DIRETORA DA uNIVERSIDADE CORPORATIVA FIAT … · e-learning em educação corporativa: ......

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48 IDEIAS EM GESTÃO EAD O bom ensino é uma arte.” Com essa frase na cabeça, enveredei pela educação. Diferentemente da maioria dos profissionais da minha geração, comecei a me envolver com educação a partir das mil e uma possibilidades trazidas pela tecnologia da informação. Fã de carteirinha dos games, vi na interação “usuário”/ conteúdo, mediada pelo computador, uma nova janela para o processo de ensino- aprendizagem. Economista de formação, provisoriamente “aposentei” Adam Smith, Weber, Marx e Keynes e fui conhecer Piaget, Vygotsky, Maria Montessori, Paulo Freire, entre outros ícones da educação. Estes passaram a ser meus guias na carreira que iniciava. Descobri Papert, conheci Mércia Moreira e Celina... Alguns conhecidos e outros nem tanto, mas fundamentais para uma formação que se baseava na exploração do potencial da tecnologia para dar suporte à educação. Essas descobertas se deram quando resolvi, após oito anos de formada em Economia e de ter já dois filhos, cursar uma pós-graduação em Informática Aplicada à Educação, disponibilizada pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Essa pós era voltada para educadores, mas me aceitaram como aluna. Expliquei que gostava dos games e softwares educacionais e queria ter uma base para poder explorar mais essa área. Javier Bustamente, da Universidad Complutense de Madri, ministrou o tema “Educação a Distância” e nos apresentou as possibilidades de se trabalhar com novas tecnologias. Falou-nos sobre as videoconferências e as maravilhas da internet. Estávamos em 1997, e havia somente dois anos que a Internet estava aberta à exploração comercial no Brasil. O mundo estava começando a ficar plano. DIRETORA DA UNIVERSIDADE CORPORATIVA FIAT REMEMORA EXPERIÊNCIA PESSOAL COM UMA DAS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE E-LEARNING NO BRASIL. Márcia Lúcia Andrade dos Anjos Naves

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48 IDEIAS EM GESTÃO

EAD

O bom ensino é uma arte.” Com

essa frase na cabeça, enveredei

pela educação. Diferentemente

da maioria dos profissionais da minha

geração, comecei a me envolver

com educação a partir das mil e uma

possibilidades trazidas pela tecnologia

da informação. Fã de carteirinha dos

games, vi na interação “usuário”/

conteúdo, mediada pelo computador, uma

nova janela para o processo de ensino-

aprendizagem.

Economista de formação,

provisoriamente “aposentei” Adam Smith,

Weber, Marx e Keynes e fui conhecer

Piaget, Vygotsky, Maria Montessori, Paulo

Freire, entre outros ícones da educação.

Estes passaram a ser meus guias na

carreira que iniciava. Descobri Papert,

conheci Mércia Moreira e Celina... Alguns

conhecidos e outros nem tanto, mas

fundamentais para uma formação que

se baseava na exploração do potencial da

tecnologia para dar suporte à educação.

Essas descobertas se deram quando

resolvi, após oito anos de formada em

Economia e de ter já dois filhos, cursar

uma pós-graduação em Informática

Aplicada à Educação, disponibilizada

pelo Instituto de Educação Continuada

da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais. Essa pós era voltada para

educadores, mas me aceitaram como

aluna. Expliquei que gostava dos games

e softwares educacionais e queria ter

uma base para poder explorar mais essa

área.

Javier Bustamente, da Universidad

Complutense de Madri, ministrou o

tema “Educação a Distância” e nos

apresentou as possibilidades de se

trabalhar com novas tecnologias.

Falou-nos sobre as videoconferências

e as maravilhas da internet. Estávamos

em 1997, e havia somente dois anos que

a Internet estava aberta à exploração

comercial no Brasil. O mundo estava

começando a ficar plano.

DIRETORA DA

uNIVERSIDADE

CORPORATIVA FIAT

REMEMORA ExPERIêNCIA

PESSOAL COM uMA DAS

PRIMEIRAS INICIATIVAS DE

E-LEARNINg NO BRASIL.

Márcia Lúcia Andrade dos Anjos Naves

49FACULDADE AIEC

Tudo era novo

Na pós, conheci Maristela Fonseca, uma

pedagoga que trabalhava na Telemig

Celular, companhia responsável pela

telefonia em Minas Gerais, que fazia

parte da antiga Telebrás. É importante

lembrar que as telefonias ainda eram

públicas e o leilão da privatização só iria

acontecer em agosto de 1998.

Maristela tinha um projeto: implantar

educação a distância mediada pela

internet na Telemig Celular. O objetivo

era suportar, via capacitação, o aumento

e a velocidade dos lançamentos

de produtos que viriam com a

concorrência gerada pela privatização.

Colega no desenvolvimento do projeto

aplicativo de educação a distância na

pós, fui convidada também para ser sua

colega no marketing da Telemig Celular.

O projeto havia sido aprovado e agora

precisávamos executá-lo.

Tudo era novo. Havíamos defi nido em

projeto que precisaríamos de quatro

itens essenciais para a execução:

1. Uma plataforma para publicar e

disponibilizar os cursos que iríamos

desenvolver.

2. Um espaço para colaboração,

mediada e/ou aberta.

3. Um espaço para publicar e distribuir

artigos, textos, bibliografi as, etc. – uma

biblioteca virtual.

4. E, claro, um espaço para publicar,

distribuir e acessar os cursos.

Não tínhamos nada disso! No entanto,

tínhamos uma empresa extremamente

jovem, não só pelo tempo de vida,

mas pela média da faixa etária de seus

funcionários, que girava em torno dos

24 anos, disposta a ousar.

Começamos pela plataforma. Uma

empresa que desenvolvia o website

da organização foi incumbida de

desenvolver o sistema cujo escopo

havia sido defi nido pelas “meninas”.

Foi assim que nasceu o Campus

Virtual. O primeiro sistema de gestão

do aprendizado virtual totalmente

nacional.

Encantados com o projeto

Em 1998, já tínhamos desenhado um

sistema extremamente colaborativo,

que previa um fórum para cada curso

publicado. Mas ainda precisávamos

desenvolver o primeiro curso. Não

havia desenvolvedores de cursos

virtuais como hoje. Os primeiros

desenvolvedores vieram dos softwares

educacionais e/ou da comunicação, mas

desenvolver para web ainda era algo

novo.

Com a base que tínhamos do

desenvolvimento de softwares

educacionais, convidamos a equipe

que estava construindo a plataforma

para desenvolver o conteúdo. Eles

nem sabiam por onde começar!

Contratamos também uma turma

que fazia gibi, especifi camente

mangá, para ilustrar todo o conteúdo.

Desenvolvedores e ilustrador

escolhidos, defi nimos o tema do

primeiro curso: Histórico das

Telecomunicações.

ESTávAmOS

Em 1997. TudO

ERA NOvO COm

RElAÇÃO À

APliCAÇÃO dE

TECNOlOgiA dA

iNfORmAÇÃO

Em EAd.

NO ENTANTO,

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EmPRESA jOvEm,

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TORNO dOS 24

ANOS, E TOdOS

diSPOSTOS A

OuSAR. ”

50 IDEIAS EM GESTÃO

O roteiro deveria abordar a paixão

do homem por se comunicar. Com

esse desafi o, integrantes da equipe

de desenvolvedores e profi ssionais

de marketing e engenharia da Telemig

roteirizaram o curso.

Fomos dos sinais de fumaça ao

celular. Tudo isso em quadrinhos que

convidavam os usuários a interagir com

desafi os durante o curso. A história foi

contada a partir da temática do futebol.

Sabe como? A história acontecia no

futuro, exatamente em 2014, durante

a Copa do Mundo. Nem imaginávamos,

naquela época, que o Brasil iria sediar

essa copa... Com a temática do futebol,

paixão da maioria de nossos usuários

na empresa, convidamos os “alunos”

para falar sobre o tema no fórum. Eles

nunca haviam utilizado um fórum

virtual. Mas, para falar da seleção e do

seu time, todo mundo aprendeu como

atuar naquele espaço de colaboração

virtual. Instalava-se, ali, uma cultura de

conversa no fórum.

Além do curso e do fórum, os

usuários/alunos podiam aprofundar o

conhecimento com leituras de artigos

disponíveis na biblioteca do Campus

Virtual. Essa biblioteca tinha uma

peculiaridade: era totalmente formada

pelos profi ssionais da empresa, ou seja,

eram eles que publicavam no sistema

os “objetos virtuais” (artigos, dicas

de livros, termos de glossário e seus

signifi cados, pequenos vídeos, etc.),

para desespero da turma da Tecnologia

da Informação, que, por nossa sorte,

também estava encantada com o

projeto.

Alavancar resultados

Na época, não existiam padrões de

desenvolvimento, nem se sabia o que

era um LMS (Learning Management

System) e muito menos se falava

em e-learning. No entanto, dessa

experiência podemos tirar o que

considero princípios básicos do

e-learning em educação corporativa:

• A aprendizagem deve se centrar

no indivíduo. Metáforas e linguagens

devem estar alinhadas ao seu universo,

a exemplo do tema futebol.

• Contexto e Conteúdo deverão ser

abordados de maneira complementar.

A cultura organizacional, oxigenada pela

incorporação de tecnologia de ponta,

abertura ao novo, e participação de um

público jovem, fez toda a diferença para

o sucesso do projeto, que propunha

quebra de paradigmas.

• A educação corporativa só faz sentido

se for para alavancar resultados do

negócio. Esse projeto nasceu da

necessidade estratégica da organização

diante da privatização e consequente

demanda por competitividade.

• Colaboração é fundamental para

o aprendizado. Tutoria entre iguais,

tão aclamada por Vygotsky, foi

potencializada pelos fóruns virtuais.

A utilização do fórum foi intensa

porque o fator motivador era comum

a todos, no caso, falar sobre futebol.

Brincando, aprenderam a trabalhar

com a ferramenta e discutir temas da

organização.

é fuNdAmENTAl

EXPliCiTAR O

CONhECimENTO

ORgANizACiONAl

E fAzER A SuA

gESTÃO.

O E-lEARNiNg é

CONSidERAdO umA

dAS ESTRATégiAS

mAiS EfiCiENTES

PARA iSSO, POiS

COlETA, ORgANizA,

diSTRibui E fAz O

COmPARTilhAmENTO

dO CONhECimENTO

ORgANizACiONAl.

51FACULDADE AIEC

• É fundamental explicitar o

conhecimento organizacional e fazer a

sua gestão. O e-learning é considerado

uma das estratégias de gestão do

conhecimento mais efi cientes. Ao

mesmo tempo que coleta e organiza

o conhecimento organizacional, faz

a distribuição e o compartilhamento

de maneira abrangente. Nesse

primeiro curso sobre o Histórico das

Telecomunicações, várias foram as

reuniões e entrevistas com profi ssionais

que viram seu conhecimento ser

explicitado, via design instrucional, em

um curso virtual.

• Co-criação e colaboração andam

juntas nos processos educacionais.

Naquela época, já falávamos do aluno-

professor, ou seja, aquele que aprende e

ensina em um mesmo ambiente.

• Design é muito mais do que forma.

É uma competência que pensa a

estratégia para apresentar conteúdo

e forma de maneira integrada,

para assim ser transformada, no

processo de ensino-aprendizagem,

em conhecimento para o aluno. Ao

escolher mangá e falar de futebol, para

um público em sua maioria jovem,

estávamos defi nindo que forma e

conteúdo deveriam trabalhar para esse

aprendizado. Hoje, chamamos isso de

design thinking aplicado à educação.

Construiraexperiência

Muitos anos se passaram e essa história

se transformou em aprendizado para

todos que a viveram e conheceram.

Com esse projeto, a empresa viu

na educação uma grande aliada ao

desenvolvimento do negócio. O

projeto cresceu, foi reconhecido com

vários prêmios internos e externos.

Movimentos foram feitos no modelo

de telecomunicações no País e a

internet se consolidou como um meio

para promover o processo de ensino e

aprendizagem.

Atualmente, atuando como diretora

superintendente da Universidade

Corporativa do Grupo Fiat, o ISVOR,

não tenho dúvidas de que ainda há

muito que fazer utilizando-se de novas

tecnologias na educação. Expandimos

o conceito de e-learning para

aprendizado aberto, utilizando recursos

tecnológicos e espaços de experiência

virtual e presencial. Com tudo isso, o

grande aprendizado que o e-learning

me trouxe foi o de encarar a educação

além de seus espaços. É preciso

construir a experiência. Assim, continuo

acreditando em Guimarães Rosa, que

nos ensinou que “o homem nasceu para

aprender, aprender tanto quanto a vida

lhe permite”. Sim, educação é uma arte

que precisamos permitir.

Márcia Lúcia Andrade dos Anjos Naves

Diretora Superintendente da

Universidade Corporativa Fiat - ISVOR

(Istituto per lo Sviluppo Organizzativo

- Instituto para o Desenvolvimento

Organizacional). Graduada em Economia.

Pós-Graduada em Informática Aplicada à

Educação.

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