Direitos - Rodrigo Brandão (Oab 2a. Fase)

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Vamos entrar na questão dos Direitos Humanos. O termo “geração” de direitos humanos é adequado? Será que o termo “geração” suscita algum problema? O problema que esse termo pode suscitar é que a idéia de geração pressupõe que a geração futura suplanta a geração anterior, substitui a geração anterior. Isso não ocorre em matéria de gerações em direitos humanos. O advento de direitos de uma nova geração não implica superação de direitos da geração anterior. A ONU, inclusive, já positivou a idéia de que há uma relação de indivisibilidade entre as gerações em direitos humanos. Significa que quando surge uma nova geração de direitos há um reforço na tutela dos direitos da geração anterior. Por exemplo: será que o direito a moradia reforça ou enfraquece o direito à inviolabilidade de domicílio? Fortalece. Qual a utilidade da inviolabilidade de domicílio se ele não tem domicílio? Então, evidente que o direito a moradia, que é um direito de segunda geração fortalece a tutela do direito à inviolabilidade de domicílio que é um direito de primeira geração. Ex 02: o direito à educação fortalece ou enfraquece a liberdade de expressão? Fortalece. Quem teve educação tem condições maiores de expressar sua opinião com clareza. Então, é um exemplo que um direito de segunda geração (educação) fortalece a tutela de um direito de primeira geração (liberdade de expressão). Então, há uma relação de complementariedade. Há uma relação de fortalecimento mútuo entre as gerações de direitos. Portanto, não é correto dizer que o advento de uma geração substitui a geração anterior. Na verdade, uma pressupõe a outra. Uma fortalece a outra. Mas, será que é só essa relação entre as gerações de direitos? Será que sempre quando a gente pensa em gerações de direitos há sempre um fortalecimento mútuo? De fato, há situações que ao invés de haver uma relação de fortalecimento mútuo há uma relação de restrição mútua entre os direitos fundamentais. Por exemplo: com o advento da função social da propriedade houve um fortalecimento no sentido de maior abrangência ou uma restrição ao que era direito de propriedade? Uma restrição. Coisas que antes podiam ser feitas se tornaram incompatíveis com a função social da propriedade. O direito de propriedade é um direito de primeira geração e a função social é um direito de segunda geração. Então, na verdade, o que a gente pode dizer é que a relação entre as relações de direitos é uma via de mão dupla, ou seja, por um lado há uma relação de fortalecimento recíproco, mas, por outro lado, há uma relação também de restrição recíproca. No que toca a esse segundo aspecto, conflito de direitos fundamentais, para resolver esse conflito é fundamental a gente aferir a natureza da norma que prevê o direito fundamental. E, aí, eu faço remissão ao que a gente já viu sobre conflito regra X regra e conflito princípio X princípio. Se os direitos fundamentais forem previstos como princípios, o que é regra geral, aí a hipótese é de conflito entre princípio X princípio se resolve através da ponderação. Se, excepcionalmente, os direitos

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Vamos entrar na questão dos Direitos Humanos.

O termo “geração” de direitos humanos é adequado? Será que o termo “geração” suscita algum problema?O problema que esse termo pode suscitar é que a idéia de geração pressupõe que a geração futura suplanta a geração anterior, substitui a geração anterior. Isso não ocorre em matéria de gerações em direitos humanos. O advento de direitos de uma nova geração não implica superação de direitos da geração anterior. A ONU, inclusive, já positivou a idéia de que há uma relação de indivisibilidade entre as gerações em direitos humanos.Significa que quando surge uma nova geração de direitos há um reforço na tutela dos direitos da geração anterior. Por exemplo: será que o direito a moradia reforça ou enfraquece o direito à inviolabilidade de domicílio? Fortalece. Qual a utilidade da inviolabilidade de domicílio se ele não tem domicílio? Então, evidente que o direito a moradia, que é um direito de segunda geração fortalece a tutela do direito à inviolabilidade de domicílio que é um direito de primeira geração. Ex 02: o direito à educação fortalece ou enfraquece a liberdade de expressão? Fortalece. Quem teve educação tem condições maiores de expressar sua opinião com clareza. Então, é um exemplo que um direito de segunda geração (educação) fortalece a tutela de um direito de primeira geração (liberdade de expressão).Então, há uma relação de complementariedade. Há uma relação de fortalecimento mútuo entre as gerações de direitos. Portanto, não é correto dizer que o advento de uma geração substitui a geração anterior. Na verdade, uma pressupõe a outra. Uma fortalece a outra.

Mas, será que é só essa relação entre as gerações de direitos? Será que sempre quando a gente pensa em gerações de direitos há sempre um fortalecimento mútuo?De fato, há situações que ao invés de haver uma relação de fortalecimento mútuo há uma relação de restrição mútua entre os direitos fundamentais. Por exemplo: com o advento da função social da propriedade houve um fortalecimento no sentido de maior abrangência ou uma restrição ao que era direito de propriedade? Uma restrição. Coisas que antes podiam ser feitas se tornaram incompatíveis com a função social da propriedade. O direito de propriedade é um direito de primeira geração e a função social é um direito de segunda geração.

Então, na verdade, o que a gente pode dizer é que a relação entre as relações de direitos é uma via de mão dupla, ou seja, por um lado há uma relação de fortalecimento recíproco, mas, por outro lado, há uma relação também de restrição recíproca.

No que toca a esse segundo aspecto, conflito de direitos fundamentais, para resolver esse conflito é fundamental a gente aferir a natureza da norma que prevê o direito fundamental. E, aí, eu faço remissão ao que a gente já viu sobre conflito regra X regra e conflito princípio X princípio. Se os direitos fundamentais forem previstos como princípios, o que é regra geral, aí a hipótese é de conflito entre princípio X princípio se resolve através da ponderação. Se, excepcionalmente, os direitos fundamentais forem positivados sob a forma de regra resolve-se pelo critério cronológico, especialidade e hierárquico.

Aula 19

Primeira questão importante diz respeito à terminologia. Se vocês forem dar uma olhada em qualquer livro de direitos humanos, em manual de direito constitucional ou mesmo na CRFB, vocês vão ver que há uma verdadeira salada terminológica. Uma hora se fala em direito de defesa e direitos prestacionais, outra hora se fala em direitos

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civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais. Há uma grande diversidade terminológica.

Eu vou fazer uma certa limpeza conceitual e esclarecer o sentido de cada um dessas expressões.

Primeira questão.

Quando se fala em geração de direitos, o que se quer designar? Qual o critério para dizer que o direito é de primeira, segunda ou terceira geração?

O critério é o momento histórico em que o direito foi concebido. A gente viu aqui na aula passada que momentos históricos são esses.

Um equívoco que costuma ser cometido é achar que direitos de primeira geração são sinônimos de direitos de defesa ou direitos de segunda geração são sinônimos de direitos prestacionais.

Na verdade, essas classificações seguem critérios distintos.

Como eu falei, quando se fala em gerações de direitos se atém ao critério cronológico, ao momento histórico em que o direito surgiu.

Quando se fala em direito de defesa ou prestacional, o critério é o conteúdo do direito. Ou seja:

Direito de defesa é o direito que o indivíduo tem de exigir do Estado uma prestação negativa. Uma abstenção do Estado.

Direito prestacional é o direito que o indivíduo tem de exigir do Estado uma prestação positiva.

Portanto, a distinção entre direito de defesa e direito prestacional é uma distinção quanto ao conteúdo do direito. Noutras palavras, quanto à prestação que ele gera ao seu titular.

Normalmente os direitos de primeira geração são direitos de defesa. É por isso que se costuma associar. Mas essa associação não é necessária.

Direitos humanos e direitos fundamentais. Será que há diferença entre esses termos?

Quando se fala em direitos humanos o que se quer dizer é utilizar o termo em seu aspecto genérico. Então, direitos humanos significa o uso do termo como gênero ou direitos positivados no plano internacional.

Direitos fundamentais ela é reservada ao direito positivado em Constituições Nacionais. São direitos positivados nas Constituições Nacionais.

E direitos naturais?

Quando se usa esse termo “direitos naturais” se refere à justificativa jusnaturalista para os direitos humanos.

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E direitos civis e políticos?

São os direitos de primeira geração. São os direitos fundados na liberdade.

E direitos sociais, econômicos ou culturais?

São os típicos direitos de segunda geração. São os direitos que surgiram do constitucionalismo social.

Então, é obvio que existem diversos outros nomes, mas esses esclarecimentos terminológicos já darão a vocês mais segurança para tratar desse tema.

O que significa dizer que os direitos fundamentais têm uma dupla dimensão: dimensão objetiva e subjetiva?

Dizer que os direitos fundamentais têm uma dimensão subjetiva não é novidade. Sempre se atribuiu aos direitos fundamentais uma dimensão subjetiva.

O que isso significa dizer?

O Jellinek dizia: os direitos fundamentais são direitos subjetivos públicos.

O que significa dizer que os direitos fundamentais são direitos subjetivos públicos?

São direitos subjetivos do indivíduo contra o Estado.

Agora, qual o sentido que o direito constitucional empresta à expressão direitos subjetivos? Será que o direito constitucional pega do direito privado o conceito tradicional de direito subjetivo ou cria o seu conceito próprio?

Isso foi trazido para o Brasil pelo Barroso, Clemerson Cléve e pela Carmen Lúcia. Foram autores que trabalharam dentro daquilo que se chama constitucionalismo brasileiro da efetividade.

O que é esse nome constitucionalismo brasileiro da efetividade?

Foi o conjunto de esforços para dar uma força jurídica efetiva à CRFB. Para que a CRFB tivesse de fato força normativa. Para que a CRFB saísse do papel. Esse pessoal pegou o conceito de direito subjetivo do direito civil, ou seja, não criou um conceito próprio.

Que conceito é esse? Qual é o conceito tradicional de direito subjetivo?

O titular do direito tem o direito de exigir do devedor o cumprimento de uma prestação de dar, fazer ou de não fazer.

Se não houver o cumprimento voluntário dessa prestação surge uma lesão ao direito do autor. E desse lesão nasce a pretensão de tutela coercitiva do direito em juízo. E cada pretensão corresponde a uma ação no Judiciário.

Qual o objetivo de dizer que os direitos fundamentais são direitos subjetivos públicos?

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Basicamente é dizer que a concretização dos direitos fundamentais não depende apenas do legislador, ou seja, o juiz pode diretamente aplicar o direito fundamental no caso concreto.

O que há de novo, aqui, é dizer que além da dimensão subjetiva os direitos fundamentais têm uma dimensão objetiva. Essa é uma idéia que foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional Alemão no segundo pós-guerra e tem como precedente fundamental o caso Luth.

O que significa dizer que os direitos fundamentais têm uma eficácia ou dimensão objetiva?

Significa dizer que além dos direitos subjetivos eles incorporam valores morais que não são quaisquer valores. Na verdade, os direitos fundamentais incorporam os valores morais de maior conteúdo de justiça da ordem jurídica.

O Canotilho diz que as normas de direitos fundamentais formam a reserva de justiça da Constituição, exatamente para designar as normas de maior conteúdo moral.

Agora, tudo bem, são normas de maior conteúdo moral, ou seja, se vocês forem no art. 5º CRFB vão perceber que lá estão os direitos morais mais importantes do direito brasileiro como, por exemplo, liberdade, segurança jurídica, igualdade, solidariedade, privacidade, proteção a honra, a vida. Tudo bem, mas vocês podem perguntar: mas para o que isso serve?

Então, na verdade, a idéia de dimensão objetiva tem dois corolários, duas conseqüências lógicas mais importantes. A primeira delas é a idéia de constitucionalização do direito. Então, um corolário da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, em particular, e da Constituição, em geral, é a constitucionalização do direito. A constitucionalização do direito é um fenômeno que decorre da chamada EFICÁCIA IRRADIANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, ou seja, exatamente pelo fato das normas constitucionais incorporarem os valores mais importantes da ordem jurídica, esses valores penetram, se irradiam, por todo o direito. Isso significa a eficácia irradiante das normas constitucionais. Como elas incorporam os valorais mais importantes da ordem jurídica eles se irradiam sobre os mais diversos ramos do direito. Uma conseqüência disso é o dever do intérprete realizar a FILTRAGEM CONSTITUCIONAL.

O que é a filtragem constitucional?

É como se o intérprete passasse todo o direito infraconstitucional sobre o filtro da Constituição. E, na verdade, os resultados desse processo de filtragem constitucional podem ser vários. A partir da filtragem constitucional de uma norma você pode reconhecer, por exemplo: (i) que ela é incompatível com a CRFB – o resultado pode ser uma decisão de inconstitucionalidade, (ii) pode ser uma interpretação conforme a CRFB, ou seja, a norma em si é constitucional, mas uma de suas interpretações é inconstitucional, (iii) aplicação do princípio da máxima efetividade (a norma comporta duas interpretações, as duas são constitucionais, mas uma realiza mais a CRFB do que a outra, e por isso, vou adotar essa), (iv) ou pode não implicar em nenhum efeito concreto em razão da escolha de uma interpretação. Mas, é dever do intérprete, antes

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de interpretar, de concluir a interpretação de uma norma, fazer esse processo de filtragem constitucional. Com isso, a CRFB goza de uma posição de centralidade na ordem jurídica.

Outro fenômeno importante e a EFICÁCIA HORIZONTAL.

O que significa dizer que os direitos fundamentais têm uma eficácia horizontal?

A gente pode dizer que, via de regra, a relação jurídica de direito fundamental é uma relação jurídica vertical. É vertical porque, via de regra, há uma relação jurídica entre indivíduos e Estado em que o indivíduo é o titular e ocupa o pólo ativo e o Estado ocupa o pólo passivo dessa relação. É uma relação vertical porque o Estado, como representa o interesse coletivo, tem a posição de primazia, tem os poderes de império que o indivíduo não tem. E os direitos fundamentais foram concebidos exatamente para proteger o indivíduo do Estado. Então, a relação típica de direito fundamental é uma relação vertical para proteger o indivíduo do Estado, que goza de uma posição de primazia.

Quando se fala em eficácia horizontal se quer referir a eventual aplicabilidade de direitos fundamentais à uma relação indivíduo versus indivíduo ou de pessoa jurídica de direito privado versus pessoa jurídica de direito privado. Ou seja, será que se aplicam os direitos fundamentais numa relação jurídica onde o Estado não participe? Em uma relação jurídica exclusivamente de direito privado? Os direitos fundamentais se aplicam às relações entre particulares?

A gente tende a responder que sim como se fosse a coisa mais simples. Não é nada simples. Isso é um problema que traz questões complexas. O grande precedente foi o caso Luth, mas antes de chegar ao caso Luth é importante, aqui, esclarecer que existem fundamentalmente três teorias sobre a aplicabilidade ou não dos direitos fundamentais às relações entre particulares.

1ª Teoria: é a teoria que prevalece nos EUA. É a chamada Teoria da STATE ACTION – teoria da ação estatal. O que é isso? Os americanos têm uma visão muito liberal. É uma visão que prestigia muito a liberdade individual. Eles são muito temerosos em relação a normas estatais coercitivas que obriguem o indivíduo a fazer alguma coisa. Eles prestigiam muito, então, a liberdade do indivíduo de agir de acordo com a sua consciência, de acordo com a sua visão de mundo. E, aí, dentre as várias conseqüências dessa perspectiva uma delas é a doutrina da STATE ACTION. Segundo essa doutrina a Constituição, em geral, e o direito fundamental, em particular, só se aplicam a ações do Estado e não se aplicam a ações do indivíduo. É obvio que a expressão ação pode e é usada nos EUA de forma ampliativa, ou seja, não é apenas a ação do Estado em sentido estrito, mas também a ação de particulares no exercício de funções públicas delegadas. Como se diz no Brasil – serviços de relevância pública como educação, saúde. Isso está dentro de ação estatal para fins de aplicação da Constituição e dos direitos fundamentais. Então, é uma visão mais restritiva a aplicação dos direitos fundamentais a ações de particulares para preservar a liberdade individual.

2ª Teoria: a tese que prevalece na Alemanha é a tese da aplicação indireta dos direitos fundamentais às relações entre particulares. O grande precedente é o caso

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Luth. Não há como abordar uma questão sobre eficácia horizontal sem abordar o caso Luth. O caso Luth foi o seguinte: foi o caso em que foram fincadas as bases do neoonstitucionalismo. Foi nesse caso que o Tribunal Constitucional falou que além da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais existe uma dimensão objetiva, ou seja, são valores; o Tribunal também falou que além de regras possui princípios que se aplicam mediante ponderação e a proporcionalidade e também tratou do problema da eficácia horizontal. E a tese afirmada foi a tese da aplicação indireta. Mas, para entender essa tese da aplicação indireta dos direitos fundamentais à s relações entre particulares é fundamental que vocês conheçam o caso. O caso é o seguinte: havia um sujeito chamado Harlan que era cineasta nazista que produziu diversos filmes em favor do Hitler de conteúdo nazista. Filmes que visavam convencer o povo alemão de que os judeus, por exemplo, formavam uma raça inferior. E, aí, terminada a 2ª GM, Alemanha perdeu a guerra, Hitler se matou e ele como era um cineasta tentou se reabilitar na indústria de cinema alemã. E, aí, houve um festival de cinema logo após a 2ª GM em Hamburgo, na Alemanha, e ele apresentou um filme sem nenhum conteúdo político chamado “a amante mortal”. O Erick Luth era um militante dos direitos humanos, diretor do clube de imprensa de Hamburgo e organizou um boicote. Ele ficava na frente dos cinemas que iriam passar o filme do Harlan dizendo que alemão que tem vergonha do que aconteceu na 2ª GM, não assistam o filme do Harlan porque ele apoiou o Hitler de uma forma muito ruim, que foi tentar incutir na mente das pessoas a ideologia nazista. E, aí, aqueles boicotes começaram a gerar um prejuízo comercial para a produtora. E, aí, a produtora entrou com uma ação na justiça alemã dizendo que aqueles boicotes realizados pelo Luth geravam uma violação ao art. 826 BGB (código Civil alemão). O art. 826 dizia que não seriam toleradas manifestações contrárias aos bons costumes. Então, o argumento era que essa manifestação violava os bons costumes e, portanto, deveria ser cessada. Percebam: é uma relação jurídica entre a produtora (pessoa jurídica de direito privado) e uma pessoa física. Portanto, é uma relação jurídica entre particulares. A justiça estadual de Hamburgo julgou procedente o pedido sustentando que de fato há uma violação aos bons costumes e que, portanto, essa manifestação é inválida. Portanto, ordenou que o Luth parasse com aquela manifestação. O Luth entrou com recurso constitucional ao Tribunal Constitucional Alemão sustentando que não era inválida aquela manifestação. Pelo contrário. Era uma manifestação protegida pela liberdade de expressão. Ele apenas estava exercendo a sua liberdade de expressão. O que o Tribunal Constitucional Alemão teve que apreciar como uma questão prejudicial à análise do mérito do recurso? A primeira coisa que ele teve que dizer foi se a liberdade de expressão se aplica em uma relação entre indivíduo e uma pessoa de direito privado ou a liberdade de expressão somente se aplica a uma relação entre indivíduo e Estado. A tese que foi adotada pelo Tribunal Constitucional alemão que é a tese majoritária na Alemanha é que os direitos fundamentais se aplicam aos três poderes diretamente. Não se aplicam diretamente aos indivíduos ou às pessoas jurídicas de direito privado. Então, os direitos fundamentais se aplicam aos três poderes, mas não às pessoas jurídicas de direito privado e às pessoas físicas. Portanto, ele só se aplicaria aos particulares de forma indireta. Como seria essa aplicação indireta aos particulares? O judiciário, nós vimos, é um dos poderes que está vinculado aos direitos fundamentais. Quando ele interpretar as normas de direito privado,

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sobretudo os conceitos jurídicos indeterminados, as cláusulas gerais do direito privado, ele deve preencher o sentido dessas cláusulas gerais com base nos direitos fundamentais. Então, o judiciário e os demais poderes devem preencher o sentido das cláusulas gerais do direito privado com os direitos fundamentais. Deve usar os direitos fundamentais para preencher o sentido das cláusulas gerais do direito privado. E no caso concreto o que o Judiciário fez? Ao se interpretar bons costumes, ordem pública de acordo com a liberdade de expressão, ou seja, ao se utilizar a liberdade de expressão para preencher o sentido dessas cláusulas gerais no caso concreto a conclusão é de que esse ato não viola os bons costumes e a ordem pública.

3ª teoria: qual é a tese que prevalece no Brasil? No Brasil prevalece a tese da aplicabilidade direta, ou seja, os direitos fundamentais podem incidir diretamente sobre relações jurídicas entre particulares. Essa foi a tese no RJ pelo Barroso, Sarmento, Ingo Sarlet.

Agora, existe um potencial problema nessa tese. Que eventual problema vocês conseguem vislumbrar numa aplicação desmedida, sem critérios, dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares?

Autonomia da vontade. O risco é de se sufocar a liberdade individual, a autonomia da vontade. Já se chamou de uma ditadura dos direitos fundamentais ou um fundamentalismo dos direitos fundamentais.

Eu vou dar um exemplo bem tosco para demonstrar bem o que se quer mostrar. Digamos que um pai tenha dois filhos de idade próxima. Chega o natal e ele dá para um dos seus filhos um pirulito e para o outro um videogame. E, aí, o filho que ganha um pirulito, revoltado, representado pela sua mãe propõe uma ação judicial contra seu pai dizendo que houve uma violação a isonomia e que essa distinção é arbitrária carecendo de um fundamento proporcional e que, portanto, peço que o juiz condene o pai a comprar um videogame igual ao que deu para o seu irmão. Vocês como juízes julgariam procedente esse pedido?

Se a gente analisar friamente o princípio da igualdade, se o pai é um amigo seu, o que você diria? Que você está viajando, está maluco. Você vai pagar mais para o seu filho com psicólogo do que vai gastar comprando outro videogame. Se eu fosse você ou daria um videogame para o outro filho ou diria que é dos dois. Mas, como juiz, será que faz sentido ele dizer que a distinção se baseou em um critério não proporcional e, portanto condeno o pai a dá o presente para o filho? Isso seria o cúmulo da judicialização das relações sociais, ou seja, o juiz definir que presente que o pai deve dá para o filho. Isso sufocaria evidentemente a liberdade individual. O peso da liberdade individual nesse caso é muito grande. Só em hipóteses muito radicais é que o judiciário pode intervir.

Então, esse exemplo que é uma brincadeira, mas que mostra bem o risco de uma aplicação desmedida dos direitos fundamentais às relações entre particulares. Há o risco de se sufocar completamente a liberdade individual e de se instituir uma ditadura dos direitos fundamentais.

Como que a teoria da aplicabilidade direta lida com isso?

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É mais um caso de ponderação entre princípios constitucionais.

Que princípios serão ponderados?

De um lado o direito fundamental em jogo que, no exemplo, é a igualdade, isonomia. De outro lado a liberdade individual, autonomia da vontade que também é um direito fundamental. E essa é a dificuldade da aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares. Na relação entre indivíduo X indivíduo os dois são titulares de direitos fundamentais. Daí a necessidade de se ponderar o direito fundamental em jogo e a liberdade individual que também é um direito fundamental.

Em qualquer ponderação tem que se observar a proporcionalidade. E, aqui, não é diferente. Essa ponderação se guia pela proporcionalidade. Mas seria muito pouco parar por ai. Dizer apenas que se guia pela proporcionalidade é pouco. É fundamental que sejam criados parâmetros específicos.

Que parâmetros específicos são esses?

Por exemplo. primeiro parâmetro importante: a simetria entre as partes.

Vou dar dois exemplos que tocam na questão do consumidor:

1. vamos imaginar um contrato celebrado entre a Apple e a Microsoft. 2. Um contrato celebrado entre a Microsoft e um consumidor analfabeto.

Em qual das situações há maior peso à liberdade individual? E em qual situação há maior peso do direito fundamental, ou seja, se justifica mais uma ação protetiva do Estado?

É obvio que a liberdade individual tem maior peso no contrato entre a Apple e a Mcrosoft. Não só porque o contrato é celebrado entre pessoas capazes, como há um nível de igualdade entre as partes, de maneira que como há uma certa simetria entre as partes não se justifica que o Estado atue intensamente para proteger uma das partes em detrimento da outra porque nenhuma das duas apresenta uma situação de vulnerabilidade. Não que elas possam celebrar qualquer coisa. Há um nível de controle, só que muito mais fraco.

Na hipótese entre uma multinacional e um consumidor analfabeto a assimetria entre as partes é gigantesca. A vulnerabilidade de uma das partes é flagrante, o que se justifica uma atuação mais intensa de proteção do Estado àquela parte mais vulnerável, ou seja, nesse caso, haverá um peso maior do direito fundamental.

Que parâmetro a gente pode extrair desse exemplo?

Quanto maior a simetria entre as partes maior o peso da liberdade individual. A contrário senso, quanto maior a assimetria entre as partes maior o peso do direito fundamental em questão. Mais se justifica uma ação protetiva do Estado.

Outro parâmetro é a chamada DOUTRINA DAS LIBERDADES PREFERENCIAIS. Segundo essa doutrina, as liberdades de caráter existencial gozam de um maior peso abstrato do que as liberdades econômicas, ou seja, as liberdades individuais são

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protegidas de forma mais intensa pelo direito constitucional do que as liberdades econômicas.

Exemplo: liberdade de expressão tem um peso maior do que liberdade de iniciativa. Se a liberdade em questão for uma liberdade existencial essa liberdade terá uma prioridade prima facie em relação ao direito fundamental em conflito. Se se tratar de uma liberdade econômica quem terá prioridade prima facie é o direito fundamental que conflita com ela. Então, por exemplo: caso Air France. Esse caso é um caso bem interessante de um conflito entre igualdade e livre iniciativa. A Cia Air France quando tinha filial no Brasil ela tinha empregados brasileiros e franceses. E ela concedia mais direitos aos empregados franceses do que aos brasileiros, embora muitos exercessem funções semelhantes. Evidentemente que os empregados brasileiros ingressaram com uma ação judicial, uma reclamação na justiça do trabalho em que postulavam a equiparação dos direitos. E o fundamento constitucional era o princípio da igualdade. Havia evidentemente um fundamento na CLT que são as normas sobre equiparação que são especificações do princípio constitucional da igualdade. Dizia: nós exercemos funções iguais, não há comprovação de que os franceses sejam mais produtivos, eficientes que os brasileiros de maneira que há de prevalecer a igualdade. Temos direito a tratamento igual. Por outro lado, a Cia Air France se defendia da seguinte forma: eu dou mais direitos aos franceses não porque eu quero, mas porque a legislação francesa é mais rigorosa. E em relação aos brasileiros eu dou todos os direitos previstos na CLT. Para além do que é obrigatório na CLT, prevalece a autonomia da vontade das partes para contratar. Se o empregado aceitou ele, portanto, exerceu legitimamente a sua autonomia da vontade. Há bons argumentos para ambos os lados. Como vocês decidiriam?

Prevaleceu a tese dos empregados. De fato essa tese era correta porque não é um critério razoável para criar distinção entre trabalhadores a nacionalidade. A nacionalidade não é um critério proporcional. A produtividade seria. Se você instituísse uma gratificação por produtividade remunerar melhor os mais produtivos independentemente da sua nacionalidade seria proporcional. Mas, a nacionalidade não é um critério razoável para estabelecer distinção de caráter remuneratório. Com base nisso, o TST e o STF fizeram prevalecer a igualdade.

De que forma esse parâmetro ajuda?

Havia um conflito entre igualdade e uma liberdade econômica que é a livre iniciativa, poder de gestão de empresa. E, aí, o que decorre desse parâmetro é que a igualdade tem prioridade prima facie em relação a liberdade econômica.

O que significa essa idéia de prioridade prima facie?

É uma questão que diz respeito ao ônus argumentativo. Ou seja, é o ônus de comprovar algo através de argumentos. Quando eu digo que a igualdade tem a prioridade prima facie em relação à liberdade de livre iniciativa, estou dizendo que é você que tem que comprovar que a livre iniciativa deve prevalecer.

Outro parâmetro importante é a otimização, a potencialização do pluralismo. A gente viu que o grande risco da aplicação desmedida dos direitos fundamentais às relações entre particulares é uma ditadura dos direitos fundamentais. Ou seja, é a imposição de

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uma visão de mundo a pessoas que não concordam com aquela visão de mundo. por exemplo: uma escola particular que seja exclusivamente de judeus, ou se muçulmanos, ou de meninos como é o são Bento. Será que essas escolas são constitucionais? Os critérios de seleção são constitucionais? Isso mostra como é diferente no âmbito privado do âmbito público. Se fosse escola pública é obvio que todas seriam inconstitucionais porque a forma que se aplica a igualdade para o Estado é diferente da que se aplica para o indivíduo porque no plano privado deve haver certo pluralismo. Com base nessa lógica, me parece que todos esses exemplos são constitucionais. E, nesse caso, a restrição ao ingresso é fundamental para manter a identidade daquele grupo. É fundamental para manter a identidade judaica que haja escola específica para aquele grupo. Escola só de meninos. É uma política educacional.

Há algumas decisões do STF relevantes sobre esse tema. O caso mais relevante é um caso da UBC – União Brasileira de Compositores. A hipótese era a seguinte: a UBC é uma associação privada que reúne compositores e ela é responsável pelo recolhimento dos direitos autorais. Ela integra a estrutura do ECAD. Ela tem no seu estatuto uma norma que diz que poderá haver uma exclusão sumária dos seus membros, ou seja, não se observa, segundo o estatuto da UBC, o princípio do devido processo legal e os seus corolários, contraditório e ampla defesa, para expulsão dos seus membros. E, aí, um determinado indivíduo que era associado à UBC foi expulso segundo o procedimento previsto no estatuto não sendo observado, portanto, o devido processo legal e seus corolários, a ampla defesa e o contraditório. Ele entra com uma ação judicial dizendo que sua exclusão foi inconstitucional porque não observou o devido processo que deveria ter sido observado e pedindo, portanto, uma decisão judicial que re-inclua o seu nome na associação. Qual é o argumento da associação que foi acolhido pela Ellen Gracie que era a relatora originária do caso e que proferiu o voto vencido? Qual foi a tese minoritária no STF?

Dentro da liberdade de associação está não apenas o direito de se associar ou sair da associação como também o direito de os membros da associação escolherem as normas que vão reger a associação. Então, se os associados resolveram estabelecer o procedimento de exclusão sem observar o princípio do devido processo legal foi um exercício legítimo da liberdade de associação. Portanto, a exclusão segundo o procedimento estabelecido no estatuto é válida.

Essa tese foi adotada pela Ellen Gracie e foi minoritária no STF. A tese que prevaleceu foi do ministro Gilmar Mendes no sentido de que seria aplicável ao caso concreto o devido processo legal, ou seja, o STF entendeu que seria obrigatoriamente aplicável ao caso o devido processo legal e que, portanto, a exclusão sem a observância do devido processo legal seria inconstitucional. Portanto, determinou que ele fosse re-incluído na associação.

Então, esse caso é um precedente importante da aplicação de um direito fundamental (devido processo legal) a uma relação jurídica entre particulares. Entre um indivíduo e uma pessoa jurídica de direito privado.

Então, o STF fez prevalecer um direito fundamental –devido processo legal – em detrimento da liberdade, que é a liberdade de se associar.

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Qual foi o argumento do Gilmar?

Se aplica o direito fundamental a uma relação entre particulares porque esse particular, essa associação privada não é uma associação qualquer. Essa é uma associação que integra o espaço público não estatal, ou seja, é uma associação privada que exerce uma função de interesse público porque ela recolhe direitos autorais, ela integra a estrutura do ECAD. Se ela recolhe direitos autorais e integra a estrutura do ECAD ela exerce uma função pública delegada. Então, na verdade, até a doutrina mais tímida quanto à aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares justificaria a aplicação do direito fundamental nesse caso. Até a doutrina da STATE ACTION justificaria a aplicação nesse caso porque é uma atuação comparável à atuação do Estado. É a mesma lógica, por exemplo, de você dizer que os partidos políticos têm que observar o devido processo legal para a exclusão dos seus membros. Os partidos políticos são também pessoas jurídicas de direito privado, só que é obvio que eles desempenham uma função pública relevante, de maneira que quanto à aplicação dos direitos fundamentais se equipara ao Estado.

Agora, mais complicado é, por exemplo, a situação de um clube de lazer. Será que um clube de lazer, Bola Preta, por exemplo, pode ter no seu estatuto uma norma para candidatos ao seu corpo social?

A gente tende a adotar no Brasil uma visão um tanto quanto paternalista, um tanto quanto paternalista. O paternalismo é achar que as pessoas não sabem ou não podem decidir direito e o Estado tem que decidir por elas. E o perfeccionismo moral é dizer que o que é bom tem que ser imposto porque é bom mesmo àqueles que não concordam com aquilo. A gente tem essa lógica, o que significa dizer que a gente respeita pouco uma visão que é discordante da nossa. Então, a gente tende a dizer que o “bola preta” é inconstitucional porque é discriminatório. Agora, a gente não pode esquecer que a força da liberdade individual no espaço privado é muito maior e há aqui um risco de se instituir uma ditadura do politicamente correto.

Será que o Estado tem que entrar nesse tipo de decisão acerca de quem e com quem os membros de um clube de lazer querem conviver?

Há um risco de, salvo em hipótese de preconceito flagrante, o Judiciário entrar muito na esfera de liberdade individual. Me parece que nesses casos é que em relação ao clube de lazer há uma força muito grande da liberdade. Então, os membros do seu corpo podem decidir sim discricionariamente quem vai fazer ou não parte do clube. A força da liberdade individual nesse âmbito é muito grande.

Agora, em hipóteses flagrantes de discriminação pode haver controle judicial. Por exemplo: surgiu um caso concreto de um clube na Lagoa em que um sócio requereu que fosse considerado como seu dependente o seu namorado. Era um cônsul de um país nórdico que namorava um brasileiro negro. E o clube negou esse pedido, apesar do preenchimento integral das condições objetivas previstas no estatuto. Nesse caso, acho que cabia controle judicial em caráter excepcional para permitir o seu ingresso. Primeiro porque o clube se autovinculou aos critérios estabelecidos e também pela caracterização de um duplo preconceito: racial e de orientação sexual.

Com isso a gente fecha o tópico de eficácia horizontal.

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Vamos entrar no tópico relações especiais de sujeição.

O que são?

Existem determinadas situações em que o indivíduo se submete a um regime jurídico que é aparentemente contrário aos direitos fundamentais. Por exemplo: alguém que é preso se submete a um regime jurídico de maior restrição dos direitos fundamentais para a proteção da segurança publica. Alguém que faz concurso público para uma atividade militar se submete, voluntariamente, a um regime jurídico caracterizado pela hierarquia e pela disciplina o que implicará em uma limitação dos seus direitos fundamentais.

Agora, a pergunta que se faz nessas situações é: o sujeito ao ingressar naquele regime jurídico perde os seus direitos fundamentais? Renuncia expressa ou tacitamente seus direitos fundamentais?

Não. A pessoa não se submete a um estatuto de servidão pela submissão a um regime jurídico como esse. O que acontece é que determinados direitos fundamentais poderão sofrer uma restrição mais intensa do que outros. Por exemplo: o sujeito que é preso tem uma restrição mais intensa à sua privacidade do que o sujeito que não está preso. Por exemplo: seria inconstitucional uma norma que proibisse o uso de telefones celulares para pessoas que não estão presas e é constitucional para as pessoas que estão presas.

Por que é que em um caso pode e noutro não?

Porque aquela pessoa está numa situação peculiar. Então, há a possibilidade de uma restrição mais intensa à sua privacidade para a proteção da segurança pública.

Agora, isso não significa que qualquer restrição ao direito fundamental vai se legitimar pela segurança pública. Tratamentos degradantes, humilhantes impostos aos presos certamente não se legitimarão pela necessidade de segurança pública.

Então, o que deve pautar, mais uma vez, é o princípio da proporcionalidade. Essa restrição é ou não proporcional.

Repito: nessas relações especiais de sujeição são toleradas restrições mais intensas aos direitos fundamentais, desde que observem a proporcionalidade, ou seja, desde que tenham um fundamento razoável para a proteção de princípios aplicáveis d forma especialmente intensa àquela esfera, como no caso de preso –segurança pública, de militares – hierarquia e disciplina.

Outro tópico é a diferença entre direitos e garantias fundamentais.

Qual é a diferença entre falar que algo é um direito fundamental ou uma garantia fundamental?

Vamos começar pelas garantias. As garantias têm um valor instrumental preponderante. As garantias são instrumentos de proteção de direitos fundamentais. Portanto, a sua valia não está nelas próprias, mas está no fato de protegerem outros direitos.

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As garantias fundamentais se dividem em dois tipos:

Garantias processuais: são os instrumentos processuais, e isso não se aplica somente aos processos judiciais, mas também aos processos administrativos, que se destinam a proteger direitos fundamentais. Então, por exemplo: no âmbito judicial – os chamados remédios constitucionais têm essa natureza de garantia fundamental processual; no âmbito administrativo – direito de petição tem natureza de garantia fundamental processual

Garantias institucionais: são institutos de direito público e de direito privado que são importantes para a tutela de direitos fundamentais. No direito público, por exemplo: Judiciário independente, MP independente, Defensorias Públicas aparelhadas, Procuradorias aparelhadas, acesso à justiça. No plano do direito privado: papel da família na proteção de direitos fundamentais, papel dos contratos na proteção de direitos fundamentais.

E os direitos? Qual é a característica principal deles?

A característica principal dos direitos fundamentais é que eles têm um valor intrínseco. O valor dele não é instrumental. Não está em proteger outras normas, mas em si próprio. Noutras palavras, está no próprio bem jurídico que o direito incorpora.

Por exemplo: por que a liberdade é um direito fundamental e não uma garantia fundamental?

Porque o valor da liberdade é o próprio bem jurídico da liberdade que ele incorpora. Segurança jurídica idem. Igualdade idem. São direitos fundamentais que têm valores intrínsecos.

Titularidade.

Quem é o titular dos direitos fundamentais?

Por excelência o indivíduo.

A gente viu que os direitos fundamentais foram concebidos como direitos para proteger o indivíduo contra o Estado. Então, tradicionalmente o titular dos direitos fundamentais é o indivíduo, pessoa física.

Surge um primeiro problema: pessoa jurídica pode titularizar direitos fundamentais?

Sim. O que tem que ser aferir é se o direito fundamental em questão é compatível com a sua natureza.

Por que isso é importante?

Porque ninguém é maluco de falar em direito de ir e vir de pessoa jurídica, em direito de religião de pessoa jurídica. É obvio que esses direitos pressupõem a natureza de pessoa física.

Agora, se for compatível, não há problema algum. Por exemplo: devido processo legal. Da mesma forma que o indivíduo não pode perder os seus bens sem a observância do

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devido processo legal a pessoa jurídica idem. Então, não há nenhum impedimento, a priori, de pessoas jurídicas serem titulares de direitos fundamentais, mas deve se aferir a compatibilidade do direito fundamental em questão com a natureza de pessoa jurídica.

Um problema adicional se dá em relação às pessoa jurídicas de direito público. Será que elas podem ser titulares de direitos fundamentais?

Aqui há um duplo problema. Não apenas pela condição de pessoa jurídica, mas também pela natureza de direito público. Porque o Estado normalmente ocupa o pólo passivo e não o pólo ativo da relação jurídica de direito fundamental, e aí, há um problema. A resposta é a mesma de anterior. Poderá se for compatível com a sua natureza. Só que nesse caso dizer que poderá ser titular se for compatível com sua natureza pressupõe a análise de não apenas se o direito é compatível com a condição de pessoa jurídica como se também é compatível com a condição de direito público.

Por exemplo: sigilo bancário. Sigilo bancário é compatível com a natureza de pessoa jurídica. Uma empresa tem sigilo bancário. Agora, é incompatível com a natureza de direito público porque sendo uma garantia da intimidade só faz sentido para particulares. Não faz sentido falar em intimidade na gestão de dinheiro público, porque nessa gestão de dinheiro público a regra é oposta, qual seja, da publicidade.

Outro problema diz respeito aos estrangeiros. Será que os estrangeiros podem titularizar direitos fundamentais?

Aqui o problema é colocado pelo caput do art. 5º, CRFB.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Então, uma interpretação literal dá a entender que os estrangeiros não residentes, que estão a passeio no Brasil, não tem direitos fundamentais em solo brasileiro. É cabível essa interpretação literal?

Evidente que não. Se fosse, se a polícia federal confisca arbitrariamente seus bens ele não poderia entrar com MS para reaver. Obvio que pode. Se ele é preso arbitrariamente ele não poderia entrar com HC? É obvio que pode. Então, na verdade, o que a doutrina e a jurisprudência majoritária do STF é que os estrangeiros não residentes também podem ser titulares de direitos fundamentais no Brasil. Isso é um corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é o valor fonte, é o valor fundamento dos direitos fundamentais. O grande suporte moral para os direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa humana. E é obvio que a dignidade do ser humano evidente que não é a nacionalidade. A dignidade do ser humano decorre da sua condição humana, independentemente da nacionalidade, de maneira que se o fundamento dos direitos humanos é a dignidade humana, independentemente da nacionalidade, o estrangeiro não residente fruirá também dos direitos fundamentais no Brasil e evidentemente que

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há de se aferir se o direito fundamental é compatível com a sua natureza de estrangeiro. Por exemplo, os direitos à cidadania, os direitos políticos são exclusivos de nacional, mas não há nenhum óbice, a priori, antes de se aferir a compatibilidade concreta daquele direito à condição de estrangeiro de que estrangeiro goza de direitos fundamentais no Brasil, porque eles são um corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

Outra questão importante sobre titularidade dos direitos fundamentais diz respeito a um PROCESSO DE ESPECIFICAÇÃO. O que é esse processo de especificação?

Significa que em um primeiro momento os direitos fundamentais surgiram como uns direitos titularizados por todos os indivíduos. Pelo ser humano em geral. Com o passar do tempo, surgiram direitos fundamentais para grupos específicos. Direitos fundamentais de imigrantes, das mulheres, presos, em tempos de guerra, criança e do adolescente, índios. Pergunta-se: esses direitos são direitos fundamentais se o titular não é todo e qualquer ser humano, mas o ser humano inserido em um grupo específico?

Sim. São direitos humanos. São porque os direitos humanos passaram por um processo de especificação que é exatamente a concessão de direitos a grupos específicos.

Por que é possível a concessão de direitos humanos a grupos específicos?

Porque esses grupos que eu citei se colocam ou se colocavam em uma situação de especial vulnerabilidade. Nós vimos que a lógica dos direitos humanos é a proteção do mais fraco, do mais vulnerável, de maneira que a concessão de direitos humanos a grupos vulneráveis se insere completamente na lógica dos direitos humanos. De forma alguma contraria a lógica dos direitos humanos.

Próximo tópico: Fundamentação dos direitos Humanos.

Esse tema de fundamentação ou legitimação de direitos humanos é um tema de grande implicação filosófica porque na verdade é uma pergunta de por que os direitos humanos são obrigatórios, por que eles são cogentes? Por que obrigam o Estado? Noutras palavras: de onde eles retiram, a sua obrigatoriedade?

É obvio que as respostas são as mais variáveis possíveis e não há como entrar em uma discussão de caráter filosófico.

Há basicamente duas linhas para se fundamentar a obrigatoriedade dos direitos humanos:

No seu conteúdo intrínseco Legitimar os direitos humanos pela sua positivação (tratados internacionais,

constituições, nas leis)

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AULA 20

Legitimação ou fundamentação dos Direitos Humanos.

Eu disse que a discussão da fundamentação dos Direitos Humanos diz respeito a qual é o fundamento da obrigatoriedade dos Direitos Humanos, por que são obrigatórios.

Então, por que os Direitos Humanos são obrigatórios para o Estado? Por que o Estado está obrigado a seguir os Direitos Humanos?

Pelo conteúdo dos Direitos Humanos, pois esses direitos incorporam bens jurídicos jusfundamentais de maneira que pelo seu conteúdo intrínseco são obrigatórios e o Estado tem que segui-los ou pela sua positivação.

Justificativa jusnaturalista: o jusnaturalismo é a corrente de filosofia do direito que embasou as revoluções burguesas, na medida em que a idéia de que os direitos humanos são supraestatais, acima do direito positivo, inclusive do direito constitucional positivo, foi usado como fundamento de legitimação da mudança do regime, ou seja, a transferência do poder soberano, de um monarca, para uma assembléia eleita pelo povo, isso foi legitimado pela proteção de direitos que eram anteriores ao Estado e estavam sendo violados pelo monarca. Então, a supraestatalidade, a suprapositividade dos Direitos Humanos foi usado como fundamento de legitimação da mudança de regime, da implantação do estado de direito.

Por que os revolucionários burgueses entendiam que os Direitos Humanos eram supraestatais, suprapositivos?

Eles entendiam que os Direitos Humanos eram direitos naturais do ser humano, eram direitos inerentes da condição humana. Todo ser humano pelo simples fato de ostentar a condição humana seria titular de direitos humanos e, portanto, antecedem a criação do Estado.

Por que se dava esse direito a humanos e não a animais?

O aspecto distintivo do ser humano foi a razão. O ser humano como sendo dotado de razão teria uma dignidade intrínseca. Isso daria ao homem uma dignidade especial que os animais não têm.

Resumindo: Direitos Humanos são superiores a quaisquer normas escritas, inclusive as constituições e são assim porque decorrem da dignidade humana. Logo, o fundamento jusnaturalista era um conteúdo dos direitos e não na sua positivação, pois eles decorrem da dignidade humana não precisando estar escrito em lugar algum.

Os Direitos Humanos, nessa perspectiva jusnaturalista, eles definem o que é direito, porque essa ordem de valores que compõem os Direitos Humanos é suprapositiva, de maneira que se qualquer norma do Estado violar os Direitos Humanos ela vai ser nula de pleno direito. Então, os Direitos Humanos formam uma ordem de valores que fica acima do direito positivo e que define o que é o direito.

Evolução:

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O positivismo passa a ter um apelo maior, ou seja, a justificação dos direitos humanos progressivamente deixa de ser seu conteúdo intrínseco e passa a ser a sua positivação formal, ou seja, o fato de estarem previstos nas Constituições e não leis e daí há um avanço na justificação positivista, no sentido de que esse é o fundamento dos Direitos Humanos, sua positivação formal.

Durante a primeira metade do século XX até a segunda guerra mundial essa é a explicação hegemônica para os direitos humanos.

Com o segundo pós-guerra a justificativa que entra em crise é a positivista, pois se percebe a fraqueza da explicação puramente positivista para os Direitos Humanos, pois o fundamento para os Direitos Humanos não pode ser apenas a sua positivação, mas também o seu conteúdo intrínseco.

Nessa medida, há um renascimento do jusnaturalismo após o segundo pós-guerra.

Qual a tese básica do jusnaturalismo?

É que se os Direitos Humanos são inerentes à condição humana eles são universais, ou seja, todo ser humano independentemente da cultura em que estiver inserido, ele goza de direitos humanos.

Mais recentemente, surgiu uma crítica a essa tese universalista. A crítica é chamada crítica multiculturalista ou comunitarista à tese da universalidade dos direitos humanos.

O que sustenta essa tese?

Essa tese de que existem Direitos Humanos universais é uma tentativa de o ocidente impor os seus valores ao oriente.

Os direitos humanos são valores ocidentais, isso é sabido.

O argumento é: existem sociedades que não comungam dessas valores e devem seguir seus próprios valores e não os valores ocidentais.

Qual a conclusão?

De que os Direitos Humanos, direitos individuais, são relativos, no sentido de que cada cultura tem o seu rol de direitos, pois seria fruto de um consenso ético obtido naquela cultura.

Há grandes problemas:

1. O universalismo gerar uma imposição de valores de uma cultura hegemônica em face de outras culturas;

Qual o risco oposto dessa tese multiculturalista?

De uma peculiaridade cultural violar direitos humanos.

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Exemplo: existe um procedimento em alguns países islâmicos que adotam uma filosofia mais literal e radical do alcorão em que se faz uma espécie de procedimento macabro das meninas para a puberdade que é a infibulação.

A infibulação consiste na extirpação do clitóris da mulher baseado em uma idéia de que o prazer sexual feminino é pecado, viola o alcorão.

Será que isso viola os direitos da mulher ou é uma peculiaridade daquela cultura?

A nossa tendência é achar que viola, pois olhamos a situação sob nosso prisma. Talvez realmente viole, mas o risco é a gente olhar segundo a nossa cultura, mas se olharmos segundo a cultura local pode-se dizer que isso é um dado da cultura local.

A posição que prevalece na ONU é que há duas esferas de proteção dos Direitos Humanos:

2. Esfera fina3. Esfera grossa

A esfera fina é universal, ou seja, há um núcleo mínimo de Direitos Humanos que pertence ao ser humano independentemente de sua cultura e há uma esfera mais grossa, ou seja, para além desse núcleo universal cabe a cada sociedade obter um consenso ético sobre quais são os direitos fundamentais de seus cidadãos.

Outro fenômeno importante é a chamada internacionalização dos Direitos Humanos.

Esse também é um fenômeno que é impulsionado no segundo pós-guerra, porque é mais uma implicação do Holocausto para o direito constitucional, pois a barbárie que aconteceu no Holocausto, do extermínio de certos povos.

Além da recuperação do jusnaturalismo houve um estímulo a internacionalização dos direitos humanos.

Até a segunda guerra prevalecia uma visão de soberania praticamente absoluta, ou seja, o Estado, por ser soberano no seu território, era o único responsável pela prevenção e repressão a violação a direitos humanos dentro do seu território.

Percebeu-se que na situação de o Estado ser um violar dos direitos humanos ele não pode ser o único defensor, senão a vítima não terá a quem recorrer.

Portanto, há um impulso de um processo de internacionalização dos Direitos Humanos.

Marcos desse processo:

Declaração de direitos do homem e do cidadão.

Editado logo após a segunda guerra.

Pacto de Direitos Civis e Políticos Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Foram positivados tratados sobre direitos específicos.

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Paralelamente à positivação dos direitos no âmbito internacional, foram positivados, criados, órgãos responsáveis pelo monitoramento para o desrespeito a esses direitos. Foram criados tribunais internacionais.

Dentro da tutela internacional de Direitos Humanos existe um sistema global, um sistema internacional de Direitos Humanos que visa atingir todos os países e há sistemas regionais, sistemas que atuam sobre grupos específicos de países.

Dentro do sistema global existem os órgãos de monitoramento que integram a estrutura da ONU.

Exemplo: a Corte internacional de AIA, Conselho de Segurança da ONU, Tribunal Penal Internacional.

Também há sistemas regionais de proteção de Direitos Humanos.

O mais importante deles é o sistema europeu.

A União Européia tem uma Corte Européia de Direitos Humanos que é extremamente atuante.

No âmbito das Américas, há a Corte Interamericana de Direitos Humanos que integra a estrutura da OEA.

Quais são algumas implicações relevantes da tutela internacional dos direitos humanos?

A primeira é que ela gera uma revolução no direito internacional. O direito internacional passa a ter como sujeito de direito o indivíduo.

Há a relativização do conceito de soberania, pois aquela idéia em que o Estado é soberano dentro do seu território, com a tutela internacional dos direitos humanos sofre relativizações.

Será que o fato de um tribunal internacional condenar um estado soberano por violação dos Direitos Humanos dentro de seu território viola sua soberania?

A resposta majoritária: não necessariamente. Se o tribunal internacional atuar nos limites de sua competência não haverá violação à soberania do Estado, pois o conceito de soberania hoje se relativizou pela universalização do conceito de Estado de Direito que é um conceito universal. Hoje, se universalizou a idéia de que o Governo deve se pautar não pela vontade discricionária dos seus governantes e sim pela lei.

Então, a idéia de estado de direito segundo a qual o governo deve se pautar não pela vontade discricionária de seus governantes e sim pela vontade abstrata, objetiva da lei, se universalizou.

Hoje os direitos humanos são tidos como pré-condições para o exercício legítimo da soberania.

Há argumentos mais específicos para afastar a violação a soberania:

O primeiro é que o Estado só pode ser condenado por um tribunal se ele se submeteu voluntariamente a sua jurisdição, ou seja, é necessário que o Estado tenha subscrito o Tratado

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que criou o tribunal internacional. Se ele não é subscritor do Tratado que criou o Tribunal internacional ele não está sujeito àquele tribunal.

Segundo argumento: princípio da subsidiariedade.

Um requisito de admissibilidade da jurisdição internacional é o requerente comprovar que as instituições nacionais não foram eficazes na prevenção ou repressão à violação dos direitos humanos.

HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Vale a pena nós fazermos três cortes na análise da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos.

O primeiro é a discussão antes da EC 45, que introduziu o art. 5º, §3º, CRFB: Como era a discussão antes da EC 45? O segundo passo é dizer: já à luz do art. 5º, §3, CRFB, qual é a situação dos tratados anteriores à EC 45 e a terceira questão é se saber qual é a situação, a hierarquia dos tratados posteriores à EC 45.

Como era a discussão antes da EC 45?

Antes da Ec 45ª discussão era travada em torno do art. 5º, §2º, CRFB, pois

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Então, era à luz desse dispositivo que se discutia a hierarquia constitucional sobre os tratados de direitos humanos.

Qual é a hierarquia que o STF atribui aos tratados em geral?

LO.

Então, num conflito entre tratado e LO, prevaleceria a posterior, exceto se houvesse uma relação de especialidade. Critério cronológico.

Em relação aos direitos humanos havia uma controvérsia.

Alguns autores defendiam já sobre a redação originária da CRFB que os tratados sobre direitos humanos tinham hierarquia constitucional e o fundamento positivo era o art. 5º, §2. Se a CRFB disse que os direitos previstos na CRFB não excluem os previstos em tratados, foi porque ela quis dar hierarquia constitucional aos tratados.

Uma tese intermediária era a tese defendida pelo Sepúlveda Pertence: os tratados sobre direitos humanos têm hierarquia supralegal, acima da lei, e infraconstitucional.

Só que o STF não adotou nenhuma dessas teses. Ele adotou a tese que dava a menor eficácia sobre direitos humanos porque disse que os tratados sobre direitos humanos assim como os tratados em geral eram recebidos com status de LO.

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O STF foi muito criticado porque ele aniquilou exatamente o art. 5º, §2, CRFB e segundo porque o STF tratou igualmente tratado de exportação de bananas com tratados sobre direitos humanos, pois deu o mesmo status.

As críticas repercutiram na reforma do judiciário, EC 45, que introduziu o art. 5º, §3.

O que diz esse §3º?

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)

Os tratados que observarem o processo de emendas valerão como norma constitucional.

Controvérsias:

Qual é a situação dos tratados anteriores à EC 45? Qual é o status dele?

Alguns autores sustentaram que valiam como norma constitucional ou entenderam que eles passaram a ter norma constitucional.

O STF não foi tão longo, mas não manteve a tese de que valeriam como LO. O STF ficou no meio do caminho. O STF adotou a tese que era adotada pelo Pertence, ou seja, o STF passou a entender que os tratados anteriores à EC 45 valeriam como norma supralegal e infraconstitucional, teriam, portanto, um status intermediário entre lei e constituição.

Exemplo: discussão da prisão do depositário infiel.

Existem duas discussões:

3. Hipóteses equiparadas ao contrato de depósito que é o caso da alienação fiduciária em garantia, cuja prisão foi prevista no Decreto-Lei 911

4. Contrato de depósito de fato.

Às figuras equiparadas ao contrato de depósito as prisões já eram um absurdo por uma razão muito simples: a CRFB dizia que era vedada a prisão civil por dívida. O direito fundamental não é um direito fundamental a prender, mas sim a não ser preso por dívida, exceto nos casos do alimentante inadimplente depositário infiel.

Então é obvio que se o direito fundamental é o direito a não ser preso por dívida, que se LO ou norma com igual status equiparasse outras hipóteses à hipótese de depósito, criaria uma terceira hipótese de exceção ao direito fundamental a não ser preso, o que não poderia ser feito por lei.

Por que o STF não declarou inconstitucional essa norma na origem?

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O Decreto-lei que equiparou a alienação fiduciária em garantia ao depósito foi um decreto-lei editado por uma junta militar em plena ditadura militar.

O STF pós 88 manter essa jurisprudência é que é absurdo. Só se explica pelo fato de os Ministros nomeados pela ditadura militar se manterem no STF. Quando esses ministros saem do STF, há uma renovação do STF e começa a perceber que algumas linhas decisórias precisam ser alteradas e essa é uma delas.

Só que o STF mudou tudo. Ele mudou as duas hipóteses.

O que o STF passou a entender?

O Pacto de San José da Costa Rica, que é um tratado internacional sobre direitos humanos que é anterior à Ec 45, ele só prevê prisão do alimentante inadimplente. Ele não autoriza a prisão do depositário infiel.

O argumento é que o Pacto de San José da Costa Rica foi aprovado como norma supralegal e infraconstitucional, logo, ele revogou as normas que disciplinam a prisão do depositário infiel no Brasil.

Conclusão: há uma autorização constitucional a se prender o depositário infiel, mas a efetiva instituição da prisão, as leis que disciplinam a prisão, estabelecem as hipóteses, procedimentos, foram revogadas pelo Pacto de San José da Costa Rica.

Com base nessa lógica, o STF vem considerando ilegítimas todas as hipóteses de prisão do depositário infiel e de figuras equiparadas.

Então, na hipótese do contrato de depósito em sentido estrito o STF vem dando habeas corpus para a prisão. Na hipótese de depósito judicial o STF também vem dando habeas corpus e com mais razão nas hipóteses de equiparação também.

Hoje, o STF considera que a única hipótese de prisão civil por dívida é a situação do alimentante inadimplente.

Qual é o problema teórico que decorre dessa jurisprudência do STF?

O STF na prática ele admitiu que o tratado revogasse a norma constitucional que autoriza a prisão do depositário infiel, porque se a norma é supralegal uma lei superveniente não pode restituir a prisão, pois o Pacto de San José ganharia por uma questão de hierarquia.

Então, a única forma de restituir a prisão do depositário infiel seria uma EC.

Qual é a situação dos tratados posteriores à EC 45?A primeira discussão é: será que o art. 5º, §3º é um procedimento obrigatório ou facultativo?

Pela literalidade ele é facultativo.

Dessa interpretação surgem 3 situações que pode ocorrer:

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O procedimento foi observado, ou seja, o tratado foi incorporado ao direito brasileiro com o quorum de 3/5 e dois turnos de votação. A conclusão é que vale como norma constitucional.

Pode ser que o tratado tenha sido internacionalizado com maioria simples e único turno e ai ele valeria como tratados anteriores à EC 45, ou seja, valeira como norma supralegal e infraconstitucional.

Não observou nenhum dos dois. Ele não observou nem o procedimento mais simples. Hipótese do não ingresso do tratado internacional no direito brasileiro.

Alguns autores vêm construindo uma interpretação teleológica do art.5º, §3, CRFB, ou seja, uma interpretação que atenta para a sua finalidade.

O que a Flávia Piovesan e o Ingo Sarlet sustentam?

Que o procedimento é obrigatório, ou seja, das duas uma: ao invés de três opções haverá duas que serão: ou o procedimento do art.5º, §3 foi observado, ou seja, ou o tratado foi aprovado por 3/5 em dois turnos e ingressa na ordem jurídica brasileira como norma constitucional ou o art. 5,§3 não foi observado, já que ele é obrigatório e ai não chega a ingressar na ordem jurídica brasileira.

Alguns autores sustentaram a inconstitucionalidade do art. 5, §3 sob o argumento de que dificultaria o ingresso de tratados sobre direitos humanos no direito brasileiro, já que estabeleceria um quorum mais qualificado, e sustentaram que a EC 45 nesse particular violaria a cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais.

Esse argumento não procede porque o que a EC quis e fez foi aumentar a eficácia dos tratados internacionais sobre direitos humanos, pois antes o STF consideravam que eram meras LO e a EC quis dar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos. Então, não há propriamente um enfraquecimento da tutela dos tratados internacionais sobre direitos humanos, mas efetivamente o oposto.

A imensa maioria dos tratados sobre direitos humanos é aprovada com um quorum elevadíssimo.

Outra discussão: hipótese de conflito entre uma norma constitucional originária e um tratado internacional sobre direitos humanos.

Qual norma vai prevalecer nesse conflito?

Depende da hierarquia do tratado.

Segundo a tese do STF os tratados anteriores à EC 45 são normas infraconstitucionais, assim como quem adota a tese da facultatividade do art.5, §3º, CRFB mesmo os tratados posteriores à EC 45 desde que observado o procedimento normal de maioria simples terão também hierarquia infraconstitucional.

Então, se o tratado em questão tiver uma hierarquia infraconstitucional prevalece a constituição por uma questão de hierarquia.

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Se o tratado internacional tiver hierarquia constitucional, por exemplo, um tratado posterior à EC 45 e observou o art. 5, §3, basta aplicar o critério cronológico?

Não, porque essa não é uma norma constitucional qualquer, mas uma norma que trata dos direitos humanos. Os direitos humanos são cláusulas pétreas. Impede a aplicação pura e simples do critério cronológico. Na verdade o que prevalece aqui é a norma mais protetiva aos direitos humanos, ou seja, o princípio do indubio pro dignitatis, ou seja, prevalência da norma mais favorável à dignidade da pessoa humana.

Há uma última discussão sobre os tratados internacionais sobre direitos humanos que é sobre o seu procedimento de incorporação.

Qual é o procedimento de incorporação dos tratados internacionais em geral?

São três fases:

a primeira fase é a celebração do tratado, ou seja, é a assinatura do tratado pelo Presidente da República na condição de Chefe de Estado.

Segunda fase: ratificação, ou seja, a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional por um decreto legislativo. Essas duas fases estão previstas na CRFB, art. 84 e 49 CRFB.

Terceira fase: não está prevista na CRFB. É fruto de um costume constitucional pelo uso reiterado e pelo convencimento geral de sua prática que é a promulgação do tratado por um decreto presidencial.

A dúvida que se coloca é se esse decreto presidencial é obrigatório em matéria de direitos humanos.

Por que se coloca essa dúvida?

Pelo art. 5, §1.

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Então, com base nesse parágrafo, a Flávia Piosevan sustenta que não há necessidade desse decreto presidencial para promulgar o tratado porque isso violaria o art. 5, §1. Essa é uma tese de vanguarda, mas a tendência do Presidente é de aplicar a mesma lógica de promulgar através de um decreto os tratados sobre direitos humanos.

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

É uma grande inovação em relação aos órgãos internacionais de monitoramento dos direitos humanos.

O TPI não é um tribunal ad hoc e ele só é competente para julgar fatos ocorridos após a sua instalação.

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O TPI é um tribunal penal. Então, ao contrário dos tribunais internacionais tradicionais, ele não julga Estados, mas julga indivíduos, sobretudo, governantes que tenham cometido os crimes de competência do TPI.

O TPI ele é disciplinado pelo Estatuto de Roma que tem natureza jurídica de tratado internacional. Lá estão as suas hipóteses de competência, tais como:

Crimes de guerra (violações ao chamado direito humanitário).

O que é o direito humanitário?

Direito humanitário são os direitos humanos aplicáveis em tempos de guerra.

Crimes contra a humanidade (ataques sistemáticos a populações civis)

Genocídios (intenção de destruir grupo étnico, racional, religioso)

Exemplo: a CRFB 88 não autoriza a extradição de nacionais. Brasileiros natos não podem ser extraditados.

Essa garantia fundamental obsta a que um brasileiro seja encaminhado ao TPI?

Não, porque o envio ao TPI (entrega) não se confunde com a extradição.

Qual o conceito de extradição?

Extradição é o envio de um indivíduo à justiça de um estado estrangeiro para que lá ele responda a processo ou cumpra pena.

Portanto, a extradição é o envio de um indivíduo para a soberania de um estado estrangeiro, ao passo que a entrega ao TPI é o envio de um indivíduo para um órgão internacional que não está vinculado à soberania de um Estado, mas conta com a parcela de soberania de vários Estados, inclusive, com a soberania do Estado que envia o indivíduo.

Outra controvérsia: prisão perpétua.

O TPI prevê prisão perpétua para determinados crimes e o Estatuto de Roma não autoriza a sua ratificação com reservas, ou seja, ou o Estatuto é incorporado integralmente ou não é incorporado.

O primeiro problema que surge é: se o estatuto do TPI não admite ratificação com reservas, isso significa que o Brasil tem que incorporar à sua legislação a prisão perpétua?

Certamente que não, pois nesse plano prevalece a soberania do Estado.

Será que o Brasil tem que aplicar a pena de prisão perpétua se determinado pelo TPI? Como funciona essa aplicação de pena?

O Estatuto de Roma prevê que os Estados que subscreveram o TPI devem colaborar com o TPI na aplicação de pena, ou seja, a princípio há o dever do Estado aplicar a pena se o TPI lhe

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solicitar. Só que isso deve ser cotejado com a soberania do Estado e com sua própria ordem constitucional.

Então, a posição majoritária no Brasil é de que o Brasil pode se recusar a aplicar uma pena que não seja admitida na sua ordem jurídica como é o caso da prisão perpétua.

Se houver um pedido de envio de um indivíduo ao TPI por crime punível, em tese, com prisão perpétua, o Brasil pode condicionar o envio à não aplicação da prisão perpétua, mas a aplicação de pena máxima de 30 anos?

Aplica-se por analogia a jurisprudência sobre extradição. O STF só admite a conversão da pena na hipótese da pena de morte. Então, o STF só condiciona a extradição à conversão da pena na hipótese de pena de morte.

Em relação à prisão perpétua, o STF extradita sem exigir a conversão.

Fechamos a parte de teoria geral de direitos fundamentais e entra na análise de direitos fundamentais na CRFB 88.

Primeira questão importante é analisar as características gerais da positivação de direitos fundamentais pela CRFB 88.

A CRFB 88 foi o principal marco jurídico do processo de redemocratização do Brasil, pois foi a ponte feita no âmbito do direito da saída de uma ditadura militar para um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, houve uma ênfase dada aos direitos humanos e tal ênfase é muito clara.

Exemplo: o catálogo de direitos humanos nas Constituições pretéritas vinha sempre ao final. O constituinte de 88 trouxe esse rol para frente. Além disso, a dignidade da pessoa humana foi eleita como fundamento da República Federativa do Brasil e o catálogo de direitos humanos foi bastante generoso.

Talvez o mais importante, como salienta Ingo Sarlet, é o fato de o constituinte ter dado às normas de direitos fundamentais uma eficácia reforçada, ou seja, o constituinte deu às normas de direitos humanos uma eficácia maior do que as normas constitucionais em geral.

Em que dispositivo se revela essa eficácia reforçada?

Exemplo: art. 5, §3º; art. 5º, §4º; 60, §4, IV.

Vamos ao art. 5º,§2º, CRFB.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

É a cláusula materialmente aberta.

O que significa essa cláusula materialmente aberta?

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Significa que os direitos previstos no art. 5º não formam um rol taxativo dos direitos humanos reconhecidos no Brasil. Esse rol é meramente exemplificativo, ou seja, não exclui outros direitos, podendo estar previstos ao longo da CRFB, em tratados internacionais, em atos infraconstitucionais e podem não estar previstos em lugar algum (direitos implícitos.

Como eu digo o que são direitos fundamentais?

A doutrina faz uma distinção entre direitos materialmente fundamentais e direitos formalmente fundamentais.

Os direitos formalmente fundamentais são aqueles que estão no rol constitucional de direitos fundamentais, ou seja, no capítulo II da CRFB.

Os direitos materialmente fundamentais são os direitos fundamentais não pelo local de sua positivação (direitos formalmente fundamentais), mas sim pelo seu conteúdo.

Se eles são direitos fundamentais não pela sua positivação, mas sim pelo seu conteúdo, é fundamental a gente identificar que conteúdo é esse, qual o elemento material que atribui a um direito a natureza de direito materialmente fundamental.

Hoje há certo consenso de que o valor fonte de direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa humana. É o valor que dá origem a novos direitos fundamentais e é o valor que permite a identificação de direitos materialmente fundamentais.

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Aula 21 – Direito Constitucional

Esses são os últimos tópicos do tema Teoria Geral dos Direitos Humanos. Depois disso a gente vai começar a ver os direitos fundamentais em espécie.

Faltou tratar de um tema correlato ao que a gente falou na aula passada que é o princípio da dignidade da pessoa humana. A gente viu no final da aula passada que o princípio da dignidade da pessoa humana é o valor fonte de direitos fundamentais. É o fundamento de direitos materialmente fundamentais.

E depois a gente vai ver o tema da eficácia dos direitos fundamentais, que hoje é um tema central na questão da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.

Sobre dignidade da pessoa humana.

O que significa dignidade?

Dignidade é um conceito muito amplo, muito vago. O próprio Barroso já escreveu que a dignidade humana não servia para nada logo após a CRFB 88, porque a idéia era que esse conceito era muito vago, pode ser usado para qualquer coisa e o que de fato se verifica na jurisprudência dos tribunais é isso. A dignidade da pessoa humana na jurisprudência dos tribunais é um artifício retórico, é um argumento para a decisão ficar mais erudita, mas é difícil extrair um conteúdo coerente da dignidade da pessoa humana da jurisprudência.

Qual será o conteúdo básico da dignidade da pessoa humana?

Um autor que sempre precisa ser citado quando se fala em dignidade da pessoa humana é o Cante. O Cante ele tem uma idéia que é absolutamente fundamental à noção de dignidade da pessoa humana. Dizia o Cante: “as coisas têm preço. As pessoas têm dignidade.” Quer dizer que as pessoas têm uma qualidade intrínseca que não é passível de mensuração em termos econômicos. Uma outra forma que ele dizia isso: “ as pessoas são fins em si mesmo”. Ele quer dizer que o ser humano não pode ser usado como instrumento nem para a realização do bem comum. Uma doutrina filosófica que é contrária à essa idéia de dignidade da pessoa humana é a chamada doutrina utilitarista. O utilitarismo é a doutrina que entende que o papel do Estado é a maximização do bem estar da coletividade como um todo. Então, para o utilitarismo o Estado deve maximizar o bem estar da coletividade, ainda que isso implique a superação da dignidade de alguns membros da comunidade.

Então, por isso que para doutrinas que são mais utilitaristas, são ais coletivistas como, por exemplo, a cultura chinesa. A cultura chinesa aplica pena de morte e manda a bala para a família para a família pagar o valor da bala. E de que forma isso se justifica?

Ele cometeu um crime. Ao se fazer isso, repreender duramente o crime, se maximiza o bem estar da coletividade ainda que surpreenda a dignidade de uma pessoa.

As culturas ocidentais, ao contrário, são culturas individualistas, ou seja, a função básica do Estado é a proteção do indivíduo. Então, esse raciocínio de que eu posso afastar a dignidade de um para tutelar o bem estar de muitos é contrário à idéia de dignidade da pessoa humana. É obvio que é dever do Estado maximizar o bem estar de todos, mas desde que respeite a

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dignidade da pessoa humana. Então, a dignidade da pessoa humana é o limite ético para a ação do Estado.

Isso ainda diz pouco. A dignidade da pessoa humana significa que o indivíduo é um fim em si mesmo e não pode ser instrumentalizado.

Então, algumas coisas a gente pode extrair disso:

Se o Estado quiser institucionalizar a tortura sob o argumento de que ao se fazer tortura em inquérito policial vai haver uma diminuição da violência, então, fará sentido restringir o direito à integridade física de um para garantir o direito à integridade física de muitos. Isso é um raciocínio afastado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Então, a gente já consegue extrair algum conteúdo dessa idéia de não instrumentalização do ser humano.

Só que isso ainda é pouco. A gente precisa identificar alguns direitos que são inerentes à idéia de dignidade da pessoa humana.

O Barroso ele desenvolveu uma proposta em dividir a dignidade em duas vertentes que ele chama da dignidade como autonomia e dignidade como heteronomia.

Dignidade como autonomia: seria a expressão individual da dignidade, ou seja, o lado ligado à liberdade individual. A autonomia do indivíduo para agir de acordo com a sua consciência.

Então, dentro dessa idéia, há duas vertentes de autonomia, que são:

Autonomia privada: são as liberdades individuais. A liberdade de ir e vir, liberdade de associação, liberdade de reunião.

Autonomia pública: seriam os direitos políticos, o direito de o indivíduo participar do processo político. Direito de votar, direito de ser votado, faculdade de participar de partidos políticos.

E dentro da autonomia privada, além das liberdades, estão outros direitos ligados a proteção da esfera individual. Por exemplo: direito à vida, integridade física, imagem, propriedade. Todos aqueles direitos de primeira geração.

Por outro lado há a chamada dignidade como heteronomia.

Dignidade como heteronomia: é algo que atua em sentido oposto à dignidade como autonomia. Se a dignidade como autonomia visa a definir uma esfera de atuação do indivíduo imune à atuação do Estado, ou seja, uma área em que o indivíduo pode atuar de acordo com a sua consciência, com a sua visão, a dignidade como heteronomia é o oposto. É a possibilidade do Estado limitar a liberdade individual com base em direitos de terceiros ou valores da comunidade.

Exemplo: a liberdade individual não é plena, por exemplo: Quando o Estado proíbe que pessoas façam sexo na rua, por exemplo, essa é uma limitação à liberdade individual com base em valores da comunidade. Ou quando o Estado proíbe que pessoas violem direitos de

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terceiros, cometam homicídios, roubos, é uma limitação à liberdade individual com base em direito de terceiros.

O Barroso sustenta, com razão, que há uma prioridade prima facie da dignidade como autonomia em relação à dignidade como heteronomia. O constituinte de 1988 priorizou a dignidade como autonomia à dignidade como heteronomia, ou seja, priorizou a liberdade individual à intervenção restritiva do Estado.

O Barroso aplica essas idéias de dignidade a questões interessantes. Ele já tinha trabalhos mais antigos que aplicava a dignidade a questões de células tronco embrionárias e tem trabalhos mais recentes aplicando à eutanásia e transfusões de sangue de testemunhos de Jeová.

Essas são as idéias gerais de dignidade da pessoa humana.

Vamos passar para a eficácia dos direitos fundamentais.

Qual era a posição padrão sobre a eficácia dos direitos fundamentais?

Quando eu falei sobre o princípio da efetividade da CRFB. Lembrem-se daquela distinção que eu fiz entre normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis. Era tradicional no direito brasileiro essa distinção. Normas mandatórias (que seriam as normas autoaplicáveis) e normas diretórias (normas não auto-aplicáveis). Surgiu lá na nossa primeira Constituição Republicana em 1891 e durou até a década de 70, com a obra do Prof. José Afonso da Silva. Segundo essa lógica de que havia normas autoaplicáveis e não auto-aplicáveis em relação aos direitos de primeira geração, aos direitos de defesa e em relação aos direito de segunda geração, que normalmente são os direitos prestacionais.

Como vocês vinculariam essas idéias? Quais são os autoaplicáveis?

Os direitos de primeira geração. E os direitos de segunda geração eram tidos como não autoaplicáveis.

Essa era uma visão muito tradicional no direito brasileiro. Os direitos de primeira geração – liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, liberdade de religião, propriedade, intimidade – eram tidos como normas constitucionais autoaplicáveis, ao passo que os direitos de segunda geração – direito à saúde, educação, previdência e assistência social, moradia – eram tidos como normas não autoaplicáveis.

Por que é que se fazia essa distinção? Quais eram os principais fatores que levavam à essa distinção?

Primeiro fator era o grau de densidade semântica, ou seja, o grau de concretude da norma. Se dizia: “os direitos de primeira geração são mais precisos, concretos, se sabe quais sãos os conteúdos deles, ao passo que os direitos de segunda geração são mais abstratos, são mais ambíguos, não se sabe exatamente qual é o conteúdo, quais são as prestações”. Por isso que os direitos de primeira geração não precisam de lei regulamentadora e os de segunda geração precisam.

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O segundo critério era o custo dos direitos. O argumento era o seguinte: ”os direitos de primeira geração são direitos à abstenções estatais, são os direitos a realização de obrigação de não fazer. Para o Estado se abster ele não gasta dinheiro. Então, como os direitos de primeira geração não implicariam em custos, eles seriam autoaplicáveis. Já os de segunda geração, como implicariam em significativos custos financeiros, eles não seriam autoaplicáveis. Eles só produziriam efeitos depois que houvesse uma lei, sobretudo uma lei orçamentária, que designasse recursos financeiros para o custeio daquele direito.

Só que essa visão cai por terra. Os estudos mais modernos sobre os custos dos direitos revelam que essa distinção de que só os direitos de segunda geração geram custos é falacioso. Não é verdade que só os direitos de segunda geração que geram custos. O argumento deles é de que as liberdades do direito de primeira geração também geram custos. Exemplo: há um incêndio em uma localidade na Flórida e o Estado da Flórida monta uma mega operação de combate ao fogo com a finalidade de proteger aquelas residências. E daí, indaga-se: quanto se gastou nesse programa? Dezenas de milhões de dólares. Para proteger que direito esse programa foi implementado? Direito de propriedade. Então ele diz: “o argumento de que o direito de propriedade gera apenas um dever de abstenção do Estado, de não confiscar a propriedade sem ajuste prévio e indenização em dinheiro é uma falácia. A proteção da propriedade pressupõe a prestação de serviço público, de segurança pública, de combate a incêndio e tudo isso custa dinheiro. A mesma coisa se a gente imaginar o direito ao voto que é um típico direito de primeira geração. Sempre se pensou que não gera custo, mas montar uma eleição não gera custos? Então, os estudiosos percebem que essa distinção é falaciosa. Ela, na verdade, subjacente a ela, há uma visão de mundo liberal que quer privilegiar os direitos de primeira geração em relação os direitos de segunda geração.

Esse entendimento muda o norte do debate porque se passa a ter que reconhecer que ambas as gerações de direitos geram custos, tanto os direitos de primeira quanto de segunda geração têm custos. Então não é uma dicotomia. É uma diferença de grau. Os direitos de segunda geração geram mais custos do que os direitos de primeira geração. Então, o problema dos custos não é exclusivo de segunda geração.

Então, cai por terra a idéia de que os direitos de primeira geração seriam autoaplicáveis e os de segunda seriam não autoaplicáveis. Isso repercute na jurisprudência.

Hoje, a gente vai passando já de tópico e entrando aqui na evolução da tutela judicial dos direitos prestacionais, a gente percebe hoje uma grande mudança na jurisprudência dos tribunais sobre a tutela dos direitos prestacionais.

Como era a jurisprudência tradicional do STF, por exemplo, sobre a tutela dos direitos prestacionais? Se vocês a quarenta anos atrás propusessem uma ação pedindo que o Estado fornecesse gratuitamente medicamentos com base no direito fundamental à saúde. Qual seria a resposta do juiz?

O art. 196, CRFB não é autoaplicável. Me diga qual é a lei que obriga o Estado a fornecer gratuitamente medicamentos que eu lhe dou esse medicamento, mas se não houve ruma lei específica eu não posso condenar o Estado com base no direito fundamental à saúde, porque essa é uma norma não autoaplicável.

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Então, o Judiciário aplicava o princípio da Separação dos Poderes e os seus corolários –discricionariedade legislativa, questões políticas, presunção de constitucionalidade, impossibilidade do Judiciário atuar como legislador positivo – usava todos esses corolários do princípio da Separação dos Poderes para dizer que quem tem que concretizar o direito fundamental à saúde não sou eu juiz, mas o legislador. Então, o que é importante extrair disso é a idéia de que as normas constitucionais que positivavam os direitos sociais não eram autoaplicáveis.

Isso foi a jurisprudência dos tribunais desde a introdução dos direitos sociais na constituição de 1934 até o final da década de 90. A concretização se dava no âmbito da política, no âmbito do Poder Legislativo e Executivo e não no âmbito judicial.

As coisas começam a mudar no final da década de 90 e, sobretudo, no início do século XXI. Caso paradigmático é um caso de fornecimento de coquetel de medicamentos para a AIDS. Por que esse caso é paradigmático?

Na inicial se pedia para que o Estado fosse condenado a fornecer o coquetel de medicamentos para a AIDS com base no direito fundamental à saúde. Só que era um caso do Rio Grande do Sul e a lei do Estado do Rio Grande do Sul já previa o dever do Estado de fornecer medicamentos.

Então, qual era o caminho mais curto para se formular esse pedido?

Basear o pedido na lei, porque não haveria dúvida, porque mesmo que se entendesse que o dispositivo constitucional não era autoaplicável ele já tinha sido concretizado pelo legislador. Era a solução mais cautelosa, só que se fundamentou também na CRFB e o Ministro Celso de Mello proferiu uma decisão ousada, maximalista onde ele diz que “o direito à saúde é um direito fundamental e, portanto, autoaplicável”. Portanto, a sua concretização não pode depender da boa vontade da Administração Pública, dos poderes políticos. O que ele quis dizer é que a tutela desse direito poderia se dá em juízo, sob pena da inércia do Poder Executivo e Legislativo ficarem impune. E disse mais: não há que se falar na chamada reserva do possível. Não há que se falar na ausência de recursos financeiros para obstar a aplicabilidade de direitos fundamentais.

A doutrina majoritária concorda com isso. O problema é: como distinguir as hipóteses em que cabe a tutela judicial daquelas em que não cabe, porque você só dizer que o direito fundamental à saúde é autoaplicável, portanto, passível de tutela judicial, sob pena de depender da boa vontade do legislador e do administrador, isso tudo está certo. Agora, como distinguir a prestação que é devida, que é passível da tutela judicial daquela que não é?

O ministro Celso de Mello não trouxe critérios. E, aí, o que era natural: esse acórdão estimulou uma extrema judicialização do direito à saúde no Brasil.

Então, hoje, a gente vive outro cenário que é de uma judicialização intensa do direito à saúde.

O Barroso tem um parecer chamado “da falta de efetividade à excessiva judicialização”. O próprio título já denota essa evolução. Em um primeiro momento essa idéia de que era uma

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norma não autoaplicável revelava isso que ele chamava de falta de efetividade da Constituição. Só que depois desse acórdão do Celso de Mello de que esse dispositivo é autoaplicável sem estabelecer critérios das prestações que são passiveis de tutela jurisdicional para aquelas que não são gerou uma excessiva judicialização.

Esse acórdão do Celso de Mello deu uma origem em uma avalanche de processos. Quem atua no Judiciário sabe que o problema dos medicamentos virou uma avalanche que ninguém sabe mais como resolver. É uma coisa que saiu do controle.

Quais saio as críticas que hoje são colocadas à essa excessiva judicialização?

A primeira crítica é uma crítica de ordem financeira. Trata do problema da escassez de recursos públicos. O argumento é: os recursos públicos são escassos e as demandas superam em muito os recursos existentes. É a história do cobertor curto. O cobertor não cobre o corpo inteiro. O problema da escassez foi traduzido na idéia da reserva do possível.

O que significa reserva do possível?

Que há limitações financeiras à efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo dos direitos prestacionais.

Exemplo: não reconhecer isso significa que se a CRFB previsse que o Sistema Único de Saúde será igual ao Sueco, no dia seguinte à promulgação da CRFB haveria um grande número de médicos, de equipamentos. Não é assim. É obvio que quando os direitos têm custos financeiros, o grau de efetivação do direito depende do dinheiro que é empregado naquele serviço público.

Então, a ausência de recursos financeiros é um problema fático, inevitável à implementação de direitos fundamentais que apresentam custos.

Existem duas vertentes sobre a reserva do possível.

4. Reserva do possível fática: significa que só não deveria haver entrega de uma determinada prestação determinada em juízo, se ficar comprovado que o Estado em geral, ou seja, que não há no orçamento global do Estado, dinheiro para cobrir àquela prestação.

5. Reserva do possível jurídica: só não deve haver a entrega daquela prestação se não houver dotação orçamentária específica para cobrir àquela prestação.

Da reserva do possível, da crítica financeira, decorre a crítica democrática, que é o seguinte: se o cobertor é curto, se o dinheiro não dá para tudo, o que é que surge inevitavelmente?

Alguém tem que definir prioridades.

Se o dinheiro disponível não dá para fazer tudo que a gente quer, temos que estabelecer prioridades.

A quem cabe a eleição de prioridades no gasto público, via de regra?

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À quem foi eleito, porque tem legitimidade democrática, tem a legitimidade pelo voto popular, que são o Chefe do Executivo,e os Parlamentares.

E qual é, portanto, o instrumento para que essas escolhas na priorização do gasto público devem ser feitas?

Pelas leis orçamentárias. Plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual, que são leis de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Então, são atos que tanto atua a vontade do Chefe do Executivo quanto do Legislativo.

Há uma crítica também que é uma crítica institucional que toca no assunto que é a questão das capacidades institucionais.

O argumento das capacidades institucionais é o seguinte: a gente não pode, quando pensa na interpretação do direito, seja ele constitucional ou não, pensar em figuras ideais. A gente tem que pensar no juiz de carne e osso, no administrador de carne e osso e no legislador de carne e osso. Não adianta mitificar a figura dessas pessoas. E pensando no Judiciário de verdade e no Legislativo de verdade, quais são as diferenças básicas de formas de atuação?

O Judiciário atua segundo à lógica da microjustiça enquanto que os Poderes Executivo e Legislativo atuam segundo à lógica da macrojustiça.

O Judiciário quer fazer justiça para o caso concreto. O Judiciário raciocina “A” versus “B”, até pelos limites subjetivos da coisa julgada. A decisão só vai produzir efeitos para as partes. Então, o juiz está preocupado em fazer justiça para as partes. O juiz não considera, via de regra, pessoas que estão em situação igual à do autor, mas não são autores, porque a decisão dele não vai produzir efeitos.

Exemplo: sujeito pede que o Estado custeie uma cirurgia em Kansas City e diz que lá é o único lugar que tem essa cirurgia. Se eu não fizer essa cirurgia eu vou morrer. O juiz não pensa que tem 10.000 pessoas na situação igual à do autor e eventualmente o Estado não vai ter dinheiro para pagar para as 10.000 pessoas. Ele pensa no autor, porque é só o autor que lhe pede. Só o autor se apresenta ao processo. Os outros ele nem sabe quem são. Então, o juiz atua com base na lógica da justiça para o caso concreto, da justiça particular.

Isso faz com que o Judiciário tenha uma “visão de túnel”, só para as partes, sem conseguir ver o todo, ao passo que o legislador e o Executivo atuam segundo a lógica da macrojustiça, têm um espectro de visão mais amplo porque, ao contrário do Judiciário que quer fazer justiça para o caso concreto, o legislador atua segundo a lógica das políticas públicas.

O que é uma política pública?

É um conceito que não é jurídico, mas interdisciplinar.

Vamos imaginar, por exemplo, uma política de combate ao dengue no RJ. O que a Secretaria de Saúde vai fazer?

Primeiro vai fazer um diagnóstico. Vai ver quantas pessoas morreram de dengue nos últimos anos, quais são os focos. Feito o diagnóstico, estabelece um programa de ação. Vou alocar

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tantos médicos, vou comprar pesticidas, vou fazer um programa de educação e aloca recursos para o custeio dessas atividades. Isso é uma política pública.

E qual a diferença fundamental para o nosso problema aqui com a tutela judicial?

O administrador público não vai atender apenas àquele que pede a ele. Ele vai atender a todos que necessitam daquela tutela. Então, ele atua segundo essa lógica da macrojustiça, da justiça geral.

E dessa crítica institucional, decorre uma crítica econômica que é a seguinte: como o administrador atua segundo a lógica da macrojustiça ele tem condições melhores de otimizar os gastos públicos, de dar um uso mais produtivo aos gastos públicos do que o Judiciário que não tem essa visão mais ampla. É ineficiente em termos econômicos. A tutela judicial acaba sendo mais custosa.

Há, por fim, uma crítica à igualdade.

A crítica à igualdade diz o seguinte: infelizmente o acesso à justiça no Brasil não é amplo, não é total. A gente não pode dizer que toda a população brasileira tem acesso à justiça. Essa é uma meta ainda em longo prazo. Isso é mais grave ainda em Estados que não tenham Defensorias Públicas estruturadas, o problema do acesso à justiça é um problema significativo.

Em um contexto de escassez de recursos deveria se beneficiar quem mais precisa que é a camada mais baixa da população e não é essa a camada que está sendo diretamente beneficiada pela tutela judicial.

Então, as críticas são muito contundentes.

Só que também essas críticas não devem levar ao retorno da primeira fase da jurisprudência, ou seja, dizer que essas normas à luz dessas críticas são não autopliacáveis, porque isso, de fato, é dar um cheque em branco ao poder executivo e ao poder legislativo. O Judiciário tem um papel importante a desempenhar aqui. Talvez não seja se substituir ao legislador e ao executivo como vem fazendo hoje em relação aos medicamentos, mas que seja um papel mais tímido mas que não seja uma ausência total de atuação como era no passada.

Isso significa estudar a natureza dos direitos sociais.

Qual será a natureza jurídica dos direitos sociais? Existem algumas possibilidades para tratar da natureza jurídica dos direitos prestacionais.

Uma é dizer que eles são direitos não autoaplicáveis. São normas meramente programáticas. Isso significaria um retorno à tese anterior. Dizer que são normas não autoaplicáveis significaria um retorno à tese anterior que, como eu disse, dava um cheque em branco ao legislador e ao executivo para a implementação desses direitos. A evolução dessa tese no Brasil mostrou que não foi bom para a tutela desses direitos. Então, praticamente ninguém no Brasil defende o retorno à essa tese.

Outra solução é entender que os direitos prestacionais dão origem apenas a direitos coletivos e não à direitos individuais. Essa tese é defendido no Brasil pelo Fabio Konder Comparato e foi

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adotada no caso mais badalado sobre a tutela de direitos sócias que é um caso da Suprema Corte da África do Sul.

Esse caso era o seguinte: havia uma população de rua na África o Sul em Joanesburgo que morava em condições péssimas. Essa população se moveu e ocupou uma outra área, que era uma área que tinha um proprietário. O proprietário moveu as ações cabíveis para retirar essas pessoas de lá e obteve êxito. As pessoas foram retiradas dessa área ocupada com intervenção policial. As pessoas não tinham para onde ir e acabaram ocupando uma outra área também na capital da África do Sul em condições totalmente degradantes. Alguns representantes desse grupo entraram com um ação judicial porque a Constituição da África do Sul, assim como a brasileira, prevê o direito à moradia. Então, eles entraram com uma ação pedindo que o Estado desse efetividade ao direito à moradia. O que a Suprema Corte da África do Sul disse?

É uma ilusão achar que do direito à moradia decorre o direito individual do indivíduo a exigir do Estado uma casa, mas também o fato do constituinte ter colocado direito à moradia na Constituição tem que valer para alguma coisa e ai disse: o direito que decorre do direito fundamental à moradia é o direito a existência de uma política pública razoável em matéria de moradia, ou seja, o Estado tem que ter um programa eficiente em matéria de moradia. Tem que ter uma política pública razoável, proporcional em matéria de moradia.

O que a Suprema Corte disse?

A política pública que existia em matéria de moradia não era razoável, não era proporcional, porque não tinha uma previsão para o atendimento de pessoas em situação desesperadora. A política pública existente não contemplava essas pessoas.

E aí está a grande postura de ativismo dessa decisão – a Corte condenou o Estado a criar uma política pública para essas pessoas. E mais. Designou um órgão independente para monitorar o cumprimento da sua decisão. É uma decisão que apesar de negar um direito subjetivo individual decorrente do direito à moradia é uma decisão ousada. É uma decisão ativista e talvez seja um ativismo realista.

Só que no Brasil quem estuda melhor o problema social no Brasil, que tem mais escrito sobre isso é o Ingo Sarlet. Ele sustenta que além da dimensão coletiva, os direitos sociais têm uma dimensão individual, ou seja, sustenta que os direitos sociais também dão azo a direitos subjetivos individuais.

Ele diz: esses direitos subjetivos individuais não são absolutos, mas relativos, ou seja, são direitos prima facie.

O que significa dizer que os direitos sociais dão azo a direitos subjetivos individuais prima facie?

Significa que o efetivo reconhecimento de uma prestação individual com base em um direito fundamental prestacional pressupõe uma ponderação na resolução de um conflito entre princípios constitucionais.

Ponderação entre quais princípios?

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De um lado a norma que prevê o direito prestacional, por exemplo, saúde no art. 196, CRFB e de outro o princípio da Separação dos Poderes e o Princípio da Legalidade Orçamentária que levariam a que o Judiciário só reconhecesse, segundo esses princípios, o direito individual se houvesse dotação orçamentária específica. Já a norma que prevê o direito prestacional conduzira, se ela vence a ponderação, que o Judiciário concedesse esse direito mesmo que não haja dotação orçamentária específica.

Dizer só isso, que se aplica a proporcionalidade casuisticamente é pouco. É fundamental que a gente desenvolva parâmetros.

O primeiro parâmetro é a própria idéia de reserva do possível, ou seja, como atua a reserva do possível na implementação dos direitos prestacionais?

O que a doutrina moderna vem dizendo é que não deve ser adotada na sua forma pura nem a reserva do possível fática nem a reserva do possível jurídica.

Por quê? O que significa a reserva do possível fática?

Tem que ter dinheiro no orçamento geral do Estado.

Para uma prestação sempre vai ter dinheiro. Por mais que eu peça um tratamento em Kansas City que é o maior centro de cardiologia do mundo que seja muito caro, para uma pessoa vai ter dinheiro. Então, não é exeqüível esse parâmetro.

Por que é que a reserva do possível jurídica também não funciona?

Exigir dotação orçamentária especifica para aquela prestação. Porque isso implica no retorno da tese da não autoplicabilidade dos direitos sociais. O judiciário só vai conceder se houver lei concretizadora. E a gente viu que isso seria um retrocesso.

Então, na verdade, nenhuma das duas funciona sozinha perfeitamente. O que a doutrina vem sustentando é a superação da reserva do possível fática e jurídica pela idéia da universalização razoável da prestação.

O que significa essa idéia da universalização razoável?

Quer dizer que mesmo que não haja dotação orçamentária específica é possível conceder essa prestação se for razoável exigir do Estado essa prestação não apenas para o autor, mas para todos que necessitem daquela prestação.

Isso é uma conseqüência da igualdade, do dever do Estado tratar igualmente as pessoas.

Portanto, é o imperativo de justiça e dessa idéia decorre um parâmetro mais específico que é a prevalência das ações coletivas sobre as ações individuais, que é exatamente o contrário do que o Judiciário faz hoje.

Hoje o judiciário é muito mais ativista em ação individual do que em ação coletiva. Só que o judiciário deveria priorizar a tutela de direitos prestacionais em tutelas coletivas, em ações civis públicas do que em ações individuais.

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Por que surge esse critério?

Porque os efeitos das ações coletivas é erga omnes. Então, o juiz é obrigado a fazer esse juízo se a universalização é razoável.

Exemplo: vamos imaginar que haja uma ação individual em que se peça que o Estado seja condenado a pagar um medicamento caríssimo. Tem um autor nessa ação individual, mas, na verdade, necessitam desse medicamento dez milhões de pessoas. Esse é o primeiro cenário.

Outro cenário: é uma ação civil pública proposta pelo MP para que entre na lista do SUS o fornecimento daquele medicamento caríssimo.

Então, perceberam as ações coletivas como um instrumento de obrigar o juiz a fazer esse juízo da razoável universalização que é um corolário de justiça – necessidade do Estado tratar igualmente as pessoas.

Dizem alguns autores: “toda decisão que gera custo, mesmo que inconscientemente, é uma decisão alocativa de recursos, porque se você gerou um custo aqui você retirou de algum lugar. É a história da decisão judicial que determina internação de pessoas em CTI´s ou no INCA. Se está lotado e tem uma decisão judicial mandando alguém entrar alguém vai ter que sair. Muitas vezes o juiz não quer saber de quem vai ter que sair, mas ele quer saber é quem vai entrar.

MÍNIMO EXISTENCIAL

De que forma o mínimo existencial é um parâmetro relevante? O que é o mínimo existencial? Que prestações estão dentro do mínimo existencial?

Há um certo consenso na doutrina de que em relação ao mínimo existencial não há de se falar em ausência de recursos financeiros. Não há que se falar em reserva do possível. O mínimo existencial é autoaplicável e o Estado vai ter que alocar recursos para atendê-lo. O problema é chegar a esse mínimo existencial.

A Ana Paula de Barcellos traz um rol do que seja mínimo existencial. Ela inclui:

Educação fundamental – isso incluiria educação infantil, creche, ensino fundamental e ensino médio. Estaria fora o ensino superior.

Medidas de saúde preventiva (programas de combate à epidemia, vacina). Ela não coloca nada de saúde curativa. Isso é uma crítica que ela sofre. O Barroso inclui medidas de saúde curativa que sejam essenciais à vida.

Assistência aos desamparados – programas como o bolsa família que visam a dar uma renda mínima para o cidadão que vive em situação de pobreza – alimentação, vestuário, moradia.

Acesso à justiça – é uma garantia de natureza instrumental, já que se o Estado não atender às três outras dimensões é fundamental que haja o acesso à justiça para que ele seja condenado em juízo à atendê-las.

Essa foi uma tentativa de delinear concretamente o conteúdo do mínimo existencial sempre sabendo que esse conteúdo é autoaplicável, não se cabendo falar em ausência de recursos

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financeiros porque isso é inerente à dignidade da pessoa humana. Então, é fundamental que o Estado atenda esse mínimo existencial.

E ai para fazer um link com o conceito do Barroso e a dignidade da pessoa humana é obvio que o mínimo existencial entra na dignidade da pessoa humana. Na verdade, o mínimo existencial é um pressuposto para o exercício tanto da autonomia pública quanto da autonomia privada porque sem a garantia do mínimo existencial tanto a liberdade individual quanto a participação do indivíduo no processo político se torna vazia, sem sentido.

Perguntas on line

Vimos que uma lei estadual pode contrariar preceito da Constituição Estadual e ao mesmo tempo preceito da Constituição Federal, cabendo simultaneamente RI e ADIN. Vimos também que pode ser proposta RI cabendo RE diretamente para o STF. Pergunta é: uma vez proposta a RI com o julgamento do RE pelo STF após o transito em julgado ainda caberá ADIN? A pergunta é: Foi proposta apenas RI com RE ao STF. Mesmo assim caberá ADIN?

Sim. o STF não decidiu isso. Pode ser que com a expansão dos efeitos do RE entenda que não, mas também não há doutrina. A minha opinião é de que cabe porque a decisão no Re terá efeitos mais restritos do que a decisão na ADIN. A decisão no RE terá apenas efeitos erga omnes, nesse caso específico, porque foi proferida de uma decisão em RI. Não terá efeito vinculante, que é o efeito produzido na ADIN. Então, não terá o condão de gerar o cabimento de reclamação, de maneira que haveria o cabimento da ADIN. Essa decisão no Re ela é proferida em sede de controle abstrato, porque é uma decisão de uma decisão proferida em RI, por isso que ela tem efeitos erga omnes, mas não vinculantes.

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Aula 22.

Hoje eu vou terminar a parte de direitos sociais e vou entrar em outros direitos específicos que são os direitos à nacionalidade e os direitos políticos.

Sobre a questão do direito social faltou tratar de três tópicos que são a dimensão negativa, a dimensão procedimental e o princípio da vedação do retrocesso.

Dimensão Negativa.

Quando a gente pensa em direitos sociais normalmente a gente pensa em uma dimensão prestacional, positiva. De fato essa é a dimensão preponderante dos direitos sociais. Por exemplo: direito à saúde. A gente pensa em direito a tratamentos médicos, direito ao fornecimento de medicamentos. São direitos a prestações estatais positivas.

Só que não é a única dimensão. Além da dimensão prestacional os direitos sociais têm também uma dimensão subsidiária negativa. Ou seja, a partir dos direitos sociais surgem também direitos a prestações estatais negativas, a abstenções por parte do Estado.

Que prestações negativas surgem dos direitos sociais?

Por exemplo: direito a saúde. O direito à escolha do seu próprio médico é uma dimensão negativa do direito à saúde. O Estado não pode se imiscuir nesse direito que é um direito personalíssimo, que é uma escolha existencial.

Outra dimensão negativa importante dos direitos sociais diz respeito ao direito a moradia. Há uma série de decisões de cortes internacionais e de supremas cortes no sentido de que caso um grupo tenha estabelecido residência em um local não é possível a sua remoção pura e simples. É fundamental que o ato de remoção seja acompanhado do oferecimento de abrigo para aquelas pessoas não ficarem absolutamente desamparadas quanto a sua moradia. Então, também é uma dimensão negativa no sentido de que impõe ao Estado deveres negativos.

Além disso, os direitos sociais têm uma dimensão procedimental. Os casos mais comuns dessa dimensão procedimental se referem à exclusão de benefícios previdenciários e assistenciais.

É absolutamente assente a jurisprudência que afirma que a exclusão de benefícios assistenciais pressupõe a observância do devido processo legal. Pressupõe a oitiva do interessado, a possibilidade que ele se manifeste, que produza provas. Então, essa é uma dimensão procedimental dos direitos sociais no sentido da exclusão dos direitos sociais está condicionada à observância das garantias do devido processo legal.

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Outro ponto que se insere nessa dimensão procedimental é a questão da igualdade do acesso. Não necessariamente os direitos sociais devem ser fornecidos a todos. Não necessariamente os direitos sociais devem ser universais, de maneira que é importante a gente indagar quais são os critérios constitucionalmente legítimos de acesso aos direitos sociais.

O norte, aqui, é o princípio da proporcionalidade. O critério de acesso aos direitos sociais será constitucional se observado o princípio constitucional da proporcionalidade na sua tríplice dimensão: se for adequado, necessário e proporcional em sentido estrito.

Por exemplo: em relação a benefícios assistenciais. É constitucional a adoção de um critério de seletividade. O que significa o critério da seletividade?

A priorização de populações mais carentes. A restrição de benefícios àqueles mais carentes é constitucional.

O fundamental é observar uma lógica de proporcionalidade. Critérios que sejam puramente discriminatórios estarão afastados. Um exemplo clássico que vigeu durante muito tempo nos EUA foi a segregação racial nas escolas públicas: escolas de branco e negros. Esse critério é um critério desproporcional porque cor da pele não é um critério idôneo para determinar o ingresso ou não em determinada escola.

Por fim, princípio da vedação do retrocesso.

É obvio que o que é invalidado pelo princípio da vedação do retrocesso não é o que nós achamos que seja um retrocesso. Se fosse um retrocesso para o Congresso Nacional ele não teria aprovado a lei. Então, a princípio, a vontade da maioria deve prevalecer. Então, cuidado em não usar o princípio da vedação do retrocesso em um sentido vulgar, no sentido não técnico.

Então, é fundamental para entendermos o princípio da vedação do retrocesso que a gente conheça a origem e a evolução do princípio da vedação do retrocesso.

O princípio da vedação do retrocesso ele surge ligado à origem dos direitos sociais, sobretudo, na tutela do direito internacional. Então, é fundamental para entendermos a origem da vedação do retrocesso vincular aos direitos sociais. Por que isso? Vamos imaginar a tutela internacional dos direitos sociais. Imaginem Noruega e Uganda celebrando um contrato internacional sobre tutela dos direitos sociais. Como estabelecer parâmetros de tutela de direitos sociais em países tão diferentes? Com condições econômicas tão díspares? Não é possível estabelecer padrões únicos para a tutela de direitos sociais entre eles porque um é muito mais rico do que o outro. A prestação de saúde na Noruega vai ser muito melhor do que na Uganda independentemente do que disserem suas Constituições, tratados internacionais, porque a Noruega

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é muito mais rica. E a gente viu que esses recursos dependem de recursos financeiros. Então, qual foi a saída para a celebração dos tratados internacionais sobre os direitos sociais? Estabelecer a regra da aplicação progressiva, ou seja, se eu não posso exigir que Uganda tenha o mesmo nível de prestação de direitos sociais que a Noruega pelo menos eu posso exigir que ela ande para frente. Que progressivamente ela aumente a tutela dos direitos sociais.

Então, o princípio da vedação do retrocesso surge como o outro lado da moeda da aplicação progressiva. Vale dizer, se a regra é a aplicação progressiva eu tenho que avançar, andar para frente na tutela dos direitos sociais. Logo, a contrário senso, eu não posso andar para trás, promover um retrocesso em matérias da tutela dos direitos sociais. Essa é a origem do princípio da vedação do retrocesso. Essa idéia foi adotada no principal tratado de direitos internacionais que é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

Só que hoje o princípio da vedação do retrocesso ele tem uma aplicação mais ampla que na sua origem. Hoje o princípio da vedação do retrocesso se aplica a direitos fundamentais em geral e não apenas a direitos sociais.

Mas a questão fundamental é saber qual é o conteúdo jurídico do princípio da vedação do retrocesso. A gente já viu que ele não invalida que algo, a meu ver, seja um retrocesso. Então, qual é o retrocesso de fato vedado pelo princípio da vedação do retrocesso?

Primeiro passo para abordarmos esse problema é entender a dinâmica do princípio da vedação do retrocesso. O princípio da vedação do retrocesso veda, por exemplo, que lei revogue lei. E aí surge uma perplexidade: lei não pode revogar lei? A lei mais recente não revoga a lei mais antiga? Havendo conflito entre leis não prevalece o critério cronológico de forma que a mais recente prevalece sobre a mais antiga? Sob qual fundamento evita que uma lei revogue uma lei?

Por exemplo: Congresso Nacional pode aprovar uma lei que pura e simplesmente revogue a Lei do SUS – Lei 8080 que regulamenta o sistema de saúde? Pode pura e simplesmente revogar a lei de diretrizes e bases da educação? A lei orgânica da assistência social? Uma lei que pura e simplesmente revoguem essas normas será constitucional? Não. Mas lei não pode revogar lei? Então, porque essa lei específica é inconstitucional?

Porque a lei revogada não é uma lei qualquer. Exemplo: Lei 8080 e vem uma lei superveniente “X” e revoga e Lei 8080. Essa lei 8080 não é uma lei qualquer. Ela regulamente o art. 196 CRFB que estabelece o direito à saúde. Então, essa lei concretiza o núcleo essencial do direito à saúde, de maneira

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que se ela for pura e simplesmente revogada haverá prejuízo ao núcleo essencial do direito à saúde. Se houver a pura e simples revogação da lei do SUS a gente não vai saber quais são os tratamentos médicos que serão cobertos pelo sistema único de saúde, a gente não vai saber de quem é a responsabilidade de prestar aquele serviço público. Haverá, portanto, um prejuízo à tutela do direito à saúde. Se for revogada pura e simplesmente a lei de diretrizes e bases da educação também haverá um prejuízo ao núcleo essencial do direito à educação.

Então, a razão de o princípio da vedação do retrocesso de que lei revogue lei é que essa lei anterior não é uma lei qualquer, mas uma lei que realiza, que dá efetividade ao núcleo essencial de um direito fundamental de maneira que a pura e simples revogação implicaria em prejuízo ao próprio direito fundamental regulamentado pela lei.

Agora, será que o princípio da vedação do retrocesso só veda esse retrocesso radical, esse retrocesso de revogar e não botar nada em troca? Ou será que medidas restritivas que dêem alguns passos atrás na tutela daquele direito, mas que preservem o núcleo essencial serão admitidos? O princípio da vedação do retrocesso veda qualquer retrocesso?

Alguns autores tendem a afirmar que a vedação do retrocesso não admite qualquer passo para trás, ou seja, que a vedação do retrocesso exigiria, de fato, uma aplicação progressiva. Que se andasse sempre para frente naquele direito, de maneira que a lei nova deveria sempre ser mais protetiva daquele direito, sob pena de ser inconstitucional por violação a vedação do retrocesso. Só que essa versão – VERSÃO FORTE DO DIREITO AO RETROCESSO – como diz bem o Ricardo Lobo Torres é incompatível com o regime democrático.

Por que é incompatível? Exemplo: digamos que um Presidente tinha uma política pública de governo que priorizava absolutamente a educação concedendo 500.00 bolsas de estudos, cada qual no valor de R$ 10.000. O concorrente, em uma nova eleição, vem e diz: “sem dúvidas que a educação é importante, mas esse programa é exagerado”. Ele propõe, se eleito, reduzir o número de bolsas para 50.000 e utilizar esse dinheiro na saúde, nas ações básicas de prevenção de epidemias, vacinas. Com esse discurso ele é eleito. E aí o seu primeiro ato é aprovar uma lei que altere a lei anterior reduzindo o número de bolsas de 500.000 para 50.000 deslocando esse dinheiro para tratamento de saúde básica. Essa norma aprovada pelo novo Presidente é inconstitucional?

Não. Mas se a gente pensar na vedação do retrocesso no sentido forte seria porque houve um retrocesso em função da redução de bolsas, houve uma redução na tutela de educação. Só que “esse retrocesso, esse passo atrás” na

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tutela do direito à educação observou o núcleo essencial do direito à educação e foi proporcional porque esses recursos foram alocados para o serviço básico de saúde. Houve um fundamento razoável para esse “passo atrás”. Então, apesar de ter havido, sim, um passo atrás na tutela do direito à saúde, como se observou o núcleo essencial do direito à saúde e essa restrição observou o princípio da proporcionalidade não há inconstitucionalidade, não há violação ao princípio da vedação do retrocesso.

O que a gente extrai desse exemplo?

Que a vedação do retrocesso não é uma vedação a que se dê qualquer passo atrás na tutela de direito fundamental. Você pode alterar uma lei por outra que seja menos protetiva àquele direito fundamental, desde que se observem duas condições:

Respeito ao núcleo essencial daquele direito fundamental restringido Respeito ao princípio da proporcionalidade.

Então, sintetizando: não é qualquer retrocesso que o princípio da vedação do retrocesso veda. São só aqueles retrocessos que impliquem em violação ao núcleo essencial do direito restringido e que não observem o princípio da proporcionalidade.

Será que a vedação do retrocesso seria apenas um reforço da necessidade de se usar a proporcionalidade no núcleo essencial?

Na verdade, o princípio da vedação do retrocesso tem uma eficácia autônoma que é gerar uma presunção de inconstitucionalidade das normas que promovam retrocessos em matéria de direitos fundamentais, em geral, e sociais, em particular.

Então, se o Poder Público, como no exemplo dado, dá um passo atrás na tutela do direito fundamental, o ônus de fundamentar que esse passo atrás observou o núcleo essencial e observou o princípio da proporcionalidade é do Poder Público, ou seja, ele vai ter que sustentar um argumento muito forte para o Judiciário não declarar a inconstitucionalidade dessa norma. É como que as medidas que promovam restrições a direitos fundamentais já nascessem suspeitas, de maneira que só serão declaradas constitucionais se houver um argumento muito sólido no sentido da constitucionalidade.

obs: para justificar a restrição à luz da proporcionalidade, aquela restrição tem que se destinar à proteção de outro direito fundamental ou a uma necessidade pública relevante.

Com isso a gente fecha a parte de direitos sociais e começa entra em outros direitos em espécie.

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Vamos começar a falar dos direitos da nacionalidade.

Primeiro aspecto fundamental é dar o conceito de nacionalidade. O que é a nacionalidade? Qual seu conceito jurídico?

Nacionalidade é o vínculo jurídico que une um indivíduo a um Estado.

Portanto, nacional de um país é o indivíduo que tenha vínculo jurídico com esse país. Estrangeiro, a contrario senso, é quem não tem essa vinculação jurídica.

Percebam que o conceito de população é mais amplo do que o conceito de nacionais. População abrande não só os nacionais, mas também os estrangeiros residentes.

Por outro lado, o conceito de cidadania é mais restrito do que o conceito de nacionalidade. O conceito de cidadania abrande apenas os nacionais em pleno gozo dos direitos políticos.

Outro aspecto importante é que a nacionalidade é matéria de direito público interno, ou seja, significa que cada Estado tem seus próprios critérios de atribuição de nacionalidade. Não há uma uniformidade no mundo sobre esse critério.

Os critérios mais comuns no mundo são dois:

Jus soli: será nacional de um país o indivíduo que nascer no território daquele país.

Jus sanguinis: será nacional do país os filhos dos nacionais daquele país.

Como eu disse, os critérios de nacionalidade representam uma questão de direito público interno. Então, cada Estado tem os seus critérios. Então, podem surgir situações anômalas, por exemplo:

Vamos imaginar que uma criança nasça em um Estado que adote o jus soli. E a nação dos seus pais adota o jus sanguinis. Qual é a situação dessa criança?

Terá dupla nacionalidade. Ela vai adquirir a nacionalidade que ela nascer porque esse país adota o jus soli e vai adquirir a nacionalidade da nação dos seus pais porque ela adota o jus sanguinis.

Por outro lado, vamos imaginar que a criança nasça em um Estado em que adota o jus sanguinis e a nação dos seus pais adote o jus soli. Qual a situação dessa criança?

Ela será apátrida.

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Então, surgem esses problemas decorrentes do fato de não haver uma disciplina única do direito internacional sobre a nacionalidade.

Como é a disciplina do direito brasileiro?

Para entendermos é fundamental distinguir a nacionalidade em:

5. nacionalidade originária: é aquela detida pelo chamado brasileiro nato. É a nacionalidade adquirida no momento do nascimento.

6. nacionalidade derivada: ela é adquirida no momento posterior ao nascimento.

Essa matéria está disciplinada no art. 12, CRFB.

DA NACIONALIDADE

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

6. os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

À luz da alínea “A” a gente pode dizer que o critério principal eleito pelo constituinte de 88 para atribuir a nacionalidade brasileira foi a do jus soli. A regra geral é que é brasileiro nato quem nasce em território brasileiro.

E, aí, tem o aspecto cultural interessante: os países que adotaram o jus soli são países que geralmente têm interesse em estabelecer um vínculo jurídico com o imigrante. Já países que adotam o jus sanguinis normalmente são países que os seus nacionais foram para outros locais e esses países querem manter um vínculo com seus nacionais.

O Brasil optou por obter um vínculo com o imigrante. Por isso adotou o jus soli. Então essa é a regra geral: é brasileiro nato quem nasça em território brasileiro independentemente da nacionalidade dos seus pais.

Exceto em uma hipótese. Filhos de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço do seu país. Então, a única hipótese em que uma criança que nasça no Brasil não será brasileira é a hipótese de ele ser filho de estrangeiros e estes estrangeiros estarem a serviço de seu país. Então, por exemplo: o filho do Cônsul inglês ou do embaixador Frances que nasça no Brasil não é brasileiro porque o pai estava a serviço do seu país.

Agora, a serviço do país significa a serviço do governo do país. Por exemplo: um alemão que trabalhe na Volkswagen do Brasil e tem um filho que nasce no Brasil, seu filho será brasileiro porque ele está a serviço não da Alemanha, mas sim de uma empresa privada alemã o que não justifica a aplicação dessa exceção.

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Art. 12, b, CRFB.

7. os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

A hipótese da alínea “B” é a hipótese da adoção excepcional do jus sanguinis por parte da legislação brasileira. Na verdade não é um critério puro de jus sanguinis porque pressupõe não só que a criança seja filho de brasileiros como também que os brasileiros estejam a serviço da República Federativa do Brasil. Então, essa hipótese atinge o filho do cônsul ou do embaixador brasileiro em um país estrangeiro, mas não abrange o filho de jogador de futebol ou do empresário brasileiro que viva no estrangeiro.

Se aplica a representantes do Brasil no estrangeiro.

Art. 12, c, CRFB.

8. os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãebrasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

Essa hipótese da alínea “C” se aplica a brasileiros que, embora não representem o Brasil, vivam no estrangeiro. É o filho do jogador de futebol, filho do empresário, filho do estudante que vivam no estrangeiro. Esse dispositivo foi modificado pela EC 54 que corrigiu um equívoco porque antigamente se exigia que essas condições eram aditivas, ou seja, ele tinha que ser registrado na repartição competente e tinha que residir no Brasil ou quando atingida a maioridade optar pela nacionalidade brasileira. Isso era muito ruim porque, por exemplo, o filho de um jogador de futebol que há anos vivia no estrangeiro ele só adquiriria a nacionalidade brasileira à luz da redação anterior quando ele viesse a residir no Brasil ou quando ele adquirisse a maioridade e optasse pela legislação brasileira. Enquanto ele não residisse no Brasil e não optasse pela nacionalidade brasileira ele não era brasileiro. Isso gerava problemas práticos. Para corrigir esse problema veio a EC 54. Hoje, baste que o filho de brasileiro que resida no estrangeiro seja registrado na repartição brasileira para que ele seja brasileiro o que facilitou muito a vida das pessoas que vivam no estrangeiro e que não estejam representando o governo brasileiro.

Em tese existem três opções:

ser registrado na repartição competente optar pela nacionalidade brasileira quando completar 18 anos

residir no Brasil.

Na prática, a quase totalidade dos casos é resolvida pela primeira hipótese.

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Art. 12, II, CRFB.

Aqui já se cuida de nacionalidade derivada.

DA NACIONALIDADE

Art. 12. São brasileiros:

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

Se vocês repararem os requisitos para a aquisição de nacionalidade derivada brasileira – chamado processo de naturalização – por parte de países originários de língua portuguesa são requisitos muito menos exigentes do que para estrangeiros em geral. Basta 01 ano ininterrupto de residência e idoneidade moral.

Comparem com a alínea B.

Esse dispositivo trata do processo de naturalização para os estrangeiros em geral.

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

A residência será de 15 anos. Então, ao invés de um só ano. Se exige também a ausência de condenação penal o que evidentemente é um requisito muito mais exigente do que apenas idoneidade moral.

O estrangeiro não poderá ter condenação penal em ambos os países.

Não confundam as hipóteses de naturalização com a hipótese do §1º.

Art. 12, §1º, CRFB.

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§ 1º   Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Essa não é uma hipótese de aquisição de nacionalidade derivada brasileira por portugueses. Essa é uma hipótese de equiparação de direitos. Então, os portugueses que tiverem observado o §1º não serão brasileiros. Serão portugueses com direitos equiparados aos brasileiros.

Esse dispositivo hoje não tem mais aplicabilidade porque não tem mais reciprocidade por causa da inserção de Portugal na união Européia. Quando Portugal ingressa na UE ele não pode mais dar reciprocidade sozinho, mas precisa da anuência dos demais países que integram a UE.

Portanto, o §1º do art. 12 deixou de ter aplicabilidade. No entanto, isso não prejudica a situação dos estrangeiros cuja equiparação dos direitos foi reconhecida antes da inclusão de Portugal na UE quando Portugal dava a reciprocidade.

Art. 12, § 2º, CRFB.

§ 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

Então, a distinção entre brasileiros natos e naturalizados está sujeita uma cláusula de reserva de constituição, ou seja, só a Constituição Federal pode estabelecer distinções entre brasileiros natos e naturalizados. A contrario senso, normas infraconstitucionais não podem estabelecer distinções entre brasileiros natos e naturalizados.

Vale a pena vocês fazerem uma remissão do art. 12§ 2º ao próprio § 3º do art. 12 que estabelece os cargos que são privativos de brasileiros natos.

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V - da carreira diplomática;

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VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa(Incluído pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

Outro exemplo está no art. 89, VII, CRFB que trata da participação no Conselho de Defesa Nacional. Então, a participação do Conselho da República no art. 89, VII, tem a composição de 06 brasileiros natos.

Outra distinção está no art. 5º, LI. Esse artigo veda a extradição de brasileiros natos, mas permite a extradição de brasileiros naturalizados.

Então, enquanto há uma vedação absoluta da extradição do brasileiro nato, permite-se a extradição do brasileiro naturalizado nessas hipóteses estabelecidos no art. 5º, LI. Remissão ao art. 12, §2.

Remissão do art. 222, CRFB ao art. 12, §2, CRFB, que trata da titularidade de empresa jornalística.

Em que hipóteses a CRFB permite a perda da nacionalidade brasileira?

Isso está disciplinado no art. 12, §4º, CRFB.

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

Evidente que essa hipótese do inciso I só se aplica ao brasileiro naturalizado. É exatamente a hipótese de perda da naturalização. A CRFB submete a perda da nacionalização à sentença judicial (cláusula de reserva judicial). Só o Poder Judiciário tem poder de decretar a perda da nacionalidade derivada. Isso não é possível de ser feito por ato administrativo. A regulamentação desse processo de perda da nacionalidade derivada também está no Estatuto do Estrangeiro.

Inciso II:

II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

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Então, o que decorre da interpretação a contrario senso do art. 12, § 4º, II, a?

É possível a aquisição de uma dupla nacionalidade originária, mas não, via de regra, derivada. Ou seja, a CRFB não veda que no momento do nascimento uma pessoa adquira uma dupla nacionalidade. Pelo contrário, essa é uma ressalva. Por exemplo: se uma criança nasce no Brasil. É filha de estrangeiros que não estão a serviço do seu país. Nasce em território brasileiro, então é brasileira. E se a nação dos seus pais adota o jus sanguinis ela vai adquirir também a nacionalidade estrangeira. Isso não é vedado pelo direito constitucional brasileiro.

Agora, se a princípio, alguém é considerado brasileiro nato e solicita a naturalização em outro país, a regra geral é que essa pessoa perde a nacionalidade brasileira.

Em que hipóteses excepcionais o brasileiro nato pode pedir a nacionalidade derivada de outro país e manter a nacionalidade brasileira?

Nas hipóteses da alínea b.

de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Então, se a decisão pela naturalização não for uma decisão livre do brasileiro, ao contrário, ele se vir compelido a pedir a naturalização como uma condição para permanência no país estrangeiro ou como uma condição para o exercício de direitos civis, a conclusão é que ele poderá, excepcionalmente, solicitar a nacionalidade derivada estrangeira e manter a nacionalidade originária brasileira.

Com isso a gente entra no estudo de alguns institutos de direito internacional que são importantes para o tema da nacionalidade.

O primeiro deles é o asilo político.

A CRFB faz uma referência breve ao asilo político no art. 4, X, CRFB. A CRFB diz

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

X - concessão de asilo político

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O que é o asilo político?

O asilo político é a autorização do ingresso do estrangeiro em território nacional independentemente da observância dos requisitos ordinários para protegê-lo de perseguição política no país de origem.

Então, nesse sentido, exatamente por se tratar de um instrumento de proteção do indivíduo contra a perseguição política que ele sofria no país de origem que é um dos princípios que deve reger a atuação do Brasil nas suas relações internacionais, porque o asilo político é um instrumento de cooperação democrática entre os Estados contra regimes autocráticos, contra perseguições políticas a opositores.

Há uma diferença entre asilo político e asilo diplomático.

O asilo diplomático ele é mais precário do que o asilo político. É o mero ato de ingresso em território, na embaixada, em um país estrangeiro, que é uma área sob a soberania do Estado estrangeiro. Já o asilo político depende de um ato formal de concessão. Portanto, ele tem uma estabilidade maior do que o asilo diplomático.

Vamos estudar, agora, três hipóteses de retirada compulsória de indivíduo do território nacional.

Primeira hipótese é a extradição.

O que é a extradição?

É o envio de um indivíduo à justiça de um Estado estrangeiro para que lá ele responda a processo ou cumpra a pena.

A CRFB trata da extradição no art. 5º, LI e LII.

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Estabelece na sua primeira parte a vedação à extradição de brasileiro nato. Não se admite peremptoriamente na ordem constitucional brasileira a extradição de brasileiro nato. O brasileiro nato deve ser julgado no Brasil.

Em relação ao brasileiro naturalizado é possível a extradição em dois casos:

crime comum cometido antes da naturalização. Somente antes da naturalização é possível a extradição.

Depois da naturalização só é possível a extradição se for o caso de envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes. Evidentemente isso não

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significa a impunidade. Significa que crimes comuns serão julgados, que não o tráfico de entorpecentes, pela justiça brasileira.

Não se confunde extradição com entrega de indivíduo ao Tribunal Penal Internacional. A diferença fundamental é que o Tribunal Penal Internacional não é justiça de um Estado estrangeiro, mas é um tribunal internacional. Então, a entrega de um indivíduo ao Tribunal Penal Internacional não significa a submissão desse indivíduo à soberania de um Estado estrangeiro. Ao contrário. É a submissão do indivíduo a um órgão internacional que conta com a soberania de vários Estados. Por isso que vários autores como a Flavia Piovesan sustentam a possibilidade de entrega de brasileiros natos ao Tribunal Penal Internacional. Sustenta que a vedação à extradição de brasileiros natos não se aplicaria à entrega ao Tribunal Penal Internacional porque entrega não é extradição.

Em relação aos estrangeiros. Diz o inciso LII

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

Então, em relação a estrangeiro, observada as normas do Estatuto do Estrangeiro, e a jurisprudência do STF, a princípio é possível a extradição, desde que não se trate de crime político ou crime de opinião.

Uma primeira distinção importante se refere à extradição ativa e extradição passiva.

A extradição ativa é aquela solicitada pelo governo brasileiro, ou seja, quando o governo brasileiro solicitou, por exemplo, a extradição do Salvatore Cacciola. O Estado brasileiro pediu ao Estado estrangeiro no caso, a Itália, a extradição de um brasileiro.

A quem cabe o exercício dessa competência?

Ao Presidente da República ou quem dele receber essa delegação.

Então, esse é um ato do Presidente da República na condição de Chefe de Estado, ou seja, do representante da República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais.

E a extradição passiva? Quem é competente para apreciá-la? Ou seja, o pedido de outros Estados para que o Estado brasileiro extradite um indivíduo?

A CRFB atribui essa competência ao STF.

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Mas é preciso entender exatamente os limites e a possibilidade dessa competência do STF para julgar extradições passivas.

Esse problema se colocou no caso Battiste, quando houve um antagonismo de entendimentos entre o Ministro da Justiça, posteriormente referendado pelo Presidente da República e o STF.

Por que surgiu essa dúvida?

Há uma superposição de critérios para a concessão de refúgio político e para a negativa de extradição. Um dos critérios para se conceder refúgio político é o indivíduo sofrer perseguição política do seu país de origem. E um dos critérios para se negar a extradição é o crime ser político, ou seja, é a motivação do crime ser política. Então há uma ponderação.

Na hipótese, como aconteceu no caso Battiste, em que o executivo federal considera que há perseguição política e o STF por outro lado considera que o crime não é político, mas sim comum, é o entendimento de quem que prevalece?

Isso já tinha acontecido em um caso de um padre supostamente envolvido com a FARC que teria praticado crimes de homicídio através da FARC. Ele estava no Brasil e a Colômbia pediu a sua extradição e ele pediu refúgio político junto ao Governo Brasileiro. O Poder Executivo Federal concedeu asilo político a esse padre. E, aí, tem uma norma na lei dos refugiados políticos que é o art. 33 que diz que havendo a concessão de refúgio ou asilo político perde o objeto o processo de extradição no STF.

Nesse caso do padre, se discutiu no STF se essa norma seria constitucional. o PGR à época entendeu que o art. 33 da lei dos refugiados era inconstitucional porque violava a competência do STF para julgar o processo de extradição. O argumento era simples: se a CRFB dá ao STF competência para julgar o pedido de extradição o STF não pode depender de entendimento do Poder Executivo, como essa norma supõe.

Essa norma ao dizer que o deferimento do asilo implica em perda do objeto do processo de extradição vincula o STF ao entendimento do Poder Executivo, ou seja, se o STF divergir do Executivo ele vai estar obrigado a seguir esse entendimento porque o processo vai perder o objeto.

Uma LO não poderia tirar do STF uma competência que foi dada pela CRFB. O Gilmar embarcou nessa tese sustentando que de fato essa LO usurpa a competência do STF para julgar a extradição. Só que essa tese não prevaleceu no julgamento do caso.

Prevaleceu a tese do Sepúlveda Pertence., no sentido de que precisa-se interpretar a CRFB de forma sistemática. Essa tese do PGR e do Gilmar

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Mendes só interpretou a norma que dá competência para o STF julgar o pedido de extradição, mas não interpretou a norma que diz que o Chefe do Executivo é o gestor das relações internacionais do país e é evidente que dentro das relações internacionais do país está a decisão por conceder refúgio ou asilo político. O próprio art. 4º, X, CRFB prevê o asilo político como uma das normas que vão reger a atuação do Brasil nas suas relações internacionais.

Então, é evidente que isso se insere nas relações internacionais que o Brasil participa e essa é uma competência do Chefe do Executivo e não do STF.

Então, como conciliar essas duas competências?

A proposta do Pertence é que deve-se fazer uma interpretação teleológica da competência do STF, ou seja, por que é que o constituinte disse que cabe ao STF julgar pedidos de extradição de Estados estrangeiros se quem é o gestor das relações internacionais não é o STF, mas o Chefe de Estado. Qual é a razão de ser dessa norma?

Proteger o extraditando.

Vamos imaginar uma hipótese: um Estado quer porque quer a extradição de um indivíduo que é opositor do Presidente da República naquele Estado. E, aí, para conseguir aquilo oferece um tratado comercial internacional de natureza comercial extremamente vantajoso para o Brasil. Qual é o risco que se coloca em relação aos direitos do extraditando?

É que esse tratado é muito vantajoso e vai render muito voto para o Presidente da República. A tendência é oferecer a cabeça daquele sujeito, a extradição do sujeito para obter vantagem eleitoral.

Foi exatamente isso que o constituinte quis evitar. Se vocês forem ver o art. 77 do Estatuto do Estrangeiro há ali condições obstativas a extradição pelas quais o STF deve zelar em proteção ao extraditando. Então, na verdade, essa competência do STF serve para proteger o extraditando, ou seja, é uma típica atuação contra-majoritária de um tribunal para proteger direitos fundamentais do extraditando.

Fazendo essa leitura teleológica-restritiva da competência do STF qual é a conclusão que a gente extrai de quem tem a última palavra na hipótese de conflito de entendimentos entre o STF e Presidente da República? Quando a palavra será de fato a última?

Quando o STF diz que não pode extraditar. Então, a última palavra é do STF se ele diz que a extradição viola os direitos do extraditando, portanto, indefiro. Nesse caso, o Presidente da República está vinculado à decisão do STF. A decisão do STF é, de fato, a palavra final.

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Agora, quando o STF diz que defiro o pedido de extradição, na verdade o que ele diz é: Presidente da República, não há óbices jurídicos à extradição, o que não exclui evidentemente um juízo do Chefe de Estado sobre a pertinência ou não daquele pedido de extradição. De maneira que a decisão que defere o pedido de extradição não é vinculante ao Presidente da República. Ele pode deixar de extraditar.

Esse foi o entendimento do próprio STF nesse caso.

No caso Battisti tudo mudou.

Assim como no padre colombiano houve a concessão do refúgio pelo Poder Executivo. Portanto, se o STF tivesse aplicado o precedente do caso colombiano o que ele teria feito? Aplicado o art. 33 e reconhecido a perda do objeto do pedido de extradição no STF, já que a competência do STF é para proteger o extraditando e se ele teve reconhecido o refúgio no Poder Executivo ele já foi protegido. Foi isso que ele entendeu no caso colombiano.

Tudo indicaria que ele aplicaria isso no caso Battisti. Só que o STF mudou de opinião. Ele passou a entender que com a concessão do refúgio ou asilo político não haveria automaticamente a perda do objeto no processo de extradição. Ao contrário. O STF entendeu que ele era competente para aferir a validade do ato de concessão de refúgio ou asilo. Então, o STF não só disse que não haveria perda do objeto com a concessão do refúgio como disse que ele STF pode controlar se esse ato de concessão é válido. Chegou ao radicalismo que o ato de concessão era um ato administrativo vinculado, já que a validade estaria vinculada aos critérios estabelecidos em lei.

Na verdade, esse era um ato discricionário por ter natureza política. Então, isso foi o radicalismo ativista do STF entender que o ato de refúgio ou asilo político era um ato vinculado. O STF não só disse isso como por 5 votos a 4 invalidou o ato de refúgio. Disse que o ato de refúgio não observa os requisitos legais, logo, é nulo. Logo, eu STF o invalido.

Qual foi a primeira decisão do caso Battisti?

Eu posso controlar o ato de refúgio e o invalido.

Só que tudo levava a crer que o STF, que foi tão ativista nessa matéria de direitos internacionais, ele ia dizer: já que eu considerei que não houve perseguição política, que o crime não é político, mas sim comum, eu vou obrigar o Presidente a extraditar. Tudo levava a crer que essa seria a decisão final do STF.

Só que paradoxalmente o Carlos Brito na questão final sobre a vinculatividade ou não do Presidente à decisão do STF mudou de lado e entendeu que a decisão do STF não era vinculante ao Presidente. Então, apesar do STF ter

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entendido que podia controlar o ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio, inclusive invalidá-lo, disse que essa decisão do STF não seria vinculante ao Presidente.

Será que essa decisão do STF é de todo incompreensível? Ou será que dá para com algum esforço construir uma justificativa razoável para a decisão no caso Battisti?

Se a gente partir de uma premissa de diálogo entre as instituições sobre o sentido da CRFB é possível entender essa decisão. Eu já falei aqui muito rapidamente no controle de constitucionalidade que há modelos fracos de controle de controle de constitucionalidade, ou seja, hipóteses em que o Judiciário emite uma opinião, mas essa opinião não é vinculativa. Não invalida uma lei , por exemplo, como o caso do Canadá e Nova Zelândia.

Sob essa perspectiva a decisão do caso Battisti pode ser entendida, ou seja, o STF emitiu a sua interpretação no sentido de que não haveria crime político, mas o STF não quis fazer com que a sua interpretação fosse a última palavra, que fosse obrigatória para o Poder Executivo. Em uma postura de humildade o STF teria dito que esse seria o seu entendimento, mas o Presidente não ficaria subordinado a tal decisão.

Então, relativizando essa idéia de que a última palavra cabe ao STF, partindo de uma premissa de diálogo entre as instituições sobre a melhor forma de interpretar a CRFB, o caso Battisti passa a ter uma explicação razoável.

Aula 23

A gente parou nos requisitos que o STF afere para que ele possa deferir pedidos de extradição passiva. Esses requisitos estão espalhados no Estatuto do Estrangeiro, na jurisprudência do STF, de maneira que eu sintetizei para facilitar a vida de vocês.

Esse rol não é um rol taxativo. É um rol exemplificativo, mas trata dos requisitos mais importantes para o STF poder deferir o pedido de extradição.

O primeiro requisito é o pedido do Estado estrangeiro estar baseado em um Tratado Internacional ou em compromisso de reciprocidade.

Evidente que o Brasil não vai extraditar um indivíduo para um Estado estrangeiro que, quando o Brasil requerer, não for extraditar para o Brasil. Então, o requisito básico é o da reciprocidade.

Segundo requisito é que segundo as leis brasileiras a justiça brasileira não ser competente, não deter competência exclusiva para julgar o caso. Se, segundo as leis brasileiras, a justiça brasileira detiver competência exclusiva para julgar o caso a competência será brasileira e o indivíduo não será extraditado. Será julgado aqui.

Terceiro requisito é o requisito da dupla tipicidade. O que é a dupla tipicidade?

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É que o fato objeto do pedido da extradição tem que ser crime lá e aqui. Então, à luz do Estado requerente e o Brasil, o fato deve ser crime.

Não pode ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva do Estado. A luz de que lei?

Da mais benéfica. Então, não pode ter havido a prescrição da pretensão punitiva à luz da lei mais benéfica ao extraditando.

Outro fator importante é o extraditando ser julgado pelo juiz natural, ou seja, se as garantias básicas do juiz natural, imparcialidade do julgamento, não forem asseguradas o Brasil não extradita.

A lei brasileira não pode cominar pena igual ou inferior à 01 ano. A lei brasileira não pode considerar, portanto, aquele delito como delito de menor potencial ofensivo. Se for o caso, não haverá extradição.

Além disso, deve haver o compromisso formal do Estado requerente, no seguinte sentido:

O primeiro elemento desse compromisso formal é o compromisso do Estado efetuar a chamada DETRAÇÃO PENAL, ou seja, que o Estado proceda à dedução do tempo em que o sujeito passou preso no Brasil do tempo que ele vai cumprir de pena no estrangeiro. Por exemplo: se ele for condenado a 10 anos e ficou preso aqui 02 anos, o Estado requerente deve se comprometer que só aplicará 08 anos de pena. Compromisso de deduzir o tempo que o extraditando esteve preso no Brasil aguardando julgamento do seu processo de extradição.

E se o Estado requerente cominar pena de morte àquele crime, o Brasil extradita? Não. Ele condiciona a extradição à convolação da pena de morte em pena privativa de liberdade. O que é curioso é o que o STF não exige essa convolação na hipótese de prisão perpétua.

A doutrina critica muito essa posição porque o único fundamento dessa distinção é que a vedação à pena de morte está na própria CRFB e a pena privativa máxima de 30 anos está na legislação infraconstitucional. Então, poderia haver uma distinção nesse sentido.

Outra questão importante é não agravar a pena por motivos políticos. Também deve haver um compromisso formal no sentido de não agravar a pena por motivos políticos.

Outro compromisso é o Estado não efetuar a chamada reextradição, ou seja, se o Estado requerente requer a extradição ele próprio deve processar e julgar aquele indivíduo e não encaminhar o indivíduo para um outro Estado. Isso seria reextradição que é vedado.

EXPULSÃO

Expulsão está disciplinada no art. 22, XV, CRFB e no art. 66 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

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XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;

É a retirada compulsória de um indivíduo do Estado por iniciativa do próprio Estado quando esse indivíduo for condenado criminalmente em território nacional ou quando se reputar que sua permanencia seja contrária aos interesses nacionais.

Há diferenças importantes entre a expulsão para a extradição.

Normalmente, na extradição, o fato ensejador da extradição ocorreu no estrangeiro. Na expulsão é o oposto. Na expulsão o fato ensejador da expulsão ocorreu, via de regra, no Brasil.

Segunda distinção é que a extradição pressupõe o pedido do Estado que pretende julgar e processar aquele indivíduo. Então, a extradição não se dá ex officio. Se dá a pedido do Estado interessado em julgar e processar o indivíduo, ao passo que a expulsão se dá ex officio.

De quem é a competência para determinar a expulsão?

O Presidente da República na condição de Chefe do Estado.

Se julgou que essa era uma competência política do Presidente da República, o que na prática significava dizer que estaria excluído o controle judicial, ou seja, o Judiciário não poderia controlar a validade desse ato por ser um ato político, um juízo político do Presidente da República na condição de Chefe de Estado.

Só que surgiu um caso que levantou a discussão sobre essa questão que foi um caso no governo Lula de um jornalista americano, correspondente de um grande jornal americano aqui no Brasil que falou que o Lula gostava de tomar umas cachaças. Falou que era uma prática habitual. E o Lula o expulsou. E ai se colocou a discussão se era possível o controle judicial nesse ato.

Boa parte da doutrina se levantou no sentido do cabimento do controle judicial com base naquela idéia de que existe aquela visão de ato puramente vinculado e ato puramente discricionário, no sentido de que somente no ato vinculado é que há plena possibilidade de controle judicial do ato e o outro em que não há qualquer possibilidade de controle judicial está superada. Hoje, o que se sustenta é uma gradação de controle, ou seja, todo ato é em parte vinculado e em parte discricionário. O que varia é o nível de controle, a intensidade de controle.

A mesma coisa se dá aqui nos atos políticos. Os atos políticos eram exemplos típicos de atos incontroláveis pelo Judiciário. Só que se, por exemplo, a expulsão for praticada por Governador do Estado, não cabe controle judicial? É claro que cabe.

Então, em algum nível, sempre há controle judicial. É obvio que dada a dimensão política desse ato o controle é fraco. Nessa linha, alguns autores sustentaram que havia claramente um abuso de poder por parte do Presidente da República, na medida em que ele usou a sua condição de Chefe de Estado, dos poderes que a sua condição de Chefe de Estado lhe dá para punir alguém que, eventualmente, feriu a sua honra.

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Então, essa foi a crítica, ele acabou voltando atrás e então a questão acabou não rendendo muito, mas à época ensejou essa discussão.

Para sintetizar, cabe controle judicial do ato político apenas em hipóteses excepcionais de flagrante vício de constitucionalidade como é o caso de um desvio de poder claro, de claro abuso de poder.

Outra linha jurisprudencial do STF importante é que o STF entende inclusive isso é jurisprudência reiterada, que não cabe expulsão nas hipóteses em que a extradição é vedada.

Então, aquele rol das hipóteses em que é vedada a extradição se aplica mutatis mutantis à expulsão. Aqui o objetivo foi inteligente do STF para dizer o seguinte: tem que se evitar uma expulsão que na verdade é uma extradição. Uma extradição travestida de expulsão, na hipótese em que o Presidente da República tem interesse em extraditar e o STF não deixa e ele usa a expulsão como subterfúgio para retirar aquela pessoa do país.

DEPORTAÇÃO

É uma outra hipótese de retirada compulsória de indivíduo do território nacional só que ela apresenta algumas particularidades.

Ela é a retirada compulsória do estrangeiro do território nacional quando o seu ingresso não tiver observado os requisitos legais. Por exemplo: hipótese em que o sujeito entra sem o visto e é devolvido ao seu país de origem.

O ato de autorização do ingresso dói estrangeiro n o território nacional é um ato de soberania do Estado.

É possível o uso desses instrumentos (extradição, expulsão e deportação) de brasileiro nato?

Não. A retirada compulsória de brasileiro nato do território nacional é a chamada pena de banimento que foi vedada pelo constituinte de 88, no seu art. 5º, XLVII, d, CRFB.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

d) de banimento;

No caso em que cabe a extradição de brasileiro naturalizado que comete crime comum antes da naturalização e tráfico ilícito de entorpecentes, ele só poderá ser expulso depois de perder a nacionalidade brasileira. Ele enquanto mantiver a nacionalidade brasileira ele não pode ser expulso.

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DIREITOS POLÍTICOS

O primeiro passo para estudar os direitos políticos é perceber que há incorporado na CRFB 88 três concepções de democracia.

9. Uma primeira que não foi propriamente adotada pelo CRFB 88, mas que é importante a gente conhecer pelas razões históricas é a democracia direta. É aquela que existia na Grécia e Atenas em que os cidadãos participavam diretamente do processo político. Os cidadãos se reuniam nas ágoras, nas praças públicas, e votavam leis, aprovavam atos administrativos, proferiam sentenças. É obvio que a democracia direta é inviável em um Estado que seja grande tanto em termos territoriais quanto em termos demográficos.

10. Para tornar viável a idéia de que todo direito emana do povo, a idéia de soberania popular, em um Estado grande, tanto em termos territoriais quanto em termos demográficos, foi concebida a idéia de democracia representativa que se utiliza de um instrumento do direito privado, que é o contrato de mandato. Como vocês conhecem pelo contrato de mandato, eu dou a alguém uma procuração eu dou a elas poderes para agir em meu nome. E, aí, por uma ficção jurídica, se constrói a idéia de mandato eletivo, ou seja, como se através da votação alguém recebesse uma procuração do povo para que atuasse em seu nome. Então, a idéia de mandato eletivo é uma ficção jurídica, uma imagem para representar essa atribuição de poderes que o povo dá aos seus representantes para atuar no espaço público, daí se falar em democracia representativa. Na democracia representativa há dois direitos políticos fundamentais

Direito de votar = Capacidade eleitoral ativa Direito de ser votado = capacidade eleitoral passiva

Corresponde às chamadas capacidade eleitoral ativa e passiva.

E há um outro direito político que decorre desses que é o direito do indivíduo de participar de partidos políticos, direito à livre associação partidária. Segundo a democracia representativa, os partidos políticos são a principal ponte de elo entre a sociedade civil e o poder público. A comunicação entre a sociedade civil e o poder público se dá, sobretudo, através dos partidos políticos. Esse é um modelo de democracia principal na Constituição de 1988. Sem dúvida nenhuma que o constituinte de 1988 instituiu entre nós uma democracia representativa. Só que o constituinte de 1988 não adotou uma democracia representativa pura. Há elementos da chamada democracia participativa ou da democracia semi-direta. A democracia participativa ela tem como premissa uma idéia muito bem colocada pelo Boaventura de Sousa Santos, onde “ é preciso democratizar a democracia”.

O que ele quer dizer?

A democracia representativa tem sérios déficits, sobretudo, em democracias ainda jovens, ainda não maduras como é o caso brasileiro. A idéia de que os partidos políticos fazem essa ponte entre a sociedade civil e o poder público e que os eleitos são os representantes fidedignos do povo é uma idéia muito mais formal, fictícia, do que real. A idéia de que cada

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cidadão tem igual direito a participação no processo político, na prática, não se verifica. O poder político não é igualmente distribuído na sociedade. Então, é preciso retirar esse poder das estruturas partidárias e devolvê-lo ao povo que é o verdadeiro titular do poder. Um dos principais instrumentos para isso são os instrumentos da democracia semi-direta ou de participação direta do povo no processo político.

Exemplo: plebiscito, referendo, iniciativa popular de leis.

Fiz um rol aqui que além dessas são mais conhecidas:

Art. 5º, LXXVIII, CRFB – trata da ação popular Art. 10, CRFB Art. 37, §3º, CRFB Art. 74, §2º, CRFB Art. 194, VII, CRFB Art. 206, VI, CRFB

Além disso, no plano infraconstitucional há diversas outras iniciativas de democracia participativa, por exemplo: os conselhos de saúde (são estruturas que integram o SUS que fazem com que os usuários do Serviço de Saúde também participem da gestão da saúde), as audiências públicas, o amicus curiae, a idéia de orçamento participativo, dentre outros instrumentos.

Qual é a diferença entre plebiscito e referendo?

O plebiscito é prévio à prática do ato em questão. Ao passo que o referendo é posterior à prática do ato. Os conceitos de plebiscito e referendo estão no art. 2º da Lei 9709/91.

11. Outro conceito de democracia que está em voga normalmente é o conceito de democracia deliberativa. Essa é uma discussão um pouco mais teórica de teoria política e de filosofia que tem a ver com a formação da vontade pública. Sobre esse aspecto de como a vontade pública se forma há dois grandes momentos:

Concepções agregativas de democracia: a vontade coletiva é a agregação de vontades individuais. Essa é uma visão individualista, egoística da atuação do indivíduo no processo político. É aquela idéia de que o indivíduo participa do processo político, vota naquele indivíduo para ser melhor para ele próprio. Portanto, a vontade coletiva seria a agregação da vontade de cada um visando o seu próprio bem-estar.

Democracia deliberativa: considera que num ambiente propício a vontade coletiva pode ser construída não a partir do interesse egoístico de cada um, ao contrário, a democracia deliberativa pressupõe que em condições adequadas o cidadão pode participar do processo político com vistas ao bem comum. Então, para que haja isso, para que o cidadão possa participar do processo político visando o bem comum tem que haver certas condições que se referem ao respeito aos direitos fundamentais como um todo. Então, numa sociedade em que haja um debate livre e franco de idéias, onde se garanta a liberdade de expressão, onde as pessoas tenham o mínimo existencial,

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tenham tido educação, há condições favoráveis para que elas participem do processo político com vistas ao bem comum e não com vistas ao seu interesse particular.

Outro elementos fundamental da idéia de democracia deliberativa é o conceito de razoes públicas, ou seja, significa que as decisões do Estado devem se embasar em razões públicas e não privadas. Essas razões devem ser públicas em dois sentidos:

c) Primeiro devem ser razões publicadas, razões disponíveis ao público. Isso é publicidade quanto a sua forma.

d) Essa publicidade se refere também ao conteúdo das razões, ou seja, significa que as decisões do poder público devem estar embasadas em princípios que possam ser aceitos por todos os cidadãos. Isso significa que a gente não pode dizer que o aborto deve ser criminalizado porque essa é a vontade de Deus. A gente pode até achar isso, mas essa não é uma razão pública porque para quem não acredita em Deus aquilo não fará o menor sentido, de modo que as decisões do poder público devem ser embasadas em razões que possam ser compartilhadas com todos. Por exemplo: igualdade, liberdade, segurança, solidariedade. São princípios que independentemente de sua religião, da sua visão de mundo, todos vão concordar com esses princípios.

Vamos entrar agora em uma discussão mais concreta, objetiva, que são os direitos políticos à luz da CRFB 88.

Se vocês derem uma olhada no art. 14, §1º, CRFB vocês vão ver normas sobre o alistamento eleitoral.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

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§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

Com o alistamento eleitoral se adquire a capacidade eleitoral ativa, ou seja, o direito de votar. O alistamento eleitoral com visto ele é obrigatório para os brasileiros entre 18 e 70 anos no pleno gozo dos seus direitos políticos.

Já as condições de elegibilidade estão no §3º, CRFB. São elas:

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

Até o inciso III são requisitos comuns da condição de elegibilidade e do alistamento eleitoral.

A partir do inciso IV são requisitos pertinentes apenas à aquisição da capacidade eleitoral passiva. São eles:

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Da comparação entre os dois requisitos a gente pode perceber que são exigidos mais requisitos para a aquisição da capacidade eleitoral passiva do que para a aquisição da capacidade eleitoral ativa. Logo, há indivíduos que podem votar, mas que não podem ser votados. Exemplo: analfabeto. Os analfabetos podem votar, mas não podem ser votados. As pessoas não filiadas a partidos políticos podem votar, mas não podem ser votadas. Pessoas que não tenham domicílio eleitoral na circunscrição podem votar, mas não podem ser votadas. A pessoa com 23 anos pode votar, mas não pode votar, por exemplo, para Presidente da República.

Então, é importante perceber é que os requisitos para a capacidade eleitoral passiva são mais exigentes do que os requisitos para a capacidade eleitoral ativa. Então, há diversas situações onde o indivíduo pode votar, mas não pode ser votado.

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Eu poderia fazer, com base no inciso VI, uma escala de aquisição dos direitos políticos:

A partir dos 16 anos o indivíduo adquire a faculdade de votar. Ainda não é um poder-dever. O voto não é obrigatório para as pessoas entre 16 a 18 anos.

A partir dos 18 o voto torna-se obrigatório. De uma faculdade ele se convola em um poder dever e o cidadão ganha também a possibilidade de se candidatar a vereador.

Aos 21 anos ele pode se candidatar para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz.

Aos 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal

Aos 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador.

Então, aos 35 anos o sujeito adquire plena capacidade eleitoral passiva.

PERDA E SUSPENSAO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Diz o art. 15, CRFB:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Alguns comentários importantes a se fazer sobre o caput.

Primeiro: por que é que se disse é vedada a cassação de direitos políticos?

Isso foi uma clara reação a uma prática comum que é a cassação de direitos políticos dos opositores dos vários regimes ditatoriais que nós tivemos. Na ditadura militar foram vários direitos políticos cassados. Evidentemente que essa prática de cassação dos direitos políticos dos opositores é uma prática contrária ao Estado Democrático de Direito. Portanto, ela foi vedada claramente com a CRFB 88.

Esse é o primeiro aspecto do caput.

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O outro aspecto do caput é que a redação dele denota que o rol de hipóteses de cassação dos direitos políticos é taxativa. O rol é numerus clausus. Só nessas hipóteses pode haver perda ou suspensão dos direitos polítiicos.

Vamos ver essas hipóteses:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

Essa é uma hipótese de PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS. Nesse caso, o sujeito deixa de ser brasileiro, seu processo de naturalização foi invalidado, cancelado, por uma DECISÃO JUDICIAL, mas o efeito reflexo do cancelamento da naturalização é a perda dos direitos políticos. É a perda da nacionalidade e conseqüentemente a perda dos direitos políticos.

II - incapacidade civil absoluta;

É a hipótese da sentença de interdição. O efeito reflexo da sentença de interdição é a SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS, porque evidentemente recuperada a capacidade civil recupera-se, também, o pleno gozo dos direitos políticos. Então, o efeito reflexo da sentença de interdição é a suspensão dos direitos políticos enquanto se mantiver a incapacidade civil.

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLITICOS. O próprio inciso diz “enquanto durarem seus efeitos”. Enquanto durarem os efeitos da pena se mantém a suspensão. Findo os efeitos restabelece o pleno gozo dos direitos políticos.

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

Esse caso se verifica naquela hipótese em que o indivíduo se recusa a prestar o serviço militar obrigatório e também se recusa a cumprir prestação alternativa. Vocês sabem que uma possibilidade quando alguém é convocado para o regime militar é opor a chamada OBJEÇÃO DE CONSCIENCIA OU ESCUSA DE CONSCIENCIA, ou seja, eu tenho uma crença filosófica, religiosa pacifista que me impede de fazer treinamento militar. Nesse caso, as forças armadas convocam para o indivíduo fazer serviço administrativo. É uma prestação alternativa para aquela pessoa. Se houver a recusa também a essa prestação alternativa ela pode incorrer nessa hipótese. É uma hipótese de SUSPENSAO DOS DIREITOS POLÍTICOS. A legislação prevê a possibilidade de recuperação dos direitos políticos se, posteriormente, a pessoa cumprir o serviço militar obrigatório ou a prestação alternativa.

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Também é hipótese de SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. Enquanto se mantiverem os efeitos da pena por improbidade administrativa se mantém a suspensão dos direitos políticos.

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Outra discussão que veio a baila pela Lei da Ficha Limpa e pela tese anterior dos TRE´s de se negar registro à pessoas com fichas sujas era a seguinte:

Só há suspensão dos direitos políticos com condenação transitada em julgado. E a Lei da Ficha Limpa autoriza que se negue registro mesmo por decisões condenatórias penais não transitadas em julgado. O requisito presente na Lei da Ficha Limpa é que a decisão seja de um órgão colegiado. Significa que se o juízo for de primeira instância terá duas decisões ou se for competência originária do tribunal pode ser uma única decisão, desde que seja de órgão colegiado.

É constitucional ou será que viola o art. 15, III?

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

O argumento para aqueles que entendem que viola é o seguinte: se a CRFB só suspende os direitos políticos quando há condenação penal transitada em julgado se ele for condenado por órgão colegiado ainda não transitou em julgado, logo, ele ainda está em pleno gozo dos direitos políticos e tem direito ao registro. Logo, a Lei da Ficha Limpa é inconstitucional por violar o art. 15, III, CRFB.

Qual o argumento para se atribuir constitucionalidade para a Lei da Ficha Limpa nesse particular?

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

Então, na verdade, o art. 14, §9º, CRFB, ele prevê, permite que LC estabeleça outras hipóteses de inelegibilidade. Expressamente ele autoriza outras hipóteses de inelegibilidade para proteger a moralidade administrativa considerada a vida pregressa do candidato.

Com a inelegibilidade haveria uma suspensão da capacidade eleitoral passiva, mas não propriamente a perda dos direitos políticos porque ele possuiria outros direitos políticos como poder se manter vinculado a partido político, poder votar.

Vamos falar agora de inelegibilidade.

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O que são as inelegibilidades? Como vocês conceituariam as hipóteses de inelegibilidade?

São condições obstativas para o exercício da capacidade eleitoral passiva.

É o outro lado da moeda das condições de elegibilidade. As condições de elegibilidade autorizam a pessoa a adquirir a capacidade eleitoral passiva. Já as inelegibilidades vedam, retiram a capacidade eleitoral passiva.

Existem dois tipos inelegibilidades:

7. Inelegibilidade absoluta8. Inelegibilidade relativas

As inelegibilidades absolutas se aplicam a qualquer cargo eletivo. Por exemplo: analfabetos. Eles têm uma inelegibilidade absoluta na medida em que eles não podem ser eleitos para quaisquer cargos. Os inalistáveis (estrangeiros e os conscritos – pessoas que exercem o serviço militar obrigatório).

Além das hipóteses de inelegibilidade absoluta há hipóteses de inelegibilidades relativas. São hipóteses que atingem determinados cargos ou que se referem a circunstancias pessoais dos atingidos pela inelegibilidade.

Enquanto o rol de inelegibilidade absoluta está sujeita uma RESERVA DE CONSTITUIÇÃO, OU SEJA, SÓ A CRFB PODE ESTABELECER HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE ABSOLUTA. Em relação às hipóteses de inelegibilidade relativa o art. 14, §9, abre esse rol a LC. Então, LC pode estabelecer novas hipóteses de inelegibilidade relativa observados esses pressupostos que nós já vimos.

Então, vamos começar a ver as hipóteses de inelegibilidade relativa.

Art. 14, §5º.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)

Essa redação atual foi dada pela EC 16/97. Foi a emenda que previu a possibilidade de reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo. Não era da tradição constitucional brasileira a possibilidade de reeleição. Pelo contrário. Todo estatuto constitucional das inelegibilidades era contra essa idéia. Isso foi uma grande inovação.

O que se permitiu com essa emenda foi uma única reeleição para o período subseqüente.

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Então, por exemplo: o Sergio Cabral, Governador do ERJ, foi eleito a um mandato e reeleito agora. Na próxima eleição para o Governo do Estado ele é inelegível porque há uma vedação a um terceiro mandato consecutivo de Chefe do Executivo. Não há um número máximo de mandatos para uma pessoa.

Então, por exemplo: se ele ficar 04 anos longe do Governo do Estado ele poderia voltar para mais 04 anos e reeleição, fica fora mais 04, volta depois.

A vedação que decorre dessa regra é a reeleição para um terceiro mandato consecutivo.

Por exemplo: digamos que o Sérgio Cabral renuncie. Isso o torna elegível para a próxima eleição de Governador do Estado?

Pouco importa o prazo que ele renunciar. Ele não será elegível na próxima eleição para o Governo do Estado porque isso seria uma forma de se burlar a vedação ao terceiro mandato consecutivo.

Art. 14, §6º.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Trata da regra da desincompatibilização.

O que é a desincompatibilização?

Desincompatibilização é a exigência de afastamento definitivo, ou seja, pressupõe renúncia e não mera licença.

Agora, o que fez com que o Estatuto das inelegibilidades ficasse incoerente foi se exigir a desincompatibilização apenas para outros cargos. Na verdade isso já estava na CRFB. Mas por que estava?

Porque à época em que a Constituição foi feita não era possível a reeleição. Então, por isso, que se falou em outros cargos.

Só que com a EC da reeleição não se estendeu a possibilidade criada da reeleição à desincompatibilização e aí ficou incoerente o nosso sistema constitucional de inelegibilidade.

Por exemplo: se o Sérgio Cabral for candidato ao Senado na próxima eleição ou à Presidência da República ele vai ter que se desincompatibilizar porque é outro cargo. Agora, quando ele foi candidato à reeleição ele não precisou se desincompatibilizar porque foi o mesmo cargo. E como diz a literalidade do § 6º a exigência de desincompatibilização se dá só para outros cargos.

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Agora, vamos tentar transpor a literalidade do dispositivo para entender a finalidade dele. Para que serve a desincompatibilização?

Evitar o uso da máquina em seu próprio benefício.

Eu pergunto: em que caso há esse maior risco de uso da máquina? Quando o Chefe do Executivo se candidata a outro cargo ou ao próprio cargo?

Ao próprio cargo. O risco de usar a máquina é muito maior. Então, no caso em que é muito maior o risco de se utilizar a máquina não se exige a desincompatibilização, mas no caso de menor risco não se exige.

Art. 14, §7º, CRFB

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Traz a chamada inelegibilidade por parentesco.

Então, aqui, a gente precisa fazer distinções. São duas situações diferentes.

Primeira é: quem está atingido por essa hipótese de inelegibilidade?

O dispositivo fala “cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção”. E, aí, eu coloco: a companheira se equipara para fins de inelegibilidade ao cônjuge?

Sim. Cabe aqui uma interpretação extensiva com base na teleologia da norma.

Para que serve essa inelegibilidade?

Para evitar que o Governador beneficie sua mulher, por exemplo. Então, pela teleologia da norma se estende à companheira.

E se, por exemplo, o Governador é casado. O Governador morre. Um, dois anos depois tem uma eleição e a sua esposa é candidata. Se aplica essa inelegibilidade de parentesco?

Não há possibilidade dele intervir no processo eleitoral.

Obs: o Garotinho ficou um só mandato e ao final do seu mandato ele se candidatou à Presidência da República e aí a Rosinha foi candidata à sua sucessão. E aí foi um caso importante de inelegibilidade para se resolver. O que aconteceu? Ele teve que se desincompatibilizar porque ele era candidato a outro cargo. Ele renunciou 06 meses antes. E aí

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teve uma primeira discussão se a rosinha seria elegível? Se se aplicaria ou não essa hipótese de inelegibilidade por parentesco? E ai o que o TSE entendeu? O TSE entendeu que se ele próprio poderia ser candidato a sua mulher também pode. Ela foi considerada elegível, ou seja, não se aplicou a inelegibilidade por parentesco.

E, aí, se colocou na eleição seguinte se ela poderia ser candidata à reeleição porque era o segundo mandato dela. O primeiro era do seu marido e não dela. Mas, aí, o TSE em uma decisão inteligente falou: “é a mesma família. A finalidade dessa norma é proteger o princípio republicano e democrático da alternância do poder. Se você, por exemplo, fica 08 anos no poder, depois mais 08 a sua mulher, depois mais 08 o filho, você tem uma dinastia, um clã no Poder. Isso viola a idéia democrática da alternância no poder.

Então, o TSE disse que a Rosinha é inelegível nessa outra eleição como se fosse o Garotinho tivesse nos dois mandatos ele seria inelegível para um terceiro.

Agora, em relação às quais cargos se aplica essa inelegibilidade?

A CRFB fala só em “no território de jurisdição do titular”. É uma expressão muito imprecisa.

Por que é que eu digo isso? Exemplo: Governador do Estado. Sua esposa quer se aventurar na política. Ela não tem cargo eletivo nenhum. Ela não poderá ser candidata, por exemplo, a deputada estadual. É claro que está dentro do território de jurisdição do titular.

Agora, Deputado Federal por aquele Estado ou Senador. Coloca uma dificuldade porque a “jurisdição” que aquele cargo vai exercer é nacional. Mas a eleição é do Estado. E, aí, se aplica a inelegibilidade por parentesco ou não?

Sim. Percebam que aqui na inelegibilidade é muito importante fazer uma interpretação teleológica, entender o porquê aquela norma prevê aquela inelegibilidade para resolver problemas de interpretação. A resposta é fazendo uma interpretação teleológica é a seguinte: se a finalidade é evitar que o marido beneficie a esposa, se a eleição se dá no Estado governado por ele, ele pode beneficiar. Logo, a inelegibilidade de parentesco se aplica a cargos de Deputado Federal e Senador pelo Estado governado pelo parente ou cônjuge. Com mais razão se aplica a cargos de Vereador e de Prefeito de um Município dentro do Estado governado pelo parente ou pelo cônjuge.

Uma exceção importante é se o cônjuge ou o parente já é titular de cargo eletivo e é apenas candidato à reeleição. Então, por exemplo: dois deputados estaduais que eram casados. E um deputado estadual resolve ser governador. Aí vem a eleição. Pergunta-se: a sua mulher que já era deputada estadual se torna inelegível?

Não. Ela já era. Então, se ela já era deputada estadual, se ela já tinha o cargo eletivo, se mantém a possibilidade dela se eleger, ela se mantém elegível, para o mesmo cargo. A lógica do constituinte foi a seguinte: se ela já era deputada antes ela não dependeu do sujeito. Ela foi com suas próprias pernas. Então, ela pode se manter naquela trilha política.

Pergunta: um casal que não tem cargo eletivo nenhum pode se candidatar na mesma eleição?

Pode.

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Qual é a situação dos militares?

Essa hipótese está disciplinada no art. 14, § 8º, CRFB.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

Tem um problema, aqui, sobre a possibilidade do militar ser eleito para algum cargo porque o §8, do art. 14 diz que ele é elegível. Por outro lado, o art. 142, CRFB diz que ele não poderá se filiar a partido político.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Então, surgiu um problema: como é que ele pode se eleger se ele não pode ser filiado a partido político e a filiação a partido político é condição de elegibilidade?

É um conflito aparente de normas entre duas normas constitucionais. Na verdade, a impossibilidade de participação em partido político é sanada pelo registro da sua candidatura no partido. Então, enquanto ele for militar ele não poderá ser formalmente filiado, mas ele poderá registrar a sua candidatura.

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E, aí, se ele for eleito o que acontece?

Aí são as hipóteses do § 8, I e II, CRFB.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

Se ele tiver menos de 10 anos ele se afasta da atividade. Ele deve renunciar ao cargo.

Se ele tiver mais de 10 anos ele será agregado pela autoridade superior e se eleito passará para a inatividade, será aposentado.

Art. 14, § 9º, CRFB.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

É a possibilidade de LC estabelecer outras hipóteses de inelegibilidade. Qual o fim que essas outras inelegibilidades deve se guiar, ou seja, essa não é uma possibilidade ampla no sentido de que a LC pode estabelecer qualquer outra hipótese de inelegibilidade. Há alguns condicionantes na CRFB. É aquela hipótese que se chama de RESERVA LEGAL QUALIFICADA, ou seja, não só se faz uma reserva de LC à matéria como se diz qual é o fim, qual é o sentido que o legislador deve seguir. Que sentido é esse?

Proteção a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

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Por que é importante entender essas hipóteses?

Porque se a LC criar uma hipótese nova de inelegibilidade que nada tenha a ver com essas hipóteses será inconstitucional. A possibilidade do legislador infraconstitucional criar outras hipóteses de inelegibilidade se restringe a esses fins.

Há uma lei fundamental que regulamentou o §9º, que é a LC 64/90.

A LC 64/90 estabelece as hipóteses de inelegibilidade estabelecias em LC. Essa lei já foi alterada por várias outras leis. A lei que mais vale a pena a gente gastar um tempo aqui é a LC 135/2010, chamada Lei da Ficha Limpa, que, na verdade, nada mais é do que uma LC que traz novas hipóteses de inelegibilidades da LC 64/90.

A Lei da Ficha Limpa ela traz três discussões principais de natureza constitucional.

A primeira que gerou uma tremenda controvérsia no STF e que só foi dirimida pelo voto do Fux foi em relação a aplicabilidade ou não à Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010. Por que se discutia isso?

A Lei da Ficha Limpa foi editada em 2010 a menos de 01 ano das eleições de outubro de 2010. E a discussão era se se aplicava ou não o art. 16 da CRFF – princípio da anualidade eleitoral.

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)

As regras que alterarem o processo eleitoral só se aplicam ao processo eleitoral, à eleição seguinte se tiverem pelo menos 01 ano de antecedência.

A posição que prevaleceu com o voto do Fux foi pela aplicabilidade do art. 16, CRFB. E conseqüentemente pela inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa pelo fato de não um ano de antecedência.

Então, se entendeu que o processo eleitoral deveria ser interpretado como qualquer regra que discipline as eleições. O fundamento do art. 16 é proteger a segurança jurídica para se evitar a mudança das regras do jogo no meio do jogo.

Então, essa tese prevaleceu no STF.

A tese que era adotada pelo TSE e tinha sido adotada pelo STF era no sentido da inaplicabilidade do art. 16. Se fez uma interpretação restritiva do art. 16 para entender que processo eleitoral seriam apenas as normas procedimentais e não as normas materiais. E como essa é uma regra de inelegibilidade, é uma regra que cria uma nova hipótese de inelegibilidade, seria uma norma material eleitoral e não uma norma processual eleitoral, de maneira a não incidir o art. 16. Então, era uma interpretação que dava menor peso à segurança jurídica e maior peso à moralidade administrativa.

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Outra discussão que a gente já tangenciou aqui é se a Lei da Ficha Limpa poderia ter usado condenações não transitadas em julgado como fundamento de inelegibilidade.

Há uma tese capitaneada no STF pelo Gilmar Mendes, no sentido de que o uso de condenações não transitadas em julgado viola, a princípio, a presunção de inocência que advém efeitos negativos de uma decisão que não transitou em julgado, e viola o art. 15, III, que diz que enquanto não houver o trânsito em julgado há o pleno gozo dos direitos políticos. Somente há a suspensão dos direitos políticos com o transito em julgado. Logo, se o sujeito está em pleno gozo dos direitos políticos ele pode se candidatar.

Quais são os argumentos contrários, ou seja, pela possibilidade de se usar condenações não transitadas em julgado como hipótese de inelegibilidade?

Primeiro argumento bem contundente vem focado no texto constitucional, notadamente, art. 14, §9º. Ele expressamente autoriza que LC crie outras hipóteses de inelegibilidade com vistas a proteger a moralidade no exercício do mandato considerando a vida pregressa do candidato. E o dispositivo fala em vida pregressa e não com condenações transitadas em julgado.

Segundo elemento é que você não pode colocar em um pedestal a presunção de inocência e jogar pelo ralo a moralidade administrativa, ou seja, presunção de inocência e moralidade administrativa são princípios constitucionais que precisam ser ponderados. E a ponderação feita pelo legislador foi proporcional. Observou o princípio da proporcionalidade.

Por exemplo: não teria sido proporcional se o legislador tivesse dito “qualquer inquérito policial contra o indivíduo impede que ele seja candidato”. Isso seria um absurdo. Isso violaria sim a presunção se inocência, mas o critério utilizado pelo legislador complementar foi condenação criminal por órgão colegiado, ou seja, é uma decisão que busca o meio termo entre presunção de inocência e moralidade administrativa. Se exigisse transito em julgado colocaria a presunção de inocência muito acima. Se exigisse só inquérito policial esqueceria a presunção de inocência e colocaria a moralidade administrativa muito acima, gerando equívocos.

Essa opção por condenação por órgão colegiado parece prestigiar a proporcionalidade.

Agora, há situações concretas Lei da Ficha Limpa em que o argumento do legislador não ter observado a proporcionalidade é mais forte. Por exemplo: há uma hipótese em que o professor concorda, mas que ele não sabe se o STF vai concordar que foi o caso do Jader Barbalho. É um caso em que não há condenação criminal, mas que um sujeito renunciou a um cargo de deputado federal, de senador, porque havia um processo interno, um processo administrativo disciplinar na casa que poderia levar a perda dos seus direitos políticos, cassação de mandato. E, aí, para evitar isso, ele renunciou.

E a renúncia na pendência de processo que pode levar a cassação de mandato é hipótese de inelegibilidade.

Talvez se faça um juízo de proporcionalidade em cada hipótese de inelegibilidade para saber quais têm mais fundamento no princípio da proporcionalidade.

Última hipótese que se discute é se há uma retroatividade maléfica vedada pelo princípio da segurança jurídica. Alguns autores sustentam que se aplicaria por analogia a regra do direito penal da vedação a retroatividade maléfica ao réu tendo em vista que a lei prevê que

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condenações anteriores à ela, anteriores a lei, possam ser usadas como fundamento para inelegibilidade.

Então, alguns autores dizem que se eu usar uma condenação anterior à lei como fundamento para inelegibilidade criada pela lei é uma hipótese de retroatividade maléfica que viola a segurança jurídica. À época da condenação não havia esse efeito dado na ordem jurídica.

Qual é o argumento contra essa tese?

Primeiro é o art. 14, §9 expressamente fala que se deve considerar a vida pregressa do candidato e segundo é que o registro de candidatura, que é o ato que se afere se há ou não alguma inelegibilidade, ele é posterior à lei. Então, o registro da candidatura ele é posterior à lei, de maneira que a lei se aplicaria a um ato posterior que é o registro de candidatura e não a um ato anterior à ela.

Como se decidiu pela inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010, essas questões viram a tona nas próximas eleições.

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AULA 24

DIREITO À VIDA

O direito à vida é preponderantemente um direito negativo, ou seja, é um direito que o indivíduo tem que é exigir do Estado uma abstenção, ou seja, que o Estado não prejudique a fruição do direito à vida.

O fato de sua dimensão preponderante ser, de fato, negativa isso está garantido na CRFB 88, pois é vedada a pena de morte exceto em tempos de guerra revela exatamente essa dimensão negativa do direito à vida.

Evidente que há uma dimensão positiva que decorre do direito à vida.

Que prestações positivas o indivíduo tem de exigir do Estado com base no direito à vida?

Saúde, segurança pública, combate ao incêndio.

Todas essas atividades são serviços públicos, são prestações positivas à preservação ao direito à vida.

MARCO INICIAL DO DIREITO À VIDA E O MARCO INICIAL DA VIDA.

Quando o ser humano é considerado vivo?

Há diversas teorias sobre o tema.

12. Primeira teoria: Teoria da Concepção.

Adotada por diversas igrejas.

Para essa visão a vida existe desde a concepção do óvulo materno, que é o momento mais inicial em relação ao marco inicial do direito à vida.

13. Segunda teoria: Teoria da Nidação.

A nidação é o momento em que o óvulo se prende ao útero materno.

14. Terceira teoria: Teoria da Atividade Cerebral.

A vida se inicia quando se iniciarem as atividades cerebrais.

15. Quarta teoria: Teoria do nascimento com vida.

Só haveria vida no momento em que a criança nascesse com vida.

Essa é uma questão que divide cientistas e religiosos.

Será que a ordem jurídica se pronunciou sobre esse problema?

Na verdade não.

Obs: é um equívoco comum achar que quando o art. 2º do CC/2002 disse que a personalidade se inicia com a vida isso revelaria uma posição do legislador no sentido de que o marco inciial da vida é o nascimento com vida.

Não se deve confundir essa discussão do marco inicial da vida com a discussão sobre personalidade, que é a possibilidade de alguém ser sujeito de direito.

É obvio que a personalidade pressupõe vida, mas não são sinônimos.

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Se por um lado não há uma definição explícita do legislador brasileiro sobre o marco inicial da vida, há sobre o marco final, pois a lei de doação de órgãos fixa o momento em que o indivíduo é considerado morto que é quando há morte cerebral.

EUTANÁSIA

Será que a eutanásia é considerada crime pela legislação penal brasileira ou é algo permitido com base em alguns direitos fundamentais como dignidade da pessoa humana, liberdade individual?

Há um grande descompasso entre a legislação penal e a prática médica e a própria visão moral da sociedade.

Em uma leitura fria da legislação penal a resposta é que isso seria crime de homicídio.

Só que há várias nuances que precisam ser exploradas.

Primeiro passo para explorar essas nuances é distinguir os conceitos de eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido.

Eutanásia: é um procedimento ativo do médico, no sentido de pôr fim à vida do paciente que esteja em estado terminal.

Distanásia: é a tentativa de prolongamento artificial da vida.

Ela tem algumas espécies:

16. Obstinação terapêutica17. Tratamentos fúteis

São tratamentos que não têm mais a esperança de salvar o paciente, mas apenas uma tentativa desesperada não de prolongar a vida, mas prolongar o processo de morte.

Ortotanásia: é a morte no momento natural, ou seja, é a não adoção dos instrumentos da distanásia, ou seja, é a não adoção dos tratamentos fúteis, de uma obstinação terapêutica sem muita razão de ser e deixar que a morte aconteça no momento adequado.

Ela também tem algumas espécies:

Limitações consentidas de tratamento.

Exemplo: retirada de um suporte vital.

Cuidados paleativos: são tratamentos que não visam propriamente prolongar artificialmente o processo de morte e sim amenizar o sofrimento.

Os cuidados paleativos acabam gerando o chamado duplo efeito, ou seja, além de amenizar as dores também abrevia o processo de morte.

Suicídio assistido: A diferença do suicídio assistido para a eutanásia é que quem põe fim à vida é o próprio paciente, mas com a assistência de outra pessoa que, normalmente, é o médico.

Que procedimentos são permitidos pela legislação brasileira?

Com base em uma leitura fria da legislação penal brasileira, eutanásia e ortotanásia seriam homicídio.

Suicídio assistido seria instigação ao suicídio.

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Então, a legislação penal brasileira interpretada friamente conduziria à distanásia, à uma obstinação terapêutica no prolongamento artificial da vida.

O que alguns autores de direito constitucional vêm sustentando é que se deve fazer uma leitura da legislação penal em conformidade com a Constituição Federal, porque o CP é de 1940 e retratava uma visão de mundo que não dava o devido valor à liberdade individual, à dignidade da pessoa humana e, portanto, o CP precisa ser atualizado à luz de uma leitura constitucional.

O Barroso sustenta que tanto a eutanásia quanto a ortotanásia e ao suicídio assistido estão protegidos pelos direitos fundamentais do paciente. Ele reconhece que a discussão sobre eutanásia e o suicídio assistido é mais complexa.

O foco dele é a ortotanásia, ou seja, é sustentar a constitucionalidade, a viabilidade da prática da ortotanásia. Inclusive essa é a linha da ética médica.

O Código de Ética médica veda a eutanásia e o suicídio assistido, mas defende a ortotanásia (inclusive as suas espécies: cuidados paleativos, limitações consentidas de tratamento).

Quais são os direitos fundamentais que protegem essas três práticas, sobretudo a ortotanásia?

O primeiro direito que é essencial é o direito à liberdade.

Qual o conteúdo jurídico do direito à liberdade?

A liberdade ela demarca uma esfera em que o indivíduo deve atuar de acordo com a sua própria consciência, de acordo com a sua própria vontade e não de acordo com a vontade de outrem.

Esse poder de decidir questões com base na sua própria consciência ele é tanto maior quanto mais for essencial aquela decisão para a sua vida.

A força da liberdade é muito grande dado o caráter existencial da decisão, ou seja, a possibilidade do Estado de determinar o momento da sua morte com base numa visão moral majoritária, religiosa, que sustenta que a vida deve ser preservada a todo custo é muito complicado sustentar isso no âmbito de um regime que proteja a liberdade individual.

Outro direito que tem peso muito grande é o direito à dignidade da pessoa humana.

O Barroso sustenta que as três técnicas são constitucionais (Eutanásia, suicídio assisitido e a ortotanásia).

A tendência é sustentar a constitucionalidade do Código de Ética médica que autoriza a ortotanásia e a ortotanásia é de fato constitucional, com base no direito à liberdade individual e com base na dignidade da pessoa humana.

NEGATIVA À TRANSFUSÃO DE SANGUE

Determinadas religiões como, por exemplo, as Testemunhas de Jeová consideram que receber sangue alheio gera uma contaminação da pessoa que recebe aquele sangue e muitas vezes há necessidade de transfusão de sangue, sob pena de morte.

O sujeito maior de idade, em pleno juízo de suas faculdades mentais, toma a decisão de não se submeter a uma transfusão de sangue. O médico deve respeitar a sua vontade, baseada em uma concepção religiosa ou deve contra a sua vontade fazer a transfusão para salvar a sua vida?

Binembojm: deu seu parecer pela prevalência da autonomia da vontade, ou seja, por prevalecer o direito do paciente de tomar a decisão.

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Flávio Willeman: prevaleceria o direito à vida, com base no argumento de que o direito à vida seria superior ao direito à liberdade religiosa.

Barroso: acompanhou o parecer do Binembojm no sentido do direito de escolha, ou seja, da prevalência da liberdade religiosa.

O primeiro ponto importante dessa discussão é a evolução na discussão da própria medicina da relação médico paciente. Durante muito tempo na medicina prevaleceu a visão paternalista sobre a relação médico paciente, ou seja, o médico deve salvar a vida a todo custo.

É uma visão que dá pouco peso à vontade do paciente, porque mesmo contra a sua vontade, se o médico estiver consciente de que um tratamento em relação ao qual a recusa do paciente vai salvar vida, o médico deve adotá-lo.

Só que, sobretudo na 2ª Guerra Mundial, esse paradigma do paternalismo médico entra em crise e se percebeu a importância de se resguardar a autonomia individual do paciente, ou seja, da impossibilidade do médico adotar determinados procedimentos que podem custar a vida do paciente, gerar seqüelas, no sentido do paciente anuir a esses procedimentos.

Então, a partir da 2ª GM é editado um Código Médico, Código de Nuremberg, que passa a dar maior peso à autonomia da vontade do paciente. Inclusive isso foi refletido no CC/2002, notadamente no art. 15 prevê que procedimentos médicos que gerem risco de vida ao paciente, dependem de anuência do paciente.

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica

Muitas vezes o argumento, no caso da transfusão de sangue, da prevalência do direito à vida parte de uma visão paternalista que exatamente sustenta que o médico deve salvar a vida a qualquer custo, ou seja, mesmo contra a sua vontade.

Como o direito comparado trata essa questão?

As Supremas Cortes e as Cortes Constitucionais têm precedentes no sentido da prevalência da autonomia da vontade, da prevalência do paciente escolher.

A própria OMS tem uma organização chamada Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue que também tem um Código de Ética que afirmou a possibilidade do paciente escolher.

Outro argumento que acaba levando à prevalência da liberdade de escolha é a liberdade individual.

O argumento que o Barroso usa é que se o Estado não pode impedir essas práticas com base na liberdade individual, com muito mais razão o Estado não pode impedir que a pessoa recuse realizar transfusão de sangue, até porque nesse caso o que se está em jogo é muito mais uma liberdade existencial, que é a liberdade de religião. É uma área em que a liberdade individual é ainda mais forte.

Conclusão do Barroso: prevalência da liberdade religiosa, ou seja, pela prevalência do paciente se recusar à transfusão de sangue.

Só que ele estabelece algumas condições para a validade desse consentimento:

Só quem pode consentir em não fazer uma transfusão de sangue é o titular do direito.

Esse é um direito personalíssimo.

Capacidade.

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Deve-se aferir se de fato o titular do direito está em pleno gozo de suas capacidades físicas e mentais para tomar uma decisão dessa relevância.

Informação adequada.

Ele só pode consentir com a recusa caso ele tenha recebido do médico informações precisas sobre as conseqüências do seu ato.

Não se admite consentimento tácito.

O consentimento tem que ser atual.

Argumentos contrários: Prevalência do direito à vida; b) impossibilidade da restituição do status quo, caso o indivíduo se arrependa dessa decisão.

ABORTO

Vamos começar com a discussão sobre anencefalia.

O que é a anencefalia?

É uma hipótese de má formação fetal que consiste na não formação de parte do córtex cerebral, não havendo viabilidade de vida extra-uterina.

A discussão constitucional é: a mulher que não resiste às conseqüências físicas e psicológicas dessa gravidez que ela sabe ser inviável, resolve interromper essa gravidez, deve ser punida pelo crime de aborto (art. 124, ss, CP)?

O CP criminaliza o aborto e abre exceções em dois casos, notadamente, o aborto terapêutico (é aquele permitido quando há risco de vida para a mãe) e o aborto sentimental (é aquele em que a criança é oriunda de um estupro).

Fora essas hipóteses, o aborto é vedado.

É crime de aborto a interrupção da gestação no caso de anencefalia?

A posição conservadora é de que é crime de aborto, sob os argumentos:

9. Positivista: o CP criminalizou o aborto e só o permitiu em duas hipóteses.

Como essa não é uma hipótese permitida, se o Judiciário disser que não é crime de aborto ele criará uma terceira cláusula de exceção à regra geral que criminaliza o aborto. E aí o Judiciário atuaria como legislador positivo e não como legislador negativo, como ele deveria atuar no controle de constitucionalidade.

10. Filosófico.

Diz respeito ao marco inicial da vida.

O marco inicial da vida, segundo a igreja católica, é o momento da concepção. Então, independentemente de ser inviável a vida extra-uterina, o argumento é que desde a concepção há vida e, portanto, está presente o bem jurídico protegido pelo crime de aborto.

Quais são os argumentos contrários?

Barroso: essa interpretação de que é crime pode-se dizer que seja até uma interpretação razoável, só que essa interpretação é inconstitucional porque viola o direito à integridade física e psíquica da mulher e, em última instancia, à dignidade da pessoa humana, pois é notório que a gravidez gera mudanças físicas na mulher e há determinados riscos ligados à saúde da mulher quando ela está grávida e tais riscos são potencializados na hipótese de anencefalia.

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Há certamente um prejuízo à integridade psíquica da mulher, pois a própria alteração hormonal já mexe nas emoções da mulher.

A tese é que se a mulher não resistir às pressões físicas e psíquicas dessa gravidez de feto anencéfalo que ela não vá para a cadeia por isso, mas, na verdade, é transferir essa discussão de moralidade pública para a moralidade privada, ou seja, não se defende que a mulher faça uma coisa ou outra, mas que apenas essa seja uma decisão da mulher e não do Estado.

Outro argumento importante que toca na discussão do aborto é o argumento da liberdade individual, ou seja, da liberdade da privacidade da mulher, do direito ao seu próprio corpo.

A discussão da anencefalia veio à tona com a ADPF nº 54 que se encontra no seguinte estágio: liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio. A liminar foi cassada pelo plenário, sob os seguintes fundamentos:

11. Houve um mal estar no STF por o Ministro Marco Aurélio ter dado essa liminar, sozinho.

Então, a rigor, ele não poderia ter dado essa liminar, sozinho.

12. Houve um lobby das igrejas.

O STF cassou essa liminar e até hoje não julgou o mérito. A liminar em sede de controle concentrado está sujeita à reserva de plenário, havendo apenas duas exceções: urgência e férias/recesso do PJ, mas mesmo assim em ambos os casos deve haver referendo do Pleno.

Nos EUA há um caso clássico julgado em 1973. A Suprema Corte afirmou que o direito à privacidade da mulher seria amplo o suficiente para garantir às mulheres o direito de realizarem aborto até os 03 meses de gestação.

Isso gerou uma discussão tremenda nos EUA.

Esse caso ainda não foi superado, mas já foi relativizado, pois a Suprema Corte já considerou que é constitucional o sistema de saúde não oferecer esse direito, com base na idéia de que é um direito negativo e não um direito prestacional.

Ainda se proclama que a mulher tem direito de realizar o aborto até os 03 meses de gestação.

Na Alemanha surgiram dois casos.

Há um primeiro caso que é o caso Aborto Um. Esse caso foi uma influência de uma moral conservadora. Nesse primeiro caso a Suprema Corte falou que é um dever do Estado criminalizar o aborto. Seria uma necessidade do Estado para proteger a vida do nascituro. (Teoria dos Deveres de Proteção).

O Estado deve atuar não apenas negativamente, mas também positivamente na proteção de direitos fundamentais. E um das formas de atuar positivamente na proteção dos direitos do nascituro seria através da criminalização do aborto.

Segundo caso: Aborto Dois. A Suprema Corte já relativizou essa decisão. Há uma margem de liberdade, de conformação do legislador. Há uma margem de decisão do legislador sobre em que hipóteses ele deve criminalizar o aborto.

Então, a questão deixou de ser uma questão imposta pela Constituição e passou a ser uma questão de decisão do legislador.

O fato de no caso do aborto dois a Suprema Corte ter dito que cabe ao legislador decidir, não significa que a Suprema Corte deu ao legislador um cheque em branco, ou seja, não significa que a Suprema Corte deu ao legislador uma possibilidade irrestrita de decisão.

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E essa é a tendência no direito comparado, ou seja, ver a hipótese da criminalização do aborto como uma ponderação entre o direito à liberdade e à dignidade da mulher e de outro o direito à vida do nascituro.

Quais são os parâmetros dessa ponderação?

Primeiro parâmetro: a decisão do legislador deve se embasar em razões públicas.

Outro parâmetro: o peso do direito à vida do nascituro ele não é uniforme, ou seja, o peso do direito à vida do nascituro cresce de acordo com a evolução da gravidez.

Exemplo: o peso do direito à vida do nascituro é muito menor no primeiro mês do que no nono mês.

Então, há um aumento progressivo do direito à vida do nascituro com a evolução da gravidez.

Então quando mais próximo do início, há um maior peso da à liberdade e à dignidade da mulher, enquanto quanto mais próximo ao final a um peso maior do direito à vida do nascituro.

Outro parâmetro: prevalência da saúde da gestante.

Quando o legislador ponderou direito à vida da mãe com direito à vida do nascituro ele privilegiou o direito à vida da mãe.

Uma das hipóteses de aborto permitida é quando há risco de vida para a mãe.

Só que a doutrina vem interpretando direito à saúde da mãe de uma forma mais elástica do que apenas risco de vida, ou seja, a doutrina vem sustentando de que quando houver prejuízo à saúde da mãe, enquanto não haja risco de vida propriamente dito, há uma prevalência do direito à saúde da mãe sobre o direito à saúde do nascituro.

Esse é o argumento, por exemplo, no caso de anencefalia, pois há um prejuízo à saúde física (porque os riscos da gravidez são potencializados) e à saúde psíquica.

Outro parâmetro: direito à liberdade.

A grande discussão é se há um direito geral à realização do aborto, por exemplo, nos 3 primeiros meses onde a gravidez está em um estágio inicial e, portanto, o peso do direito à vida do nascituro é menor do que mais adiante.

Será que há um direito à realização do aborto que decorre do direito à liberdade da mulher, da dignidade?

Há uma tendência no direito internacional de positivação de um novo direito fundamental especificamente para as mulheres que é o chamado direito à autonomia reprodutiva, ou seja, é o direito da mulher de decidir livre e responsavelmente pelo número de filhos e o espaço a mediar entre os nascimentos.

É obvio que o direito à autonomia reprodutiva não é sinônimo de direito ao aborto, mas é um direito mais amplo, pois tem um vínculo muito mais próximo à autonomia reprodutiva com a adoção de métodos anticoncepcionais.

Isso mostra como o parâmetro da evolução do desenvolvimento do feto é um parâmetro importante.

Há uma tese de que 0 a 3 meses de gestação há a prevalência do direito à liberdade e à igualdade da mulher, ou seja, a mulher teria sim o direito de fazer a opção pela não continuidade da gravidez estando protegida pelos direitos fundamentais à liberdade e igualdade.

Quais são esses fundamentos?

Liberdade.

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É obvio que a gravidez se dá no interior do corpo da mulher e é também óbvio, que a decisão sobre ter um filho, gera uma profunda implicação na vida da mulher (físicas, emocionais, financeiras, profissionais).

Se é uma decisão tão existencial que irá mudar radicalmente o rumo da vida da mulher, é uma decisão que ela tem que tomar e não o Estado.

A mulher se obrigada a levar no seu corpo um feto que ela não deseja é uma instrumentalização da mulher, ou seja, é o uso da mulher como um instrumento para uma finalidade desejada pela maioria.

É importante lembrarmos do conceito fundamental de dignidade da pessoa humana que o ser humano é um fim em si mesmo e nunca pode ser usado como instrumento, mesmo com uma finalidade desejada pela sociedade.

Igualdade.

A proibição do aborto, apesar de ser uma proibição geral, gera impacto desproporcional sobre as mulheres, pois somente elas engravidam e mais especificamente sobre as mulheres carentes, pois independentemente da posição a ser adotada em relação ao aborto, não há como discordar que se o aborto é proibido ele tem que ser igualmente para ricos e pobres.

Hoje o que prevalece no Brasil é praticamente a liberalização do aborto para a classe média para cima e proibição do aborto para a classe baixa. Ou se discute a questão de forma aberta (fechando todas as clinicas de aborto e mandando para a cadeia quem faz aborto). Isso gera uma violação à igualdade de gênero, pois só as mulheres são atingidas e uma desigualdade social, porque são as mulheres carentes que sofrem o impacto proporcional dessa regra proibitiva.

Segunda teoria: O argumento desenvolvido pelo Daniel Sarmento é no sentido de 0 a 3 meses deveria haver a discriminalização do aborto. Isso não significa que não se possam ser adotadas medidas que desistimulem o aborto, ou seja, aconselhamento médico.

Argumentação contrária: deve ser criminalizado, com o foco na proteção do direito do nascituro. Haveria uma necessidade do Estado adotar uma medida protetiva ao nascituro porque ele não tem condições de exercer a sua autonomia da vontade. Então, tendo em vista que o bem jurídico a ser protegido é a vida, seria constitucional a criminalização do aborto.

Terceira teoria: quem tem que tomar a decisão é o legislador democrático após uma ampla discussão democrática, ou seja, se deve ser criminalizado o aborto nos três primeiros meses ou se deve ser descriminalizado.

Isso não estaria na Constituição. Isso não seria imposto pela Constituição, mas seria algo aberto à decisão do legislador.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão ela possui duas grandes vertentes:

13. Vertente negativa14. Vertente positiva

A vertente negativa é o direito à exigir do Estado determinadas abstenções ligadas à idéia de liberdade de expressão, que é a idéia de livre expressão das opiniões, palavras.

Nessa versão negativa de que o Estado deve tolerar a livre manifestação de opiniões, palavras, basicamentente é a liberdade de expressão à não censura.

Essa é a visão tradicional.

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A dimensão positiva seria o dever do Estado adotar medidas de regulação do exercício da liberdade de expressão, sobretudo, sobre as atividades dos órgãos de mídia.

Existem duas grandes teorias acerca da liberdade de expressão.

Teoria libertária.

É a teoria que enfatiza o aspecto negativo da liberdade de expressão, ou seja, a liberdade de expressão é basicamente um direito que o indivíduo ou que pessoas jurídicas têm a expressar livremente suas opiniões sem sofrer censura do Estado.

Seria um espaço de não intervenção do Estado, de que pessoas jurídicas de direito público ou privado devem atuar de acordo com a sua consciência e não de acordo com a vontade alheia.

Essa visão enfatiza o emissor da opinião, ou seja, diz que em relação ao emissor da opinião devendo ter o maior grau de liberdade possível e consequentemente é uma teoria que vê com maus olhos a tentativa do Estado em regulamentar os órgãos de mídia. Já a teoria democrática foca no receptor da opinião/ informação.

Teoria Democrática.

A livre manifestação da opinião é um valor fundamental da liberdade de expressão, só que hoje o problema maior da liberdade de expressão é controlar os órgãos de mídia (grandes conglomerados emprasariais), que são pessoas jurídicas de direito privado que agem sob o regime de livre concorrência.

Essa teoria enfatiza não propriamente o emissor, mas o destinatário da notícia, ou seja, enfatiza o direito de ser bem informado, pois tendo em vista que os órgãos de mídia são grandes conglomerados e seguem uma lógica comercial, é fundamental que o Estado regule os órgãos de mídia para que esse direito seja resguardado.

Além disso, em uma República não há órgão imune a controle, sob pena de vivermos um absolutismo midiático no Brasil.

Um tema que eu vou antecipar que entra nessa discussão sobre essa teoria é a questão da Constitucionalidade da Lei de Imprensa. Na ADPF nº 130 o STF entendeu que a Lei de Imprensa seria toda ela, incompatível com a CRFB 88.

O STF adotou a tese da não-recepção integral da Lei de Imprensa.

Quanto a essa conclusão houve maioria no STF.

No entanto, não houve maioria no STF quanto aos fundamentos da decisão. O Carlos Ayres Brito adotou a teoria libertária, ou seja, adotou que a liberdade de imprensa é um direito de defesa, um direito à abstenção do Estado, na medida em que qualquer tentativa do Estado em regular a liberdade de imprensa se aproximará da censura, inclusive, havendo uma prevalência da liberdade de imprensa sobre o direito à intimidade.

É uma visão totalmente pró liberdade de imprensa como direito de defesa.

O Joaquim Barbosa adotou uma teoria muito mais próxima da teoria democrática, pois o Estado teria que regular a mídia, que restringir o exercício desse direito.

Ou seja, apesar de ter havido um consenso sobre a conclusão – a não recepção integral da Lei de Imprensa – sob os fundamentos a Teoria sobre a liberdade de expressão e de comunicação que se adota no Brasil não houve consenso.

Quais são os principais fundamentos da liberdade de expressão?

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Primeiro fundamento: busca da verdade.

Segundo fundamento: autonomia individual ou liberdade individual, pois uma das dimensões importantes para o sujeito desenvolver livremente a sua personalidade é expressando suas idéias, suas opiniões. Então, é uma área em que o Estado não pode entrar.

Terceiro fundamento: democracia, ou seja, pouco importa se um regime tem ou não eleição. Se o Governante mandar fechar jornais de oposição esse regime não será um regime democrático, mas autoritário travestido de regime democrático.

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Direito Constitucional – aula 25

Liberdade de Expressão (continuação)Jurisprudência do STF:Criança e adolescenteLegislação eleitoralRestrições à liberdade de comunicaçãoDiscursos de ódioDiploma de jornalistaPublicidade comercial

Vamos dar seguimento ao tema que a gente estava vendo que é liberdade de expressão. Eu vou tratar da jurisprudência do STF sobre liberdade de expressão. Um dos grandes problemas do direito constitucional, há um grande problema na bibliografia, poucos livros tratam de alguns temas, esse é um tema. Direitos fundamentais em espécie, sobretudo direito à liberdade de expressão são temas bastante ricos no direito constitucional mas que nos manuais são muito pobres. O livro que é um pouco melhor em direitos fundamentais em espécie é o do Gilmar Mendes, mas mesmo assim não é possível discorrer com o cuidado devido sobre esse tema que é tão relevante para o direito constitucional. Mesmo as monografias específicas, não são boas na parte específica sobre jurisprudência do STF. Então, por outro lado é um tema muito relevante em direito constitucional e cai muito em prova. O que eu quis fazer com vocês? Um apanhado bem sistemático da jurisprudência do STF para vocês se situarem nos principais problemas reais tratados pela jurisprudência do STF sobre liberdade de expressão. Primeiro tópico que eu destaquei foi a restrição à liberdade de expressão para proteção da criança e do adolescente. Primeira discussão que existe sobre esse tópico é, classificação etária sobre programas de televisão e espetáculos públicos em geral. Há uma controvérsia no direito constitucional se essa classificação etária, a CF é clara em dizer que ela tem caráter meramente indicativo, a controvérsia é indicativo para quem? Há um consenso de que essa classificação é indicativa para os pais, ou seja, se é um programa indicado para pessoas maiores de 12 anos e o pai considera que o filho tem maturidade para assistir o pai não pode sofrer multa. Isso é consenso. A divergência é se é indicativo também para as emissoras de televisão, para companhias de teatro. Existem basicamente duas teses, a primeira tese, que não é apenas doutrinária, mas legal, digo isso porque o art. 254 do ECA multa empresas de rádio ou televisão que divulguem programas em horários diferentes dos previamente fixados, se multa é porque a indicação não é facultativa, é obrigatória.

Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação:

Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.

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Portanto a discussão é se esse artigo é constitucional, se ele respeita ou não a liberdade de expressão e o caráter indicativo dos horários de espetáculos públicos. Uma primeira corrente que é mais liberal, ou seja, que dá mais ênfase à liberdade de expressão sustenta que esse dispositivo é inconstitucional, por exemplo quem adota essa corrente é o Barroso, e o argumento é de que esse caráter indicativo do horário deve ser indicativo não só para os pais mas também para as empresas televisas e companhias de teatro e etc. O Estado impor a uma emissora de televisão o horário para divulgação de um programa representaria uma forma de censura, uma forma de restrição excessiva à liberdade de expressão. Tanto é indicativo para os dois que se a emissora divulga fora do horário previamente fixado ela não será multada, a norma que estabelece a multa para ele é inconstitucional. Uma segunda visão sustenta que a norma que estabelece a multa é constitucional, portanto a classificação é indicativa apenas para os pais, mas seria obrigatória para as emissoras de TV. Portanto seria constitucional o dispositivo que estabelece a multa. O argumento é uma visão menos protetiva à liberdade de expressão, porém mais protetiva às crianças e adolescentes. O fundamento dessa visão é mais forte em relação a rádio-televisão, ainda mais na vida moderna em que os pais trabalham, esses não têm controle absoluto do que as crianças assistem. De maneira que haveria uma necessidade de tutela mais intensa por parte do Estado dos direitos de proteção à criança e ao adolescente, portanto seria sim constitucional a norma que multa empresas de rádio e televisão por divulgarem programas em horários diversos do previsto, seria uma proteção legítima da criança e do adolescente. Essa é uma visão por exemplo dos setores do MP e do Judiciário que atuam na área de proteção da criança e do adolescente. Então numa visão mais liberal, é indicativo não só para os pais mas também para as empresas, portanto o art. 254 do ECA é inconstitucional. E uma visão mais protetiva à criança e ao adolescente sustenta que é indicativo somente para os pais, mas para as empresas seria obrigatório, portanto a multa prevista no ECA seria constitucional. O STF ainda não se manifestou sobre essa questão, porque as ADIN`s que chegaram ao STF não foram conhecidas sob o argumento de que a inconstitucionalidade seria reflexa, essa regulamentação é dada por normas infralegais, de maneira que o STF não conheceu a possibilidade dessas normas violarem a CF por se tratarem de uma inconstitucionalidade reflexa que não é possível de conhecimento em ADIN. Um exemplo de ADIN que o STF adotou essa tese foi a ADIN 392.

Um outro problema sobre conflito entre liberdade de expressão e proteção à criança e ao adolescente diz respeito ao art. 247 do ECA.

Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

§ 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem

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como da publicação do periódico até por dois números. (Expressão declara inconstitucional pela ADIN 869-2).

A empresa de TV veicula a imagem de menor praticando ato infracional com todos os dados do menor, isso é vedado pelo art. 247 do ECA. Primeira discussão é, é constitucional a vedação da divulgação da imagem, nome e dados de crianças ou adolescentes envolvidos em atos infracionais? A posição tranqüila da doutrina é que sim, essa é uma restrição legítima à liberdade de expressão e de comunicação que se destina a proteger a criança e ao adolescente. Uma outra discussão diz respeito à proporcionalidade das penas pelo descumprimento dessa vedação. O STF entendeu na ADIN 869-2 na qual o STF entendeu que essa última pena seria uma medida desproporcional, excessivamente gravosa.

Uma outra área que é bastante rica é a legislação eleitoral. É interessante a gente analisar alguns casos sobre liberdade de expressão na legislação eleitoral, porque isso normalmente gera um conflito entre a liberdade de expressão e a necessidade da garantia da lisura do processo eleitoral e da igualdade entre os candidatos. É muito interessante a gente analisar em perspectiva a evolução da jurisprudência do STF sobre o assunto porque a gente vai perceber claramente uma postura hoje mais protetiva da liberdade de expressão do que no passado. No passado o STF tendia muito mais para uma intervenção do Estado para resguardar a igualdade dos candidatos e a lisura do processo eleitoral, hoje ele é mais cauteloso quanto à legitimidade dessa intervenção e consequentemente mais protetivo da liberdade de expressão.

Primeiro caso, ADIN 956, nesta se discutia o art. 76, parágrafo 1º, da lei 8713/93. Esse dispositivo vedava gravações externas na propaganda eleitoral gratuita, ou seja, o partido político não poderia colocar em seu programa eleitoral imagens captadas fora do estúdio. Quem entrou com essa ADIN naturalmente foi o PT que tem uma atuação ligada aos movimentos sociais, então é importante para o PT mostrar em seus programas a sua atuação na sociedade. O STF na ADIN 956 considerou constitucional essa restrição, entendeu que a proibição de veicular imagens externas seria uma medida necessária para a proteção da lisura do processo eleitoral e da igualdade entre os candidatos. Essa decisão é de 94 e reflete esse momento da jurisprudência do STF pouco atenta à liberdade de expressão. Porque essa decisão é claramente equivocada, você vedar pura e simplesmente que um partido político use imagens externas na sua propaganda eleitoral é uma restrição excessiva a sua liberdade de expressão e comunicação.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCOSNTITUCIONALIDADE. PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA. ARTIGO 76 DA LEI 8.713/93. ARTIGO 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O horário eleitoral gratuito não tem sede constitucional. Ele é a cada ano eleitoral uma criação do legislador ordinário, que tem autoridade para estabelecer os critérios de utilização dessa gratuidade, cujo objetivo maior é igualizar, por métodos ponderados, as oportunidades dos

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candidatos de maior ou menor expressão econômica no momento de expor ao eleitorado suas propostas. Ação direta julgada improcedente.

Um outro caso que ainda revela essa postura pouco protetiva da liberdade de expressão é a ADIN 2677 na qual se discutia o art. 45, parágrafo 1º, da lei 9096. Esse dispositivo vedava que pessoas estranhas ao partido político participassem de sua propaganda eleitoral. Então só podiam participar da propaganda eleitoral do partido filiados daquele partido. O STF entendeu que essa norma seria constitucional porque também visava a proteger a lisura do processo eleitoral e a igualdade entre os candidatos. Só que essa decisão também é criticável á luz da liberdade de expressão. Uma vedação pura e simples a que qualquer pessoa estranha ao partido participasse de sua propagando eleitoral parece ser uma restrição excessiva à liberdade de expressão, que inclusive já foi superada.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ARTIGO 45, § 1º, I, DA LEI 9.096, DE 19.09.95. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. PARTICIPAÇÃO DE PESSOA FILIADA A PARTIDO DIVERSO DO RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA. VEDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CAUTELAR INDEFERIDA. 1. A propaganda partidária destina-se à difusão de princípios ideológicos, atividades e programas dos partidos políticos, caracterizando-se desvio de sua real finalidade a participação de pessoas de outro partido no evento em que veiculada. 2. O acesso ao rádio e à televisão, sem custo para os partidos, dá-se às expensas do erário e deve ocorrer na forma que dispuser a lei, consoante disposição expressa na Carta Federal (artigo 17, § 3º). A vedação legal impugnada apresenta-se em harmonia com os princípios da razoabilidade, da isonomia e da finalidade. Ausência de fumus boni iuris e periculum in mora. Medida cautelar indeferida.

A partir dessa ADIN que eu vou citar agora já se percebe uma postura mais ativista do STF na tutela da liberdade de expressão e de outros direitos, uma postura menos paternalista do STF em relação ao papel do Estado de assegurar a igualdade e a lisura no processo eleitoral. Por exemplo, ADIN 3741 que tratava da constitucionalidade da lei 11300/06 que vedava a divulgação de pesquisas eleitorais às vésperas do pleito. Qual era o objetivo? Era que o cidadão votasse de forma livre, não influenciado pelas pesquisas. O STF entendeu que essa norma era inconstitucional e o argumento era, ainda que louvável o propósito do legislador de evitar uma influência excessiva das pesquisas no voto, essa vedação viola o direito de informação do cidadão sobre a posição dos candidatos no pleito.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO

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PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DIRETA. I - Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral. II - Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições. III - Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito. IV - Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico. V - Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI - Direto à informação livre e plural como valor indissociável da idéia de democracia. VII - Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.

Um outro caso mais recente que é a ADIN 4451 onde se discutia a regulamentação do art. 45, I e II, da lei 9504/97 que é a chamada lei eleitoral. Há muito tempo existe essa vedação nos incisos I e II do art. 45 relativa ao uso de montagens e trucagens na propaganda eleitoral. Só que a interpretação dada pela justiça eleitoral à montagem era uma interpretação literal, estrita, no sentido de que eram edições com intuito de prejudicar a lisura do processo eleitoral. Só que houve uma regulamentação em 2010 que incluiu nesse conceito de montagens vedadas pela lei eleitoral as sátiras humorísticas, com isso a lei eleitoral vedou que as empresas de rádio e TV utilizassem do humor em relação a candidato durante o processo eleitoral. A ABERT entrou com essa ADIN que foi patrocinada pelo Binenbojn e obteve uma liminar no STF no sentido de que, primeiro, humor se insere na liberdade de imprensa, por isso tem uma tutela constitucional reforçada, é uma forma evidentemente satírica, irônica, mas que se insere na liberdade de informar, logo o STF deu uma tutela mais forte a essa atividade. E aí nessa linha o STF entendeu que a restrição pura e simples e apriorística a qualquer tipo de humor em relação a candidato seria ofensiva à liberdade de expressão, de comunicação. Não que o STF tenha dito que qualquer atividade satírica seja válida, mas o que ele disse que é inválido é a restrição apriorística e absoluta em relação a essa atividade. Se num determinado caso concreto essa atividade satírica for excessiva é óbvio que será ilegítima, mas para isso você tem instrumentos de controle a posteriori como, por exemplo, indenização por dano moral e material, direito de resposta, calúnia, injúria e difamação.

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS II E III DO ART. 45 DA LEI 9.504/1997. 1. Situação de extrema urgência, demandante de providência imediata, autoriza a concessão da liminar “sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado” (§ 3º do art. 10 da Lei 9.868/1999), até mesmo pelo relator, monocraticamente, ad referendum do Plenário. 2. Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro

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das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade de “expressão”, liberdade de “informação”. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de “Fundamentais”: a) “livre manifestação do pensamento” (inciso IV); b) “livre [...] expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (inciso IX); c) ”acesso a informação” (inciso XIV). 3. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a imprensa mantém com a democracia a mais entranhada relação de interdependência ou retroalimentação. A presente ordem constitucional brasileira autoriza a formulação do juízo de que o caminho mais curto entre a verdade sobre a conduta dos detentores do Poder e o conhecimento do público em geral é a liberdade de imprensa. A traduzir, então, a ideia-força de que abrir mão da liberdade de imprensa é renunciar ao conhecimento geral das coisas do Poder, seja ele político, econômico, militar ou religioso. 4. A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Os jornalistas, a seu turno, como o mais desanuviado olhar sobre o nosso cotidiano existencial e os recônditos do Poder, enquanto profissionais do comentário crítico. Pensamento crítico que é parte integrante da informação plena e fidedigna. Como é parte do estilo de fazer imprensa que se convencionou chamar de humorismo (tema central destes autos). A previsível utilidade social do labor jornalístico a compensar, de muito, eventuais excessos desse ou daquele escrito, dessa ou daquela charge ou caricatura, desse ou daquele programa. 5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada

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pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas, conforme decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia de que a locução “humor jornalístico” enlaça pensamento crítico, informação e criação artística. 6. A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período não-eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral, também podem fazê-lo no período eleitoral. Processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a Constituição toma como fato gerador de “restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei” (inciso III do art. 139). 7. O próprio texto constitucional trata de modo diferenciado a mídia escrita e a mídia sonora ou de sons e imagens. O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo. 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de

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áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 9. Suspensão de eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto. 10. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo.

Então se percebe, sobretudo nessas duas últimas decisões, uma postura mais ativa do STF no sentido de proteção da liberdade de expressão e de outros direitos no âmbito do processo eleitoral, uma postura menos paternalista do STF em relação à lisura do processo eleitoral.

Liberdade de comunicação.

Agora a gente entra em outro tópico que são as restrições à liberdade de comunicação. Vamos começar pela ADPF 130 que é um caso bastante importante da jurisprudência do STF no qual este reconheceu a não recepção integral da lei de imprensa. O STF entendeu na APDF 130 que toda a lei de imprensa seria incompatível com o estado democrático de direito, portanto, toda ela não teria sido recepcionada. Quanto à conclusão final houve um consenso, todos reconheceram a não recepção integral da lei de imprensa. Só que quanto à fundamentação houve divergência clara, e aí eu relembro o que eu disse sobre as duas grandes teorias da liberdade de expressão. Existem duas grandes teorias sobre liberdade de expressão, a primeira é a teoria libertária, para esta o foco da liberdade de expressão é o emissor da opinião e a liberdade de expressão é basicamente um direito de defesa, ou seja, um direito do indivíduo a exigir do Estado uma abstenção. Então basicamente segundo a teoria libertária, liberdade de expressão é o direito a não ser censurado. Além do mais a teoria libertária tende a sustentar uma prevalência da liberdade de expressão quando em conflito com outros direitos fundamentais. Por outro lado, a teoria democrática foca no receptor da informação. O direito é do receptor de ser bem informado. Consequentemente é uma visão que enfatiza a dimensão prestacional da liberdade de expressão. O que seria essa dimensão prestacional ou positiva da liberdade de expressão? É a discussão que hoje está no grande debate entre PT e rede Globo, regulação da mídia, marco regulatório para os órgãos de mídia. O PT adota essa visão democrática sobre liberdade de expressão, hoje quem controla a mídia são grandes conglomerados e é preciso que o Estado regulamente a mídia para garantir que o cidadão seja bem informado, receba uma informação que seja verdadeira e não corresponda aos interesses comerciais dos órgãos de mídia. Já os órgãos de comunicação dizem que isso é censura, porque eles adotam uma visão libertária. E o STF qual teoria adotou na ADPF 130? O relator Carlos Ayres Brito adotou a teoria libertária de forma clara, e se vocês forem ler a ementa da ADPF 130 vocês vão ver que está na ementa a teoria libertária. O que foi problemático nessa decisão? Essa visa libertária era do relator, se vocês lerem o inteiro teor do acórdão, vocês vão ver que essa posição não é a majoritária no STF, que é difícil até vislumbrar qual é a posição

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majoritária, cada voto está em um sentido. Por exemplo, um voto claramente antagônico foi o do Joaquim Barbosa que adota claramente uma teoria democrática da liberdade de expressão, enfatiza a necessidade de se restringir a liberdade de expressão para proteger outros direitos, do Estado regulamentar a liberdade de expressão. Sistematizando o que a gente pode dizer do papel da ADPF 130 para esse debate? Que houve um acordo quanto à conclusão, a não recepção integral da lei de imprensa, porque de fato ela era imbuída de uma lógica autoritária contrária ao Estado de Direito. Mas não houve consenso no STF quanto aos fundamentos, a questão sobre o papel do Estado na regulação dos órgãos de mídia ainda é uma questão aberta no STF.

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO

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INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes. Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A

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COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta Constituição" (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica

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incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de imprensa é um

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patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado "poder social da imprensa". 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" ( Deputado Federal Miro Teixeira). 8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era "livre" (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de "plena" (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado "núcleo duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de

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duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, "a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público". 9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais

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pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e

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normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. 11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.

A questão sobre qual teoria da liberdade de expressão é adotada no Brasil ainda é uma questão pelo menos no STF em aberto. Há uma certa tendência à teoria libertária, uma tendência a ver com maus olhos tentativas de regulação da mídia, o que talvez se justifique por razões históricas.

Pergunta: O art. 221 fala que a mídia deve se guiar por determinados princípios, isso não seria uma indução ou uma decisão do constituinte de que deveria haver regulação da mídia?

Acho que sim, a visão que prevaleceu na constituinte foi uma visão democrática, até porque é a visão mais de esquerda. A esquerda teve uma influência desproporcional na constituinte, no sentido de que teve mais força.

Qual é o caso fundamental que eu quero tratar com vocês além da regulação da mídia? Será que é possível uma restrição prévia à veiculação de notícias? Eu posso entrar com uma ação com pedido de liminar para que o juiz impeça a publicação de uma notícia porque fere a minha honra? Havia uma posição doutrinária a partir de uma leitura literal do art. 5º da CF-88. Se vocês lerem o art. 5º, sobretudo os incisos V e X, vocês vão ver que a sistemática da CF é a seguinte, primeiro publica depois o prejudicado que corra atrás. A princípio a imprensa pode publicar, se alguém se sentir ofendido por isso que utilize os mecanismos disponibilizados pelo direito, ou seja, ação cível de indenização por danos materiais e morais, direito de resposta e ações criminais. Essa de fato é a sistemática geral da CF-88. Começaram a surgir casos em que o Judiciário teve que parar para pensar se essa regra geral seria absoluta ou relativa. Um caso que deu muito pano para a manga, foi o caso O Globo v. Garotinho que foi a PET 2702.

EMENTA: Caso O GLOBO X GAROTINHO. 1. Liminar deferida em primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça, que proíbe empresa jornalística de publicar conversas telefônicas entre o requerente - então Governador de Estado e, ainda hoje,

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pretendente à presidência da República - e outras pessoas, objeto de interceptação ilícita e gravação por terceiros, a cujo conteúdo teve acesso o jornal. 2. Interposição pela empresa de recurso extraordinário pendente de admissão no Tribunal a quo. 3. Propositura pela recorrente de ação cautelar - que o STF recebe como petição - a pleitear, liminarmente, (1) autorização de publicação imediata da matéria e (2) subida imediata do RE à apreciação do STF, porque inaplicável ao caso o art. 542, § 3º, C.Pr.Civil. 4. Objeções da PGR à admissibilidade (1) de pedido cautelar ao STF, antes de admitido o RE na instância a qua; (b) do próprio RE contra decisão de caráter liminar: razões que aconselham, no caso, fazer abstração delas. 5. Primeiro pedido liminar: natureza de tutela recursal antecipada: exigência de qualificada probabilidade de provimento do recurso extraordinário. 6. Impossibilidade de afirmação no caso de tal pressuposto da tutela recursal antecipada: (a) polêmica - ainda aberta no STF - acerca da viabilidade ou não da tutela jurisdicional preventiva de publicação de matéria jornalística ofensiva a direitos da personalidade; (b) peculiaridade, de extremo relevo, de discutir-se no caso da divulgação jornalística de produto de interceptação ilícita - hoje, criminosa - de comunicação telefônica, que a Constituição protege independentemente do seu conteúdo e, conseqüentemente, do interesse público em seu conhecimento e da notoriedade ou do protagonismo político ou social dos interlocutores. 7. Vedação, de qualquer modo, da antecipação de tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (C.Pr.Civ., art. 273, § 2º), que é óbvio, no caso, na perspectiva do requerido, sob a qual deve ser examinado. 8. Deferimento parcial do primeiro pedido para que se processe imediatamente o recurso extraordinário, de retenção incabível nas circunstâncias, quando ambas as partes estão acordes, ainda que sob prismas contrários, em que a execução, ou não, da decisão recorrida lhes afetaria, irreversivelmente as pretensões substanciais conflitantes.

Era um caso em que o jornal obteve uma conversa telefônica sem autorização judicial do Garotinho com uma outra pessoa que supostamente não seria boa para as pretensões eleitorais do Garotinho que à época era candidato a presidente. O Garotinho entra com uma ação judicial que visava proibir o jornal de publicar aquela notícia, é deferida a liminar pelo TJ e o jornal recorre ao STF pedindo que este dê ao RE efeito suspensivo ativo para autorizar a veiculação daquela notícia. Só que o STF indeferiu o pedido do Globo, ou seja, manteve a vedação à publicação da notícia. Duas peculiaridades justificaram essa decisão, primeira era a origem ilícita da informação. Disse o STF, ainda que haja interesse público, independente do conteúdo da conversa, ela é protegida pela intimidade, e a obtenção dessa informação sem autorização judicial é um fato ilícito. A ilicitude do acesso à informação foi o fator fundamental

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para a decisão do STF. Outro fator fundamental foi a impossibilidade do retorno ao status quo ante, o estrago que essa notícia poderia gerar seria impossível de ser reconstituído por esses mecanismos de responsabilização a posteriori. Um outro caso em que isso voltou a ser discutido foi o caso do Estado de São Paulo v, Fernando Sarney. Isso foi discutido na Rcl 9428.

EMENTA: LIBERDADE DE IMPRENSA. Decisão liminar. Proibição de reprodução de dados relativos ao autor de ação inibitória ajuizada contra empresa jornalística. Ato decisório fundado na expressa invocação da inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça. Contraste teórico entre liberdade de imprensa e os direitos previstos nos arts. 5º, incs. X e XII, e 220, caput, da CF. Ofensa à autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, que deu por não recebida a Lei de Imprensa. Não ocorrência. Matéria não decidida na ADPF. Processo de reclamação extinto, sem julgamento de mérito. Votos vencidos. Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, a decisão que, proibindo a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória, se fundou, de maneira expressa, na inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça.

Aqui é muito interessante. No plano do direito material é muito parecido com o caso do Garotinho, também era uma conversa telefônica obtida de forma ilegal, ou seja, houve um grampo telefônico sem autorização judicial, então aqui também o acesso era ilícito. E também havia a impossibilidade do retorno ao status quo. Então pelos parâmetros fixados no caso Garotinho também seria um caso em que ao Judiciário caberia proibição da veiculação daquela notícia, e de fato foi proibida. A peculiaridade desse caso se revela no instrumento processual utilizado, uma reclamação. Reclamação pressupõe que a decisão objeto da reclamação violou decisão do STF. Então qual seria a decisão do STF que teria sido violada pela decisão do TJ que impediu a veiculação da notícia? ADPF 130. Na ementa da ADPF 130 está estabelecido que o Judiciário não deve proibir previamente a divulgação de notícias, deve adotar a visão tradicional de responsabilização a posteriori. O que o jornal Estado de São Paulo falou? Ora se está na ementa essa visão libertária da liberdade de expressão, essa vedação prévia a veiculação viola a decisão do STF. De fato se vocês compararem ementa da decisão reclamada e ementa da ADPF 130, elas são incompatíveis. Então a princípio sugeriria uma procedência da Reclamação. Só que qual é a peculiaridade desse caso? O acórdão não refletia o acordo entre os ministros do STF, mas sim refletia a posição pessoal do relator, o que é um mico para qualquer tribunal constitucional. Isso revela um problema profundo, que é objeto das últimas pesquisas do Barroso. O STF só colhe voto em relação ao dispositivo da decisão, o STF não colhe voto em relação aos fundamentos. O presidente de uma ADIN não está preocupado em saber porque o ministro declarou a inconstitucionalidade, mas sim em saber que artigo o ministro declarou inconstitucional. Então a preocupação do presidente é saber se há maioria para a declaração da inconstitucionalidade do artigo X. Então na verdade é muito difícil desvendar a chamada ratio decidendi da decisão do STF, você tem que ler os dez votos para

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tentar extrair a razão usada pelo tribunal, a tese jurídica adotada pelo tribunal. Nesse esse problema do processo decisório do STF se mostrou com toda sua crueza, a Rcl foi distribuída ao Peluso que teve que dizer que a ementa do acórdão não correspondia ao entendimento do Tribunal, mas sim à posição pessoal do relator. E disse ainda que o entendimento do tribunal se depreende da interpretação sistemática dos votos dos ministros. Tem um detalhe importante, isso é simples de resolver, não precisa de uma EC, isso é possível de resolver com uma simples emenda ao Regimento Interno do STF. Conhecer a ratio decidendi é fundamental para que de fato haja o efeito vinculante das decisões do STF. Para que as pessoas sejam obrigadas a cumprir a tese jurídica adotada pelo STF é fundamental que as pessoas conheçam a tese, e não se pode exigir que as pessoas conheçam o fundamento do STF através da interpretação sistemática de dez votos. Então nesse caso o STF teve que dizer que ementa do acórdão não condizia com o verdadeiro entendimento do STF e o verdadeiro entendimento não levou a uma primazia da liberdade de imprensa em relação ao direito à intimidade, ao contrário, presentes esses requisitos, informação obtida de forma ilícita e impossibilidade de retorno ao status quo, prevalece a intimidade, e o STF não proveu a reclamação, seguiu a mesma linha do caso Garotinho. Sobre esse tópico do conflito entre liberdade de expressão e de imprensa de um lado e intimidade e vida privada de outro, esse é um conflito muito freqüente, é uma característica da sociedade contemporânea, até pelo avanço dos meios tecnológicos, a intimidade nunca esteve tão exposta. Portanto a doutrina tem desenvolvido o esforço de estabelecer parâmetros para essa ponderação de princípios. Como eu sempre digo toda a ponderação se guia pela proporcionalidade, e aqui não é diferente. Mas como eu também sempre digo é fundamental criar outros parâmetros para transformar a ponderação em algo um pouco mais objetivo, um pouco mais controlável. O Barroso tem um artigo em que ele arrola os parâmetros para a resolução desse conflito entre princípios constitucionais. Primeiro parâmetro importante é se a notícia ou imagem se refere a uma pessoa pública ou a um anônimo. Porque o grau de proteção da intimidade de um anônimo é maior do que de uma pessoa pública. Uma pessoa pública ao ingressar voluntariamente nessa atividade, ele sabe que a exposição da sua atividade e de seu nome faz parte da sua atividade profissional, de maneira que ele deve tolerar uma restrição mais intensa à intimidade do que um anônimo. Isso não significa evidentemente que uma pessoa pública não tenha intimidade tutelável pelo direito, mas o nível de proteção é menor. Um outro parâmetro é se há interesse público na divulgação daquela imagem ou notícia. Um outro parâmetro importante é se aquela informação ou imagem foi obtida de forma ilícita. Nessa linha, se o local é público ou privado, se a imagem foi obtida em local público a esfera de proteção à intimidade é menor do que se a imagem foi obtida dentro da casa. Natureza do fato, isso tem a ver com o interesse público, alguns fatos na verdade inerentemente representam interesse público, daí o Barroso estabelecer esse critério como um critério autônomo.

Um outro problema sobre liberdade de expressão são os chamados discursos de ódio, tradução literal de hate speech. O que são? Por exemplo, teses defendidas pela Ku klux klan, teses de conteúdo racista, teses anti-semitas, teses neonazistas, teses em geral de extrema direita, como por exemplo, xenófobas. A discussão é a simples emissão de uma idéia como essa, numa palestra, num livro, entre amigos, por um professor na escola, por um político, a simples emissão de uma opinião como essa está protegida pela liberdade de expressão ou pode ser criminalizada, pode ser repreendida pelo Estado? É uma discussão que toca nos

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pressupostos da liberdade de expressão. Nos EUA prevalece uma visão muito pró liberdade de expressão, prevalece uma visão libertária sobre liberdade de expressão, o precedente clássico é Brandemburg v. Ohio, esse foi um caso em que um membro da Ku klux klan teve seu discurso dentro de uma instituição da seita gravado por um jornalista que veiculou esse discurso num jornal e ele vinha sendo processado criminalmente. A Suprema Corte resolveu trancar o processo criminal sob o fundamento de que a simples emissão de uma idéia qualquer que fosse seu conteúdo está protegida pela liberdade de expressão. Qual é o fundamento dessa tese que prevalece nos EUA? O Estado não pode controlar que idéia o indivíduo vai ter e manifestar, ou seja, se se trata apenas da expressão de uma idéia o Estado não pode determinar que idéia pode ou não ser defendida. O medo dos americanos é o que se chama em filosofia de Slippery Slope, que é a ladeira escorregadia. O que é isso? É aquela coisa de que “passou boi, passou boiada”, ou seja, o Estado começar a dizer que vai proibir discursos de ódio, e daqui a pouco está proibindo crítica de seus opositores políticos. É uma visão tipicamente liberal, que teme que o Estado venha a definir o que o cidadão pode sustentar, acha que é uma tendência natural do Estado praticar censura. No Brasil prevalece uma visão próxima da Alemanha, da Europa em geral, sobretudo na Alemanha por causa do trauma da 2º GM, prevalece na Alemanha um conceito, importante para entender o direito constitucional alemão, que é o conceito de democracia militante. Esse conceito diz que as instituições democráticas não devem ser tolerantes com a intolerância, ou seja, não deve adotar postura de neutralidade em relação a grupos neonazistas, porque esses grupos querem matar a democracia, essa idéia é contrária à democracia. Essa é uma tendência geral de toda a Europa que se reproduz no Brasil, onde temos experiências ditatoriais importantes e recentes. O caso em que o Brasil adota essa visão é o caso chamado Ellwanger. É o HC 82424, Ellwanger é um editor de livros que divulgam idéias neonazistas, desde teses revisionistas que sustentam que o holocausto não aconteceu até teses mais ofensivas ao povo judeu. Ele vinha sendo processado criminalmente por crime de racismo ele pedi trancamento do processo penal, sob o argumento de que aquela conduta em tese não seria crime de racismo e sim a manifestação de uma idéia protegida pela liberdade de expressão. Primeira coisa que o STF teve que decidir, porque era um pressuposto, era saber se os judeus formavam uma raça para saber se a ofensa contra eles caracterizava racismo. E a resposta foi afirmativa, os judeus formam sim uma raça, o conceito de raça segundo essa decisão não é um conceito biológico, porque os recentes estudos com genoma humano revelaram que sob o aspecto genético o homem seja ele africano ou caucasiano geneticamente é praticamente igual. Dessa forma o conceito de raça é um conceito sócio-cultural, e sob esse aspecto não há dúvida que os judeus formam uma raça. O STF entendeu que a divulgação de livros ou idéias por qualquer meio que sejam racistas, caracterizam sim crime de racismo. O STF entendeu possível a criminalização dos chamados discursos de ódio.

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de

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inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o

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real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como

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alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.

Qual a conclusão que a gente pode tirar disso? O STF está certo em considerar que os discursos de ódio podem ser criminalizados? Eu acho que sim, e essa é a posição majoritária no mundo. A posição norte-americana é minoritária, só para ficar claro nos EUA que se proíbe é que se incite a prática de atos ilícitos. Você não pode estimular alguém a agredir outrem, mas no plano teórico qualquer tese pode ser defendida. Existe um conceito que eles chamam de fighting words, palavras que em si estimulam a agressão, isso também é vedado. A pergunta é como compatibilizar a criminalização dos discursos de ódio com a liberdade de expressão? Na verdade a forma de compatibilizar é a seguinte, quais são os fundamentos da liberdade de expressão? São basicamente três, busca da verdade, liberdade individual e democracia. Busca da verdade, a melhor forma de saber se uma idéia é verdadeira ou não é submetê-la ao debate público, se o debate for amplo, eventuais vicissitudes da idéia serão evidenciadas, assim como as virtudes, e a tendência é que as melhores prevaleçam. Existe alguma chance da idéia de que se deve praticar o racismo produzir a verdade? Essas idéias já foram praticadas, o resultado a gente conhece. A evolução histórica demonstrou que o potencial dessas idéias produzirem a verdade é ínfimo ou nenhum. Liberdade individual, você pode dizer que o sujeito de fato é neonazista, ele acredita naquilo, você pode sustentar que a restrição dele manifestar sua idéia é uma restrição séria à liberdade individual, e de fato é, só que essa restrição séria à liberdade individual se justifica pela necessidade de proteção de direitos de outros, que muitas vezes como esses grupos que sofrem o racismo são estigmatizados, são vulneráveis, justifica uma postura mais protetiva do Estado em relação a esses grupos. Democracia pressupõe igualdade entre as partes, se o discurso é você é judeu logo você é inferior, você é negro logo você é inferior, isso não pressupõe a igualdade entre as partes que é um pressuposto da democracia. O importante é vocês saberem é que é legítima a proibição, seja ela criminal ou administrativa, dos discursos de ódio, porque eles não promovem a liberdade de expressão, busca de verdade, liberdade individual e democracia. Isso não significa que o Judiciário sobretudo não tenha uma postura vigilante sobre a tentativa de o Estado censurar manifestações que sejam minoritárias. Esse equilíbrio é muito difícil, o que é discurso de ódio, e o que é uma visão minoritária que é até incômoda para a maioria mas não é propriamente um discurso de ódio? Essa questão foi levada ao STF, por exemplo, marcha da maconha, uma posição que a maioria da sociedade rejeita, isso significa que o Estado pode repreender essa marcha? Essa idéia é minoritária de fato, mas são exatamente as idéias minoritárias que mais precisam da liberdade de expressão. A liberdade de expressão é mais importante para teses minoritárias, e o que hoje é minoritário amanhã pode ser majoritário.

Um outro caso que é o caso do diploma para jornalista. Caso em que o STF considerou que seria inconstitucional a exigência de diploma para que alguém pudesse exercer a profissão de jornalista. Isso foi decidido pelo STF no RE 511.961. A discussão se dava à luz do art. 5º, XIII, direito à liberdade de profissão. Se vocês lerem esse dispositivo ele diz:

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Qual o direito fundamental em questão? É o direito de alguém exercer a profissão ou o direito do Estado estabelecer exigências de qualificação profissional para o exercício dessa profissão? É o direito ao livre exercício da profissão, então dessa premissa partiu o STF, o direito fundamental em jogo é o livre exercício da profissão. Restrições a esse direito fundamental só serão toleradas se observarem o juízo de proporcionalidade em relação ao fim definido pela própria constituição. Qual é o fim definido pela Constituição? Garantia da qualificação profissional. Então disse o STF, só vai ser constitucional um limite à liberdade de profissão se esse limite for absolutamente necessário para a garantia da qualificação profissional. Aí o STF criou uma distinção entre profissões que colocam em risco direitos fundamentais de terceiros, de profissões cujo mau exercício não coloca em risco direito fundamental de terceiro. Na visão do Gilmar Mendes que foi o relator seguido pela maioria, o mau exercício do jornalismo não coloca diretamente, pode haver uma lesão indireta, em risco direitos fundamentais dos leitores e telespectadores. É semelhante ao músico, tem uma decisão recente do STF sobre obrigatoriedade dos músicos se inscreverem na ordem dos músicos. Como se “repreende” o mau exercício da profissão de músico ou de jornalista? Pela liberdade individual, pela própria sociedade, ou seja, o que se faz quando você acha que um músico é ruim? Não compra o CD, não vai ao show, ou seja você regula isso pela liberdade, pela livre concorrência. O mesmo na visão do STF se daria com o mau exercício do jornalismo. E aí uma distinção interessante que o STF fez foi entre jornalismo ruim e jornalismo antiético. Jornalismo ruim é o jornalista que não sabe escrever, jornalista de mau gosto. Isso se regula pelo mercado, se o jornal é ruim as pessoas não compram. Uma outra coisa, e aí talvez disse o STF a exigência de diploma seja importante para coibir o jornalismo ruim, agora o jornalismo antiético, isso o sujeito pode ter estudado na USP ou na pior faculdade do mundo que não há uma relação se o sujeito vai ser ético ou não. Disse o STF, o controle do jornalismo antiético não é a priori, ele é a posteriori através de punição para os jornalistas que atuarem de forma antiética. Então o que o STF extraiu dessa decisão? Um parâmetro importante de tutela da liberdade de profissão, para restringir o acesso à profissão você tem que ter um argumento muito forte, não é qualquer argumento corporativista de restringir o acesso que legitima. E aliás, tem uma relevância histórica, quem institui a exigência de diploma foi o governo militar e antes disso havia uma coisa muito interessante nos jornais que era uma atuação interdisciplinar. Essa questão chegou ao STF que disse que não havia um argumento muito sólido para restringir o exercício da profissão, e que portanto a exigência de diploma não teria sido recepcionada pela CF-88. O importante de extrair é um parâmetro protetivo do STF da liberdade de proteção, para haver uma restrição ela tem que ser absolutamente necessária para a garantia da qualificação profissional e evitar que se ponha em risco direitos de terceiros.

FIM!!!

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Direito Constitucional – aula 26

Faltou tratar de um tópico ligado à liberdade de expressão que é a publicidade comercial. A pergunta é a seguinte, a publicidade comercial está protegida pela liberdade de expressão? Ou será que é apenas algo objeto de uma tutela infraconstitucional? Será que há um direito fundamental à publicidade que decorra da liberdade de expressão e de comunicação? Há basicamente duas correntes sobre o tema. A corrente minoritária diz que a publicidade não se insere na liberdade de expressão. O argumento básico é o seguinte, o fundamento da liberdade de expressão é a livre veiculação de idéias, e no caso da publicidade comercial o principal objetivo não é esse, mas sim vender mais produtos, obter lucro. A tese que prevalece é a de que a publicidade comercial é um corolário da liberdade de expressão e de comunicação. Primeiro argumento é que o fato da atividade ter fim lucrativo não afasta necessariamente a tutela da liberdade de expressão. O exemplo clássico são os órgãos de mídia, porque eles têm fins lucrativos e a sua atividade está sim protegida pela liberdade de expressão e de comunicação. Um outro argumento contrário à publicidade se inserir na liberdade de expressão é que ela visaria produzir tendências, a interferir na vontade individual. Qual é o contra-argumento utilizado pela teoria majoritária? Várias atividades comunicativas protegidas pela liberdade de expressão também visam a condicionar condutas. Por exemplo, um discurso político, é óbvio que um discurso política visa convencer a pessoa, não é o fato de tentar sugestionar, gerar tendências, que a liberdade de expressão estará afastada. Talvez o argumento principal seja o seguinte, a publicidade visa dar informações ao indivíduo sobre produtos. Então essa função de fornecer informações para que o cidadão faça escolhas, é uma função importante da liberdade de expressão. O interessante é saber que, para a doutrina majoritária, a publicidade comercial está protegida pela liberdade de expressão. Vamos tratar sobre as restrições judiciais para a publicidade de produtos como cigarro. Foi editada a lei 10167, complementada pela MP 2190 que restringiu drasticamente a publicidade de cigarro. Vou ler o art. 3º:

Art. 3º -A Quanto aos produtos referidos no art. 2º desta Lei, são proibidos:I a venda por via postal;II a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde; III a propaganda por meio eletrônico, inclusive internet;IV a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em estabelecimento de ensino ou local público;V o patrocínio de atividade cultural ou esportiva;VI a propaganda fixa ou móvel em estádio, pista, palco ou local similar;VII a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos programas produzidos no País após a publicação desta Lei, em qualquer horário;VIII a comercialização em estabelecimentos de ensino e de saúde.Parágrafo único. O disposto nos incisos V e VI deste artigo entrará em vigor em 1º de janeiro de 2003, no caso de eventos esportivos

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internacionais e culturais, desde que o patrocinador seja identificado apenas com a marca do produto ou fabricante, sem recomendação de consumo.

Essa lei proibiu toda a publicidade de cigarro, só podendo haver publicidade através de pôsteres nos locais de venda, o que é uma restrição muito drástica. Há alguma norma constitucional específica que trate desse assunto, publicidade de cigarro? Art. 220, parágrafo 4º, no capítulo da comunicação social.

§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

A questão é, essa lei observou o art. 220, parágrafo 4º? Essa é a discussão travada sobre a publicidade do cigarro. A doutrina majoritária, por exemplo, Barroso, Clemerson Merlin Cléve, Aragão, Binenbojn, têm parecer no sentido da inconstitucionalidade dessa lei que restringiu drasticamente a publicidade do cigarro. Isso já foi inclusive objeto de questão na PGE. O argumento é o seguinte, primeiro, a premissa básica a gente já viu, publicidade comercial está protegida pela liberdade de expressão, então é um direito fundamental. Como todo direito fundamental, admite restrições, só que esse poder do legislador impor restrições aos direitos fundamentais evidentemente não é absoluto sob pena de esvaziar completamente o sentido dos direitos fundamentais. O ponto de partida desses autores é o seguinte, o art. 220, parágrafo 4º admitiu a restrição à publicidade e não a proibição. Pelo contrário, na medida em que previu que poderão ser feitas restrições, é porque entendeu que essas restrições deveriam ser parciais e não totais, ou seja, não deveriam aniquilar um direito reconhecido, inclusive essa norma é tratada em um capítulo alusivo à publicidade, e portanto não pode ser completamente abolido. De maneira que deflui desse dispositivo e das ponderações em geral de direitos fundamentais dois parâmetros para se aferir a constitucionalidade dessa restrição que são, proporcionalidade e proteção do núcleo essencial. Segundo esses autores, essa restrição é excessiva, ela não observa nem a proporcionalidade, nem o núcleo essencial. Por que não observa? Número um, proporcionalidade, diz o Barroso, não há certeza de que a redução de publicidade implicará uma proteção forte à saúde, então não há clareza quanto à adequação dessa medida. Além disso, ela não passaria pelo crivo do subprincípio da necessidade, segundo Barroso, haveria medidas igualmente protetivas à saúde e menos restritivas ao direito da publicidade, como por exemplo, restrições mais brandas à publicidade com advertências quanto às conseqüências do uso do produto. E por fim, segundo Barroso, não passaria pelo crivo do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito na medida em que essa norma promoveria mais malefícios do que benefícios, já que aniquilaria completamente o direito à publicidade. E aí pegando o gancho disso que eu acabei de falar, o aniquilamento completo do direito à publicidade, violaria o núcleo essencial desse direito. Tem uma ADIN pendente de julgamento no STF. Há uma posição minoritária que merece ser citada, que é um parecer do Virgílio Afonso da Silva pela constitucionalidade dessa norma. A tese do

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Virgílio é muito interessante. Primeira coisa que o Virgílio sustenta, ele adota uma visão sobre núcleo essencial que é a visão do Alexy que é a chamada teoria relativa. Há diversas teorias sobre núcleo essencial, duas delas são a relativa e a absoluta. A teoria relativa diz que todas as restrições aos direitos fundamentais são permitidas desde que elas observem o princípio da proporcionalidade. Então se for observada a proporcionalidade, será observado o núcleo essencial. A teoria relativa equipara proporcionalidade e núcleo essencial. Qual a conclusão prática dessa teoria? Uma medida que observe a proporcionalidade poderá afastar completamente um direito que decorra de um direito fundamental, sem ofender o núcleo essencial. Então ao contrário da teoria absoluta, a teoria relativa não reconhece um núcleo que seja totalmente intangível, porque qualquer medida tolerada pela proporcionalidade será adequada ao núcleo essencial. Para a teoria relativa o núcleo essencial não é determinado em abstrato, ele só é determinado em concreto, após ponderações se observa a proporcionalidade. Mas o importante que vocês devem saber, para a teoria relativa, observou a proporcionalidade, observou o núcleo essencial, por mais abrangente que seja a restrição. Então o foco do Virgílio está em saber se essa medida observa a proporcionalidade. Ele começa pela adequação, ele diz assim, a proibição total ou quase total da publicidade do cigarro é sim medida adequada para a promoção da saúde. Ele investiga dados empíricos, o primeiro deles é que há dados da OMS de que o fumo é a maior causa de mortes evitáveis no mundo, de maneira que há uma relação de direta proporcionalidade entre a redução do número de fumantes e a promoção da saúde da população. Quanto menor o número de fumantes, maior a promoção de saúde. Por outro lado, também há comprovação empírica de que o maior número de fumantes começa a fumar na infância ou adolescência, que é exatamente o período em que a pessoa é mais suscetível à publicidade, de maneira que há um vínculo direto entre a diminuição da publicidade e a diminuição do número de novos fumantes, portanto há uma relação de proporcionalidade entre redução da publicidade e promoção da saúde. O Virgílio fecha com um argumento que é muito bom, se a publicidade não fosse relevante para a venda, não se gastaria tanto dinheiro com ela. E o fumo tem uma característica peculiar em relação a outros produtos que é o fato dele viciar. Então o argumento básico que é a autonomia da vontade fica muito viciado pelo fato do produto causar vício, talvez haja autonomia no início mas depois não há mais. Segundo o autor passaria também pelo exame da necessidade, porque é verdade que existem medidas menos restritivas ao direito à publicidade, mas essas medidas são bem menos protetivas à saúde. Ele também cita um dado empírico que as chamadas medidas de contrapropaganda são menos eficazes do que a propaganda em si. Por fim, na proporcionalidade em sentido estrito, ele entende que é uma hipótese que o Alexy chama de empate na ponderação. Por que haveria empate na ponderação? Porque haveria de um lado uma restrição forte ao direito à publicidade v. uma proteção forte à saúde. Então seria forte v. forte, portanto, empate. Aí vários fatores levam a que a solução de desempate seja para prestigiar a norma. Primeiro porque essa é uma regra geral, quando há empate na ponderação prevalece a vontade do legislador, esse é um corolário da postura de auto-restrição que o Judiciário deve ter em relação às competências do legislador. Diz o Virgílio, nesse caso faz ainda mais sentido que se respeite a decisão do legislador por duas razões, primeiro porque um dos direitos em questão é o direito à saúde que tem um peso maior que o direito à publicidade e segundo porque a norma do art. 220, parágrafo 4º autoriza o legislador a restringir, então há uma autorização constitucional expressa à restrição de publicidade, o que, segundo o Virgílio, alivia o ônus argumentativo do

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legislador. Relacionar com a crítica do Virgílio à tese de seu pai sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, ele defende que toda norma constitucional, ainda que de eficácia plena, ou seja, que não preveja reenvio o ao legislador, pode ser restringida por ato desde que o fundamento deste ato seja norma ou princípio constitucional.

Federalismo