Discurso universidade

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Discurso de formatura dos professores de Aratuba no ano 2002

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UECE – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ DISCURSO PRONUNCIADO NA SOLENIDADE DE FORMATURA EM 01.11.02 MUNICÍPIO DE ARATUBA ORADOR: FANCISCO GILDO ALVES GOMES

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A historicidade de um ser está entrelaçada numa relação

dinâmica consigo mesmo e com o mundo que o cerca. Nessa relação se

estabelece uma comunhão-comunicação que se estende por toda a vida

do indivíduo. Tanto somos aquilo que pensamos ser, como aquilo que o

próprio mundo nos fez ser. Essa dualidade ora nos faz rir ou chorar

porque desafiamos o ideal inatingível que almejamos – a perfeição.

Nossas concepções, idéias e filosofias em parte, surgem de nossas

próprias frustrações do passado, delírios do presente e expectativas do

futuro. Estamos presos ao tempo e, às vezes, não sabemos se ele está por

nós ou contra nós, embora sempre estejamos correndo todos os dias na

dependência dele. A vida, portanto, apesar de tantas descobertas

fantásticas, continua sendo um mistério limitado ao tempo e ao espaço, e

nesse tempo-espaço, o homem como único ser pensante é o que

paradoxalmente pensa menos sobre si.

Na verdade, nós consideramos bem mais fácil pensarmos sobre

o que nos rodeia do que refletirmos sobre a profundidade de nosso ser.

Todavia, é praticamente impossível silenciarmos aquela grande questão

que há milênios ecoa: O que é o homem e qual seu propósito no mundo?

Teólogos e filósofos debruçaram-se sobre esse enigma, tentando

desvendá-lo sem muitos resultados. A famosa escultura “O Pensador”,

de Augusto Rodin, apenas acentuou essa problemática existencialista

milenar. Vem de muito longe as vagas tentativas filosóficas de definir o

gênero humano. Parece-nos que a máxima socrática: “Conhece-te a ti

mesmo”, gravada no frontão do templo de Delfos, na antiga Grécia,

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acendeu o humanismo que procurou entender o significado da existência

do próprio homem. Para o filósofo Heráclito: “O homem é apenas uma

luz que se acende e que se apaga no meio da noite”. Protágoras dizia: “O

homem é a medida de todas as coisas”. Horácio afirmava que “o homem

é pó e sombra”. Para Molieri o homem não passa de um animal vicioso.

Para Santo Agostinho o homem é a mais maravilhosa de todas as

maravilhas. Aristóteles dizia que o homem é um animal sociável. Platão,

por sua vez, afirmava que o homem é um animal de duas pernas, sem

penas. Ironizando Platão, o filosófo Diógenes depenou um frango e

disse: “Eis aí o homem”. E para o humanista Huxley, o homem é um

macaco um pouco melhorado e, às pressas. Em todas estas concepções

vemos a dialética da paradoxia humana: somos terrivelmente simples e

simplesmente terríveis; somos assombrosamente maravilhosos e

assombramos o que é maravilhoso. E é por isso que em pleno século

XXI, no batizado milênio do conhecimento, que conhecemos quase tudo

e ignoramos aquilo que somos e ainda aquilo que podemos ser, ressurge

a velha e periclitante questão: “O que é o homem”? É a nossa pedra

filosofal e o nosso calcanhar de Aquiles.

A importância que gira em torno desta questão não é,

meramente filosófica e acadêmica, mas antes de tudo uma visão de

mundo que engloba todos os aspectos da vida e da existência humana. A

partir daquilo que se pensa do homem é o que se determina em termos

políticos, sociais, econômicos, educacionais e até mesmo religiosos. Que

ninguém se esqueça que na Segunda Guerra Mundial, havia uma

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concepção de “raça superior”, e só se pensava em raça superior, porque

primeiro se concluiu que existiam homens superiores e outros inferiores.

Talvez não seja preciso lembrar que isto custou o extermínio de seis

milhões de judeus.

O momento histórico que vivenciamos é o mais crítico e ainda

assim o mais oportuno para questionarmos se o Homem domina o

homem ou se ambos compartilham o que lhes pertence. Bem que

desejaríamos que o compartilhar refletisse nossa existência terrestre,

porém fomos marcados pela dominação ao longo de tantos séculos: pelo

ferro; pela dor; pela ignorância; pelo massacre; pela segregação; pelo

coronelismo e marcados ainda pelo verniz da mudança. E, agora,

passamos a sentir a dor que não dói; porque fomos anestesiados por um

progresso a que temos pouco acesso. Arnold Toynbee, o maior dos

historiadores, o homem que dedicou toda a sua vida para entender a

problemática do bicho homem, escreveu dez volumes sobre a História do

Mundo, mais tarde publicada em doze volumes. Já no final de sua vida

Toynbee dizia: “o homem constantimente expande seu poder físico

sobre seu meio-ambiente, mas é incapaz de melhorar, de modo

correspondente, o aspecto social; e é menos incapaz ainda de subjugar

seus sentimentos destrutivos. A tecnologia, conclui Toynbee, é o único

campo de atividade humana no qual tem havido progresso”. E, ainda

assim, perguntamos que espécie de progresso estamos produzindo.

Colocamos o homem na lua; um robô em Marte e ainda clonomas a

Dolly; com a “esperança” de que o próprio homem, um dia, seja também

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copiado. Mas do que vale isso diante de milhões de crianças que morrem

de fome? O que vale isso diante de uma massa de indigentes e

analfabetos que vivem à margem da sociedade e esquecidas por ela? O

que vale tudo isso se a guerra em nome da paz ameaça o extermínio da

humanidade? E por que tudo isso depois de tanto conhecimento e

ciência? A princípio por que a filosofia de vida do homem tem sido

usada para o domínio de outro homem. Mas nada surge de uma vez.

Primeiro o homem negou a existência do seu Criador com a Teoria da

Evolução de Charles Darwin, e ao fazer isso, ele renunciou o único

Código Moral capaz de dizer-lhe o certo e o errado. E sem ter um

referencial absoluto para as suas decisões, o homem relativizou e acabou

por dominar outro homem. Ora, desconsiderando Aquele que criou o

homem, de que vale esse homem? Nada mais que a sujeição a outro

homem, imposta pela domesticação e negação do seu valor intrínseco,

justificada pela mediação do conhecimento. Em outras palavras, a

própria educação que deve ser um instrumento de libertação social e

político, às vezes cerra os aguilhões quando atende e justifica aos

interesses de uma classe privilegiada dominante.

Mas, espere um pouco, você está sendo pessimista demais...

Calma, professores universitários! Nós não fomos criados

assim, nos tornamos assim, e por isso é possível a mudança. Aliás, nós

estamos e chegamos até aqui porque acreditamos que é preciso e

possível mudar. E nós somos os agentes dessa mudança. Afinal, as reais

e grandes mudanças começam justamente nas escolas. Se incendiarmos

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nossas salas de aula, elas incendiarão nosso município; com o município

incendiado por uma educação crítica; nosso estado sentirá o impacto,

cujas chamas alcançarão o país e o mundo. Professores, sejamos

instrumentos de uma revolução educacional.

Ensinemos para a vida e não para a competitividade. Usemos a

lei do coração e não a do mercado. Formemos cidadãos e não meros

indivíduos intelectualizados. Repassemos as melhores e mais seguras

informações sem reproduzirmos o discurso oficial da promessa de um

ensino de qualidade que já está caducando. A qualidade está no educador

consciente de seu papel e função, independentemente do slogam

educacional da mídia. Incentivemos a simplicidade em meio à

complexidade. Prefiramos a qualidade num país onde se cultua a

quantidade. Desenvolvamos a humildade porque somente assim teremos

servos intelectuais ao invés de senhores acadêmicos. Amigos

professores, vençamos o medo e compreendamos que nossa profissão-

vocacão é, por demais, nobre para termos uma justa recompensa nesta

vida. Toda a recompensa será sempre pequena para alguém que ajudou o

ser humano a pensar sobre si mesmo e sobre o mundo. Cuidemos

professores, para que o brilho da fama e a arrogância intelectual não nos

distanciem daqueles que mais precisam de nós – as crianças, os

adolescente, os jovens, os velhos, o homem do campo, o desempregado e

principalmente aquele que perdeu o sentido de viver. Não é a preferência

pelos pobres e excluídos e, sim, o reconhecimento de sua cidadania. Não

é o sentimento da pena, mas do amor. Sejamos sal e luz. Gosto no meio

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do desgosto e luz em meio a escuridão. Guardemos a integridade

intelectual sem pose de academicismo. Deixemos o senso comum,

apropriemo-nos do senso crítico, sem jamais deixarmos o bom senso.

Por último, terminamos com a história do filósofo grego

Diógenes. Conta-se que quando Alexandre, o Grande, preparava-se para

invadir o Império Persa, soube que Diógenes se encontrava em Crâneo,

subúrbio de Corinto. Quis vê-lo e conversar com o filósofo. Nessa

tentativa, encontrou-o num bosque quase despido, morando num velho

tonel. Alexandre, que estava ricamente vestido, chegou com sua

comitiva, enquanto o filósofo, no interior do tonel tomava seu banho de

sol. Na medida que Alexandre se aproximava, Diógenes nem sequer se

movia.

- Você sabe quem sou eu? – perguntou-lhe Alexandre,

detendo-se frente ao tonel. E como Diógenes nada

respondesse, acrescentou:

- Saiba, pois, que sou Alexandre.

- Ah! – exclamou com indiferença – Eu sou Diógenes.

- Você sabe que possuo um Império e milhares de homens se

curvam perante mim?

- Pois eu só tenho este tonel, senhor, e isso me basta. Quanto

aos homens, não, não creio neles! Há muito tempo que

procuro um e não encontro.

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Alexandre, agradando-se do jeito diferente de Diógenes,

resolveu conceder-lhe qualquer desejo seu. Estando Diógenes

calado, Alexandre insistia: Vamos peça qualquer coisa!

- Posso pedir qualquer coisa mesmo? - indagou Diógenes.

- Sim, respondeu Alexandre.

- Quero apenas que o senhor se afaste para que não atrapalhe

os raios do sol.

Professores, a fama e a glória são efêmeros e não devem

impedir que os raios do sol cheguem até nós.

Que Deus nos abençoe!