Diretrizes para a política de saúde de um governo popular e democrático * de 1987, para...

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Diretrizes para a política de saúde de um governo popular e democrático * Luiz Salvador de Miranda Júnior** *Conferência realizada em janeiro de 1987, para profissionais da área de Saúde Pública, em Recife- PE. **Presidente da Associação Brasi- leira de Psiquiatria. INTRODUÇÃO A ditadura militar, imperante no Brasil, nas duas últi- mas décadas, pode ser designada, sinteticamente, de antipo- pular, pois, dirigida para a exploração desmedida de imenso contingente populacional, favorecendo às chamadas elites representadas por ínfima parcela da população; de antide- mocrática, porque divorciada da vontade da maioria e de antinacional, posto que, promoveu dependência e a desen- freada exploração do povo brasileiro, por empresas e bancos internacionais. À margem disto, generalizou-se a mais desca- rada corrupção. A sem-cerimônia com o interesse coletivo e com a opinião pública tornou fora de moda até a menor preocupação com a aparência de honestidade e de eficiên- cia, na gestão do governo. Este processo político-administrativo resultou, diver- samente, em setores diferentes da vida nacional. Houve ine- gável incremento da economia. Mas a custo de não menos inegável involução das condições de vida e de bem-estar social. O setor saúde terá sido, talvez, o mais prejudicado, dentre aqueles que compõem as agências públicas de pro- moção do bem-estar, no país. A involução sanitária do Bra- sil é um fato incontestável, representando-se pelo incremen- to de doenças evitáveis e pelo ressurgimento daquelas que haviam sido banidas do cenário nosológico nacional. Mais de metade de nossa população padece e paga seu tributo à desnutrição; a malária, a tuberculose, a doença de Chagas, a esquistossomose, a hanseníase, as gratroenterites, as doen- ças venéreas e todo o cortejo de doenças da pobreza apre- sentam índices crescentes. Recrudescem a febre amarela e a filariose. A par disso, crescem, também, aquelas patologias típicas dos países ricos: a obesidade, a arteriosclerose, as neoplasias, o diabetes, as cardiopatias. A incidência de AIDS se acelera, dobrando-se o número de casos novos, a cada dez meses, não sendo incrível que aí conquistemos um campeonato mundial. As doenças mentais são a segunda causa de invalidez e de benefícios previdenciários, acome- tendo a mais de dez, em cada cem brasileiros e, ainda assim, diz-se, inteligentemente, que não se constituem em proble- ma de saúde pública. . .

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Diretrizes para a política de saúde de umgoverno popular e democrático *

Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior**

*Conferência realizada em janeirode 1987, para profissionais daárea de Saúde Pública, em Recife-PE.

**Presidente da Associação Brasi-leira de Psiquiatria.

INTRODUÇÃO

A ditadura militar, imperante no Brasil, nas duas últi-mas décadas, pode ser designada, sinteticamente, de antipo-pular, pois, dirigida para a exploração desmedida de imensocontingente populacional, favorecendo às chamadas elitesrepresentadas por ínfima parcela da população; de antide-mocrática, porque divorciada da vontade da maioria e deantinacional, posto que, promoveu dependência e a desen-freada exploração do povo brasileiro, por empresas e bancosinternacionais. À margem disto, generalizou-se a mais desca-rada corrupção. A sem-cerimônia com o interesse coletivo ecom a opinião pública tornou fora de moda até a menorpreocupação com a aparência de honestidade e de eficiên-cia, na gestão do governo.

Este processo político-administrativo resultou, diver-samente, em setores diferentes da vida nacional. Houve ine-gável incremento da economia. Mas a custo de não menosinegável involução das condições de vida e de bem-estar social.

O setor saúde terá sido, talvez, o mais prejudicado,dentre aqueles que compõem as agências públicas de pro-moção do bem-estar, no país. A involução sanitária do Bra-sil é um fato incontestável, representando-se pelo incremen-to de doenças evitáveis e pelo ressurgimento daquelas que jáhaviam sido banidas do cenário nosológico nacional. Maisde metade de nossa população padece e paga seu tributo àdesnutrição; a malária, a tuberculose, a doença de Chagas, aesquistossomose, a hanseníase, as gratroenterites, as doen-ças venéreas e todo o cortejo de doenças da pobreza apre-sentam índices crescentes. Recrudescem a febre amarela e afilariose. A par disso, crescem, também, aquelas patologiastípicas dos países ricos: a obesidade, a arteriosclerose, asneoplasias, o diabetes, as cardiopatias. A incidência deAIDS se acelera, dobrando-se o número de casos novos, acada dez meses, não sendo incrível que aí conquistemos umcampeonato mundial. As doenças mentais são a segundacausa de invalidez e de benefícios previdenciários, acome-tendo a mais de dez, em cada cem brasileiros e, ainda assim,diz-se, inteligentemente, que não se constituem em proble-ma de saúde pública. . .

A desimportância do setor saúde, na administraçãopública, pode ser aferida, seguramente, por três indicadoresinfalíveis, dentre outros, naturalmente: a maior ou menorfacilidade com que o governante o utiliza como instrumen-to de barganha; o percentual orçamentário que lhe é atri-buído e, efetivamente, liberado e o grau de organização dosetor. Compare-se o setor saúde com o de obras públicas,com o aparelho arrecadador e com o repressivo.

A recuperação do setor saúde e sua transformação eminstrumento capaz de atender às necessidades da população,como um todo, constituem-se em compromisso de todas asforças políticas que se organizaram e cresceram no combateà ditadura militar, inclusive porque ela sucateou o aparelhosanitário e promoveu a insalubridade, contribuindo com ainsatisfação popular e ampliando a oposição.

Daí, a necessidade de um diagnóstico sumário dosproblemas, da ereção de princípios norteadores da ação e daimplementação de propostas que convirjam para o resgatedesta fração da "dívida social", contraída para o povo brasi-leiro.

DIAGNÓSTICO SUMÁRIO

A ampliação e o aperfeiçoamento dos serviços de pro-moção da saúde e de prevenção das condições patológicas ea melhoria das condições de saúde, bem como, as de educa-ção, cultura, moradia e transporte, têm sido a tônica daspromessas de todos os políticos, em períodos pré-eleitorais.A despeito disto, as condições sanitárias da população estãocada vez piores e o sistema de assistência está arruinado edesacreditado.2.1. Fatores que determinaram a involução das condiçõesde saúde do povo brasileiro:2.1.1. política econômica voltada para o privilegiamento

do capital, em detrimento do trabalho, acentuando-se o processo de exploração, tanto no interior da so-ciedade brasileira, quanto na ampliação do processode exploração do país, por grupos financeiros es-trangeiros;

2.1.2. deterioração das condições de trabalho, moradia,transporte, alimentação e lazer;

2.1.3. perda do poder aquisitivo da população assalariada,determinando a piora da nutrição e das condições dehigiene;

2.1.4. notória impunidade de atos desonestos e de violên-cia, tornados modelos de comportamento público;

2.1.5. decrescimento progressivo dos recursos financeirosdestinados aos programas de bem-estar social;

2.1.6. desleixo, pela administração pública direta, em favordas empresas públicas, nas quais o sistema de con-trole favorece desvios e má utilização de recursos.

2.1.7. degradação do sistema de instrução, notadamente,daquele destinado a preparar recursos humanos paraa saúde.

2.2. Fatores que condicionam a baixa qualidade dos servi-ços de promoção de saúde e de prevenção da ocorrência,evolução ou da invalidez.

Os fatores que se reúnem para condicionar a baixaqualidade e o conseqüente descrédito dos serviços sanitáriossão de naturezas variadas e se apresentam, com diferentesintensidades, em cada caso. O trabalho de esquematizá-lose sistematizá-los, se, de um lado, resulta artificioso, tenden-te à supersimplificação e à mecanização, doutro, permiteuma visão global do problema enfocado, que é o que se pre-tende aqui. Tais fatores podem ser ordenados em dois gru-pos: os ideológicos e os político-administrativos.2.2.1. Fatores ideológicos:

a) O conceito de saúde

A primeira controvérsia ideológica, acerca do concei-to de saúde, versa sobre se a saúde é algo natural ou sobre-natural. As concepções de mundo, animatistas, animistas ereligiosas têm como denominador comum a crença de que asaúde de alguém é algo que depende, exclusivamente, de fe-nômenos que se processam fora e além da natureza, dos es-píritos ou da divindade. Foi pelo século IV, antes de nossaera, que o aparecimento do conceito de physis fundamen-tou e se fez essência de toda medicina, a partir de então,dando origem ao conceito de saúde como algo natural, re-sultado da interação dinâmica de fenômenos físicos, quími-cos, biológicos, psicológicos e sociais. A conceituação cien-tífica de saúde, como de resto a concepção científica dequalquer outra dimensão da natureza, é um dado funda-mental da educação geral e da educação para a saúde, emparticular.

A segunda controvérsia importante sobre a conceitua-ção de saúde é posta na contradição entre a compreensão dasaúde, como um bem individual ou um bem coletivo. O en-tendimento da saúde, como um atributo que interessava, so-mente, ao indivíduo que a gozava ou a perdia, foi fruto dacrença em seu caráter mágico-sobrenatural. O conhecimentodos mecanismos de contágio e o avanço no entendimentosobre as doenças transmissíveis e sobre a dinâmica social pu-seram, em xeque, esta crença. A medicina islâmica medie-val, com sua concepção orgânica e biologizada de sociedade,já defendia que a saúde (ou doença) de um, interessa a to-

dos; o que foi reforçado pelo conhecimento de que se al-guém é hipodesenvolvido, inválido ou enfermo, produz me-nos ou nada e consome mais ou tem mais necessidade, con-tribuindo para diminuir a produção de bens e serviços e au-mentar o consumo.

A terceira controvérsia se refere à divergência de opi-niões se a saúde é ou não, direito inerente à cidadania, mas,como esta divergência apresenta um conteúdo que se mesclae depende da conceituação de estado, será posta adiante.

Quarta divergência, e a mais importante, no que se re-fere ao conceito de saúde, é aquela que antepõe duas opi-niões acerca da própria essência do fenômeno saúde: a) umanegativa (porque fundamentada em uma negação), tradicio-nal e influenciada pela visão dualista, sobre naturalista e in-dividualista e que define saúde como ausência de sofrimen-to, enfermidade ou invalidez; b) outra, fundada na concep-ção natural, relaciona a sanidade com o estado de relativasatisfação das necessidades elementares e com a aptidão a seajustar a novas circunstâncias de existência. Daí que, ao me-nos em teoria, hoje, quase todos definem saúde como bem-estar físico, mental e social, vincando a natureza tridimen-sional do homem integral, unidade inseparável de suas di-mensões biológicas, psicológicas e sociais. Tal conceituaçãopode ser criticada por seu caráter impreciso e tendente aoutópico. Impreciso, por que se inicia no conceito de bem-estar como estado de satisfação das necessidades e, ainda,que se possa elencar um conjunto de necessidades como ele-mentares (trabalho, moradia, transporte, vestuário, saúde,educação, lazer, cultura, justiça, etc.), a consciência de taisnecessidades se dá de forma relativa, gerando aspirações eexpectativas decorrentes do conhecimento, das experiênciasanteriores e da comparação com outras pessoas ou grupos.Utópico, porque o ser humano tem necessidades, extrema-mente, plásticas e enorme potencial para criar outras neces-sidades, a partir da satisfação daquelas que o motivaram, an-teriormente; o homem é um animal insatisfeito, o que, pro-vavelmente, é um dos mais importantes fatores que condi-cionam seu enorme potencial evolutivo e sua capacidade detransformar as condições de vida e a natureza. E, modifican-do-as, gerar as premissas para sua própria transformação.

Implicações médico-sociais das diferentes opiniões acerca dasaúde

A conceituação científica de saúde, como ocorrêncianatural, se antagoniza como explicação sobrenatural. O pro-fissional de saúde tem o dever de pugnar pela difusão de in-formações, cientificamente, confiáveis, embora deva fazê-lo,mantendo uma atitude permanente de respeito pela pessoa

que alimenta superstições, pois, que delas necessita. O queparece inadmissível é considerar as práticas supersticiosas e,por isto mesmo, alienantes como alternativas às práticascientíficas. O pessoal sanitário serve à anti-saúde, quando sepõe a serviço da superstição.

O individualismo, gerado pelas práticas econômicasbaseadas na exploração de umas pessoas por outras (escrava-gismo, feudalismo, capitalismo) e que impregnou todas assuas manifestações sócio-culturais, produziu sempre a ten-dência a considerar a saúde dos homens, como atributo in-dividual, interessando, exclusivamente, a quem experimen-tava saúde ou sofria doença. O que foi muito reforçado pelaconcepção dualista de saúde e de doença, como atributosopostos e incomunicáveis. Aqui, o maniqueísmo se apresen-ta na ênfase, na doença ou no doente - "não existem doen-ças, mas doentes", sendo que as duas assertivas são falsas.Pois, existem doenças e existem doentes, sendo saúde edoença pólos conceituais, apenas, aparentemente, opostosde uma única totalidade, inexistindo um, sem o outro.

A superação do individualismo, no estudo da teoria eda prática sanitária, resultou do desenvolvimento do modode produção capitalista que obrigou à concentração dos tra-balhadores, em um único local, ao crescimento urbano e ànecessidade de qualificar a mão-de-obra para operar a tecno-logia produtiva mais sofisticada; quando, então, se difundiuo conhecimento de que as doenças dos pobres ameaçavamos ricos e que a má condição de saúde dos operários com-prometia a produtividade e, conseqüentemente, diminuía olucro. A saúde pública, como instituição governamental, aspráticas de higiene e os procedimentos preventivos, se gene-ralizaram neste momento. Nasceram da necessidade da clas-se dominante, da idéia do homem, como máquina humana,como instrumento de produzir e não de qualquer pretensãohumanista; embora fosse humanista, grande parte dos pro-fissionais se dedicaram e se dedicam à sua implementaçãoe desenvolvimento, desde que, para eles, se abriu o neces-sário espaço institucional.

b) A saúde e o poder estatal

O estado é a mais ampla e abragente de todas as insti-tuições. Enquanto instituição, o estado é uma rede de fun-ções e de papéis que se constituem na essência da organiza-ção social. A propriedade privada, a exploração do trabalhohumano e o surgimento das classes sociais geraram a necessi-dade da elaboração de um sistema de normas e valores, deinstrumentos ideológicos e políticos para justificar a existên-cia do poder,como instrumento de coerção,para legitimá-lo eperpetuá-lo. Explica-se a existência do estado e das demais

instituições abrangidas por ele, pela necessidade natural quetêm as organizações sociais de modular as relações, entresuas partes componentes e de controlar o exercício do po-der.

O poder estatal nasceu para perpetuar o sistema deexploração e intermediar as contradições existentes na inti-midade da classe dominante. À medida que a atuação polí-tica dos segmentos sociais explorados foi se tomando maisinfluente, transformou-se o objetivo manifesto da existênciado estado liberal, o qual passou a pretender tornar-se inter-mediário e árbitro das relações sociais todas, inclusive ascontradições que opõem exploradores e explorados.

Um dos fatores que mais estimulam e promovem aconsciência, a motivação e a mobilização das camadas popu-lares, no sentido da transformação do poder estatal, tem si-do a consciência de seu direito ao bem-estar expresso porsua participação, no consumo dos bens e dos serviços pro-duzidos por todos. A essência da democracia se reflete nograu de participação de todos, no fruto do trabalho comum.Tudo o mais é formalidade.

Os estados modernos são unitários ou federativos.Nos primeiros, o poder central nacional designa todas as de-mais instâncias regionais ou locais de poder que a ele se su-bordinam. Nas federações podem ocorrer numerosos grausde "federatividade", a qual se expressa pela autonomia quecada unidade federada goza, em relação às demais e ao po-der central.

O governo se constitui dos instrumentos político-ad-ministrativos incumbidos da gerência do poder estatal. É ne-le que se concentra, concretamente, nas instâncias federal,estadual e municipal do estado, todo o instrumental do po-der. As instituições governamentais do estado, que incluemos partidos políticos, se opõem mais ou menos, agudamen-te, à sociedade civil, composta pelas instituições e organiza-ções sociais, também integrantes do estado, mas não gover-namentais, não estando, formalmente, hierarquizadas nemsubordinadas às instituições e organizações do governo. Ossindicatos, sociedades e associações civis são organizaçõesda sociedade civil e nunca devem ser confundidas ou se dei-xarem confundir com as organizações e as instâncias do go-verno, sob pena de sacrificarem o que é essencial à sua exis-tência.

Implicações médico-sociais destas questõesO estado como agência de bem-estar. O estado moder-

no assume a responsabilidade de promover a segurança e obem-estar do cidadão. É característica essencial do estadoque exista uma correspondência necessária entre seus direi-tos e deveres e os direitos e os deveres da cidadania. Tudo o

que é direito do estado, como por exemplo, cobrar impos-tos, corresponde a um dever do cidadão, o dever de pagá-los. E se saúde é bem-estar, sendo o bem-estar da cidadaniaum direito, corresponde-se-lhe o dever do estado de garantireste direito.

O caráter da forma e do conteúdo do estado. Não ésempre que uma mudança na forma do estado ou na manei-ra pela qual ele é governado, corresponde a uma mudançaem seu conteúdo. Muitas vezes, "plus ça change, plus c'estla même chose", contudo, é possível, mesmo em formasmuito atrasadas de estado, uma ação política transformado-ra, no sentido de que sejam aperfeiçoados os instrumentospolíticos e legais de participação, não, apenas, no exercíciodas formalidades da democracia, mas na transformação dosmecanismos definidores e reguladores das relações econômi-cas. O aperfeiçoamento da política de bem-estar e, conse-qüentemente, da política de saúde é premissa e resultadodesta transformação. Para que tais mudanças sejam signifi-cativas, é essencial que se reforce e se amplie o conteúdo de-mocrático do estado brasileiro. Não basta a superação da di-tadura militar, enquanto forma de governo; pois é precisotransformar o próprio conteúdo do estado, tornando-o maispopular. O que implica, inclusive, em multiplicar, ampliar eaperfeiçoar o sistema de saúde a serviço da população. Semesquecer que, embora o quadro político atual de mudançatenha sido motivado pelos movimentos populares, pelas ma-nifestações eleitorais, sobretudo a partir de 1974 e se tenhadado, a partir de uma estratégia de ampliação da frente po-lítica de oposição, grande parte de tais mudanças está con-fiada aos mesmos agentes sociais e institucionais que impu-seram a ditadura, exerceram-na e dela se beneficiaram. Acada momento, a dinâmica da realidade mutável impõe umsistema de alianças, que deve ser diferente do anterior. Aluta política pela Reforma Sanitária se dá neste contexto.Não queremos mudar, apenas, a forma da assistência públi-ca, queremos transformar o conteúdo do estado, inclusive,no que diz respeito à sua função de promotor de bem-estare de saúde. Porque a Reforma Sanitária transcende de mui-to, os limites das instituições e organizações de saúde, de-pendendo da definição constitucional acerca da forma e danatureza da propriedade, das relações de trabalho e da or-ganização política.

Surgem, daí, no cenário político, duas posições, apa-rentemente, opostas: os que pretendem que as mudançasinstitucionais da área da saúde promove, por si só, a trans-formação da natureza do estado e os que afirmam que, ape-nas, o estado socialista poderá ser um garantidor efetivo dobem-estar da população, resultado inútil, todo esforço deaperfeiçoamento da instituição sanitária, enquanto vigir o

sistema capitalista. O voluntarismo e o reformismo da pri-meira e o nihilismo da segunda posição são, identicamente,equivocados. Saúde não é, somente, bem-estar, saúde é luta.A luta política pelo aperfeiçoamento das condições de sani-dade e de prevenção, além de melhorar a saúde do povo, éimportante fator de motivação e de mobilização do proces-so político de organização da sociedade e de influência nagestão do poder público. Quanto maior e mais enraizadafor a consciência da população de que saúde é bem-estar eque o bem-estar é decorrência da satisfação de necessidadesbásicas do indivíduo e de proteção do ambiente, estando,inseparavelmente, interligada à educação, à habitação, aostransportes, ao vestuário, à higiene do ambiente, à políticasalarial e a outras necessidades individuais e sociais, tantomais a sanidade e o sistema de saúde serão objeto de reivin-dicações e de propostas políticas concretizáveis.

A participação das associações profissionais, dos sindi-catos e do corpo técnico das organizações e agências de saú-de na administração dos serviços.

A eleição dos dirigentes sanitários, pelos técnicos edemais funcionários do setor, tem sido posta como aspira-ção muito difundida, na área da saúde. Parece, politicamen-te, incorreta porque: 1. pretende que os funcionários, e nãoos usuários, sejam os únicos ou maiores interessados na açãodo serviço; 2. viola o princípio da autonomia dos organis-mos da sociedade civil, em relação ao governo; 3. ignora aresponsabilidade que o governante, democraticamente, es-colhido, tem com relação à atividade de seus subordinados eelimina a competência do governante de escolher sua equi-pe, facilitando a desorganização do sistema; 4. favorece aconstituição de grupos internos que dirigem a atividade doserviço, em função de interesses individuais ou corporativis-tas. Um único argumento, socialmente, aceitável apóia estaproposta: é menos mau que o dirigente seja escolhido poreleição, entro os funcionários, que, como acontece quandose faz o loteamento do governo, indicado por um cabo elei-toral, interessado apenas em manter sua clientela ou por po-lítico inescrupuloso e corrupto.

A melhor posição é a da organização de conselhos deusuários e servidores, com preponderância dos primeiros pa-ra fazer a profilaxia do corporativismo, que possa até des-tituir o dirigente incapaz ou incorrigível, pelos meios ao seualcance. Mas a responsabilidade de nomear deve ser atributodo governante. A legitimidade da escolha se assenta na pró-pria legitimidade da eleição do governante para governar.

A necessidade de unificação do sistema de saúde e o caráterfederal do estado brasileiro

Ao longo dos vinte anos da ditadura, a federação bra-

sileira foi ficando um mito cada vez maior. De fato, o esta-do brasileiro vem funcionando como estado unitário, embo-ra se mantivessem intactos os mecanismos formais de auto-nomia das unidades federadas. Fazia-se de conta que erauma federação, assim como se fazia de conta que o país erauma democracia. Por força da legislação centralizadora, docontrole do aparelho repressor e, principalmente, pela cen-tralização dos tributos e da arrecadação previdenciária, aunião era, realmente, quase o único poder. Durante esse pe-ríodo o Ministério da Saúde e o da doença, o Ministério daPrevidência Social, controlaram quase todos os instrumen-tos e recursos para a saúde, ainda que estes pertencessem efossem administrados pelos estados, municípios ou particula-res. Na prática, os governos municipais vêm funcionandocomo se fossem sucursais do poder estadual e, este, como fi-lial do poder federal. Esta situação, somente, poderá ser re-vertida a partir da Reforma Tributária e da clara definiçãodas atribuições da união, dos estados e municípios, com re-lação ao setor saúde. As propostas de unificação do sistemade saúde, seja por delegação ou transferência de atribuiçõespara os estados e municípios, serão meras manobras dema-gógicas, exercício de voluntarismo ou sobrecarga indevidade responsabilidade para as unidades estaduais e municipais,enquanto, à união, se atribuir uma cota, desmedidamente,grande da carga tributária e a totalidade da arrecadação pre-videnciária. É, absolutamente, fundamental que se defina,com a maior precisão possível, a área de competência a res-ponsabilidade de cada instância do poder estatal no que dizrespeito às ações de saúde e que a esta competência corres-ponda fração proporcional dos recursos arrecadados.

Qualquer que seja a opção que se fizer pela divisão dotrabalho sanitário, não é crível que, ao poder federal, nãosejam atribuídas algumas atividades, quer por causa da ne-cessária unificação nacional de algumas delas, quer pelosgraus muito diferentes de organização e competência dosserviços de saúde das unidades federadas.

Outro fato que não pode ser desprezado é que muitasdas propostas de reforma da organização sanitária, no Bra-sil, são cópias da organização sanitária de estados socialistas,quase todos eles estados unitários, sendo muito difícil atransposição, não fora por outras razões mais significativas,pela diferença da estruturação do poder estatal.

Outra implicação médico-social importante deste te-ma diz respeito à atividade dos funcionários públicos. Tradi-cionalmente, os governos se pretendem credores da lealdadedos funcionários. E não o são. O credor principal da lealda-de dos funcionários, mesmo daqueles que exercem cargosde confiança dos governantes, é o povo. O serviço público

deve existir para servir ao povo e atender aos seus interesses.A atitude de compromissos para com a população usuária éalgo que faz muita falta no serviço de saúde e deve ser obje-to de incansável combate ideológico, por parte dos militan-tes de partidos populares. Os comportamentos funcionaisincompetentes, omissos ou desonestos, às vezes, são basea-dos na afirmação de quanto pior, melhor ou na inutilidadede tentar melhorar o serviço público. Mas estas são vãs jus-tificativas para encobrir comportamentos anti-sociais eegoístas. Um político democrata e popular, qualquer queseja o seu grau de responsbilidade no governo do seu parti-do, ou naquele aliado, no qual ele participe, pois se devepresumir que não será funcionário de confiança de adversá-rios, tem o dever de ensinar com seu exemplo e fixar a ima-gem de probidade e eficiência, a serviço do interesse da po-pulação, mesmo que, no momento, pareça prejudicar, elei-toralmente, ao seu governo; após, será vantajoso.

c) Relação entre as práticas curativas e preventivas

A dissociação conceitual de prevenção e assistência,saúde e doença, higiene e medicina, procedimentos preven-tivos e curativos e outras que tais traduzem um descaminhoideológico de cunho dualista ou mecanicista. A dicotomiza-ção das práticas sanitárias preventivas e curativas, realizadasaté hoje, foi um dos fatores mais importantes pela inoperân-cia e ineficiência de nosso sistema sanitário. O conceito mo-derno de prevenção abrange as práticas de prevenção primá-ria (promoção do bem-estar e profilaxia da ocorrência deenfermidades), secundária (prevenção da evolução, diagnós-tico precoce e pronto tratamento adequado) e terciária(prevenção da invalidez, readaptação, reabilitação) que de-vem ser implantadas de forma integrada.

Esta questão que parece encerrar uma discussão esté-ril e acadêmica, na verdade, tem tido reflexos práticos degrande abrangência: na organização dos serviços, faz comque se criem dois organismos que mais se perturbarão, alémde determinar desperdícios e recursos; no atendimento indi-vidual, conduz ao tratamento sintomático e à subestimaçãoou inexistência de procedimentos educativos; conduz à su-perestimação de consulta, da cirurgia e dos demais procedi-mentos assistenciais, resultando na desvalorização de proce-dimentos educativos, de vigilância sanitária e de vigilânciaepidemiológica. Proclamar a supremacia ou prioridade daprofilaxia ou da terapêutica, leva ao atraso institucional dasaúde.

d) As categorias sociais

A população brasileira pode ser dividida, grosso mo-

do, em três conjuntos mais ou menos bem definidos: o pri-meiro, constituído por aqueles que têm melhor renda, aclasse dominante — os proprietários de grandes áreas, gran-des e médios empresários e comerciantes, prestadores deserviço de renda significativa, os executivos e outras pessoasbem-assalariadas — constitui uma fração que vai de 4 a 8%da população que pode arcar, integralmente, com as despe-sas com os serviços sanitários; o segundo, abrangendo de 30a 65% da população, conforme a região considerada, com-posto pela parcela de assalariados mais ou menos organiza-da, desfruta dos serviços da previdência social, e o terceiro,composto pelos desempregados, pelos subempregados, pelogrande contingente de despossuídos, marginalizados das ci-dades médias, grandes e das metrópoles e grande fração dapopulação rural, é servida pela assistência pública. A primei-ra camada dispõe dos melhores cuidados e serviços de saú-de, das instalações mais confortáveis, da tecnologia mais so-fisticada, de profissionais, extremamente, bem qualificadose dos serviços mais eficientes; a segunda é atendida pelosserviços próprios da previdência social, por profissionais eserviços contratados ou credenciados, remunerados por ta-refa ou produção; a terceira é atendida pelos serviços muni-cipais e estaduais. O que é interessante destacar, como fe-nômeno ideológico, é que cada um destes três tipos de servi-ços tem uma organização e uma dinâmica, inteiramente, di-ferente das demais. Um mesmo profissional, não importa semédico, dentista, porteiro, atendente, que milite em doisou três deles, exercerá sua função profissional de forma, in-teiramente, distinta em cada um. Porque se uma pessoa épobre, remediada ou rica, isto, por si só, fará com que osdemais a tratem diversamente; e se um profissional é funcio-nário do governo, prestador autônomo de serviço ou empre-gado de uma empresa, terá, necessariamente, um desempe-nho diverso, na dependência desta circunstância, além dasituação social do cliente.

Aqui se situa uma das encruzilhadas mais importantesdas que separam e permitem identificar os quadros políticosmais conscientes, dentre os profissionais de saúde. E é aqui,um dos pontos mais importantes do processo educativo dosprofissionais de saúde que deve ser objeto da melhor aten-ção do sistema de recursos humanos de uma secretaria desaúde de um governo democrático e popular.

e) Os serviços ativos e passivos

Diz-se que um serviço de saúde tem funcionamentopassivo, qualquer que seja o seu grau de resolutividade equalquer que seja o volume dos serviços que presta, quando,somente, atende àqueles que o procuram. Uma agência sani-

tária é chamada de ativa, quando ela se dirige para sua po-pulação-alvo, buscando identificar as pessoas em risco, con-tribuindo para o desenvolvimento da educação, promoven-do a vigilância sanitária na área sob sua responsabilidade, in-tegrando-se com as demais agências de bem-estar, visando àpromoção da saúde e à profilaxia das enfermidades; enfim,quando seus procedimentos não ficam na dependência dainiciativa da clientela.

f) A delimitação da responsabilidade

A indefinição de responsabilidade e a desorganizaçãodos serviços de saúde são, simultaneamente, reflexo de suadesimportância aos olhos do poder e ganho secundário como qual esse poder pretende gratificar os profissionais, cor-rompendo-os para que se acumpliciem no jogo de fazer deconta, de que exercem ações de saúde. E tem conseguido es-te objetivo. Os profissionais de saúde se acumpliciam na me-dida em que tiram proveito da desorganização e da indefi-nição de responsabilidade, recusamos instrumentos de con-trole de qualidade dos serviços prestados e se colocam aci-ma das exigências e necessidades da clientela. É preciso des-fazer esta situação já cronificada, não só pela valorização dotrabalho, mas pela simultânea definição, em cada serviço, daclientela sob sua responsabilidade e pela reorganização dosetor, de modo a capacitá-lo a produzir aquilo que é seu ob-jetivo, serviços de saúde de boa qualidade.

A definição precisa da responsabilidade de cada cate-goria funcional e de cada serviço, somada à adoção de ins-trumentos de controle de qualidade do trabalho produzido,são medidas cujo significado deve ser discutido em cada ins-tância do sistema com os funcionários, representantes da so-ciedade e de usuários.

g) A questão da democracia

O primeiro e mais importante momento da interaçãodos conceitos de saúde e democracia, a chamada DEMO-CRATIZAÇÃO DA SAÚDE, consiste em se assegurar a to-dos o direto de acesso a serviços de saúde de boa qualida-de, dever indeclinável do poder estatal, como contrapartidanecessária do direito que tem cada cidadão de desfrutá-lo. Oexercício do governo popular e democrático obriga a utili-zação de todos ps meios ao alcance para o cumprimentodeste objetivo. É preciso que cada cidadão seja atendidocom prontidão, presteza, cortesia e eficiência, quando tenhaameaçada ou comprometida sua saúde. Este é o primeiro emais importante dos objetivos governamentais, no setor, etudo mais deve se subordinar a ele.

Em segundo lugar, deve-se considerar a questão da de-mocratização de cada agência, em particular. Aqui, é preci-so considerar, preliminarmente, a existência e influência doindividualismo anarcóide ou anarquista, detestável praga po-lítica cultivada pela ditadura e fomentada pelo empobreci-mento e perda da importância social das camadas médias edas chamadas profissões liberais. O assembleísmo e o cor-porativismo são as expressões mais difundidas desta distor-ção ideológica. Outra, é a supervalorização das questões eproblemas locais, com a conseqüente perda da perspectivado processo político-administrativo global ou do sistema desaúde, enquanto totalidade. Acrescente-se a confusão que sefaz entre os conceitos de autoridade e autoritarismo. Na di-tadura, a autoridade governamental carecia de legitimidade,pois que, voltada para interesses que não eram os popularese originada de um golpe militar que pretendia se perenizar.Daí, seu caráter autoritário. Instalado o processo democrá-tico, ao menos formal, a situação é outra. Portanto, é preci-so iniciar o processo de discussão deste fenômeno e se ini-ciar a busca pela recuperação da respeitabilidade da autori-dade pública.

2.2.2. Fatores Político-administrativos

Os fatores ideológicos resultam de fatos econômicos eocasionam fatos políticos, mas existem alguns fatores quesão, preponderantemente, políticos ou administrativos:

a) investimentos públicos imediatistas, visando ao re-torno imediato e lucratividade contabilizável;

b) dissociação dos programas de bem-estar social, se-paração dos programas profiláticos dos assistenciais e disso-ciação de cada um destes, em atividades incomunicáveis;

c) desvalorização do serviço público civil da adminis-tração direta;

d) tal desvalorização foi muito mais sentida no setorde bem-estar social e, muito mais agudamente, na área dasaúde, refletindo-se tanto no sucateamento dos serviçosquanto no aviltamento salarial dos profissionais;

e) adoção de uma política hospitalocêntrica e pratica-da através da compra de serviços que eram remunerados poruma moeda, especialmente, inventada, as "unidades de ser-viço", o que se transformou em fator de incontrolável cor-rupção e mau atendimento;

f) progressiva desvalorização das "unidades de servi-ço" fomentando e, até justificando, as práticas corrompidase a má qualidade dos serviços prestados, tornados cada vezpiores;

g) pulverização dos recursos, divididos por incontá-veis serviços;

h) privilegiamento do poder federal no controle e naatribuição dos recursos tributários e previdenciários arreca-dados;

i) injustiça da arrecadação previdenciária, que é agrande fome de financiamento das ações de saúde, alcançan-do vinte por cento da massa dos salários, quando deveria in-cidir sobre o faturamento, o capital e o lucro;

j) política tecnocratizada de recursos humanos, des-vinculada das exigências dos serviços e das necessidades so-ciais, além da marginalizada em relação ao sistema formalde instrução;

1) política de medicamentos voltada para privilegiaros grupos empresariais internacionais e reforçadora da de-pendência tecnológica;

m) abandono dos programas de vigilância sanitária;n) subordinação do poder municipal ao estadual e

deste, ao federal;o) excessiva centralização;p) desorganização;q) indefinição de responsabilidade;r) supervalorização dos procedimentos curativos, hos-

pitalares e que empregam tecnologia dispendiosa e estran-geira;

s) seleção e promoção de pessoal dirigidas para oatendimento de compromissos eleitorais e para o favoreci-mento de grupos;

t) corrupção.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA POLÍTICASANITÁRIA

Existe, hoje, uma concordância muito grande sobrealguns pontos fundamentais de uma política sanitária pro-gressista e que tem valor de princípios norteadores da ação.Tais princípios são:

A SAÚDE COMO PRÁTICA DEMOCRÁTICA

As questões mais significativas com respeito a este te-ma, já foram enunciadas anteriormente. Mas implica em seassegurar, a todos, o direito a condições mínimas de salubri-dade e às melhores e mais competentes condições de assis-tência; ademais, implica na democratização dos serviços, pe-la participação em sua gestão de conselhos comunitários,com a participação dos servidores.

O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE

Em primeiro lugar, na responsabilidade do poder esta-

tal de garantir, a todos, as melhores condições possíveis desaúde e assistência. Na responsabilidade que têm os serviçosde saúde, em particular, com a salubridade do meio e ascondições de assistência a serviço da população, que lhe éatribuída.

REGIONALIZAÇÃO E SETORIZAÇÃO

Somente será possível se assegurar o exercício doprincípio da responsabilidade, quando cada unidade sanitá-ria ou outra agência de saúde tiver, perfeitamente, definidaa população abrangida em sua jurisdição. A situação atual,quando todos os serviços são responsáveis por toda a popu-lação, resulta em que ninguém é responsável. É indispensá-vel que cada município seja organizado em distritos sanitá-rios e estes, em setores que alcancem dois a quatro mil habi-tantes mais ou menos, sendo que os distritos não devemabranger população maior que sessenta e setenta mil pes-soas.

PREVENÇÃO E ASSISTÊNCIA COMO CATEGORIASINSEPARÁVEIS

Impõe a unificação, em um sistema único, de todos osprogramas de prevenção e de assistência à saúde. Hoje, nãoé possível mais admitir que diversas agências municipais, nu-merosos serviços estaduais e vários ministérios (somente nonível oficial) executem programas de saúde, de forma desor-ganizada, e em desfavorecimento da população.

PROGRAMAÇÃO ATIVA

Os serviços de saúde devem funcionar regidos pela ne-cessidade de manter atividades extramuro, voltadas para evi-tar as enfermidades e, quando não for possível, diagnosticare tratar o mais rapidamente possível. Cada unidade sanitáriadeve manter, em ação compartilhada com a comunidade,programas de vigilância sanitária que ultrapassem a vigilân-cia de alimentos, medicamentos, cosméticos e produtos do-missaneantes e alcancem a proteção e recuperação do am-biente físico, das condições de moradia e de transporte, dascondições de trabalho, de serviços urbanos e de segurançaindividual e coletiva.

O PRINCÍPIO DA HIERARQUIZAÇÃO

Presume uma organização de serviços, de crescentecomplexidade, em função de sua sofisticação e capacidaderesolutiva, desde as unidades mais elementares do ponto de

vista de dotação de pessoal e de recursos tecnológicos,as mais sofisticadas, que serão as referências distritais, muni-cipais, regionais, estaduais ou federais. A unidade elementarde saúde, abrangendo uma localidade de moradia ou de tra-balho, será a única instância a poder encaminhar o clienteou o problema de saúde ao nível superior que tiver que sermobilizado.

PRINCÍPIO DA EQÜIDADE

O objetivo geral é garantir a todos, em condições deigualdade de oportunidade, o melhor tratamento possível.

As prioridades devem ser estabelecidas pela limitaçãodos recursos, mas deverão ser determinadas por exigênciasclínicas, epidemiológicas ou pela necessidade social.

PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO

É fundamental que se promova, ao máximo, a descen-tralização administrativa, de modo que as agências regionaise as unidades sanitárias distritais sejam dotadas de capacida-de para gerir recursos humanos, materiais e financeiros.

No entanto, é preciso que haja uma supervisão perma-nente do nível central para as regionais e destas, para as uni-dades distritais e locais.

A supervisão deve ser integrada, educativa e capaz deavaliar os serviços e encaminhar propostas de melhoria dodesempenho e rendimento, em termos de quantidade, opor-tunidade e qualidade do serviço prestado.

PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO

Todos os programas de saúde têm que funcionar inte-grados em uma mesma área de jurisdição e no mesmo nívelde atuação.

Em princípio, deve-se promover um esforço para inte-grar todas as atividades sanitárias do setor público e deste,com o privado.

Para isto, é necessário fortalecer e prestigiar os os orga-nismos de gestão ativa, Comissão Interinstitucional de Saú-de (CIS) no âmbito estadual; Comissões Regionais Interins-titucionais de Saúde (CRIS), nas regiões de saúde e Comis-sões Interinstitucionais Municipais de Saúde ou ComissõesLocais Interinstitucionais de Saúde (CIMS ou CLIS), nosmunicípios.

A par disto, deve se ativar o Conselho Estadual deSaúde, como órgão consultivo e com algumas atribuiçõesnormativas, constituído com um máximo de representativi-dade das categorias profissionais de saúde, de prestadores de

serviços, de usuários, partidos políticos e agências do servi-ço público que tenham atuação na área de saúde.

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

É necessário e desejável que todo programa ou ativi-dade programada vise à continuidade. É preciso que o pla-nejamento das ações se faça prevendo, ao máximo, a persis-tência temporal do projeto.

Programas de emergência podem e devem ser estabele-cidos, para atender a exigências imprevistas (catástrofes na-turais ou provocadas, por exemplo); previstas (migraçõestrabalho sazonal, festivais, exposições); ou por interesse dapolítica sanitária (mutirões, atenção por unidades móveis).Estas últimas, no entanto, devem ser entendidas como açãode emergência e visarem, no futuro, o mais próximo possí-vel, sua instalação como atividade permanente.