Disciplina: O conceito de resiliência · Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE NEUROCIÊNCIAS E CIÊNCIAS DO COMPORTAMENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MENTAL LÍVIA LOOSLI Depressão materna e o perfil de socialização de meninos e meninas em idade escolar RIBEIRÃO PRETO-SP 2011

Transcript of Disciplina: O conceito de resiliência · Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala...

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRO PRETO

    DEPARTAMENTO DE NEUROCINCIAS E CINCIAS DO COMPORTAMENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE MENTAL

    LVIA LOOSLI

    Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em

    idade escolar

    RIBEIRO PRETO-SP

    2011

  • LVIA LOOSLI

    Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em

    idade escolar

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de

    Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para a

    obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Sade Mental.

    Orientadora: Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro

    RIBEIRO PRETO - SP

    2011

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE

    TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS

    DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao da Publicao

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo

    Loosli, Lvia

    Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade

    escolar / Lvia Loosli; orientadora Sonia Regina Loureiro - Ribeiro Preto, 2011.

    106 f.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-graduao em Sade Mental. rea

    de concentrao: Sade Mental) - Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo.

    1. Depresso. 2. Mes. 3. Gnero e sade. 4. Comportamento infantil.

  • FOLHA DE APROVAO

    Nome: LOOSLI, Lvia

    Ttulo: Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade escolar.

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de

    Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para a

    obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Sade Mental.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________

    Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________

    Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________

    Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________

  • DEDICATRIA

    minha famlia, que fundou em mim a base para o que sou hoje.

    A todas as mes e crianas que colaboraram para a realizao deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    minha orientadora, Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro, pela oportunidade de aprendizado

    constante que sempre me proporcionou, pela dedicao, disponibilidade e apoio em todos os

    momentos da elaborao deste trabalho e pelo exemplo de competncia e seriedade que muito

    me ajudou a me tornar a profissional que hoje sou.

    psicloga Fernanda Aguiar Pizeta, pela generosidade em compartilhar os dados de seu

    trabalho para a realizao deste estudo.

    Profa. Dra. Maristela Schaufelberger Spanghero, Profa. Dra. Ana Maria Pimenta

    Carvalho e Profa. Dra. Maria Beatriz Martins Linhares pelas valiosas contribuies no

    Exame Geral de Qualificao, que muito me ajudaram para a melhoria deste trabalho.

    Ao Geraldo Cssio dos Reis, pela ajuda quanto anlise estatstica.

    A todas as mes e crianas participantes deste estudo que disponibilizaram seu tempo e

    partilharam momentos de suas vidas.

    s minhas queridas amigas, Fabiana, ngela, Melodi e Ana Paula, pela convivncia sempre

    carinhosa e compreensiva.

    Adriana Borges Tanns de Souza, pela escuta sempre atenta e sensvel, ajudando-me a

    pensar, amadurecer e me tornar uma pessoa melhor.

    minha famlia, especialmente minha me, meu pai e meus irmos, que sempre me

    incentivaram, apoiaram e acreditaram no meu potencial.

    Ao Luiz, meu querido e amado companheiro, por fazer parte da minha vida e ser sempre to

    presente apesar da distncia.

  • (...) No, no tenho caminho novo.

    O que tenho de novo

    o jeito de caminhar (...)

    Thiago de Mello

  • RESUMO

    LOOSLI, L. Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade

    escolar. 2011. 106 f. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto,

    Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.

    A depresso materna tem sido considerada uma condio de adversidade ao desenvolvimento

    infantil, observando-se quanto ao gnero peculiaridades e uma diversidade de achados em

    relao ao comportamento, psicopatologia e ao perfil de socializao de crianas que

    convivem com a depresso materna. Objetivou-se: a) caracterizar o perfil de socializao de

    crianas em idade escolar que convivem com a depresso materna recorrente, identificando

    recursos e dificuldades relativos ao desempenho escolar e ao comportamento; b) comparar

    grupos separados pelo gnero; c) correlacionar desempenho escolar e comportamento. Foram

    avaliadas 40 dades me-filho, tendo as mes diagnstico sistematicamente avaliado de

    Transtorno Depressivo Recorrente, e as crianas, com idades entre sete e 12 anos, foram

    distribudas em dois grupos diferenciados pelo gnero: G1-20 meninos e G2-20 meninas. As

    crianas foram identificadas a partir da seleo das mes atendidas em servios pblicos de

    Sade Mental da cidade de Ribeiro Preto - SP. Para a seleo dos participantes foram

    utilizados: a Entrevista Clnica e Estruturada para o DSM-IV (SCID), para confirmao

    diagnstica das mes; e o teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala

    Especial, para avaliao cognitiva das crianas e excluso de dficit intelectual. Procedeu-se a

    avaliao do comportamento infantil por meio do Questionrio de Capacidades de

    Dificuldades (SDQ) respondido pelas mes, e do desempenho escolar por meio do Teste de

    Desempenho Escolar (TDE) realizado pelas crianas. Os instrumentos foram aplicados

    segundo as recomendaes tcnicas e as avaliaes foram realizadas em sesses individuais.

    Os dados foram codificados segundo as proposies dos instrumentos. Para a anlise

    procedeu-se comparao entre os grupos diferenciados pelo gnero em relao s variveis

    desempenho escolar e comportamento e, na dependncia da distribuio das variveis,

    utilizaram-se os testes de Mann Whitney, do Qui-Quadrado, Exato do Qui-quadrado, Exato de

    Fisher, Anlise de Regresso Logstica Bivariada e Correlao de Spearman, adotando-se o

    nvel de significncia p 0,05 em todas as comparaes. Em relao ao desempenho escolar,

    no foram observadas diferenas significativas entre meninos e meninas. Aproximadamente

    metade do total de crianas apresentou dificuldades, principalmente relacionadas s

    habilidades aritmticas, e apresentaram indicadores de recursos nos domnios escrita e leitura.

    No que se refere ao comportamento, 42,5% do total de crianas apresentou dificuldades

    comportamentais, observando-se diferena estatisticamente significativa entre os gneros em

    relao aos sintomas emocionais, com 80% das meninas apresentando indicadores de

    prejuzos nesta escala em comparao a 50% dos meninos. Para o grupo das meninas foram

    identificadas correlaes negativas entre desempenho escolar e comportamento. Conclui-se

    que as crianas expostas depresso materna recorrente apresentam dificuldades escolares e

    comportamentais independentemente do gnero, sendo que as meninas mostraram-se mais

    vulnerveis do que os meninos em relao aos problemas emocionais relativos a queixas

    somticas e de insegurana, prprias de comportamentos internalizantes, no diferindo dos

    meninos quanto aos comportamentos externalizantes, os quais apresentaram mais recursos

    para lidar com tal adversidade. Considera-se que tais dados podem contribuir para o

    planejamento de intervenes teraputicas diferenciadas para meninos e meninas em idade

    escolar que convivem com a depresso materna, com especial ateno para as meninas.

    Palavras-chave: depresso, mes, gnero e sade, comportamento infantil.

  • ABSTRACT

    LOOSLI, L. Maternal depression and the socialization profile of school-age boys and

    girls. 2011. 106 f. Dissertation (Master) Faculty of Medicine of Ribeiro Preto, University

    of So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.

    Maternal depression has been considered a condition of adversity on child development,

    observing regarding gender peculiarities and diversity of findings in relation to behavior,

    psychopathology and the socialization profile of children living with maternal depression.

    This study aimed to: a) characterize the socialization profile of school-age children living with

    recurrent maternal depression, identifying resources and difficulties related to academic

    performance and behavior; b) compare groups separated by gender; c) correlate school

    performance and behavior. Were evaluated 40 mother-child dyads, with mothers diagnosis

    systematically assessed of recurrent depressive disorder, and children aged between seven and

    12 years, were divided into two groups differentiated by gender: G1- 20 boys and G2-20 girls.

    Children were identified by the selection of mothers in treatment at public mental health

    services in Ribeiro Preto - SP. For the selection of participants were used: Structured and

    Clinical Interview for DSM-IV (SCID) for diagnostic confirmation of mothers, and the

    Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial test, for cognitive assessment of

    children and exclusion of intellectual deficit. Proceeded with the evaluation of child behavior

    through Strenghts and Difficulties Questionnaire (SDQ) completed by the mothers, and

    school performance through the Teste de Desempenho Escolar (TDE) performed by children.

    The instruments were applied according to technical recommendations and evaluations were

    conducted in individual sessions. Data were coded according to the propositions of the

    instruments. For the analysis proceeded to compare the groups differentiated by gender for

    school performance and behavior and, depending on the distribution of variables, were used

    the tests Mann Whitney, Chi-square, Exact Chi-square, Fisher Exact, Bivariate Logistic

    Regression Analysis and Spearman Correlation, adopting a significance level p0.05 for all

    comparisons. In relation to school performance, there were no significant differences between

    the profile of boys and girls. Approximately half of all children had difficulties, especially

    those related to arithmetic skills, and presented resource indicators in writing and reading

    areas. With regard to behavior, 42.5% of children had behavioral difficulties, observing a

    statistically significant difference between genders in relation to emotional symptoms, with

    80% of girls presenting indicators of losses on this scale compared to 50% boys. For the

    group of girls were identified negative correlations between school performance and behavior.

    Concludes that children exposed to recurrent maternal depression have difficulties on school

    performance and behavioral regardless of gender, and girls were more vulnerable than boys in

    relation to emotional problems related to somatic complains and insecurity, prevailing in

    internalizing behaviors, not differing from boys with regard to externalizing behaviors, which

    had more resources to deal with such adversity. It is considered that such data can contribute

    to the planning of different therapeutic interventions for school age boys and girls living with

    maternal depression, with special attention to girls.

    Key-words: depression, mothers, gender and health, child behavior.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Percurso amostral ............................................................................................... 42

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a

    variveis scio-demogrficas das mes e famlias .................................................................. 51

    Tabela 2. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a

    variveis clnicas das mes ...................................................................................................... 53

    Tabela 3. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a

    variveis demogrficas referentes idade e escolaridade das crianas ................................... 54

    Tabela 4. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto

    avaliao cognitiva (Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Escala

    Especial), classificao em percentil ....................................................................................... 55

    Tabela 5. Comparaes entre grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto ao

    desempenho escolar (Teste de Desempenho Escolar - TDE) segundo a escolaridade e a

    idade, classificado como Sem Dificuldades e Com Dificuldades ........................................... 56

    Tabela 6. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a

    avaliao do comportamento (Questionrio de Capacidades e Dificuldades - SDQ),

    classificado como Sem Dificuldades e Com Dificuldade ....................................................... 58

    Tabela 7. Comparaes entre grupos diferenciados pelo gnero das crianas em relao

    aos itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades (SDQ) que

    apresentaram diferenas significativas quanto ao comportamento ......................................... 60

    Tabela 8. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a

    escolaridade materna e o escore total da Escala de Sintomas Emocionais do Questionrio

    de Capacidades e Dificuldades (SDQ), e como varivel dependente o gnero das crianas .. 61

    Tabela 9. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a

    escolaridade materna e os itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades

    (SDQ) que apresentaram diferena significativa, e como varivel dependente o gnero das

    crianas .................................................................................................................................... 62

    Tabela 10. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a

    idade materna e o escore total da Escala de Sintomas Emocionais do Questionrio de

    Capacidades e Dificuldades (SDQ), e como varivel dependente o gnero das crianas ........ 63

    Tabela 11. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a

    idade materna e os itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades

    (SDQ) que apresentaram diferena significativa, e como varivel dependente o gnero das

    crianas ..................................................................................................................................... 64

    Tabela 12. Correlaes significativas entre o desempenho escolar (TDE) e as dificuldades

    comportamentais (SDQ) para os grupos de meninos e meninas ............................................. 65

  • SUMRIO

    I) INTRODUO ................................................................................................................. 12

    1.1) Desenvolvimento infantil e a abordagem da psicopatologia do desenvolvimento. .......... 13

    1.2) O perodo escolar e as tarefas de desenvolvimento........................................................... 16

    1.3) Depresso materna e seu impacto para crianas em idade escolar. .................................. 19

    1.4) Depresso materna e as diferenas de gnero de crianas em idade escolar. ................... 26

    II) OBJETIVOS ...................................................................................................................... 34

    III) MTODO ......................................................................................................................... 36

    3.1 - Aspectos ticos ................................................................................................................. 37

    3.2 Participantes .................................................................................................................... 38

    3.2.1 - Processo de seleo dos participantes ....................................................................... 38

    3.3 Instrumentos .................................................................................................................... 42

    3.4 - Procedimento .................................................................................................................... 46

    3.4.1 - Coleta de dados ......................................................................................................... 46

    3.4.2 - Tratamento dos dados................................................................................................ 47

    3.4.2.1 Codificao ............................................................................................................ 47

    3.4.2.2 - Anlise dos dados ................................................................................................... 48

    IV) RESULTADOS ................................................................................................................ 49

    4.1- Caracterizao da amostra ................................................................................................. 50

    4.2- Indicadores de desempenho escolar e comportamento das crianas- comparao entre

    grupos diferenciados pelo gnero. ............................................................................................ 55

    4.3- Correlaes entre o comportamento e o desempenho escolar das crianas. ..................... 65

    V) DISCUSSO ...................................................................................................................... 67

    5.1- Caracterizao do perfil de socializao de crianas em idade escolar ............................ 68

    5.2- Indicadores de desempenho escolar e comportamento comparao entre grupos

    separados pelo gnero. .............................................................................................................. 72

    5.3- Correlaes entre o desempenho escolar e comportamento de crianas ........................... 79

    5.4- Hipteses, limites e alcances do estudo ............................................................................ 80

    VI) CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................... 84

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 86

    ANEXOS ................................................................................................................................. 97

  • I) INTRODUO

  • Introduo | 13

    A introduo do presente trabalho ser constituda por quatro tpicos. No primeiro

    sero abordadas consideraes relativas ao desenvolvimento infantil sob a perspectiva terica

    da psicopatologia do desenvolvimento. No segundo tpico discorrer-se- sobre o perodo

    escolar e as tarefas tpicas de desenvolvimento. O terceiro abordar a depresso materna e seu

    impacto para crianas em idade escolar. E no quarto e ltimo tpico ser abordada a questo

    das diferenas de gnero entre escolares expostos depresso materna.

    1.1) Desenvolvimento infantil e a abordagem da psicopatologia do desenvolvimento.

    O desenvolvimento humano um processo complexo e contnuo que ocorre entre o

    indivduo em crescimento e seu meio ambiente durante todo o ciclo vital. Tal processo

    envolve mudanas em vrios domnios, tais como, fsico, cognitivo e psicossocial. Estes

    domnios ou dimenses encontram-se inter-relacionados, influenciando-se mutuamente, sendo

    que em cada fase ou estgio do ciclo de vida assumem caractersticas especficas, prprias das

    tarefas de desenvolvimento tpicas daquele perodo. Na infncia as mudanas no

    desenvolvimento so mais aparentes, caracterizando extensas aquisies que influenciaro os

    prximos perodos de vida (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).

    O estudo cientfico do desenvolvimento humano sob diferentes abordagens tericas

    tem por objetivo descrever, explicar e prever os comportamentos e suas mudanas que podem

    assumir caractersticas adaptativas ou de dificuldades (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).

    Dentre as diversas abordagens tericas que se ocupam do estudo cientfico do

    desenvolvimento humano, destacar-se- as proposies de Bronfenbrenner a respeito da teoria

    ecolgica. Nesta abordagem, o processo de desenvolvimento considerado como bidirecional

    e caracterizado pela reciprocidade na interao entre o meio ambiente e o indivduo, que

    considerado ativo neste processo. A concepo de meio ambiente ampliada por meio do

    conceito de meio ambiente ecolgico, um sistema composto por quatro estruturas

    socialmente organizadas, cada uma contida na seguinte: o microsistema, considerado como

    padro de atividades, papis e relaes interpessoais vivenciado pelo indivduo em um

    determinado ambiente com caractersticas especficas; o mesossistema, constitudo pelas

    inter-relaes entre dois ou mais microssistemas nos quais o indivduo participa ativamente; o

    exosistema, referente a ambientes que afetam a pessoa indiretamente, apesar desta no ter

    participao ativa no mesmo; e o macrossistema, que se refere s sub-culturas ou culturas

  • Introduo | 14

    onde vive o indivduo (BRONFENBRENNER,1996). Tal perspectiva leva em conta a

    complexidade de interaes interpessoais, temporais e espaciais.

    Com pressupostos semelhantes quanto a considerar os processos dinmicos e contnuos, a

    Psicopatologia do Desenvolvimento destaca-se como um campo cientfico interdisciplinar que

    visa investigar o interjogo entre os aspectos biolgicos, psicolgicos e sociais e como tais

    processos favorecem o desenvolvimento normal e atpico durante o ciclo vital. Para essa

    abordagem terica e emprica o foco central se coloca nas trajetrias desenvolvimentais e em

    como estes diversos caminhos podem levar a comportamentos adaptativos ou desadaptativos,

    postulando que as mudanas so influenciadas por eventos e fatores ambientais, assim como pelas

    caractersticas individuais e pelo significado particular atribudo s experincias (TOTH;

    CICCHETTI, 2010; CICCHETTI; TOTH, 2009; BEE, 2003).

    Tal abordagem prope para o entendimento das trajetrias de desenvolvimento alguns

    conceitos bsicos como risco, proteo, adversidade, estressor, vulnerabilidade e resilincia,

    os quais sero abordados de forma breve, a seguir.

    Os fatores ou eventos que ameaam o curso normal do desenvolvimento so

    conceituados como riscos, sendo que a presena de tal condio implica em elevada

    probabilidade de conseqncias negativas ou indesejadas no futuro (MASTEN; GEWIRTZ,

    2006). Os fatores de risco constituem-se em caractersticas identificveis e mensurveis para

    um grupo de indivduos ou para seu contexto, sendo associados a conseqncias negativas,

    no podendo ser confundidos com a complexidade dos mecanismos de risco, que so

    processos que ligam os riscos s suas conseqncias, destacando-se que um fator de risco

    isolado, no necessariamente implicar em patologia (YUNES; SZYMANSKI, 2001).

    Em contraposio ao risco se colocam os fatores de proteo ao desenvolvimento,

    conceituados como recursos e qualidades do indivduo, do contexto ou da interao destes que

    se relacionam a conseqncias positivas, particularmente em situaes de risco ou

    adversidade, podendo alterar a trajetria desviante do desenvolvimento. As adversidades

    relacionam-se s condies ambientais, experincias repetidas ou permanentes que interferem

    ou ameaam a realizao de modo apropriado das tarefas desenvolvimentais, favorecendo

    efeitos negativos significativos para a adaptao, envolvendo mltiplos estressores.

    Considera-se estressor, uma experincia temporria ou evento transitrio que opera na medida

    em que sobrecarrega ou excede os recursos adaptativos da pessoa, podendo levar a efeitos

    negativos quanto adaptao do indivduo ou outros sistemas, como a famlia (MASTEN;

    GEWIRTZ, 2006; WRIGHT; MASTEN, 2006).

  • Introduo | 15

    Outros conceitos que desempenham papel central para a Psicopatologia do

    Desenvolvimento so os de vulnerabilidade e resilincia. A vulnerabilidade refere-se

    predisposio individual a desordens e conseqncias negativas e ocorre na presena de risco

    ou adversidade, de modo que tais susceptibilidades potencializam os efeitos dos estressores e

    impedem o desenvolvimento satisfatrio do indivduo (YUNES; SZYMANSKI, 2001;

    WRIGHT; MASTEN, 2006). Segundo Bee (2003), as vulnerabilidades podem ser inatas, ou

    surgirem durante o desenvolvimento. Como condies de vulnerabilidade biolgica pode se

    destacar as anormalidades fsicas, trauma ou m nutrio pr-natal, a exposio a doenas in

    utero, o nascimento pr-termo e a tendncia a um temperamento difcil. Como condies de

    vulnerabilidade que acompanham o desenvolvimento pode-se exemplificar o apego inseguro

    na infncia inicial e, ao longo do ciclo vital, a exposio a ambientes de extrema pobreza.

    Em contrapartida, a resilincia conceituada como a capacidade de superao de crises e

    adversidades, segundo Yunes (2003). Mais recentemente, os estudos relativos resilincia vm

    focando no s o indivduo, mas os recursos da rede relacional dentro da famlia e da

    comunidade, como condies que favorecem o enfrentamento das crises de maneira ativa,

    conseguindo super-las no de forma invulnervel, mas com aquisies que em um processo

    dinmico podem ser experienciadas de maneira diversa por diferentes pessoas (YUNES, 2003).

    A literatura aponta que a pesquisa emprica em resilincia relativamente recente,

    sendo observadas variaes na definio deste constructo e no uso de tal terminologia. Luthar,

    Cicchetti e Becker (2000) chamam a ateno para a importncia de se considerar a resilincia

    como um processo dinmico que envolve adaptao positiva num contexto de adversidade, e

    no como uma qualidade ou trao individual da pessoa. No mesmo sentido, muitos estudos

    levam em conta mltiplos indicadores ao invs de um nico, considerando-se que a resilincia

    pode se apresentar em alguns domnios de funcionamento e em determinados perodos de vida

    da pessoa, mas no necessariamente nos outros (RUTTER, 2006; MASTEN; REED, 2002;

    LUTHAR; CICCHETTI; BECKER, 2000).

    O processo de resilincia depende do peso relativo dos riscos a que o indivduo est

    submetido, dos fatores de proteo e dos seus recursos pessoais disponveis para o

    enfrentamento das adversidades, sendo essencial considerar-se a quantidade de eventos

    estressores a que a pessoa est exposta (BEE, 2003; RUTTER; SROUFE, 2000).

    As investigaes relativas resilincia no campo da Psicopatologia do

    Desenvolvimento podem acrescentar conhecimentos sobre os processos adaptativos e

    desadaptativos que ocorrem durante o desenvolvimento, podendo tambm proporcionar

    informaes importantes no sentido da preveno e promoo de sade mental, por meio da

  • Introduo | 16

    identificao de indicadores de recursos e competncias que podem ser utilizados em

    programas de intervenes e nas propostas de polticas pblicas de sade (CICCHETTI;

    TOTH, 2009; MASTEN; REED, 2002).

    Para que ocorra a resilincia so necessrias duas condies: a presena de uma

    situao adversa ao desenvolvimento e indicadores de uma adaptao satisfatria frente a tal

    ameaa. Para se avaliar a qualidade desta adaptao, pode-se utilizar critrios como a ausncia

    de patologia, a realizao de tarefas de desenvolvimento prprias ao perodo e o bem estar

    subjetivo do indivduo (WRIGHT; MASTEN, 2006).

    Para os objetivos deste estudo, abordar-se- nos dois prximos tpicos, respectivamente: a)

    os indicadores de adaptao satisfatria ou positiva para a realizao das tarefas de desenvolvimento

    prprias do perodo escolar, o qual pelas suas particularidades tem um papel relevante para o

    desenvolvimento da criana no que diz respeito produtividade e a socializao; e b) a convivncia

    com a depresso materna como situao de adversidade ao desenvolvimento infantil.

    1.2) O perodo escolar e as tarefas de desenvolvimento

    Definem-se como parmetros para as tarefas desenvolvimentais, as expectativas de uma

    sociedade quanto aos padres de desempenho dos indivduos em diferentes reas da vida durante

    o estgio de desenvolvimento em que se encontram, podendo variar de acordo com a cultura, o

    gnero e o contexto histrico (WRIGHT; MASTEN, 2006). Por meio deste conjunto de critrios

    possvel avaliar o ajustamento do indivduo frente s demandas da sociedade, identificando-se a

    presena de adaptao positiva ou de dificuldades nas trajetrias de desenvolvimento, tendo por

    referncia o momento especfico do ciclo vital e as tarefas esperadas para aquele perodo, sendo

    que tais tarefas so tpicas para cada fase desenvolvimental.

    Para as crianas que se encontram no perodo escolar, que se inicia aos seis ou sete

    anos e se estende at os 12 anos de idade, a realizao das tarefas prprias desta fase se

    expressa por meio de dois domnios especficos, a saber: a) a aprendizagem escolar e o

    desempenho acadmico; e b) a capacidade de socializao e de estabelecimento de

    relacionamentos de amizade com seus pares, caracterizando assim, a adaptao ao ambiente

    escolar e s regras da famlia e da sociedade. Nessa faixa etria, que corresponde ao incio da

    escolarizao formal e da alfabetizao, a criana encontra-se voltada realizao de tarefas

    intelectuais e sociais, experimentando a necessidade de aprender com os adultos e de mostrar-

    se competente e com capacidade produtiva (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).

  • Introduo | 17

    Erikson (1976) situou entre seis e 12 anos a crise evolutiva decorrente do desafio entre

    a produtividade versus inferioridade, na qual a criana deve aprender as habilidades

    produtivas valorizadas em sua cultura ou enfrentar sentimentos de inferioridade. Em tal fase, a

    criana adquire reconhecimento social por meio de sua produtividade, que nas sociedades

    industrializadas, exercida primordialmente no mbito escolar, como preparao para

    ingressar e produzir no mundo adulto.

    O sucesso diante das tarefas escolares, neste perodo, proporciona criana um senso

    de competncia, ou seja, uma percepo de si mesma como capaz de realizar tarefas

    utilizando certas habilidades (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009). Por outro lado,

    situaes de fracasso podem favorecer dificuldades relacionadas ao autoconceito, auto-

    estima e ao senso de auto-eficcia da criana, que por sua vez podem promover o

    desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento, em decorrncia do impacto

    das percepes e avaliaes negativas que fazem sobre si mesmas. Em contrapartida,

    problemas scio-emocionais e comportamentais prvios podem levar a dificuldades escolares.

    A co-ocorrncia de dificuldades emocionais e de comportamento e queixas escolares um

    fenmeno reconhecido na literatura, embora permaneam questionamentos quanto direo

    causal dessa associao (MARTURANO; LOUREIRO, 2003; SANTOS, 2006).

    As associaes entre dificuldades comportamentais e acadmicas foram estudadas por

    Bandeira et al. (2006) que identificaram correlaes entre habilidades sociais, problemas de

    comportamento e dificuldades de aprendizagem em crianas de 1. a 4. srie do ensino

    fundamental de duas escolas pblicas e uma particular de uma cidade de mdio porte do

    interior de Minas Gerais. Os autores apontaram que quanto menor o nvel de habilidades

    sociais dos estudantes, maior a ocorrncia de problemas de comportamento, maior a presena

    de dificuldades de aprendizagem e menor o grau de competncia acadmica dos alunos.

    As dificuldades emocionais, comportamentais e de desempenho acadmico

    identificadas no perodo escolar, se no forem consideradas e receberem intervenes

    adequadas, podem favorecer prejuzos nas prximas etapas do ciclo vital. Neste sentido,

    Masten et al. (2005), em um estudo longitudinal abrangendo um perodo de 20 anos e iniciado

    com crianas entre oito e 12 anos, constataram que problemas externalizantes identificados na

    infncia prejudicaram o desempenho escolar na adolescncia, o que por sua vez contribuiu

    para a emergncia de problemas internalizantes no incio da idade adulta. J os problemas

    internalizantes identificados na infncia no foram preditores de dificuldades escolares na

    adolescncia, sendo mais relacionados a dficits no funcionamento social, segundo os autores.

  • Introduo | 18

    Os problemas comportamentais externalizantes so aqueles nos quais os desvios de

    comportamento so dirigidos para o meio, incluindo hiperatividade, impulsividade,

    agressividade, manifestaes anti-sociais e comportamento ameaador, de oposio e desafio.

    J os problemas internalizantes, envolvem as manifestaes emocionais, como a depresso, a

    ansiedade e os transtornos alimentares, nos quais os desvios se configuram como voltados

    para o indivduo (BEE, 2003).

    O ingresso na escolarizao formal constitui-se como um ponto de transio importante

    que proporciona criana diversas experincias e desafios. A motivao para o enfrentamento

    dessas experincias tambm est sujeita s influncias do ambiente familiar, que pode contribuir

    para a promoo do desenvolvimento ou como fator de risco para as crianas.

    Recursos do ambiente familiar tais como, suporte para o desenvolvimento e

    aprendizagem, interao pais-filho prxima e amigvel, clima emocional positivo no lar e

    prticas educativas adequadas podem afetar diretamente o desempenho escolar e a motivao

    da criana em relao escolaridade. O nvel socioeconmico da famlia e a escolaridade

    materna tambm so relacionados positivamente com o desempenho escolar da criana, j que

    podem promover recursos tais como o estabelecimento de rotinas para organizao da vida

    familiar e um maior acesso a brinquedos, livros e atividades de cultura e lazer

    (MARTURANO; FERREIRA, 2004). Por outro lado, famlias com elevados ndices de

    conflito, que utilizam prticas educativas coercitivas e punitivas e com vnculo afetivo frgil

    entre pais e filhos aumentam o risco para o desenvolvimento de problemas emocionais e

    comportamentais alm de dificuldades escolares (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).

    Neste sentido, Ferreira e Marturano (2002) desenvolveram estudo com objetivo de

    identificar, em crianas com dificuldade de aprendizagem encaminhadas para atendimento

    psicolgico, associaes entre problemas de comportamento e variveis do ambiente familiar.

    Foram avaliadas 67 crianas entre sete e 11 anos que foram divididas em dois grupos: com e

    sem problemas de comportamento. Os resultados apontaram que as crianas com problemas

    de comportamento acabam recebendo mais suspenso na escola e tm seu ambiente de

    desenvolvimento mais prejudicado, seja pela presena de mais eventos adversos, seja pelo

    menor acesso a recursos favorecedores do desenvolvimento. Dentre as adversidades, foram

    identificados mais indicadores de instabilidade familiar, prticas educativas com uso de

    ameaa e agresso fsica e relacionamento distante ou conflituoso com os pais.

    Em concordncia a tais achados Ferriolli, Marturano e Puntel (2007) identificaram

    associao entre variveis do contexto familiar e o risco para problemas emocionais e

    comportamentais em crianas de seis a 12 anos, cadastradas em um Programa Sade da

  • Introduo | 19

    Famlia. Os resultados apontaram que o estresse materno mostrou-se associado a problemas

    de sade mental das crianas e, por outro lado, todos os indicadores de estabilidade ambiental,

    tais como rotina diria com horrios definidos e maior acesso a atividades para preencher o

    tempo livre, foram relacionadas ausncia de tais problemas, sendo consideradas variveis

    protetoras para as crianas.

    Outro fator importante a ser considerado o relacionamento da criana com seus

    pares, pois o contato com os colegas no contexto da aprendizagem acadmica intenso. Criss

    et al. (2002), em um estudo com 585 famlias de crianas ingressando na pr escola,

    concluram que os relacionamentos positivos com pares no contexto escolar podem agir como

    fator protetor na predio de problemas de comportamento externalizantes de crianas que

    vivem num ambiente familiar adverso, envolvendo baixo nvel socioeconmico, alto estresse

    familiar, conflitos conjugais violentos e prticas parentais educativas coercitivas e punitivas.

    Os autores apontam que a qualidade positiva de socializao e adaptao da criana no

    ambiente escolar pode agir como moderador na relao entre adversidade familiar e

    problemas comportamentais externalizantes, o que pode implicar tambm em conseqncias

    positivas para o rendimento acadmico da criana.

    Pode-se considerar deste modo, que o interjogo entre as diversas variveis do

    ambiente familiar, do contexto escolar e da prpria criana, com suas caractersticas

    individuais, pode influenciar o perodo do ciclo vital em que se encontra, levando a uma

    adaptao positiva ou negativa considerando-se as tarefas de desenvolvimento, sendo que tais

    processos podem exercer influncia tambm nas etapas posteriores de sua trajetria de vida.

    Buscar-se- neste estudo, descrever o perfil de socializao de crianas em idade

    escolar com base na realizao das tarefas de desenvolvimento tpicas desta fase, frente a uma

    condio reconhecida como fator de risco ao desenvolvimento infantil, ou seja, o convvio

    com o transtorno psiquitrico na famlia, mais especificamente, com a depresso materna, que

    ser abordada no prximo tpico.

    1.3) Depresso materna e seu impacto para crianas em idade escolar.

    De acordo com a Classificao estatstica Internacional de Doenas e problemas

    relacionados sade 10. reviso (CID-10) publicada pela Organizao Mundial de Sade

    (OMS, 2008), a depresso um transtorno mental no qual h significativa alterao do humor

    ou afeto. Est freqentemente associada incapacitao funcional e prejuzo na qualidade de

  • Introduo | 20

    vida, em razo de sua sintomatologia caracterizada por tristeza, apatia, reduo da energia,

    perda de interesse nas atividades, diminuio da capacidade de concentrao, fadiga,

    alteraes no apetite e no sono, culpabilidade, diminuio da auto-estima e da autoconfiana.

    Estudos epidemiolgicos em pases ocidentais apontam que a prevalncia anual da

    depresso na populao geral varia de trs a 11%, sendo um dos transtornos mentais mais

    freqentes, caracterizando-se, na maioria dos casos, pela recorrncia e cronicidade, pois a taxa

    de reincidncia da depresso alta, com cerca de 80% de pacientes tratados devido a um

    episdio depressivo apresentando uma nova crise ao longo da vida, com mdia de quatro

    episdios (FLECK et al., 2009; ANDRADE; VIANA; SILVEIRA, 2006).

    No que se refere ao Brasil, o levantamento epidemiolgico realizado na cidade de So

    Paulo apontou uma prevalncia de episdios depressivos de 7% ao ano, e 17% durante o

    curso de vida do indivduo, sendo que as mulheres tm maior probabilidade que os homens de

    apresentarem depresso (ANDRADE et al., 2002). Dados semelhantes foram encontrados no

    estudo realizado na cidade de Petrpolis, Rio de Janeiro, que apontou prevalncia de 37% de

    transtornos mentais em pacientes atendidos num Programa de Sade da Famlia, sendo a

    depresso o distrbio mais freqente (45%), com prevalncia de 6,5% ao ano e 13,5% ao

    longo da vida (FORTES, VILLANO, LOPES, 2008).

    A depresso atinge principalmente as mulheres, numa proporo duas a trs vezes

    maior do que os homens, sendo comprovadamente a doena que mais causa incapacitao em

    mulheres, tanto em pases desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. observada

    maior vulnerabilidade das mulheres a sintomas ansiosos e depressivos, principalmente

    associados ao perodo reprodutivo. As mulheres casadas parecem mais susceptveis a

    apresentarem depresso do que as solteiras, sendo que a idade de incio situa-se entre 20 e 40

    anos, com mdia de 27 anos, e sua freqncia tende a elevar-se com o aumento da idade

    (ANDRADE; VIANA; SILVEIRA, 2006; ANGST et al., 2002; JUSTO; CALIL, 2006;

    LIMA, 1999).

    A faixa etria de maior ocorrncia do incio dos sintomas depressivos coincidente

    para as mulheres com a idade frtil, onde tm a possibilidade de tornarem-se mes ou mesmo

    de j terem seus filhos. A recorrncia deste transtorno ao longo da vida para as mulheres/mes

    pode trazer implicaes diversas para o exerccio da maternidade, para a interao entre me-

    criana e para o ambiente familiar.

    Uma caracterstica importante a ser considerada nos estudos sobre depresso materna

    a recorrncia e cronicidade deste transtorno, fazendo com que os filhos convivam por mais

    tempo num ambiente de estresse crnico, o que favorece a presena de maiores dificuldades

  • Introduo | 21

    para o ajustamento da criana, no sentido de que quanto maior o nmero de episdios

    depressivos, piores so as conseqncias para as crianas (LUOMA et al., 2001).

    Diversos estudos ressaltam que a convivncia das crianas com pais que apresentem

    problemas de sade mental, incluindo a depresso, configura-se como condio pouco

    favorecedora ao desenvolvimento infantil (ELGAR et al., 2007; LEWINSOHN; OLINO;

    KLEIN, 2005; VITOLO et al., 2005; KAHN; BRANDT; WHITAKER, 2004; ANSELMI et

    al., 2004). A necessidade de compreenso do impacto especfico do transtorno psiquitrico

    materno para o desenvolvimento das crianas relevante tendo em vista que, na maioria das

    culturas a me exerce o papel principal de cuidadora dos filhos, sendo a sua presena

    considerada de fundamental importncia para a promoo do desenvolvimento da criana.

    Nesta perspectiva, problemas de sade mental maternos, especificamente a depresso, podem

    trazer impacto negativo para diversos domnios do funcionamento infantil, por meio de

    complexos mecanismos (GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et al., 2004b).

    Dentre tais mecanismos, os biolgicos podem exercer influncia, sendo que as

    crianas filhas de mes com depresso encontram-se em situao de maior risco para

    desenvolver este transtorno do humor devido transmisso hereditria e predisposio

    gentica, aumentando a vulnerabilidade para o desenvolvimento da depresso em comparao

    aos descendentes de mes sem tal psicopatologia (GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et

    al., 2004b). Em um estudo com gmeos aos sete e oito anos de idade, Lau et al. (2007)

    identificaram que os fatores genticos podem ser preditores moderados para o

    desenvolvimento de sintomas depressivos nos filhos de mes com depresso, sugerindo que

    tais riscos biolgicos associados presena de eventos de vida negativos aumentam a

    probabilidade de ocorrncia de tal psicopatologia na criana.

    Considerando ainda os fatores biolgicos, os filhos de mes depressivas podem

    apresentar disfunes nos mecanismos neuroregulatrios que interferem no processamento da

    regulao emocional e podem aumentar a vulnerabilidade para o desenvolvimento da

    depresso (GOODMAN; GOTLIB, 1999). Motta, Lucian e Manfro (2005) em uma reviso

    sobre a influncia da depresso materna para o desenvolvimento neurobiolgico da criana,

    destacaram diversos estudos que identificaram a presena de alteraes no nvel de cortisol,

    no sistema nervoso vegetativo e no eixo hipotlamo-pituitria-adrenal, bem como assimetria

    frontal no eletro-encefalograma de crianas filhas de mes com depresso ps-parto, em

    diversas fases do desenvolvimento. Confirmando tais evidncias, Forbes et al. (2006), com

    base em um estudo emprico, identificaram associao entre assimetria frontal no eletro-

    encefalograma e problemas de comportamento internalizantes e externalizantes de crianas

  • Introduo | 22

    filhas de mes com depresso, considerando tal assimetria como um bom marcador

    fisiolgico sobre as dificuldades de regulao afetiva e comportamental dos filhos de mes

    deprimidas.

    Alm dos aspectos biolgicos, os mecanismos psicossociais devem ser considerados

    no interjogo entre fatores inatos e ambientais. Nesta perspectiva, as mes depressivas podem

    expor seus filhos a comportamentos, afetos e pensamentos negativos ou desadaptados, e

    convivncia em um ambiente onde predomina a hostilidade, desesperana e humor disfrico

    (GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et al., 2004b). Alm destes fatores, as mes

    deprimidas podem demonstrar menor disponibilidade para o contato, podendo afastar-se

    afetivamente de seus filhos. Neste sentido, Shaw et al. (2006) identificaram que as mes com

    diagnstico clnico confirmado de depresso demonstraram menor responsividade s emoes

    negativas de seus filhos, sendo observada maior negligncia por parte das mes em relao

    tristeza e ao medo apresentado pelas crianas.

    A sintomatologia depressiva pode interferir nos cuidados e nas prticas educativas

    parentais, que por sua vez, podem favorecer problemas comportamentais nas crianas, como

    apontaram Herwig, Wirtz e Bengel (2004), ao identificarem que a depresso materna pode

    contribuir para uma maior disfuno nos cuidados oferecidos pela me criana, interagindo

    negativamente com problemas de comportamento infantil. Neste mesmo sentido, Foster et al.

    (2008) apontaram relao negativa significativa entre depresso materna e quantidade de

    controle parental exercido no lar, de maneira que quanto maior a recorrncia de episdios

    depressivos da me, menor o controle exercido por ela.

    Em concordncia com tais achados, Elgar et al. (2004a) identificaram que as mes

    com relato de mais cansao e ansiedade demonstraram mais dificuldades de comunicao

    com seus filhos e em disciplin-los. Os autores apontaram que a depresso materna,

    juntamente com fadiga, raiva e ansiedade foram preditores de problemas de hiperatividade,

    impulsividade e desateno nas crianas, sendo observada relao temporal e influncia

    mtua entre humor materno e comportamento disruptivo da criana.

    Os sintomas depressivos maternos podem tambm afetar o funcionamento familiar, o

    que por sua vez, exerce influncia sobre o ajustamento da criana, numa relao de

    reciprocidade (ELGAR, 2004b). Em um estudo emprico, McCarty e McMahon (2003)

    identificaram associao entre depresso materna e dificuldades no ambiente familiar. Os

    autores apontaram que as mes depressivas apresentaram comunicao pobre e pior

    relacionamento com os filhos, maior insatisfao com o suporte social e ocorrncia de mais

    eventos estressantes na famlia, sendo que a influncia familiar negativa aumentava o risco

  • Introduo | 23

    para o desenvolvimento de psicopatologia nas crianas. Corroborando tais achados, Park et al.

    (2008) identificaram que um ambiente familiar negativo, caracterizado por conflitos,

    hostilidade, controle coercitivo e rgido, no engajamento e distanciamento afetivo parental,

    foi associado com depresso em mes e crianas.

    A depresso materna pode afetar tambm as relaes conjugais, influenciando o

    ambiente familiar em que a criana se desenvolve. Neste sentido, Low e Stocker (2005)

    identificaram que hostilidade e conflitos maritais de pais com humor depressivo foram

    associados hostilidade na relao dos pais e mes para com seus filhos, o que por sua vez foi

    relacionado a problemas internalizantes e externalizantes das crianas. Na mesma direo de

    tais achados, Whiffen, Kerr e Kallos-Lilly (2005) constataram que mes deprimidas relataram

    pior qualidade no relacionamento conjugal e demonstraram menos cuidados e suporte

    emocional aos filhos, relacionando a baixa qualidade no relacionamento conjugal a um

    aumento de estresse por parte da criana.

    Outro aspecto a ser considerado o perodo de desenvolvimento em que a criana se

    encontra quando exposta depresso materna, principalmente a ocasio do primeiro episdio.

    De acordo com Elgar et al. (2004b) e Goodman e Gotlib (1999), nos primeiros anos de vida, a

    psicopatologia materna parece comprometer mais a interao me-filho, em razo do

    estabelecimento de um apego inseguro, o que influencia as etapas subseqentes do

    desenvolvimento da criana. No perodo pr-escolar, Goodman e Gotlib (1999) apontaram

    que a depresso materna pode comprometer o suporte necessrio para prover a criana com

    conhecimentos para a aquisio de linguagem emocional e socializao que facilite os

    relacionamentos com os pares e outros adultos. Para as crianas em idade escolar, os referidos

    autores apontaram o comprometimento quanto proviso de suporte social e ajuda no

    enfrentamento de estressores, podendo ocorrer dificuldade da me no auxlio criana para a

    manuteno do foco nos ambientes cognitivo/intelectual e social e tambm para monitorar o

    comportamento do filho com disciplina consistente e adequada.

    Em uma recente reviso da literatura, Mendes, Loureiro e Crippa (2008) analisaram

    estudos empricos relativos ao impacto da depresso materna para a sade mental de crianas

    em idade escolar, relatando que independentemente dos delineamentos, os resultados

    demonstraram o impacto negativo que tal psicopatologia materna exerce para a sade mental

    dos filhos, favorecendo a presena de problemas de comportamento, psicopatologia infantil,

    rebaixamento cognitivo, prejuzos no auto-conceito, no desempenho social e na regulao

    emocional das crianas, independente do momento da primeira exposio depresso

    materna, configurando-se assim, como fator de risco ao desenvolvimento infantil.

  • Introduo | 24

    Em relao ao comportamento, diversos estudos apontam a presena de problemas

    tanto internalizantes quanto externalizantes em crianas que convivem com a depresso

    materna (FOSTER et al., 2008; MOWBRAY et al., 2005; LEVE; KIM; PEARS, 2005). Por

    outro lado, os sintomas depressivos maternos podem influenciar no relato de mais problemas

    de comportamento para as crianas, de maneira que a percepo das mes pode estar

    distorcida em funo de sua sintomatologia, levando a um exagero no relato materno sobre as

    dificuldades de seus filhos (NAJMAN et al., 2000; NAJMAN et al., 2001).

    Em um estudo brasileiro, Mian et al. (2009) investigaram o perfil comportamental e o

    auto-conceito de crianas em idade escolar que convivem com a depresso materna, em

    comparao a crianas filhas de mes sem histria psiquitrica, tendo por fonte de

    informaes tanto as mes quanto as crianas. As autoras constataram que as crianas que

    convivem com a depresso materna foram apontadas por suas mes como tendo mais

    problemas de comportamento em comparao ao grupo controle. No que diz respeito auto-

    percepo das prprias crianas, aquelas que convivem com a depresso materna relataram

    auto-conceito mais negativo na rea relativa ao comportamento do que o grupo controle,

    confirmando a associao entre depresso materna e problemas de comportamento das

    crianas segundo ambas as fontes de relato.

    Outro ponto a ser destacado diz respeito regulao emocional. Em geral as mes

    depressivas so menos responsivas aos estados afetivos de seus filhos, o que pode influenciar

    a adaptao das crianas e o desenvolvimento da competncia de regulao emocional das

    mesmas, ou seja, a capacidade de modular ou regular as prprias emoes. Silk et al. (2006a)

    compararam as estratgias de regulao emocional utilizadas por crianas filhas de mes com

    depresso a um grupo controle. Os filhos de mes deprimidas demonstraram maior utilizao

    de espera passiva ou foco na fonte de estresse, alm de apresentarem dificuldades em se

    distrair ativamente mudando o foco de sua ateno durante a espera de um objeto prometido.

    As dificuldades em regular as prprias emoes podem implicar em conseqncias como

    dificuldades de socializao, depresso, ansiedade e problemas de comportamento para as

    crianas.

    Tais dificuldades comportamentais e de regulao emocional podem promover o

    desenvolvimento de psicopatologias por parte das crianas. Dentre os estudos sobre

    psicopatologia infantil, destaca-se o de Pilowsky et al. (2006) que verificaram a prevalncia

    de transtornos psiquitricos em crianas filhas de mes com depresso. Os autores observaram

    que 34% das crianas avaliadas apresentavam alguma desordem psiquitrica, sendo 10% de

    depresso infantil. Entre as crianas com diagnstico de depresso, 50% apresentaram

  • Introduo | 25

    comorbidade com transtorno de ansiedade e 31% com problemas de conduta. Ressaltaram que

    as crianas filhas de me deprimidas possuem maior risco para uma variedade de dificuldades

    comportamentais e emocionais, sendo tal risco elevado na presena de comorbidades alm da

    depresso materna.

    Por outro lado, o risco para problemas emocionais e comportamentais em filhos de

    mes deprimidas pode ser reduzido em funo da melhora aps tratamento das mes.

    Weissman et al. (2006) verificaram que a melhora dos sintomas depressivos das mes aps

    tratamento medicamentoso foi associada reduo dos sintomas apresentados pelas crianas,

    ao controlar variveis socio-demogrficas, caractersticas clnicas da depresso materna e

    status de tratamento da criana. A melhora da sintomatologia da criana, relacionada

    principalmente a comportamento disruptivo, depresso e ansiedade, esteve diretamente

    relacionada ao grau de resposta ao tratamento da depresso apresentada pela me. Os autores

    destacaram a importncia de se considerar a influncia mtua entre sade mental materna e da

    criana, j que observaram que a melhora das crianas tambm surtiu efeito positivo para as

    mes.

    Tal fenmeno bidirecional deve ser considerado tambm em relao s dificuldades na

    relao me-filho, j que o estado depressivo materno pode favorecer a presena de

    problemas comportamentais das crianas, os quais as mes depressivas tero dificuldades de

    manejo, agravando ainda mais os sintomas da me e os problemas da criana, estabelecendo-

    se um crculo vicioso (ELGAR et al., 2004a; ELGAR et al., 2004b). De modo semelhante,

    Gross et al. (2009) identificaram tais processos transacionais entre depresso materna e

    comportamentos disruptivos das crianas e anti-sociais dos adolescentes.

    No que se refere ao desempenho escolar das crianas, os estudos tm constatado

    influncia negativa da depresso materna sobre tal domnio. Ao estudar o impacto da

    depresso materna para o funcionamento psicolgico das crianas, Murray et al. (2006)

    investigaram a associao entre a comunicao pais-filhos durante o suporte para a realizao

    das tarefas escolares e o desempenho escolar, nvel cognitivo e auto-estima das crianas.

    Apontaram que a qualidade da comunicao pais-filhos e o engajamento dos pais durante as

    tarefas escolares foram significativamente associados ao ajustamento escolar, nvel cognitivo

    e auto-estima das crianas. Ressaltaram que as mes costumam se envolver mais do que os

    pais na superviso das atividades escolares de seus filhos, e que a presena da depresso

    materna na vida das crianas em fase escolar mostrou-se associada pobreza no suporte dado

    pelas mes s tarefas escolares realizadas pelos filhos em casa, com mais controle coercitivo,

  • Introduo | 26

    menos suporte emocional e uma comunicao com menos estimulao e motivao para o

    aprendizado.

    No mesmo sentido, Kohl et al. (2000) constataram que a depresso materna foi

    preditora de dificuldades no envolvimento das mes em relao escolaridade dos filhos,

    apresentando associao em cinco dos seis domnios avaliados: envolvimento parental nas

    atividades relacionadas escola, qualidade do relacionamento entre pais e professores,

    percepo do professor sobre a importncia que os pais atribuem educao, envolvimento

    dos pais em casa com as atividades relacionadas escola e aprovao dos pais em relao

    escola. Os autores consideraram a depresso materna como fator de risco para o engajamento

    das mes com as rotinas escolares de seus filhos, sendo que prejuzos neste domnio

    mostraram-se associados a dificuldades acadmicas das crianas.

    Outro estudo que avaliou o funcionamento escolar de crianas expostas depresso

    materna e violncia, tanto domstica quanto na comunidade, foi o de Silverstein et al.

    (2006). Os autores constataram que as crianas expostas apenas depresso materna

    obtiveram escores mdios mais baixos em leitura, matemtica e conhecimentos gerais, alm

    de dificuldades nas habilidades interpessoais. Quando coexistia na mesma famlia depresso

    materna e exposio violncia os resultados apontaram ainda mais prejuzos, denotando que

    o efeito combinado destes dois fatores de risco traz um o impacto mais negativo sobre o

    desempenho escolar e comportamento da criana do que cada fator isoladamente.

    Na mesma direo de tais achados, Essex et al. (2006) constataram que famlias de

    baixo nvel socioeconmico e com mes deprimidas sofrem uma maior exposio a estresse

    crnico, podendo favorecer um padro de desregulao emocional da criana na pr-escola e

    subseqentes dificuldades escolares e sociais no incio da fase escolar, aumentando o risco

    para o desenvolvimento de problemas mais graves posteriormente.

    O impacto negativo da depresso materna tem sido amplamente relatado; destacar-se-

    a seguir algumas peculiaridades associadas ao gnero das crianas expostas a tal transtorno

    materno.

    1.4) Depresso materna e as diferenas de gnero de crianas em idade escolar.

    Nos estudos sobre psicopatologia do desenvolvimento importante atentar para a

    varivel gnero. Tal varivel, essencialmente biolgica, tem tambm uma dimenso

    psicossocial relacionada percepo do indivduo em considerar corretamente o prprio sexo

  • Introduo | 27

    e identific-lo nas outras pessoas, envolvendo diferenas psicolgicas, comportamentais e

    sociais, e no apenas as diferenas fisiolgicas da varivel sexo. A identidade de gnero

    desenvolvida na primeira infncia, aproximadamente entre dois e quatro anos de idade, e

    constitui-se num aspecto importante do desenvolvimento do auto-conceito, envolvendo

    aspectos relacionados tipificao, aos esteretipos e aos papis sociais de gnero. Os papis

    sociais de gnero constituem-se nos comportamentos, habilidades, interesses e traos de

    personalidade considerados apropriados para cada sexo em uma determinada cultura,

    assinalando diferenas entre homens e mulheres. A tipificao de gnero o processo de

    socializao pelo qual a criana aprende a se apropriar dos papeis de gnero, e os esteretipos

    so as generalizaes preconcebidas sobre o comportamento masculino e feminino (BEE,

    2003; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).

    Sob tal perspectiva utilizar-se- a nomenclatura gnero no presente estudo,

    considerando-se suas caractersticas relativas aos aspectos psicossociais, dada a idade das

    crianas estudadas e as peculiaridades do perodo de desenvolvimento em que se encontram,

    caracterizado por uma clara aprendizagem social de papis e interaes.

    No que se refere s diferenas de gnero relativas ao desenvolvimento de crianas em

    geral, a literatura aponta que, durante a fase pr-escolar e nos anos escolares, os meninos

    apresentam significativamente mais problemas de comportamento do que as meninas,

    principalmente distrbios relacionados externalizao, tais como transtorno de conduta,

    oposicional-desafiante, dficit de ateno, hiperatividade e agressividade fsica. J na

    adolescncia, as moas possuem duas vezes mais chances de apresentarem transtornos

    internalizantes tais como depresso, ansiedade e distrbios alimentares em comparao aos

    rapazes (CRICK; ZAHN-WAXLER, 2003; ZAHN-WAXLER; SHIRTCLIFF; MARCEAU,

    2008).

    Em concordncia a tais achados, o estudo de Verhulst et al. (2003), com adolescentes

    provindos de sete pases (Austrlia, China, Israel, Jamaica, Holanda, Turquia e Estados

    Unidos), identificaram que as moas obtiveram escores mais altos para os problemas

    internalizantes e mais baixos para as dificuldades externalizantes em comparao aos rapazes,

    de modo consistente nas diferentes culturas. Na mesma direo de tais evidncias, o estudo

    transcultural de Crijnen, Achenbach e Verhulst (1999), com amostras representativas de 12

    pases (Austrlia, Blgica, China, Alemanha, Grcia, Israel, Jamaica, Holanda, Porto Rico,

    Sucia, Tailndia e Estados Unidos), identificaram que os meninos em idade escolar

    apresentaram escores mais baixos para queixas somticas, depresso e ansiedade, prprias de

    dificuldades internalizantes, e escores mais altos para problemas de ateno, comportamento

  • Introduo | 28

    agressivo e delinqente, indicadores de problemas externalizantes, em comparao s

    meninas.

    Estudos nacionais conduzidos com a populao geral tambm identificaram presena

    de mais problemas comportamentais para os meninos em idade escolar. Assis, Avanci e

    Oliveira (2009), em estudo desenvolvido em So Gonalo, estado do Rio de Janeiro, com 479

    crianas entre seis e 13 anos, identificaram menos competncia social e mais problemas de

    comportamento para os meninos, em comparao s meninas. No mesmo sentido, Vitolo et al.

    (2005) identificaram a presena de mais problemas de hiperatividade para os meninos em uma

    amostra de 454 crianas entre sete e 11 anos de idade, em estudo conduzido em Taubat,

    estado de So Paulo. O estudo de Bandeira et al. (2006) desenvolvido em uma cidade do

    interior de Minas Gerais, tambm identificou maior ocorrncia de problemas

    comportamentais externalizantes para os meninos do que para as meninas, em uma amostra de

    257 alunos de 1. a 4. srie do ensino fundamental.

    No que se refere ao desenvolvimento infantil, considerando-se a exposio ao fator de

    risco da depresso materna, diversos estudos apontam que tal transtorno materno traz

    prejuzos ao comportamento e sade mental dos filhos, porm com diferentes formas de

    manifestao da problemtica, dependendo do gnero da criana. Contudo, a literatura aponta

    para a presena de inconsistncia em relao a tais achados, reconhecendo que meninos e

    meninas diferem no desenvolvimento de problemas comportamentais e apontando para a

    necessidade de mais estudos sobre como tais diferenas so manifestadas em funo do

    gnero (GOODMAN et al., 2011; ELGAR et al., 2004b).

    A maioria dos estudos aponta que os meninos evidenciam mais problemas de

    comportamento externalizantes do que as meninas, que apresentam mais dificuldades

    internalizantes, considerando-se a exposio depresso materna (ESSEX et al., 2003;

    NAJMAN et al., 2001).

    Foster et al. (2008) identificaram forte relao entre a durao do episdio depressivo

    atual da me e problemas de comportamento internalizantes para as meninas e externalizantes

    para os meninos em idade escolar. Jenkins e Curwen (2008) tambm identificaram associao

    entre altos nveis de sintomas depressivos maternos e o aumento dos problemas

    internalizantes para as meninas entre 10 e 14 anos de idade, mas com diminuio destes

    mesmos prejuzos para os meninos, com o passar do tempo.

    Em direo semelhante, o estudo de Silk et al. (2006b), com o objetivo de verificar o

    papel moderador da regulao emocional para problemas de internalizao em crianas filhas

    de me depressivas, apontou que as meninas entre quatro e sete anos de idade apresentaram

  • Introduo | 29

    mais problemas de internalizao e mais emoes negativas do que os meninos. No mesmo

    sentido, Garai et al. (2009) examinaram o papel moderador da sensibilidade das mes na

    relao entre sintomas depressivos maternos e problemas internalizantes e externalizantes de

    crianas entre nove e 15 anos. Os autores apontaram que a sensibilidade materna foi

    considerada fator de proteo para a relao entre depresso materna e sintomas

    externalizantes de crianas de ambos os gneros. Contudo, a sensibilidade materna no foi

    moderadora da relao entre sintomas depressivos maternos e problemas internalizantes para

    o gnero feminino, sugerindo que as meninas expostas depresso materna esto em situao

    de maior risco para apresentarem problemas de comportamento internalizantes em

    comparao aos meninos.

    Outra dimenso estudada alm dos problemas de comportamento est relacionada

    presena de psicopatologias para as crianas. O estudo de Drabick et al. (2006), desenvolvido

    com o objetivo de verificar fatores de risco, incluindo a depresso materna, para problemas de

    conduta e sintomas depressivos em uma coorte de crianas ucranianas entre 10 e 12 anos de

    idade, apontou que tanto para meninos quanto para meninas, os problemas de conduta e os

    sintomas depressivos foram correlacionados positivamente com a depresso materna. Os

    autores identificaram diferenas relativas ao gnero, j que os meninos apresentaram mais

    problemas de conduta, labilidade emocional, problemas de ateno e exposio punio

    materna do que as meninas, que apresentaram mais indicadores de sintomas depressivos e

    melhor comunicao com as mes.

    Tais achados relativos s evidncias de que o gnero masculino apresenta mais

    problemas externalizantes e o feminino mais internalizantes, quando expostos depresso

    materna, no so confirmados por outros estudos. O trabalho de Bureau, Easterbrooks e

    Lyons-Ruth (2009), com objetivo de examinar a relao entre sintomas depressivos maternos

    e sintomas depressivos das crianas, no constatou diferenas entre os gneros aos oito anos

    de idade das crianas, mas na adolescncia, aos 19 anos, identificou mais sintomas

    depressivos para os rapazes do que para as moas, segundo os relatos das prprias crianas e

    jovens.

    Observou-se resultado divergente tambm no estudo de Blatt-Eisengart et al. (2009),

    que detectou predomnio de problemas externalizantes para as meninas na idade escolar. Os

    autores investigaram as diferenas de gnero na relao entre sintomas depressivos maternos

    e problemas de comportamento externalizantes de crianas, utilizando uma amostra

    proveniente da comunidade. Os resultados apontaram que, aos dois anos de idade, a depresso

    materna foi preditora de sintomas externalizantes para os meninos de maneira mais forte do

  • Introduo | 30

    que para as meninas. Esta relao diminuiu para os meninos com o passar do tempo e tornou-

    se mais forte para as meninas, sugerindo que os meninos mais novos, aos dois anos, e as

    meninas mais velhas, aos sete anos, podem ser mais afetados pela depresso materna,

    apresentando problemas de comportamento externalizantes. Os autores concluram que

    meninos e meninas podem ser vulnerveis depresso materna em idades diferentes e de

    formas diversas.

    Com base em uma recente reviso da literatura, que analisou 21 artigos empricos

    identificados nas principais bases de dados indexadas no perodo de 2004 a 2009, Loosli e

    Loureiro (2010) relataram a presena de diferenas entre os gneros em crianas expostas

    depresso materna, sendo observado o predomnio de problemas de comportamento

    externalizantes para os meninos no perodo pr-escolar; dificuldades externalizantes para os

    meninos, e internalizantes para as meninas na fase escolar; e na adolescncia, predomnio de

    problemas internalizantes para as meninas. Tais achados foram constatados na anlise de

    estudos com delineamentos transversais e longitudinais que incluram crianas em idade

    escolar expostas depresso materna.

    Por outro lado, em uma recente metanlise realizada por Goodman et al. (2011) os

    autores relataram que no foram identificadas diferenas entre os gneros quanto aos

    problemas externalizantes de comportamento das crianas. Os autores analisaram 193 artigos

    empricos que incluam a associao entre depresso materna e problemas de comportamento

    e psicopatologia para participantes com idades entre nove dias a 20 anos. Em relao s

    dificuldades internalizantes, os autores relataram uma associao mais forte e significativa

    entre depresso materna e problemas internalizantes de comportamento para as meninas do

    que para os meninos, sendo que tais diferenas no foram especficas para as amostras de

    adolescentes.

    Tais diferenas de achados observadas entre os levantamentos bibliogrficos

    anteriormente citados podem ser explicadas em funo dos diferentes universos de artigos

    includos e analisados em cada um deles e tambm de diferenas entre as metodologias de

    reviso e metanlise. Alm disso, os referidos autores de ambas as revises ressaltaram que ao

    se investigar as diferenas de gnero de crianas que convivem com a depresso materna,

    deve-se tambm considerar as fontes de relato sobre as variveis das crianas, o que nem

    sempre diferenciado nos dados.

    Neste sentido, Gartstein et al. (2009) compararam os relatos de mes e de professores

    sobre o comportamento de crianas, tendo como fonte uma amostra da comunidade. Os

    autores identificaram que o relato de mes e professores foi concordante ao identificar mais

  • Introduo | 31

    sintomas externalizantes nos meninos do que nas meninas. Porm, detectaram distoro no

    relato materno, sendo que quanto maior era o nmero de sintomas depressivos apresentados

    pelas mes, mais problemas internalizantes e externalizantes eram relatados para os meninos,

    e internalizantes para as meninas.

    Em outro estudo de Luoma, Koivisto e Tamminen (2004), realizado com uma amostra

    da comunidade, a comparao teve por foco o relato independente de ambos os pais. Os

    autores verificaram que a depresso materna foi associada a mais problemas comportamentais

    para as crianas, segundo mes e pais, sugerindo que as percepes das mes depressivas

    sobre os problemas de seus filhos foram confirmadas pelos pais. Porm, em relao ao gnero

    observaram diferenas, pois as mes relataram mais problemas externalizantes para os

    meninos e internalizantes para as meninas, em comparao ao relato dos pais.

    Considerando apenas os problemas internalizantes, o estudo de Kiss et al. (2007)

    comparou o relato de mes e filhos em uma amostra de crianas com diagnstico confirmado

    de Transtorno Depressivo Maior, apontando diferenas de gnero segundo o relato das

    prprias crianas, sendo que as meninas relataram mais sintomas depressivos do que os

    meninos. No que se refere ao relato das mes, estas informaram mais sintomas depressivos

    em comparao ao relato dos meninos, no se observando diferenas entre os relatos das mes

    e das filhas. Os autores concluram que mes e filhas tm maior probabilidade de concordar a

    respeito da presena de sintomas depressivos das crianas do que mes e filhos.

    Em relao aos problemas externalizantes, Fossum et al. (2007) compararam o relato

    de mes, pais e professores em uma amostra de crianas com diagnstico confirmado de

    Transtorno de Conduta ou Transtorno Oposicional Desafiante. Os autores no detectaram

    diferenas de gnero de acordo com o relato dos pais e mes, porm identificaram tais

    diferenas segundo o relato dos professores, que perceberam os meninos como

    significativamente mais agressivos e menos competentes socialmente do que as meninas.

    Confirmando tais achados com uma amostra normativa da populao dos Estados

    Unidos, Miner e Clarke-Stewart (2008) investigaram as diferenas na trajetria de

    comportamentos externalizantes das crianas desde os seis meses at os nove anos de idade,

    em funo de variveis preditoras, incluindo a depresso materna. Os autores apontaram

    diferenas de gnero segundo o relato dos professores, que identificaram que os meninos

    exibiram mais problemas externalizantes do que as meninas, aos nove anos. Nenhuma

    diferena de gnero foi observada com relao ao relato das mes, porm estas referiram mais

    comportamentos externalizantes para as crianas do que os professores.

  • Introduo | 32

    Considera-se importante ressaltar que nos trabalhos onde se utilizam mltiplas fontes

    de relato, as discordncias observadas em relao s informaes de pais, mes e professores

    so sugestivas de que as crianas podem apresentar um repertrio comportamental varivel de

    acordo com quem interagem e com o ambiente em que se encontram, o que pode favorecer

    variaes no relato, dependendo das fontes de informaes consideradas.

    Em relao a recursos de socializao, Essex et al. (2006), ao avaliarem problemas

    comportamentais internalizantes e externalizantes em crianas pr-escolares e escolares

    expostas a diversos fatores de risco, incluindo a depresso materna, identificaram apenas

    diferenas entre os gneros relativas a recursos, sendo que as meninas apresentaram mais

    comportamentos pr-sociais do que os meninos durante a transio para a fase escolar,

    sugerindo que a direcionalidade dos sintomas pode estar associada s regras sociais dos

    gneros.

    Em divergncia a tais achados, Hay e Pawlby (2003), no identificaram diferenas

    entre os gneros ao investigarem a associao entre comportamento pr-social das crianas,

    presena de problemas psicolgicos infantis e depresso materna.

    Outros estudos tambm no identificaram diferenas de gnero entre escolares

    expostos depresso materna. Lau et al. (2007) no verificaram diferenas relativas a

    sintomas depressivos relatados por irmos gmeos de ambos os gneros, avaliados aos sete e

    oito anos e expostos a diversos fatores de risco, incluindo a depresso materna. No mesmo

    sentido, Cortes et al. (2006), assim como Bureau, Easterbrooks e Lyons-Ruth (2009), no

    verificaram diferenas relativas a sintomas depressivos relatados por meninos e meninas em

    idade escolar, filhos de mes com depresso. Porm, Cortes et al. (2006) identificaram que as

    diferenas de gnero relativas aos sintomas depressivos comeam a aparecer no incio da

    adolescncia, fase na qual as meninas mostram-se mais vulnerveis ao impacto da depresso

    materna. Tal achado no foi confirmado por Bureau, Easterbrooks e Lyons-Ruth (2009) que

    identificaram mais sintomas depressivos em rapazes aos 19 anos, segundo os relatos dos

    prprios jovens.

    Em relao literatura nacional, apenas um estudo desenvolvido por Bordin et al.

    (2009) abordou a questo das diferenas de gnero na sade mental de crianas expostas a

    diversos fatores de risco, incluindo sintomas depressivos maternos. O objetivo principal do

    estudo foi examinar a relao entre exposio punio fsica severa e problemas de sade

    mental em crianas de seis a 17 anos que viviam em uma rea urbana empobrecida e violenta

    na cidade de Embu no estado de So Paulo. Apesar de no abordar diretamente a associao

    entre depresso materna e diferenas de gnero das crianas, os autores apontaram que os

  • Introduo | 33

    sintomas depressivos e ansiosos das mes foram correlacionados com problemas

    internalizantes e externalizantes para as crianas, e que as meninas apresentaram maior risco

    para problemas internalizantes do que os meninos, sendo que adolescentes de 11 a 17 anos

    apresentaram duas vezes mais chance de apresentarem problemas internalizantes do que

    crianas de seis a 10 anos. Em tal estudo foi utilizada uma amostra da comunidade e no

    houve confirmao diagnstica para a depresso materna, sendo apenas identificados

    sintomas depressivos por meio de instrumento de rastreamento.

    Ao se analisar a literatura, considerando-se as diferenas entre os gneros, observa-se

    peculiaridades e uma diversidade de achados em relao ao comportamento, psicopatologia

    e ao perfil de socializao de crianas que convivem com a depresso materna. Alm disso,

    foi observada escassez de estudos em nosso meio com foco na depresso materna associada s

    diferenas de gnero de crianas em idade escolar. Neste contexto, justifica-se a relevncia do

    presente trabalho, que pretende contribuir para a compreenso do perfil comportamental e de

    socializao das crianas em idade escolar de ambos os gneros, o que poder subsidiar a

    promoo de aes preventivas e de interveno em sade mental para meninos e meninas

    que convivem com a depresso materna.

  • II) OBJETIVOS

  • Objetivos | 35

    O presente estudo teve como objetivos:

    1) Caracterizar o perfil de socializao de crianas em idade escolar que convivem

    com a depresso materna recorrente, identificando os recursos e as dificuldades

    relativos ao desempenho escolar e ao comportamento.

    2) Comparar grupos, separados pelo gnero, de crianas em idade escolar que

    convivem com a depresso materna recorrente, considerando-se o desempenho

    escolar e o comportamento.

    3) Correlacionar os dois domnios das tarefas de desenvolvimento tpicas da idade

    escolar: o desempenho escolar e o comportamento das crianas expostas

    depresso materna recorrente.

  • III) MTODO

  • Mtodo | 37

    Trata-se de um estudo descritivo-comparativo com delineamento transversal, tendo

    por suporte a hiptese que meninos e meninas que convivem com a depresso materna

    recorrente apresentaro dificuldades de comportamento com perfis diferentes. Com base na

    literatura, tem-se por hipteses: a) que para os meninos sero identificados mais problemas

    comportamentais externalizantes, e para as meninas mais problemas internalizantes; b) dada a

    reconhecida associao entre comportamento infantil e desempenho escolar, supe-se que os

    meninos e as meninas que apresentarem dificuldades comportamentais, apresentaro prejuzo

    no desempenho escolar.

    3.1 - Aspectos ticos

    O presente estudo faz parte de um projeto maior intitulado Depresso Materna: Risco

    Psicossocial e Recursos de Proteo para Crianas em Idade Escolar, coordenado pela Profa.

    Dra. Sonia Regina Loureiro. Tal projeto foi apreciado e aprovado pelo Comit de tica em

    Pesquisa da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Ribeiro Preto da Universidade de

    So Paulo (FFCLRP-USP), de acordo com o Processo CEP-FFCLRP n 267/2006.1.1179.59.1

    (Anexo A), tendo como estudo principal o Mestrado da psicloga Fernanda Aguiar Pizeta,

    defendido junto ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da FFCLRP-USP.

    O projeto maior foi tambm apresentado Secretaria de Sade da Prefeitura Municipal

    de Ribeiro Preto, que aprovou sua realizao no Ambulatrio Regional de Sade Mental

    (Anexo B), e Direo Acadmica de Ensino e Pesquisa do Centro de Sade Escola (CSE) da

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (FMRP-USP), que tambm autorizou a coleta de

    dados no Ncleo de Sade Mental do CSE (Liberao de Pesquisa n 002/2007) (Anexo C).

    Na ocasio da aprovao do projeto, as equipes multiprofissionais dos referidos

    servios foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e tambm sobre o incio da coleta

    de dados. Uma cpia do projeto de pesquisa foi disponibilizada aos profissionais sendo

    oferecida a oportunidade para esclarecimento de dvidas sobre o objetivo e a coleta de dados.

    Aps tais trmites, as mes foram identificadas, contatadas e informadas a respeito dos

    objetivos do estudo, bem como da ausncia de prejuzo ou danos decorrentes de sua

    participao e de seu filho(a), alm da possibilidade de desistncia a qualquer momento, sem

    implicaes para seu atendimento clnico, esclarecendo-se que a participao era voluntria.

    Ressaltou-se tambm o compromisso do sigilo em relao s informaes que pudessem

    identific-las. O consentimento foi solicitado mediante assinatura do Termo de

  • Mtodo | 38

    Consentimento Livre e Esclarecido pelas mes, confirmando sua participao e a da criana.

    Foram elaborados dois Termos de Consentimento, um para os usurios do Ambulatrio de

    Sade Mental (Anexo D) e outro para os usurios do Ncleo de Sade Mental do CSE (Anexo

    E).

    Aps a concordncia das mes, as crianas foram convidadas a participarem do estudo

    tambm de forma voluntria, sendo informadas a respeito da ausncia de prejuzos

    decorrentes de sua participao ou desistncia. Ao trmino das avaliaes, foi oferecida

    entrevista devolutiva s mes, conforme o interesse das mesmas, sendo disponibilizadas as

    principais informaes quanto aos recursos cognitivos e de socializao da criana, e quanto

    s dificuldades relativas ao desempenho escolar e comportamento da mesma quando

    presentes, procedendo-se ao encaminhamento e orientao, desde que as mes tivessem

    demonstrado interesse na devolutiva dos dados.

    3.2 Participantes

    Os participantes foram 40 dades mes-crianas. As crianas contavam com idades

    entre sete e 12 anos e residiam com suas mes biolgicas, as quais apresentaram histria

    clnica psiquitrica de depresso recorrente, com diagnstico sistematicamente confirmado.

    As crianas foram distribudas pelo gnero em dois grupos, a saber: G1 - 20 meninos e G2 -

    20 meninas.

    3.2.1 - Processo de seleo dos participantes

    A seleo dos participantes foi realizada conjuntamente pela pesquisadora responsvel

    pelo estudo maior, por uma psicloga e por mais duas estudantes de Psicologia,

    respectivamente bolsistas de Apoio Tcnico e de Iniciao Cientfica (CNPq), tanto no

    Ambulatrio Regional de Sade Mental, quanto no Ncleo de Sade Mental do CSE. A

    mestranda, responsvel pelo presente estudo, participou da seleo dos participantes junto ao

    Ncleo de Sade Mental do CSE.

    Seleo das mulheres/mes com depresso

    Participaram do estudo mulheres com filhos em idade escolar, na faixa dos sete aos 12

    anos de idade. As mulheres/mes estavam na faixa etria de 25 a 45 anos e apresentavam

  • Mtodo | 39

    diagnstico de depresso recorrente, tendo por referncia os critrios da Classificao

    Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade CID 10 (OMS,

    2008), com pelo menos um episdio depressivo moderado (F33.1) ou grave (F33.2/F33.3) nos

    ltimos dois anos, e sem episdios nos ltimos seis meses. Tais mulheres foram ou estavam

    sendo acompanhadas no Ncleo de Sade Mental do Centro de Sade Escola (CSE) da

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP, ou no Ambulatrio Regional de Sade

    Mental da Secretaria Municipal de Ribeiro Preto.

    Foram excludas do estudo mulheres que apresentaram diagnstico de transtorno

    afetivo bipolar (F31), depresso com episdio nico (F32), transtorno depressivo recorrente

    com episdios leves (F33.0), transtorno depressivo recorrente com episdios moderados

    (F33.1) ou graves (F33.2/F33.3) nos ltimos seis meses e mulheres com comorbidade de

    outros transtornos, tais como: esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtornos da

    personalidade e transtornos comportamentais decorrentes do uso de substncias psicoativas,

    de forma a evitar interferncia de outras condies psicopatolgicas alm das associadas

    depresso. As mulheres com depresso e transtornos de ansiedade no foram excludas devido

    a elevada freqncia destas comorbidades.

    A identificao das mulheres/mes foi realizada por meio das informaes do Sistema

    Hygia (sistema informatizado e em rede, utilizado pelos servios de sade na poca da coleta)

    e dos pronturios dos usurios dos servios.

    No Ambulatrio Regional de Sade Mental, por meio do sistema Hygia, foram

    selecionados, em uma primeira etapa, todos os pronturios referentes a pacientes mulheres

    que estiveram ou estavam em tratamento junto a este servio, entre maro de 2004 e maro de

    2006, cujos diagnsticos eram de depresso recorrente, depresso moderada e/ou depresso

    grave. Numa segunda etapa, dentre as mulheres com os referidos diagnsticos, foram

    selecionadas as que estavam na faixa etria de 25 a 45 anos. Em uma terceira etapa, foram

    identificadas com base nos pronturios, aquelas com filhos na faixa etria de sete a 12 anos.

    Na quarta etapa, dentre estas mulheres, foram selecionadas aquelas que tinham diagnstico de

    Transtorno depressivo recorrente, com episdios moderados ou graves nos ltimos dois anos

    de atendimento psiquitrico, mas sem tais episdios nos ltimos seis meses, com o objetivo de

    evitar que a sintomatologia interferisse nas informaes fornecidas.

    No Ncleo de Sade Mental do CSE foram consultados todos os pronturios de

    pacientes ativos no perodo de 2001 a 2008, procedendo-se a seleo conforme a segunda e

    quarta etapas descritas anteriormente. Foi necessrio ainda, neste servio, entrar em contato

  • Mtodo | 40

    com algumas mulheres selecionadas para confirmar se tinham filhos e a idade dos mesmos,

    pois tais informaes no constavam em todos os pronturios pesquisados.

    O levantamento dos pronturios realizado nos dois servios referidos permitiu o

    acesso a informaes sobre a clientela atendida, totalizando 2.626 pronturios pesquisados.

    Tais servios so responsveis atualmente pelos distritos Leste, Sul, Norte e Oeste,

    abrangendo juntos quatro dos cinco distritos de sade mental existentes no municpio de

    Ribeiro Preto. Identificou-se 1921 usurios do gnero feminino (73%) e 705 do masculino.

    Dos 1921 pronturios de mulheres criteriosamente pesquisados, 699 (36%) possuam o

    diagnstico de depresso recorrente (F33), depresso maior moderada (F32.1) ou depresso

    maior grave (F32.2).

    Verificando-se o perfil da clientela atendida com relao idade e presena de filhos

    constatou-se que 323 mulheres (46%) tinham idade entre 25 e 45 anos e 122 destas (37%)

    eram mes com filhos em idade escolar.

    Para a seleo das participantes foi elaborada uma lista numerada aleatoriamente com

    os nomes das 122 mulheres com idade entre 25 e 45 anos, que apresentaram histria de

    depresso e que tinham filhos na faixa etria de sete a 12 anos. A partir desta lista de possveis

    participantes, realizou-se a leitura minuciosa dos pro