Discipulado Segundo a Escritura

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1 O discipulado segundo a Escritura Parte 1 “Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes.” Salmos 78.5-6 O que estava por trás do espírito discipulador de Richard Baxter é avaliado neste capítulo, com o estudo do discipulado na Bíblia, tal como visto no ensino do Antigo Testamento sobre a necessidade de instruir o povo de Deus, e tal como visto no ministério e na ordem de Cristo, bem como nos ensinamentos de Paulo para fazer discípulos. Baxter tinha inteira consciência dessa base bíblica, como expressou a seus colegas: “Irmãos, supõem vocês que agora os convido para fazer esse trabalho [a catequese individual de suas ovelhas] sem a aprovação de Deus, sem o consentimento da antiguidade, sem a permissão dos teólogos Reformados ou sem a convicção de nossa própria consciência?” E ele passa então a citar o Diretório de Westminster: “É dever do ministro não apenas ensinar publicamente o povo confiado a seu encargo, mas também privadamente admoestar, exortar, reprovar e confortar, em todas as ocasiões oportunas, tanto quanto o permitam seu tempo, energia e segurança pessoal”. 1 Baxter cita João Calvino, para quem, “pastores e presbíteros estejam vigilantes nisto, de quem são funções não só pregar ao povo, mas também admoestar e exortar de casa em casa e declarar estar limpo do sangue de todos, porque o apóstolo não cessava de admoestar a cada um, com lágrimas, noite e dia”. 2 [cf. At 20.20, 26, 31] A dedicação de Calvino em demonstrar a base bíblica para a sua posição era algo que Baxter também possuía, e o mesmo devemos fazer. 1. Do que trata o discipulado A ideia de discipular remete-nos imediatamente às palavras de Jesus: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28.18-20). O estudo da Grande Comissão tem levantado algumas perguntas, sendo as mais recorrentes: Deve ser colocada mais ênfase no “Ide” ou no “fazei discípulos”? Qual é o significado do “fazei discípulos”? Qual é a importância do “batizando” e do “ensinando”? O lugar e importância do “indo” (poreuthentes) na ordem de Jesus A tendência mais comum em nosso meio é interpretar a Grande Comissão como uma ordem para “ir”, em apoio a missões transculturais e estrangeiras. Desde menino, 1 Baxter, R., The Reformed Pastor (Lafayette, IN: Sovereign Grace Publishers, 2000), pág. xiv. 2 Calvino, J., As Institutas, edição clássica (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2006), IV,XII,2.

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Discipulado segundo a Escritura

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    O discipulado segundo a Escritura Parte 1 Ele estabeleceu um testemunho em Jac, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova gerao os conhecesse, filhos que ainda

    ho de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes. Salmos 78.5-6

    O que estava por trs do esprito discipulador de Richard Baxter avaliado neste

    captulo, com o estudo do discipulado na Bblia, tal como visto no ensino do Antigo

    Testamento sobre a necessidade de instruir o povo de Deus, e tal como visto no

    ministrio e na ordem de Cristo, bem como nos ensinamentos de Paulo para fazer

    discpulos. Baxter tinha inteira conscincia dessa base bblica, como expressou a seus

    colegas: Irmos, supem vocs que agora os convido para fazer esse trabalho [a catequese individual de suas ovelhas] sem a aprovao de Deus, sem o consentimento

    da antiguidade, sem a permisso dos telogos Reformados ou sem a convico de nossa

    prpria conscincia? E ele passa ento a citar o Diretrio de Westminster: dever do ministro no apenas ensinar publicamente o povo confiado a seu encargo, mas tambm

    privadamente admoestar, exortar, reprovar e confortar, em todas as ocasies oportunas,

    tanto quanto o permitam seu tempo, energia e segurana pessoal.1 Baxter cita Joo Calvino, para quem, pastores e presbteros estejam vigilantes nisto, de quem so funes no s pregar ao povo, mas tambm admoestar e exortar de casa em casa e

    declarar estar limpo do sangue de todos, porque o apstolo no cessava de admoestar a

    cada um, com lgrimas, noite e dia.2 [cf. At 20.20, 26, 31] A dedicao de Calvino em demonstrar a base bblica para a sua posio era algo que Baxter tambm possua, e o

    mesmo devemos fazer.

    1. Do que trata o discipulado A ideia de discipular remete-nos imediatamente s palavras de Jesus:

    Toda a autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos

    de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito

    Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que

    estou convosco todos os dias at consumao do sculo (Mt 28.18-20).

    O estudo da Grande Comisso tem levantado algumas perguntas, sendo

    as mais recorrentes:

    Deve ser colocada mais nfase no Ide ou no fazei discpulos?

    Qual o significado do fazei discpulos?

    Qual a importncia do batizando e do ensinando?

    O lugar e importncia do indo (poreuthentes) na ordem de Jesus A tendncia mais comum em nosso meio interpretar a Grande Comisso como

    uma ordem para ir, em apoio a misses transculturais e estrangeiras. Desde menino,

    1 Baxter, R., The Reformed Pastor (Lafayette, IN: Sovereign Grace Publishers, 2000), pg. xiv. 2 Calvino, J., As Institutas, edio clssica (So Paulo, SP: Editora Cultura Crist, 2006), IV,XII,2.

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    ouo pregadores desafiando: No espere uma ordem de Deus para ir, porque Jesus j deu essa ordem. Ele mandou ir. Sempre me pareceu que algum deveria ficar para, pelo menos, apagar a luz e vender as propriedades da igreja, mas o fato que o assunto

    no ficava bem resolvido. O verbo principal dessa passagem, porm, matheteusate

    (fazei discpulos), no podendo os particpios poreuthentes (indo, que precede o verbo),

    baptizontes (batizando) e didaskontes (ensinando) ter maior nfase. Comumente, porm,

    poreuthentes assumido como o imperativo da Grande Comisso, especialmente com

    apoio das edies do Novo Testamento em que ele traduzido como Ide. Em seu ensaio Missions and Greek Syntax in Matthew 28.19,3 Carl Bosma

    apresenta quatro posies diferentes a respeito do lugar e importncia de poreuthentes

    na ordem de Jesus.

    (1) A primeira posio enfatiza o Ide, mais do que o fazei discpulos. Segundo Bosma, o ponto de partida para essa posio foi a publicao, no sculo

    19, do livreto de William Carey, An Enquiry into the Obligation of Christians to Use

    Means for the Conversion of the Heathen (Um estudo sobre o dever dos cristos

    empregarem meios para a converso dos pagos), continuando a ser essa a posio

    predominante entre os evanglicos at hoje, ensinada e estimulada por sermes

    baseados em tradues que apresentam o poreuthentes como o imperativo da Grande

    Comisso. Os discpulos tinham de sair de Israel e incluir os gentios em suas

    preocupaes evangelsticas. Isso sem dvida eles deveriam fazer, mas autores que

    defendem essa interpretao chegam a omitir inteiramente o matheteusate (fazei discpulos) em favor de poreuthentes (indo, que para eles ide).

    (2) Uma segunda posio a respeito do lugar e importncia de poreuthentes na

    ordem de Jesus enfatiza matheteusate (fazei discpulos). Essa interpretao resultou da crtica feita posio acima e ao seu

    entendimento de misso, que hipertrofiou o particpio s custas do imperativo. Na

    verdade, sustentaram esses crticos, um particpio sempre sintaticamente subordinado ao verbo principal,4 no podendo nesse caso ter fora de imperativo, no sendo ide, mas indo, tendo ido ou quando forem. A nfase dever estar no fazei discpulos.

    (3) Uma terceira posio a respeito do lugar e importncia de poreuthentes na

    ordem de Jesus minimiza o ide inteiramente. Seus defensores, como os da posio anterior, tambm rejeitam que

    poreuthentes possua qualquer fora imperativa, mas o particpio acaba desaparecendo

    de sua interpretao. Dessa posio resulta uma definio de cada crente como

    missionrio e de misses mais como atividade local do que distante. Cada crente um

    discpulo e um discipulador. Parece bom, mas eliminar o ir um equvoco que no pode ser biblicamente tolerado. No podemos aceitar a Indstria de Misses das grandes (ou pequenas) agncias missionrias, mas no podemos igualmente ignorar a

    nossa responsabilidade evangelstica em relao a todas as etnias.

    (4) A quarta posio a respeito do lugar e importncia de poreuthentes na

    ordem de Jesus veio corrigir os exageros das posies anteriores.

    Seus defensores reconhecem e demonstram exegeticamente a fora imperativa

    3 Bosma, C. J. Missions and Greek Syntax in Matthew 28.19, in For God so Loved the World, org. por Arie C.

    Leder (Ontrio, Canad: Essence Publishing, 2006), pg. 243 e segs. 4 Idem, pg. 249.

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    de poreuthentes, at porque, sem a obedincia a esse aspecto da Grande Comisso, no

    sero alcanadas todas as naes, preocupao divina exibida no Antigo Testamento (Gn 9.27; Sl 117.1,2; Is 54.2,3).

    Reconhecer a fora imperativa de poreuthentes, porm, no significa, ao

    contrrio do que propunha a primeira posio, reduzir a Grande Comisso ao ide. Ocorre que ele tem em Mateus 28.19 uma funo preparatria e comunica a urgncia de uma tarefa prxima e importante.5 H um mundo inteiro a ser discipulado e os seguidores de Jesus tm de se mexer. Muita gente h para ser alcanada e muito a ser

    ensinado; na verdade, todas as coisas que vos tenho ordenado. Aps a apreciao dessas quatro posies a respeito do lugar e importncia de

    poreuthentes na ordem de Jesus, conclumos que no se pode eliminar o ide da Grande Comisso, mas ela trata principalmente de fazei discpulos. O pregai de Marcos 16.15 aqui ampliado de modo que os crentes em geral tm a responsabilidade

    de, em toda parte, aprender e transmitir os ensinamentos de Jesus. A igreja no pode

    esquecer o ide, uma vez que Jesus determinou que sejam alcanadas todas as naes. O fazei discpulos deve ocorrer em Jerusalm, em toda a Judeia e Samaria e at aos confins da terra (At 1.8).

    O significado do fazei discpulos (matheteusate) Qual o significado de fazer discpulos? Segundo Hendriksen, no se trata de

    fazer convertidos, embora implique isso. Esse comentarista pondera que sendo batizada e sendo ensinada a pessoa se torna um discpulo, com a pressuposio de que,

    com certeza, tal pessoa est pronta para o batismo e desejosa de apropriar-se do

    ensino.6 Algum ensino ocorrer antes do batismo, mas muito mais vir depois, porque, embora o convertido j seja um discpulo, o processo no se completa com o batismo e

    as primeiras instrues. Segundo K. Wegenast, o uso de didasko (ensinar) nos sinticos

    no transmite a ideia de desenvolvimento das habilidades da pessoa, mas sim, de sua instruo sobre como viver; envolve tambm comunicar-lhe pessoalmente ordens

    baseadas na interpretao e declarao da vontade de Deus.7 Isso exige proximidade entre discipulador e discpulo, e demanda tempo. O significado de mathetes (discpulo)

    impede que pensemos em discipular como algo que se possa fazer por meio de contatos

    rpidos e superficiais entre o discipulador e o discpulo. Mathetes um aluno que

    dever estar engajado em um aprendizado que desafia a sua mente, e que parte do

    relacionamento com o mestre.8

    Caractersticas do treinamento de Jesus

    Ele os amou (Jo 15.9)

    Ele os ensinou (Mt 57)

    Ele lhes deu tarefas e os comissionou (Lc 10.1-23; Mt 14.13-21; 15.32-37; 21.1-3; Mc 14.12-16; Mc 16.15)

    Ele lhes deu autoridade, bem como trabalho (Lc 9.1)

    5 Idem, pg. 266. 6 Hendriksen, W. Comentrio do Novo Testamento Exposio do Evangelho de Mateus (So Paulo, SP: Editora

    Cultura Crist, 2001), vol. 2, pgs. 699-705. 7 Wegenast, K. Artigo citado, 763. 8 Rengstorf, K. H. "Mathetes." In Obra citada, pg. 556.

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    Ele passou com eles tempo longe do pblico (Mc 2.15,23; Jo 2.2; 3.22; Lc 9.18)

    Ele reconheceu as suas diferenas e os chamou individualmente (Lc 5.3-11; Jo 1.47)

    Ele lhes serviu de exemplo (Lc 5.29; Jo 4; Lc 6; 9.18)

    Ele orou por eles (Lc 22.32) [Jo 17]

    Ele os encorajou (Jo 16.33)

    Ele os repreendeu (Mt 8.26; Mc 9.33)

    Ele tinha legtimos crculos de intimidade (Mc 5.37; 9.2; 14.33)9

    Ambos, o aprendizado e o relacionamento, so essenciais para se fazer

    discpulos hoje, como o foram para Jesus discipular os doze. Para pastorear e ser um

    discipulador, o pastor no poder ficar escondido no plpito ou em qualquer programa

    ou atividade da igreja. Ele ter de estar com o seu povo e dever abrir-se como fez

    Jesus. Os doze foram chamados para estarem com ele (Mc 3.14) e para ser como ele (Mt 10.25; Lc 6.40), isto , para colocar os seus ensinamentos em prtica, e agora eles

    faro discpulos, ensinando-os a guardar (terein, guardar ou observar) todas as coisas que vos tenho ordenado (Mt 28.20). Precisamente como no caso da lei de Moiss, o evangelho deveria ser obedecido (Dt 4.6). Mero entendimento mental ainda no faz um discpulo. parte do quadro, na verdade uma parte importante, mas apenas parte. A

    verdade ensinada deve ser praticada s ento algum ser verdadeiramente um discpulo de Cristo (Jo 8.31).10

    A importncia do batizando (baptizontes) e do ensinando (didaskontes) no

    discipulado

    No correto limitar o ensinando que juntamente com o batizando caracteriza o discipular ou fazer discpulos apenas pregao do evangelho aos descrentes, que resulta na converso dos eleitos. evidente que o ensino tem lugar

    desde o princpio do processo de discipulado, quando o evangelho apresentado ao

    descrente. Esse ensino, porm, continuar aps a converso, pois Jesus incluiu no

    programa todas as coisas que vos tenho ordenado, tudo o que produzir santo carter, servio vital no mundo e envolvimento na comunidade crist.11 O erudito D. A. Carson pondera que dificilmente pode o Novo Testamento conceber a ideia de um discpulo que no seja batizado nem instrudo;12 para Baxter, todos os cristos so discpulos, alunos de Cristo,13 e a extenso do ensino deve seguir o modelo adotado pelo prprio Jesus. Nosso Mestre ensinou multides, todos os que o seguiram em muitas

    ocasies (Mc 6.34); ele ensinou os setenta, os que foram enviados por ele em uma

    misso de treinamento (Lc 10.1, 17); Jesus ensinou os doze, os que permaneceram

    prximos a ele na maior parte do tempo de seu ministrio (Mc 3.14); e ele ensinou

    Pedro, Tiago e Joo, com os quais privou de momentos especiais e desfrutou de um

    relacionamento mais chegado (Mc 5.37; Lc 9.28-36; Mt 26.37).

    9 Hughes, B. Discipling, Coaching, Mentoring (Eastbourne, UK: Kingsway Communications Ltd, 2003), pg. 18. 10 Hendriksen, W. Mateus, vol. 2, pgs. 701,702. 11 Friedeman, M. Discipling. In Evangelical Dictionary of Christian Education. Org. por Michael J. Anthony (Grand Rapids, MI: Baker Academics, 2001), pg. 209. 12 Carson, D. A. "Matthew". In The Expositor's Bible Commentary. Org. por Frank E. Gaebelein (Grand Rapids, MI:

    The Zondervan Corporation, 1984), vol. 8, pg. 597. 13 Baxter, R. The Reformed Pastor (Lafayette, IN: Sovereign Grace Publishers, 2000), pg. 13.

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    Em nossos dias tem sido enfatizado o discipulado que resulta do relacionamento

    prximo do discipulador com um grupo pequeno. Segundo Friedeman, discipulado

    investimento de pores concentradas de tempo, energia e ateno por um lder de formao espiritual em um nmero relativamente pequeno de alunos para facilitar

    qualidades crists.14 O contato prximo com um grupo menor certamente mais eficaz, mas, pelo que aprendemos da Escritura, no correto limitar o discipular apenas

    ao trabalho com um grupo pequeno, como se no estivssemos discipulando ao ensinar

    grupos maiores (Lc 10.1). Portanto, uma definio mais abrangente de discipulado

    incluir o investimento feito pelo programa de ensino da igreja em sua inteireza, formal,

    no-formal e informal, bem como o tempo, a energia e a ateno dedicados a grupos

    pequenos de crentes. Estes, por sua vez, participaro do discipulado da comunidade

    ensinando na Escola Dominical, dirigindo estudos bblicos ou liderando trabalhos

    diversos.

    O pastor-mestre pastoreia e discipula a sua igreja ensinando-a, assim como

    pastoreia e discipula seu Conselho e possivelmente outros grupos pequenos,i porque,

    como o ensinar caracteriza o discipular, igualmente caracteriza o pastoreio. Em Marcos

    6.34 pode ser vista essa conexo entre pastoreio e ensino. Quando Jesus viu as

    multides, sentiu por elas compaixo, porque eram como ovelhas sem pastor. Jesus

    ento as ensinou. "Expondo estas coisas aos irmos", Paulo aconselha seu discpulo e

    jovem pastor Timteo, "sers bom ministroii de Cristo Jesus" (1Tm 4.6).

    Sozinho, o pastor-mestre no conseguir alcanar e ensinar pessoalmente todos

    os crentes, e certamente no por muitos anos. Mesmo Richard Baxter tido historicamente como um modelo de pastor teve seus auxiliares, tal como tiveram Jesus e Paulo. Por essa razo, adotando o modelo de Jesus e seguindo o conselho de

    Paulo a Timteo, o pastor-mestre transmitir a Palavra a homens fiis e tambm idneos para instruir a outros" (2Tm 2.2), um grupo mais chegado que ele treinar para

    servir a comunidade ensinando, como ele faz. Mas essa ideia de transmisso no

    comeou no Novo Testamento, como veremos a seguir.

    2. O discipulado sob Moiss A expresso fazer discpulos ou discipular traz nossa mente as palavras de Jesus em Mateus 28.19, porm, a ideia de discipulado pode ser encontrada bem mais

    cedo na Bblia. Com algumas diferenas, claro. De acordo com a ideia de discipulado

    desenvolvida no Judasmo, um mestre reunia a seu redor um crculo de discpulos",15 e esse o conceito que encontramos no Novo Testamento. Com esse conceito em mente,

    porque mathetes (discpulo) "no ocorre na tradio estabelecida da LXX"iii

    e porque o hebraico equivalente talmd ocorre apenas em 1 Crnicas 25.8 (na LXX,

    manthanontes), K. H. Rengstorf sustenta que no correto chamar de discpulos um grupo especial do Antigo Testamento para diferenci-lo de todo o povo.16 Ele sustenta que Josu e Eliseu eram assistentes e servos de, respectivamente, Moiss e Elias, no

    eram discpulos. Moiss era ensinado nas casas e mais tarde nas sinagogas (At 15.21), mas todos seguiam o mesmo Deus, no Moiss. A falta de qualquer expresso no

    14 Friedeman, Artigo citado. 15 Mueller, C. Artigo citado, pg. 488. 16 Rengstorf, K. H. "Mathts." In Theological Dictionary of the New Testament. Org. por Gerhard Kittel e Gerhard

    Friedrich. Traduzido e condensado por George Bromiley (Grand Rapids. MI: William B. Eerdmans Publishing

    Company, 1985), vol. 1, pg. 557.

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    Antigo Testamento para aprendiz, tal como descrita na relao professor-aluno, prende-

    se conscincia de Israel de ser um povo eleito.17 Os aprendizes da lei no eram chamados de discpulos de Deus no sentido encontrado no Novo Testamento, e muito

    menos poderiam eles ser chamados de discpulos de Moiss (o que os fariseus do tempo

    de Jesus se denominavam, cf. Jo 9.28) ou de qualquer sacerdote ou profeta do Antigo

    Testamento.

    Ser ento o caso de concluirmos que no se encontra discipulado no Antigo

    Testamento? Se chamarmos de discipular o processo de ensino da Palavra de Deus para

    todos, e se chamarmos discpulos como faz o Novo Testamento em vrias ocasies (cf. At 11.26) todos os seguidores que chegam f e obedincia aps terem ouvido a Palavra, ento encontraremos discpulos e discipulado no Antigo Testamento. O

    Deuteronmio enfatiza a centralidade do ensino e do aprendizado em Israel, Deus

    apresentado como o grande mestre (4.10) e Moiss tinha a responsabilidade de ensinar

    (1.5; 4.14; 6.1). Muito tempo antes das sinagogas se ocuparem disso, os pais receberam

    a ordem de ensinar os seus filhos (Dt 11.19) e os sacerdotes (Dt 33.10) e profetas (Dt

    13.1-5) ensinavam a lei de Deus (2Cr 15.3; 17.6-9; Ed 7.6, 10; Ne 8.1-12; Ml 2.6-8).

    Como veremos a seguir, a preocupao divina com o ensino sempre esteve presente e,

    objetivamente, o ensino da lei foi ordenado por Deus e instrues especficas foram

    dadas aos pais para que instrussem os seus filhos (Dt 6.7). A est o discipulado no

    Antigo Testamento.

    Aprendendo com sinais e com smbolos

    Quando decidiu que era tempo de libertar Israel do Egito, o Senhor chamou

    Moiss e o enviou ao Fara (x 3.10), mas sabia que o Fara haveria de resistir. Deus

    empregaria ento o seu poder para convencer o rei do Egito (x 3.19-20). Os

    prodgios que o Senhor fez foram dez pragas que ensinaram ao Fara, mas tambm aos israelitas, quem era Yahweh. Em xodo 10.1-2 Deus falou a seu servo Moiss sobre

    o Fara, dizendo: Vai ter com Fara, porque lhe endureci o corao e o corao de seus oficiais, para que eu faa estes meus sinais no meio deles, e para que contes a teus

    filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egpcios e quantos prodgios fiz no

    meio deles, e para que saibais que eu sou o SENHOR (meu destaque). Os prodgios operados pelo Senhor foram mais do que milagres realizados para assustar o Fara e

    for-lo a libertar Israel. Foram sinais transmitindo uma mensagem do Senhor ao Fara

    ele deveria ficar sabendo quem era o nico Deus e ao povo da aliana que deveria saber quem era seu Deus pactual , uma revelao sobre Yahweh que deveria ser transmitida aos seus descendentes.

    A mesma preocupao divina com o ensino demonstrada em xodo 12.26, 27.

    Os israelitas agora deixariam o Egito e a escravido para trs. A Pscoa deveria ser

    comida enquanto eles se preparavam para fugir, o anjo da morte ceifava a vida de todos

    os primognitos naquela terra e dentro das casas hebraicas as crianas eram ensinadas

    acerca do significado daquela cerimnia: " o sacrifcio da Pscoa ao SENHOR, que

    passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egpcios e

    livrou as nossas casas. O ritual incorporava um aspecto didtico, de modo que a cada Pscoa havia uma repetio da histria redentiva, chamando a ateno para o fato de

    haver Deus poupado as casas dos israelitas quando ele golpeou os egpcios e comunicou

    17 Mueller, Artigo citado, pg. 485.

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    que cada primognito deveria ser redimido.18 notvel que a pergunta para a resposta acima tenha sido o que isso significa? (NKJV). No se tratava apenas de cumprir rituais, mas de saber e compreender o seu significado para recordar o que Deus havia

    feito, para temer e obedecer ao Senhor. Qual o significado de todo esse cuidado e exatido ao comer esse cordeiro e esse po sem fermento, mais do que todo o cuidado

    com o alimento comum? Por que tal diferena entre essa e as outras refeies?19 Matthew Henry acrescenta a essa observao que bom ver uma criana inquiridora sobre as coisas de Deus; de se esperar que aqueles que tm o cuidado de perguntar a

    respeito do caminho havero de encontr-lo. Faremos melhor, porm, concluindo pelas instrues dadas a Moiss, que responsabilidade dos pais conservar as crianas por

    perto quando realizam as cerimnias ordenadas por Deus, de modo que as crianas

    vejam e perguntem a respeito do significado de tudo aquilo. Os pais judeus ainda

    adotam esse costume em nossos dias, mas Deus no tencionou que esse procedimento

    fosse transformado numa simples formalidade, e sim, que os filhos fossem instrudos de

    modo a relacionar sua vida Histria, onde e quando Deus realizou atos poderosos para

    que pessoas de todas as pocas pudessem conhec-lo. A expresso isto pelo que o SENHOR me fez, quando sa do Egito (x 13.8) enfatiza a importncia do testemunho da primeira gerao aps o xodo, porque aqueles israelitas haviam pessoalmente

    contemplado aqueles prodgios e seus filhos tinham de saber que tais coisas de fato

    aconteceram. O Senhor exige muito deles: Considerai hoje (no falo com os vossos filhos que no conheceram, nem viram a disciplina do SENHOR, vosso Deus), considerai

    a grandeza do SENHOR, a sua poderosa mo e o seu brao estendido ... porquanto os

    vossos olhos so os que viram todas as grandes obras que fez o SENHOR (Dt 11.2, 7). E o Senhor diz ainda: Ensinai-as [as minhas palavras] a vossos filhos (v. 19). As geraes seguintes no poderiam dar testemunho em primeira mo, mas afirmariam a

    Palavra revelada de Deus e, como a primeira gerao, seu testemunho deveria ser parte

    de sua vida: ... ser como sinal na tua mo e por memorial entre os teus olhos, para que a lei do SENHOR esteja na tua boca, pois com mo forte o SENHOR te tirou do Egito (x 13.9). A ideia divina no era que eles deveriam usar filactrios presos no brao esquerdo

    e na fronte, como se tornou tradio mais tarde entre os israelitas religiosos. Mais do

    que isso, eles deveriam conhecer e obedecer ao Senhor. Yahweh que os havia tirado do

    Egito tambm lhes concedera um padro para a vida, de acordo com o qual deveria ser

    pautada a sua conduta. Deveriam conhecer a lei, pratic-la e contar a seus filhos, no

    futuro (amanh, x 13.14), o que o Senhor havia feito por eles. Como diramos agora,

    os pais foram instrudos a discipular os seus filhos.

    Aprender para obedecer e ensinar

    Este livro desafia os pastores de nossos dias por destacar o ensinamento bblico

    que serviu de base para a preocupao discipuladora de Richard Baxter e a nfase desse

    pastor na instruo pessoal, justificando tambm o lugar que Baxter concedeu

    aplicao no processo de ensino. No pode ser diferente conosco, hoje. No que concerne

    aplicao, o pastor deve ser intencional, no casual, porque dos discpulos e alunos

    exigida a obedincia. Desde o comeo, a Palavra de Deus foi ensinada para fazer

    18 Harman, A. M. "Passover." In New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis. Org. por

    Willen A. VanGemeren (Grand Rapids, MI: The Zondervan Corporation, 1997), vol. 4, pg. 1045. 19 Henry, M. Matthew Henry's Commentary's on the Whole Bible (Grand Rapids, MI: Guardian Press, 1976), vol. 1,

    pg. 187.

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    diferena na vida do povo de Deus.

    Em Deuteronmio 4.5-10, Moiss se dirige ao seu povo com a autoridade de um

    mensageiro enviado pelo prprio Deus. A primeira nfase de Moiss foi exatamente em

    que Deus lhe ordenara ensinar a lei ao povo, e ele explica a seguir por que o povo

    deveria aprend-la. Aprender significa o processo pelo qual as experincias passadas do amor de Deus so traduzidas pelos que aprendem em obedincia Torah de Deus.20 O propsito daquela instruo foi que o povo vivesse na terra prometida de acordo com

    a lei. Os preceitos divinos deveriam ser cuidadosamente observados para capacit-los a

    proceder com sabedoria e discernimento e, desse modo, atrair a ateno dos outros

    povos que viviam na terra e que ento reconheceriam que nenhuma outra nao tinha

    deuses to prximos, quando invocados, e nenhuma outra possua estatutos e justos

    preceitos, como os existentes na lei que os israelitas haviam acabado de receber.

    Os israelitas, ento, deveriam ser muito cuidadosos para no esquecer o que

    Deus havia feito em benefcio deles. Ao contrrio, tudo o que tinham visto deveria ser

    ensinado aos seus filhos e netos. Desde o comeo, Deus tencionou que seu povo

    escutasse a sua voz para tem-lo a vida toda, mas, tambm, para ensinar seus filhos a

    fazer o mesmo.

    Em 1660, aps trabalhar em favor da restaurao de Charles II, Baxter preparou-se para

    retornar a Kidderminster e continuar seu trabalho pastoral, mas as autoridades o

    impediram de faz-lo. Isso foi lamentvel, mas ento seus paroquianos mostraram-se

    preparados para continuar o seu trabalho de discipulado, o que, alis, eles j vinham

    fazendo mesmo com Baxter, como Paulo dissera a Timteo que deveria ocorrer (2Tm

    2.2). De acordo com Baxter, pessoas piedosas daquele lugar ... ansiavam pela salvao de seus vizinhos e eram pessoalmente meus assistentes ....21 Eles haviam aprendido a ensinar.

    A ideia de que o povo de Deus deveria conhecer os mandamentos, observ-los e

    ensinar o temor do Senhor para outros particularmente seus filhos de tal modo a afetar a totalidade de sua vida, muito clara em Deuteronmio 6.

    A fidelidade absoluta a Yahweh caracterizada pela recitao do Shema moldava a

    identidade religiosa da criana desde os primeiros anos (6.4-9). O viver ntegro

    era encorajado pelo ensino dos mandamentos (6.9-10), ao mesmo tempo em que a

    identidade nacional e social era solidificada pela recordao da histria israelita

    com Yahweh, feita pelos pais na forma de credo (6.20-25).22

    Como explica Matthew Henry, Deuteronmio 6 ensina que os que amavam o Senhor Deus deveriam fazer o possvel para que os sentimentos de seus filhos se

    envolvessem com ele e assim evitar que fosse desfeita na famlia a herana da

    religio.23 Isso desejariam fazer todos os que amavam o Senhor, esforando-se para ver os filhos guardando em sua mente e em seu corao a lei de Deus, como eles prprios,

    os pais, j faziam. Para conseguir isso, Deuteronmio 6.6 afirma que esses pais

    deveriam ensinar seus filhos enquanto realizavam as tarefas dirias. Momentos formais

    20 Mueller, Artigo citado, pg. 484. 21 Salisbury, V. Richard Baxter: Mere Christian. http://www.pietyhilldesign.com/baxter/pages/bio.html 22 Wilson, G. H. "Education in the Old Testament." In New International Dictionary of Old Testament Theology and

    Exegesis, vol. 4, pg. 560. 23 Henry, Obra citada, vol. I, pg. 438.

  • 9

    deveriam ser separados para esse fim (tu as inculcars a teus filhos, e delas falars assentado em tua casa), mas todas as oportunidades informais e ocasionais tinham de ser tambm aproveitadas e deveramos mesmo dizer ser preparadas ao ar livre (andando pelo caminho), dentro de casa, noite e dia (ao deitar-te, e ao levantar-te). o que Matthew Henry chamou de santo discurso:

    Vocs devem falar sobre essas coisas com a devida reverncia e seriedade, para o

    benefcio no apenas dos seus filhos, mas tambm das outras pessoas na casa,

    seus amigos e companheiros; ao assentarem-se no lar, fazendo algum servio ou

    durante as refeies, descansando ou recebendo visitas; e quando caminharem, no

    lazer, em conversas ou em viagens; ao despedir-se da famlia noite para

    repousar e pela manh ao levantar e retornar de novo ao contato com os

    familiares. Aproveitem todas as ocasies para falar com quem os cerca sobre as

    coisas divinas.24

    No h dvida de que Deuteronmio 6 era um texto muito importante para

    enfatizar o valor do treinamento informal e face a face, mas tudo isso se perderia se os

    israelitas no se organizassem para aproveitar como discipuladores as oportunidades

    que se apresentariam no dia-a-dia. E Deus mesmo encarregou-se de ensin-los a

    planejar essa organizao. Josu nos conta a histria da travessia do Rio Jordo (caps.

    34). Os israelitas deixaram Sitim e vieram at ao Jordo e pousaram ali antes que passassem. Por meio de Josu, Deus deu instrues detalhadas para a travessia dos sacerdotes, a travessia da arca da aliana e do povo, e assim foi feito. Ento, graas manifestao da bondade e do poder de Yahweh, todos alcanaram o seu destino.25 O Senhor determinou que, ao trmino da travessia, doze homens, um de cada tribo,

    retirassem doze pedras do leito do Jordo (4.3). Quando os israelitas alcanaram Gilgal,

    o primeiro local onde acamparam na Terra Prometida, as doze pedras, ainda segundo as

    ordens de Deus, foram erigidas por Josu como memorial e recurso didtico:

    Quando, no futuro, vossos filhos perguntarem a seus pais, dizendo: que

    significam estas pedras?, fareis saber a vossos filhos, dizendo: Israel passou em

    seco este Jordo. Porque o SENHOR, vosso Deus, fez secar as guas do Jordo

    diante de vs, at que passsseis ... Para que todos os povos da terra conheam

    que a mo do SENHOR forte, a fim de que temais ao SENHOR, vosso Deus, todos

    os dias (Js 4.21-24).

    No futuro, jovens descendentes dos israelitas que haviam cruzado o Jordo a p

    enxuto chegariam quele local enquanto se ocupavam de tarefas comuns. Aquele

    monumento haveria de chamar a sua ateno e eles perguntariam: Que significam estas pedras?. Ao responder a pergunta e explicar o que havia acontecido, os paisiv deveriam tambm aproveitar a oportunidade para contar aos seus filhos sobre a drenagem do Mar

    Vermelho, que ocorrera quarenta anos antes da travessia do Jordo, colocando desse

    modo as misericrdias de Deus em sua correta perspectiva e reavivando sua gratido

    por elas. Uma oportunidade informal de ensino nos relacionamentos pessoais dirios,

    mas Deus a havia planejado cuidadosamente e seu povo deveria aproveit-la.v

    24 Idem. 25 Allen, L. C. The New International Commentary of the Old Testament. Org. por Robert L. Hubbard, Jr. The Books

    of Joel, Obadiah, Jonah and Micah (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1976), pg. 368.

  • 10

    Uma ordem sem alternativa

    Ensinar a lei gerao seguinte deveria ser encarado como um compromisso. Cada pai e

    cada me deveriam fazer suas as palavras de Asafe:

    Abrirei os lbios em parbolas e publicarei enigmas dos tempos antigos. O que

    ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, no o encobriremos a

    seus filhos; contaremos vindoura gerao os louvores do SENHOR, e o seu

    poder, e as maravilhas que fez. Ele estabeleceu um testemunho em Jac, e

    instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus

    filhos, a fim de que a nova gerao os conhecesse, filhos que ainda ho de nascer

    se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes; para que

    pusessem em Deus a sua confiana e no se esquecessem dos feitos de Deus, mas

    lhe observassem os mandamentos; e que no fossem, como seus pais, gerao

    obstinada e rebelde, gerao de corao inconstante, e cujo esprito no foi fiel a

    Deus (Sl 78.2-8).

    A responsabilidade dos pais era, primeiro, com Deus. As palavras que nos contaram nossos pais (v. 3) eram a Palavra de Deus, porque foi ele quem estabeleceu um testemunho em Jac, e instituiu uma lei em Israel (v. 5). A responsabilidade dos pais era tambm com os seus prprios pais, pois a seus filhos, isto , crianas desta gerao, mas descendentes daqueles ancestrais, os pais de agora deveriam ministrar o

    treinamento na Palavra (v. 4), filhos que aqueles ancestrais no teriam mais condies

    de ensinar como haviam fielmente feito com a gerao do salmista. A responsabilidade

    dos pais, porm, era tambm para com os seus prprios filhos, todos aqueles a quem

    eles podiam comunicar a mensagem, como fora ordenado por Deus desde o comeo,

    quando a lei foi comunicada aos israelitas cujos pais no a haviam conhecido, uma

    gerao obstinada e rebelde, gerao de corao inconstante, e cujo esprito no foi fiel a Deus (v. 8). O Senhor ordenara que Israel ensinasse seus filhos a colocar em Deus a sua confiana e no se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os

    mandamentos (v. 7). Era uma responsabilidade estabelecida por Deus. Em alguns momentos, os israelitas deram a impresso de haver realmente

    aprendido que era foroso ensinar a lei a seus filhos. Josu 22.21-34 conta sobre a

    construo de um altar no lado leste do Jordo pelos filhos de Rben, os filhos de Gade e a meia tribo de Manasss, e como os israelitas das outras tribos lhes pediram explicaes sobre o propsito daquela iniciativa, que parecia uma tentativa de duplicar o

    local de culto ordenado por Deus e rebeldia contra o Senhor (v. 16, 29). E a explicao

    foi:

    Fizemos por causa da seguinte preocupao: amanh vossos filhos talvez diro a

    nossos filhos: que tendes vs com o SENHOR, Deus de Israel? Pois o SENHOR ps

    o Jordo por limite entre ns e vs ... e assim bem poderiam os vossos filhos

    apartar os nossos do temor do SENHOR. Pelo que dissemos, preparemo-nos,

    edifiquemos um altar, no para holocausto, nem para sacrifcio, mas, para que

    entre ns e vs e entre as nossas geraes depois de ns, nos seja testemunho, e

    possamos servir ao SENHOR ... e para que vossos filhos no digam amanh a

    nossos filhos: No tendes parte no SENHOR (v.24-27).

  • 11

    Infelizmente, porm, essa preocupao com os descendentes no continuou.

    Serviu, pois, Israel ao SENHOR todos os dias de Josu e todos os dias dos ancios que ainda sobreviveram por muito tempo depois de Josu e que sabiam todas as obras feitas

    pelo SENHOR a Israel (Js 24.31). Ao morrer, porm, Josu e a sua gerao, outra gerao aps eles se levantou, que no conhecia o SENHOR, nem tampouco as obras que

    fizera a Israel (Jz 2.10). Ento eles deixaram o SENHOR e foram-se aps outros deuses e os adoraram, e provocaram o SENHOR ira. ... Depressa se desviaram do caminho por onde andaram seus pais na obedincia dos mandamentos de SENHOR; e no

    fizeram como eles (Jz 2.12, 17). Vrios sculos no futuro, Israel seria intimado a julgamento por sua infidelidade

    e Deus lembraria a ele o que no podia ter sido esquecido (Mq 6.1-8). Num cenrio

    pactual foram convocados montes e outeiros que haviam servido de testemunhas quando a lei foi repetida (Dt 4.25-26; Is 1.2). O povo de Deus foi relembrado de que

    Deus os libertara da escravido no Egito, providenciara-lhes liderana, com a sua

    bno os protegera da maldio e, muito importante, proporcionara-lhes recursos para

    que no se esquecessem de todas essas bnos e nesse ponto Miqueias refere-se passagem de Sitim a Gilgal e travessia do Jordo, que terminou com o levantamento

    de uma coluna de doze pedras retiradas do rio , mas as comunicassem aos seus filhos: Povo meu, lembra-te, agora, do que maquinou Balaque, rei de Moabe, e do que

    lhe respondeu Balao, filho de Beor, e do que aconteceu desde Sitim at Gilgal,

    para que conheas os atos de justia do Senhor (Mq 6.5).

    Agora, porm, Israel no mais sabia o que devia saber, porque algum ao longo

    do caminho e muitos na verdade no havia obedecido a Deus e deixara de transmitir a instruo do Senhor. O povo haveria de sofrer por causa do fracasso dos

    que tinham a responsabilidade de ensin-lo. O profeta Jeremias avisou: Os sacerdotes no disseram: Onde est o SENHOR? E os que tratavam da lei no me conheceram, os

    pastores prevaricaram contra mim, os profetas profetizaram por Baal e andaram atrs de

    coisas de nenhum proveito. Portanto, ainda pleitearei convosco, ainda com os vossos

    filhos pleitearei (Jr 2.8,9). Jeremias viu em seus prprios dias o sofrimento causado por mestres que no haviam ensinado a lei, porm, mesmo ento eles eram ensinados pelo

    prprio Senhor, que, como um pai, castiga aqueles que ama (Dt 8.5; 11.2; 2Sm 7.14 f.).

    Quando o povo de Deus abandona a tarefa de discipular, a divina preocupao com o

    ensino e com a instruo no cessa.

    i Convm que o pastor-mestre no fique ocupado demais. Ser aconselhvel que ele discipule o Conselho da Igreja e

    os professores da Escola Dominical, alm talvez de mais um grupo estratgico. Juntamente com o seu to importante

    programa de pregao, isso j ser trabalho suficiente, com aconselhamento e tarefas administrativas que sempre

  • 12

    cairo em seu colo. E os Conselheiros (presbteros) e os professores da Escola Dominical discipularo outros grupos

    e outros indivduos na igreja. ii Paulo emprega aqui a palavra diakonos porque, como pastor, Timteo haveria de servir a igreja, e a serviria bem

    instruindo o rebanho. iii Traduo grega do Antigo Testamento. iv Que no apenas os pais (homens) faziam isso no dia-a-dia aprendemos de Provrbios 1.8: "Filho meu, ouve o

    ensino de teu pai e no deixes a instruo de tua me" (cf. 6.20). A palavra usada para instruo o hebraico "torah", do verbo ensinar. Essa expresso refere-se usualmente lei de Deus, que uma me fiel ensinaria a seus

    filhos, e que aqui uma expresso paralela de ensino de teu pai (Cf. Wright, Christopher J. H. "'b." In New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis. Org. por Willen A. VanGemeren. Grand Rapids,

    MI: The Zondervan Corporation, 1997, vol. 1, pg. 220). v O prprio Deus aproveitou uma oportunidade informal para transmitir a seu povo esse recurso mnemnico.