Direitos Autorais: Os Elementos Musicais e a Liberdade de Criação na Sociedade Contemporânea

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    PUCDEPARTAMENTO DE DIREITODireitos Autorais: Os Elementos Musicaise a Liberdade de Criação na Sociedade

    Contemporânea

    por 

    Álvaro Costa de Faria

    ORIENTADOR(A): Pedro Marcos Nunes Barbosa

    2015.1

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

    RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900

    RIO DE JANEIRO - BRASIL 

     

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    Direitos Autorais: Os Elementos Musicais

    e a Liberdade de Criação na Sociedade

    Contemporânea

    por

    Álvaro Costa de Faria

    Monografia apresentada ao Departamentode Direito da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para

    a obtenção do Título de Bacharel emDireito.

    Orientador(a): Pedro Marcos Nunes

    Barbosa

    2015.1

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    Resumo

    O presente estudo trata inicialmente do processo criativo intelectual como umfenômeno social necessariamente coletivo. Critica-se a forçada individualizaçãodo mesmo tanto do ponto de vista teórico quanto jurídico. Defende-se que osautores em geral não podem prescindir do outro  e de todo o espectro culturalhumano para dar cabo a suas criações. Em seguida se busca demonstrar como estacoletivização do processo de criação intelectual, e em especial o musical, vemsendo transformado pela circulação intensa de conteúdo com o advento da

    reprodutibilidade das obras musicais. Em sequência, diante desse cenário deintensa produção e circulação cultural, analisa-se mais especificamente oselementos musicais e seus contornos jurídicos. Por fim se procura apresentar orequisito legal da originalidade a partir da dinâmica do processo de composição edos elementos musicais.

    Palavras-chave:

    Propriedade Intelectual. Direito Autoral. Obra musical. Elementos musicais.

    Composição musical. Originalidade.

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    Sumário

    Introdução ...................................................................................................... 4 

    1. Um pouco sobre o processo criativo intelectual ........................................ 8 

    2. O consumo de música e a composição musical na sociedade da

    informação ................................................................................................... 16 

    3. A música e seus elementos: ..................................................................... 28

    3.1. Uma pausa necessária: Obra musical x Fonograma ............................. 35

    3.2. Arranjo Musical .................................................................................... 45 

    4. Um ponto de encontro da arte com o direito: os elementos musicais e a

    originalidade ................................................................................................ 55 

    5. Conclusão ................................................................................................ 67 

    6. Bibliografia .............................................................................................. 69

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    Introdução

    Analisando o processo de criação intelectual, os elementos musicais

    e seus contornos jurídicos de forma prática, este estudo tem como objetivo

    apresentá-los à luz da liberdade de criação do compositor. Passando

    também pelo requisito da originalidade, se buscará apresentá-lo como

    elemento cuja análise se faz fundamental não só na obra intelectual

    acabada, mas também em todas as etapas e elementos da criação musical (e

    mesmo em sua fixação).

    É a partir dessa perspectiva que a análise do processo criativo pode

    se tornar importante já que

    [é] pouco comum o discurso sobre direitos autorais acolher questões sobre o processo de criação, pois a proteção autoral costuma ocorrer somente quando aobra está concluída. Contudo, é necessário tomar conhecimento sobre as etapasde criação dos artistas. A importância do artista, de acordo com Merleau-Ponty, éque aquele "que fixa e torna acessível aos mais 'humanos' dos homens oespetáculo de que fazem parte sem vê-lo" [NO].1 

    Denis Borges Barbosa apresenta que o direito exclusivo de um particular sobre determinado bem intelectual seria a exceção2  no universo

    [NO] MERLEAU-PONTY. Maurice. A dúvida de Cézanne. In: MERLEAU-PONTY. Maurice. Oolho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne.Tradução de Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify,2004. p.123. 1 CONRADO, Marcelo. A Arte nas Armadilhas dos Direitos Autorais. Curitiba. 2013. p. 208. Tese(Doutorado em Direito Civl)  –   Programa de Pós-Graduação em Direito, Setor de CiênciasJurídicas da Universidade Federal do Paraná  2

     Stable ownership is the gift of social law, and is given late in the progress of society. It would becurious then, if an idea, the fugitive fermentation of an individual brain, could, of natural right, beclaimed in exclusive and stable property. If nature has made any one thing less susceptible than allothers of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea, which anindividual may exclusively possess as long as he keeps it to himself; but the moment it is divulged,it forces itself into the possession of every one, and the receiver cannot dispossess himself of it. Its

     peculiar character, too, is that no one possesses the less, because every other possesses the wholeof it. He who receives an Idea from me, receives instruction himself without lessening mine; as hewho lights his taper at mine, receives light without darkening me. That ideas should freely spreadfrom one to another over the globe, for the moral and mutual instruction of man, and improvementof his condition, seems to have been peculiarly and benevolently designed by nature, when shemade them, like fire, expansible over all space, without lessening their density in any point, andlike the air in which we breathe, move, and have our physical being, incapable of confinement or

    exclusive appropriation. Inventions then cannot, in nature, be a subject of property. Society maygive an exclusive right to the profits arising from them, as an encouragement to men to pursueideas which may produce utility, but this may or may not be done, according to the will and

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    cultural. Aqui também se adotará esse posicionamento, sendo necessárias

    apenas algumas ressalvas. Em termos quantitativos deve restar claro que

    somente a menor parte das criações intelectuais passe a receber proteção

    autoral. Mas isto não se deve a uma incapacidade criativa dos sereshumanos, mas em regra apenas a uma questão qualitativa destas criações.

    A maioria das criações intelectuais sequer tem a pretensão de

    constituir obras segunda a definição jurídica estabelecida. Toda e qualquer

    ideia, dialógo entre familiares, interpretação sobre determinado poema,

    filme, música, um post numa rede social, orações, modos de fazer, cantar,

    temas de novelas, livros, pertencem, em regra, ao domínio público. Emesmo para muitas das partes integrantes de obras intelectuais, em

    especial das musicais, quando consideradas em separado, esta parece ser

    também a regra.

    Ocorre que uma vez finalizado o processo criativo e exteriorizada

    determinada criação no mundo com intuito de se tornar uma obra

    intelectual protegida, não se pode considerar o direito autoral como

    exceção. A presunção legal, nesse caso, deve operar em favor da proteção

    da obra intelectual. Se defenderá, portanto, a teoria do in dubio pro actore.

    Destacado da subjetividade de seu originador, deixando de ser inédita, a criação posta no campo autoral  –   se passar pelos filtros de pertinência a esse direito  –  recebe automática e incondicionalmente o impacto da exclusiva. Essa automaticidadeempana e confunde o fato de que o bem incorpóreo é uma coisa, e a exclusividade outracoisa. Nos outros campos da propriedade intelectual, nos quais a exclusiva não éimediata, incondicional e automática, a distinção fica mais clara.

    Para contestar, ao que entendemos a noção da ―naturalidade‖ da exclusiva autoral –  queresultaria das faculdades associadas a personalidade do Homem, das quais o resguardoatravés do monopólio seria ―concebido geralmente como um direito que existe por simesmo em decorrência da obra intelectual‖ –   bastaria lembrar que essas faculdades

     preexistiram por séculos na natureza humana antes que o direito estatal lhes conferisse, por vontade estritamente política, o direito de exclusiva.3 

    Esta posição também se revela razoável porque o direito autoral não

    é registrário. Pensar diferente seria considerar a propriedade ou a posse de

    convenience of the society, without claim or complaint from anybody. Disponível em: http://press-

     pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.html. Acesso em 20 mai. 2015. 3 BARBOSA, Denis Borges. Direito de Autor : Questões Fundamentais de direito de autor. Rio deJaneiro: Lumem Juris, 2013. p. 65. 

    http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.html

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    qualquer bem imóvel, em regra, como ilegítimas e que por isso estas

     pudessem ser a qualquer momento retomadas, por legítima defesa, ao

    domínio público.

    Ainda utilizando a analogia se poderia dizer então que o processo

    criativo tem seu lugar na praia, um espaço público. Há de se obsevar que

    tudo que ali está, a areia, conchas, as res derelictae e as res nullius podem

    ser utilizadas livremente pelos potenciais autores4. Nesta mesma praia em

    que, em regra, todo substrato é de uso comum da sociedade, não se pode

    fazer igual suposição para o que nela está inserido com um caráter

    minimamente privado. Dessa forma se deve presumir que as barracas de praia, cadeiras, mesas, isopores, pranchas, bolsas e outros pertencem ao

    domínio privado de determinado sujeito.

    Pensar de maneira diferente, ou seja considerar que estes elementos

    que se revestem de um caráter minimamente privado também seriam

    destinados ao uso comum, seroa pretender institucionalizar o esbulho

     possessório e o arrastão. O barraqueiro, querendo proteger sua pele já

    muito desgastada pelo sol, mas tendo se esquecido de seu protetor solar,

    sem sequer pedir ao seu cliente, tomaria-o para si como se seu fosse. E

    agora voltando ao universo cultural, seria pretender institucionalizar como

    regra, a licitude de apropriação de uma obra intelectual acabada. Quando

    na verdade essa liberdade e licitude devem ser tomadas, a priori, somente

    no que diz respeito aos elementos que compõem determinada obra, mas

    nunca para a obra por inteiro .Salvo nas hipóteses desta pertencer aodomínio público por que expirado o prazo de proteção legal ou porque

    claramente não está revestida de suficiente originalidade a lhe conferir

    esta proteção.

    4 Seguindo esta analogia, os castelos ou esculturas de areia feitos por qualquer sujeito, a exemplosdas ideias, muito embora não representem obras intelectuais devem em certa medida ser

    respeitados, mas esta parece ser uma obrigação mais moral do que jurídica. De qualquer forma nãoé o fato de uma criação intelectual não receber proteção enquanto obra intelectual que ela nãomereça qualquer tipo de significado jurídico. 

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    Tradicionalmente a originalidade foi somente utilizada para

    definição da existência de plágio ou não. Mas muito mais do que isso a

    reflexão visa a permitir um melhor conhecimento da licitude de utilização

    de elementos musicais dispostos em uma obra por outrem. Porque a análiseda originalidade nos elementos musicais, muito mais do que facilitar a

    verificação de um plágio, permite ao menos sugerir se um ou outro

    elemento musical poderá ser usado livremente pela sociedade.

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    1. Um pouco sobre o processo criativo intelectual

    Se na natureza nada se cria, nada se perde, mas tudo se transforma

    conforme célebre afirmação do químico francês  Antoine Lavoisier , no

    campo das ciências humanas tal afirmação pode ser reformulada. O próprio

    ―Chacrinha‖ já teria percebido tal fato ao parodiar  Lavoisier afirmando que

    ―Na televisão, nada se cria, tudo se copia‖5.

    Analisando com moderação a assertiva do saudoso comediante,

     pode-se afirmar que tal constatação se aplica, sobremaneira, a todos os

    campos do conhecimento humano. É o que na antiguidade clássica já

    observava Aristóteles em sua Poética, Parte IV6 ao afirmar que:

    Em primeiro lugar, o instinto de imitação é implantado no homem desde ainfância. Fato que constitui uma diferença entre ele e os outros animais, sendoque ele é o mais imitativo dos seres vivos, e por meio da imitação aprende suas primeiras lições; e não menos universal é o prazer sentido nas coisas imitadas.7 

    O sociólogo italiano Domenico De Masi lembra em seu livro Ócio

    Criativo que até mesmo nas primeiras manifestações artísticas conhecidasda história da humanidade, a utilização de elementos já existentes na

    natureza é surpreendentemente inevitável. Uma flecha, cuja ponta feita de

     pedra foi talhada com figuras que se assemelham a uma folha de louro e

    5 Interessante mencionar que há aproximadamente 30 anos atrás ele estava certo, tendo em vistaque desde aquela época já não se protegiam os formatos de programa de televisão . Por outro ladoé preciso ponderar conforme observa Marcelo Goyanes: Um formato de programa seria o estilo,

     plano ou estrutura que serve como roteiro para a concepção de um show de TV. Mas afinal, um formato de programa de TV pode receber proteção legal de modo a impedir que terceiros ocopiem? Talvez. Um formato estaria situado numa zona cinzenta entre um mero conceito e, deoutro lado, o roteiro de uma obra audiovisual. A questão que surge neste ponto é saber quando acriação de um formato progrediu a ponto de fazer jus à proteção pelo direito autoral.Disponívelem: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisao. Acesso em 20 mai 2015. 

    6 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução a Propriedade Intelectual   Ainda sobre o tema (Da proteção de marcas cinéticas por direito autoral). Disponível em:http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdf . Acesso em 15 mai 2015., p.23. 7  Tradução livre de “First, the in stinct of imitation is implanted in man from childhood, one

    difference between him and other animals being that he is the most imitative of living creatures,and through imitation learns his earliest lessons; and no less universal is the pleasure felt int hings imitated.” 

    http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisao

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    ainda as pinturas rupestres que muito comumente retratam a fauna e flora

    do período correspondente, são apenas dois exemplos do que se afirma.

    Dessa maneira não podem restar grandes dúvidas que o ser humano só pode

    reproduzir culturalmente aquilo que ele já vivenciou.

    Karin Grau Kuntz pontua com maestria:

    Com a devida vênia àqueles que adotam posição contrária, a única notícia quesou capaz de oferecer ao leitor relativa a um sujeito-criador capaz de criar donada está na Bíblia, em Macabeus 7, 28: ―Eu te suplico, meu filho, contempla océu e a terra; reflete bem: tudo o que vês, Deus criou do nada, assim como todosos homens.‖ Ironia à parte, à máxima da criatio ex nihilo (criação do nada), temade extensas discussões no âmbito da filosofia, oferece-se àquela que diz ex nihilonihil fit (nada vem do nada).8 

     No campo musical a situação não é diferente. Quando um sujeito

    compõe determinada música, certamente se utilizará de muitas de suas

    influências artísticas. Sendo certo que a permeabilidade de sua criação com

    as músicas já existentes, não estará restrita ao estilo ou sonoridade ( Rock,

     Pop, Reggae e MPB e etc.). O compositor muito provavelmente se utilizará

    de ideias, estilos, trechos melódicos, harmonias e ritmos de canções já

    existentes e que porventura já tenha ouvido.

    Pois fora justamente isso o que ocorreu e pode ser notado em uma

    engraçada conversa entre Vinícius de Moraes, Baden Powell e a mulher do

     primeiro transcrita em uma obra literária sobre as canções do  poetinha. Na

    ocasião Baden Powell havia apresentado uma de suas recentes composições

    a Vinícius e pedia que esse fizesse a letra para a canção, no caso o Samba

    em Prelúdio. Este, apesar de ter gostado da composição do amigo, afirmoudepois de boas doses de whisky escocês, que tal música já havia sido escrita

     pelo compositor clássico Chopin. As altas horas da madrugada a mulher de

    Vinicius, a qual era uma excelente pianista foi chamada pelo próprio

    marido para resolver a discussão e após escutar a canção algumas vezes

    afirmou:

    8

     KUNTZ, Karin Grau.  Domínio público e Direito de Autor: do requisito da originalidade comocontribuição reflexivo- transformadora. Revista Eletrônica do IBPI - Revel - Nr. 6. p.49.Dísponível em: http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14. Acesso em 20 mai 2015. 

    http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14

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     Não, isso não tem nada de Chopin. É uma música romântica, Chopin também eraromântico‖. Mas o pileque já estava naquele negócio de implicar com tudo,sapato desamarrado, acende cigarro ao contrário e tudo...Aí Vinícius implicoucom ela também: ―Quer dizer que não é Chopin? Tem certeza que não éChopin?‖ E ela: ―Tenho!‖. Aí ele não tinha saída e disse assim: ―Então Chopinesqueceu de fazer essa‖. Aí ele passou pra máquina de escrever e fez a letra de―Samba em prelúdio‖.9 

    O fato, que não se pode deixar de reconhecer, é que a influência

    tratada aqui evidencia a permeabilidade inexorável de todo processo

    criativo intelectual e da obra finalizada com a cultura na qual estão

    inseridos. Esta porosidade é uma certeza, e longe de representar um fardo

     para a cultura, revela uma bela e complexa condição humana: a premente e

    vital necessidade de se relacionar no ambiente em que vive.

    O ser humano não é solitário e tampouco autossuficiente. Precisa

    satisfazer suas necessidades fisiológicas, sociais, e para tanto, é

    imprescindível que se relacione com seus semelhantes, com seu habitat

    natural e social. Como ser social e finito, precisa se alimentar da cultura que

    está posta para poder criar. Ninguém cria uma obra do nada, isto é, sem ter

    absorvido ou se utilizado de elementos culturais já existentes. Criar ex

    nihilo é tão impossível que para tanto seria preciso que um indivíduo nunca

    tivesse enxergado, escutado, tateado, sentido o cheiro de qualquer coisa, ou

    seja, que nunca tivesse existido.

    O efeito do direito autoral nos autores de obras subseqüentes requer especialênfase. Criar um novo trabalho envolve pegar emprestado ou criar a partir detrabalhos anteriormente existentes, bem como adicionar expressão original a eles.Um novo trabalho de ficção, por exemplo, conterá a contribuição do autor mastambém personagens, situações, detalhes etc. que foram inventados por autores

     precedentes. (…) Um tratado de direitos autorais, ao aplicar o teste de‗substancial similaridade‘ que muitos tribunais usam, concluiria que ‗AmorSublime Amor‘ infringiria os direitos sobre ―Romeu e Julieta‖ se este estivesse protegido por direitos autorais. Sendo assim, então ‗Medida por Medida‘infringiria os (hipotéticos) direitos de uma peça Elizabetana, ‗Promos eCassandra‘; o romance ‗Na Época do Ragtime‘, de Doctorow, infringiria osdireitos de Heirich von Kleist sobre seu romance Michael Kohlhaas; e o próprio‗Romeu e Julieta‘ infringiria a obra de Arthur Brooke, ‗A Trágica História deRomeu e Julieta‘, publicada em 1562 e que, por sua vez, infringiria a história deOvídio sobre Pyramus e Thisbe  –   que em ‗Sonhos de uma Noite de Verão‘Shakespeare encenou como a peça dentro da peça; outra infração dos ‗direitos

    9 HOMEM, Wagner; ROSA, Bruno de La. Histórias de Canções: Vinícius de Moraes. 2013, p. 88.

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    autorais‘ de Ovídio. Estivesse o Velho Testamento protegido por direitosautorais, então ‗Paraíso Perdido‘ o teria infringido, bem como o romance deThomas Mann, ‗José e Seus Irmãos‘. Ainda pior: no caso de autores antigos,como Homero e os autores do Velho Testamento, não temos como saber suasfontes e assim não sabemos até que ponto eram tais autores originais e até que

     ponto eram copiadores‖.10 

    O artista criador poderá decidir somente ―o que‖, e não ―se‖, irá

    retirar do substrato cultural existente elementos para criar sua obra, pois

    esta é, como se disse, a própria condição da existência humana. Nesse

    sentido, é muito pertinente a colocação do sociólogo italiano Domenico De

    Masi:

    Talvez obra alguma possa ser inteiramente atribuída a quem a assina, nem mesmo

    aqueles últimos e incríveis quartetos de Beethoven, compostos quando ele já erasurdo há vários anos, ou ainda os Ensaios precursores de Michel de Montaigne,escritos quando ele já estava há muitos anos recluso, no seu castelo solitário.

     No terceiro milênio depois de Cristo, a criatividade individual é somente umaabstração ou um delírio de onipotência. Neste campo, mais do que nunca, éválida a frase de Thomas Merton: ―Nenhum homem é uma ilha‖.11 

    Circundado por um verdadeiro e incomensurável oceano cultural,

    quando um sujeito cria alguma obra musical, por exemplo, provavelmente

    se utilizará não só de suas influências sonoras, mas de todo espectro culturalexistente e da própria vida humana. É, portanto, a partir de uma verdadeira

    miscelânea sinestésica que determinado criador poderá reduzir suas ideias

    em forma de notas musicais e palavras. Analise-se, por exemplo, os

    comentários de LETHEM sobre a obra de Bob Dylan:

    A apropriação sempre teve um papel-chave na música de Dylan. O compositor seapoderou não apenas de uma panóplia de filmes vintage de Hollywood, mastambém de Shakespeare e F. Scott Fitzgerald e da Confissões de um Yakuza, deJunichi Saga. Também passou a mão no título do estudo de Ric Lott sobre osmenestréis para seu álbum de 2001,  Love and Theft . Imagina-se que Dylan tenhagostado da sonoridade do título, no qual pequenos delitos emocionais espreitam adoçura do amor, como de praxe nas canções de Dylan. O título de Lott, claro,remonta a Love and Death in the  American Novel , de Leslie Fiedler, famoso poridentificar o tema literário da interdependência do home branco e do negro, como

    10 LANDES, William M.; POSNER, Richard A. The  Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit., pp. 66-67. Apud  BRANCO, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o uso de

    Obras Alheias, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007. p. 62.11  DE MASI, Domenico. Criatividade e grupos criativos. Tradução de Lea Manzi e YadyrFigueiredo Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 47 Apud CONRADO, Marcelo. Op.cit. p.84.  

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    Huck e Jim ou Ishmael e Queequeg  –   uma série de referencias imbricadas na personalidade apropriada do jovem menestral Dylan.12 

    Dessa maneira, não é difícil perceber que a criação artística

    individual, embora represente a exteriorização da vontade e criatividade de

    um sujeito13, em última instância, tem como pilar fundamental a

    coletividade. Tanto porque a criação depende do espectro cultural no qual

    está inserida para existir como já se pretendeu demonstrar, quanto porque

    toda criação depende da comunicação. Para ser arte, uma obra deve dizer

    alguma coisa à alguém. Sem interlocutores a arte não é, não existe.

    É este, portanto, o problema de uma pintura que aceite a riqueza das

    ambigüidades, a fecundidade do informe, o desafio do indeterminado. Pintura que pretenda oferecer ao olhar a mais livre das aventuras e ao mesmo tempo constituirum fato comunicativo, a comunicação do máximo ruído, marcada, todavia, poruma intenção que qualifique como sinal. Caso contrário, tanto faria o olhoinspecionar livremente leitos de estradas e manchas sobre muros, semnecessidade de transportar para a moldura de uma tela essas livres possibilidadesde mensagem que a natureza e o acaso colocam ao nosso dispor. Repare-se bemque a intenção por si só é suficiente para marcar o ruído como sinal: atransposição pura e simples de um pedaço de saco para dentro do âmbito de umquadro basta para caracterizar a matéria bruta como artefato. Mas aí intervêm asmodalidades de caracterização, a capacidade de persuasão das sugestões dedireção ante a diminuída liberdade do olho.

    Frequentemente, a modalidade de caracterização pode ser puramente mecânica,equivalente ao artifício metalingüístico constituído pelas aspas: quandocircunscrevo uma fenda na parede com um traço de giz, escolho-a e proponho-acomo configuração dotada de alguma sugestão, e naquele traço crio-a como fatocomunicativo e como obra artificial.14 (grifos deste autor)

    Colocar a coletividade junto à comunicação como pressupostos

    fundamentais da cultura se apresenta uma perspectiva razoável por três

    motivos fundamentais, coexistentes e simultâneos. Primeiro porque é

    12  LETHEM, Jonathan. O êxtase da influência: um plágio. Tradução de Alexandre Barbosa deSouza e BrunoCosta.  Revista Serrote, São Paulo, v.12, p.118, nov. 2012. Apud CONRADO,Marcelo. Op.cit. p.195.[NO] MERLEAU-PONTY. Maurice. A dúvida de Cézanne. Apud MERLEAU-PONTY. Maurice. Oolho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne .Tradução de Paulo  Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify,2004. p.123 Apud CONRADO, Marcelo. Op.cit. p. 208. 13  Aqui toma-se como base a obra intelectual produzida por apenas um sujeito. Sendo muitoimportante mencionar a existência de muitas obras coletivas que tornam o estudo do tema mais

    rico e complexo 14  ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 2005. p.168 

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     justamente essa combinação que permite o surgimento de significados e

    símbolos culturais.

    Ao mesmo tempo, a obra de arte permite conhecer, apreender, criar também este

    si-mesmo que é o simétrico do mundo de um lado e de outro do instrumentoóptico, prova de existência tanto do mundo, quanto de si: ―Na realidade, todoleitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie deinstrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que,sem ela, não teria certamente visto em si-mesmo.‖ [NO] A mesma idéia alhures: Oque pediria a ―meus‖ leitores é ―que me dissessem se estava certo, se as palavrasem si lidas eram mesmo as que eu empregava.‖[NO]15 

    Segundo porque esse surgimento possibilita o desenvolvimento da

    capacidade reflexivo-criativa individual traduzindo-se nas molduras através

    das quais as pessoas, e em especial os artistas por seu maior potencial

    criativo, interpretarão o mundo que os cerca.

    Então, pode-se preliminarmente concluir que as expressões artísticas refletem asatitudes e entendimento da vida por parte dos criadores e também que a percepção, apreensão e atribuição dos sentidos a estes artefatos pelo público estãocalcadas em sua inserção no universo simbólico que moderam as interpretações,que por sua vez dependem de sua exposição não só aos artefatos, mas igualmenteao conjunto significativo que pauta a produção e compreensão destas obras. 16 

     Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada em si, desejando que a forma

    em questão seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia, no ato dereação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor trazuma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmentecondicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundouma determinada perspectiva individual. No fundo, a forma torna-seesteticamente válida na medida em que pode ser vista e compreendida segundomultíplices perspectivas, manifestando riqueza de aspectos e ressonâncias, sem jamais deixar de ser ela própria (um sinal de trânsito, ao invés, só pode serencarado de maneira única e inequívoca, e se for transfigurado por algumainterpretação fantasiosa deixa de ser aquele sinal com aquele significadoespecífico). Neste sentido, portanto, uma obra de arte, forma acabada e  fechada

    em sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é também aberta, isto é, passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração de

    15  TINOCO, Carolina Ramos. Contributo Mínimo em Direito de Autor:o mínimo grau criativonecessário para que uma obra seja protegida; contornos e tratamento jurídico no direitointernacional e no direito brasileiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2009. p.163. 16 DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010.[NO]

     M. Proust, à la recherche du temps perdu, trad. bras., op. cit., t. VII, p. 153. 584 

    [NO]  Loc. cit., t. VII, p. 240. 585 SCHNEIDER, Michel.  Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. pp. 139-140. 

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    sua irreproduzível singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e umaexecução, pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspectiva original17 

    Em verdade os interlocutores de determinado trabalho artístico se

    mostram tão fundamentais quanto o autor deste. Cabe ao criador o esforço,

     por vezes hercúleo, de transmitir mensagens através de seu trabalho. No

    entanto, por mais diligente que seja neste intento, somente à coletividade

    daqueles, está garantido o privilégio de máxima realização do potencial

    comunicativo da obra. Seja ela um filme, um quadro, uma escultura ou uma

    música, o criador de cada uma destas nunca chegará perto de conhecer

    todas as interpretações e afetos provocados em cada uma das pessoas

    alcançadas por sua criação.

    ―Uma vez exteriorizada, a continuidade da existência da obra não depende mais,então, da existência da expressão original ou de outro exemplar da obra. Apenas amemória humana é capaz de impor limites à continuidade da existência de umaobra‖.18 

    A obra comunica uma mensagem que é recebida pelo destinatário e por eleincorporada intelectualmente. Por isso a cultura é um espaço erguido por muitasmãos e é equivocado comparar-se a exclusividade da criação intelectual com um bem material, qual uma casa. O construtor da casa molda os tijolos de barro, ocriador da obra tira os ―tijolos‖ da obra que cria do mesmo lugar para o qual

    enviará sua obra: o patrimônio cultural. Dai ser impossível equiparar-se uma obraintelectual a um bem material e/ou falar em domínio do autor sobre a criação. Oautor merece ser remunerado pelo seu trabalho, mas não domina a obra, comodomina, o proprietário, a casa. O que desejo afirmar é isto: interpretarei o textodo Paulo Coelho dizendo algo, sobre o texto, que Paulo Coelho não dissediretamente. Em verdade eu é que atribuo a ele o que resulta da minhainterpretação do seu texto. O interpretar, aqui, é puro desdobramento do valorcultural do texto, a comprovar que o texto não está vinculado ao Paulo Coelho,sendo livre e interagindo comigo, destinatária dele. (grifo deste autor)19 

    E em terceiro e último lugar, porque esta capacidade, presente em

    diferentes graus nos cidadãos, possibilita ao artista aglutinar os elementos jáexistentes desta teia infinita de significação para criar.

    17  ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 2005  p. 40 18 HABERSTUMPF, Helmut. Handbuch des Urheberrechts, Neuwied/Kriftel/ Berlin: Luchterhand(1996), p..33 Apud GRAU-KUNTZ, Karin. Domínio Público e Direito de Autor: Do requisito daoriginalidade como contribuição reflexivo-transformadora. Apud:  Revista Eletrônica do Instituto

     Brasileiro de Propriedade Intelectual. www.ibpibrasil.org, p.13. 19  GRAU-KUNTZ; Karin, Comentário, In  Revista Eletrônica do IBPI , vol. 4http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdf in

    GRAU-KUNTZ, Karin. Domínio Público e Direito de Autor: Do requisito da originalidade comocontribuição reflexivo-transformadora. In  Revista Eletrônica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual  nº 06. www.ibpibrasil.org, p. 42. 

    http://www.ibpibrasil.org/http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdfhttp://www.ibpibrasil.org/http://www.ibpibrasil.org/http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdfhttp://www.ibpibrasil.org/

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    Em todos esses casos (e trata-se de quatro apenas, entre os muitos possíveis),impressiona-nos de pronto a diferença macroscópica entre tais gêneros decomunicação musical e aqueles a que a tradição clássica nos havia acostumado.Em termos elementares, essa diferença pode ser assim formulada: uma obramusical clássica, uma fuga de Bach, a  Aída, ou Le Sacre Du Printemps,consistiam num conjunto de realidades sonoras que o autor organizava de formadefinida e acabada, oferecendo-o ao ouvinte, ou então traduzia em sinaisconvencionais capazes de guiar o executante de maneira que este pudessereproduzir substancialmente a forma imaginada pelo compositor; as novas obrasmusicais, ao contrário, não consistem numa mensagem acabada e definida, numaforma univocamente organizada, mas sim numa possibilidade de váriasorganizações confiadas a iniciativa do intérprete, apresentando-se, portanto, nãocomo obras concluídas, que pedem para ser revividas e compreendidas numadireção estrutural dada, mas, como obras "abertas", que serão finalizadas pelointerprete no momento em que as fruir esteticamente.20 

    Diante do exposto pode-se afirmar com certa tranquilidade que um

    artista depende essencialmente da placenta cultural que o alimenta, e da

    qual o próprio faz parte, como intérprete do mundo que o cerca e como

    criador em potencial. Essa relação de mutualismo em rede, entre indivíduos

    e a cultura existente representa uma dinâmica cujo entendimento é

    fundamental para facilitar o alcance de escopo deste trabalho.

    Ao final, não se pretende aqui, de maneira alguma, subtrair a beleza

    do processo de criação intelectual. O que se espera a partir desta visão sobrea formação do conhecimento e a seguir das criações musicais

    especificamente, é buscar demonstrar como a análise jurídica dos elementos

    destas e ainda do requisito legal da originalidade  neste universo pode

    facilitar a compreensão do processo de composição musical como um

    fenômeno necessariamente livre. Todavia, antes que se possa prosseguir

    nesse intento faz-se relevante apontar ainda algumas especificidades sobre o

    universo musical contemporâneo.

    20  ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 1991. p.39. 

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    2. O consumo de música e a composição musical nasociedade da informação

     No passado o consumo e a produção cultural serviam basicamente ao

    interesse de uma elite que podia financiar o elevado custo de patrocínio 21 de

     pintores, artistas plásticos, músicos22 e outros artistas. Felizmente a situação

    atual, apesar de ainda estar longe do ideal, é bastante diferente. O acesso à

    cultura e mesmo a sua produção se tornaram muito mais democráticas. 

    A este respeito são bastante expressivas as iniciativas do estado

     brasileiro a partir do Ministério da Cultura com vistas a fomentar a

     produção cultural e mesmo o seu consumo. O financiamento de produções

    artísticas em geral através da  Lei Rouanet , a recente promulgação da Lei

    12.761/2012 que instituiu o Vale-Cultura23 são apenas algumas evidencias

    do que se pretende confirmar.

    Especificamente no campo da música com a constante evolução das

    suas formas de produção e mesmo de reprodução, a situação não é distinta.

    Com a invenção do fonógrafo, de sua evolução para o gramofone, e em

    sequência para as rádios, discos de vinil, fitas cassete, Compact Discs, 

    internet,  Mp3  e por fim para as lojas e rádios digitais podemos observar

    uma crescente democratização do acesso à música pela sociedade. Cada vez

    21 A este respeito se pode mencionar o mecenato no período renascentista em que famílias ricasfinanciavam a produção artística e cultural. 22 ―Na França e na Inglaterra, as posições musicais decisivas estavam concentradas nas capitais,Paris e Londres, em resultado da centralização estatal. Nesses países, portanto, um músico de altonível não tinha escapatória caso lhe acontecesse uma desavença com o príncipe seu empregador.

     Não havia cortes que pudessem rivalizar com a do rei em poder, riqueza e prestígio, que pudessem, por exemplo, dar abrigo a um músico francês caído em desgraça. Na Alemanha e na Itália, porém,havia dúzias de cortes e cidades que concorriam pelo prestígio e, portanto, pelos músicos. Não éexagero atribuir, entre outras coisas, a extraordinária produtividade da música de corte nosterritórios do primeiro Império alemão a esta situação  —   à rivalidade pelo prestígio das muitascortes e, conseqüentemente, ao grande número de postos musicais‖. (ELIAS, Norbert.  Mozart:

     sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1995 p.30) 23

      Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Cultura, o Programa de Cultura doTrabalhador, destinado a fornecer aos trabalhadores meios para o exercício dos direitos culturais eacesso às fontes da cultura.

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    mais pessoas são alcançadas, podendo consumir em maior quantidade, com

    mais qualidade e numa velocidade crescentemente rápida.

    Os avanços tecnológicos vêm revolucionando não só a forma de

    consumo, mas também e de forma impressionante a produção musical. Se

    no passado eram necessários equipamentos sofisticados de gravação, a

    contratação de músicos, a locação de um estúdio para a produção de um

    CD, hoje tudo isso pode ser feito por uma só pessoa em seu  Home Studio,

    com qualidade bastante razoável.

    Por mais inusitado que possa parecer, hoje é possível que um

    indivíduo que nunca tenha tocado nenhum instrumento mas que tenha

    noções musicais básicas e saiba operar bem um software de qualquer uma

    das  DAW  –   Digital Audio Work Station,  possa reproduzir, sozinho, uma

    verdadeira orquestra. E isto livre de qualquer desafinação, com total

    controle dos instrumentos, harmonia, ritmo, volume a partir de mecanismos

    relativamente simples. Situação pouco provável de se imaginar há poucas

    décadas e completamente inovadora se comparada com um ou dois séculos

    atrás.

    A título de exemplificação, se no século dezoito um indivíduo

    desejasse ouvir determinada canção de Chopin24 , além da partitura

    específica de tal música seria necessário algum instrumentista para executá-

    la25. Hoje bastam alguns cliques para que qualquer cidadão com acesso a

    internet possa escutar a mesma música em diversos sites da web  em

    inúmeras versões e executadas por incontáveis intérpretes.

    24 Frédéric François Chopin, também chamado Fryderyk Franciszek Chopin (Żelazowa Wola, 1de Março de 18101 —  Paris, 17 de Outubro de 1849), foi um pianistapolaco radicadona França e compositor para piano da era romântica , Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin. Acesso em 16 jun. 2014) 25  A gravação musical sequer era possível e somente fim do século XIX se tornou possível afixação dos sons de forma incipiente. É como relata Fabio Malina Losso, “Em 1877, Thomas Alva

     Edison inventou o fonógrafo, aparelho que gravava sons em um cilindro e posteriormente os fazia

    executar, o que constituiu marco na música, mesmo que rudimentar, de se fixar obras musicais para posterior audição.” (LOSSO, Fabio Malina. Os Direitos Autorais no Mercado da Música.São Paulo:USP,2008. p. 32) 

    http://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/17_de_Outubrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1849http://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Compositorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Era_rom%C3%A2nticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin.http://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin.http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_rom%C3%A2nticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Compositorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1849http://pt.wikipedia.org/wiki/17_de_Outubrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wola

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    Importante destacar que esta profícua circulação e produção de

    conteúdo, obviamente, não representa uma exclusividade do mundo

    musical, mas de todo o universo cultural. Esta profusão de informações,

    muito favorecida pelo fluxo cibernético, representa, na verdade, uma marcafundamental da  sociedade de informação e não pode deixar de ser

    considerada. Especialmente pela grande relevância desse cenário para

    economia, diga-se profundamente influenciada por uma nova forma de

    circulação de riqueza.

    Concentremo-nos agora na sociedade da informação, que tem como instrumentonuclear a  Internet . Esta última foi objeto de profunda e rápida metamorfose:

    nascida militar, passou a rede científica desinteressada, depois a meio decomunicação de massas, para se tornar hoje sobretudo veículo comercial. Nessaevolução, a informação, que seria o seu conteúdo, vai mudando de natureza.Passa a abranger qualquer conteúdo de comunicação  –   de maneira que melhorseria inclusive falar-se em sociedade da comunicação – , e a própria informação sedegrada. O saber transforma-se em mercadoria, o conhecimento livre transforma-se em bem apropriável. É cada vez mais objeto de direitos de exclusivo, que sãoos direitos intelectuais. Estes, por sua vez, são cada vez mais dissociados dosaspectos pessoais para serem considerados meros atributos patrimoniais, posiçõesde vantagem na vida econômica. A mercantilização geral do direito intelectual éum fato. E uma manifestação flagrante está no fato de a entidade que é hojedecisiva na disciplina dos direitos intelectuais não ser nem a Unesco nem a

    OMPI, mas a Organização Mundial do Comércio  –  e isso, tanto no que se refereao direito de autor e ao direito da informática, quanto aos direitos industriais. Sãoantes de mais nada objeto do comércio internacional.26 

    Especificamente com relação a frenética circulação de obras

    intelectuais é de grande valia apontar as reflexões do sociólogo alemão

    Walter Benjamin. Este autor com perspicácia particular atribui esta

    revolução cultural ao advento da reprodutibilidade técnica destes bens

    imateriais. Hoje pode soar bastante estarrecedor, mas há menos dois séculos

    a reprodução de obras intelectuais era apenas uma possibilidade bastante

    remota do que atualmente se apresenta.

    Por princípio a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens tinhamfeito sempre pôde ser imitado por homens. Tal imitação foi também exercitada por alunos para praticarem a arte, por mestres para divulgação das obras e,finalmente, por terceiros ávidos de lucro. Em contraposição a isto, a reproduçãotécnica da obra de arte é algo de novo que se vai impondo, intermitentemente nahistória, em fases muito distanciadas umas das outras, mas com crescente

    26 ASCENSÃO, José de Oliveira. Sociedade de informação e Mundo globalizado p.11. Disponívelem http://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdf. Acesso em 20 mai 2015. 

    http://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdfhttp://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdf

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    intensidade. Os Gregos conheciam apenas dois processos de reprodução técnicade obras de arte: a fundição e a cunhagem. Bronzes, terracotas e moedas eram asúnicas obras de arte que podiam produzir em massa. Todas as outras eram únicase não podiam ser reproduzidas tecnicamente. As artes gráficas foramreproduzidas pela primeira vez com a xilogravura e passou longo tempo até que, pela impressão, também a escrita fosse reproduzida. São conhecidas as enormesalterações que a impressão, a reprodutibilidade técnica da escrita, provocou naliteratura. Mas à escala mundial, tais modificações são apenas um caso particular,ainda que extraordinariamente importante do fenômeno que aqui se observa.27 

    O fluxo informacional decorrente do super desenvolvimento das

    formas de produção e em especial de reprodução de bens imateriais, em

    certo sentido pode ultrapassar a própria capacidade de apreensão do ser

    humano. A monitoração de um infinito de informações é tarefa das mais

    complexas e de crucial importância somente possível aossupercomputadores de empresas como Google, Facebook, Microsoft   e

    outras. O domínio e conhecimento aprofundado desse fluxo de informações

    inclusive se apresenta como uma ferramenta econômica de incrível

    magnitude.

    Como não poderia deixar de ser, existe também uma série de

    empresas especializadas em mensurar este gênero de dados especificamente

    sobre a indústria do entretenimento. Aproveitando a disponibilidade dessas

    informações, no ano de 2014, por exemplo, foram registrados

    impressionantes 439,69 bilhões de plays de música somente nos serviços de

     streaming  Spotify, Youtube, Vevo, Soundcloud, Vimeo e Rdio. Um aumento

    de 95% em relação à 2013 e 363% em relação à 2012.

    (https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014). Verifica-se assim um

    evidente crescimento e importância alcançada pelo serviço de streaming noconsumo musical, que representando uma fatia de 23% do mercado

    27

     BENJAMIN, Walter.  A obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. Disponível em:http://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf . Acesso em 10 mai 2015. 

    https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014http://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttps://www.nextbigsound.com/industryreport/2014

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    global28, tende inclusive a desbancar a vendas digitais de música na

    internet29,

    "A sinergia entre o mercado de streaming, as operadoras de telefonia móvel e o

    uso crescente de smartphones com acesso à Internet criam condições mais do quefavoráveis para que este setor continue crescendo significativamente", disse PauloRosa, presidente da ABPD.

    Ainda a este respeito observe-se o quadro abaixo que dá alguns

    exemplos do quanto de conteúdo é gerado na internet em 60 segundos. Em

    relação ao universo musical especificamente perceba-se: 15 mil músicas são

     baixadas do iTunes, 14 músicas são enviadas ao Spotify  (serviço de rádio

    digital) e 72 horas de vídeo são enviadas ao YouTube.

    28  Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-

    crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702. Acesso em 15 mai 2015. 29  Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736. Acesso em 20 mai 2015. 

    http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702

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    30 

    A consequência natural deste fenômeno31  é que diante de um

    consumo e produção musical cada vez maiores e mais dinâmicos, cada

    autor/compositor se torna ainda mais suscetível a se utilizar de suas

    inúmeras e crescentes influências musicais para compor sua própria obra. É

    30 What Happens Online in 60 Seconds in 2013. Disponível em:  http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/. Acesso em 16 jun. 2014. 31 E a tendência é que se aumente cada vez mais. ―Demorou 32 anos —  de 1984 a 2016  —  paraque se gerasse o primeiro zettabyte de tráfego IP anualmente. No entanto, como mostram as

     previsões deste ano do Visual Networking Index, demorará apenas mais três anos para alcançar omarco do próximo zettabyte, quando haverá mais de 2 zettabytes de tráfego IP por ano até 2019‖,disse o vice-presidente de produtos de provedores de serviços e soluções de marketing da Cisco,

    Doug Webster. Leia mais sobre esse assunto. Disponível em:http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQ. Acesso em 15 mar 2015. 

    http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/

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     justamente essa imensa permeabilidade criativa que vem contribuindo para

    o surgimento veloz de novos estilos musicais e sonoridades.

    Para clarificar um pouco o que se pretende demonstrar, uma rápida

     busca na internet permite verificar a profusão de novos gêneros musicais

    com inúmeras vertentes e diversificações. É o caso do Tecnobrega32 ,

    surgido em Belém-PA. Um estilo marcado pela

    [...]fusão da tradicional música brega com a música eletrônica, tendo, portanto, atecnologia como um elemento fundamental. Deriva de ritmoscomo Carimbó, Siriá, Lundu e outros gêneros populares como o calypso eguitarradas, incorporando sintetizadores e batidas eletrônicas.33 

    O surgimento de novas sonoridades pode ocorrer de forma tão rápidaque categorizar estes ―novos sons‖ pode se mostrar bastante difícil. Em

    alguns casos essa dificuldade pode inclusive ser um sinal que o ouvinte está

    diante de algo inovador. Sobre este desafio de classificação, em um site

    especializado no universo musical é possível encontrar:

    [...] A facilidade bateu a porta de qualquer um, desde a produção pelos softwaresmais acessíveis quanto a possibilidade de espalhar um EP para o mundo todo. É

    tanta criatividade explodindo, tantas possibilidades de música vindo de tantascabeças diferentes, tantas influências distintas, que chegamos a um problema quemuitos podem já ter tido. Como categorizar essa banda? Essa música é quegênero? Isso é Rock ou Indie? Isso é R&B ou Neo Soul? Uk Garage ou FutureGarage? Isso é Deep House ou Tech House?

    [...] Os gêneros e subgêneros do mesmo estilo se conflitam pela necessidade demastigar influências para formação de uma nova criação. O ímpeto pelo sucessoou mesmo pela existência de novas influências faz com que alguns "pré-requisitos" sejam deixados para trás. Junto com isso, deve-se deixar também suaantiga categorização. Acredito que haja um lugar para o que os artistas que eucitei no parágrafo anterior (e vários outros não mencionados) produzem, mas

    enquanto isso não foi oficializado - para manter a sanidade e educação musicaldas próximas gerações -, vamos manter longe do que, um dia, teve muito suor,estudo e referência para ser criado.34 

    32 São variações do Tecnobrega, o Cybertecnobrega, o  Bregamellody e o  Eletromellody. Muitomais sobre esse curioso gênero musical pode ser encontrado no livro de LEMOS, Ronaldo Castro;Oona. Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano,2008. 33  A busca por novas sonoridades pode ser feita de forma mais organizada e deliberada. Foi

     justamente o que ocorreu com o chamado Estúdio Coca-Cola , iniciativa desta grande empresa juntamente com a MTV que promovia encontros musicais inusitados. Marcelo D2 e Lenine, Skanke Nação Zumbi, Banda Calypso e Paralamas do Sucesso são apenas alguns exemplos dessas

     parcerias que tinham como objetivo principal a união e a celebração das diferenças. Disponível

    em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobrega. Acesso 20 mai 2015. 34  Disponível em: http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/. Acesso em 20 mai 2015. 

    http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_bregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_eletr%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carimb%C3%B3http://pt.wikipedia.org/wiki/Siri%C3%A1http://pt.wikipedia.org/wiki/Lunduhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brega_Pophttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobregahttp://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brega_Pophttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lunduhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Siri%C3%A1http://pt.wikipedia.org/wiki/Carimb%C3%B3http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_eletr%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_brega

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    Por um lado se pode afirmar a existência de uma rápida circulação e

    grande consumo de conteúdo musical, o que tem proporcionado a profusão

    cultural e o surgimento de novos estilos sonoros, cuja classificação sequer

     pode ser feita. Todavia há também o que evidencia um processo inverso. Éo que defende Theodor Adorno em  Indústria Cultural e Sociedade  ao

    afirmar que a estandardização de produtos culturais não está relacionada ao

    necessário atendimento da demanda de milhões de consumidores, mas sim e

    inversamente a lógica planificadora da economia de mercado.

    Os pormenores tornaram-se fungíveis. A breve sucessão de intervalos que semostrou eficaz em um sucesso musical, o vexame temporário do herói, por ele

    esportivamente aceito, os saudáveis tapas que a bela recebe da mão pesada doastro, sua rudeza com a herdeira viciada são, como todos os pormenores e clichês,salpicados aqui e ali, sendo cada vez subordinados à finalidade que o esquemalhes atribui. Estão ali para confirmar o esquema, ao mesmo tempo em que ocompõem. Desde o começo é possível perceber como terminará um filme, quemserá recompensado, punido ou esquecido; para não falar da música leve em que oouvido acostumado consegue, desde os primeiros acordes, adivinhar acontinuação, e sentir-se feliz quando ela ocorre. O número médio de palavras da

     short-story é aquele e não se pode mudar.35 

    Os produtos e serviços cujo valor principal reside nas informações e expressõesrepresentam, atualmente, parte substancial do comércio doméstico e

    internacional. Em curso, este processo de mudança social, econômica e também política coloca a informação baseada em conhecimento em um papel central eapresenta duas tendências conflitantes, representando a liberdade e controle. Deum lado, a promessa de um espaço descentralizado e público de interação, nãosubmetido às hegemonias estatais e comerciais, com potencial para libertar odiscurso público e as expressões das amarras estruturais anteriores à difusão datecnologia digital. Por outro lado, uma tendência em direção a uma maiorcomercialização, comodificação e apropriação dos sistemas de informação eexpressão, conduz à subordinação da discricionariedade artística e editorial àsestratégias corporativas e demandas dos investidores. 36 

     Não é difícil comprovar assim, a exemplo do que ocorre com muitos

     produtos culturais, a intensa circulação de conteúdo musical bastante

    homogêneo. No mercado brasileiro é o que ocorre com poderosa audiência

    de muito dos hits do Sertanejo Universitário, do funk melody e também do

     funk ostentação. Apenas para se ter uma melhor dimensão do que se quer

    35 ADORNO, Theodor W., 1903-1969. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos: Jorge M.B. de Almeida, [Tradução: Julia Elisabeth Levy .. [et. al]. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

    36 DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010. pp.38-39. 

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    evidenciar observe-se abaixo uma lista elaborada a partir de pesquisa direta

    no Youtube. Estão ali discriminados  os vídeos de conteúdo musical

     brasileiro mais vistos na história do provedor. Desta lista, apenas três

    músicas não estariam inseridas no universo do Sertanejo Universitário,sendo importante destacar ainda a presença repetida de alguns artistas neste

    empírico levantamento37.

     Michel Teló –  Ai Se Eu Te Pego –  632.983.840 visualizações

     Luan Santana –  Tudo que você quiser –  104.665.377

     Anitta –  Show das Poderosas –  102.535.327

     Henrique e Juliano –  Cuida Bem Dela –  86.269.928 Henrique e Juliano –  Até Você Voltar –  85.494.757

     Marcos e Belutti –  Domingo de Manhã –  75.941.667

     Michel Teló –  Fugidinha –  69.019.711

     Lucas Lucco –  Mozão –  67.149.377

     Mc Guime –  Plaque de 100 –  58.602.645

    Gustavo Lima –  Balada –  57.963.881

     Pollo –  Vagalumes –  57.678.889

    Gustavo Lima –  Diz Pra Mim –  54.626.799

    Diante deste cenário ¸ a despeito do empirismo desta pesquisa, é

    razoável considerar a existência de uma tendência de homogeneização

    musical. E retomando o pensamento de Walter Benjamin seria possível

    confirmar, diante do status quo, uma outra perspectiva da reprodutibilidade

    técnica  apontada por este autor. Na sociedade contemporânea não estaria

    verificada apenas a capacidade elevada de reprodução de uma obra

    intelectual em si, mas também, e em larga escala, a replicação deliberada do

    conteúdo desta.

    37 A este respeito: Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-

    do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.html.  Acesso em 12 mar 2015; Diponível em:http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtml. Acesso em 12 mar 2015. 

    http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.html

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    Pode resumir-se essa falta no conceito de aura e dizer: o que murcha na era dareprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seusignificado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica dereprodução dizendo que liberta o objecto reproduzido do domínio da tradição. Aomultiplicar o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência emmassa. Na medida em que permite à reprodução ir ao encontro de quem apreende,actualiza o reproduzido em cada uma das suas situações. Ambos os processos provocam um profundo abalo do reproduzido, um abalo da tradição que é oreverso da crise actual e a renovação da humanidade.38 

     Não é de se estranhar, portanto, que muitas das músicas relacionadas

    acima tenham conteúdo muitíssimo similar. Isto é, a harmonia, as frases

    melódicas, o ritmo, o arranjo musical, a temática e mesmo a produção dos

     shows e vídeo clipes de tais obras musicais se situam em lugar muito

     parecido, para não dizer igual. Essa planificação se deve tanto ao adventoda reprodutibilidade técnica, ao dirigismo dos grandes empresariados de

    conteúdo musical, e a fácil condução da preferência dos consumidores.

    Parece razoável considerar que boa parte destes estão sempre escutando e

     privilegiando mais do mesmo, isto pelo menos é o que os números acima

     podem sugerir.

     Nem tudo está perdido, pois como já se pretendeu demonstrar acima,

    há além de um movimento de massificação, uma razoável energia de

    diversificação cultural, ambos processos desencadeados pelo advento da

    reprodutibilidade técnica. Portanto o ponto de vista que se revela mais

    adequado para compreensão desse complexo fenômeno de circulação,

     produção e comunicação cultural intensos, deve levar em conta esta

    ambiguidade. É o que sugere Allan Rocha analisando estudiosos sobre o

    tema.

    Este emergente modelo de comunicação exprime uma proximidade com areflexividade39, elemento fundamental para a decisão individual e construção daexperiência subjetiva contemporânea, em que, dispostos ao mesmo tempo a umsem número de receptores, os conteúdos são contextualizados, compreendidos,

    38 BENJAMIN, Walter.  A obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. Disponível em:http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf. Acesso em 20 mai 2015.

    39 [NO] GIDDENS, Anthony. The consequences of modernity. Califórnia: Stanford University Press,1990, p. 36 e ss. 

    http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf

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    absorvidos ou rejeitados a partir das relações em rede estabelecidas pelosdestinatários.40 

    A internacionalização da comunicação reforça as preocupações com a cultura. Oresultado pode conduzir a conformação de identidades culturais refugiadas, emuma rejeição do outro dominante, ou em identidades culturais relacionais, que

    indicam a capacidade de gerir simultaneamente as identidades particulares e suasinterações com a comunidade internacional. Na medida em que a construção dasubjetividade deriva das experiências individuais dos sujeitos, a preocupação emassegurar, em uma sociedade complexa e multicultural, a possibilidade deexperiências culturais diversificadas torna-se prioritária.41 

    Essa dicotomia vem apenas ajudar a relembrar que a realidade é

    sempre mais complexa do que parece. Não há como negar a existência de

    uma lógica de estandardização do consumo cultural impulsionada pelas

    grandes empresas do entretenimento. Uma diretriz que visa a cultivar nosconsumidores os símbolos e significados propícios ao melhor rendimento

    deste negócio. Em sentido contrário, também não há como ignorar a

    individualidade e as diversas preferências dos demandantes, que integrando

    esta cadeia produtiva cultural, podem e devem levar a sua modificação

    conforme variarem suas afinidades e interesses.

    Diante da manifesta existência de representações culturais bastante

    homogêneas e ao mesmo tempo de outras um tanto quanto singulares,

     poderão os potenciais autores se apropriar dos componentes destas ou

    daquelas na mesma medida? É este o desafio que se coloca e que a seguir

    se pretenderá apresentar.

    Aqui se defenderá que o compositor pode e deve servir-se

    amplamente de quaisquer que sejam suas influências, sejam estas

    especificamente musicais ou não. É claro que deve haver um cuidado

    especial quanto da apropriação de obras musicais por inteiro, de parte

    significativa destas ou mesmo de seus pequenos trechos revestidos de um

    elevado potencial de identificação da composição como um todo. E este

    cuidado deve ser ainda maior no caso de apropriação de elementos

    40

     DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010. p. 45. 41 Ibid. p. 46. 

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     provenientes de gêneros musicais que em geral apresentam composições

    com considerável originalidade. Entretanto, como será melhor explorado no

    último capítulo, esta cautela não pode constituir uma norma absoluta a ser

    seguida. Caso contrário a criatividade estaria sendo aprisionada porqueinstitucionalizada de antemão como regra, a mera possibilidade de lesão ao

    direito autoral de outrem.

    Esse posicionamento se justifica porque uma limitação a priori  à

    utilização de insumos42  das diversas criações imateriais não pode ser

    tutelada na sociedade contemporânea. Embora alguns destes sejam

    singulares no universo cultural pré-existente e mereçam a devida proteçãolegal, representam apenas a exceção em um oceano de possibilidades. A

    atividade criativa intelectual de alto nível, por vezes tão rara, não pode

    encontrar na legislação mais uma dificuldade a impedir o seu florescimento.

    E então, apresentado este panorama geral e atual sobre uma perspectiva da

     produção cultural, deve-se analisar agora como os elementos musicais se

    inserem neste cenário repleto de tendências paradoxais. Com esse objetivo

    observe-se a seguir uma exposição técnica sobre a música e também de seuscontornos jurídicos pois não há como prosseguir neste estudo sem antes

    analisá-los

    42 Insumo aqui adquire o significado de elementos musicais em separado, mas não de uma obramusical por inteiro.

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    3. A música e seus elementos:

    A música é um dos integrantes mais significativos do universocultural e vem passando por inúmeras modificações nas ultimas décadas,

    especialmente por conta do desenvolvimento tecnológico na sua forma de

     produção e consumo como apontado no capítulo anterior. Analisando-o

    agora sobre outra perspectiva, de início faz-se mister discorrer brevemente

    sobre seu conceito teórico básico, para posterior abordagem dos seus

    elementos constitutivos bem como dos seus contornos jurídicos.

    Para uma definição técnica do fenômeno musical elaborada por

    Philip Tagg (2002, p.3), tem-se que: ―A música é uma forma de

    comunicação inter-humana organizada racionalmente, onde o som não

    verbal é percebido primeiramente como veiculação de padrões emocionais

    e/ou corporais de cognição‖43. Buscando apresentar uma outra definição

    teórica possível e igualmente acessível ao homem médio, pode-se afirmar

    que a música é uma combinação encadeada sons e silêncios num espaço detempo. Um conceito simples, que certamente não deixa transparecer a

    complexidade de se pode revestir a mais simples das canções de ninar, mas

    razoável porque suficiente ao presente estudo.

    Deste encadeamento lógico e simultâneo destacam-se três elementos

    fundamentais: a melodia, o ritmo e a harmonia. A melodia é o que dá

    sentido musical a uma obra. Diante de uma música qualquer, basta que seassobie a mesma e muito provavelmente o que se obterá será a sua melodia.

    Esta, composta pelas 12 notas musicais (Dó, Dó sustenido ou Ré Bemol,

    Ré, Ré sustenido ou Mi bemol Mi, Fá, Fá sustenido ou Sol bemol, Sol, Sol

    sustenido ou Lá bemol, Lá, Lá sustenido ou Si bemol e Si), que se sucedem

    43 TAGG, Philip. Towards a definition of “music”. Taken from provisional course text ―A Short

    Prehistory of Popular Music‖ Institute of Popular Music, University of Liverpool, feb./mar. 2002.Disponível em: http://www.tagg.org/teaching/musdef.pdf.  Acesso em: 31 mar. 2011 Apud ROCHA, Fabíola Bortolozo do Carmo. Ver. SJRJ, Rio de Janeiro, v.18, n. 30, p. 31, abr. 2011. 

    http://www.tagg.org/teaching/musdef.pdfhttp://www.tagg.org/teaching/musdef.pdf

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    didática a seguir visa facilitar a compreensão da mencionada previsão legal

     para cada um desses elementos.

    O ritmo48  é a ―sensação determinada pelas relações de duração

    relativa, seja de diferentes sons consecutivos, seja de diversas repercussões

    ou repetições de um mesmo som ou de um mesmo ruído‖ e ainda ―é a

    relação entre a duração de cada som, acrescenta Le Tarnec, mas pode

    resultar também da intensidade, das diferenças de acentuações entre as

    diferentes notas.‖ Este elemento pode e deve ser visto muito mais como

    uma ideia do que propriamente uma expressão intelectual. Isto é o que se

     pode perceber pelas próprias definições expostas que se apoiam não em umconceito determinado mas sim em uma relação matemático-temporal49. Por

    isso o ritmo não pode ser considerado perante a lei como obra autônoma,

    mas sim como uma organização mental apta a ordenar a composição e

    execução musical conforme disposto no Art. 8º, I e II50 da Lei nº 9.610/98.

    Sejam ritmos novos, sejam aqueles já existente estes poderão ser utilizados

    livre e amplamente pelos autores.

    A harmonia  por sua vez ―decorre da imagem simultânea de várias

    melodias em concurso: Veste a melodia, guarnece-a, enriquece-a‖ diz

    Antonio Chaves citando Henri Desbois51. Este elemento pode ser

    considerado o tecido sobre o qual se apoiam os outros. Para uma dada

    música existirá sempre um ou alguns campos harmônicos52 determinados e

    48 DUNANT, Philippe.  Du Droit des compositeurs de musique. Genéve, 1892, p.47 In CHAVES,

    Antonio, Direito de Autor nas Obras Musicais p, 145. Revista de informação legislativa, v. 11, n.42, pp. 143-154, abr./jun. 1974. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627. Acesso em 15 mai 2015. 49  Por esse motivo se pode dizer que o ritmo  é representado por frações que determinamandamento musical, 4/4, 4/2, 4/8, 2/4, 3/1 etc. 50 Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticoscomo tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; 51  DESBOIS, Henri.  Le Droit d´Auteur em France. 2ª ed. Dalloz, Pais, 1966, pp. 115-137 InAntonio Chaves, Direito de Autor nas Obras Musicais p.145- Revista de informação legislativa, v.11, n. 42, pp. 143-154, abr./jun. 1974. Disponível emhttp://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627. Acesso em 15 mai 2015. 52

     ―Campo harmônico(

     português brasileiro)

     ou Campo harmónico(

     português europeu)

     é o conjuntode acordes formado a partir das notas de uma determinada  escala. Esses acordes são extraídos deuma das quatro escalas estruturais: a maior,  a menor,  a menor harmônica e a menor melódica. 

    http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Acordehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_maiorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menor_harm%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_menor_mel%C3%B3dica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_menor_mel%C3%B3dica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menor_harm%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_maiorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Acordehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627

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    dentro destes haverá um número limitado de combinações de acordes, que

    uma vez selecionados53  pelo compositor, representarão em conjunto a

    harmonia musical. Tendo em vista essa limitação de combinações possíveis,

    em geral, na música popular, não se poderá dizer que este elemento musical por si só merecerá proteção legal. Ele é ―tão esperto que não tem dono‖ 54 e

    isto se verifica não porque não queiram alguns obter o direito exclusivo

    sobre o mesmo, ele é que não se deixa apropriar.

    A título de exemplificação poderíamos citar duas composições famosas namúsica popular brasileira: "Esse teu olhar", de Tom Jobim e "Promessas" domesmo renomado compositor. Apesar de idênticas em sua harmonia ocorre perfeita distinção a nível melódico, o que as caracteriza como obras originárias

    autônomas, cada qual absolutamente original.55 

    A existência de harmonias iguais em obras musicais distintas é mais

    do que comum e isso não retira a singularidade destas. Por outro lado

    desejar obter o direito de exclusiva sobre uma determinada construção

    harmônica seria o mesmo que querer se apropriar de um punhado específico

    de areia da praia para posterior tentativa de manufatura de um vidro de

    murano56 . Ora, areia existe em abundância e não é aquele ou outro monte

    deste insumo que determinará a formação de um vidro diferenciado, mas

    sim a técnica que se aplica nesta transformação. Pois bem, a técnica que

     permite a construção de uma harmonia musical  não pertence a um ou outro

    compositor mas a todos estes. Por isso não se pode considerar ilícita aquela

    Também pode ser chamado de estrutura tonal visto que o desenvolvimento da harmonia está

    inteiramente ligado ao aparecimento e desenvolvimento do conceito de tonalidade‖ Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nico. Acesso em 20 mai 2015. 53  Aqui deve-se ter como pressuposto que o compositor iniciou a composição a partir de suaharmonia. Sendo certo que, se ele iniciá-la a partir da melodia, a harmonia estará pré determinada. 54  Frase de Hermeto Pascoal  –   MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor:

     Repersonalizando o Direito Autoral . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 p. 80 - O respeitadocompositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal equivocou-se numa declaração feita ao

     jornalista e músico Luciano Aguiar. Para ocorrer plágio não é preciso a existência de um númeromínimo de compassos iguais. A LDA-98 não diz nada a esse respeito. Eis a afirmação do ilustremestre: ―A harmonia é tão esperta que não tem dono. Na lei, tem aquela coisa da contagem doscompassos.‖ (A TARDE, Salvador, Caderno 2, 22 jan. 2004, p. 4).  55  COSTA NETTO, José Carlos. Os direitos de autor e os que lhes são conexos na obramusical.  Dissertação para pós-graduação em direito civil, em nível de mestrado. Faculdade de

    Direito da Universidade de São Paulo. 1985. p. 41 56  Artesanatos em vidro feito com uma técnica especial. Disponível em:http://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/. Acesso 15 mai 2015. 

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nicohttp://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/http://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nico

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    harmonia que fruto de uma técnica e insumo comuns a todos acaba por

    imitar a outra.

    Por isso, não se pode levar em conta a harmonia, se é ou não igual. Geralmente, o

    grande número de composições populares é feito por pessoas que desconhecemos princípios elementares da música, incapazes de reconhecer uma só nota na pauta. O plágio evidencia-se através da melodia que ainda é, e dificilmentedeixará de ser, o suporte de interesse da música, ao menos para o povo. 57 

    Tudo isso exposto, a harmonia musical deve ser interpretada

    legalmente como um sistema ou esquema musical, definições também

    dispostas no Art. 8, I e II da Lei nº 9610/98 em que não é conferida a

     proteção autoral. Não é por outro motivo que aquelas já existentes podem (e

    comumente são) ser utilizadas livremente no processo de composição

    musical.

    Se a harmonia  representa o tecido musical, a melodia  pode ser

    considerada o bordado que sobre ele se desenha. Este é sem dúvida o

    elemento musical mais sensível pois se apresenta geralmente em alto relevo

     para a audição. Sem grandes problemas pode-se afirmar que é justamente

    ela que ajudará a curar a dores de quem sofre, dará aqueles que amam mais

    amores e aos que precisam mais paz no coração. Os afetos segundo os

    quais determinado ouvinte interpretará as notas musicais que se lhe

    apresentam tendem a ser os mais naturais possíveis, posto que a melodia

    não precisa ser traduzida e , em termos fisiológicos, ela é naturalmente

    absorvida por qualquer sujeito58. Para sua construção o compositor deve

    escolher dentre infinitas justaposições sonoras possíveis, uma que

    57 ABREU, Edman A. O plágio em Música. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 117. 58  Não se pretende defender aqui que um aborígene australiano interpretará uma melodia de

     Mozart como o fará um aristocrata austríaco. O que se quer evidenciar, por outro lado, é que amelodia, tida como elemento musical mais representativo, não dependerá do prévio conhecimento

    de símbolos específicos por aqueles que a escutam para ser assimilada. E talvez seja justamente por esse motivo que a probabilidade destes indivíduos serem tomados por emoções semelhantes aoescutar, por exemplo, uma peça de suspense do mencionado compositor.

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    represente o seu ânimo criativo pois ―Só há cinco notas musicais, mas quem

     jamais ouviu todas as melodias que podem resultar de sua combinação?‖59 

    Mais um instante de reflexão revela as divergências essenciais: não somente as

    obras musicais destinam-se a ser executadas, enquanto que somente as obrasdramáticas têm a mesma vo