de Deus... O meu é à noite também... quarta, sexta e domingo .... Amanhã acho que eu vou. (Garoto de 17 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Shalom .... Lá tem teatro... dança....Eles dançam muito lá quanto tão cantando com os menino... Tem negócio num sei o que pros jovem... Eu fui só uma vez porque eu tô estudando à noite. (Garoto de 16 anos, EJA V, Grupo Focal).

Vou de vez em quando na católica.(Garoto de 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).

A praia e o futebol, como tipos de lazer mais acessíveis aos grupos com menor

acesso à renda, aparecem com maior frequência nas falas desses jovens. A piscina vem se

popularizando com as alternativas criadas em bairros da periferia da Cidade onde são

cobradas taxas para entrada em locais com piscinas a preços acessíveis a essa camada da

população.

As falas dos entrevistados não indicaram a existência de grupos e/ou projetos

governamentais ou comunitários com ações direcionadas aos jovens dentro do bairro, com

exceção das igrejas locais. Esses grupos religiosos desenvolveriam ações voltadas a

usuários de drogas, mas também na área cultural através de grupos de dança e teatro.

Dois jovens comentaram sobre a participação em projetos desenvolvidos fora do

bairro, como no Centro Comunitário do Henrique Jorge, com opções de esporte e lazer,

outro e na região do Cento de Fortaleza em cursos de informática realizado através de

encaminhamento pelo SINE37. Uma das entrevistadas comentou que iria fazer um curso de

informática em um projeto, também fora da comunidade. No entanto, a jovem não pareceu

ter informações precisas sobre o referido projeto.

Mas, foram outros dois depoimentos que nos chamaram especialmente a

atenção pela forma como nossos interlocutores procuraram expressar a ausência ou o

37

O SINE – Sistema Nacional de Emprego foi instituído pelo Decreto n.º 76.403, de 08.10.75 e tem como Coordenador e Supervisor o Ministério do Trabalho, por intermédio da Secretaria de Políticas de Emprego e Salário. Sua criação fundamenta-se na Convenção n.º 88 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que trata da organização do Serviço Público de Emprego, ratificada pelo Brasil. A partir da criação do Programa do Seguro-Desemprego,, passou-se a entender por Sistema Nacional de Emprego a rede de atendimento em que as ações desse Programa são executadas, que além do Seguro-Desemprego, inclui ações de Intermediação de Mão-de-Obra e Apoio ao Programa de Geração de Emprego e Renda. Fonte: www.mte.gov.br/sine . Consulta realizada em 17/01/2013.

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sentimento de ausência de ações que atendam às demandas juvenis dentro daquela área

da Cidade. Referindo-se à (in) existência de projetos ou cursos dentro da comunidade para

o atendimento juvenil, um deles disparou: “Aqui no bairro? Onde é que tem?... Ao mesmo

tempo em que denunciam a ausência de ações governamentais para esse público, essas

falas também indicam as consequências dessa ausência: “Tem (curso) pra ser ladrão,

traficante... é o que não falta.... Uma semana a gente já tá formado”.

As narrativas dos jovens pesquisados do Bonsucesso apresentadas até aqui nos

mostram que alguns desses sujeitos encontram-se numa fronteira muito próxima das

práticas do roubo e do tráfico de drogas, práticas que já fazem parte do mundo vivido por

familiares e vizinhos. Em uma das entrevistas, uma jovem de dezesseis anos, estudante da

turma de EJA IV, relatou que a maioria de seus amigos não estuda. Um dos seus primos foi

baleado por conta de disputa pelo domínio de território do tráfico de drogas na área onde

residem. De acordo com a jovem, seu primo sabe quem foi o responsável pela bala que o

atingiu, mas não informa para a Polícia porque as consequências seriam piores. O primo

continuaria sendo perseguido. A jovem afirmou ter medo de andar com o primo. Ele costuma

visitar sua casa e ainda não teria sido baleado lá, porque a pessoa que o está perseguindo

diz não querer atingir as crianças da casa. Segundo a estudante, o conflito entre os dois

seria motivado pelo fato do material fornecido pelo primo ser de melhor qualidade que o do

outro comerciante. A garota ainda relatou que um jovem do bairro queria namorá-la, mas foi

apreendido após realização de um furto. Ela teria dito ao jovem que só ficaria com ele se o

mesmo não se envolvesse mais com roubos.

Em outro depoimento, uma jovem afirmou: “Minha amiga me chamou pra furtar

lá no Center Box... Já fui chamada pra saidinha bancária”. (Garota de 17 anos, EJA V).

Segunda a entrevistada, ela não teria aceitado nenhuma dessas propostas.

Perguntamos aos jovens se gostavam de residir naquele bairro e se era um lugar

tranquilo para se viver. Os entrevistados responderam:

Morre tanta gente aqui... onde eu moro tem bala... Onde eu moro é mais perigoso lá... tem bocada. Pra banda lá de baixo... Depois da ponte. É morte, é assalto... (Garota de 16 anos, EJA V).

Ave Maria, lá tem muita bala... O povo diz que é muito vagabundo, né? Agora, eu nem saio mais de dentro de casa.... Mas, agora até que tá mais calmo.... Mataram um amigo meu... foi... num sei... Ele não devia ninguém. Ele tinha acabado de chegar do trabalho... Já fez um mês já... Ele ele tinha uns vinte e dois anos...acho.(Garota de 16 anos, EJA IV).

Gosto... Não pretendo mudar dele tão cedo... Moro há 14 anos... Aí, nós mora aí de aluguel... Acho (tranquilo) ... do que eu vejo na televisão, eu acho... Morte... presenciei... Um primo meu... foi tiro... foi oito tiro... (Garota de 16 anos, EJA IV).

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Um colega meu foi preso hoje ... menor ... com assalto . Foi, mas só que ... não colega meu...não falava com ele... É que eu conhecia, mas eu não falo com eles não. É que eu conheço ... Foi hoje ... de manhã. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Lá não é perigoso não, porque tem os vagabundo conhecido... Eles dizem assim ... quando acontece alguma coisa, eles mandam a gente entrar pra dentro de casa ... porque eles gostam da minha mãe ... Só que a gente quer sair de lá porque acontece muita morte, muita coisa. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Aqui não tem nada... tem muito é lixo e favela. E ladrão por aí. (Garoto de 16

anos, EJA V).

Gosto do bairro... De vez em quando tem um problema, mas é tranquilo... (Garoto de 17 anos, EJA V). Tem muita bala. Mataram um amigo meu há um mês. (Garota de 16 anos, EJA IV). Gosto. Mas, não é muito bom. Tem muita violência perto. (Garota de 15 anos, EJA V). Gosto. É perigoso que só... É porque eu conheço os vagabundo tudinho. Meu ex- namorado ... (Garota de 17 anos, EJA V).

Através das conversas com os jovens verificamos que muitos deles residiam em

uma área mais afastada da escola, situada nas proximidades de uma das pontes que passa

sobre um canal que corta o bairro. Essa área, referida nas falas de alguns pesquisados com

a expressão “lá de baixo” ou “lá”, seria considerada como um lugar do bairro com maior

ocorrência de tráfico, assaltos e mortes. De acordo com informações dos entrevistados,

algumas famílias residentes nesse lugar seriam removidas em decorrência do processo de

urbanização realizado pelo Governo Estadual naquela região da cidade. Entre os

pesquisados, três afirmaram que suas famílias seriam deslocadas do local de moradia.

As impressões dos jovens sobre o bairro tomaram como referência a área “lá de

baixo”. A expressão foi utilizada tanto por estudantes moradores da referida área quanto por

moradores de ruas consideradas mais tranquilas. Um estudante, morador recente, se

comparado àqueles que nasceram ou estão naquela área da cidade desde a infância,

apresentou o seguinte depoimento sobre o bairro:

Um dia desse eu ia morrendo ali, mas, ... eu gosto. Eu tava na rua, aí dois cara veio na moto e papocou bala... Foi. Queria pegar os menino lá de baixo. Eu tava passando na rua, aí tinha uns menino aqui na esquina, aí eles viram e começaram a papocar bala.

As ocorrências de conflitos no bairro parecem ser associadas aos moradores “lá

de baixo” e a aproximação com esses moradores, na percepção de alguns, poderia trazer

vantagens:

Por um lado é até bom ter amizade (na “favela”). Se você vai ser roubado, eles conhecem. Pode tá lá. Eles vão buscar. Se for amigo dele, né? Aí, vai... Porque um é mais doido do que outro... bota moral no outro.

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Apesar das ocorrências conflituosas do bairro serem atribuídas aos moradores

“lá de bairro”, considerados, em certa medida, como os causadores da anomia, da

indisciplina ou da desordem (ELIAS e SCOTSON, 2000), não percebemos nas falas ou

expressões desses pesquisados, moradores da referida área, nenhum tipo de

constrangimento em mencionar a experiência de ser morador “lá de baixo”. Talvez esses

jovens apresentem-se em maior número na escola se comparados aos outros estudantes

residentes em outras áreas, o que não os faria se sentir diferentes dos demais estudantes.

Esses depoimentos nos levam a pensar sobre as possibilidades ou

impossibilidades desses sujeitos capitalizarem ganhos em suas trajetórias sociais a partir

das experiências vividas nesses espaços de sociabilidade que lhes são próximos e

possíveis e a imaginar por quanto tempo continuarão acreditando que o jogo da

permanência na escola ainda vale a pena ser jogado.

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4 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS, ESCOLARES E DE TRABALHO ENTRE

JOVENS ESTUDANTES NO PARQUE SÃO JOSÉ

Como mencionamos na Introdução deste Trabalho, os jovens são sujeitos reais

vivendo experiências objetivas e subjetivas específicas e tais experiências não se limitam a

condicionamentos que possam ser impostos pela situação social de classe. Segundo Pais

(2003),

os processos sociais que afectam os jovens não podem ser unanimemente compreendidos como simples ou exclusiva resultante de determinações sociais e posicionamentos de classe. Esses processos têm também de ser compreendidos, por exemplo, à luz das lógicas de participação dos diferentes sistemas de interação locais, através dos quais também se modulam as trajectórias sociais. (p. 64).

Desse modo, mesmo vivenciando experiências que os aproximam a um grupo

social com acesso a baixos volumes de capital econômico, cultural e social, nossos

interlocutores, por meio das interações que estabelecem em suas trajetórias sociais, podem

alcançar posições diferenciadas dentro do espaço social. A rede de relações sociais, as

instituições sociais como a escola e outros espaços de acesso ao conhecimento e à cultura

considerada de prestígio, bem como determinados ambientes de trabalho, podem permitir

que muitos jovens pobres contrariem a “causalidade do provável”, considerada por Bourdieu

(2001) como um dos fatores que exerce maior poder na conservação da ordem social, uma

vez que favorece o ajustamento das esperanças depositadas em determinados projetos de

vida às oportunidades objetivas de realização de tais projetos.

Compartilhamos do entendimento expresso por Pais (2003) de que as

“Trajectórias individuais são também imprevistas, como de resto acontece com a própria

vida quotidiana”. (p.64). Assim, apesar das dificuldades que podem estar colocadas a um

grande número de jovens pobres, seja em relação à condição social de classe, à escola ou

ao trabalho, tais dificuldades não constituem uma sentença que lhes determina a

impossibilidade de alcançar os projetos de futuro desejados. Mas, compreendemos também

ser necessário o encontro desses jovens com oportunidades que lhes possam proporcionar

os elementos que viabilizem o início do processo de construção desses projetos já nesse

momento presente.

Neste Capítulo apresentamos as experiências dos entrevistados da escola do

Parque São José, na perspectiva de discutir as situações que os aproximam e aquelas que

os distanciam das experiências vividas pelos estudantes de EJA do Bonsucesso,

procurando refletir sobre as possibilidades desses jovens contrariarem a “causalidade do

provável”.

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4.1 A Escola do Parque São José

Na escola do bairro Parque São José não há oferta de EJA. Os jovens que

pretendem cursar essa modalidade de ensino precisam procurar as escolas dos bairros

vizinhos. Entretanto, há jovens em turmas do 8º e 9º Anos em situação de distorção idade-

série, em pequeno número, bem como jovens nas turmas das 3 (três) séries do Ensino

Médio. Os jovens que se encontram no Ensino Fundamental estudam no período da tarde;

aqueles do Ensino Médio, em situação de distorção idade-série, estudam no período da

tarde ou noite. Os jovens que se encontram na série considerada adequada para a idade

têm prioridade para o turno manhã.

A entrada em campo na escola desse bairro foi marcada pelo reencontro com

alguns jovens já conhecidos através da experiência como professora em outras duas

escolas de bairros vizinhos: Vila Manoel Sátiro e Mondubim. Esses jovens agora se

encontravam cursando o Ensino Médio, o que não causou surpresa, considerando o bom

desempenho apresentado no Ensino Fundamental, o que os colocava em situação de

vantagem quando comparada à situação de alguns estudantes de turmas de EJA IV e V,

comentada no Primeiro Capítulo.

Entretanto, outro fato chamou especial atenção: havia entre eles um jovem da

referida turma de EJA que era estudante do período noturno, que à época apresentava bom

desempenho escolar, mas não era frequente às aulas em razão do trabalho e sempre

apresentava muitos sinais de cansaço durante as atividades pedagógicas. Mas, afirmava

gostar do trabalho que realizava e era um dos poucos estudantes trabalhadores da turma

que tinha contrato formal de emprego. Agora estava cursando o Ensino Médio regular no

horário diurno.

O reencontro foi surpreendente, mas não a ponto de esboçar tal surpresa pelo

fato de vê-lo estudando pela manhã. O estudante fez sinal de cumprimento e disse:

“Professora, é tão bom só estudar!” (Garoto de 17 anos, 2º Ano do Ensino Médio). Essas

palavras expressam o significado, que pode ter para alguns jovens, do direito de dedicar-se

apenas aos estudos sem ter que trabalhar. No entanto, esse parece não ser um direito

compartilhado pela maioria deles. De acordo com a diretora da escola, há um significativo

número de estudantes do período diurno que se encontram inseridos em “estágios”

disponibilizados pelos supermercados do bairro onde recebem um salário correspondente

ao valor de uma bolsa pelas atividades realizadas. Mas, para essa gestora, essas empresas

têm utilizado os estudantes para substituir a mão de obra de outros trabalhadores adultos

para os quais teriam que pagar um salário integral.

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Um supermercado de uma grande rede que atua em Fortaleza e se localiza

próximo à escola oferece muitas vagas para estágio e o número de estudantes da escola

inseridos nas atividades dessa empresa é considerado significativo pela gestora que

também afirmou: “Muitos Supermercados têm utilizado a mão de obra dos estagiários para

substituir funcionários”. (Diretora da Escola pesquisada).

Ainda de acordo com relatos da diretora da escola, há um fenômeno que não

atinge apenas os estudantes das escolas públicas. Outros jovens residentes no bairro e em

seu entorno têm saído de estabelecimentos de ensino particulares e se matriculado nessa

escola. Além de algumas famílias já não disporem mais de capital econômico suficiente para

mantê-los em escolas particulares, outros interesses têm motivado a entrada desses jovens

no Ensino Médio da escola38. Para a gestora, essa transferência pode também estar

associada a uma estratégia para inserção desses estudantes em estágios disponibilizados

por empresas que mantêm convênio com o governo estadual e que condicionam o estágio à

matrícula em escola pública. Para a Diretora da Escola: “Alunos de escolas particulares vêm

para o Irmão Urbano para conseguir estágio nas empresas”.

Grande parte dos jovens atendidos pela escola é proveniente de famílias de

baixo poder aquisitivo e é frequente a presença das mães na escola no sentido de solicitar à

unidade escolar algum tipo de ocupação remunerada para os filhos por meio de

encaminhamentos para outras instituições.

Parte dos estudantes da escola reside em alguns lugares classificadas pelos

moradores do bairro como favelas. De acordo com a diretora, muitos desses estudantes são

residentes de uma área conhecida como “favela vertical”, blocos de apartamentos da Caixa

Econômica Federal que foram ocupados por famílias há alguns anos.

O corpo discente da escola não se restringe aos moradores do Parque São

José. Há estudantes que residem em bairros próximos ao Parque São José, como

Mondubim, Vila Manoel Sátiro e Vila Pery. Em alguns casos, os estudantes precisam fazer

investimento financeiro com pagamento de passagens de ônibus para o deslocamento até a

escola. A opção pela unidade escolar, apesar da necessidade de maior deslocamento para

alguns jovens, apresenta-se associada à imagem positiva construída pelos estudantes e

seus familiares em relação a essa instituição, como foi observado em suas falas quando

conversamos sobre os motivos que os levaram a optar por aquela unidade escolar: Porque

38

Esse fenômeno pode não se restringir apenas às questões que dizem respeito à busca de estágio através da escola pública. Os critérios para concessão de bolsas pelo Governo Federal através do Programa Universidade para Todos – PROUNI, que favorecem jovens que cursaram todo o Ensino Médio em escolas públicas, pode também ser apontado como um fator de transferência de alunos das escolas particulares para as públicas, particularmente nos casos daqueles de origem social cuja renda é insuficiente para mantê-los na Rede Privada.

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vi que a aprendizagem era melhor”; “Porque tem ensino de mais qualidade, mais na linha”;

“Ouvi falar bem da escola”; “É uma das melhores”; “Minha avó achava boa”.

Alguns dos jovens entrevistados podem ter construído suas análises acerca da

escola a partir de comparações com a unidade de ensino na qual alguns haviam estudado

anteriormente e que classificaram como uma escola desorganizada, como afirmou um dos

estudantes: “A outra escola era bagunçada”. Segundo informações coletadas acerca da

escola desqualificada pelos estudantes, refere-se a uma unidade escolar da Rede Pública

Estadual e apresenta problemas de infraestrutura cuja solução é dificultada por tratar-se de

um prédio alugado pelo governo do Estado, situação que pode inviabilizar a realização de

reformas estruturais da unidade de ensino com recursos públicos.

4.2 Jovens de 8º e 9º Anos: Distanciamentos e aproximações com os estudantes de

EJA

As turmas de 8º e 9º Anos do Parque São José, por serem turmas diurnas,

apresentavam apenas onze jovens em situação de distorção idade-série. Entre os seis

entrevistados, três deles procuraram, em suas narrativas, discorrer sobre os motivos para

não terem concluído o Ensino Fundamental na idade recomendada.

Porque eu sempre, desde pequena, fui acostumada a estudar à tarde... Acordava meio dia, que minha mãe não trabalhava. Acordava meio dia, tomava banho e ia pro colégio. Aí, eu comecei a estudar lá no São José. Aí, fiz o 6º ano, aí passei pro 7º ano. Ai, no 7º eu fui reprovada por causa de falta, porque minha mãe começou a trabalhar e eu tinha que acordar cedo, fazer o almoço da minha irmã, ter que deixar ela na escola. Aí eu voltava. Só que eu peguei... Fiquei faltando, me atrasava... Acabei ficando reprovada por falta. O que me prejudicou nos meus estudos foi ter que tomar conta da casa antes do tempo... né? Eu comecei a cozinhar e a arrumar a casa, cuidar da minha irmã, 13 anos de idade... Agora eu tô mais livre, porque na casa da minha avó é ela que faz as coisas, mas eu ainda arrumo a casa. De manhã eu não tenho muito tempo. Eu estudo quando eu chego do colégio... (Garota de 14 anos, 8º Ano, Tarde).

A jovem justificou a reprovação em séries anteriores porque “faltava muito” e

ressaltando que as faltas à escola decorriam do fato de precisar tomar conta da casa e dos

irmãos porque a mãe trabalhava como empregada doméstica. O relato apresentado poderia

estar endereçado à própria mãe

Os relatos da jovem fizeram-me lembrar uma afirmação de Spink (2010) onde a

autora ressalta que, em uma entrevista, a fala pode estar sendo endereçada a outras

pessoas. De acordo com Spink (2010),

Os processos de produção de sentidos implicam existência de interlocutores variados cujas vozes se fazem presentes. As práticas discursivas estão sempre atravessadas por vozes; são endereçadas e, portanto, supõem interlocutores. Obviamente isso gera dificuldades consideráveis quando

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analisamos material discursivo, porque as pessoas, numa entrevista, estão falando com você e de repente a fala passa a ser endereçada a outrem. (p.35).

As questões colocadas em discussão durante o diálogo com esses jovens

podem instigá-los a refletirem sobre situações de sua vida cotidiana, que não foram postas

em suspenso para serem pensadas. A entrevista pode representar essa oportunidade.

Uma das jovens afirmou que a mãe a fez repetir a alfabetização por considerar

que “a alfabetização tinha de ser bem feita” (Garota de 16 anos, 9º Ano) e que teria

apresentado problemas médicos em outro ano letivo, o que resultou na defasagem de dois

anos de estudo. Em outro relato, um jovem afirmou ter iniciado seu processo de

escolarização “atrasado”.

Dos seis entrevistados das turmas de 8º e 9º ano do Parque São José e que se

encontram em situação de distorção idade-série, três são inscritos no Programa Bolsa

Família, indicando uma posição de acesso a baixo volume de capital econômico. Uma das

seis entrevistadas que não é beneficiária desse Programa é estudante transferida de escola

particular e apresenta uma posição diferenciada em relação aos outros quatro jovens, uma

vez que a mãe possui uma pequena confecção e comercializa as peças produzidas em

feiras, bem como revende para outras localidades. A jovem afirmou:

Eu vim de colégio particular. Só que as coisas... apertou pra minha mãe e ela disse assim: ... Vou te colocar nele, até porque ela viu que ... ela poderia me fazer terminar, só que quando fosse mais pra frente ia ser meio difícil pra mim pagar uma Faculdade, garantir meu futuro. E Colégio público tem suas vantagens na questão de cursos, estágios, uma faculdade. ... Então, ela falou, já que as coisas estão meio apertadas, você vai. .... Resolveu me colocar aqui...

A transferência de jovens de escolas particulares para essa escola da Rede

Estadual é um fenômeno que também se verifica entre as turmas do Ensino Médio e em

maior escala e foi comentado pelos estudantes durante os grupos focais cujas discussões

serão apresentadas, posteriormente.

Assim como alguns estudantes de EJA do Bonsucesso, há entre os

entrevistados do Parque São José estudantes trabalhadores ou jovens que já trabalharam.

O fato de ser estudante diurno pode não implicar em ausência de responsabilidades

relacionadas ao campo do trabalho, como podemos observar nas falas dos entrevistados:

Eu... ensinava reforço, desde 98... Eu acho legal, assim. Eu sempre me interessei por essa coisa de ensinar, assim, até pra você puxar coisa que você se esquece, você se lembra... Eu ia na casa da pessoa... Eu ensinei já de 1ª Série e a última foi a 5ª Série. (Garoto de 16 anos, 9º Ano).

Entrego água... Vai fazer cinco meses... Em casa mesmo... Comércio de água. Faço entrega de manhã. (Garoto de 14 anos, 8º Ano).

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No que se refere à escolaridade dos pais, de acordo com as informações dos

entrevistados, os pais cursaram no máximo até o 8º Ano, tendo predominado casos em que

eles cursaram até o 4º ou 5º Ano.

Entre os cinco entrevistados que tinham irmãos na faixa etária recomendada

para o Ensino Médio, todos haviam chegado a esse nível de ensino. Foi informada a

desistência de um irmão no 2º Ano do Ensino Médio. Nos outros casos, os irmãos haviam

concluído o Ensino Médio. Alguns desses irmãos estavam em cursinho de escola pública

em processo de preparação para o ENEM e Vestibular, bem como foi informado um caso

em que a irmã já é estudante universitária do curso de contabilidade de uma faculdade

particular.

Todos, menos a minha irmã mais velha que é casada. Ela vai fazer 23 anos, mas terminou. Terminou e tá trabalhando na Caixa Econômica. Agora, quer fazer faculdade de Contábeis... Aí tem a minha irmã de dezoito que tá prestando Pré-vestibular... Estuda aqui também de manhã, 3º ano... Tá estudando direto. (Garota

de 16 anos, 8º Ano).

Minha irmã mais velha faz contabilidade na Estácio. Ela fez o FIES. Ela trabalha, mas ainda não é de carteira assinada, só tipo estágio... (Garota de 16 anos, 9º Ano).

Os entrevistados fizeram referência a amigos, cunhado, colegas da Igreja e

primos que se encontram no Ensino Superior em cursos como: História, Letras e Recursos

Humanos.

No aspecto relacionado às atividades realizadas pelos jovens durante os finais

de semana, entre os seis entrevistados do Parque São José matriculados nas turmas de 8º

e 9º Anos, quatro fizeram referência à participação em grupos ou outros movimentos

articulados pelas igrejas da comunidade em que residem: como grupos de preparação para

o Sacramento do Crisma, organizados pela Igreja Católica; grupos de oração e música,

frequência à Missa aos sábados ou domingos. Os jovens afirmaram:

Eu participo da Igreja Católica, faço o Ministério. Tenho violão e contra baixo. Toco

no grupo de oração. (Garoto de 15 anos, 8º Ano).

No sábado de manhã eu arrumo a casa da minha avó,... Eu arrumo a casa de manhã, a tarde eu vou pra Crisma. Aí, quando eu chego, eu namoro à noite... Só que às vezes eu tiro um tempinho pra estudar no sábado também, antes de ir pra crisma ... Eu só vou pra crisma às quatro horas, né? Ai, eu arrumo a casa e vou estudar. Fica eu e minha irmã estudando e a minha irmã mais nova também estuda. Aí a gente fica estudando. A sala da casa fica toda em silêncio, todo mundo estudando. No domingo é que não dá muito porque vão os meus tios vão almoçar lá e fica muita zoada e a tarde, também, e vou pra missa às cinco horas. (Garota de 14 anos, 8º Ano).

Eu saio com os amigos. Geralmente eu tenho ensaio da Igreja. Às vezes eu vou pro cinema, pro teatro. Tem aniversário... Às vezes a gente marca de ficar na igreja mesmo... (Garoto de 15 anos, 9º Ano).

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O fato dos jovens do Parque São José manterem uma participação ativa em

outros espaços de socialização, como aqueles promovidos por igrejas locais, pode favorecer

a troca de experiências com seus pares, influenciando em suas disposições em relação à

educação. Se a formação escolar, como capital simbólico, é valorizada nesses espaços de

convivência, alguns jovens poderão procurar adequar-se aos padrões de comportamentos

compartilhados pelos indivíduos, que fazem parte desses grupos, como uma forma de se

sentirem reconhecidos pelos demais membros dos grupos. Então, procuramos perceber se

os jovens consideravam que as relações mantidas nesses outros espaços de socialização

influenciavam em suas perspectivas de vida, suas projeções nos campos da educação da

profissionalização e do trabalho. Conversamos também com esses jovens sobre os motivos

que os levam a permanecer na escola:

Porque a mãe manda eu vim pra escola, pra não virar vagabundo no meio da rua... Vagabundo... meio da rua, num tem o que dar não. Porque se num estudar vai... aí, puxar carga no meio do mundo... Terminar ao meno os estudos, pode até ter um trabalho melhor... Ensino Médio .... Pra mim ter um emprego bom pra mim ajudar a minha mãe. (Garoto de 14 anos, 8º Ano).

Eu dou o maior valor aos meus estudos ... Algumas coisas, assim .... eu não correspondo a isso, mas... Eu me acho uma ótima aluna... Mas, algumas coisas assim, que eu deixo de estudar... pra ... olhar quadrilha... (risos) Deixo meus estudos pra depois, pra algumas coisas assim, sabendo que é mais importante... Aí, eu deixo de lado, um pouquinho. (Garota de 14 anos, 8º Ano).

Eu continuo estudando porque é a melhor opção, né, ficar em casa sem fazer nada, pra aprender mais... (Garoto de 15 anos, 8º Ano).

Dois entrevistados fizeram referência a amigos ou conhecidos que já haviam

abandonado a escola:

Meus amigos tudo pararam na quarta série... Sei lá... Acho que por causa de

brincadeira também... Aí não queriam vir pra escola... (Garoto de 14 anos, 8ºAno).

Conheço gente, assim, da minha idade, que fizeram parte da minha infância, foram meus amigos, que hoje em dia é... Quiseram seguir outro caminho... rumo da marginalidade ... Tipo assim, a policia vai... Bate. Porque eles dizem que sem a escola também pode ter um mundo melhor.... Mas eu acho que sem a escola não, você tem que ter um emprego digno... (Garoto de 15 anos, 9º Ano).

Percebemos que, assim como os estudantes de EJA do Bonsucesso, os

estudantes em situação de distorção idade-série da escola do Parque São José

compartilham a crença de que a formação escolar pode lhes proporcionar um futuro melhor.

Mas, há aspectos de seus contextos de vivência que os colocam em situações

diferenciadas. Ao contrário dos jovens do Bonsucesso, esses entrevistados não

expressaram necessidade urgente de inserção ou permanência no mundo do trabalho como

uma condição para o sustento da família ou para o acesso a determinados bens de

consumo. Outro elemento de variação percebido entre os dois grupos refere-se à maior

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proximidade dos jovens do Parque São José a uma rede de relações sociais com pessoas

portadoras de maior volume de capital cultural.

4.3 Jovens do Ensino Médio na Série Recomendada para a Idade

Sabemos que na matrícula do ensino diurno predominam os casos de

estudantes que ainda não se inseriram no mercado de trabalho. Entretanto, por intermédio

de entrevistas e grupos focais identificamos a presença tanto de jovens trabalhadores nesse

turno, bem como de jovens não trabalhadores no período noturno, como podemos observar

nos relatos dos jovens:

Trabalho de estagiária na Caixa Econômica da Aldeota... De catorze às dezoito horas. Consegui através dum projeto do bairro mesmo, lá na Vila Manoel Sátiro... Desde os 16 anos que eu queria trabalhar, assim. Na verdade, no colégio onde eu estudava que era particular, eu trabalhava de manhã e estudava à tarde, porque que eu era bolsista durante 6 anos... Comecei com 15 anos como auxiliar na sala de aula de infantil. Aí eu me adaptei aquela carga horária de manhã tá num local e de tarde, tá na escola. Aí, quando completei 16 anos, aí fui chamada pra trabalhar. Aí... Eu achei foi bom, porque ficar em casa não era muito a minha praia não, porque eu já tava adaptada. (Garota de 17 anos, 3º Ano, Manhã).

Fazia bico, mas eu não pretendo trabalhar agora não que eu vou... Meu foco mais é nos estudos... Trabalhava vendendo bolinho lá pelo lado da beira mar... é recente agora ... Eu ia de manhã, tinha vez que eu faltava o colégio... Mas era muito difícil faltar de tarde. Eu trabalhava com outra pessoa, ele mandava encomendar os bolos e nós ia buscar. De em vez quando dá pra fazer uns biquinhos. (2º Ano do Ensino Médio, 16 anos).

Não trabalho... Estudo à noite porque é melhor, né? Nunca gostei de estudar pela manhã. À tarde tem o sol...e prefiro à noite. Tem vez que eu ajudo minha irmã a fazer algumas coisas... Assim, fixo não. Só algumas coisas. Da minha parte até que eu quero, né? A família exige, né?... Porque ajuda um pouco mais... Não cobram muito de mim direto, não... Trabalhei foi com serigrafia ... empresa ... eu fui só alguns dias.(Garoto de 16 anos, 2º Ano, Noite).

Porque tava aparecendo uma oportunidade de emprego... Tá melhor do que à tarde... Ia trabalhar, só que não deu certo... Aí, fiquei logo à noite. (Garoto de 17

anos, 3º Ano, Noite).

Trabalho na área de administração e reposição... Na Aldeota... Atrapalha um pouco por causa do cansaço... (Garoto de Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Eu, no primeiro ano, eu trabalhei na empresa da minha prima... Ai fica um pouco pesado... (Garoto de Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Eu trabalho numa agência de modelo... Aí eu tenho de ficar com um período livre... Porque às vezes aparece trabalho. (Garota do Ensino Médio, Noite, Grupo

Focal).

Eu trabalho no Pão de Açúcar como auxiliar de RH... Eu entro de sete... às doze. Só meio expediente. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Eu trabalho no Pão de Açúcar também. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo

Focal).

Eu já... Eu fiquei doente e não podia ficar faltando direto... Aí, eu saí. Era auxiliar de costura. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

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Ao contrário dos estudantes de EJA do Bonsucesso, observamos que entre os

jovens do Parque São José a inserção no mercado de trabalho não se efetiva no mesmo

contexto de informalidade. A maioria dos entrevistados do Ensino Médio, que são

trabalhadores, foi encaminhada através do Programa Primeiro Passo39 com contrato formal

de trabalho e carga horária dentro dos parâmetros estabelecidos pelo ECA.

Um dos jovens trabalhadores do ensino noturno demonstrou insatisfação quanto

ao fato de não poder estudar no período diurno. Embora sua jornada de trabalho fosse de

quatro horas diárias, como prevê a legislação para esses casos, a distância do local de

trabalho do jovem o impedia de chegar no horário previsto para o início das aulas à tarde. O

jovem afirmou:

Mas, eu não gosto de vim pro colégio, principalmente à noite... Eu estudava pela manhã. Aí, depois que eu vim pra noite, eu fiquei mais desinteressado. Só que como eu tô querendo fazer faculdade, eu vou ter que mudar, né? Mas, é muito ruim. Não que o trabalho esteja me atrapalhando, mas estudar a noite é muito chato, sei lá.... Duas horas eu já tô em casa. Aí de duas até seis e meia eu tô lá, sem fazer nada. Aí,... eu venho à noite pra cá, já descansado... Mas, é muito chato à noite. Sei lá... (Garoto de 17 anos, 3º Ano Noite, Grupo Focal).

Para outros entrevistados, que não eram trabalhadores, a inserção no mercado

de trabalho na percepção da família e dos próprios entrevistados poderia comprometer seus

rendimentos escolares:

Meus pais não deixam, né? Porque eles acham que não dá pra conciliar estudo com trabalho, porque a maioria... Assim, a adolescente quando começa a trabalhar quer seu primeiro emprego... Acha que não precisa terminar os estudos. Aí o medo dos meus pais é esse. Eu acho que, também, eu não ia querer... , pra ter que estudar e ter que tá trabalhando. Ou você é responsável em uma coisa ou você é responsável em outra... Então, não dá pra abraçar tudo duma vez... Quem sabe ano que vem... Agora esse ano... não. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã).

Eu não conseguiria, entendeu?Ir pra escola de manhã, trabalhar a tarde e período da noite. Acho que é muito cansativo. Então, ô, preferia fazer tudo agora, entendeu? Estudar, faculdade e depois ... arrumar um emprego... Ficaria mais fácil

(Garoto de 15 anos, 1º Ano do Ensino Médio, Grupo Focal)

Eu acho que... a pessoa trabalhando se cansa. Aí, na hora de estudar, a pessoa num tá nem aí, porque fica cansada, num quer estudar. Aí, a pessoa sai da escola e vai trabalhar. Não tem tempo pra estudar... Desiste. (Garota de 15 anos, 1º Ano

do Ensino Médio, Grupo Focal).

Também, às vezes, é por causa que a pessoa começa a trabalhar e se encanta com pouco dinheiro. Aí pensa que aquele dinheiro vai ser a maior coisa da vida. Aí pensa... Estudar não vai dar dinheiro... Aí esquece do estudo, fica só

trabalhando.(Garota de 15 anos, 1º Ano do Ensino Médio, Manhã).

39

O Projeto social PRIMEIRO PASSO é direcionado aos jovens que querem ingressar no mercado de trabalho e é desenvolvido pela Secretaria do trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará. Os jovens são inseridos em estágios em empresas privadas ou públicas.

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Tem jovens que acabam trabalhando demais e esquecendo do estudo. Então, você trabalha demais, você fica cansado. Às vezes você chega na escola e dorme porque ... trabalhou muito, tá cansado no outro dia. Mas, dependendo da pessoa, acho que não tem problema não. (Garota do 2º Ano do Ensino Médio, Grupo

Focal).

Eu tô vendo isso. Eu tô pensando em trabalhar ano que vem, mas eu vendo os prós e os contra, assim, porque o pessoal que já passa por isso tá dizendo já. Assim, pelo que eu vi, depende muito da pessoa mesmo... depende... porque a pessoa vai se dedicar pra estudar... Vai ser uma prova a mais ... se a pessoa quer estudar mesmo. (Garoto de 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio).

De acordo com os depoimentos apresentados por vários pesquisados do Parque

São José, seria possível permanecer apenas se dedicando aos estudos naquele momento.

A entrada para o mundo do trabalho poderia ser adiada até a conclusão, ao menos, do ciclo

básico de estudos representado pelo Ensino Médio.

Embora essa inserção para o mundo do trabalho tenha sido tratada com

reservas e como um risco pelos entrevistados que se encontravam em uma situação familiar

de melhor equilíbrio financeiro, quando comparada à da maioria do grupo, observamos nas

narrativas desses jovens não trabalhadores, assim como de outros que já se encontravam

no mercado, que essa inserção é percebida como uma alternativa para ajudar as famílias

nas despesas básicas de manutenção da casa ou para que os jovens pudessem comprar os

bens desejados. Mas, em suas falas, esses agentes sociais também expressam que o

trabalho constitui um caminho na construção da autonomia do jovem, um elemento

importante para seu processo de formação como pessoa responsável, como discutiremos a

seguir.

4.4 O Trabalho: Entre a necessidade de ajudar a Família, o desejo de Consumir e a

formação para a Responsabilidade

Nos grupos focais, discutimos com os pesquisados sobre as motivações que

levariam muitos jovens a se inserirem no mundo do trabalho antes da conclusão do Ensino

Médio. As narrativas dos entrevistados apontam para as necessidades familiares e

individuais desses sujeitos, mas procuram destacar que o trabalho também tem importância

para a construção da autonomia desse jovem, para que ele comece a se tornar responsável,

como podemos perceber nas falas apresentadas a seguir:

É porque às vezes a gente não quer ficar tipo assim, na cola do pai, né? Nem toda hora nosso pai tem dinheiro... A gente quer ter nossa própria renda, nosso próprio dinheiro... Não quer tá dependendo do pai toda hora, porque nem toda hora ele tem dinheiro... (Garoto de 15 anos, 1ºAno do Ensino Médio Manhã, Grupo Focal).

Pra não depender dos pais... Ser independente, ajudar os pais em casa... Aquele ar de independência. Ser independente dos pais... (Garoto de 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Manhã).

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A maioria das pessoas pensa mais na família, ajudar a família. (Ensino Médio,

Manhã, Grupo Focal).

Pra não ficar pedindo o pai, mãe e às vezes o pai e a mãe não pode dar. (Garota

de 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).

Porque ... tem pessoas, tipo a minha mãe... Ela não conseguiu estudar porque no tempo dela era difícil. Minha mãe ela que começou a trabalhar com nove anos... Então, eu acho que é difícil porque tem muito jovem que se tornam viciados... Eles não vão perder o tempo deles na escola. Ele vai querer trabalhar, né? ... Entre comer e ir pra escola, eles vão preferir comer... (Jovem de 15 anos, 1º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Eu acho que também pela independência e também pra gente se preparar mais, porque se a gente for passar a vida toda dependendo dos nossos pais, assim, eles pagando a nossa escola, faculdade, tudo. Eles (os jovens) têm que ralar pra ver como é... já. (Garota do 1º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Eu acho que depende, porque ... é ... Às vezes, a gente como é sustentado pelos pais, muitas vezes eles não podem dar tudo que a gente quer. Eu acho que ela começou a trabalhar pra comprar as coisas que ela precisa... que ela quer. Muitas vezes os nossos pais têm, mas não podem dar porque têm que fazer outras coisas. (Garota do 1º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

É porque, é assim, cada caso é um caso, né? Tem uma família que quer dar tudo do bom e do melhor pro filho e tem a família que quer dar a mesma coisa, só que quer que ela aja sozinha, entendeu? Quer que ela vá trabalhar, quer que ela... tipo... Ela seja independente. A minha avó, ela é dessa. Ela quer que eu trabalhe, que eu compre minhas coisa, que eu saiba dividir o meu tempo. Ela quer que eu faça curso... É... criar responsabilidade de nova. Ela quer que eu saiba dividir tudo, a hora de estudar, a hora de trabalhar, a hora de namorar, a hora de conversar, de brincar. Ela sempre foi assim, toda vida ela foi assim, mandando eu fazer a minhas coisas, né?(Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã).

Eu acho que é mais pra ser independente da família... Ás vezes situação financeira em casa, às vezes não é muita boa. A pessoa quer trabalhar pra ajudar ou, então, ao menos pra se manter.... eu acho que ajuda a pessoa a ter mais responsabilidade.... Se a pessoa ficar em casa só sem fazer nada, só no estudo, assim tem o horário do estudo, né?... E a pessoa ficar sem fazer nada, é, acabou de estudar, vai pro computador, fica ali brincando, conversando, a pessoa não cria a responsabilidade de cedo pra quando arranjar um trabalho. Não tem aquela experiência de trabalho, não sabe organizar as coisas... (Garota de 16 anos, 2º Ano Ensino Médio, Manhã).

E até porque depois que a gente terminar o ensino médio, é...quando a gente vai procurar emprego, se você não tiver nenhuma experiência fica mais difícil ... por isso que eu acho bom que a gente comece a trabalhar muito cedo pra quando chegar mais na frente a gente ter mais experiência pra colocar pontos no seu currículo.(Garota de 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Grupo Focal).

È porque os nossos pais, assim, bem que não podem, alguns não podem dar aí eles querem muito, aí eles vão atrás de algum trabalho ou quando a família não tem condições, vão ajudar, trabalhando.(Garota de 15 anos, !º Ano do Ensino Médio, Manhã)

Pra ter independência, pequena independência e, às vezes, é porque precisa ajudar em casa, nem todo mundo tem condições, né? Boa condição de vida.. Aí, às vezes o jovem ver o sofrimento do pai e da mãe pra colocar alimentação dentro de casa, não é o meu caso ... É porque eu gosto de luxar mermo... Eu gosto... (Garota de 17anos, 3º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

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O trabalho, ele não atrapalha, ele ajuda, ele é benéfico. (Garota do 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).

É bem melhor começar a trabalhar antes de terminar os estudos do que esperar terminar os estudos todinho porque ... já começa com uma noção do que é o trabalho, assim, é melhor. (2º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Para esses pesquisados, maioria não trabalhadora, os jovens parecem desejar

ter uma renda que lhes permita o acesso aos bens ou espaços sociais que a condição

econômica da família não favorece. Para Corti et al (2011), o desejo de consumo pode

constituir um imperativo para a inserção no mundo do trabalho.

É necessário pensar que a garantia do direito à educação para esses jovens exige o acesso a uma renda mínima que lhes permita permanecerem inseridos em processos educativos. Só assim poder-se-á fazer frente às seduções do trabalho ou das aparentes facilidades ofertadas pela criminalidade. Manter esses jovens na escola exige dos gestores públicos outros compromissos que associem à escolaridade outras políticas sociais de promoção de uma maior equidade para todos e todas. (CORTI et al, 2011, p.56).

Na visão desses autores, a permanência dos jovens nos processos educativos

exige uma ação articulada entre as políticas de educação e demais políticas sociais que

possam promover a equidade entre os jovens, evitando que muitos deles acabem seduzidos

pelo dinheiro proporcionado pelo trabalho como foi também apontado em uma das

narrativas: “É por causa que a pessoa começa a trabalhar e se encanta com pouco dinheiro.

Aí pensa que aquele dinheiro vai ser a maior coisa da vida”.

Mas, o trabalho é também considerado pelos pesquisados como espaço de

formação, de experiência e de aprendizagem para a responsabilidade como foi expresso

pelas suas falas. Segundo Leite (2003), em nossas sociedades há uma visão positiva da

imagem do trabalhador que estaria associada à condição de ser um cidadão em oposição

ao não trabalhador que em determinadas situações é considerado “marginal”. Para esse

autor,

Essa visão do trabalho é fundamental para entender seu significado para os jovens em qualquer situação econômica; mas em especial para os setores populares, que constituem a maioria da população. O trabalho pode ser nesse contexto, espaço vital de aprendizado, de socialização, de afirmação da identidade do jovem, inclusive de práticas sociais potencialmente libertadoras. (LEITE, 2003, p.156).

O trabalho, além da família e da escola, constitui mais uma instância de

socialização e de possibilidade de recondução das disposições construídas por esses

sujeitos em suas trajetórias sociais, pois “Os atores são o que as suas múltiplas

experiências sociais fazem deles. São chamados a ter comportamentos, atitudes variadas

segundo os contextos em que são levados a evoluir”. (LAHIRE, 2002, p.198). Entretanto, é

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importante pensar acerca das condições sob as quais esses agentes se inserem no mundo

laboral uma vez que assumir “qualquer trabalho” pode não significar oportunidade de

formação, mas de submissão, exploração e continuidade do ciclo de pobreza que muitos

jovens brasileiros já vivenciam em suas histórias familiares.

4.5 Rede de Relações Socais

Já comentamos, anteriormente, que os jovens do Parque São José que se

encontram em situação de distorção idade-série em turmas de 8º e 9º Anos apresentavam

uma rede de relações sociais caracterizada por uma maior proximidade com a cultura

considerada legítima quando comparados com os jovens de EJA do Bonsucesso.

No caso dos estudantes do Ensino Médio, alguns jovens indicaram não haver

em seu ciclo de relações amigos ou familiares que estivessem cursando o Ensino Superior,

como observamos nas falas abaixo:

Na minha família, assim, os meus tios tudim fizeram ( o Ensino Médio). Agora pai, mãe e vó... Só a minha mãe que chegou mais perto, mas não terminou, ela chegou só até o 9º ano. Ela ia até agora fazer o EJA, mas não fez não, ainda não.

(Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).

A única pessoa que chegou no ensino médio foi a minha tia. (Garota de 16 anos,

2º Ano, Manhã, Grupo Focal)

A minha prima vai fazer o ENEM só pra terminar os estudos. Ela tá no primeiro ano, vai fazer ENEM. Já é de maior. Aí, se ela passar, ela termina... Só pra isso ela tá indo... (Garota de 16 anos, 2º Ano, Tarde. Grupo Focal).

No entanto, verificamos que a maioria possuía familiares e amigos cursando

faculdade:

Tenho dois primos que fazem faculdade. Alguns amigos meus fazem... Meu primo ele faz faculdade de Música... e o outro ... eu não lembro... Uma amiga, ela faz de Jornalismo... Um no Antonio Bezerra, outro na Avenida da universidade. (Garota

de 15 anos, 1º Ano, Manhã).

Algumas colegas minhas. ... Um tá fazendo Engenharia de Petróleo, na UFC, outra tá fazendo Letras também na UFC e o outro tá fazendo Direito na UNIFOR. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã).

Meu pai tem Administração.... Fisioterapia, meu tio, na FANOR também. Eu tenho dois primos meu que fazem contabilidade. (Garoto do 2º Ano, Grupo Focal)

Tenho tias formadas. Minhas primas mais velhas, uma faz Pedagogia e a outra faz Direito. (Garota de 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal).

A minha prima faz Medicina, a minha outra prima, irmã dela, ela faz Direito também. A minha tia já fez turismo e ela fez também informática. (Garota de 15

anos, 1º Ano, Grupo Focal).

Eu tenho uma prima que tá na faculdade, duas primas... Uma faz Educação Física e a outra é História Paleolítica, alguma coisa assim.... (Garota de 15 anos, 1º Ano,

Tarde, Grupo Focal).

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Na minha rua tem uma menina formada em Contabilidade... Tá fazendo graduação. (Garota de 15 anos, 1º Ano, Tarde, Grupo Focal).

Eu tenho uma tia que faz Pedagogia. Tem um que faz Educação Física... Tem um amigo meu, que ele até que estudou aqui, ele tá fazendo Letras/Português. Ele quer ser professor. Ele vai ...talvez no quarto semestre dele, ele vem ensinar aqui... Conheço um que faz Fisioterapia. (Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Tenho um amigo que ele faz Administração. Tem outro amigo que faz Direito e tem um ex-namorado meu que ele faz Ciências Humanas na UFC.(Ensino Médio,

Noite, Grupo Focal).

Minha mãe já fez ... Administração. (Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Tenho uma prima que faz faculdade de Física. (Ensino Médio, Noite, Grupo

Focal).

Entre os pais dos jovens pesquisados, há situações de informalidade no campo

do trabalho, mas também foram referidos casos de trabalho formal. As ocupações dos pais

mencionadas pelos entrevistados foram: Corretor de carro e moto, Motorista de caminhão

baú, Diarista, Operador de máquina, Construção Civil, Pintor, Prestador de serviços,

Ajudante de caminhão, Empregada Doméstica, Departamento de Recursos Humanos,

Comerciante e Depiladora. Nos Grupos Focais poucos jovens fizeram referência às

profissões ou ocupações dos pais e familiares.

O contexto de vivência desses jovens que se encontram no Ensino Médio, na

série recomendada para a idade, apresenta maior circulação de capital cultural e capital

social entre familiares e amigos, o que pode contribuir para que se estabeleça a illusio em

relação à educação e eles permaneçam no jogo acreditando que há chances de obter

resultados futuros a partir dos investimentos empreendidos na escola, no presente. A troca

de experiência com os familiares ou amigos que conseguiram alcançar outras posições

dentro do campo da educação pode favorecer a aquisição das regras e do senso do jogo,

fundamentais para que continuem inseridos no jogo e acreditando que vale a pena jogá-lo.

Assim como verificamos entre os entrevistados matriculados nas turmas de 8º e

9º Anos, há jovens do Ensino Médio que também participam de grupos organizados pelas

Igrejas locais. Alguns dos entrevistados não costumam sair nos finais de semana ou fazem

programas esporádicos com os familiares, como podemos perceber nas falas abaixo:

Eu fico em casa, ajudo minha, às vezes vou pra casa da minha irmã. Aí, eu também vou pra Igreja. Aí, eu ajudo lá, participo dos eventos, dos projetos.

(Garota de 15 anos, 1ºAno, Manhã)

Ai meu Deus do Céu. ... Eu costumo ficar mais em casa, lendo. Quem vê pensa que é mentira. Mas, é porque meus pais não me deixam sair muito, não. Eles não são de me liberar muito, não. Pra mim poder sair, assim, pra algum show , coisa assim, tem que ser com pessoa de maior e de confiança.(Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã)

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Eu gosto mais de ocupar minha mente lendo, desenhando coisa. Tenho violão e teclado. Meu irmão que me ensinou. Igreja, ”Sopro da Vida”. (Garoto de 16 anos,

2º Ano, Tarde).

Ir pra casa da namorada, sair às vezes pra um lazer, praia também. (Garoto de 16

anos, 2º Ano, Noite).

É Grupo de jovens, eu canto lá, teatro, tem um bocado de coisa.... a gente vai pras igrejas. (Garoto de 15 anos, 1º Ano, Manhã, Grupo Focal)

Cinema, eu gosto de teatro Dragão do Mar, eu uso muito aqueles espaço... Eu saio mais com meus irmãos... (Garota do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Eu não tenho muita vontade de sair, não... Gosto de ficar em casa. Mas, às vezes quando meu pai quando ele quer ir, a gente vai. Mas, só, como ele é caminhoneiro, aí ele não tá em casa muitas vezes. Aí ... é mais casa muitas vezes

(Garota de 15 anos, 1º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Quando conversamos sobre a existência de projetos desenvolvidos no bairro

direcionados aos jovens, a maioria dos entrevistados do Parque São José, moradores do

lugar, fez referência à participação no Projeto Vida Nova, desenvolvido pela Associação

Beneficente ABEMCE40, demonstrando conhecimento das ações desenvolvidas por essa

instituição, como podemos observar através dessas falas:

Conheço o Projeto Vida Nova... ou mais conhecido como ABEMCE - Associação Beneficente ao Menor Carente... É uma instituição que... Ela ajuda criança. Aí tem padrinho, aí ajudam as pessoas que são apadrinhadas... Mas, no caso aí ele recebe, mas dependendo da renda da família. Já participo desde criança... Mas hoje,... Eu sou só apadrinhado, mas eu não frequento muito lá.... Doado pelos Estados Unidos. Eles mandam (dinheiro)... pra mim. Eles mandam porque todos alunos que participam do projeto eles ganham dinheiro no final do ano. Aí encaminham até a loja da escola... e compram até aquela quantia... Mas, tem alunos que recebem a mais ... Com a renda da pessoa, dependendo da necessidade, tem gente que ganha mais, tem gente que ganha menos. Mas, no final, do ano todo mundo ganha o mesmo valor.... Eu estudei lá, aí depois fui pro colégio do Município, depois vim pra cá e agora eu faço só curso lá.... Antigamente parece que era até dezoito, mas agora quando a gente chega aos 15, 16 anos a gente começa a participar do Pré-aprendiz que é preparatório para o Jovem Aprendiz. Quando chega no Jovem Aprendiz a gente participa de cursos de contabilidade, essas coisas pra poder ser encaminhado ao mercado de trabalho. Tem aluno que se quiser pode ficar trabalhando na escola... Dependendo..., se a dona deixar. (Garoto de 15 anos, 1º Ano manhã).

Faço Projeto... Vida Nova. Eles ensinam música lá. Vai ter Jovem Aprendiz... (Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal).

Eu tô entrando agora num projeto pra estagio. Eu tô entrando nesse projeto agora... Já fui chamada já... Eu recebi a ligação que eu levasse os documentos... Tem que tá estudando. Tem que ter notas boas... Tem que ter 17 anos... Exigência da empresa. (Garota de 17 anos, 3º Ano Manhã, Grupo Focal).

Tem o projeto... Vida Nova... Tem apadrinhamento, oferecem empregos para jovens de 17 anos. (Garoto de 15 anos, 9º Ano, Tarde).

40

Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José – ABEMCE é também conhecida pelos entrevistados como Projeto Vida Nova. A Instituição é mantida através do apoio de instituições religiosas, bem como parcerias governamentais e oferece os seguintes serviços à comunidade: Creche, Atividades de esporte e lazer, cultura, saúde e assistência social. Desenvolve também o Projeto Jovem Aprendiz e encaminha os participantes para empresas com as quais mantém parceria. Site: www.abemce.com.

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83

Além do Projeto Vida Nova, os entrevistados, em menor número de casos,

mencionaram outras ações desenvolvidas por instituições governamentais, como o CITS41,

programa desenvolvido pela Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, PROJOVEM

Adolescente, Programa do Governo Federal desenvolvido em parceria com os Estados e

Municípios. Em Fortaleza, as ações do Projovem Adolescente são desenvolvidas pelos

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)42 vinculado à Secretaria de Assistência

Social da Prefeitura Municipal. Foi citado ainda um curso preparatório para o Instituto

Federal de Educação – IFCE realizado pela Secretaria de Educação do Município de

Fortaleza- SME. Sobre as atividades realizadas através dessas instituições os jovens

comentaram:

O CITS antes era chamado de ABC... Agora é CITS... Lá tem muitos esportes, tem balé, tem cursos profissionalizantes. (Garota de 15 anos, 1º Ano, Manhã).

Eu... vou voltar a fazer balé, mas ainda vai começar... Aqui do lado... É que é o antigo ABC. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã)

Eu participava .. .do PROJOVEM. Eu fazia dança de rua... É, eu parei... no CRAS. Aí eu fazia lá... era um projeto... Aí tinha o Break , eu dançava. Só que eu tava me dedicando muito à dança e esquecendo um pouco os estudos. Aí minha mãe disse ou eu dançava ou estudava. Eu preferi estudar. (Garota de 16 anos, Ensino

Médio, Noite, Grupo Focal).

Faço PROJOVEM ... Tem cara que vai lá só pra comer... é tipo recreativo. (Garoto

de 16 anos, Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal).

Nos grupos focais, perguntamos aos jovens do Parque São José se eles

consideravam que esses projetos ou atividades realizadas em outras instituições tinham

influência sobre seus processos de formação. Duas jovens afirmaram:

Eu acho que tem porque eles me ensinaram bastante coisa, não só o Break... mas tinha outras coisas e eu aprendi muita coisa lá: como se comportar numa entrevista de emprego e tal. Eles davam essas dicas. Era muito legal. (Garota de 16 anos, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Eu fiz um curso preparatório pro CEFET, aí os professores de lá eram muito jovens, aí ele passou as coisas que falavam sobre a vida deles, como foi difícil.

41

O CITS - Centro de Inclusão Tecnológica e Social apresenta como objetivo promover ações direcionadas à qualificação profissional. Essas ações têm como público os jovens entre 16 e 24 anos, mas também mulheres chefes de famílias inseridas no Cadastro Único (beneficiárias ou não do Programa Bolsa Família, bem como trabalhadores autônomos, pessoas com deficiência, quilombolas, afrodescendentes, indígenas e apenas e egressos do sistema penal e de medidas sócio-educativas. Esse Programa, portanto, não se restringe à população jovem. Em Fortaleza, há 07 (sete) Centros localizados nos seguintes bairros: Conjunto Ceará, Jangurussu, José Walter, Messejana (São Bernardo, Mucuripe, Lagamar e Parque São José. Fonte: www.stds.ce.gov.br (Consulta realizada em 31/12/12). 42

Os CRAS – Centros de Referência de Assistência Social localizam-se em áreas consideradas de vulnerabilidade social. Suas ações são direcionadas a “[...] famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, visando à orientação para o fortalecimento dos convívios sociofamiliar e comunitário”. Atividades realizadas nas sedes dos CRAS: atividades socioeducativas, acompanhamento social, oficinas de convivência, atividades lúdicas e culturais, campanhas educativas e preventivas e concessão de benefícios eventuais previstos em lei. Fonte: www.fortaleza.ce.gov.br/semas. Consulta realizada em 01/01/13.

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Acho que acaba sendo um estímulo pra gente. Aí, depois desse tempo, depois desse curso que eu fiz, eu comecei a ver as coisas de outra forma, mais como um preparatório pro futuro. (Garota de 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).

Os projetos ou ações citadas pelos entrevistados são realizados em locais nas

proximidades da escola ou em bairros vizinhos que não exigem a utilização de transporte

para o deslocamento dos jovens. As duas últimas falas apresentadas acima remetem a uma

reflexão sobre a importância da ampliação da rede de relações sociais dos jovens para

outros espaços institucionais como uma possibilidade de novas vivências, possibilidade que

parece mutilada para os estudantes de EJA do Bonsucesso, cujas narrativas demonstraram

não dispor do mesmo acesso a projetos ou ações direcionadas aos jovens, com exceção

daqueles realizados pelas Igrejas locais, de forma assistemática, ou por organizações

governamentais realizados em bairros mais distantes.

Em consulta realizada ao site da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento

Social do Ceará – STDS não identificamos nenhum Programa ou Equipamento público de

responsabilidade dessa Secretaria localizados no bairro Bonsucesso, como podemos

observar no Mapa abaixo:

Figura 1: Mapa de Fortaleza com a distribuição dos Programas e Equipamentos da Secretaria de Trabalho e

Desenvolvimento Social por bairros e Regionais – 2011. Fonte: www.stds.ce.gov.br

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De acordo com o Mapa, no Parque São José há um equipamento da STDS em

funcionamento, o CITS, como foi mencionado no depoimento de uma das entrevistadas.

Consultamos também os programas desenvolvidos pela Secretaria de Assistência Social do

Município de Fortaleza e verificamos que, no campo da Assistência, a Regional V, onde fica

inserido o bairro Parque São José, há 07 (sete) CRAS os quais funcionam nos seguintes

bairros: Aracapé, Conjunto Esperança, Granja Portugal, Bom Jardim, Conjunto Ceará

(CRAS Genibaú), Canindezinho, além do CRAS Mondubim, localizado nas proximidades da

Escola do Parque São José e que foi referido por dois jovens que participaram de atividades

no referido equipamento público.

O Bonsucesso pertence à Regional III que apresenta 02 (dois) CRAS em

funcionamento: um localizado no bairro Bela Vista e outro no Quintino Cunha, bairros

relativamente distantes do Bonsucesso, o que pode dificultar o acesso dos entrevistados às

ações desenvolvidas por essa instituição.

4.6 O Lugar de Moradia: Imagens construídas sobre o Parque São José

Parte dos estudantes entrevistados não reside no próprio bairro, mas em bairros

ou comunidades vizinhas à área de localização da escola. Perguntamos aos estudantes

moradores do bairro se eles gostavam de residir naquela área da Cidade e se consideravam

o lugar tranquilo. As narrativas dos jovens dão indicações de que a visão construída por

esses sujeitos acerca do Parque São encontra-se associada às situações do cotidiano de

cada um deles. Para aqueles que experimentaram ou presenciaram situações de roubos,

assaltos ou cenas de crime, o bairro estaria perdendo um pouco da tranquilidade que já

teriam vivenciado em outros momentos. No entanto, algumas falas demonstram que essas

situações eram percebidas, particularmente, em períodos de festas ou datas

comemorativas, como podemos observar em suas falas:

Tava mais tranquilo. Já agora, tá ficando um pouco perigoso por causa que tá em datas comemorativas. Geralmente é tranquilo... (Garoto de 15 anos, 9º Ano)

Tranquilo ... Só que, como todo bairro, tem os problemas com droga.(Garota de 17 anos, 3º Ano, Manhã).

Eu achava tudo tão tranquilo até o dia que entrou uma pessoa lá em casa e roubou a moto do meu pai... Vai fazer cinco meses. (Garota de 15 anos, 1º Ano, Manhã)

Gosto, apesar das coisas que ocorrem no bairro.... Eu não acho (tranquilo) ... Eu já fui assaltado quase em frente à escola... Segunda vez. Foi quando eu ia embora pra casa...(Garoto de 15 anos, 1º Ano, Manhã)

Gente morrendo... por causa de dívida de droga, mais por causa disso.(Garoto de 16 anos, 2º Ano, Manhã).

É bom.Tem uma época que é tranquilo, outras não... Homicídio.( Garoto de 16 anos, 2º Ano, manhã)

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[,,,, ] já vi muito homem passando lá perto de casa com revolver, aqui, sabe, é, nas costas, material indevido, droga. Já vi usando também. Mas, ...eu sempre tive medo, por isso eu não saio de casa. Meus amigos, eu converso pela internet. Eu não saio de casa. (Garota de 15 anos, 1º Ano, Manhã)

Não. Daqui pra baixo não é tranquilo não ... Daqui pra baixo não é não.(Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã)

Ultimamente tá tendo muito assalto...Aproveitam pra pegar os alunos que está vindo pra escola. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã)

Algumas partes, é tranquilo... Agora, o problema, é só os roubos. Eu vejo muita gente dizendo de roubo.(Garota de 15 anos, 1º Ano, Manhã)

Aonde eu moro não é morte, assim, ... de cidadão, não. É ladrão matando outro. (Garota Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal)

É bom, mas falta segurança, também. (Garoto Ensino Médio Noite, Grupo Focal).

Os jovens do Parque São José, em suas narrativas, dão indicações de que

essas práticas que retiram a tranquilidade do bairro não são ocorrências frequentes. Assim

como foi expresso pelos estudantes do Bonsucesso, há problemas relacionados a roubos,

ao tráfico de drogas e mortes em decorrência de dívidas do tráfico. Entretanto, percebemos

pelos depoimentos dos estudantes do Parque São José que essas situações parecem mais

distantes de suas vivências cotidianas se comparadas às experiências dos entrevistados do

Bonsucesso cujos relatos indicaram uma convivência muito próxima com esses problemas

sociais, tendo sido comentada a participação de irmãos, primos ou vizinhos em práticas

ligadas ao uso de drogas ou ao tráfico.

Percebemos ao longo das narrativas dos jovens do Parque São José que eles

parecem estar menos vulneráveis a esses problemas acima referidos. Ao contrário, os

estudantes de EJA, moradores do Bonsucesso, expressaram maior exposição aos riscos

representados pela inserção precária no mundo do trabalho, bem como aos problemas que

podem decorrer da proximidade com o tráfico de drogas, colocando-os em uma situação de

vulnerabilidade que pode afetar suas trajetórias sociais.

Essas experiências vividas pelos estudantes de EJA do Bonsucesso e pelos

estudantes do Parque São José, seja no campo escolar, no mundo do trabalho ou em

relação aos seus contextos familiares e rede de relações sociais corroboram para a

percepção que esses sujeitos constroem sobre o mundo vivido, bem como influenciam seus

sonhos ou projetos para o futuro.

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5 EDUCAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO: DISPOSIÇÕES

DOS JOVENS DE ESCOLAS PÚBLICAS

É ser costureira... Meu sonho é só isso. Eu só quero acabar até o 3º. (Garota de

17 anos, EJA V).

Poxa vida, será que aquilo que eu tô planejando vai dar certo? Ou será que eu devo primeiro seguir o que o meu pai quer e depois o que eu quero? .... Eu fico pensando, assim, em questão de faculdade. Porque eu queria fazer era ... Arquitetura, só que ele diz que é pra mim fazer Administração. Aí eu fico, assim, meio em dúvida porque ele fica me dizendo que ... Arquitetura não dá muito aqui no Brasil. Aí, eu fico meio pensativa. Mas, eu também pensei em fazer Pedagogia, eu gosto muito de trabalhar conversando... Pois é, aí eu também sou professora na escola dominical... Eu também gosto muito de dar aula... (Garota de 15 anos,

1º Ano Manhã).

É de cada pessoa, né? Tem gente que quer faculdade, outras não. Eu não quero ainda porque eu ainda não sei o que é que eu quero. Eu sei que, por enquanto, o que eu tenho em cabeça é curso, eu tenho vontade de fazer curso. (Garota de 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).

Informática, Engenheiro... Sei lá. ... Ora, se o Policial do Ronda43

ganha dois mil... Eu quero ser é do Ronda pra andar de hylux... Ser do GATE

44... (Garoto de 16

anos, EJA IV, Noite).

Uma das preocupações presentes em nossa pesquisa esteve direcionada às

intenções dos jovens em cursar o Ensino Superior. No entanto, os depoimentos dos nossos

interlocutores, ao longo da pesquisa, foram nos mostrando diferentes expectativas em

relação ao futuro, nem sempre vinculadas a um projeto de vida centralizado no acesso à

Universidade.

As preocupações que nos movem em nossas investigações na tentativa de

compreender “a realidade”, mediante a construção arbitrária de objetos de estudo podem,

muitas vezes, estar distantes do universo do pensamento dos sujeitos pesquisados.

Formulamos questões as quais muitos de nossos interlocutores jamais se fizeram ou

buscaram responder. Procedemos “[...] como se fosse universal a disposição de encarar sua

própria experiência e sua própria prática como um objeto de conhecimento a respeito do

qual se possa pensar e falar [...]” (BOURDIEU, 2001, p.74).

Dessa forma, em nosso empreendimento investigativo, corremos o risco de não

receber de nossos interlocutores o retorno esperado, pretendido. As questões formuladas

43

O jovem fez referência ao Programa Ronda do Quarteirão criado pelo Governo do Estado do Ceará em 2007. O referido Programa é definido pelo Governo estadual como uma estratégia de policiamento concentrada na filosofia da Polícia Comunitária, como tentativa de criar uma polícia técnica mais próxima da sociedade. Fonte: www.pm.ce.gov.br. Consulta realizada em 16/03/2013. 44

O GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais é um batalhão da Polícia de Choque do Estado do Ceará “que atua somente nas ocorrências de alta complexidade, tais como: ocorrências com reféns localizados, ocorrências em estabelecimentos penais, assaltos a bancos, sequestros, escolta a presos de alta periculosidade, combate ao crime organizado, atendimento de ocorrências envolvendo artefatos explosivos” dentre outras missões. Fonte: www.pm.ce.gov.br. Consulta realizada em 16/03/2013.

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são nossas questões, talvez não lhes inquietem em suas práticas ordinárias do cotidiano,

seja na escola, no trabalho ou em outros campos do mundo vivido. No entanto, assim

mesmo, corremos aqui o risco de colocá-las e de tentar construir significados sobre aquilo

que nos chega através de suas narrativas.

Neste Capítulo refletimos sobre as questões abordadas com os jovens acerca de

suas disposições em relação ao futuro: pretensões de cursar o Ensino Médio, no caso do

grupo composto pelos estudantes em situação de distorção idade-série no Ensino

Fundamental, assim como as intenções quanto à profissionalização e/ou inserção no Ensino

Superior, nesse caso, incluindo os jovens do Ensino Médio na série recomendada para a

idade.

5.1 Perspectivas construídas por Jovens de EJA do Mondubim e Bonsucesso: Crença

ou Ilusão?

Para muitos jovens da escola do Mondubim ainda persiste a expectativa de

continuidade dos estudos e de profissionalização futura. A maioria deles fez referência ao

interesse em cursar o Ensino Médio, como alternativa para conseguir um “emprego melhor”.

Pretendem participar de cursos profissionalizantes e cursar o Ensino Superior. Embora

tenham apresentado indicações dos cursos de profissionalização e cursos superiores que

pretendiam cursar, as respostas indicaram certo desconhecimento por parte desses jovens

quanto à diferenciação entre determinados cursos de nível médio e cursos de nível superior,

bem como em relação aos processos de acesso a esses cursos. Os principais cursos

referidos pelos jovens foram: Informática, Cabeleireiro e Bombeiro, predominando o curso

de Informática. Entre os cursos superiores foram citados: curso de Nutrição, Contabilidade,

Pedagogia, Veterinária e Enfermagem. Alguns jovens afirmaram o desejo de se tornarem

Policiais.

Essas expectativas e projeções para o futuro, entretanto, não se apresentavam

presente em todos os jovens. Alguns afirmavam permanecer na escola por uma exigência

dos pais e, nesses casos, as faltas desses alunos eram mais frequentes do que de alguns

jovens que eram estudantes trabalhadores, mas que frequentavam, sistematicamente, as

aulas.

As observações realizadas entre os jovens do Mondubim permitiram perceber

que entre grande parte desses sujeitos a crença de que as chances de mudar de posição no

jogo não são totalmente nulas. Entretanto, é preciso pensar que nem sempre a disposição

para crer ou a crença está associada a uma disposição para agir, pois

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[...] vivemos em sociedades em que os atores podem incorporar crenças (normas, modelos, valores, ideais...) sem ter os meios (materiais e/ou disposicionais) para respeitá-las, para concretizá-las, para atingi-las ou realizá-las [...] Mais fundamentalmente ainda, os atores podem ter interiorizados normas, valores, ideais ... sem terem podido forjar os hábitos a agir que lhes permitiriam atingir seu ideal. (LAHIRE, 2004, p.333).

Essa disposição para crer, expressa pelas narrativas dos jovens pesquisados,

pode estar associada aos próprios valores incorporados, interiorizados através da

experiência escolar, uma vez que a escola tende a reforçar a importância da continuidade

dos estudos como preparação para o futuro. As respostas apresentadas ao pesquisador

podem apenas tentar confirmar esses valores introjetados durante sua trajetória escolar.

Para os jovens de EJA que apresentam um percurso de muitas dificuldades na

esfera do processo de aprendizagem escolar, será mais problemático forjar os hábitos que

lhes possam permitir atingir seus ideais, particularmente se esses ideais se estendem a

esferas do mundo acadêmico ou profissional em que as exigências ou credenciais de

acesso estão além do volume de capital cultural e capital social acumulado ao longo de suas

trajetórias escolares. A compreensão da existência de certos limites às possibilidades de

sonhar pode ser expressa pela fala de uma das estudantes da EJA III:

Meu sonho é também ser costureira... Eu gosto muito e eu vou querer aprender costurar já que eu não vou assim, né? Exercer uma profissão assim como as outras... Eu não sei ler direito... (Garota de 16 anos, EJA III).

A estudante demonstra compreensão de que a posição em que se encontra em

seu processo de aprendizagem constituiria impedimento para o acesso a profissões de

prestígio social em que o domínio da cultura escolar constitui uma condição fundamental. As

experiências vividas por essa jovem em sua trajetória escolar e profissional podem ter

contribuído para a limitação de suas expectativas em relação ao futuro e tê-la conduzido a

uma percepção do mundo na qual se vê na posição em que a sua condição lhe permite

estar. O depoimento da entrevistada nos remete ao pensamento de Bourdieu (2011a) ao

afirmar que

[...] a concordância das expectativas com as probabilidades, das antecipações com as realizações, está no princípio dessa espécie de “realismo” enquanto sentido da realidade e senso das realidades que faz com que, para além dos sonhos e das revoltas, cada um tenda a viver “de acordo com a sua condição”, segundo a máxima tomista, e tornar-se inconscientemente cúmplice dos processos que tendem a realizar o provável. (p. 90-91).

Embora não possamos generalizar esse posicionamento de Bourdieu de que

todos tendam a viver de acordo com a condição em que se encontram e que não possam se

contrapor a essa condição para tentar transformá-la, entendemos que o caso da estudante

que deseja ser costureira pode demonstrar que essa jovem não visualiza dentro do seu

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espaço social possibilidades de mudança na condição vivida, o que pode indicar não

somente um “senso de realidade” de que o fato de não saber ler não lhe permite sonhar com

o acesso a outras profissões. Mas, também, pode indicar que a entrevistada não percebe

em sua volta a possibilidade de apoio, seja da escola, seja de outras ações institucionais no

bairro. Não haveria alternativas a serem buscadas.

Em uma de suas narrativas, já comentada em outra parte deste estudo, a

mesma afirmou: “[...] a minha vontade é de ler muito, mas eu não... (chora). Ninguém me

ensina...” A expressão “ninguém” poderia implicitamente conter o sentimento de ausência de

uma ação direcionada a esse problema, particularmente, da escola, instância de

socialização em que o processo de alfabetização aparece como uma de suas atribuições no

contexto da educação da sociedade.

Nesses casos em que os jovens não identificam a existência de condições

objetivas que possam concretizar suas pretensões no campo da educação, torna-se mais

difícil o processo de construção das disposições para agir, considerando que as próprias

disposições para crer poderão ser fragilizadas diante dos impedimentos percebidos em suas

trajetórias escolares vividas no presente.

Apesar da descrença na possibilidade de ter outra profissão além de costureira,

a jovem afirmou pretender cursar o Ensino Médio. A intenção de prosseguir os estudos até

esse nível de ensino foi verificada entre todos os outros entrevistados de EJA do

Bonsucesso:

Terminar todinho. Melhor para arranjar trabalho. (16 anos, EJA IV).

Terminar e fazer faculdade. (17 anos, EJA IV).

O povo diz que é bom fazer o Ensino Médio. (16 anos, EJA IV)

É por isso que eu to fazendo o EJA. Eu quero terminar. Vou pro Heráclito (João

XXIII) (Jovem de 16 anos, EJA IV).

Em uma conversa observada no pátio entre algumas estudantes que estavam

concluindo a EJA V, as jovens demonstraram descontentamento quanto à escola de Ensino

Médio para a qual estariam sendo transferidas ao final do ano letivo. Referida escola fica

distante de suas residências, dificultando o deslocamento diário das estudantes durante o

período noturno, tendo em vista a distância e o risco de roubos ou assaltos. De acordo com

as jovens, não haveria mais vagas para a escola mais próxima e todos os estudantes de

EJA da escola pesquisada do Bonsucesso estariam sendo transferidos para a unidade

escolar mais distante.

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91

Em consulta realizada ao Site da SEDUC45 foi verificada a existência de uma

única Escola de Ensino Médio da Rede Pública Estadual de Ensino no bairro Bonsucesso -

a EEFM Pici das Pedreiras. Mas, de acordo com informações da secretária da escola dos

entrevistados, a EEFM Pici das Pedreiras geralmente não apresenta vagas para o Ensino

Médio disponíveis aos estudantes de outras escolas do Bonsucesso, visto que essas vagas

são destinadas, preferencialmente, aos estudantes já oriundos do Ensino Fundamental

desta mesma escola.

Comentando acerca da EEFM Pici das Pedreiras, a secretária da escola

pesquisada afirmou: “O Pici das Pedreiras sempre tá lotado. Nunca tem vaga. E não tem

nada muito próximo”.

Como foi afirmado pela entrevistada, não há outras escolas de Ensino Médio

próximas à área de residência dos jovens. Dessa forma, eles são encaminhados a

estabelecimentos da Rede Pública de Ensino em outros bairros como Parangaba, Henrique

Jorge ou Conjunto Ceará, dependendo da oferta de vagas e da escolha dos estudantes.

Essa escolha se limita às opções que lhes são disponibilizadas no processo de

remanejamento46 entre escolas.

As limitações quanto às opções de escolas de Ensino Médio acessíveis aos

concluintes das turmas de EJA somam-se às dificuldades de acesso a outros serviços de

educação, cultura, lazer e assistência social já sinalizadas pelos jovens durante as

entrevistas e grupos focais.

As disposições para crer na viabilidade de realização de projetos de futuro

apresentadas pelos jovens são afetadas pelas tramas do cotidiano representadas pela

dificuldade de acesso à escola dentro das condições que lhes sejam adequadas, pela

inserção em formas de trabalho não apropriadas à sua condição juvenil, dentre outras

situações. Tais situações podem imprimir nesses atores sociais um senso de realidade que

os levem a pensar que o sucesso no campo da educação e do trabalho não seja para

“pessoas como eles”.

45

www.seduc.ce.gov.br Consulta realizada em 05/03/2013. 46

O Remanejamento é um procedimento realizado para a transferência de estudantes entre as escolas da Rede Pública. Neste caso específico de transferência de estudantes entre a Rede Municipal e Rede Estadual, esse procedimento é classificado como remanejamento externo. De acordo com a Portaria Nº 1053/2011 GAB da Secretaria da Educação do Ceará, Diário Oficial do Estado de 27 de Dezembro de 2011, o Remanejamento “[...] efetiva-se através de planejamento prévio entre os gestores das escolas municipais e estaduais, sob a coordenação das CREDE ou SEFOR e Secretarias Municipais de Educação”. A referida Portaria ainda afirma que “Cada escola, de acordo com o planejamento prévio, deve receber o aluno remanejado garantindo sua vaga”.

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5.1.1 Terminar o Ensino Médio e Pronto: Adeus

Como mencionamos no início deste Capítulo, a ascensão ao Ensino Superior

não ocupa a centralidade das pretensões de nossos interlocutores. Para alguns desses

sujeitos, a conclusão da Educação Básica através do Ensino Médio, particularmente entre

alguns estudantes de EJA, constituiria a meta escolar final a ser alcançada, como

verificamos na fala dessa jovem: “Num penso não. Só ensino médio mesmo. Terminou o

ensino médio, pronto, adeus”. (EJA V, 16 anos).

O depoimento da jovem apresentado durante um dos grupos focais foi seguido

de risos dos colegas. No entanto, os risos não demonstraram reprovação pela atitude da

jovem em não desejar dar continuidade aos estudos, mas à forma como expressou esse

desinteresse em fazer um curso universitário. Além dela, outra estudante também afirmou

querer concluir apenas o 3º Ano do Ensino Médio e ser costureira, “Só ficar sentada”.

(Garota de 17 anos, EJA V).

As necessidades práticas do mundo vivido colocam-se no comando das

representações elaboradas por essas jovens em relação à educação. A continuidade da

formação nesse campo da educação não encontra espaço nos projetos de vida das

entrevistadas que demonstraram indiferença em relação ao ingresso em uma Faculdade. A

conclusão do Ensino Médio talvez seja considerada pelas jovens como a escolaridade

necessária para garantir o acesso à profissão desejada: ser costureira – ocupação que

talvez seja percebida pelas estudantes como capaz de lhes proporcionar as condições

materiais necessárias à existência.

Todos os outros entrevistados indicaram em suas falas a pretensão de fazer um

curso universitário, como comentaremos a seguir. No entanto, quando foram indagados

acerca do tipo de atividade profissional que gostariam de desenvolver, muitos fizeram

referência a profissões que não apresentam, na maioria das vezes, a exigência de curso

superior para exercê-las, como: atendente da Oi, Vendedora de loja de Shopping, Jogador

de Futebol, Policial, Bombeiro, computação e Desenhista. Durante um dos grupos focais, ao

conversarmos sobre o interesse em cursos universitários, um dos estudantes afirmou:

Administração... Eu quero ser policial .... Meu pai queria ser policial, mas só que não deu.... Não... Mas eu quero ser policial. Meu pai também quer. Eu tenho um

tio que também trabalha de policial. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

O jovem, inicialmente, afirmou a intenção de cursar Administração, mas foi mais

incisivo sobre o desejo de ser policial, profissão que, inclusive, já é desenvolvida pelo tio e

que fez parte dos sonhos de seu pai. A existência de uma pessoa próxima, como o tio, que

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faz parte do seu cotidiano e exerce a função de policial, confere ao jovem maior

familiaridade com a profissão, permitindo-lhe percebê-la como um projeto alcançável.

A afirmação da pretensão de cursar o Ensino Superior e, ao mesmo tempo, a

manifestação do interesse em desenvolver atividades profissionais que não exigem esse

nível de formação talvez seja expressão de um conflito que se instaura entre o desejo de

alcançar sonhos profissionais socialmente valorizados e o “realismo” ou senso da realidade

vivida que indicaria aos jovens a exata proporção dos sonhos que podem ser, efetivamente,

realizados.

5.1.2 Será que eu vou “chegar lá” também?

Entre os 20 (vinte) participantes da pesquisa na escola do Bonsucesso, 18

(dezoito) jovens afirmaram a pretensão de ingressar na Universidade. Os cursos superiores

referidos pelos pesquisados das turmas de EJA do Bonsucesso foram: Informática,

Administração, Psicologia, Medicina, Direito e Enfermagem. O curso de direito foi citado por

três jovens. Os jovens afirmaram:

Às vezes, eu vejo gente na faculdade, me preocupo: será que eu vou chegar lá também? (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Eu penso em Faculdade de Direito. Me formar em Advogada . Desde pequena que eu quero me formar em advogada, delegada. (EJA V, 16 anos)

Advocacia e depois de Advocacia me formar em Promotor.... Eu acho que tem que estudar muito e se empenhar. Gostei muito dessa profissão porque lá em São Paulo, minha madrinha, quase todo mundo lá é ... Promotor, Advogado. (EJA V,

17 anos)

Eu penso ser Enfermeira... Sempre quis... Tem uma amiga minha que trabalha lá no Alberto Sabin,ela é doutora... Ela andava lá na minha sogra... (Garota de 16

anos, EJA IV).

Pensei, mas não tem nada decidido ainda não. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Outra parte dos jovens afirmou querer fazer faculdade, sem especificar o curso

pretendido. Em seus depoimentos, deram indicações de desconhecimento dos cursos

oferecidos pelas Universidades, bem como da localização de Universidades ou Faculdades

existentes em Fortaleza. O estudante que, na primeira fala reproduzida acima, questiona se

um dia poderá também chegar à Faculdade afirmou não saber quais os cursos oferecidos

pelas universidades, bem como onde elas se localizariam na Cidade.

Mesmo com a abertura de algumas Faculdades particulares em bairros mais

afastados das áreas centrais de Fortaleza, como verificamos no entorno dos bairros de

residência dos entrevistados, os estudantes de EJA não demonstraram em suas narrativas o

reconhecimento desses espaços de Ensino Superior. Já entre os estudantes de 8º e 9º Anos

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e os de Ensino Médio da Escola do Parque São José foram feitas referências a essas

instituições particulares, tendo em vista que alguns desses entrevistados apresentavam

familiares ou conhecidos matriculados nessas e em outras instituições de Educação Superior.

O universo social desses estudantes interfere em seus projetos de vida:

familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho contribuem para o processo de construção e

recondução de suas disposições em relação ao mundo nos vários momentos de sua trajetória

social. Desse modo, a convivência com um grupo social que valoriza e acredita no potencial

da educação pode fortalecer a crença dos jovens nos resultados que ela pode imprimir em

suas vidas. Da mesma forma, se aqueles que compõem sua rede de relações posicionam-se

de maneira cética ou indiferente aos efeitos da educação sobre seus percursos sociais, tal

posição poderá fragilizar a expectativa desses jovens em relação ao retorno concreto que a

educação poderia, efetivamente, lhes garantir.

Observamos nas narrativas dos entrevistados que os cursos superiores referidos

por nossos interlocutores de EJA constituem campos acadêmicos para os quais a entrada

exige o domínio de certos conhecimentos que esses sujeitos, provavelmente, não tiveram

acesso em suas trajetórias escolares acidentadas, marcadas por dificuldades no processo de

aprendizagem, pela convivência em um universo familiar e comunitário em que os saberes de

prestígio nem sempre se fazem presentes. Situações muitas vezes agravadas, em alguns

casos, pela entrada precoce no mundo do trabalho e sob condições precárias. A inserção em

turmas de EJA, modalidade de ensino em que a proposta curricular apresenta uma

composição compacta quando comparada ao ensino regular, representaria mais um

obstáculo nesse processo de inserção dos pesquisados nos cursos superiores citados,

afastando-os da possibilidade de “chegar lá”.

Se considerarmos o “chegar lá” como ganhar o jogo, alcançar o projeto de vida

pensado e desejado podemos inferir que, particularmente para nossos interlocutores da turma

de EJA, há muitas situações de desvantagem que diminuem suas chances de vencer esse

jogo. Bourdieu (2001) afirma que esse não é um jogo de sorte que possa ser comparado ao

da roleta onde os lances são independentes. Mas, um tipo de um jogo que leva em conta os

resultados acumulados por seus ancestrais. Para Bourdieu (2001, p.262),

[...] Os que falam em igualdade de oportunidade esquecem que os jogos sociais, o jogo econômico, mas também os jogos culturais [...] sem ser propriamente viciada, a competição se assemelha a uma corrida de handicap cuja duração remontaria a diversas gerações anteriores ou a jogos em que cada jogador disporia dos ganhos positivos ou negativos de todos os que o precederam, ou seja, dos resultados acumulados por todos os seus ancestrais. Seria preciso compará-los a jogos em que os jogadores acumulam progressivamente pontos positivos ou negativos, ou melhor, um capital mais ou menos importante, o qual

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orienta suas estratégias de jogo, conforme as tendências [...] inerentes a seu habitus e ligadas, em certa medida, ao volume desse capital.

As reflexões do autor mais uma vez reforçam o entendimento de que as reservas

de capital seja ele econômico, social ou cultural constituem as bases para a elaboração das

estratégias para continuar jogando e ter possibilidades reais de chegar vitorioso ao final. Para

a maioria dos entrevistados de EJA, as reservas de capital cultural, saberes exigidos para o

ingresso no mundo acadêmico, podem estar comprometidas pelos “pontos negativos”

acumulados, representados pelas falhas em seus processos formativos no campo da

educação escolar que podem inviabilizar, em alguns casos, a entrada desses jovens no

espaço universitário.

Desse modo, não podemos falar que esteja garantida a esses estudantes,

efetivamente, igualdade de oportunidades para se “chegar lá” se esse lugar que se deseja

alcançar exige dos postulantes uma carga de volume de capital econômico, social e cultural

que eles não conseguiram acumular ocupando a posição em que se encontram no mundo

social.

5.2 A gente já vive o presente pensando no futuro

A gente já vive o presente, já pensando no futuro. Eu, tipo assim, eu vivo em função dele porque mais tarde eu vou, tipo, precisar de alguma coisa pra poder me manter, tipo continuar caminhando num caminho mais amplo pra melhorar os horizontes. Aí, a gente precisa pensar agora pra mais tarde a gente só praticar e conquistar. (Garota de 17 anos, 3º Ano, manhã)

Porque no colégio particular, eu não pensava muito essas coisas... de futuro, assim. No colégio público, você começa a imaginar. ... As coisas apertam, assim. Você querer poder saber o que você quer logo ... Tem que começar a pensar aquilo, se destacar mais naquilo que você quer. (Garota de 16 anos, 9º Ano, Tarde).

As narrativas dos entrevistados do Parque São José, tanto dos jovens que se

encontram em situação de distorção idade-série no Ensino Fundamental, quanto daqueles

que se encontram no Ensino Médio, na série recomendada para a idade, demonstram haver

entre esses sujeitos a preocupação com as ações ou tomadas de posição no presente

consideradas necessárias para a construção do futuro que projetam em seus sonhos. A

maioria desses jovens pretende ingressar na Universidade, embora ainda apresentem

indefinições quanto à opção de curso superior.

Eu mudo muito. Assim, eu antes queria ser enfermeira só mesmo pra usar branco, que eu achava lindo. Só que depois eu quis ser Jornalista... porque eu gostava da matéria. Só que depois... Eu me foquei mais assim nos estudos. Aí, eu comecei a ver que eu queria ensinar... porque tinha um professor que eu gostava muito do jeito que ele ensinava... E também a questão da minha igreja, as pessoas que falam tão bem... Só que eu não sabia qual a matéria... Geografia... Acho que é uma matéria que eu queria... Dá muitas possibilidades de conhecer lugares... Eu acho que tem que fazer uma coisa que lhe agrade, que tenha a ver mais do que

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com a questão do dinheiro... Se eu for fazer uma coisa que não me interesse... (Garota de 16 anos, 9º Ano, Tarde).

Eu tento ir além do Ensino Médio, sem o Ensino Médio eu não consigo o Superior... Vou fazer o Enem e vou fazer o vestibular da UECE pra Nutrição. (Ensino Médio, Manhã, Grupo focal).

Eu tô pensando em fazer para Ciência da Computação que eu sou bom nessa área. (Ensino Médio, Manhã, Grupo focal).

Eu decidi no Terceiro Ano. Eu vinha no Nono ano querendo Psicologia. Aí, quando cheguei pro Segundo, comecei a me envolver muito na cozinha... Eu cozinho muito bem, queria Gastronomia. Aí, mudei... Agora, eu quero Nutrição. (Garota de

17 anos, 3º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Mas, há também indicações de outras carreiras profissionais que independem de

curso universitário, o que nos indica que a projeção de futuro apresentada pelos

pesquisados não estaria, necessariamente, associada à conclusão de um curso

universitário, como podemos observar através de algumas falas:

Eu gosto muito de ser motorista de ônibus. Eu pretendo ir além... Por um lado penso em fazer (Faculdade), por outro não. Tem que quebrar muito a cabeça. Pensava em medicina. (Garoto de 16 anos, 2º Ano, tarde)

Eu pretendo fazer administração, mas eu foco mais é pra conseguir... Seguir a carreira do Exército. (Garoto de 17 anos, 3º Ano, noite).

Mesmo considerando importante fazer um curso universitário, alguns jovens

compreendem que a conclusão do Ensino Superior não é garantia de inserção profissional

no mercado de trabalho. Duas entrevistadas afirmaram:

Eu acho que precisa porque ... é ... Eu acho que a faculdade, você vai ganhar mais. Não pelo dinheiro, mas você vai ter uma cabeça mais ... Como é que eu posso falar... Vai ter mais conhecimentos. Aí, você vai poder arranjar um emprego melhor do que só com o ensino médio. Certo que muitas pessoas terminam a Faculdade, mas não conseguem o emprego que quer, enquanto que a pessoa faz só o Ensino Médio e consegue ganhar mais do que outras que terminaram Faculdade. Aí, é muito relativo essas coisas. (Garota de 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).

Eu quero (Faculdade). Mas, só que tudo depende da pessoa, né? Tudo é uma decisão. Então, não adianta você ir pra faculdade, gastar o seu dinheiro durante todos aqueles anos e quando é no final, você não fazer nada, viver como vivia antes ... ou pior. Então, tudo depende da pessoa... Também como nós, que não adianta nós passarmos desde a Primeira Série até o Nono, terminando o Fundamental, aí vamos terminar o Ensino Médio e quando sair daqui a gente também não fazer nada... Ou trabalhar no Center Box. (Garota de 16 anos, 2º Ano ensino médio tarde).

As entrevistadas expressaram o entendimento de que o investimento de tempo

e/ou dinheiro em cursos universitários não resultariam, necessariamente, em ganhos

financeiros futuros, considerando que tais ganhos, em determinados casos, poderiam ser

alcançados apenas com o Ensino Médio. Uma delas fez referência ao supermercado Center

Box procurando demonstrar que a inserção em um emprego nessa empresa, em certa

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medida, representaria o mesmo que “não fazer nada”, ou o fracasso do investimento

escolar, uma vez que era para esse supermercado local que muitos jovens da escola já

eram encaminhados mesmo ainda cursando o Ensino Médio. O posicionamento da jovem

expressa o pensamento de que trabalhar no Center Box após a conclusão de certa trajetória

no campo escolar constituiria uma situação de desprestígio.

O círculo das esperanças nos títulos proporcionados pela educação fragiliza-se

quando não são percebidas oportunidades concretas para a vida profissional futura. Alguns

desses títulos, como a certificação da Educação Básica e mesmo de Ensino Superior, como

foi mencionado por uma das entrevistadas, não seriam mais percebidos como garantia de

ocupação dos cargos desejados e para a entrada em novas posições sociais. De acordo

com Bourdieu (2001, p.286),

De um lado, a generalização do acesso à educação – com o consequente descompasso estrutural, logo as posições esperadas, e os cargos obtidos – e da insegurança profissional tende a multiplicar situações de desajuste, geradoras de tensões e frustrações. Encontram-se praticamente extintos os universos nos quais a coincidência quase perfeita, entre tendências objetivas e expectativas, converte a experiência do mundo num encadeamento contínuo de antecipações confirmadas.

O autor nos remete ao entendimento de que, em certos contextos, não há

certezas de realização de um encontro perfeito entre os títulos obtidos através do acesso à

educação e a inserção nos cargos ou novas posições almejadas. Portanto, não haveria mais

antecipações confirmadas mesmo para aqueles que parecem seguir um percurso escolar

que poderia conduzir ao sucesso profissional, como os nossos interlocutores do Ensino

Médio.

Esses entrevistados também expressaram dúvidas sobre o que desejam em

relação ao futuro, em relação às suas escolhas profissionais. Mas, apenas uma das

pesquisadas foi incisiva na afirmação de que ingressar em uma Faculdade não constituiria

seu objetivo principal naquele momento:

Eu não sei. Eu queria mais era fazer cursos. Eu quero fazer muito curso... Faculdade, eu não sei, faculdade eu não penso ainda não... Eu acho que é assim, fazer a faculdade ... Você passa quatro anos só numa coisa, e eu não sei como é que eu quero ainda, o que eu quero exatamente, eu não sei ainda. Aí, por enquanto, eu vou fazendo um curso de informática ou qualquer área, assim, pra ver se consegue alguma coisa boa até que eu saiba o que eu queira pro futuro.

(Garota de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal).

A estudante foi enfática na afirmação de que pretendia fazer outros cursos não

universitários, cursos que pudessem lhe proporcionar “alguma coisa boa” até que ela tivesse

condições de decidir sobre seus desejos em relação ao futuro. A fala da estudante

demonstra o sentimento de não estar pronta para decidir sobre o futuro e a compreensão de

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que precisa vivenciar outras experiências, como participar de vários cursos, uma forma de

descobrir o que realmente deseja.

Nessa fase da vida dos jovens que se encontram no Ensino Médio há muitas

pressões sociais e, em especial, pressões familiares e escolares relacionadas à cobrança

por tomadas de posição desses sujeitos sociais em relação à entrada no mercado de

trabalho (no caso daqueles tiveram o “privilégio” de dedicarem-se exclusivamente aos

estudos até o Ensino Médio) e/ou em relação ao ingresso no Ensino Superior. Mas, muitos

talvez não se sintam preparados para essas tomadas de posição diante do mundo que

podem ser decisivas para os rumos de suas trajetórias de vida. Como observamos na

narrativa da jovem, ela procura expressar suas incertezas em relação ao que quer para o

futuro, incertezas que não demonstram desinteresse com esse projeto de futuro, mas

dúvidas quanto às escolhas mais apropriadas.

As cobranças sociais sobre os jovens que se encontram nessa fase escolar,

geralmente se apresentam de forma homogênea, dependendo da posição desses sujeitos

na estrutura de distribuição de capital econômico, social e cultural. Espera-se que esses

atores sociais já disponham de uma definição sobre seus planos de futuro profissional

quando para muitos esse futuro talvez nem tenha surgido como um problema a ser

pensado. Cobranças que partem de uma visão universalista de jovem, como se todos esses

sujeitos dispusessem igualmente dos meios objetivos e subjetivos necessários para essas

tomadas de posição diante de um futuro a construir.

Com base nas conversas com os jovens do Parque São José percebemos que a

escola mantém um trabalho de incentivo para que eles participarem do Exame Nacional do

Ensino Médio - ENEM47, particularmente os que se encontram no 3º Ano do Ensino Médio.

Mas, esse trabalho também alcança os estudantes que ainda se encontram no Ensino

Fundamental, como podemos perceber através desses depoimentos:

Quando vocês chegarem no Terceiro Ano vocês vão ver a força que os professores dão, o material que a gente recebe... Eu recebi uma apostila, todo material do ENEM, com Redação ... Uma coisa só da redação que vem dizendo tudo... A gente faz exercício sobre o ENEM, tira dúvida, o professor ele chega com você. É um mundo totalmente diferente. Veio três alunos daqui que já terminaram... tão na faculdade. Vieram dar uma palestra pra gente, dizer como é que é lá na Faculdade, o mundo que é ... que é todo diferente. Eles vieram aqui pra dar cada vez mais força pra gente. Eles saíram daqui da escola É muito

47

O ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio foi criado pelo Governo Federal em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho dos estudantes ao final da Educação Básica. A partir de 2004, esse Exame passou a ser utilizado também como critério para a concessão de bolsa de estudo para as Instituições privadas de Ensino Superior concedidas pelo Governo Federal aos estudantes que cursaram todo o Ensino Médio na Rede Pública de Ensino ou bolsistas de escolas particulares considerados de baixa renda. Atualmente, constitui mecanismo para a seleção de candidatos às Instituições Federais de Ensino Superior. (Fonte: www.inep.org.br). Consulta realizada em 17/01/2013).

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diferente, vocês vão ver... vocês fica cheio de sonhos, cheio de planos no Terceiro Ano... Porque não é só matéria... O professor tem que tá incentivando os jovens, porque os jovens.... passa um milhão de coisas na cabeça dele .... Pode mudar de opinião rapidamente... pra fazer a cabeça de um pro mal caminho é dois minutos. (Garota de 17 anos, 3º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Eu gosto muito da escola do IUG48

porque todos os professores, tudo, qualquer coisinha eles começam a falar do ENEM:, ah,porque a prova do ENEM é assim ...porque é assim e eu quero fazer o ENEM, se Deus quiser, eu quero passar, porque eu pretendo fazer faculdade, não uma faculdade besta. Ou eu quero Direito ou eu quero Medicina. Então, eu quero estudar muito. É por isso que eu digo que eu estudo pouco. Pro que eu quero, eu estudo muito pouco. (Garota de

14 anos, 8º Ano, Tarde).

As narrativas dos estudantes dessa unidade escolar demonstraram ao longo das

entrevistas e grupos focais a existência de um clima escolar em que os professores

procuram incentivá-los na perspectiva de ingresso ao Ensino Superior, bem como o

reconhecimento por parte dos jovens do trabalho desenvolvido por esses profissionais para

que tenham sucesso em seus processos de aprendizagem. Dois jovens do Ensino

Fundamental afirmaram:

[...] os professores pegam um pouquinho no pé, exigem mesmo. Não é olhar a tarefa só por olhar. Eles leem pra ver se tá certo, se tiver errado ... isso aqui tá escrito errado! Qualquer detalhezinho eles observam. Então, eu gosto muito por causa disso. Eu sei que na escola eu vou estar sendo preparada justamente pra prova do ENEM. (Garota de 14 anos, 8º Ano, Tarde).

Porque aqui tem um ensino mais de qualidade ... assim, muito mais na linha... do que passar em tudo com facilidade e quando chegar lá na frente não ter aprendido nada. (Garoto de 15 anos, 9º Ano, Tarde).

Embora tenha prevalecido o reconhecimento da qualidade do trabalho

pedagógico realizado pela escola, há críticas sobre os aspectos metodológicos que

envolvem o cotidiano escolar, como observamos na fala a seguir:

[...] é meio chato a escola, né? Você chega, aí passa, por exemplo, a gente vai passar daqui de uma hora até às seis sentada na cadeira.Só passa vinte minutos pra lanchar e conversar um pouco e depois volta pra mesma sala, pra olhar pra mesma pessoa... Então, é, devia ter tipo um incentivo ... Poucas vezes passam vídeo pra gente e quando passam... Um passeio, uma aula dinâmica. Um passeio pra mostrar a nossa Fortaleza. Não mostram, não levam a gente pra canto nenhum ... (Garota de 16 anos, Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal).

Os estudantes de Ensino Médio do ensino noturno teceram algumas críticas

quanto à diferença de qualidade entre os turnos, pois consideram que o fato da carga

horária noturna ser menor que a diurna coloca-os em situação de desvantagem em relação

aos demais jovens do ensino diurno. Para esses jovens, os professores “maneram na

matéria” (Jovem de 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal) o que resultaria na necessidade de

alguns deles, que pretendem ingressar na Universidade, intensificarem seus estudos em

48

Denominação popularmente utilizada pela comunidade escolar para se referir à Escola de Ensino Fundamental e Médio Irmão Urbano Gonzalez.

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casa para terem acesso aos conteúdos curriculares que não são trabalhados pelos

professores em decorrência da limitação do tempo escolar noturno. Referindo-se à situação

do ensino noturno, o mesmo jovem afirmou: “Porque também a carga horária é menor. Aí a

matéria é atrasada ... A carga horária da manhã, por ser maior, pode adiantar o assunto”.

(Jovem de 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal).

As narrativas dos entrevistados do ensino noturno indicam a existência de

desigualdades entre os estudantes de diferentes turnos no acesso aos conteúdos escolares

considerados importantes para aprovação nos processos seletivos para ingresso no Ensino

Superior, como passar no ENEM, por exemplo. Desse modo, mesmo nos espaços internos

da escola, reproduzem-se desigualdades que dificultam os processos de formação escolar

desses jovens.

As especificidades dos estudantes do ensino noturno nem sempre são

capturadas pelo olhar dos gestores, o que pode, muitas vezes, colocar esses sujeitos

sociais em situação de desvantagem dentro do próprio contexto escolar. É importante

pensar que “manerar na matéria” talvez não signifique atender ao que esses jovens

esperam da escola como âncora para seus projetos de futuro.

Se o tempo escolar disponível para o desenvolvimento curricular no ensino

noturno não é suficiente para que os estudantes possam ter acesso às informações e

conhecimentos exigidos nos processos seletivos que pretendem participar, novas

estratégias pedagógicas podem ser elaboradas na perspectiva de responder às demandas

desses jovens.

A construção de uma ideia de futuro mantém relação com as próprias condições

em que se vive o presente. Segundo Bourdieu (2011a, p.89),

[...] aquém de um certo patamar, não é possível constituir a própria disposição estratégica que implica a referência prática a um futuro, por vezes muito distante, como se a ambição efetiva de dominar o futuro fosse, inconscientemente, proporcional ao poder efetivo para dominá-lo. E, longe de representar um desmentido, as ambições sonhadas e as esperanças milinaristas manifestadas, por vezes pelos mais carentes dão ainda testemunho de que [...] a “demanda efetiva” encontra seu fundamento e, também, seus limites no poder, medidos pelas chances de saciar o desejo e satisfazer a necessidade.

Para o autor, não se pode pensar em futuro quando se está abaixo de um

determinado patamar. Tal situação inviabiliza a existência dos meios necessários para a

construção das próprias disposições que permitem essa alusão a um futuro. Desse modo,

para se “viver o presente pensando no futuro”, como foi destacado na narrativa de uma de

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nossas entrevistadas, é necessário dispor de um poder proporcional à envergadura daquilo

que se deseja nesse futuro.

Entendemos que esse poder pode ser construído pelos jovens, nossos

interlocutores, desde que lhes sejam garantidos, efetivamente, os meios necessários para

alcançarem esse poder, como o acesso a um sistema escolar adequado às suas demandas

particulares que, ao mesmo tempo, lhes permita também usufruir de todos os outros direitos

universalmente consagrados aos seus pares, independente da posição social ocupada.

5.3 Eu vou porque eu gosto, porque eu quero

Ao longo desse percurso investigativo, nosso olhar esteve sempre atento às

disposições dos jovens pesquisados em relação à escola, expressas por meio de suas

narrativas e comportamentos apresentados durante a pesquisa. Procuramos perceber

variações entre as estruturas incorporadas (passado) por esses sujeitos, como aquelas

construídas no processo de socialização familiar, e o presente, representado pelos novos

contextos experimentados pelos pesquisados a partir da escola e de outros espaços de

sociabilidade juvenil mencionados por esses atores sociais. Os depoimentos de duas jovens

nos chamaram, particularmente, a atenção:

Meu pai, ele fala demais, ele fala muito, muito pra mim e pro meu irmão. Fala demais, demais, demais. Mas eu, eu mesmo, eu quero mesmo me formar, ter uma vida melhor, é... ser uma profissional... Não porque ele fala... Mas, assim, eu quero muito... Mesmo que ele não falasse, não tivesse nem aí, eu continuaria com vontade de estudar. (Garota de 15 anos, 1º Ano Manhã, Grupo Focal)

É ... na minha casa, ninguém se importa, assim, se eu vou ou não pra escola... Mas, eu vou porque eu gosto, porque eu quero... Mas,... se eu tivesse outra cabeça, eu não ia pra escola, já tinha desistido há muito tempo... (Garota de 16

anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).

No primeiro depoimento, a estudante expressa a convivência em um ambiente

familiar onde há incentivo aos filhos em seus empreendimentos escolares e de formação

profissional; ao contrário do depoimento da segunda estudante que deixa explícito um

sentimento de que os familiares são indiferentes à sua formação escolar. Mas, as duas

jovens procuram mostrar que o interesse que as move em relação aos estudos é uma

decisão pessoal, individual, independente da influência familiar.

Temos enfatizado neste trabalho que as práticas realizadas pelos atores sociais

em seu cotidiano constituem espaços para inibição, reativação ou construção de novas

disposições. As disposições desenvolvidas na família, espaço primário de socialização,

podem continuamente ser confrontadas diante de novas experiências sociais, reforçando ou

fragilizando determinadas disposições que não encontram receptividade em outros

contextos. Para a jovem cuja família incentiva e estabelece cobranças em relação à escola,

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há um encontro ou concordância entre disposições adquiridas no universo familiar e um

novo mundo de sociabilidade, como a escola. No caso da outra jovem, embora sem

encontrar o mesmo incentivo entre os familiares, esse fato não a impediu de construir uma

visão positiva em relação à formação escolar, visão que pode estar permeada pela

influência das várias dimensões do social presentes em cada indivíduo.

Lahire (2002) utiliza a metáfora da dobra ou da dobradura social para explicar

que o indivíduo não é resultado de uma única dimensão do social. De acordo com o autor:

A metáfora da dobra ou da dobradura do social é duplamente útil para nós. Antes de tudo, a dobra designa uma modalidade particular de existência do mundo social (e de suas lógicas plurais) em sua forma incorporada, individualizada. Se nós representarmos o espaço social em todas as suas dimensões (econômicas, políticas, culturais, religiosas, sexuais, familiares, morais esportivas, etc., [...]), então cada indivíduo é comparável a uma folha amassada ou a um tecido amarrotado. (LAHIRE, 2002, p.198).

Para Lahire, o espaço social encontra-se de forma dobrada em cada um dos

atores sociais. Assim, para compreendê-los, é importante levar em consideração como

essas dimensões do social estão presentes em suas experiências individuais. Lahire (2002,

p.198) ainda destaca que essas amassaduras tornam cada ator “[...] ao mesmo tempo, um

ser relativamente singular e um ser relativamente análogo a muitos outros”.

O autor não descarta a importância do estudo do “exterior”, representado pelos

processos sociais, os grupos sociais e as estruturas sociais, pois essas dimensões

exteriores são internalizadas pelos indivíduos. Mas, também, não maximiza a ação do

“interior”, pois não haveria um primado ou anterioridade desse “interior” sobre o que os

atores sociais são ou poderão vir a se tornar.

Lahire (2002) procura deixar explícito que a realidade social presente em cada

indivíduo, ou seja, encontrada nele em estado amassado, apresenta uma organização

diferente daquela apreendida em seu estado desdobrado, no “exterior” - nas estruturas,

instituições etc. De acordo com o autor, para compreendermos o “interior” é necessário um

estudo sistemático do “exterior”.

Desse modo, para entendemos as disposições para crer e/ou para agir diante do

mundo, da escola, do trabalho e do futuro apresentadas pelos jovens, enquanto atores

plurais que vivenciam diversos contextos, é importante levarmos em consideração o

“exterior” que circunda as vivências desses sujeitos.

Embora nossas interlocutoras afirmem que continuam na escola “porque gostam

e porque querem”, como uma decisão individual, particular, independente das orientações e

influências familiares, é o social em seu estado dobrado que se manifesta, que aparece

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como expressão das múltiplas facetas das outras experiências sociais vivenciadas por

essas jovens.

As duas entrevistadas estudam no período diurno e não são trabalhadoras. No

entanto, a estudante que mencionou o fato do pai falar bastante em relação à escola, era

estudante da Rede Particular de Ensino e foi para Rede Pública por questões relacionadas à

dificuldade de pagar transporte para escolas particulares localizadas fora do bairro de

residência. A entrevistada fez referência às mudanças em sua percepção quanto ao futuro

após seu ingresso na Rede Pública de Ensino. Como foi mencionado anteriormente, essa

jovem afirmou:

Porque no colégio particular, eu não pensava muito essas coisas... de futuro, assim. No colégio público, você começa a imaginar. ... As coisas apertam, assim. Você querer poder saber o que você quer logo ... Tem que começar a pensar aquilo, se destacar mais naquilo que você quer. (Garota de 16 anos, 9º Ano, Tarde).

A afirmação da jovem pode indicar como as mudanças nos contextos de vida

impõem novas exigências aos indivíduos, incidindo sobre suas percepções acerca da vida

cotidiana e do próprio futuro a ser pensado e buscado. A transferência para a escola

pública, como consequência das novas condições econômicas da família, significou também

mudanças na forma de olhar para um futuro que precisa começar a ser construído agora.

Durante o tempo de permanência na rede privada de ensino, essa preocupação parece ter

ficado distante, talvez pelo fato de acreditar que os pais poderiam prolongar um tempo de

dedicação aos estudos e de fazer escolhas sem a pressa imposta pelas urgências muitas

vezes imprevistas da vida cotidiana.

As afirmações da jovem expressam uma representação construída sobre a

escola pública como lugar em que os estudantes não têm tempo a perder. É preciso decidir

logo o que se pretende para o futuro, é preciso compensar o investimento de tempo

despendido com a formação escolar, particularmente no caso daqueles que são “poupados”

pelas famílias de ingressarem no mundo do trabalho antes da conclusão da Educação

Básica.

Podemos perceber que as duas entrevistadas convivem em ambientes familiares

em que à cultura escolar não é atribuído o mesmo prestígio. Mas, essa situação não

impediu que uma das jovens desenvolvesse o interesse pela escola, apesar da indiferença

dos familiares. A pluralidade de cenas vividas por essa jovem em seu cotidiano, em vários

contextos exteriores ao universo familiar, como a escola e outros espaços de socialização,

podem ter contribuído para a construção de sua percepção em relação à escola, bem como

sua percepção sobre o próprio pai. Em uma de suas declarações, a jovem afirmou:

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[...] embora ele seja meu pai, eu acho meio ignorante pra certas coisas Eu, às vezes, tento passar coisas que ele deve saber e eu já sei... Eu quero ter futuro, sei lá... (Garota de 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Essas declarações nos remetem ao pensamento de Lahire (2002) ao comentar

que o universo escolar passa a predominar como “ponto de referência” para aqueles que

obtêm sucesso nesse espaço social. De acordo com o autor:

Depois, ao se confirmar o sucesso escolar, é o universo escolar que predomina e se torna o “ponto de referência” [...] É difícil não se irritar com seus pais quando são cada vez mais vistos pelos olhos de um outro universo, a partir de outras maneiras de dizer, de ver, de fazer e de sentir. (LAHIRE, 2002, p.44-45).

A percepção construída pela jovem acerca do pai, ao considerá-lo “ignorante pra

certas coisas” demonstra que ela passou a enxergá-lo a partir dos olhos de outro universo.

Embora não possamos afirmar que as experiências incorporadas do passado vivido em

suas vivências familiares sejam esquecidas, “Porque seus pais estão nela, através de todos

os hábitos que ela construiu através das relações com eles [...]” (LAHIRE, 2002, p.45),

novas disposições podem ser assumidas por nossa interlocutora diante do mundo, dada a

diversidade de contextos vividos até então e outros ainda a serem experimentados fora do

universo familiar e escolar.

Ao longo deste Capítulo procuramos discutir e compreender as disposições dos

nossos entrevistados em relação à educação, à profissionalização e ao futuro expressas

através de suas narrativas. A maioria dos estudantes de EJA expressaram a intenção de

concluir o Ensino Médio e de ingressarem em cursos universitários, apresentando

disposições para crer na possibilidade de acesso a certas profissões consideradas de

prestígio. No entanto, percebemos que essas “disposições para crer” encontram dificuldades

para serem transformadas em “disposições para agir”, tendo em vista os vários problemas

enfrentados por esses atores em seus percursos escolares que lhes inviabiliza o acesso a

certos conhecimentos e informações socialmente valorizados e exigidos para a entrada

nesses campos profissionais.

Para os entrevistados do Ensino Médio, jovens da mesma faixa-etária

apresentada pelos estudantes de EJA, o caminho até então percorrido parece apontar para

possibilidades mais factíveis para seus projetos de futuro, considerando que apresentam

trajetórias escolares mais regulares e uma maior familiaridade com as “leis” que regulam o

acesso dos que postulam a entrada em campos que lhes são muitas vezes estranhos, como

o campo universitário.

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105

6 DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO CAMPO DA

EDUCAÇÃO: TENSÕES ENTRE DIFERENÇAS E DESIGUALDADES

NO ATENDIMENTO AOS JOVENS

O reconhecimento das particularidades existentes entre as diversas condições e

posições em que se encontram os jovens dentro do mundo, expressas pela origem social de

classe, pelo gênero, etnia, religião, cultura, dentre tantas outras diferenças atualmente

afirmadas, parece transformar-se em um pensamento universal nas produções acadêmicas

que discutem atualmente as políticas públicas brasileiras direcionadas aos jovens. Como

temos destacado, partimos da compreensão dessas particularidades e do entendimento de

que há jovens vivendo uma mesma fase da vida sob diferentes condições de existência que

podem interferir em suas trajetórias escolares e sociais.

Como identificamos através das observações de campo, entrevistas e grupos

focais realizados com os estudantes que foram nossos interlocutores neste estudo, há

jovens entre 15 e 17 anos que se dedicam integralmente à escola; outros que precisam

conciliar o tempo entre o trabalho e a escola. Alguns se encontram inseridos em situações

de trabalho dentro dos parâmetros exigidos por Lei para essa faixa-etária; outros se

submetem a condições de trabalho consideradas ilegais; jovens que fazem projeções sobre

seus percursos profissionais futuros, seja através do ingresso na Universidade ou em outras

carreiras e que demonstram conhecer as regras do jogo necessárias para a construção

desse futuro; e jovens que desistem dos sonhos porque ainda não conseguiram sequer

alcançar o domínio das competências básicas de leitura e escrita na língua oficial capaz de

lhes garantir “[...] o mínimo de comunicação que é a condição da produção econômica e

mesmo da dominação simbólica”. (BOURDIEU, 1996, p.31).

Nosso propósito neste Capítulo é discutir um problema que consideramos estar

associado à negação do direito constitucional que deveria se tornar, efetivamente, universal

a todos os brasileiros: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” 49.

Procuramos pensar em que medida as políticas públicas governamentais direcionadas aos

jovens entre 15 e 17 anos criam os meios de acesso ao universal representado pelo direito

de igualdade de condições para permanecerem em uma escola que lhes possibilite o

domínio da cultura considerada legítima e que lhes permita transitar pelos caminhos que

lhes conduzam à realização dos sonhos projetados.

49

Constituição da República Federativa do Brasil – Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, Da Educação. Art. 206, Inciso I.

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106

Para alguns de nossos entrevistados trabalhadores ou que se encontram em

uma faixa-etária superior à oficialmente recomendada para o Ensino Fundamental, o Estado

concede o direito de estudar no período noturno, em turmas de EJA, por exemplo, como se

essa condição de ser jovem trabalhador ou estudante em situação de distorção idade-série

constituísse uma escolha incondicional desses sujeitos e como se, ao atender a uma

“particularidade” desse grupo, através da oferta de ensino noturno e em uma modalidade de

aceleração de estudos, estivesse sendo garantido um tipo de “justiça escolar”.

Para a discussão desse problema partimos de algumas reflexões lançadas por

Bourdieu (2001) sobre as “políticas culturais” direcionadas aos “mais destituídos”.

[...] em nome de um respeito ao mesmo tempo condescendente e inconsequente pelas particularidades e particularismos “culturais” ferozmente impostos e vivenciados, que acabam assim constituídos em escolhas – refiro-me, por exemplo, ao manejo por parte de certo conservadorismo do “respeito pela diferença” [...], os destituídos são acorrentados a seu estado e impedidos de terem acesso aos meios reais de levar a cabo suas possibilidades mutiladas; de outro lado, impõem-se universalmente (como a instituição escolar hoje) as mesmas exigências sem qualquer preocupação de também distribuir universalmente os meios de satisfazê-las [...] (BOURDIEU, 2001, p.93-94).

O olhar de Bourdieu, embora direcionado mais especificamente às políticas

culturais, pode nos ajudar a pensar sobre um discurso que se produz no campo da

educação: o respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem dos estudantes. Esse discurso

pode, muitas vezes, resultar na segregação de jovens em grupos diferenciados, como no

caso dos nossos interlocutores que se encontravam acima da idade recomendada para a

série cursada e que foram transferidos para as turmas de EJA. Esse tratamento dispensado

aos “jovens fora de faixa” pode mutilar suas possibilidades no campo da educação. A

redução de horas de estudo no período noturno, a inserção em turmas de EJA, com

currículos diferenciados e compactos, dentre outras situações, podem limitar suas chances

de acesso à cultura considerada legítima, limitando suas chances de mudança no jogo das

posições sociais.

Entendemos ainda que as políticas públicas governamentais que se fundam em

uma perspectiva universalista que desconsidera as especificidades das experiências vividas

pelos jovens também podem comprometer a efetividade de seus resultados sobre a vida

desses sujeitos quando ignoram os contextos econômicos e sociais em que se encontram

inseridos, bem como as diferenças que marcam seus modos de existência.

As análises acerca da situação dos sujeitos sociais que constituem o foco

principal deste estudo partem da compreensão de que, no atual contexto histórico,

predomina um sistema de distribuição desigual de capitais entre os cidadãos, problema

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107

estrutural e histórico do Estado brasileiro. Tal sistema de organização contribui para definir

as diferentes posições ocupadas por esses cidadãos dentro do espaço social.

Se existem sujeitos vivendo em posições desiguais dentro da sociedade, seria

possível definir um padrão de justiça capaz de favorecer igualmente todos esses sujeitos no

campo da educação sem reduzir suas chances de sucesso escolar em relação aos outros

sujeitos em posição privilegiada dentro do espaço social?

Buscamos compreender em que medida determinadas políticas direcionadas a

esses jovens consideram suas particularidades, suas diferenças, sem torná-los inferiores

aos outros sujeitos que vivenciam essa mesma fase da vida, mas em posição diferenciada

no espaço social, bem como refletir sobre os excessos de afirmação de uma igualdade

universal formal que podem descaracterizar as demandas de determinados grupos juvenis.

Neste Capítulo daremos destaque às Políticas Públicas governamentais

referidas por nossos interlocutores em suas narrativas durante as entrevistas e grupos

focais, como a Educação de Jovens e Adultos – EJA no Ensino Fundamental; o Ensino

Médio e sua vertente relacionada à Educação Profissional, em especial a ação desenvolvida

pelo Governo do Estado do Ceará através das Escolas de Educação Profissional.

Discutiremos ainda sobre o Projovem Adolescente, que embora não constitua um Programa

específico do campo da educação, mantém articulação com esse campo e foi referido por

alguns dos sujeitos entrevistados. Ressaltamos que não temos a intenção de aprofundar os

processos de desenvolvimento dessas Políticas ou avaliar seus resultados, mas

compreender, através das narrativas dos nossos interlocutores, como elas alcançam esses

sujeitos ou, ao contrário, em que medida tais políticas encontram-se distante das demandas

desses atores sociais.

6.1 A Educação de Jovens e Adultos – EJA: Respeito à particularidade de Jovens em

situação de Distorção Idade-Série?

A Educação de Jovens e Adultos constitui uma Modalidade de Ensino destinada

àqueles que se situam na faixa-etária superior à considerada própria para o Ensino

Fundamental. “Os não aptos são “convidados” após os quinze anos e ainda no Ensino

Fundamental, a se matricularem na Educação de Jovens e Adultos (EJA), pois a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) Nº 9.394/96 sinaliza como marco legal

para a EJA a idade de 15 anos”. (MEC, 2011, p.26). Para o Ensino Médio a idade mínima

exigida é de 18 anos completos.

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108

A oferta da modalidade de EJA como alternativa para a particularidade das

situações de determinados jovens que não alcançam o Ensino Médio na idade

recomendada, ou que “desejam” trabalhar, pode falsear a realidade de uma condição em

que o direito universal à educação como igualdade de acesso e igualdade de condições de

permanência na escola não é ainda garantido a todos. Sob a perspectiva formal da

legislação vigente, garante-se

a alguns o monopólio de certos possíveis que, no entanto, encontram-se oficialmente garantidos a todos (como o direito à educação). Os direitos exclusivos consagrados pelo direito constituem apenas a forma visível, e explicitamente garantida, desse conjunto de oportunidades apropriadas e de possíveis antecipados, logo convertidos, para os demais, em proibições de direito ou em impossibilidades efetivas [...] (BOURDIEU, 2001, p.276).

Proibições e impossibilidades interpõem-se nas trajetórias pessoais de muitos

jovens que passam a percorrer caminhos diferentes daqueles percorridos por outros jovens

da mesma idade aos quais está socialmente garantido o monopólio de “certos possíveis”:

como alcançar sucesso em seus processos de aprendizagem no ambiente escolar ou poder

dedicar-se integralmente à escola sem precisar inserir-se no mercado de trabalho antes de

complementar uma formação escolar básica, como o Ensino Médio.

As políticas públicas de educação, fundadas em princípios universais, tendem a

desconsiderar as especificidades dos sujeitos para quem se direcionam. Em certa medida,

tais políticas aproximam-se da concepção universalista de justiça defendida por Rawls que,

na interpretação de Estevão (2004, p.18), “[...] acredita ser possível encontrar princípios

mínimos de justiça a partir de um acordo entre pessoas livres e razoáveis colocadas numa

“posição original”, sob um “véu de ignorância” ou de imparcialidade [...]”. Nessa perspectiva

de justiça, acredita-se na possibilidade do indivíduo usufruir de benefícios e vantagens que

independem da posição que ocupa dentro da estrutura da sociedade, uma vez que a todos

estaria garantida uma justa igualdade de oportunidades. Assim, a oferta de vagas nas

escolas como resposta a um direito universal constituiria a oportunidade criada para todos

que estariam, teoricamente, sob mesmas condições de usufruir desse direito. Mas, como

esperar que jovens de diferentes origens econômicas, sociais e culturais possam obter os

mesmos resultados dentro de um campo, como o campo escolar, em que predominam

valores, culturas e conhecimentos muitas vezes tão diversos e distantes da vida cotidiana

daqueles nascidos sob condições de baixos volumes de capital econômico, cultural e social?

A EJA, tradicionalmente, atendeu a um público que não teve acesso aos estudos

na idade certa, considerando a pequena oferta de vagas no ensino público, em décadas

anteriores, ou a necessidade de ingresso no mercado de trabalho por parte de muitos

brasileiros desprovidos de capital econômico suficiente para se manterem na escola sem

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109

trabalhar. Dessa forma, muitos desses brasileiros retornavam à escola através da EJA para

conclusão do ciclo de estudos em uma fase mais madura, mas em uma faixa-etária bem

superior àquela apresentada, atualmente, por um número significativo de estudantes

matriculados nessa modalidade de ensino.

No contexto atual da educação brasileira o perfil do estudante da EJA tem se

tornado cada vez mais jovem, embora o País já esteja próximo da plena universalização do

acesso a vagas no Ensino Fundamental, uma vez que a taxa de escolarização das crianças

de 6 a14 anos de idade foi, em 2009, de 97,6%50. No entanto, a entrada no universo escolar

não é garantia de sucesso e permanência nesse espaço de socialização. A distorção idade-

série, decorrente das dificuldades apresentadas por muitos estudantes em acompanhar os

ritmos característicos da cultura escolar tem constituído uma das justificativas para a

transferência de jovens para o ensino noturno e, particularmente, para a EJA, considerando

que nem sempre a demanda de matrículas colocada às escolas é suficiente para a

formação de turmas do ensino regular, de 6º ao 9º Ano, com o número mínimo de

estudantes exigido pelos órgãos gestores do campo da educação. Quando esse número é

reduzido, a tendência é a formação de turmas de EJA onde são incluídos, muitas vezes,

jovens em níveis diferenciados de aprendizagem.

Na escola investigada no bairro Bonsucesso, um membro do núcleo gestor fez

referência à resistência de uma jovem de 16 anos em ser transferida para o período noturno.

Como a jovem estava acima da idade recomendada para o 5º Ano, de acordo com as

diretrizes oficiais do Município que orientam as matrículas escolares, ela deveria ser

transferida para a turma de EJA III que congrega estudantes do 4º e 5º. A jovem insistia em

permanecer em uma turma de 5º Ano em companhia das crianças de 11 anos. A gestora

informou que precisava seguir as orientações das instâncias administrativas superiores à

escola e que não poderia abrir exceções.

A experiência cotidiana no campo, neste caso, o espaço escolar, construída a

partir das relações e ações desenvolvidas por seus agentes (professores, gestores e demais

trabalhadores da educação) pode favorecer ou dificultar a compreensão dos fenômenos que

se manifestam nesse ambiente de prática social. Dificuldades apresentadas por

determinados estudantes em acompanhar o ritmo de aprendizagem dos demais colegas da

mesma série cursada, sistemáticas reprovações, distorção idade/série, baixa frequência às

aulas, bem como maior incidência de situações de indisciplina entre os estudantes com

idade superior àqueles da mesma turma, são alguns dos problemas que podem, em sua

50

IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – Síntese dos Indicadores – 2009.

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110

aparência, constituir justificativa para a transferência de jovens acima de 15 anos para o

ensino noturno, seja para turmas do ensino regular, seja para a Educação de Jovens e

Adultos - EJA (como via de aceleração do tempo de conclusão do Ensino Fundamental).

No Brasil, há uma tendência de oferta de matrícula da Educação de Jovens e

Adultos no período noturno. Em 2010, do total de matrículas de EJA, 86,7% foram efetuadas

em turmas desse período. Em Fortaleza, de acordo com o Censo Escolar 201151, cerca de

8.063 jovens entre 15 e 17 anos já haviam sido transferidos para as turmas de EJA

presencial do Ensino Fundamental nas redes municipal, estadual e municipal. Dentro desse

total, 7.458 matrículas foram realizadas em turmas do ensino noturno, representando,

aproximadamente, 92%. A rede municipal apresentou o maior número de matrículas,

considerando que é responsável pelo Ensino Fundamental. Entretanto, diferente das redes

privada e estadual, todas as matrículas foram efetuadas no período noturno.

No Parecer nº 7/201052 o Conselho Nacional de Educação – CNE reconhece a

existência desse fenômeno de transferência dos jovens entre 15 e 17 anos para a

modalidade de EJA, bem como compreende a inadequação desse atendimento educacional

para essa parcela de jovens em defasagem escolar:

São poucos, porém, os cursos regulares noturnos destinados a adolescentes e jovens de 15 a 18 anos ou pouco mais, os quais são compelidos ao estudo nesse turno por motivo de defasagem escolar e/ou de inadaptação aos métodos adotados e ao convívio com colegas de idades menores. A regra tem sido induzi-los a cursos de EJA quando o necessário são cursos regulares, com programas adequados à sua faixa-etária [...]. (MEC, CNE/CEB. Parecer nº 7/2010, p.22).

Apesar do reconhecimento do problema, essas medidas continuam sendo

adotadas pelas escolas. Para os agentes diretamente envolvidos com a ação pedagógica no

interior das unidades de ensino, a transferência desses jovens para o ensino noturno pode

representar certa equalização entre os níveis de aprendizagem dos estudantes das turmas

do ensino diurno, facilitando o trabalho dos professores que atuam nesse turno, bem como

diminuindo os problemas relacionados à indisciplina, geralmente associados ao

comportamento dos estudantes “fora de faixa”. Os conflitos que se estabelecem no cotidiano

escolar que envolvem jovens em situação de distorção idade-série, são situações “reais”

com as quais professores, gestores e demais profissionais da Educação deparam-se no

exercício de seus papéis e incidem diretamente sobre a dinâmica escolar. Entretanto, como

fenômenos sociais, tais conflitos, em sua imediaticidade, nem sempre são problematizados

por esses agentes, uma vez que suas causas podem lhes parecer, muitas vezes, evidentes.

51

Idem 52

Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara da Educação Básica. Parecer nº 7/2010.

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Segundo HELLER (1991), “La vida cotidiana se desarrola y se refiere siempre al

ambiente inmediato” (p.25). No caso da escola, é naquele ambiente imediato do cotidiano

institucional que surgem os conflitos, ainda que suas raízes não se encontrem,

necessariamente, lá. Para a autora, a vida cotidiana, momento do vivido, pode permitir a

construção de mediações para o “não cotidiano”, enquanto cotidiano pensado, refletido.

El sujeto de la vida cotidiana há sido por consiguiente – em general, como media, tendencialmente – el hombre particular. Pero el hombre particular también es um ente genérico, aunque su genericidade sea objetiva y no um reflejo. Sua actividad es genérica ante todo por el hecho de que trabaja, produce. La entera riqueza del gênero humano, la encarnación objetiva de la psicologia humana, surge de la actividad de estos hombres que “viveron dentro del mundo”. [...] Entre tanto podemos afirmar que el particular cotidiano es el hombre particular portador de la genericidade en-si, no reflexionada, aún no consciente. (HELLER, 1991, p.65).

Nesse sentido, o cotidiano escolar pode constituir uma mediação para sua

própria transcendência ao “não cotidiano” quando os sujeitos que nele interagem

abandonam a ideia de que a vida cotidiana é “a vida” (HELLER, 1991), quando passam a

refletir sobre as relações e atividades imediatas que realizam, quando conseguem, enfim,

tomar, conscientemente, a vida cotidiana como objeto. Na vida cotidiana da escola, diversas

são as refrações advindas do “grande mundo” 53, das outras instâncias da vida social que

interferem no “pequeno mundo” da reprodução do particular vivido naquele espaço

institucional. No entanto, nem sempre são acessíveis a todos os atores sociais que

interagem nesse espaço institucional os meios que possam lhes permitir desvencilhar-se

das armadilhas desse “pequeno mundo”.

Os pais dos estudantes, geralmente, aceitam a transferência de turno dos filhos

ou mesmo a solicitam, quando as necessidades decorrentes da situação econômica e social

de suas famílias passam a exigir a colaboração financeira de mais um de seus membros ou

quando já desacreditaram na possibilidade de sucesso de seus filhos na escola. O mercado

de trabalho aparece como a alternativa para que eles se mantenham ocupados durante o

dia; contribuam para a renda familiar e mantenham o vínculo com os programas

governamentais que exigem a frequência do jovem à escola. Mas, a responsabilização pelas

atividades domésticas da casa e pelo cuidado com os irmãos mais novos também constitui

uma justificativa apresentada por alguns jovens para a inserção no ensino noturno, como

percebemos na fala de uma das entrevistas: “De manhã eu faço as coisas na minha mãe,

que a minha mãe trabalha, e de tarde tem meu irmão pra vir deixar no colégio”. (Garota de

16 anos, EJA IV).

53

Para Heller (1991), na vida cotidiana, o particular reproduz diretamente a si mesmo e a seu mundo, ao qual a autora se refere como “pequeno mundo”. Mas, ao mesmo tempo, reproduz indiretamente o conjunto da sociedade ao qual ela se refere como “grande mundo”.

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6.1.1 EJA: “É melhor do que série por série”?

Os entrevistados das turmas de EJA do Bonsucesso apresentaram diversas

motivações para a inserção no ensino noturno, nessa modalidade de ensino, e essas

motivações estiveram associadas ao problema de estar “fora de faixa”; ao trabalho; à

vontade de acelerar o tempo de conclusão dos estudos, dentre outras situações, como

percebemos pelas narrativas desses estudantes:

Porque eu trabalho... A escola ... é porque é perto de casa. Se não trabalhasse,

gostaria de estudar em outro turno ... manhã.(Garoto de 17 anos, EJA V).

Eu parei .... eu parei na 8ª... né? Por causa que me transferiram pra outro colégio, era muito longe. Aí, meu pai não pode me levar mais. Ele trabalhava. Aí, eu continuei aqui fazendo a 6º e 7 ª, na EJA... Porque eu preferi EJA mesmo. (Garota

de 16 anos, EJA IV).

Porque eu não tinha concluído o Ensino Fundamental I... Queria estudar de tarde, só que não tem, né, vaga? Aí .... tem que ficar de noite... Só que eu queria parar de trabalhar, pra estudar de tarde... Minha vontade é estudar de tarde ... Eu aprendo mais. .. De noite ... tipo assim , professores que não ensinam muito ... Eu gosto que a professora me ensine, que eu aprenda mais e mais, né? ..... Às vezes a professora me pergunta as coisas, aí eu fico morta, com vergonha porque eu não sei ler direito... porque eu parei de estudar... (Garota de 16 anos, EJA III).

Me rebolaram pra cá e eu vim pra cá.(Garota de 17 anos, EJA V)

Gosto de estudar à noite. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Não dá tempo não. De dia... a gente não se interessa muito não. (Garoto de 17

anos, EJA V).

A tia já passou pra noite... Tinha vontade de estudar de tarde... É melhor do que de tarde... Os meninos criticavam muito porque eu não sabia ler. (Garoto de 15

anos, EJA III). 54

EJA é melhor do que... assim, série por série. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Eu acho melhor o EJA... porque a gente faz logo... Eu quero terminar logo.

(Garoto de 17 anos, EJA IV).

Fiz até a 6ª no colégio lá de cima. Parei... porque eu tava trabalhando. Eu queria estudar de tarde... Fui, assim, no Conjunto Ceará, em vários colégios... Mas, só tem a noite. Essa aqui é a única... Pra mim é a única. Todos os colégios que eu disse que tava atrás por séries, né, ninguém me aceitou de tarde, porque eu queria estudar de tarde. Só no Conjunto Ceará. Dizia: não tem vaga pra 6ª série... Quero sair dessa situação. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Porque é mais perto. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Pra avançar logo. (Garota de 16 anos, EJA IV).

54

Embora a afirmação do jovem possa parecer contraditória, ela expressa as dúvidas resultantes dos conflitos vivenciados por muitos estudantes que não conseguem aprender a ler e escrever na idade considerada certa. O jovem gosta de estudar no período diurno. Mas, permanecer nesse período é ter que enfrentar cotidianamente situações de constrangimento causadas pelas críticas dos colegas que já dominam essas habilidades de leitura e escrita.

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Por causa da idade. Nas férias, eu vim, né? Aí, passaram meu nome pra de noite... Porque não tinha outra série. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

É porque eu estudava de manhã e passei pra noite... Porque me passaram. Eu tava estudando de manhã e passaram pra noite... Por causa da idade... Trabalhava... (Garoto de 17 anos, EJA IV).

Fiz até a 6ª... Porque minha tia queria me botar na EJA. (Garota de 16 anos, EJA

IV).

EJA é melhor. Dificuldade, né?... Da tarefa... É mais difícil (no ensino regular) (Garoto de 16 Anos, EJA IV)

Fiz até a 8ª... no interior, Barreira ... Acarape... Eu nem sabia, não, que estudar a noite tinha esse negocio de EJA, não... (Garoto de 16 anos, EJA V)

Em algumas dessas falas, a EJA parece significar uma possibilidade de acelerar

os estudos, recuperar o tempo perdido, como podemos perceber também pela afirmação de

outro jovem ao se referir ao ensino regular de 6º ao 9º Ano: “É muito ano pra esperar... Não

sabe nem se passa...” (Garoto de 16 anos, EJA V, Grupo Focal). Mas, também percebemos

que para alguns dos entrevistados a transferência para a EJA aparece como uma situação

involuntária quando esses jovens afirmam que foi “a tia” (professora) que o passou para a

noite ou quando dizem “passaram meu nome pra noite” ou “me rebolaram pra cá”.

Nesses casos, a transferência para o período noturno parece estar associada à

situação de distorção idade–série apresentada por esses sujeitos, situação em que as

escolas da rede pública tendem a transferir os jovens a partir dos 15 anos de idade para o

ensino noturno. De acordo com consultas realizadas a gestores escolares e técnicos das

redes públicas de ensino em Fortaleza, não existiria uma orientação formal instituída pelos

órgãos públicos de gerenciamento da educação que determinasse a transferência dos

jovens com defasagem escolar entre idade e ano de estudo para o ensino noturno e/ou EJA.

A cartilha elaborada pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza – SME direcionada

ao processo de matrícula nas escolas dessa rede de ensino em 2012 apresenta as

seguintes orientações quanto aos estudantes que não se encontram na série recomendada

para a idade:

O (a) aluno (a) com distorção idade/ano deve ter sua matrícula garantida e, após diagnóstico do seu nível de conhecimento, será conduzido (a) ao ano adequado. Somente pode ser matriculado (a), nas turmas da EJA, o (a) aluno (a) com 15(quinze) anos completos no ato da matrícula. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2012, p.26) O (a) aluno (a) novato (a) sem qualquer registro escolar, somente será enturmado (a) após efetivo diagnóstico realizado pelo professor, em um período de 15(quinze) a 30(trinta) dias. De acordo com o resultado, o (a) aluno (a) será conduzido (a) à turma que melhor se adequar ao seu nível de conhecimento. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2012, p.26).

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114

[...] a idade para a matrícula de alunos (as) na EJA é a partir de 15 anos de idade completos. Os alunos menores de 15 anos deverão efetuar a matrícula obrigatoriamente nos turnos diurnos. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2012, p.27).

O conteúdo das recomendações apresentadas na referida Cartilha indica a

legalidade da matrícula dos jovens a partir dos 15 anos de idade na EJA, podendo ser

realizada no período noturno, uma vez que somente aqueles menores de 15 anos deveriam,

obrigatoriamente, ser matriculados no período diurno.

No entanto, essas recomendações não explicitam questões relacionadas à

existência de critérios de prioridade para essa matrícula no ensino regular e diurno que

beneficiem apenas aqueles que se encontrem na faixa-etária recomendada para cada ano.

Desse modo, se não existem regras instituídas por meio de documentos oficiais que

afirmem que os jovens que se encontram “fora de faixa” não têm prioridade ao ensino

regular e diurno, isso pode sinalizar para a existência de um discurso que se institui

mediante falas reproduzidas por alguns agentes escolares locais que atuam nos processos

de gestão da matrícula escolar. Essas falas tendem a ser incorporadas pelos estudantes e

seus familiares que passam a perceber a condição de estar “fora de faixa” como uma perda

de direito à escolha do tipo e período de estudo.

Os entrevistados parecem conhecer bem essas regras instituídas pela escola,

como podemos perceber em suas narrativas quando referiram a idade como uma das

causas para a mudança de turno: “estou fora de faixa”. Essa afirmação apresentada por

alguns entrevistados indica que esses estudantes já haviam construído uma autoimagem

quanto à sua condição em relação à escola. Estar “fora de faixa” representaria uma situação

de impedimento ao direito de fazer escolhas quanto ao turno e ao tipo de ensino desejado.

Os “fora de faixa” experimentariam a perda de status em relação aos outros

jovens que se encontram na série recomendada para a idade e para os quais o direito de

fazer escolhas seria garantido. As narrativas dos entrevistados não indicaram indignação ou

sentimento de desrespeito em relação à negação do direito de fazer tais escolhas

relacionadas à forma de acesso à escola. Uma das entrevistadas chegou a afirmar que

“tanto faz” estudar na EJA ou no ensino regular. Esses jovens não expressaram o

sentimento de revolta quanto a esse impedimento, não teceram críticas a essa situação

vivenciada no campo escolar. A situação parecia naturalizada para alguns desses sujeitos.

Somente quando sugerimos durante os grupos focais que se posicionassem quanto aos

resultados de aprendizagem na EJA e no ensino regular, dois jovens afirmaram:

[...] Acho que fazendo 9º ano é melhor (Garoto de 17 anos, EJA IV)

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115

[...] Aprende mais em ano em ano (Garoto de 16 anos, EJA V)

A inserção na Modalidade de ensino EJA, ainda que apresentada por

determinados entrevistados como uma alternativa para a aceleração do tempo de estudo

não constituiria, efetivamente, uma escolha, mas uma falta de escolha, considerando que,

de acordo com as falas da maioria, não existiriam outras opções de escolas próximas às

suas residências com oferta de vagas no ensino regular para o nível escolar em que se

encontram.

Em consultas realizadas aos dados de matrícula do ano letivo de 2012,

disponibilizados pela Secretaria da Educação do Ceará – SEDUC, verificamos que no bairro

Bonsucesso há 01 (uma) escola da Rede Pública Estadual e 03 (três) da Rede Municipal

com oferta de vagas nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º Ano). Entretanto, no

período noturno, a matrícula para essas séries nas quatro escolas são ofertadas apenas na

modalidade de EJA.

Entendemos que a inexistência da oferta de ensino regular noturno para as

séries finais do Ensino Fundamental aos jovens que assim o desejassem, fere o inciso VI do

art.4º da LDB nº 9.394/96 que afirma ser dever do Estado garantir a oferta de ensino noturno

regular de forma adequada às condições do educando. Desse modo, esses estudantes são

privados do direito de fazer escolhas quando não lhes são apresentadas outras alternativas.

Para Honneth (2003), a experiência de privação de um direito pode incidir na

perda de auto-respeito, “[...] ou seja, uma perda da capacidade de se referir a si mesmo

como parceiro em pé de igualdade na interação com todos os próximos”. (p.217). Se

analisarmos a situação desses jovens inseridos em turmas de EJA tomando como

referência o pensamento de Honneth, poderíamos inferir que esses atores sociais podem

perder a capacidade de se considerar como sujeitos de direitos na mesma condição de

igualdade que seus pares que vivenciam experiências de maior sucesso dentro do campo

escolar.

Talvez esses jovens venham a interiorizar “a legitimidade de sua exclusão” do

acesso ao tipo de ensino que efetivamente necessitem e desejem, seja no estudo regular ou

na modalidade de EJA; seja no período diurno ou noturno. O sistema escolar pode contribuir

para impor a esses jovens o entendimento de que aquele é o tipo de educação que

merecem.

Ao contrário dos jovens do Bonsucesso em situação de distorção idade-série, os

estudantes de Ensino Médio do Parque São José, em sua maioria, apresenta visão que

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desqualifica os estudos realizados através da EJA, como podemos perceber através dessas

falas:

Pra poder passar mais rápido... Recuperar os anos, vai pro EJA. Eu acho isso errado demais... Tirando bem pouquinho ponto já passa... Estudante passa o ano todinho estudando pra poder conseguir isso... Mas por um lado isso, como ele falou... Que querem estudar é muito bom, porque tem pessoas que querem trabalhar, mas por conta do trabalho não conseguem estudar.... Administrar o dia... Ai vão pro EJA pra acabar bem mais rápido os estudos... (Garoto de 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio Tarde, Grupo Focal). Fazer as três séries juntas, não vai aprender nada. Só quer terminar os estudos e

pronto, e acabou-se... (Garota de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal).

Mas tu passa assim três anos em uma ano e meio, tu vai aprender todas as matérias? Mas eles não vão ensinar do mesmo jeito que ensina aqui. (Garota de

16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal).

É só pra dizer que terminou o Ensino Médio pra botar lá no currículo... Porque, geralmente, hoje em dia as pessoas querem o ensino completo. Eles só querem terminar e pronto. (Garota de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal)

Eu conheço... jovem mesmo. É porque assim, ele parou de estudar, saiu um tempo, aí resolveu é... apressar mais. Aí, ele voltou a estudar, ele não, eles... (estão gostando). Porque eles não são muito interessados. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio Noite, Grupo Focal)

Mas não, o que importa é arranjar emprego, né? O que importa é isso. (Garoto de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal).

Esses pesquisados põem em dúvida as possibilidades de aprendizagem escolar

na modalidade EJA, considerando a brevidade do tempo para conclusão dos estudos, o que

acarretaria perda em termos de acesso aos conteúdos de ensino. Os posicionamentos

desses atores indicam que, a partir da perspectiva que vivem sua condição de estudante e

que pensam essa condição, não aceitariam estudar nessa modalidade de ensino. Apenas

uma das entrevistadas procurou analisar a situação dos estudantes de EJA sob outro foco

de análise:

Eu faria, é melhor do que não ter aprendido nada. Eu ia terminar... pra mim poder conseguir um emprego. Por exemplo, eu terminei ali minha Oitava Série, depois... Primeiro, Segundo e Terceiro... Eu ia terminar, eu ia conseguir uma coisa muito melhor do que com o 8ª Ano... Mas, minha força de vontade seria muito maior.

(Garota de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal).

Para essa jovem, estudar na EJA seria uma alternativa: a não aprender nada,

melhor aprender alguma coisa, o que contraria os outros entrevistados que foram enfáticos

na afirmação da existência de limitações no ensino através dessa modalidade. Esses

estudantes construíram outra percepção acerca do que esperam da escola, percepção que

parece desvencilhar-se da “urgência da prática” e que pode viabilizar-lhes o “domínio

simbólico da prática”. (LAHIRE, 2002).

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Esses dois grupos de estudantes partilham uma situação de acesso às

condições materiais de existência aproximadas, com algumas exceções. Mas, a posição

ocupada no campo escolar pode ter permitido aos jovens que já se encontram no Ensino

Médio “[...] sair da lógica do senso prático em dominar simbolicamente o mundo, colocando

uma distância entre eles e o mundo, entre eles e suas práticas”. (LAHIRE, 2002, p. 144).

Talvez a submissão à “urgência das práticas” vivenciada por alguns estudantes

de EJA, seja pelo trabalho, pelas atividades domésticas ou outras ocupações com as quais

utilizam o tempo disponível dificultem o acesso aos instrumentos necessários para a

dominação simbólica do mundo, instrumentos que poderiam levá-los a pensar sobre sua

própria condição no interior do campo escolar. Em um dos grupos focais com os estudantes

de EJA perguntamos se eles consideravam que a EJA era valorizada pela sociedade e um

dos jovens nos respondeu: “Agora, me deixou calado”. (Garoto de 17 anos, EJA IV).

O Art.32 da LDB 9.9394/96 afirma que um dos objetivos do Ensino Fundamental

é o desenvolvimento, por parte dos estudantes, da capacidade de aprender através do

domínio da leitura e da escrita. Dois entrevistados das turmas de EJA enfatizaram os

problemas enfrentados pelo fato de não dominarem essas competências básicas, o que

incide diretamente sobre seus processos de aprendizagem e suas relações em outros

espaços sociais. Alguns entrevistados de EJA, ainda que não tenham feito referência a

esses mesmos problemas, demonstraram em seus discursos dificuldades quanto ao

domínio da “língua legítima”. Durante as entrevistas e grupos focais foi possível perceber as

limitações quanto à construção desses discursos quando comparados aos entrevistados da

outra escola.

Segundo Bourdieu (1996), há uma “[...] distribuição desigual das oportunidades

de acesso aos instrumentos de produção da competência legítima [...]” (p.44). Para o autor,

os dois principais fatores que contribuem para a produção dessa competência legítima são a

família e o sistema escolar. Se, no caso dos nossos interlocutores, a família não dispõe

desse patrimônio simbólico a ser compartilhado com seus membros, restaria esperar que o

sistema escolar cumprisse essa missão.

6.2 Ensino Médio: entre a formação geral e a preparação para o mercado de trabalho

Como temos destacado neste estudo, o Ensino Médio é a etapa da Educação

Básica na qual, teoricamente, deveriam estar todos os jovens brasileiros que se encontram

entre 15 e 17 anos de idade. No entanto, de acordo com dados do Censo Demográfico

2010, 16,7% de jovens nessa faixa-etária não frequentavam a escola e dos 83,35% que

eram estudantes, somente 47,3% estavam cursando o Ensino Médio. Segundo o IBGE

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(2012), tanto “[...] o atraso escolar no ensino médio quanto o abandono escolar precoce, isto

é, antes da conclusão desse nível de ensino, são indicadores extremamente relevantes para

retratar a vulnerabilidade atual e futura dos jovens brasileiros”. (IBGE, 2012, p.72)

Esses percentuais nos permitem perceber a distância que separa esses jovens

do reconhecimento e efetivação do direito à educação, do acesso a “certos possíveis” que o

direito consagra a todos, mas que o Estado só tem consagrado a menos da metade desse

contingente populacional. Ainda de acordo com o IBGE (2012),

Atualmente, o ensino médio se tornou uma etapa crucial na trajetória escolar dos jovens brasileiros, pois, reflete as deficiências acumuladas desde o início do processo de escolarização. Esse nível de ensino representa um dos principais desafios de inclusão a ser enfrentando pela educação básica e uma importante lacuna para a efetivação do direito à educação, considerando sua obrigatoriedade progressiva estabelecida pela Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. (IBGE, 2012, p.72).

A Emenda Constitucional nº 59 alterou o inciso I do art.28 da Constituição

Federal que antes restringia a obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Fundamental. No

inciso II desse mesmo artigo é afirmada a progressiva universalização do Ensino Médio

gratuito.

No Terceiro Capítulo, discutimos sobre as percepções e perspectivas dos

estudantes do Ensino Fundamental quanto ao ingresso e conclusão do Ensino Médio. Todos

os entrevistados afirmaram a intenção de cursar esse nível de ensino. Os jovens de 8º e 9º

Anos afirmaram ter a pretensão de permanecer na escola do Parque São José, uma vez

que a escola oferece matrícula para Ensino Médio. Além dessa escola, há outra unidade da

Rede Estadual no bairro, mas que foi desqualificada por vários jovens durante as

entrevistas. Um deles afirmou: “A outra escola era bagunçada”. (Garoto de 14 anos, 8º Ano).

Desse modo, embora não exista outra opção além das duas escolas citadas, os estudantes

expressaram satisfação em permanecer na unidade escolar em que já estudam.

Os estudantes concluintes de EJA V da Escola Municipal do Bonsucesso

deverão ser encaminhados para outras unidades escolares próximas ao bairro, uma vez que

no Bonsucesso não há nenhuma escola de Ensino Médio da Rede Pública de ensino.

Durante as entrevistas e grupos focais, alguns jovens ainda não sabiam em qual escola

pretendiam cursar o Ensino Médio, mas fizeram referência às Escolas: Pici das Pedreiras,

Heráclito de Castro e Ubirajara Índio. Somente a primeira escola citada localiza-se dentro

dos limites geográficos oficiais do bairro e foi a mais referida pelos entrevistados, embora

não constitua a melhor opção para todos, como podemos perceber nas falas de dois jovens

da turma de EJA IV:

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Prefiro o Pici, lá perto da minha casa... (Garoto de 17 anos, EJA IV)

É bem aí pra vocês... Pra mim num é não. (Garota de 16 anos, EJA IV

Ainda que a Escola Pici das Pedreiras seja a unidade de Ensino mais acessível

e desejada pela maioria dos entrevistados do Bonsucesso, a referida escola integra a Rede

Pública Estadual, responsável pela oferta de Ensino Médio, mas não oferece matrícula para

essa etapa da Educação Básica.

Os estudantes de EJA V (correspondente às séries finais do Ensino

Fundamental - 8º e 9º Anos) passam pelo remanejamento, processo de transferência entre

as redes de ensino e que é realizado por meio da articulação entre a Secretaria Municipal de

Educação de Fortaleza – SME e a Secretaria de Educação do Ceará – SEDUC. Os

estudantes apresentam 03 (opções) de escolas dentre as possibilidades indicadas pelo

Sistema de Gestão Acadêmica - SGA. De acordo com a Secretária da escola municipal do

Bonsucesso, “não tem nada muito próximo”. Geralmente, esses estudantes são transferidos

para escolas localizadas em bairros vizinhos como Conjunto Ceará, Jóquei Club, João XXIII

e Parangaba.

Tanto os jovens em situação de distorção idade-série quanto aqueles que já se

encontram no Ensino Médio, na série recomendada para a idade, expressaram em suas

narrativas a crença de que o Ensino Médio pode proporcionar-lhes vantagens futuras, seja

pela inserção em cursos da Educação Superior ou pelo acesso ao mercado de trabalho

através da conclusão de uma escolaridade básica, conforme comentamos no Capítulo

anterior.

Entre os jovens de EJA, percebemos que prevalece um sentimento de

“terminalidade” em relação ao Ensino Médio. Aos serem indagados sobre os motivos que os

levavam a querer cursar essa etapa da Educação Básica, expressaram um sentimento de

que concluindo o Ensino Médio estariam concluindo “os seus estudos” e isso poderia

proporcionar-lhes melhor acesso a empregos. Apenas um dos entrevistados fez associação

entre a conclusão do Ensino Médio e o acesso a uma faculdade. Os outros estudantes de

EJA só fizeram menção à entrada na Universidade quando as questões das entrevistas ou

grupos focais fizeram referência direta a esse tema.

Alguns pesquisados do Ensino Médio que ainda não eram trabalhadores,

mesmo afirmando o interesse no ingresso ao Ensino Superior, estabeleceram relação entre

a conclusão do Ensino Médio e a entrada para o mercado de trabalho, como podemos

perceber nessas falas:

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[...] Porque ... depois que a gente terminar o ensino médio, é ... quando a gente vai procurar emprego. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã).

Porque no caso da gente já tá no Primeiro Ano, tipo no começo da nossa vida, assim, pro mercado de trabalho. (Garota do Ensino Médio, manhã). (Garota de 15 anos, 1º Ano, Tarde).

Eu preciso sair da escola e ter algum trabalho, alguma coisa pra ocupar minha cabeça... Não quero ficar sem fazer nada não.... (Garota de 17 anos, 3º Ano, Manhã).

No Brasil, o acesso à universidade manteve-se durante muitas décadas como

um privilégio das camadas sociais de maior capital econômico. A preparação para as

profissões técnicas de nível médio representou para os membros das camadas sociais de

menor capital econômico e cultural a única ou a opção mais acessível no campo da

educação. Direcionada ao mercado de trabalho, limitava as possibilidades de acesso dos

estudantes a carreiras profissionais de maior prestígio social, como aquelas proporcionadas

pela Educação Superior.

Muitas críticas foram lançadas a esse modelo de educação no ensino

secundário, classificado como dual, uma vez que garantia a parte do seu público o acesso a

conteúdos curriculares mais acadêmicos que favoreciam a entrada nos cursos

universitários, ao passo que à outra parte desse público, oferecia-se um ensino em que as

disciplinas curriculares estavam concentradas em conteúdos técnico-profissionais que não

favoreciam aos processos de formação geral desses estudantes nos aspectos humanísticos.

A preocupação com o tipo de formação mais adequada aos jovens não constitui

um problema específico do nosso tempo, como podemos perceber através da reflexão

lançada por Aristóteles:

[...] Não há acordo entre o que os jovens devem aprender, nem no que se infere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor. Tampouco está claro se a educação deveria preocupar-se mais com a formação do intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema educativo atual, a investigação é confusa e não há certeza alguma sobre se devem ser praticadas as disciplinas úteis para a vida ou as que tendem à virtude, ou as que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No que diz respeito aos meios que conduzem à virtude, não há acordo nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, de modo que diferem logicamente também sobre seu exercício). (ARISTÓTELES apud PCNEM, 2002, p.61).

De acordo com Ramos (2004), o ensino secundário, ao longo de sua história,

esteve predominantemente centrado no mercado de trabalho, tanto para os estudantes que

ingressavam no mercado logo após a conclusão dessa etapa de ensino, quanto para

aqueles que ingressariam nesse mercado somente após o ensino superior. Para esse autor,

a diferença estaria no momento em que seus concluintes ingressariam no mercado de

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trabalho e na posição que ocupariam na divisão social e técnica do trabalho. Desse modo, a

preocupação com a formação dos jovens tinha como foco o estudo das disciplinas que

melhor favorecessem a entrada no mercado em cada um desses dois momentos, pois esta

seria a principal finalidade da educação.

Ramos (2004) ainda destaca que, com a crise de emprego instaurada pelas

novas configurações assumidas pelo capitalismo nas últimas décadas, não seria mais

possível preparar apenas para o mercado de trabalho, mas também para a “vida”. De

acordo com o autor:

Essa foi a tônica adquirida pelo ensino médio a partir da atual LDB. Sob um determinado ideário que predominou em nossa sociedade nos anos 1990, preparar para a vida significava desenvolver competências genéricas e flexíveis, de modo que as pessoas pudessem se adaptar facilmente às incertezas do mundo contemporâneo. (RAMOS, 2004, p.39).

De acordo com o Art.2º do Título II da atual LDB, “A educação, dever da família

e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,

tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A Lei afirma, portanto, uma dupla função para

a educação: preparar para a cidadania e preparar para o trabalho. O art.32 da mesma Lei

indica as quatro finalidades que o Ensino Médio deve atingir: consolidação e

aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental; o aprimoramento

do educando através da formação ética e do desenvolvimento da autonomia intelectual e do

pensamento crítico e, por último, a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos

dos processos produtivos. Percebemos a preocupação com a formação humanista do

educando, mas, por outro lado, enfatiza-se a necessidade de compreensão dos

fundamentos dos processos produtivos, associados ao mercado de trabalho.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio procuram destacar a

desvinculação desse nível de ensino de uma formação específica para uma profissão

técnica, (embora a LDB e as Diretrizes apontem para a possibilidade de articulação com a

profissionalização, sem prejuízo da formação básica proposta para o Ensino Médio), mas

deixa explícita a importância da construção de um perfil de saída para os jovens que

concluem o Ensino Médio: eles precisam apresentar as competências e habilidades

requeridas para as novas relações de produção. De acordo com as DCNEM (2002):

A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização de produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais

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importantes, comparadas à repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e segmentação. (DCENM, 2002:71).

Dessa forma, o Ensino Médio tem como meta preparar os jovens para as novas

exigências colocadas pelo mercado de trabalho, independente de uma profissão específica,

exigências impostas pelas novas demandas do tipo de organização da produção que requer

trabalhadores capazes de se adaptar a novas formas de produção que, além de exigirem

um domínio de certas habilidades técnicas requeridas pelas novas tecnologias, exigem

também trabalhadores “criativos e autônomos” que não se limitem à operação de

equipamentos, mas que estejam abertos à busca e recepção de novas informações e

conhecimentos em seus campos de atuação. Assim, o mercado de trabalho constitui uma

referência para os processos formativos dos jovens no atual contexto econômico, político e

social brasileiro.

Entendemos que há estreitas relações entre as propostas educativas de cada

época e seus modelos de organização social. Tal imbricação nos foi lembrada por

Montesqueiu e Durkheim através de suas perguntas: “Por que a educação se esforçaria por

formar um bom cidadão que participasse da desgraça pública?” (Livro Quarto, Cap.III, p.20)

ou ”De que serviria imaginar uma educação que levasse à morte a sociedade que a

praticasse?” (DURKHEIM, 1979, p.37).

O Ensino Médio, seja em sua vertente profissionalizante ou não, caminha na

perspectiva de adequação de suas propostas pedagógicas às exigências do modelo de

sociedade que vivenciamos. Se o mercado ocupa a centralidade do atual modelo de

sociedade, é a partir do mercado que são pensados os processos e práticas formativas no

campo da educação.

Em nossa pesquisa, percebemos que os entrevistados associam a permanência

na escola com o alargamento das possibilidades de inserção no mercado de trabalho, o que

nos faz entender que para a maioria dos nossos interlocutores essa constitui uma das

justificativas para permanecerem na escola e concluírem essa etapa da educação. O Ensino

Médio pode constituir uma meta para conseguir um emprego como operador (a) de telefonia

ou como vendedor (a) de uma loja de shopping, como estudantes das turmas de EJA

citaram. Mas, também constitui uma via para participar de diversos mecanismos de seleção

ao Ensino Superior que poderão levá-los a outras posições dentro do mundo do trabalho. O

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123

ENEM e a “Lei de cotas sociais55” foram citados por alguns entrevistados da escola estadual

como possibilidades para a entrada na Universidade:

Colégio público tem suas vantagens na questão de cursos, estágios, uma faculdade. (Garota de 16 anos, 9º Ano, tarde)

Fazer o Enem e alcançar a pontuação para jornalismo. (Garoto de 15 anos, 9º ano tarde)

Mas eu acho assim ... que tem muitos alunos, até aqui na escola mesmo, saindo da escola particular, vindo pra pública, pra poder tentar entrar na faculdade pública. Isso vai tirando as chances da gente ... Porque eles são mais preparados que a gente porque lá não falta professor e aqui falta. Eu só acho desigual essa parte deles saírem da escola particular pra vir pra pública. Só isso, mas o resto, eu concordo. Eu acho que vai ajudar bastante... Acho bem mais fácil hoje em dia a gente entrar na faculdade do que antigamente quando não tinha essas cotas... (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Percebemos que entre os jovens que ainda cursam o 8º e 9º Anos já existe essa

referência ao ENEM, o que pode estar relacionado ao fato desses estudantes conviverem

cotidianamente com seus pares que estão cursando o Ensino Médio na mesma escola e o

trabalho desenvolvido pela unidade de ensino em relação ao ENEM de alguma forma ser

assimilado também por esses sujeitos.

Na fala da terceira estudante, relacionada às cotas sociais, a jovem destaca que

as cotas podem facilitar a entrada dos estudantes de escolas públicas na faculdade, mas faz

uma crítica ao fenômeno da transferência de estudantes de escolas particulares para a

Rede Pública de ensino, fenômeno também relatado pela gestora da unidade escolar e por

alguns entrevistados que vieram de escolas da Rede Privada.

Essa transferência pode estar associada não apenas às dificuldades financeiras

da família para manter os filhos na Rede Privada, mas também às oportunidades criadas

para os estudantes que cursam todas as séries do Ensino Médio na Rede Pública que

podem ser beneficiados através da reserva de vagas para as Instituições Federais de

ensino.

6.2.1 Escolas de Educação Profissional: “É muita burocracia pra entrar lá”?

A profissionalização foi um tema colocado para todos os participantes da

pesquisa, tanto nas entrevistas individuais quanto nos grupos focais. Procuramos perceber

se os entrevistados apresentavam a intenção de participar de cursos profissionalizantes e

55

O Decreto Nº 7.824 de 11 de outubro de 2012 regulamenta a Lei Nº 12.711 de 29 de agosto de 2012 que determina a reserva de 50% das vagas das Instituições Federais de ensino para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e que apresente renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos per capta.(Fonte: www.imprensaoficial.gov.br). Consulta realizada em 07/01/2013.

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também perceber o nível de acesso desses sujeitos às informações sobre esses tipos de

cursos desenvolvidos no bairro ou em outras áreas da Cidade.

Entre os entrevistados de EJA, mais da metade afirmou nunca ter ouvido falar

em escolas profissionalizantes. As falas das duas primeiras estudantes retratam uma prática

muitas vezes realizada por empresas privadas que divulgam cursos profissionalizantes nas

sedes das escolas públicas:

Eu recebi um papelzinho. Aí tinha: você foi sorteado... (Garota de 16 anos, EJA IV,

Grupo Focal). (Garota de 16 anos, EJA IV).

Só alguns que são sorteados e aí vão. (Garota de 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).

Não ouvi falar... No bairro, não. (garoto de 17 anos, EJA V).

Vi na televisão. (Garoto de 17 anos, EJA V).

Aqui no bairro, não. (Garota de 16 anos, EJA IV).

Apenas um jovem da turma de EJA IV afirmou participar de um curso de

informática proporcionado pelo SINE no centro de Fortaleza.

As narrativas dos entrevistados da Rede Estadual apresentaram elementos que

demonstraram maior nível de informações sobre a existência de escolas de educação

profissional mantidas pelo Governo do Estado do Ceará, como podemos verificar nos

depoimentos apresentados a seguir:

Conheço o Joaquim Moreira de Sousa que é ali na Parangaba e tem muitas sendo criadas. Mas, vizinho o colégio não,... É o dia inteiro, não gosto não. (Garoto 15 anos, 1º ano, manhã).

Eu tava até pensando em ir, mas eu não sei se vou ... Assim, tô meio em dúvida... no Joaquim Moreira ... Eu tenho vários amigos que estudam lá, que de manhã fazem o estudo normal e a tarde é o curso... Tem que fazer uma prova (Garoto de 15 anos, 9º ano, tarde).

Tipo tempo integral? Sei que tem uma na Parangaba... Interesse, não (Garoto de 16 anos, 2º ano, noite).

Conheço, em Tauá. Tenho uma prima, mas não sei o curso, não lembro. (Garoto de 17 anos, 3º ano, noite)

Eu acho que são boas, mas é muita burocracia pra entrar lá... Eles falam tanto de campanha que vai implantar escola, mas só que a dificuldade que o aluno tem pra entrar numa escola daquela é muito grande ... Eu mesma já tentei entrar. Tem uma seleção, tem que fazer uma prova igual no colégio particular e muitas pessoas não tem conhecimento... Eu acho que deveria ser mais fácil a entrada nessas escolas. (garota de 17 anos, 3º Ano, manhã, grupo focal)

Tem, mas só que eu, assim, eu não vejo muito falando, assim. Não... Assim, eu vi a menina da nossa sala do ano passado. Ela fez ... Ela fez pra... é ... Enfermagem. Aí, ela passou. Mas, só que ela não falou nada: Gente faz. Ela não deu esse

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125

incentivo. Aí, ela só disse que tinha passado e ia fazer, só. (Garota de 16 anos, 2º Ano, B, manhã, Grupo focal)

Uma amiga faz, também, lá... Passa o dia todinho na escola. Aí, de tarde faz curso... Parece... lá no Bom Jardim. Não, é lá perto da Igreja de Fátima, por ali... Bairro de Fátima. (Garota de 2º Ano, Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal)

Vontade tenho, só o que não falta... Até porque a maioria são longe. Aí, pra pegar ônibus, de manhã cedo, enfrentar essa hora do povo tá chegando pra ir trabalhar... Você acaba desistindo... na hora (Garota de 16 anos, 2º ano Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal).

Eu não fui estudar lá nesse ano, nessa escola profissionalizante, por conta disso, porque é realmente muito longe, tinha que acordar bem cedo e chegar tarde. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio, tarde, Grupo Focal).

Meu primo estuda num colégio desse .... Eu não sei onde ele estuda ... Ele tá fazendo um curso de técnico de segurança do trabalho... É do Estado. Ele mora no Serviluz. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal)

Mas, eu acho assim... que quando chega no 3º bimestre, na verdade, já começa a trabalhar... Já sai praticamente, assim, um profissional, já sai profissional, né? Aí, ganhando bem... E já se forma... Quem tem o curso de contabilidade já vai se formar em contabilidade. (Garoto de 15 anos, 1º Ano, Tarde, Grupo Focal)

Uma das jovens do 1º Ano comentou durante grupo focal que participava de um

curso de informática com duração de 02 (dois) anos cuja mensalidade seria no valor de R$

160,00.

Outros entrevistados demonstraram desconhecer a existência de escolas

públicas de educação profissional na Rede Estadual de Ensino. Diante das falas dos

colegas durante grupo focal, um estudante manifestou interesse em obter informações sobre

esse tipo de ação governamental: Como é pra entrar nesse curso aí, nessa escola, é...

Precisa de quê?(Garoto de 16 anos, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Embora muitos desses entrevistados tenham mostrado dispor de algumas

informações sobre as escolas profissionalizantes estaduais, parte deles pareceu não ter

clareza quanto aos critérios para a entrada nessas unidades de ensino. De acordo com a

Portaria Nº 1053/201156, são destinadas 80% das vagas das escolas estaduais de educação

profissional para os estudantes oriundos de escolas públicas, ficando os 20% restantes das

vagas para estudantes provenientes da rede particular. Desse modo, os estudantes da rede

pública precisam compartilhar com outros jovens, que talvez se encontrem posição de

vantagem econômica e social quando comparada à situação da maioria dos que estudam

em escolas públicas, o total de vagas disponibilizadas por essas unidades de ensino.

A atual política de escolas profissionalizantes do Governo do Estado do Ceará

segue a proposta lançada pelo Governo Federal em 2007, através do Programa Brasil

56

Portaria emanada do Gabinete da Secretaria da Educação do Ceará que estabelece as normas para matrícula de alunos nas escolas públicas estaduais para o ano de 2012.

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126

Profissionalizado57, apresentado como estratégia para expansão e modernização das redes

públicas de Ensino Médio integradas à Educação Profissional. No Ceará, o funcionamento

das primeiras escolas de educação profissional, sob nova perspectiva proposta em nível

federal, foi iniciado em 2008. Atualmente, o Governo do Ceará mantém em funcionamento

90 (noventa) escolas de ensino profissionalizante, sendo 17 (dezessete) localizadas no

município de Fortaleza.

A seleção dos candidatos às vagas nessas escolas tem como critério a média

aritmética de suas notas relativas às disciplinas cursadas no 9º Ano. A referida Portaria

estabelece também os seguintes critérios em caso de empate de médias entre os

candidatos: Maior média na disciplina de Língua Portuguesa; Maior média na disciplina de

Matemática; Comprovar maior proximidade entre a sua residência e a escola de Educação

Profissional e, em último caso, terá prioridade o estudante que tiver a maior idade.

De acordo com os critérios mencionados, os candidatos não são submetidos a

provas, ao contrário do que foi citado nos depoimentos de dois entrevistados, indicando que

esses jovens, mesmo sendo estudantes da Rede Estadual, não dispõem de informações

muito precisas acerca do processo seletivo para esse tipo de escola.

Outra característica que diferencia o atendimento nas escolas estaduais de

Educação Profissional refere-se à exigência de dedicação de tempo integral de estudos nos

dois turnos: manhã e tarde. Os candidatos à vaga devem apresentar total disponibilidade de

2ª a 6ª feira para uma jornada escolar que se inicia às 07h e se encerra às 17h. Para os

jovens que já são trabalhadores e que desejem uma formação técnico-profissional de nível

médio, a jornada de tempo integral pode constituir um impedimento para o ingresso nessas

escolas. A necessidade de pagamento de transporte para deslocamento diário, quando a

unidade de ensino não se localiza dentro do bairro de residência, também pode representar

uma dificuldade para o acesso dos jovens à Educação Profissional pública.

A escola de Educação profissional mais citada por nossos interlocutores foi a

Escola Estadual de Educação Profissional – EEEP Joaquim Moreira de Sousa que se

localiza no bairro Parangaba e que integra a Região IV na divisão das escolas estaduais por

território. Na Região V, onde está localizada a escola pesquisada do Parque São José, há

três EEEP nos seguintes bairros: Conjunto Ceará, José Walter e Bom Jardim. No entanto,

apesar de não pertencer à mesma divisão territorial, o bairro Parangaba parece ser o mais

acessível aos jovens residentes no Parque São José, embora exija deslocamento com uso

57

O Programa Brasil Profissionalizado foi criado pelo Governo Federal em 2007 com o objetivo de fortalecer as redes de educação profissional e tecnológica dos estados através do repasse de recursos para os estados investirem em escolas técnicas.Fonte: www.mec.gov.br Consulta realizada em 11/03/2013.

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de transporte. Na Região III, área onde está inserida a escola municipal pesquisada, há

duas escolas EEEP nos bairros Parquelândia e Dom Lustosa. Nenhum dos entrevistados de

EJA fez referência a essas escolas, o que pode ser explicado pelo fato dessas unidades não

se localizarem próximas ao bairro de residência desses jovens.

Se considerarmos o número total de 119 bairros em Fortaleza, podemos

perceber que ainda é reduzida a oferta de matrícula para a Educação Profissional na Rede

Pública, limitando as oportunidades daqueles que têm interesse e condição de se dedicar

integralmente a esse tipo de escola. O processo seletivo constitui um dos indicativos dessa

limitação. O fato de não serem criadas oportunidades para todos, resulta na exclusão de

muitos que desejam profissionalizar-se ainda no Ensino Médio. Mais do que “burocracia”

para entrar nessas escolas, o problema está na inexistência de oferta de vagas que

responda à real demanda de matrícula colocada pelos estudantes a essas unidades de

ensino.

6.3 Adolescente e Jovem Aprendiz – “Vida Profissional começando direito”: Para

quem?

O incentivo ao trabalho entre os mais jovens é uma marca da cultura brasileira,

herança histórica de uma Nação que se construiu com bases no trabalho escravo. Tolerado

durante décadas pela própria legislação brasileira, o trabalho entre crianças e adolescentes

ainda se reproduz como prática cotidiana comum entre os mais pobres, como observamos

nos depoimentos de vários dos nossos entrevistados. Prática que para muitos brasileiros

ainda é considerada uma boa alternativa para que crianças e adolescentes pobres possam

aproveitar bem o tempo livre e não se envolver em situações consideradas delituosas. Para

o MTE (2012),

Até a década de 1980, havia praticamente um consenso na sociedade brasileira em torno do entendimento do trabalho como um fator positivo para crianças que, dada sua situação econômica e social, viviam em condições de pobreza, de exclusão e de risco social. Tanto a elite como as classes mais pobres compartilhavam plenamente essa forma de justificar o trabalho infantil. (MTE, 2012, p.10)

Consideramos que esse modo de pensar subjaz nos fundamentos de

determinadas políticas públicas direcionadas aos adolescentes e jovens pobres os quais são

chamados a formações complementares que geralmente se encontram articuladas ao

mercado de trabalho. Os projetos sociais comunitários, bem como os programas

governamentais citados por nossos entrevistados do Ensino Médio constituem exemplos

dessa tendência de ações que se fundam numa lógica que associa o processo de formação

dos jovens a certa “utilidade econômica”.

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A Constituição brasileira de 1988 afirma o dever da família, da sociedade e do

Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (Art.

227) e o ECA apresenta as condições legalmente autorizadas para a inserção de

adolescentes no mundo do trabalho e as situações em que essa inserção é proibida.

Podemos, portanto, afirmar que há um consenso na sociedade brasileira de que o trabalho é

importante para todos os adolescentes e jovens.

No entanto, dificilmente encontraremos adolescentes de 14 (catorze) anos de

idade, oriundos de famílias com elevado volume de capital econômico, cultural e social,

exercendo atividades em empresas na condição de aprendizes, uma vez que essa condição

parece ter sido pensada, particularmente, para aqueles provenientes das camadas pobres

da sociedade. O “trabalho” de adolescentes pobres – passou a ser uma condição legal que

se tornou naturalizada dentro da sociedade ou já constituía uma situação tão naturalizada

que se tornou legal.

Apesar das proteções legais às crianças, adolescentes e jovens afirmadas pela

Constituição de 1988 e pelo ECA, as proteções reais que poderiam ser possibilitadas pelas

políticas públicas nem sempre chegam a todos que delas necessitam. Entre os jovens das

escolas pesquisadas percebemos as diferenças nas formas de inserção desses sujeitos no

mundo do trabalho. Muitos entre os jovens trabalhadores entrevistados no Bonsucesso

apresentavam histórico de trabalho infantil, particularmente, as garotas que haviam iniciado

como empregadas domésticas ou babás entre os doze anos e treze anos de idade. A

possibilidade de inserir-se como aprendiz58, conforme o direito consagrado pelo direito aos

adolescentes pelo ECA, parece não efetivar-se para todos.

Conforme já mencionado neste estudo, apenas estudantes entrevistados do

Ensino Médio do bairro Parque São José encontravam-se inseridos em programas de

Aprendizagem Profissional59 desenvolvidos no próprio bairro por intermédio da ABEMCE,

entidade não governamental inscrita no MTE como Instituição Qualificadora e com os

seguintes cursos cadastrados em referido Ministério: Técnicas em Reposição de

Mercadorias; Auxiliar de Escritório e Atendimento ao Público; Técnica de Operação em

Supermercado e Turismo e Hotelaria.

58

É considerado Aprendiz o adolescente ou jovem na faixa-etária entre 14 e 24 anos que se encontre matriculado e frequentando a escola, caso não tenha terminado o Ensino Médio, e inscrito em Programa de Aprendizagem. (Manual de Implementação do Programa Adolescente Aprendiz, 2012). 59

De acordo com o Manual de Implementação do Programa Adolescente Aprendiz, a “aprendizagem profissional corresponde à formação técnico- profissional aplicada ao adolescente ou jovem segundo as diretrizes e bases da educação em vigor, implementada por meio de um contrato de trabalho especial, denominado contrato de aprendizagem, necessariamente por escrito e com prazo determinado, de no máximo, dois anos ou enquanto durar o curso. (Manual de Implementação do Programa Adolescente Aprendiz (Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, 2012, p.16).

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Nossa intenção neste estudo não se direciona à negação da necessidade de

políticas de profissionalização para os jovens nem à defesa das políticas em execução, mas

pensar como essas políticas alcançam nossos sujeitos pesquisados. De acordo com as

exigências institucionais colocadas para participação de adolescentes e jovens nos

programas de aprendizagem técnico-profissional, nossos interlocutores de EJA poderiam

inserir-se nesses programas, considerando que atenderiam aos seguintes critérios

estabelecidos para seleção de aprendizes: idade inferior a 18 anos; renda per capta inferior

a dois salários mínimos e estar cursando no mínimo o 5º Ano do Ensino Fundamental. No

entanto, percebemos, pelas narrativas desses estudantes do Bonsucesso, que eles não têm

acesso a informações sobre esse tipo de programas, o que contribui para que se insiram em

ocupações geradoras de renda surgidas no próprio bairro e desenvolvidas fora das

exigências legais estabelecidas pela Constituição Federal e pelo ECA.

6.4 O Projovem Adolescente

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem surgiu no Brasil em um

contexto nacional de defesa dos direitos desse grupo populacional representado pelos

jovens, associado a outras ações governamentais que passaram a compor uma agenda que

tinha como foco o público juvenil, como a Política Nacional de Juventude instituída a partir

de 2005, o Conselho Nacional de Juventude - CONJUVE e a Secretaria Nacional de

Juventude.

A primeira proposta do Programa de Inclusão de Jovens - PROJOVEM foi

estabelecida a partir da Medida Provisória nº 238, de 1º de fevereiro de 2005. A execução e

a gestão do Programa, em nível federal, ficaram sob a responsabilidade da Secretaria –

Geral da Presidência da República em articulação com os Ministérios da Educação, do

Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

A medida provisória que criou o PROJOVEM em 2005 foi transformada na Lei nº

11.129 de 30 de junho do mesmo ano. O PROJOVEM apresentava como finalidade:

[...] executar ações integradas para os jovens brasileiros, visando a elevação do grau de escolaridade e a conclusão do ensino fundamental; qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva e o desenvolvimento de ações comunitárias com práticas de solidariedade; exercício de cidadania e intervenção na realidade local. (OIT, 2009, p.82).

A participação dos jovens no Programa estava condicionada aos seguintes

critérios: situar-se na faixa-etária entre 18 e 24 anos, ter concluído no mínimo a 4ª série, não

haver concluído a 8ª série e não apresentar vínculo empregatício. Os jovens participantes do

Programa recebiam um ajuda financeira mensal de R$ 100,00, condicionado à freqüência de

75% das aulas. De acordo informações do Relatório Trabalho Decente e Juventude – Brasil,

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elaborado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, os cursos de formação

profissional oferecidos aos alunos eram definidos pelas Prefeituras e direcionados às

necessidades apresentadas pelo mercado local.

Em 2007, o PROJOVEM passou por nova reestruturação através da unificação

de seis programas já em execução: PROJOVEM, Agente Jovem, Saberes da Terra,

Consórcio Social da Juventude Cidadã e Escola de Fábrica. A integração desses programas

pelo Governo Federal representou uma “recriação ou “reinvenção” do PROJOVEM que

passou a denominar-se PROJOVEM Unificado ou Integrado60 e a apresentar quatro eixos de

atendimento: Projovem Adolescente, Projovem Urbano, Projovem Campo e Projovem

Trabalhador. Uma das alterações apresentadas pela nova Lei está relacionada à ampliação

da faixa etária para o atendimento dos jovens:

A mudança de faixa-etária é um dos pontos fundamentais das alterações introduzidas, a qual teria sido motivada pela necessidade de se adotar, no Brasil, um padrão internacional de conceituação de juventude, baseado em três grandes grupos: os adolescentes jovens (de 15 a 17 anos), os jovens-jovens (de 18 a 24 anos) e os jovens- adultos ( de 25 a 29 anos).Essa modificação foi defendida como forma de atender e propiciar oportunidades para um contingente maior de cidadãos. Contudo, a ampliação da faixa etária aumenta também a heterogeneidade do público atendido e implica em novos desafios. (OIT, 2009, p.92-93).

A alteração na delimitação de idade para o atendimento dos jovens, apresentada

na nova versão do PROJOVEM, representou uma maneira de se adequar a um padrão

seguido por outros países e já presente na proposta do Projeto de Lei nº 4529/04 referente

ao Estatuto da Juventude que adotou esse critério internacional de demarcação etária para

o grupo social composto pelos jovens.

Na nova estrutura do PROJOVEM, cada um dos eixos de atendimento ficou sob

a coordenação de um Ministério. Coube ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome a coordenação do Projovem Adolescente; a Secretaria-Geral da Presidência da

República passou a coordenar o Projovem Urbano; o Ministério da Educação ficou com a

coordenação do Projovem Campo – Saberes da Terra e o Ministério do Trabalho e Emprego

com o Projovem Trabalhador. Em 2012, a coordenação nacional do Projovem Urbano foi

transferida para o Ministério da Educação. Neste estudo nos deteremos mais

especificamente no Projovem Adolescente, uma vez que é esta vertente do Projovem

Integrado que está direcionada à faixa-etária do nosso público de interesse.

60

O PROJOVEM Integrado foi instituído pela Medida Provisória nº 411 de 28 de dezembro de 2007, posteriormente, convertida na Lei nº 11.692 de 10 de Junho de 2008.

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O Projovem Adolescente, ação de responsabilidade do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, tem como público-alvo jovens entre 15

e 17 anos. Foi instituído como uma ação de caráter sócio educativo, sendo direcionada a

famílias assistidas ou situadas no perfil de renda do Programa Bolsa Família; a egressos de

medidas sócio educativas em regime aberto, em cumprimento ou egressos de medida de

proteção; egressos do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), além daqueles

que estejam vinculados ou que sejam egressos de programas relacionados ao combate ao

abuso e exploração sexual. O Projovem Adolescente tem duração de 24 meses e apresenta

entre seus objetivos: elevar a escolaridade e reduzir os índices de violência, uso de drogas,

bem como das doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce.

Esse Programa é desenvolvido mediante parceria entre Governo

Federal e Municípios. Para que os Municípios participem, é necessário que estejam

habilitados nos níveis de gestão básica ou plena do Sistema Unificado de Assistência Social

– SUAS61; que possuam Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e que

apresentem uma demanda mínima de 40 (quarenta) jovens integrantes de famílias que

participam do Bolsa Família.

Em Fortaleza, o Projovem Adolescente está vinculado à Secretaria Municipal de

Assistência Social – SEMAS que é responsável pela coordenação dos CRAS onde são

desenvolvidas as ações desse Programa. Durante as entrevistas e grupos focais, somente

dois pesquisados fizeram referência à participação no Projovem Adolescente. Esses jovens

são estudantes do Ensino Médio na série recomendada para a idade e afirmaram ter

participado do referido Programa através de atividades recreativas e grupos de dança do

CRAS do Mondubim, localizado nas proximidades da escola onde estudam, no Parque São

José.

De acordo com informações oficiais apresentadas no site da SEMAS62, nos

CRAS são realizadas atividades socioeducativas, acompanhamento social, oficinas de

convivência, atividades lúdicas e culturais e campanhas educativas e preventivas, além de

outros serviços relacionados à assistência social das populações locais.

61

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é o sistema público que organiza, de forma descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Operacionaliza-se através de um modelo de gestão em que há participação das três esferas de Governo: Federal, Estadual e Municipal. O SUAS é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) com a participação do poder público e sociedade civil. “O SUAS organiza suas ações de assistência social em dois tipos de proteção social. A primeira é a Proteção Social Básica, destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais, por meio da oferta de programas, projetos, serviços e benefícios a indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social. A segunda é a Proteção Social Especial destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados ocorrência de abandono, maus-tratos, abuso sexual, uso de drogas, entre outros aspectos”. Fonte: www.mds.org.br. Consulta realizada em 17/01/2013. 62

www.fortaleza.ce.gov.br/semas . Consulta realizada em 05/11/2012.

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Embora apenas dois entrevistados tenham mencionado o Projovem

Adolescente, entendemos que esse fato também pode ser indicativo dos limites do alcance

desse Programa, seja por não corresponder às demandas locais dos jovens residentes nas

áreas pesquisadas, seja pela falta de divulgação das ações desenvolvidas ou porque os

locais onde essas atividades são realizadas não são acessíveis a um público que poderia

ser atendido, como os jovens do Bonsucesso, cujas narrativas nos mostraram as situações

de vulnerabilidade social às quais muitos estão expostos em seu cotidiano.

Entre esses entrevistados do Bonsucesso, nenhum fez referência ao Projovem

Adolescente. No entanto, em relação ao Projovem Urbano, com turmas em funcionamento

na escola pesquisada, esses jovens comentaram sobre a participação de irmãos mais

velhos, fato já mencionado anteriormente. Desse modo, a inexistência de um CRAS no

próprio bairro Bonsucesso63 pode dificultar a aproximação desses jovens com as ações do

Projovem Adolescente. Há outro elemento que também podemos levar em consideração em

nossa reflexão, como o aspecto relativo à ajuda financeira repassada pelo Governo Federal

aos integrantes do Projovem Urbano, o que não ocorre com aqueles que participam da

vertente Projovem Adolescente.

Durante as investigações de campo foi realizada visita a um CRAS da Regional

V. De acordo com as informações fornecidas por uma profissional daquela instituição, os

jovens integrantes do Programa participavam de atividade no CRAS três vezes por semana.

No período da visita institucional, as atividades disponíveis aos jovens eram palestras e

oficinas de Artesanato e Grafite. A participação dos jovens que não se encontram em

cumprimento de medida sócio-educativa é voluntária. A profissional entrevistada destacou

que a procura pelas ações do Programa naquela unidade do CRAS geralmente era

procurada e frequentada por jovens que se encontravam em situação de menor

vulnerabilidade social, como jovens assíduos à escola e que manifestavam interesse em

participar de cursos.

A articulação dos jovens para as ações do Programa é realizada por meio da

ação de uma profissional contratada pela SEMAS na função de mobilizadora e que atua em

vários CRAS da Regional V. A mobilizadora é responsável pela busca ativa dos jovens em

suas comunidades, sendo priorizados aqueles que apresentam maior incidência de faltas

escolares, situação que pode conduzir à exclusão desses sujeitos dos programas sociais do

governo federal.

63

Como já mencionamos neste trabalho, os CRAS em funcionamento na Regional III, território no qual o Bonsucesso encontra-se inserido, estão localizados nos bairros Bela Vista e Quintino Cunha, bairros relativamente distantes do Bonsucesso, embora pertencentes à mesma Secretaria Executiva Regional – SER.

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A profissional entrevistada64 informou que o CRAS também encaminha os jovens

para outros cursos promovidos por instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Entretanto, a

nossa entrevistada enfatizou que os cursos ofertados não são planejados a partir de

demandas locais dos jovens, uma vez que são definidos de acordo com a oferta das

instituições promotoras, resultando, muitas vezes, no desinteresse dos jovens integrantes do

Projovem em se inscreverem para os cursos disponíveis.

Apesar do discurso do respeito à diversidade e às particularidades juvenis que

tende a se instituir nos programas governamentais direcionados aos jovens no atual

contexto brasileiro, a oferta de ações voltadas para esse público parece não levar

efetivamente em consideração as demandas e interesses desses sujeitos.

6.5 Políticas Públicas: O que os jovens sugerem?

Falta... um bocado de coisa. Cursos... Cinema de graça de final de semana... Ia lotar! Policia direto passando. Quadra pra jogar à noite. Não tem nem rede. Diz que a bola bateu na cabeça de uma senhora ali. (Garoto de 16 anos, EJA V,

Grupo Focal).

A fala desse entrevistado conseguiu reunir demandas de diversas áreas sociais

como: Educação, Cultura, Lazer, Segurança e Esporte. Expressa as necessidades sentidas

em seu cotidiano de dificuldades de acesso a cursos que lhe possibilitem uma inserção

qualificada no mercado de trabalho; a falta de recursos financeiros para ir ao cinema e a

inexistência desse equipamento cultural em bairros onde vivem as camadas da população

que apresentam baixo volume de capital econômico; dificuldade de transitar de forma

segura dentro do bairro e a ausência de espaços e materiais necessários para a prática de

esportes, problema citado por outros jovens do Bonsucesso, como podemos observar nos

depoimentos dos outros estudantes de EJA:

Esporte... né? Pra jovens... A quadra aqui... a luz não é ligada... A bola vai lá pro outro lado do vizinho. (Garoto de 17 anos, EJA IV)

Cursos (Garota de 16 anos, EJA IV)

Esporte... Tinha que ter muito era futebol... É bom quando sai de ônibus... (Garoto de 16 anos, EJA V)

Acho que mais um Centro Comunitário. Tem... só que poucos. No caso uns dois ou três... Aprender mais esportes... (garoto de 16 anos, EJA IV).

64

A profissional entrevistada não concordou com a gravação da entrevista, o que inviabilizou a reprodução de sua fala acerca dos assuntos abordados.

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Outra entrevistada cuja família teve a casa indenizada por conta de um projeto

de urbanização nas proximidades de sua residência e que passará a morar no bairro

Mondubim afirmou:

Lá onde a gente vai morar lá, agora, lá tem vários projetos pra criança... Toda terça- feira tem passeio pra gente ir... Tem coisa pra gente jogar futebol, lá. A Prefeitura mesmo que manda o ônibus. Lá tem cozinha popular que a Prefeitura mesmo botou...

A estudante, durante o grupo focal, parecia estabelecer uma comparação entre o

que existia “lá”, no novo bairro de moradia, e “cá”, no Bonsucesso. Ao destacar os tipos de

serviços que teria acesso nessa nova área onde passaria a residir, a jovem também

expressava a ausência desses serviços no bairro de onde sairia.

Em consulta ao site da SEMAS, há indicação da existência de uma Praça da

Juventude65 no bairro. Esse equipamento público teria sido inaugurado em setembro de

201266 contendo um total de 20 (vinte) itens, entre eles: quadra poliesportiva coberta, pista

para salto triplo, pista para salto a distância, pista para caminhadas, quadra de vôlei de

praia, campo de futebol society, pista para skate, teatro arena com palco, dentre outros

itens. Mas, esses jovens não mencionaram a existência desse equipamento na área.

Apenas um deles comentou sobre a existência de uma praça com esse tipo de espaços de

lazer, mas localizada no bairro Itapery, lugar onde havia residido antes do Bonsucesso. No

grupo focal que esse entrevistado participou houve referência a uma praça onde os jovens

costumavam encontrar-se. No entanto, segundo os participantes do grupo, essa praça seria

no bairro João XXIII e, pelos relatos dos jovens, não apresentaria os módulos constituintes

do equipamento classificado pelo Governo Federal e pelo do próprio Município de Fortaleza

como Praça da Juventude.

Se esses jovens do bairro desconhecem a existência de uma Praça da

Juventude em seu próprio lugar de moradia, com toda a infraestrutura do porte acima

mencionado, podemos supor algumas possibilidades explicativas: que esse equipamento

público não esteja localizado nas proximidades de residência desses entrevistados; que não

tenha ocorrido um processo de discussão e divulgação com a comunidade acerca de sua

construção ou ainda que esses entrevistados não reconheçam nesse local um espaço que

65

Projeto concebido pelo Ministério do Esporte, é implementado com a participação dos governos estaduais e municipais e com a parceria do Ministério da Justiça através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). O Projeto Praça da Juventude é direcionado às comunidades urbanas e que apresentam reduzido ou nenhum acesso a equipamentos públicos de esporte e de lazer. Esse Projeto e o PRONASCI apresentariam objetivos complementares de educar, ressocializar e apoiar jovens em situação de vulnerabilidade social. 66

Nossas entrevistas e grupos focais com os jovens do Bonsucesso foram realizados nos meses de junho, outubro e novembro de 2012. Dessa forma, nesse período esses jovens já poderiam ter informações sobre o processo de construção e da inauguração desse equipamento de esporte e lazer.

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também pode ser ocupado por eles, o que também decorre de falhas no processo de

participação e informação desse público juvenil sobre o Projeto.

Assim como os estudantes do Bonsucesso, os estudantes da escola do Parque

São José também apontaram a necessidade de algumas ações governamentais para os

jovens na área da cultura e do esporte. No entanto, em algumas narrativas, as reflexões

desses sujeitos demonstraram o entendimento de que o problema vivenciado por muitos

jovens no campo da educação, por exemplo, não seria decorrente da inexistência de

políticas públicas, mas da ausência de força de vontade por parte de muitos jovens, como

comentaremos a seguir.

6.5.1 O que falta aos jovens: “Força de vontade, Incentivo ou investimento do

governo”?

Vários entrevistados do Ensino Médio da escola do Parque São José pareceram

não identificar muitos problemas em relação às políticas públicas direcionadas aos jovens,

como ações governamentais no campo da educação. Em suas narrativas, esses estudantes

procuraram destacar que o insucesso de alguns jovens seria decorrente da falta de esforço

e de uma escolha voluntária desses sujeitos de não quererem estudar. Esses entrevistados

afirmaram:

Ter tem, agora depende deles. Se eles quiser ficar, se quiser estudar, ele fica. Mas se ele não quiser... (Garoto de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal)

Porque acho que é mais uma questão de força de vontade, sabe, porque a escola tá aberta pra quem quer estudar e a escola, com certeza, não vai impedir o aluno de ter um futuro melhor. (Garota de 15 anos, 1º Ano manhã, Grupo Focal)

A pessoa querendo, se esforçando.... Tem muita gente que não tem condições, mas se esforça. Até .... passa direto no jornal, na televisão, no Fantástico. Gente que é do lixão, cata lixo, cata livro, estuda e tai na vida trabalhando, faculdade, estudando, sendo professor, engenheiro, tanta coisa... É só a pessoa se esforçar. (Garota de 16 anos, 2º Ano, tarde, grupo focal)

Tem gente que tem possibilidade de estudar e não agarra, tem condição e não

quer. (Garoto de 15 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).

Está cada vez menor o número de pessoas querendo algo na vida... (Garota de 15 anos, 1º Ano, manhã, Grupo Focal)

Para esses entrevistados, não haveria problemas no atendimento dos jovens no

campo da educação. O desinteresse de determinados jovens e a falta de esforço individual

constituem, em certa medida, os fatores responsáveis pelo insucesso diante da escola e da

vida.

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136

Elias (1994) afirma que na sociedade há espaço para as decisões individuais e

que os indivíduos dispõem de oportunidades que podem ser aproveitadas ou perdidas. Mas,

destaca que

[...] as oportunidades entre as quais a pessoa assim se vê forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São prescritas e limitadas pela estrutura específica de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro dela. E, seja qual for a oportunidade que ela aproveite, seu ato se entremeará com os de outras pessoas; desencadeará outras sequências de ações, cuja direção e resultado provisório não dependerá desse indivíduo, mas da distribuição do poder e da estrutura das tensões em toda essa rede humana móvel. (ELIAS, 1994, p.48).

O autor nos conduz à ideia da existência de um espaço de decisão para os

atores sociais. No entanto, esclarece que esse espaço de decisão é limitado pela estrutura

da sociedade. As ações dos indivíduos não dependem exclusivamente deles, uma vez que

se encontram associadas às formas de distribuição de poder da sociedade na qual eles

vivem e convivem com outros indivíduos.

Desse modo, entendemos que as narrativas desses entrevistados acenam para

uma responsabilização exclusiva dos jovens sobre seus destinos tem relação com essa

limitação social que, nas tramas sociais e culturais da vida, podem constituir essa ideia

individualizante sobre os sujeitos, fazendo-os crer que são os únicos responsáveis pelas

tramas pessoais nas quais se envolvem. Assim, consideram apenas um aspecto da

questão: que há possibilidades de decisão por parte desses jovens diante das

oportunidades que lhes são socialmente apresentadas, como continuarem ou não

estudando diante da oferta de vagas nas Redes Públicas de Ensino. Porém, os outros

aspectos relacionados à estrutura da sociedade e de suas instituições não foram

considerados por esses sujeitos em suas análises sobre as situações vividas por seus

pares.

Mas, encontramos nas narrativas de outros entrevistados a percepção que se

afasta dessa visão unilateral da responsabilidade do indivíduo sobre o seu destino. Quando

discutimos sobre as políticas públicas para os jovens, esses estudantes destacaram a falta

de incentivo, de oportunidades, de conscientização e de informações sobre ações

governamentais direcionadas a esse grupo juvenil. Também destacaram que, mesmo

quando surgem oportunidades, a sociedade e a própria família podem funcionar como

empecilhos para que esses sujeitos aproveitem tais oportunidades. Esses jovens afirmaram:

Eu acho interessante o CUCA, né? Eu acho muito interessante porque oferece vários cursos pra pessoas mais carentes. Eu acho que isso estimula muito. Agora, eu acho que deveria ter mais, né? ... Porque tem um CUCA que tão ajeitando ainda, tão em construção e parece que já não tem mais vaga pra ninguém...

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Acaba muito rápido.... Na verdade, eu nem sabia. Só soube porque um amigo da minha vó que disse que tavam construindo.(Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã)

Assim... Eles botar mais informações sobre o curso profissionalizante seria muito bom... A gente não tinha conhecimento... (Garota de 16 anos, 2º Ano Tarde, Grupo Focal)

Mais oportunidade, como ela falou,... ter ônibus adequado pra levar os alunos e trazer pra casa (Ensino Médio, 1º e 2º Anos Tarde, Grupo Focal).

Tipo uma conscientização, assim, que estudo leva a pessoa pra frente porque a maioria das pessoas, pelo menos que eu conheço... Eles acham que simplesmente estudar não vai adiantar de nada, vai só perder tempo na escola. ... Aí, assim, eu acho que devia é investir mais, assim, em mostrar pras pessoas que estudar vale a pena. (Ensino Médio, 1º e 2º Anos Tarde, Grupo Focal).

Depende da situação da pessoa. Às vezes, realmente, é por causa deles, eles têm toda oportunidade, mas, não vai. Ás vezes também por causa da sociedade... Que não deixa... (Garota de 15 anos, Ensino Médio, Tarde, Grupo Focal)

Muita gente, assim, tem oportunidade... Mas, os pais... Aí, faz um monte de filhos. Aí, acabam botando a mais velha pra tá cuidando do restante. Aí, não tem como conciliar escola e cuidar de um monte de comedorzinho de rapadura. (Garota de 17 anos, Ensino Médio, Tarde, grupo focal 1º e 2º Anos).

Nem todos tem condições de tá na escola ... (Garoto de 17 anos, Ensino Médio,

Manhã, Grupo Focal).

Sei lá, o interesse é muito individual... Pra chegar no Ensino Médio a pessoa tem que pelos menos querer... Tendo o incentivo é muito bacana... (Garoto de 17anos, 3º Ano, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).

Embora esses depoimentos não abandonem a ideia de que o indivíduo tem uma

parcela de responsabilidade sobre suas escolhas, eles alargam a análise para uma esfera

“exterior”, procurando destacar as limitações na divulgação das ações governamentais para

os jovens, bem como das próprias vagas disponibilizadas em algumas dessas ações, como

os CUCAS e Escolas Profissionalizantes citados pelos entrevistados. A família não foi isenta

de uma parcela de responsabilidade sobre a perda de oportunidades por parte dos filhos.

Apesar de não haver homogeneidade entre as narrativas dos entrevistados,

observamos que predomina entre eles a ideia de que há oferta de educação que é acessível

a todos e aqueles que não se encontram mais inseridos no mundo escolar não souberam

aproveitar as oportunidades existentes.

Podemos pensar que, na percepção desses atores sociais, eles e os outros

jovens da mesma faixa-etária que ainda não alcançaram o Ensino Médio, bem como

aqueles que já abandonaram a escola, estariam numa mesma posição quanto às condições

de acesso e permanência no campo escolar. A partir dessa compreensão, o afastamento de

muitos dos seus pares desse campo não seria resultado de uma situação de negação de

direitos ou injustiça imposta a esses sujeitos, mas de escolha individual.

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Como temos comentado, os entrevistados do Parque São José procuraram

sempre, em seus depoimentos, qualificar o trabalho desenvolvido por essa unidade escolar:

“Tem canto que não tem... o estudo que nós temos aqui na escola”. (Garota de 16 anos, 2º

Ano, Manhã). Para esses sujeitos haveria entre os jovens do bairro certa igualdade de

condições de acesso a um ensino que eles consideram de qualidade, como o proporcionado

pela escola na qual estudam e que muitos de seus pares já abandonaram.

As tramas sociais nas quais os indivíduos encontram-se envolvidos, e que

contribuem para que se tornem o que são, parecem desconsideradas pela maioria desses

entrevistados. Para Elias (1994, p.31),

[...] o indivíduo sempre existe, no nível mais fundamental, na relação com os outros, e essa relação tem uma estrutura particular que é específica de sua sociedade. Ele adquire sua marca individual a partir da história dessas relações.

Dessa forma, para compreender o indivíduo e suas escolhas é fundamental levar

em consideração a sociedade na qual se encontra inserido. Entendemos que o modo de

pensar apresentado por nossos interlocutores do Ensino Médio, em certa medida,

desconsiderou essas tramas sociais que envolvem as condições de existência de muitos de

seus pares que não se encontram na mesma posição no campo escolar exatamente por

estarem imbricadas nas condições sociais, econômicas e culturais que, muitas vezes,

impõem representações coletivas que advogam a separação indivíduo e sociedade. Por se

perceberem em uma comunidade em que predomina o acesso a baixos volumes de capital

econômico, cultural e social entre a maioria de seus membros, os jovens do Ensino Médio

talvez considerem que, como eles conseguiram chegar a essa etapa da Educação Básica,

apesar da convivência com problemas econômicos e sociais comuns aos moradores do

bairro, os outros jovens também teriam condições de alcançar essa mesma posição no

campo escolar.

Mas, é importante destacar que em determinadas situações, alguns dos

entrevistados confrontaram suas condições de acesso à educação com as condições

disponíveis aos estudantes da Rede Particular de Ensino que, na maioria dos casos,

encontra-se em situação privilegiada na estrutura de distribuição de capitais quando

comparados aos jovens das escolas públicas. Os entrevistados afirmaram:

Os alunos... particular... Eles não ficam sem professores. A gente já fica. Só o que é desigual. (Garota de 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).

Porque também às vezes para os alunos da escola pública... é um pouco mais fechado. Tipo ... um curso que a pessoa estuda em escola privada, os pais podem pagar. Em escola pública, não é todos que podem pagar um curso. Tipo... Quero

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entrar no Enem. Ai, tem uns que estudam em casa, tem uns que querem fazer cursinho... Uns conseguem, outros não... (Garoto do Ensino Médio, Noite).

Um novo olhar se constrói. Agora, não mais direcionado ao indivíduo como o

responsável por seu insucesso escolar, mas às estruturas externas que poderiam justificar o

fato de uns conseguirem aprovação no ENEM e outros não. Desse modo, quando os

entrevistados lançam-se a pensar sobre outro espaço social de educação, como aquele

representado pelas instituições particulares de ensino básico, geralmente consideradas de

melhor qualidade quando comparadas às instituições públicas, são as condições objetivas

oferecidas pelos estabelecimentos particulares que passam a ser consideradas por esses

atores.

Em certa medida, é a partir do que valorizam nas escolas particulares, como

“não ficarem sem professores”, que esses estudantes ensaiam uma crítica à escola pública.

A crítica a essa condição da escola pública, relacionada à falta dos professores, é uma

indicação de que esses jovens também compreendem que há elementos exteriores ao

indivíduo que impactam sobre seu desempenho no campo da educação, não sendo possível

esquecer a existência de uma estrutura econômica, política e social, particular de sua

sociedade, que interfere nas diversas situações vividas por todos os membros dessa

sociedade.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação escolar é um elemento de diferenciação e de distinção social capaz

de interferir nas posições que os sujeitos ocupam ou podem vir a ocupar nos vários espaços

da vida cotidiana. Socialmente valorizada, ela representa um tipo de conhecimento

necessário para a manutenção da sociedade, mas também representa os saberes

considerados legítimos pelos grupos sociais de prestígio e poder em cada contexto

econômico, político e social. No entanto, esses saberes e práticas viabilizados pela escola

parecem constituir um tipo de “universal” cujas condições de possibilidade de acesso não

são igualmente distribuídas a todos.

Se tomarmos o caso de alguns dos nossos interlocutores estudantes de EJA,

percebemos mediante suas narrativas as impossibilidades de acesso a esse “universal”

criadas ao longo de suas trajetórias escolares até aquele momento: dificuldades de

aprendizagem acumuladas e não solucionadas; reprovação escolar; perda do direito ao

ensino diurno; transferência compulsória para turmas de Educação de Jovens e Adultos;

não acesso ao Ensino Médio na idade oficialmente recomendada e a perda do direito ao

“não-trabalho”.

Ao contrário desses estudantes de EJA, os nossos interlocutores estudantes de

8º e 9º Anos, bem como os do Ensino Médio, em sua maioria, não apresentava a

necessidade urgente de inserção no mundo do trabalho, embora não se encontrassem em

situação econômica e social muito diversa daquela vivenciada pelos jovens de EJA. As

situações de inserção no mundo produtivo identificadas entre os jovens do Ensino Médio,

segundo os depoimentos desses pesquisados, apresentavam-se dentro das condições de

estágio de aprendizagem em conformidade com as exigências legais para os menores de

dezoito anos, determinadas pelo ECA. Mas, apesar de legais, essas situações de inserção

em atividades consideradas de aprendizagem também interferiam na vida escolar dos

estudantes de Ensino Médio, uma vez que alguns precisavam transferir a matrícula escolar

para o período noturno, considerado por esses mesmos jovens como um turno de qualidade

inferior quando comparado ao período diurno.

Convivendo com familiares e/ou amigos já inseridos no mundo acadêmico ou

participando de projetos sociais desenvolvidos pelo poder público, igrejas ou organizações

não governamentais existentes no bairro, os pesquisados da escola estadual demonstraram

que persiste entre eles o encantamento com a escola e a crença nos resultados que ela

pode lhes proporcionar. As referências encontradas nesses espaços de sociabilidade foram

apontadas como um incentivo à permanência no mundo escolar e para a busca de novas

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conquistas no campo da educação, como o ingresso na Universidade. Entendemos que

esses estudantes construíram disposições para crer, mas também disposições para agir as

quais lhes permitiram conhecer as regras do jogo que pode conduzi-los ao alcance das

perspectivas que têm projetado para o futuro.

Quanto aos estudantes de EJA, ainda que tenham afirmado em suas narrativas

a pretensão de prosseguirem os estudos e até ingressarem no Ensino Superior,

percebemos não haver entre esses jovens o senso “real” do jogo. Seus depoimentos

pareciam apenas tentar não contrariar as expectativas da sociedade lançadas sobre aqueles

que continuam na escola. Mesmo que os depoimentos desses jovens não correspondam,

exatamente, ao que esses jovens pensam ou fazem naquele momento, indicam que esses

sujeitos procuram confirmar um valor que é socialmente atribuído à educação.

As urgências do cotidiano que lançaram muitos deles ao mundo do trabalho

infantil furtaram-lhes também o tempo que poderia ter sido investido em seus processos de

formação escolar. A illusio social parece não se constituir entre esses estudantes de EJA

com a mesma intensidade que se instaura entre os outros pesquisados, podendo resultar na

desistência desse investimento escolar mesmo antes desses jovens alcançarem o Ensino

Médio, etapa da Educação Básica na qual já deveriam ter ingressado desde os 15 anos de

idade. A ausência ou ineficiência de oportunidades estruturais socialmente disponíveis a

esses sujeitos pode levá-los a desenvolver o sentimento de” auto culpa” pelos insucessos

experimentados no campo escolar e em suas próprias trajetórias sociais.

As falas dos entrevistados de EJA do Bonsucesso demonstraram não identificar

no bairro a existência de políticas públicas direcionadas aos jovens. Todas as referências a

ações de instituições governamentais mencionadas por esses estudantes foram remetidas

aos bairros vizinhos. Se há oficialmente ações governamentais sendo desenvolvidas

naquela região da Cidade, elas não são sentidas, percebidas por esses sujeitos. As igrejas

locais foram as instituições mais citadas por esses estudantes quando discutimos sobre a

existência de projetos sociais direcionados aos jovens do bairro, particularmente no que se

refere à atenção direcionada aos dependentes químicos. Desse modo, são essas

instituições que parecem mais visíveis a esses estudantes e que de algum modo

conseguem alcançá-los.

Partimos da ideia de que os jovens, como indivíduos plurais, são atores sociais

que carregam em seu “interior”, em estado dobrado, amassado, as marcas dos vários

contextos experimentados na sua relação com o mundo “exterior”, marcas resultantes de

suas vivências na família, na escola, na comunidade, no trabalho ou na rua e que interferem

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na compreensão que constroem sobre si mesmos, sobre o seu lugar no mundo, sobre o

lugar dos outros, sobre o que podem ou não desejar e projetar em relação ao futuro.

Mas, entendemos que as estruturas objetivas que dão suporte ao cotidiano de

nossos pesquisados não representam barreiras intransponíveis em suas trajetórias sociais,

considerando que esses sujeitos podem, nas várias cenas do cotidiano vivido, encontrar ou

construir novos caminhos que possam conduzi-los aos sonhos desejados, uma vez que

esses sujeitos pensam, agem e fazem escolhas.

No entanto, para que esses sujeitos façam escolhas, as oportunidades precisam

estar disponíveis a todos. Se desejam estudar (e esse é um direito consagrado a todos) que

esses jovens tenham também direito ao “não-trabalho” se o trabalho lhes impede de se

dedicar à escola e a permanecerem estudando nos turnos de sua preferência. Se é o Ensino

Profissionalizante ou o acesso à Universidade que projetam como meta de futuro, que a

sociedade possa lhes garantir igualmente os meios para alcançarem essa meta.

Olhando especialmente para os estudantes de EJA que foram nossos

interlocutores neste estudo, atores sociais que se apresentaram como os mais afetados pela

estrutura desigual de distribuição de capital econômico, cultural e social entre todos os

entrevistados, percebemos a tendência de uma política voltada para que se realize com eles

a “causalidade do provável”, contribuindo para que esses atores sociais se conservem na

posição em que se encontram na estrutura social de distribuição de capitais. A negativa por

parte das escolas de inserir no ensino diurno os jovens que se encontram fora da faixa-

etária oficialmente recomendada parece funcionar como uma “punição escolar” àqueles que

não se ajustam às disposições exigidas nesse campo.

A permanência na escola parece não ter favorecido o acesso desses estudantes

da EJA à cultura socialmente considerada de prestígio, tipo de cultura que poderia facilitar a

entrada futura desses jovens em outros espaços sociais, como campos profissionais onde a

cultura escolar é valorizada e exigida como credencial de entrada.

Se as oportunidades oferecidas a esses jovens não contribuem para o

desenvolvimento das disposições exigidas para o ingresso no Ensino Médio, na

Universidade, em cursos profissionalizantes ou outras atividades profissionais desejadas por

esses sujeitos, suas esperanças tenderão a se limitar às oportunidades disponíveis,

considerando que não apresentam as disposições exigidas para o acesso a outras posições.

Esse constitui um perigo iminente para muitos dos nossos entrevistados de EJA que já se

encontram inseridos em situações e condições inadequadas de trabalho para sua faixa-

etária, situações iniciadas por alguns já no período da infância.

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Se não são construídas as disposições exigidas para a entrada em novos

espaços sociais, esses jovens terão que se adaptar aos contextos nos quais as disposições

possuídas melhor se ajustam e que, no caso específico desses estudantes de EJA, pode

representar a continuidade de um ciclo já iniciado na adolescência como babás,

costureiros/as, pintores, carregadores, entregadores de mercadinhos ou serventes de

pedreiros.

Neste trabalho, nossa atenção esteve especialmente voltada aos jovens entre 15

e 17 anos que ainda não alcançaram o Ensino Médio. Entendemos que, dependendo das

condições de permanência desses jovens no Ensino Fundamental, muitos provavelmente

não concluirão a Educação Básica. Preocupa-nos a tendência de ajustamento desses

jovens a ocupações que talvez não lhes proporcionem no futuro condições de trabalho e

salário diferentes daquelas que já vivenciam nesse momento presente, uma vez que não

apresentarão as disposições exigidas para outros tipos de ocupações mais especializadas.

Além dessa tendência, consideramos também como problemática a

possibilidade desses jovens abandonarem a escola e se inserirem em práticas sociais

consideradas delituosas. Como nos foi apresentado por intermédio das narrativas dos

estudantes de EJA, alguns desses jovens residem em uma área da comunidade em que

estão próximos das práticas ligadas ao tráfico de drogas e dos conflitos decorrentes dessas

práticas. Desse modo, compreendemos que a convivência nesse contexto pode torná-los

mais vulneráveis ao abandono escolar, situação já vivenciada por muitos de seus colegas

da mesma faixa-etária e relatada durante as entrevistas e grupos focais.

As cenas do cotidiano interferem diretamente sobre os processos de formação

desses jovens. Assim, é importante que esses atores sociais tenham acesso a

oportunidades educativas capazes de conduzi-los à vivência de novas cenas que lhes

permitam sonhar e projetar um futuro diferente daquele “futuro provável”.

Consideramos importante um olhar atento da sociedade e de suas instituições

para as especificidades apresentadas por esse público juvenil que atualmente não consegue

ingressar no Ensino Médio. Entendemos que para esse público também precisam ser

garantidos os meios necessários para a entrada nessa etapa da Educação Básica, meios

que possibilitaram esse acesso a outros jovens da mesma faixa-etária.

Compreendemos que diversas são as demandas colocadas pelos jovens em

seus diferentes contextos de vivência, exigindo medidas diferenciadas de atendimento

dependendo desses contextos, demandas que extrapolam a esfera da educação. Mas, se

estar fora do Ensino Médio constitui uma situação que tende a inferiorizar esses jovens

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diante de seus pares e da sociedade, é na perspectiva da igualdade de direitos que

precisam ser pensadas as políticas públicas que podem favorecer o acesso desses sujeitos

ao Ensino Médio na idade oficialmente recomendada, bem como sua permanência no

campo escolar e, assim, permitir que, além de “disposições para crer”, esses jovens também

tenham a possibilidade de desenvolver “disposições para agir” diante de seus projetos de

futuro.

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2004.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

Questionário utilizado com os Jovens das Turmas de Educação de Jovens e Adultos –

EJA da Escola do Mondubim

Sexo ____________ Data de Nascimento __________________ 1. ESCOLARIDADE a. Última Série Cursada: b. Por que estuda no período noturno? c. Gostaria de estudar em outro turno? Por quê? d. Escolaridade dos pais? 2. TRABALHO a. Que tipo de atividade realiza durante o dia? b. Quantas horas diárias? c. Remuneração: d. Carteira Assinada? e. Gostaria de executar outro tipo trabalho? Qual? 3. FORMAÇÃO ESCOLAR, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO a. Você pretende cursar o Ensino Médio? Por quê? b. Pretende fazer algum curso de profissionalização? c. Pretende cursar uma faculdade? Qual Curso?

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APÊNDICE B

Roteiro para Entrevista com os Jovens das Turmas de Educação de Jovens e Adultos – EJA da Escola do Bonsucesso

1. Informações Gerais

a. Turma de EJA: I ( ) II ( ) III ( ) IV ( ) V ( ) b. Data de Nascimento: c. Última série cursada no Ensino Regular: d. Onde cursou as séries iniciais do Ensino Fundamental? e. Por que optou pela EJA? f. Gostaria de estudar em outro turno ou outra escola? 2. Família e Moradia

a. Com quem reside? b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola? c. Escolaridade dos pais: d. Familiares que estudam e os que não estudam e. Renda da Família f. Ocupações dos familiares 3. Trabalho

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê? c. Onde? d. Atividade realizada no trabalho/ Ambiente de trabalho e. Horário e número de horas trabalhadas durante o dia: f. Carteira Assinada? SIM ( ) NÃO ( ) Salário g. Idade que começou a trabalhar

4 Educação e Futuro

a. Você se preocupa com o futuro? b. Por que continua estudando? c. A escola tem alguma importância para a sua vida? Qual? d. Você acha que a escola pode aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou como? e.Você pretende cursar o Ensino Médio? Por quê? f. Já tem preferência por alguma escola? g. Tem amigos que já estão no Ensino Médio? Onde estudam? Que série cursam? h. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que deve fazer para poder exercer essa profissão? i. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vontade de estudar em uma delas? Por quê? Sabe onde tem uma? O que é necessário para estudar nessas escolas? j. Pretende fazer uma faculdade? Qual? Sabe onde elas se localizam aqui em Fortaleza? O que é preciso fazer para cursar uma faculdade? l. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculdade? Quem? Qual o Curso? m. Como você imagina sua vida daqui há dez anos? 3 Os jovens e o Bairro

a. O que costuma fazer nos finais de semana quando não está na escola?

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b. Gosta do bairro em que vive? c. O seu bairro é tranquilo? d. Já presenciou ou foi vítima de violência no bairro? Que tipo de violência? e. Conhece outras instituições de educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa de algum projeto fora da escola?

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APÊNDICE C

Roteiro para Entrevista com os Jovens das Turmas de 8º e 9º Anos em Situação de Distorção Idade- Série 1. Informações Gerais

a. Série: 8º ( ) 9º ( ) b. Data de Nascimento: c. Ficou reprovado em qual série? d. Por que optou por essa escola? e. Gostaria de estudar em outro turno ou outra escola? 2. Família e Moradia

a. Com quem reside? b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola? c. Escolaridade dos pais: d. Familiares que estudam e os que não estudam e. Renda da Família f. Ocupações dos familiares 3. Trabalho

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê? c. Onde? d. Atividade realizada no trabalho/ Ambiente de trabalho: e. Horário e número de horas trabalhadas durante o dia: f. Começou a trabalhar com qual idade?

4. Educação e Futuro

a. Você se preocupa com o futuro? b. Por que continua estudando? c. A escola tem alguma importância para a sua vida? Qual? d. Você acha que a escola pode aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou como? e.Você pretende cursar o Ensino Médio? Por quê? f. Já tem preferência por alguma escola? g. Tem amigos que já estão no Ensino Médio? Onde estudam? Que série cursam? h. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que deve fazer para poder exercer essa profissão? i. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vontade de estudar em uma delas? Por quê? Sabe onde tem uma? O que é necessário para estudar nessas escolas? j. Pretende fazer uma faculdade? Qual? Sabe onde elas se localizam aqui em Fortaleza? O que é preciso fazer para cursar uma faculdade? l. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculdade? Quem? Qual o Curso? 5. Os jovens e o Bairro

a. O que costuma fazer nos finais de semana quando não está na escola? b. Gosta do bairro em que vive? c. O seu bairro é tranquilo? d. Já presenciou ou foi vítima de violência no bairro? Que tipo de violência? e. Conhece outras instituições de educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa de algum projeto fora da escola?

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APÊNDICE D Roteiro para Entrevista com os Jovens do Ensino Médio na Série considerada adequada para a Idade 1. Informações Gerais

a. Série: 1ª Série ( ) 2ª Série ( ) 3ª Série ( ) b. Data de Nascimento: c. Por que optou por essa escola? e. Gostaria de estudar em outro turno ou outra escola?

2. Família e Moradia

a. Com quem reside? b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola? c. Escolaridade dos pais: d. Familiares que estudam e os que não estudam: e. Renda da Família: f. Ocupações dos familiares: 3. Trabalho

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê? c. Onde? d. Atividade realizada no trabalho/ Ambiente de trabalho: e. Horário e número de horas trabalhadas durante o dia: f. Carteira Assinada? SIM ( ) NÃO ( ) Salário: g. Começou a trabalhar com qual idade?

4. Educação e Futuro a. Você se preocupa com o futuro? b. Por que continua estudando? c. A escola tem alguma importância para a sua vida? Qual? d. Você acha que a escola pode aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou como? e. Tem amigos da sua idade que estudaram com você e ainda estão no Ensino Fundamental? Em sua opinião, por que eles não conseguiram ainda chegar ao Ensino Médio? f. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que deve fazer para poder exercer essa profissão? g. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vontade de estudar em uma delas? Por quê? Sabe onde tem uma? O que é necessário para estudar nessas escolas? h. Pretende fazer uma faculdade? Qual? Sabe onde elas se localizam aqui em Fortaleza? O que é preciso fazer para cursar uma faculdade? i. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculdade? Quem? Qual o Curso? j. Sabe o que é o ENEM? Pretende fazê-lo? Sabe para que serve o PROUNI? E o SISU?

5. Os jovens e o Bairro

a. O que costuma fazer nos finais de semana quando não está na escola? b. Gosta do bairro em que vive? c. O seu bairro é tranquilo? d. Já presenciou ou foi vítima de violência no bairro? Que tipo de violência? e. Conhece outras instituições de educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa de algum projeto fora da escola?

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APÊNDICE E

Regional I Bairro 15 anos 16 anos 17 anos total

1 Alvaro Weyne 415 404 410 1229

2 Barra do Ceará 1565 1443 1496 4504

3 Carlito Pamplona 544 518 521 1583

4 Cristo Redentor 503 508 457 1468

5 Farias Brito 195 199 191 585

6 Floresta 566 533 597 1696

7 Jacarecanga 223 247 245 715

8 Jardim Guanabara 269 258 248 775

9 Jardim Iracema 470 381 437 1288

10 Monte Castelo 198 236 233 667

11 Moura Brasil 54 62 72 188

12 Pirambu 384 384 323 1091

13 Vila Ellery 111 136 136 383

14 Vila Velha 1208 1127 1197 3532

Total 6705 6436 6563 19704

Regional II Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total

1 Aldeota 533 587 611 1731

2 Cais do Porto 463 464 431 1358

3 Centro 544 384 443 1371

4 Cidade 2000 81 91 98 270

5 Coco 273 307 303 883

6 Dionisio Torres 194 227 210 631

7 Dunas (Manoel Dias

Branco) 32 30 18 80

8 Luciano Cavalcante 253 261 251 765

9 Guararapes 66 73 79 218

10 Joaquim Tavora 309 296 329 934

11 Meireles 382 407 460 1249

12 Mucuripe 195 181 201 577

13 Papicu 317 315 291 923

14 Praia de Iracema 36 40 44 120

15 Praia do Futuro I 142 128 126 396

16 Praia do futuro II 246 256 213 715

17 Salinas 74 71 78 223

18 São João do Tuape 429 422 407 1258

19 Varjota 121 122 122 365

20 Vicente Pinzon 859 866 810 2535

21 Bairro de Lourdes 66 44 48 158

Total 5615 5572 5573 16760

Regional III Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total

1 Amadeu Furtado 150 155 184 489

2 Antonio Bezerra 449 472 482 1403

3 Autran Nunes 496 453 442 1391

4 Bela Vista 298 300 296 894

5 Bonsucesso 780 782 802 2364

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6 Dom Lustosa 224 225 260 709

7 Henrique Jorge 452 475 495 1422

8 João XXIII 350 327 355 1032

9 Joquei Clube 345 328 344 1017

10 Padre Andrade 210 236 229 675

11 Parque Araxá 113 96 101 310

12 Parquelandia 213 171 207 591

13 Pici 958 877 851 2686

14 Presidente Kennedy 406 348 430 1184

15 Quintino Cunha 1019 977 976 2972

16 Rodolfo Teófilo 323 278 305 906

Total 6786 6500 6759 20045

Regional IV Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total

1 Aeroporto 199 212 172 583

2 Benfica 129 139 156 424

3 Bom Futuro 91 94 96 281

4 Couto Fernandes 88 102 99 289

5 Damas 149 161 155 465

6 Democrito Rocha 165 167 212 544

7 Dende 94 102 109 305

8 Fatima 288 340 341 969

9 Itaoca 206 208 209 623

10 Itaperi 362 368 371 1101

11 Jardim America 213 202 197 612

12 Jose Bonifacio 114 132 151 397

13 Montese 401 380 415 1196

14 Panamericano 141 168 147 456

15 Parangaba 551 501 546 1598

16 Parreao 154 148 143 445

17 Serrinha 535 545 583 1663

18 Vila Pery 343 341 346 1030

19 Vila União 231 236 263 730

Total 4454 4546 4711 13711

Regional V Bairros 15 anos 16 anos 17 anos Total

1 Bom Jardim 821 851 788 2460

2 Canindezinho 979 868 912 2759

3 Conjunto Ceará I 258 293 322 873

4 Conjunto ceará II 364 347 364 1075

5 Conjunto Esperança 317 309 306 932

6 Genibau 921 890 827 2638

7 Granja Lisboa 1188 1192 1159 3539

8 Granja Portugal 874 875 780 2529

9 Jardim Cearense 189 205 184 578

10 Maraponga 177 160 158 495

11 Mondubim 1525 1418 1446 4389

12 Parque Presidente Vargas 189 173 149 511

13 Parque Santa Rosa 269 216 239 724

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14 Parque São José 211 191 191 593

15 Prefeito José Walter 590 558 595 1743

16 Siqueira 841 709 670 2220

17 Vila Manoel Sátiro 711 640 702 2053

18 Planalto Ayrton Senna 954 902 867 2723

Total 11378 10797 10659 32834

Regional VI Bairros 15 anos 16 anos 17 anos Total

1 Aerolandia 217 199 210 626

2 Jose de Alencar 339 249 244 832

3 Alto da Balança 210 209 205 624

4 Ancuri 437 434 438 1309

5 Barroso 656 619 627 1902

6 Cajazeiras 240 289 255 784

7 Cambeba 95 105 120 320

8 Castelão 98 119 134 351

9 Didade dos Funcionarios 267 287 288 842

10 Coaçu 174 128 132 434

11 Curio 188 144 176 508

12 Dias Macedo 275 219 213 707

13 Edson Queiroz 395 439 400 1234

14 Guajeru 119 107 130 356

15 Jangurussu 1144 1035 1059 3238

16 Jardim das Oliveiras 599 569 604 1772

17 Lagoa Redonda 571 611 561 1743

18 Mata Galinha 95 108 102 305

19 Messejana 728 762 761 2251

20 Parque dois Irmãos 585 556 546 1687

21 Parque Iracema 120 129 119 368

22 Parque Manibura 128 120 131 379

23 Passaré 1059 980 1006 3045

24 Paupina 295 294 312 901

25 Pedras 35 24 24 83

26 Sabiaguaba 47 43 52 142

27 Sapiranga/Coite 703 612 632 1947

28 Conjunto Palmeiras 846 765 792 2403

29 São Bento 245 241 237 723

Total 10910 10396 10510 31816

Quadro 1: População de Jovens entre 15 e 17 anos por Bairros e Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza

de acordo com dados do IBGE/Censo 2010.

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ANEXO A

Figura 2. Valor da Renda Média Pessoal por Bairros de Fortaleza - 2010.

IPECE | INFORME 42: Perfil Municipal de Fortaleza.Tema VII: Distribuição Espacial da Renda Pessoal