Direitos da personalidade -...

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Direitos da personalidade. Novo Código Civil e repercussões no Direito do trabalho. Eliane Pedroso e Marcos Fava 1 SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Conceitos. 3. Características dos direitos da personalidade. 4. Integridade física e nome. 5. Fama e imagem. 6. Privacidade. 7. Mecanismos de proteção. 8. Reparação de ato ilícito. 9. Conclusão. SUMMARY. 1. Introduction. 2. Concepts. 3. Characteristics of personality’s rights. 4. Physical integrity and name. 5. Image and fame. 6. Privacy. 7. Protections mechanisms. 8. Reparation of illicit act. 9. Conclusion. 1. Introdução. Inovando o texto do Código Civil de 1916, a Lei 10.406/2002 dedicou um capítulo, o segundo do Livro I, com 10 artigos 2 , em que desenvolve o conceito e estabelece a proteção dos direitos da personalidade. O texto da Constituição Federal abre-se, impondo a dignidade humana como um dos esteios do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III) e mais adiante, ao cuidar dos “direitos e garantias fundamentais” (título II), traz, em seu extenso rol, aqueles que estão contidos no conceito de direito da personalidade e que devem ser objeto de proteção legal. A espinha dorsal do Título II é a igualdade perante a lei, princípio enunciado no artigo 5º, que abole toda e qualquer diferença entre as pessoas, decorra ela de origem, sexo, raça, fortuna ou religião. Caio Mário da Silva Pereira sintetiza: 1 Eliane Aparecida da Silva Pedroso é Juíza do Trabalho Titular da Primeira Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, Marcos Neves Fava é Juiz do Trabalho Substituto na Segunda Região, professor de processo do trabalho na Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, e diretor de ensino e cultura da ANAMATRA (biênio 2003/2005). 2 Esta parcela do texto legal restou aprovada pelo Congresso sem alteração do anteprojeto e foi redigida pelo Ministro Moreira Alves, como informa Maria Helena Diniz. Parte Geral. In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.

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Direitos da personalidade. Novo Código Civil e repercussões no Direito do trabalho.

Eliane Pedroso e Marcos Fava1

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Conceitos. 3. Características dos direitos da personalidade. 4. Integridade física e nome. 5. Fama e imagem. 6. Privacidade. 7. Mecanismos de proteção. 8. Reparação de ato ilícito. 9. Conclusão.

SUMMARY. 1. Introduction. 2. Concepts. 3. Characteristics of personality’s rights. 4. Physical integrity and name. 5. Image and fame. 6. Privacy. 7. Protections mechanisms. 8. Reparation of illicit act. 9. Conclusion.

1. Introdução.

Inovando o texto do Código Civil de 1916, a Lei 10.406/2002 dedicou um

capítulo, o segundo do Livro I, com 10 artigos2, em que desenvolve o conceito e

estabelece a proteção dos direitos da personalidade.

O texto da Constituição Federal abre-se, impondo a dignidade humana como

um dos esteios do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III) e mais

adiante, ao cuidar dos “direitos e garantias fundamentais” (título II), traz, em seu

extenso rol, aqueles que estão contidos no conceito de direito da personalidade e que

devem ser objeto de proteção legal. A espinha dorsal do Título II é a igualdade

perante a lei, princípio enunciado no artigo 5º, que abole toda e qualquer diferença

entre as pessoas, decorra ela de origem, sexo, raça, fortuna ou religião. Caio Mário

da Silva Pereira sintetiza:

1 Eliane Aparecida da Silva Pedroso é Juíza do Trabalho Titular da Primeira Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, Marcos Neves Fava é Juiz do Trabalho Substituto na Segunda Região, professor de processo do trabalho na Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, e diretor de ensino e cultura da ANAMATRA (biênio 2003/2005).2 Esta parcela do texto legal restou aprovada pelo Congresso sem alteração do anteprojeto e foi redigida pelo Ministro Moreira Alves, como informa Maria Helena Diniz. Parte Geral. In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.

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“O princípio constitucional da igualdade perante lei é a definição do conceito

geral da personalidade como atributo natural da pessoa humana”.3

As alterações da novel legislação mostram-se predominantemente formais,

muito mais do que substanciais ou criadoras de direitos, mas o destaque dado pelo

legislador influenciará o direito do trabalho, ainda acanhado em matéria de proteção

e garantia dos direitos da personalidade, não obstante, na essência, cuide da relação

de emprego, na qual um dos atores sempre é a pessoa natural (artigo 3º, C.L.T.).

É preciso ter a clara consciência de que o direito do trabalho, apesar de cuidar

da relação entre empregado e empregador, atinge além dos limites das figuras

contraentes, porque, ao contratar-se empregado, o homem não se despede, nem se

despe, de seus direitos fundamentais, dentre os quais se avultam os da

personalidade.

2. Conceitos.

O Código Civil não conceitua direitos da personalidade, fazendo apenas o

desenho de sua proteção. Construir a conceituação do instituto em análise constitui-

se em atividade doutrinária.

Encontra-se em Sílvio Rodrigues o seguinte delineamento da idéia de

personalidade: “no mundo moderno, e na quase totalidade dos países, a mera

circunstância de existir confere ao homem a possibilidade de ser titular de direitos”.4

O emérito Professor da Faculdade de Direito da USP, sobre o assunto, transcreve

Clóvis Bevilacqua em sua definição de personalidade: “...é a aptidão, reconhecida

pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações”.5

3 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, vol. I, p. 156.4 Silvio Rodrigues. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1980, vol. I, p. 37.5 Clóvis Bevilacqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro, 1927, vol. I apud Silvio Rodrigues, op. cit., vol. I, p. 37.

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Caio Mário, por seu turno, diz que: “a idéia de personalidade está

intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica de adquirir direitos

e contrair obrigações”6, fazendo também referência a Clóvis Bevilacqua, muito

embora sustente que “não constitui esta ‘um direito’, de sorte que seria erro dizer-se

que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo

certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e

obrigações”.7

Com apurada capacidade de síntese, Rubens Limongi França, esculpe o

conceito, afirmando: “direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas

cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua

projeção essencial no mundo exterior”.8

Para Goffredo Telles Júnior, “a personalidade consiste num conjunto de

caracteres próprios da pessoa. É, portanto, objeto de direito. (...) os direitos da

personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio”.9

Nélson Nery Júnior, citando Joseph Kohler, dita que personalidade é a

“aptidão para ser sujeito de direito”10 e que direitos de personalidade “é parte do

direito privado que cuida da proteção jurídica de objetos de direito que pertencem à

natureza do homem”11.

Enfim, os direitos da personalidade envolvem seus atributos, que são:

liberdade (de pensamento, filosófica, religiosa, política, de expressão, sexual etc),

saúde, honra, respeito, nome, status individual, social e familiar, domicílio, corpo,

fama, privacidade e imagem.6 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit. vol. I, p. 153.7 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., vol. I, p.155.8 Rubens Limongi França. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 1025.9 Maria Helena Diniz. Parte Geral. In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.10 Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 156.11 Ibid, p. 157.

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3. Características dos direitos da personalidade.

Especialíssimos, os direitos da personalidade assumem características bem

apontadas por Guillermo Borba: são inatos ou originários, porque adquiridos com o

nascimento, independentemente da vontade, além disto são vitalícios, inalienáveis e

absolutos.12 Ademais, são também indisponíveis, intransmissíveis, irrenunciáveis,

impenhoráveis, imprescritíveis, inexpropriáveis e ilimitados, consoante o magistério

de Maria Helena Diniz, que chegou a sugerir ao relator do projeto de lei que o texto

legal incluísse estas características expressamente no artigo 11.13

Justificam-se tais características, a considerar-se que os direitos da

personalidade encontram-se intimamente ligados à própria pessoa humana,

confundindo-se com a própria existência da pessoa natural. Tanto assim é que o

Código Civil assegura que a personalidade começa com o nascimento com vida, em

seu artigo segundo.

Não obstante a ampla gama de atributos, o novo Código Civil referiu-se

apenas a três caracteres, a saber: a irrenunciabilidade, a intransmissibilidade e a

indisponibilidade. Os dois primeiros atributos têm natureza absoluta, enquanto o

terceiro mostra-se relativo. Maria Helena Diniz exemplifica ser legalmente exigível

a aposição de fotografia em documentos de identidade, sem que se fira o direito à

imagem, em razão da preponderância do interesse social. Aduz, ainda, ser possível a

disposição do mesmo direito, mediante remuneração, como no caso da propaganda

publicitária. Também ensina que a cessão de órgãos ou tecidos não viola o direito à

integridade física, se realizada com a finalidade de atender a uma situação altruística

e terapêutica.14

12 Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil, São Paulo: Atlas, 2002, p. 150.13 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 23.14 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 23.

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Vale ressaltar que, não obstante haja disponibilidade relativa, os limites de tal

disponibilidade encontram-se na própria lei, como exceção à regra geral de

proibição da limitação voluntária.

4. Integridade física e nome.

Componente dos direitos da personalidade, o direito à integridade física inclui

os limites de utilização e proteção do corpo humano, tanto contra a interferência de

terceiros, quanto relativamente à livre disposição de si mesmo. Regulam-no os

artigos 13 a 15 do novo texto do Código Civil.

A matéria, no entanto, compreende diversos outros temas, não afetados

diretamente pela norma em análise, mas que compõem, de forma relevante, a

parcela dos direitos da personalidade relativos à inteireza corpórea, tais como a

inseminação artificial, o transexualismo, a gravidez extra-uterina, a gestação em

outro ventre, o aborto, a cirurgia corretiva, a reanimação, a prorrogação artificial da

vida etc.

Conecta-se, freqüentemente, com o direito à integridade moral, como acentua

Limongi França, que adita: “existe uma gama enorme de aspectos, não só no objeto

específico da matéria, como no que respeita às facetas que lhe são correlatas,

desbordando, não raro, pelo direito à integridade moral”.15

No tocante à disposição do próprio corpo, a lei civil estabelece proibição do

ato, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os

bons costumes, excepcionando apenas as hipóteses de exigência médica e realização

de transplante, na forma da lei 9434/1997. Referida lei autoriza a disponibilidade, na

forma e nos limites que estabelece, sem extirpar do direito a característica da

15 Rubens Limongi Françca, op. cit. p. 1041.

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instransmissibilidade, uma vez que proíbe a cessão onerosa de tecidos ou partes do

corpo16.

A livre disposição do corpo em vida encontra-se limitada à situação de

transplante, enquanto após a morte tal autonomia pode basear-se em fim altruístico

ou científico, consoante se lê no artigo 14 do Código Civil.

A lei regula ainda a imposição de tratamento médico, resultando do sistema

adotado o prestígio à vida. O artigo 15 estabelece proteção ao princípio da

autonomia, segundo o qual o médico deve acatar a decisão do paciente ou de seu

representante, ao princípio da beneficência, buscando-se, por este, sempre o bem-

estar do paciente, e, finalmente, o direito de recusa a tratamento arriscado,

incumbindo ao interessado ou seu representante, optar pela submissão ou não ao

tratamento proposto, após esclarecido sobre os riscos do procedimento.

Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery ponderam: “(...) no

choque entre direitos fundamentais (vida x liberdade), a opção do legislador é de

prestigiar a vida que corre perigo. A predominância do valor vida norteia a opção de

quem se encontra, v.g., por dever legal, na contingência de proceder manobras

médicas para salvar o que carece de tratamento médico ou de intervenção cirúrgica

imediata.”17

Estabelece-se, desta forma, um padrão evidente e severo a pautar a ética

profissional médica, deixando, nos casos limítrofes, à disposição do paciente a

decisão sobre a manutenção de tratamento ou a intervenção arriscada, ou, ainda,

experimental.

16 Eis a dicção do artigo primeiro da lei mencionada: “A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei”.Que em nada discrepa da proibição constitucional contida no quarto parágrafo do artigo 199.17 Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. p. 160.

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Ao lado da proteção à integridade física, o Código Civil trata das disposições

acerca da identidade pessoal, que se define como “o direito que tem a pessoa de ser

conhecida como aquela que é e de não ser confundida com outrem”18, regulando, de

forma expressa, o direito ao nome.

“Nomem est quod uni cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et

certo vocabulo apellatur” 19 e 20 A partir desta citação e considerando que adotamos

a forma composta, prenome somado ao patronímico (artigo 16 do Código Civil), o

nome, além de integrar a personalidade, é modo de individualização da pessoa e

indicação de sua origem familiar.

A proteção legal não se limita aos elementos fundamentais do nome, mas

abrange, também, os secundários tais como: títulos – Duque, Conde, Príncipe –,

qualificativos de dignidade oficial – Prefeito, Presidente, Ministro, Juiz –, títulos

acadêmicos ou científicos – Professor, Doutor, Doutor Honoris Causae –, agnome,

expressão utilizada para a distinção entre duas pessoas com o mesmo nome – Júnior,

Filho, Neto, Sobrinho, Primeiro –, os substitutivos, como o nome vocatório –

Teresa Alvim para Teresa Arruda Alvim Pinto, Haendel para George Frederich

Haendel, Tom Jobim, para Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim –, o apelido

– Lampião de Virgolino Ferreira –, e, ainda, o pseudônimo, a troca do nome por

outro utilizado apenas em atividades específicas, para esconder o verdadeiro nome –

Victor Leal, utilizado por Olavo Bilac, Malvólio, usado por Machado de Assis e

Voltaire, criado por François Marie Arouet. Rubens Limongi França ensina que

compõe, ainda, o nome o direito aos símbolos ou signos figurativos, faculdade de

utilizar brasões ou insígnias21.

18 Rubens Limongi França, op. cit. p. 1032.19 “Nome é aquilo que é dado a cada pessoa e serve para designá-la por um termo próprio e preciso”.20 Cícero. DeInventione: De optimo genere oratorum – Topica. Cambridge-London, Harvard University Press, 1993, Livro I, XXIV, 34, p. 70/71, apud Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 160.21 Rubens Limongi França, op. cit. p. 1033.

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O sistema proposto pelo Código Civil inicia-se por garantir o direito ao nome

e ao pseudônimo (artigos 16 e 19), amplia-se na proteção contra a apresentação em

publicações ou representações que o exponham ao desprezo público, “ainda quando

não haja intenção difamatória” (artigo 17) e culmina por restringir o uso em

propaganda comercial, sem autorização do titular.

O dispositivo tem aplicação evidente nas relações de emprego, vedando-se ao

empregador a utilização do nome do empregado sem sua autorização. Estêvão

Mallet amplia a interpretação do dispositivo, propondo que:

“a proteção não é, nem pode ser, apenas ao nome. Ela se estende igualmente a

outros direitos da personalidade, como a imagem, a voz e, porque não o dizer, a

outras características ligadas à pessoa. Quem já assistiu qualquer filme de Charles

Chaplin certamente se lembrará da maneira peculiar como ele caminhava. Essa

forma de caminhar também é um desdobramento do direito da personalidade, que

igualmente merece proteção e tutela legal”.

“De modo idêntico, novamente interpretando extensivamente a mesma

norma, chega-se ainda a outra conclusão significativa. O uso do nome, da voz, da

imagem, não estão sujeitos a autorização apenas em propaganda comercial, como

expresso pelo legislador. O uso de qualquer desses desdobramentos da

personalidade depende de autorização. Sem essa autorização não se podem usar os

atributos da personalidade em propaganda comercial, em propaganda de outra

natureza ou mesmo fazer qualquer outro uso. O preceito precisa e deve ser

interpretado sempre de modo ampliativo”22.

No direito brasileiro, a proteção ao nome reveste-se de importância tal que

inclui a tutela penal, com a tipificação criminal do uso indevido do nome no artigo

185 do Código, a proteção administrativa, com o regramento da Lei dos Registros 22 Estevão Mallet. “O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho”, in Revista da AMATRA II, Ano IV, nº 8, janeiro de 2003, p. 25.

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Públicos, artigos 109 a 113, além da referida proteção civil, que se estende ao dever

de reparação contido nos artigos 186 e 927 do Código Comum.

5. Fama e imagem.

A fama soma-se ao nome e à imagem para formar a identificação da pessoa,

conceituando-se como um atributo da personalidade. Entre fama e imagem, estamos

a pensar em apenas um conceito: como vê o homem o mundo que o cerca. Enquanto

a imagem é traço e dado físico, ocupando, por isto, lugar exato e definição espacial,

a fama é a imagem não concreta, a imagem abstrata, a imagem espiritual do homem.

A imagem física apreende-se objetivamente, através dos sentidos físicos. A fama, a

priori, depreende-se subjetivamente, a partir da conceituação de que goza o homem

na comunidade social em que vive.

A evidenciação da fama de alguém, com sua solidificação, ultrapassa o

subjetivismo e passa a compor a própria imagem daquela pessoa, de forma

indissociável. Um retrato pode ser reconhecido como a figura de Fernando Pessoa

(imagem). Mencionar o nome Fernando Pessoa traz, de imediato, a associação com

o maior expoente da moderna poesia lusitana (fama). Tão evidente é, para o poeta

das múltiplas personalidades, esta última característica, como são seus olhos escuros

e seu nariz pontiagudo. Não é preciso nenhum esforço para que soe o nome Pelé, ao

ouvirmos a referência “maior atleta do século”.

Como um atributo da personalidade, o direito à imagem, abarcante da

imagem-fama, alberga-se em proteção constitucional, sendo mais um dos direitos e

garantias fundamentais em destaque na Carta Cidadã, artigo 5º, incisos V, X e

XXVIII “a”.

Segundo Maria Helena Diniz, a tutela do direito à imagem e dos direitos a ela

conexos, como a fama, compreende: “o direito: à própria imagem, ao uso ou à

difusão da imagem; à imagem das coisas próprias e à imagem em coisas, palavras ou

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escritos em publicações; de obter imagem ou de consentir em sua capitação por

qualquer meio tecnológico. O direito à imagem é autônomo, não precisando estar em

conjunto com a intimidade, a identidade a honra etc. Embora possam estar, em

certos casos, tais bens a ele conexos, isto não faz que sejam partes integrantes um do

outro”23.

Associa-se à imagem do homem sua produção intelectual, de inegável

importância no ordenamento jurídico, a começar por sua menção como um dos

direitos básicos do homem na Declaração Universal de 1948, em seu artigo 27.2,

que tem a seguinte dicção: "Todo homem tem direito à proteção dos interesses

morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística

da qual seja autor", apresentando-se, também, o corpo da Constituição Federal

artigo 5º XXVII, XXVIII e XIX.

No contrato de emprego, os direitos autorais regulam-se pelas disposições

contidas no capítulo XIV da lei 9279 de 1996, em seus artigos 88 e seguintes. Três

hipóteses são abarcadas pela regulação, a saber: inventos decorrentes da dinâmica do

contrato de emprego, os que não nascem na obrigação contratual de trabalho e,

ainda, os que não se originam na dinâmica contratual, mas são desenvolvidos com

instrumentalização propiciada pelo empregador. No primeiro caso, a titularidade dos

direitos autorais incumbirá ao empregador, no segundo, a empregado, e, no terceiro,

de forma comum, a ambos. Em face de tal regramento e do contido no artigo 20 do

Código Civil, a utilização do invento ou utilidade estará adstrita e subordinada á

prévia e expressa autorização do empregado, nos dois últimos casos, de propriedade

exclusiva deste ou de propriedade comum com o empregador.

O uso da imagem do empregado, assim compreendidas, portanto, a imagem-

retrato, a imagem-atributo e imagem-produção intelectual, estará, em regra,

proibido, ressalvadas as hipóteses do início do artigo 20, que são autorização do

23 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 31 a 32.

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interessado, necessidade da administração da justiça ou manutenção da ordem

pública. Note-se que a regra em comento não restringe apenas o uso da imagem para

fins comerciais, mas condiciona a utilização para qualquer fim à autorização do

titular, mesmo sem objetivos econômicos ou de propaganda.

Há, de forma não rara, na televisão atual, programas de televisão de

propaganda de estabelecimentos comerciais que exibem imagens do local, incluindo

nelas os empregados em atividade laboral.

Uma central de telemarketing, uma concessionária de veículos, uma oficina

de costura. Em todos esses cenários, presentes os empregados reais, não atores, a

utilização da imagem pessoal de cada um estará dependente de autorização

inequívoca, não se inserindo em obrigação contratual típica da dinâmica da relação

de emprego.

Na mesma incidência incorre a utilização do “time de colaboradores” em

imagens institucionais veiculadas na Internet, ou utilizadas em cartões de

felicitações, panfletos de propaganda e cartões de natal.

6. Privacidade.

Protegido pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal, o direito à privacidade é

o direito do homem de manter seus segredos e preservar sua intimidade, existindo,

também, fora do ambiente social. Abrange, portanto, a prerrogativa do homem de

não expor seus dados e preferências pessoais, seus desejos íntimos, suas crenças

religiosas, suas ideologias políticas, seus dramas existenciais e as informações

pertinentes à vida profissional, como função, cargo, salário, atribuições, que o

poderiam enquadrar em classificações econômicas ou sociais.

Por óbvio que esta lista não se mostra exaustiva, porque a análise do direito à

privacidade deve ser feita em concreto, à vista de sua característica subjetiva. Aquilo

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que para uns pode ser objeto de divulgação, para outros pode compor informação

privada, sigilosa, particular. Enquanto sobre o salário pago a um jogador de futebol

não se guarda qualquer segredo, funcionando, por vezes, ao reverso, como

instrumento de divulgação e valorização do atleta, os vencimentos de um alto

executivo não devem ser objeto de exposição pública, até mesmo em prol de sua

segurança pessoal e familiar.

Há, no homem, um núcleo protegido contra a exposição.

O texto do Código Civil que introduz a proteção à vida privada, o artigo 21,

não estava contido no anteprojeto de lei, tendo sido apresentado na forma da emenda

aditiva pelo Deputado Ernani Sátyro, quando relator-geral da matéria, na Câmara

dos Deputados24.

Para o direito do trabalho, a matéria é de grande relevância, ante a freqüente

presença do conflito que se localiza entre o poder diretivo do empregador e os

direitos e garantias fundamentais do empregado. Hodiernamente, tal conflito

acentua-se em razão do avanço tecnológico, que permitiu a disseminação do correio

eletrônico e a diminuição dos aparelhos de gravação e captação de som e imagem.

Câmeras de vídeo minúsculas e facilmente ocultadas povoam a vida do

cidadão, que passa a ter sua imagem gravada com maior freqüência. Saindo de casa,

ao adentrar ao elevador, já está sendo filmado pelo sistema interno de segurança

residencial. Será alvo de sucessivas filmagens ao longo do percurso que

desenvolver, seja a pé, seja de carro.Deixará sua imagem registrada no computador

da portaria do edifício onde se situa seu médico ou advogado. Será filmado durante

o almoço, fazendo compras no shopping center e, ainda, ao sacar dinheiro ou fazer

pagamentos no caixa eletrônico. A alta tecnologia permite esses registros, quase de

forma imperceptível para o ator-cidadão.

24 Maria Helena Diniz, op. cit. p.34.

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No ambiente de trabalho, tal tecnologia ampliou, inegavelmente, o poder de

controle do empregador, traço típico e lícito da relação de emprego. Câmeras nas

vias de acesso ao local de trabalho auxiliam no controle das pessoas e objetos que

entram e saem da unidade empresarial. A filmagem de processos produtivos pode

significar efetivo ganho para o aperfeiçoamento do modo de execução da tarefa,

com aprimoramento dos movimentos e otimização das ferramentas disponíveis. A

utilização de câmeras constantemente funcionando nas áreas de pagamento e

cobrança, como os guichês do sistema metroviário, as bilheterias de espetáculos, os

caixas de bancos e as catracas dos ônibus será elemento de proteção ao próprio

empregado, na medida em que se revela inibidora da ação de criminosos. Identificar,

porém, a tênue linha que separa a lícita atividade de controle patronal da invasão da

privacidade do trabalhador é tarefa dificílima.

É a razoabilidade o elemento central do mapeamento distintivo entre o que

pode ser classificado como poder diretivo e o que se enquadra como invasão da

privacidade do trabalhador.

Assim, a revista de funcionário é tema que provoca divergência

jurisprudencial, havendo quem sustente a ilegalidade de qualquer espécie de

verificação pessoal do trabalhador, enquanto outros garantem ser possível a revista

não invasiva25. Do mesmo modo, não se justifica a instalação de câmeras

25 “RESCISÃO INDIRETA OU DANO MORAL – REVISTA DAS BOLSAS DAS EMPREGADAS – O procedimento de revistar a bolsa de todos os funcionários na entrada e saída da empresa mais traduz uma regra interna do que uma prática abusiva. Isto porque o procedimento atingia a todos e não havia revista íntima, o que afasta a pessoalidade do ato, bem como qualquer cunho vexatório. Daí não se vislumbra qualquer dano à moral e/ou imagem da empregada, tampouco é causa de reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho”. (TRT 4ª R. – RO 00187.027/00-5 – 2ª T. – Relª Juíza Belatrix Costa Prado – J. 21.08.2002) e “DANO MORAL – REVISTA ÍNTIMA – CARACTERIZAÇÃO – A revista diária e extremamente indiscreta realizada pela recorrente constitui atitude vexatória e humilhante, porque as empregadas eram obrigadas a mostrar os trajes íntimos, visando a demonstração de que não estavam furtando peças. É evidente que, com a revista, a reclamante sofreu constrangimento ilegal, que provavelmente nem o tempo será capaz de apagar de sua memória”. (TRT 8ª R. – RO 5773/2002 – 4ª T. – Relª Juíza Francisca Oliveira Formigosa – J. 10.01.2003)

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fotográficas ou filmadoras em vestiários e banheiros, buscando distinguir as paradas

por necessidade das decorrentes de desídia.

A adoção de políticas de saúde no âmbito empresarial que visem ao

tratamento de dependências químicas ou de doenças epidêmicas, ou outras graves

doenças infecto-contagiosas revela posição socialmente responsável, e até louvável,

por parte do empregador. Como, no entanto, programas dessa natureza podem levar

à realização de exames médicos que detectem traços de uso de tóxicos ou a presença

de doença socialmente discriminadas, a efetivação de tais medidas só poderá ser

concretizada com a voluntária adesão do trabalhador, porque, do contrário, haveria

invasão de sua privacidade. Ainda assim, os dados coletados através desses exames

não podem ser objeto de divulgação, tampouco de uso para outra finalidade, que não

a do programa de saúde, sob pena de se delinearem outras agressões ao direito de

privacidade. Daí a razão do dever de segredo profissional dos médicos, advogados,

psicólogos ou assistentes sociais, em relação às informações prestadas pelos

trabalhadores, bem como a descaracterização do despedimento por justa causa,

quando fundado na constatação de uso de drogas ou de contágio por doença

socialmente discriminada.

De outro lado, o uso da Internet como ferramenta de trabalho está

disseminado em todos os ramos de atividade, exigindo do sistema jurídico o

estabelecimento de limites e a criação de conceitos aplicáveis à nova realidade.

Da perspectiva do contrato de emprego, muitas são as considerações

possíveis e o limite entre o controle lícito do empregador e a garantia da

intangibilidade do direito à privacidade do empregado novamente mal se enxerga.

O correio eletrônico (e-mail), em curto espaço de tempo, tornou-se

ingrediente indispensável às comunicações no mundo do trabalho, tanto quanto o

telefone. Em poucos segundos, transmitem-se milhares de mensagens por esta nova

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modalidade de correspondência. O problema que se apresenta decorre dos limites

possíveis de imposição, do ponto de vista técnico, pelo empregador ao empregado,

quanto ao uso particular de tal instrumento. A informática dispõe de meios para que

o empregador fiscalize as mensagens enviadas ou recebidas pelos empregados26. É

certo também que a utilização do correio eletrônico durante o expediente de trabalho

para fins particulares estará violando obrigação contratual. Tal circunstância, porém,

não legitima atitude indiscriminada do empregador, que passa a controlar e

interceptar mensagens pessoais. O mesmo se diga quanto aos acessos às páginas da

Internet, que não se relacionem com o trabalho.

No direito francês27, o empregador tem a prerrogativa de vistoriar os sites

visitados pelo empregado e requerer a apresentação de justificativa para tais visitas,

desde que haja um elemento de indício do mau uso da ferramenta, como, por

exemplo, o tempo de conexão excessivo. Ninguém discordaria, no entanto, ser lícito

que o empregado, premido pela necessidade de serviço que o impeça de se afastar

do escritório, no curso do expediente bancário, utilize-se do computador da empresa

para pagar, pela rede, conta pessoal ou realizar outras consultas de home banking.

Um elemento fundamental para o desenvolvimento da dinâmica do contrato

reside na informação. O empregado deve ser prévia e claramente avisado sobre os

limites de utilização das ferramentas de trabalho, bem como das estratégias –

filmagem, gravação telefônica, rastreamento eletrônico etc – que serão usadas pelo

empregador para fiscalizar a operação de seu empreendimento.

7. Mecanismos de proteção.26 Adriana Carrera Calvo, em artigo denominado “O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho”, in www.felsberg.com.br, acesso em 22 de junho de 2003, indica que, segundo pesquisas americanas, 87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos que não relacionados ao seu trabalho, 21% dos empregados divertem-se com jogos e piadas; 16% planejam viagens, 10% mandam dados pessoais e procuram outros empregos, 3% conversam ou namoram em sites de bate-papo e 2% visitam sites pornográficos.27 Olivier de Tissot. “Internet et contrat de travail. Les incidences de la conexxion à Internet sur les rapports employeur-salariés”, in Rev. Droit Social, n. 2, fev/2000, traduzido e resumido por Rachel Vilar de Oliveira Villarim, São Paulo: Revista Synthesis, n. 32/2001, p. 44.

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O processo moderno aponta para o aperfeiçoamento da tutela específica, em

evidente avanço frente à pretérita tendência de convolação dos prejuízos em

reparação por perdas e danos. Concebe-se a intervenção jurisdicional, o ato do

Estado que põe fim aos litígios, não apenas como um exercício que se limite à

prolação da sentença, mas como de eficaz e plena realização concreta, entregando a

cada um o que é seu, segundo o brocardo histórico.

Cândido Rangel Dinamarco identifica com perfeição tal necessidade, nestes

termos:

“O comando contido em tais sentenças é de tal intensidade, que autoriza o

juiz, ainda no processo de conhecimento e sem necessidade de propositura ou

instalação do executivo, a desencadear medidas destinadas a proporcionar ao

vencedor a efetiva satisfação de seu direito. Segundo o caput e §§ do art. 461 do

CPC (ou do art. 84 CDC), o juiz tem o poder-dever de, em caso de desobediência ao

preceito, em primeiro lugar exercer pressões psicológicas de variada ordem sobre o

obrigado desobediente, para que voluntariamente decida cumprir

(CALAMANDREI); em caso de persistência em resistir, o juiz pode e deve impor,

mediante atos de poder e agora independentemente da vontade do obrigado, um

resultado prático equivalente ao do cumprimento. Esse notável poder concedido ao

juiz tem plena legitimidade política no próprio conceito e estrutura do poder estatal,

que não só inclui a capacidade de decidir imperativamente, mas também a de impor

decisões (...). Decidir, condenar, pressionar, mas depois resignar-se com a reiterada

desobediência, equivaleria a exercer o poder estatal pela metade”.28

Não é outro o caminho adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, por

exemplo, no artigo 84, cuja redação assim se dá:

28 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Malheiros, 2001, v. III, n. 919, p. 243.

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“Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não

fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências

que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

O Código de Processo Civil adotou, a partir da série de reformas que se

iniciou em 1994, mesma tendência, ao instituir os mecanismos do artigo 461 e 461-

A, dando evidente ênfase e outorgando ao Juiz instrumentos suficientes e

estimuladores à concessão de tutela específica, que vise a restituir integralmente a

parte ao status quo ante, em oposição à solução preponderante, no sistema anterior,

no direito comum, que era de indenizar, compensar e solucionar o dano por

reparação póstuma. Evidencia-se mesmo procedimento nas decisões dos Tribunais

do Trabalho, com intensa freqüência.29

No capítulo dos direitos da personalidade, encontram-se três dispositivos

voltados à tutela dessa importante modalidade de direitos, todos uníssonos na busca

da proteção específica, através de medidas de coibição, de impedimento do fazer ou

de imposição do não fazer.

De caráter geral, utilizável, portanto, para qualquer violação a direito de

personalidade, salvo hipóteses específicas para as quais a lei preveja modos de

reparação próprios, a primeira medida encontrada no capítulo vem estampada no

artigo 12 do Código Civil, que concebe duas espécies de amparo, a saber: a ordem

ao réu para que cesse a ameaça ou a lesão ao direito da personalidade e a

indenização em perdas e danos. Deixa, ainda, aberta a porta para a imposição de

outras penas, desde que previstas em lei.29 MANDADO DE SEGURANÇA – ORDEM DE IMEDIATA REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO – Bem interpretando o caput do art. 461, percebe-se ter o legislador distinguido duas situações, uma no sentido de que em se tratando de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer o juiz concederá a tutela específica, salvo na hipótese do § 1º, e a outra o autorizando, após o acolhimento do pedido, a determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Significa dizer que a inovação ali introduzida ficou confinada à não-conversão da obligatio faciendi e non faciendi em indenização, permitindo-se a concessão de tutela específica antes do julgamento. (...). Remessa a que se nega provimento. (TST – RXOFMS 747554 – SBDI 2 – Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJU 19.10.2001 – p. 522) JCLT.37 JCLT.40 JCLT.41 (grifo nosso).

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Explicita Maria Helena Diniz que: “Essa sanção deve ser feita por meio de

medidas cautelares que suspendam os atos que ameacem ou desrespeitem a

integridade físico-psíquica, intelectual e moral, movendo-se, em seguida, uma ação

que vai declarar ou negar a existência da lesão, que poderá ser cumulada com ação

ordinária de perdas e danos a fim de ressarcir danos morais e patrimoniais”.30

A titularidade de tais providências será do ofendido ou, nos termos do

parágrafo único do mesmo artigo, estendida ao cônjuge, ou qualquer parente em

linha reta, ou colateral até o quarto grau, quando se tratar de lesão cometida contra

pessoa falecida ou declarada ausente. O dispositivo incorre, como não é, aliás, raro

no novo código31, em redundância ao referir-se a “cônjuge sobrevivente”, uma vez

ser impossível a legitimação ativa para ação do outro cônjuge, que é, portanto, o

morto.

O artigo 20 também discrimina medidas tanto de cerceamento do ato lesivo,

quanto de indenização reparatória em sua decorrência. Contudo, o dispositivo tem

objeto específico – o direito à preservação da boa fama e à imagem -, e a

legitimação ativa, no caso de morte ou declaração de ausência do ofendido,

restringe-se ao cônjuge, aos ascendentes ou aos descendentes. Em crítica à redação

da norma, Maria Helena Diniz adverte que o parágrafo único do artigo 20 é

redundante à vista do já existente parágrafo único do artigo 12, incluindo, ainda, o

convivente, dentre os legitimados, visto “ter interesse próprio, vinculado a dano

patrimonial ou moral causado a bem jurídico alheio”.32

Na verdade, entendemos que a disposição do artigo 20 mostra-se, mais do que

supérflua, contraditória, impondo limitação inexplicável à legitimação ativa,

criando o seguinte paradoxo: um parente colateral tem legitimação para defender os

30 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 25.31 O artigo 561 do Código Civil é outro exemplo de deslize redacional, porque de sua leitura se infere ser possível o perdão do donatário por parte do doador já falecido.32 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 33.

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direitos relativos ao nome, mas não o teria para proteger a imagem, ainda que esta

fosse atingida na honra, boa-fama ou respeitabilidade, conforme a parte final do

caput do artigo 20.

Termina-se o rol de disposições protetivas do capítulo II com o artigo 21, que

dá ao Juiz amplos poderes para adotar “as providências necessárias para impedir ou

fazer cessar ato contrário” à inviolabilidade da vida privada.

8. Reparação de ato ilícito.

A inclusão, no capítulo II, do direito de reclamar indenização por perdas e

danos nos casos em que houver ameaça ou lesão a direito da personalidade, conduz,

sistemicamente, às regras contidas nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que

regulam a responsabilidade civil por ato ilícito.

Em relação ao pretérito artigo 159 do Código Civil de 1916, a nova regra

contida no artigo 186 avança ao explicitar que a indenização mostra-se possível,

ainda que de dano exclusivamente moral, não importando se a violação dos direitos

da personalidade fez surgir prejuízo patrimonial ao ofendido.

Neste passo, a lei ordinária seguiu o vetor imposto pela Constituição Federal,

em seu artigo 5º, incisos V e X, tornando indiscutível a reparação cumulativa de

danos materiais e morais, se ambos decorrerem do ato ilícito. A jurisprudência pátria

adaptou-se à ampliação constitucional, como se vê pelo teor da súmula 3733 do

33 A súmula 37 tem a seguinte dicção: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Dentre muitas, veja-se a seguinte aplicação da súmula no âmbito do C. STJ: “O assédio sexual, como delito criminal e ilícito trabalhista, dá direito à indenização por dano material e moral. (...) São plenamente compatíveis os pedidos de reparação patrimonial e indenização por dano moral. O fato gerador pode ser único, com múltiplas conseqüências, gerando danos de distintas naturezas. Embora decorrentes do mesmo fato, ensejam reparação cumulativa (STJ 37)”. In Luiz Carlos Amorim Robortella. Assédio Sexual no Emprego. Repressão penal e reparação civil – RA 66/45-46, apud Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. p. 497.

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Colendo Superior Tribunal de Justiça, além de reiteradas decisões nos Tribunais do

Trabalho34 .

Para reparação do dano, no âmbito do contrato de emprego e, inclusive, para

a reparação dos danos afetos aos direitos da personalidade, é preciso ter em conta

que o Código Civil estabeleceu o primado da boa-fé, quer na interpretação (artigo

113), quer na conclusão e execução contratuais (artigo 422), e deixa como

pressuposto da validade dos atos jurídicos o respeito à sua finalidade social (artigo

421).

O exercício do poder disciplinar do empregador haverá de pautar-se, ainda,

para que dele não se espicacem as garantias fundamentais do cidadão, pelos limites

impostos pelo fim econômico ou social do contrato, pela boa-fé ou pelos bons

costumes (artigo 187).

34 Nesta linha, a seguinte manifestação do Colendo Tribunal Superior do Trabalho: I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – AÇÕES POR DANOS MATERIAL E MORAL PROVENIENTES DE INFORTÚNIOS DO TRABALHO – COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 114, 7º, INCISO XXVIII, E 5º INCISO X DA CONSTITUIÇÃO – As pretensões provenientes da moléstia profissional ou do acidente do trabalho reclamam proteções distintas, dedutíveis em ações igualmente distintas, uma de natureza nitidamente previdenciária, em que é competente materialmente a Justiça Comum, e a outra, de conteúdo iminentemente trabalhista, consubstanciada na indenização reparatória dos danos material e moral, em que é excludente a competência da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114 da Carta Magna. Isso em razão de o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, dispor que "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa", em função do qual impõe-se forçosamente a ilação de o seguro e a indenização pelos danos causados aos empregados, oriundos de acidentes de trabalho ou moléstia profissional, se equipararem a verbas trabalhistas. O dano moral do artigo 5º, inciso X, da Constituição, a seu turno, não se distingue ontologicamente do dano patrimonial, pois de uma mesma ação ou omissão, culposa ou dolosa, pode resultar a ocorrência simultânea de um e de outro, além de em ambos se verificar o mesmo pressuposto do ato patronal infringente de disposição legal, sendo marginal o fato de o cálculo da indenização do dano material obedecer o critério aritmético e o da indenização do dano moral, o critério estimativo. Não desautoriza, de resto, a ululante competência do Judiciário do Trabalho o alerta de o direito remontar pretensamente ao artigo 159 do Código Civil. Isso nem tanto pela evidência de ele reportar-se, na verdade, ao artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, mas sobretudo em face do pronunciamento do STF, em acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual se concluiu não ser relevante para fixação da competência da Justiça do Trabalho que a solução da lide remeta a normas de direito civil, desde que o fundamento do pedido se assente na relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho (Conflito de Jurisdição nº 6959-6, Distrito Federal). Recurso provido. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. Agravo a que se nega provimento por não preenchidos os requisitos intrínsecos do recurso de revista. (TST – AIRRRR 788505 – 4ª T. – Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJU 25.10.2002)

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9. Conclusão.

O novo código civil inova e institui capítulo específico para os direitos da

personalidade, utilizando-se de conceito aberto, como o faz em diversas outras

passagens, de maneira a remeter à doutrina – e à jurisprudência – a construção das

situações particulares de definição e defesa dos novéis interesses.

Os direitos da personalidade têm características marcantes e são hiper

protegidos pelo texto normativo analisado, não se podendo submeter à renúncia,

transação, alienação, penhora, prescrição ou expropriação.

Integridade física e direito ao nome inauguram o capítulo dos direitos da

personalidade no Código Civil vigente, desenhando-se uma cadeia específica de

proteção à livre disposição do corpo, tanto quanto ao uso do nome, o que inclui os

apelidos. O novo diploma assegura limites às repercussões da fama e da imagem,

visando a proteger a integridade do ser humano em sua integralidade, o que abrange,

por certo, os atributos de sua atuação social, profissional, pessoal. Mesmo não

havendo uso comercial da imagem, a lei entabula proteção peculiar, deixando ao

arbítrio do titular desse direito da personalidade a decisão sobre o uso de sua própria

imagem.

Perseguindo os parâmetros constitucionais, o Código Civil insere normas

específica de proteção à privacidade do homem, em quem há um núcleo protegido

contra a exposição. Nas relações de trabalho, constante é o confronto entre a livre

disposição e organização do empreendimento pelo empregador (jus variandi) e o

direito de oposição do empregado (jus resistentiae), mostrando-se valioso o

regramento civil, para evitar a indevida transposição patronal. Acessos à Internet,

sigilo do correio eletrônico, finalidade de uso da tecnologia são temas afetos à

garantia de proteção à privacidade.

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Na trilha da evolução da ciência processual, os mecanismos do Código Civil

de proteção aos direitos à personalidade revestem-se de especificidade (tutela

específica) e são aparelhados de engrenagens suficientes a fazer corrigir o rumo da

relação – contratual, social – para ampla proteção do interesse nuclear do cidadão.

Por fim, a nova lei autoriza a cobrança de indenização compensatória da

violação dos direitos da personalidade, coroando o sistema protetivo inovador e

ensejando, no que tange ao direito do trabalho, especial tutela aos direitos do

trabalhador, não mais identificado como um elemento de composição do custo

empresarial, mas como homem integral, detentor e exercitador dos direitos das

personalidade, titular que é dos direitos humanos fundamentais.

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