Direitos à Floresta

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  • Introduo

    Os seringueiros amaznicos eram invisveis

    no cenrio nacional nos anos de 1970. Comea-

    ram a se articular como um movimento agrrio no

    incio dos anos de 1980, e na dcada seguinte con-

    seguiram reconhecimento nacional, obtendo a im-

    plantao das primeiras reservas extrativas aps o

    assassinato de Chico Mendes. Assim, em vinte anos,

    os camponeses da floresta passaram da invisibili-

    dade posio de paradigma de desenvolvimento

    sustentvel com participao popular. Este texto

    narra essa surpreendente transio com base nas

    trajetrias de alguns lderes e nas estratgias por

    eles utilizadas para dar ao movimento social visibi-

    lidade em escala nacional e internacional, conec-

    tando suas reivindicaes agrrias a temas am-bientais de interesse mais geral.

    Como se deu a transio? Tratou-se de umjogo de aparncias por meio do qual lderes sin-dicais manipularam o discurso hegemnico paramascarar a defesa dos seus interesses corporati-vos; em outras palavras, de uma manobra tticaambientalista para realizar uma estratgia de lutaagrria? Ou ser que, ao contrrio, observamosaqui um jogo de linguagem no qual se afirma,pela cooptao dos agentes locais, a hegemoniadiscursiva do desenvolvimento sustentvel, doempoderamento e de outros topoi da agendados bancos multilaterais, nas linhas sugeridas porEscobar (1995)?

    De fato, a histria do movimento dos serin-gueiros forneceu material para concluses vrias.Foi narrada por intelectuais aliados como exem-plo de como os interesses de um grupo subalter-no e economicamente marginal podem coincidir

    DIREITOS FLORESTA EAMBIENTALISMO:SERINGUEIROS E SUAS LUTAS

    Mauro W. Barbosa de Almeida

    Artigo recebido em outubro/2003Aprovado em abril/2004

    RBCS Vol. 19 n. 55 junho/2004

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    com os interesses gerais da sociedade (cf. Alle-gretti, 1990; Schwartzman, 1989; Almeida, 1990).Nessa mesma linha de raciocnio, as estratgiassociais e ambientais de povos da floresta torna-ram-se paradigmticas na literatura dos anos de1990 sobre movimentos de resistncia ecolgica.1

    Outros observadores, mais crticos, partiram dopressuposto de que os chamados povos da flo-resta seriam simplesmente pessoas pobres priva-das da oportunidade de viver em outros lugarescomo agricultores ou como assalariados urbanos,sendo condenados a uma marginalidade involun-tria.2 H os alegam que as exigncias de terraformuladas pelo movimento de seringueiros soexageradas, ou que a atividade extrativa dos se-ringueiros economicamente invivel, ressusci-tando uma antiga identificao entre extrativismoe predao. Finalmente, h quem veja em toda aexigncia de reservas extrativistas uma conspi-rao de pases ricos para bloquear o desenvolvi-mento da fronteira amaznica (Carneiro da Cunhae Almeida, 2000; Almeida e Carneiro da Cunha,2001). Na posio defendida por Escobar, comomencionamos, o discurso do desenvolvimentofuncionaria como uma estratgia de poder sobreas populaes perifricas; para outros, os efeitosdessa estratgia incluiriam o deslocamento daao poltica para um plano secundrio (Fergu-son, 1990). Se essas vises estiverem corretas, en-to a alternativa para grupos subalternos e margi-nalizados seria ou manter sua marginalidadecomo estratgia de resistncia, ou aceitar uma in-tegrao passiva e manipulada nas estruturas depoder globais.

    A discusso resulta em parte, talvez, dofato de que a reivindicao dos seringueiros transformao de grandes reas de floresta emreas pblicas para uso coletivo segundo prti-cas tradicionais teve um relativo sucesso.Como reconhecer a validade dos argumentosambientalistas dos seringueiros, e como conci-li-los com a sua condio de pobreza e margi-nalidade? Como justificar a pretenso dos serin-gueiros sobre territrios? No fundo, umaquesto que est em jogo aqui a do papel edo potencial de grupos minoritrios no contex-to global. Anna Tsing (1993), em um livro sobre

    os Dayak de Kalimantan (Indonsia), sugeriuque a marginalidade (no sentido espacial e so-cial) seria uma estratgia contra o desenvolvi-mento imposto de fora, na qual o discurso de-senvolvimentista seria de fato apenas parodiado.

    Seria esse o caso dos seringueiros? Acreditoque no. Primeiro, porque os seringueiros tentaramsair da marginalidade para a visibilidade. Segundo,porque, ao fazer isso, vrios lderes seringueirasapropriaram-se de parte do discurso ambientalis-ta/desenvolvimentista, no para parodi-lo, maspara, de fato, incorpor-lo em suas prprias con-cepes e prticas locais, atribuindo a esse discur-so novos significados. Ao faz-lo, redefiniram suamaneira anterior de agir, mas o fizeram conformecritrios estabelecidos em tradies e costumesprprios; ao mesmo tempo redefiniram sua rela-o para com a sociedade, construindo para si umnicho onde pudessem ser reconhecidos, comopovos da floresta, com direitos agrrios e sociaisreconhecidos como legtimos.

    Schmink e Wood (1992), comentando nosanos de 1990 o relativo xito do movimento dos se-ringueiros, apontaram para o fato de que a comple-xidade da conjuntura mundial criou novas oportu-nidades para que os grupos locais conquistassemvitrias, imprevistas por uma viso determinista dahistria. Com efeito, em um contexto de expansoagressiva do capitalismo no possvel prever oque ocorrer em um local particular, em uma lutaparticular que envolva um sujeito histrico espec-fico. Surgem, assim, espaos de relativa liberdadepara conduzir conflitos em direes historicamentecriativas, construdas como resultado de discussese choques entre vozes, representadas por gruposde explorados e poderes externos. Em conseqn-cia, ocorreram eventos inesperados que apenas emretrospecto, parecem ser evidentes e previsveis (Al-meida, 1993).

    Neste texto tratarei do perodo entre 1982 e1992.3 Em vez do problema de quem age sobrequem, de quem sujeito manipulador e quem objeto de manipulao, indago, maneira deJean-Paul Sartre, o que os agentes da histria lo-cal fizeram daquilo que a histria fez com eles.Para isso, narrarei uma srie de episdios queocorreram em trs escalas amaznicas: no nvel

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    local do municpio remoto de Cruzeiro do Sul,no cenrio nacional-internacional que vai de Bra-slia a Washington e na arena regional do estadodo Acre, que interliga esses dois nveis. Trs pes-soas conduziro essas narrativas: Chico Ginu, se-ringueiro, delegado sindical, organizador de as-sociaes e dirigente regional; Chico Mendes,seringueiro, sindicalista, militante partidrio eambientalista; e Antonio Macedo, seringueiro, pi-loto fluvial, mecnico de mquinas pesadas, ser-tanista e indigenista, dirigente poltico, lder ms-tico e agitador revolucionrio.

    Com essas narrativas, todas baseadas na mi-nha experincia pessoal, pretendo dar um exem-plo de como atos e crenas da periferia articulam-se com polticas e agendas mundiais, em umdesenvolvimento combinado e desigual. O sig-nificado dessa frase foi dado por Trotsky no bri-lhante primeiro captulo da sua Histria da Revo-luo Russa:

    Um pas atrasado assimila as conquistas materiais

    e intelectuais dos pases avanados. [...] Embora

    forado a seguir os pases avanados, um pas

    atrasado no faz as coisas na mesma ordem. O

    privilgio do atraso histrico e tal privilgio exis-

    te permite, ou melhor, impe, a adoo do que

    estiver disponvel, antes de qualquer data previa-

    mente especificada.

    E prossegue:

    [] O desenvolvimento de naes historicamen-

    te atrasadas leva necessariamente a uma combi-

    nao peculiar de diferentes etapas no processo

    histrico. O seu desenvolvimento como um todo

    adquire um carter no-planejado, complexo,

    combinado (Trotsky, 1967 [1930]).

    O carter no-planejado, complexo, combi-nado de fato caracterstico das histrias que seseguem. Seria fcil suprimi-lo com uma narrativanica que retrospectivamente fizesse com que oseventos ilustrassem uma tendncia que s depoisse concretizou. Mas o caso do movimento dos se-ringueiros, que se auto-organizou a partir de pla-nos desconectados, realizados em diferentes esca-

    las, que s depois se combinaram para adquirirum lugar de destaque no cenrio poltico-ambien-tal, se torna mais compreensvel como ilustraodo potencial criativo de processos que nascem desituaes de desordem, e em que, como resulta-do, uma periferia aparentemente passiva se afir-ma como fronteira ativa.

    Por que no planejado, ou, melhor ainda,no previsto? A Amaznia, na dcada de 1970, pa-recia seguir um curso histrico terrivelmente pre-visvel: o caminho da modernizao capitalistaorientado para ocupar espaos vazios sob a dire-o de um bloco formado pela ditadura militar epor classes dominantes ansiosas por lucros rpi-dos na fronteira. Numa economia em rpida ex-panso, financiada pelo capital financeiro interna-cional, com uma geografia poltica dividida entreterras monopolizadas pelo grande capital e terraslivres ocupadas por ndios e caboclos, o cenrioda acumulao primitiva parecia irreversvel, nosentido dado a esse termo por Marx, qual seja, oda separao entre comunidades e a natureza, se-guida do surgimento simultneo de uma classe deproletrios sem terra e da terra como meio deproduo. Desse cenrio resultaria a inevitvelaniquilao dos ndios, primeiras vtimas do mila-gre (Davis, 1977). Quanto aos camponeses da flo-resta amaznica categoria que inclui caboclosdestribalizados desde as guerras indgenas do s-culo XIX e sobreviventes dos migrantes trazidospelos ciclos de coleta , que se denominam serin-gueiros, caadores e pescadores, barranqueiros-agricultores, pequenos arteses e mestres-ferrei-ros, remeiros e pilotos fluviais, eles, at o incioda dcada de 1980, eram praticamente desconhe-cidos tanto na esfera governamental como na lite-ratura acadmica que discutia intensivamentea fronteira amaznica. As questes relativas fronteira identificavam-se com o problema dosposseiros. Seringais eram tema de histria ou defarsa (Nugent, 1993).

    Durante a dcada de 1980 a histria na re-gio no se desenvolveu conforme esse cenrio,pelo menos em seus detalhes. evidente que oEstado brasileiro no abandonou sua agenda de-senvolvimentista para a Amaznia. Mas as vtimas

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    passivas se revelaram ativas. Os ndios deixaramde ser vistos apenas como vtimas e passaram aagentes que, em uma srie de contra-manobras,ganharam territrios e direitos civis. Os seringuei-ros e outros camponeses da floresta perderam ainvisibilidade e, em outra srie de manobras, ga-nharam o direito de posse coletiva de florestas.Muitos so escorraados de suas terras, no maispor fazendeiros, mas pelo prprio Estado conser-vacionista, o que paradoxal porque outros per-manecem em suas terras exatamente porque alegamser conservacionistas. Como Trotsky se expressou, ofato que a histria dessa dcada se caracterizouna regio por reviravoltas complexas e no pla-nejadas, e o resultado aparece como conjunturasvividas na forma de conflitos locais que no po-deriam ser previstos.

    1870-1980: antecedentes daRevoluo no Rio Tejo

    Encontrei os seringueiros pela primeira vezno trecho do rio Juru que corre no interior do es-tado do Acre, conhecido ali por Alto Juru. Anode 1982, rio Tejo, ltimo grande afluente do Juruem territrio brasileiro, a meio dia de barco a mo-tor da fronteira peruana. Nas cabeceiras do Tejo,ento representado nos mapas do DNPM e doIBGE como despovoado, descobri, aps uma pri-meira viagem exploratria, que havia uma popu-lao de seringueiros ativos, e que o prprio Tejoera chamado de rio de borracha no municpio deCruzeiro do Sul. Da mesma forma, o Riozinhoda Restaurao era o ltimo importante igarap deseringueiros no corao do rio Tejo.4

    Os primeiros seringueiros e posseiros de se-ringais haviam chegado ao rio Tejo na dcada de1890, em florestas contestadas entre Peru e Bol-via, habitadas at ento pelas populaes nativasde lngua Pano, sobre cuja organizao social emodo de vida na poca pouco se sabe hoje emdia. O territrio acima do rio Tejo, a partir do rioAmnia, era, no final do sculo XIX, uma zona deningum, onde seringueiros brasileiros e especu-ladores em busca de novos seringais, dirigindo-se

    ao sul rio acima, chocavam-se com os caucherosperuanos que se dirigiam ao norte, rio abaixo, embusca de novos cauchales. frente dos seringuei-ros e dos caucheros, conforme Euclides da Cunhaobservou com detalhes em Contrastes e confron-tos, podia-se observar diferentes caractersticasecolgicas e sociais. Do lado dos seringueiros, naregio que vai mais ou menos at onde passahoje a fronteira entre Peru e Brasil, a floresta erarica em seringueiras, rvores de diferentes esp-cies pertencentes ao gnero Hevea (Emperaire eAlmeida, 2002). Do lado dos caucheiros no ha-via seringueiras, mas rvores de caucho, perten-centes ao gnero Castilloa. O fato de que a fron-teira entre Peru e Brasil coincide hoje, em termosgerais, com uma fronteira botnica, no se deve auma coincidncia, pelo menos em relao aoAcre ocidental. Tratou-se de um artefato do pro-cesso histrico pelo qual as florestas que so hojeacreanas, em terreno inexplorado mas disputadoentre Peru e Bolvia, foram acrescentadas ao ter-ritrio brasileiro em 1903 (tratado Brasil-Bolvia) eem 1909 (tratado Brasil-Peru), com base na ocu-pao por seringueiros que se orientavam pelabusca de Hevea e no de Castilloa. A geopolticada fronteira amaznica, desde ento, entremeava-se com a biogeografia econmica.

    Os brasileiros migrantes, procurando a valio-sa Hevea brasiliensis, que gerava o produto Acrefina melhor borracha no mercado mundial , ig-noravam tanto as fronteiras mal conhecidas, comoa borracha inferior da Castilloa elastica. Em con-traste com os cauchais, onde caucheiros itineran-tes acampavam para derrubar rvores de cauchoe extrair de cada uma delas, de uma s vez, cer-ca de 30kg de ltex, at esgotar as rvores e se-guir adiante, os seringais constituam-se em pos-ses florestais que tinham valor permanente paraseu dono virtual,5 j que nelas a Hevea de vriasespcies podia ser explorada por tempo indefini-do. Portanto, nos seringais podia se instalar umapopulao sedentria de trabalhadores, em con-traste com a populao nmade dos cauchais.

    A diferena ecolgica e econmica entre se-ringais e cauchais era acompanhada de contrastestnicos. Nos cauchais empregava-se mo-de-obraindgena, que era explorada de modo to brutal e

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    temporrio quanto as prprias rvores de caucho,sendo exemplo disso as atrocidades do Putumayoe outras menos clebres de Madre de Dios/Ma-mor. J nos seringais do Acre, a mo-de-obra eraconstituda de imigrantes nordestinos; a popula-o indgena local foi vtima das atrozes corre-rias, em que os ndios eram aniquilados no emfuno da submisso disciplina do trabalho for-ado, mas para dar lugar aos imigrantes brasilei-ros. Os territrios de floresta tinham valor eleva-do, porque geravam renda e lucros especulativos,mas tambm a prpria mo-de-obra, trazida comalto custo, no poderia ser pura e simplesmentetrucidada como o foram os indgenas.6

    A economia extrativa dos seringais amazni-cos semelhante de outros sistemas de trabalhoem que extratores detm autonomia para explo-rar recursos naturais e se vinculam a postos de co-mrcio com os quais se mantm em dvida crni-ca.7 Cada seringueiro explorava pelo menos umaparelha de estradas de seringa, que ligavam a cla-reira residencial aos seringais. Dois ou trs serin-gueiros podiam ocupar o conjunto estradas que,partindo da clareira, cobriam o territrio de umacolocao, limitado pelas estradas de outras colo-caes. O posto de comrcio barraco adian-tava mercadorias a esses trabalhadores isoladosna mata, as quais deveria ser pagas ao final da es-tao de trabalho fbrico, o que significa queeles estavam em dbito quase permanente comos barraces.

    Os barraces localizam-se em barrancos dorio, cercados de floresta, a distncias variveis decada colocao dos seringueiros, que no rio Tejopodiam visit-los a p, nos finais de semana. Ha-via tanto uma lgica hdrica no acerto das con-tas uma nica vez durante o ano, como uma lgi-ca poltica. A borracha era feita em plas quepesavam cerca de 60kg e eram difceis de trans-portar nas costas pelos caminhos da floresta. Porconta disso, elas eram levadas uma vez por ano aobarraco durante as alagaes, que transformavamos rasos espelhos dgua que margeavam as colo-caes em caudalosos igaraps. Dos barraces, asplas flutuavam rio abaixo, amarradas umas s ou-tras formando balsas enormes, at Cruzeiro do Sul,e dali continuavam em vapores e depois em ferry-

    boats at Belm, de onde eram embarcadas paraportos britnicos e norte-americanos. Era tambmdurante o auge do perodo das alagaes quenavios, lanchas e grandes bateles podiam aportaraos barraces distantes, levando mercadorias pe-sadas e de grande volume, como sal, acar, sa-bo, gasolina, chumbo e ferramentas. Do encon-tro desses dois movimentos, um formado peloproduto-borracha, outro pela mercadoria, resulta-va um balano que, na maioria dos casos, signifi-cava dbito, mas que, em alguns casos, poderiaconstituir um crdito. No obstante o tipo de re-sultado, era dessa forma que se estabelecia, aolongo dos anos, a relao credor-devedor, fornece-dor-produtor, patro-seringueiro. Tratava-se, pois,de uma economia de dbito e crdito generaliza-dos, a qual formava uma rede que ligava no ape-nas seringueiros a patres, mas tambm patresmenores a patres maiores, at chegar s casas im-portadoras-exportadoras; estas, por sua vez, eramdevedoras de empresas internacionais que com-pravam a borracha.

    Esse sistema foi capaz de expandir a ofertade borracha silvestre sem aumento de produtivi-dade, chegando a um teto, por volta de 1912, decerca de 40 mil toneladas na Amaznia. Isso foiobtido por meio da expanso da rea abrangidapelo sistema de adiantamentos, e que requeriaum aumento contnuo de trabalhadores, o que pro-vocava, por sua vez, um custo de transporte cadavez maior. Essa expanso espacial e numrica foisustentada por preos que cresciam regularmen-te, com ligeiras flutuaes, de 1850 at 1910.

    Contudo, esse crescimento sustentado depreos estimulou tambm a busca de alternativas borracha silvestre, centrada na domesticao daseringueira e no estabelecimento de plantaesde seringueiras uma empresa realizada pela In-glaterra, principal pas comprador da borracha ex-trada das selvas amaznicas. Tratava-se de umaluta para a domesticao da floresta e para o con-trole do trabalho, a qual resultou afinal, para usaro vocabulrio de Marx, na subordinao real danatureza e do trabalho ao capital. Entretanto, issoocorreu nas colnias inglesas da sia, e no naAmaznia, onde nem o trabalho nem o capital semostraram dceis a esse tipo de subordinao.

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    Em 1912, a Amaznia brasileira atingiu amarca de produo de 42 mil toneladas de borra-cha. Contudo, neste mesmo ano, as plantaes daMalsia comearam a inundar o mercado com asprimeiras safras da borracha de seringueiras do-mesticadas, descendentes clonadas do germoplas-ma retirado de centenas de milhares de sementesde seringueira, que seguiam do porto de Belmdiretamente para Kew Gardens, os Jardins Botni-cos Imperiais da Inglaterra, ainda no sculo XIX.O que eram 42 mil toneladas extradas da flores-ta amaznica em 1914 diante das 400 mil tonela-das produzidas pelas plantaes asiticas por vol-ta de 1920, a preos muito menores? O capitalhavia domesticado a natureza, infelizmente nona Amaznia, mas na sia.

    Ou deveramos dizer felizmente? Isso de-pende do ponto de vista. Os seringueiros da basedo sistema do aviamento eram devedores, masno credores, porque no havia ningum abaixodeles na cadeia do aviamento. Os credores defato foram falncia porque no era possvel,numa conjuntura de queda abrupta de preos,continuar fornecendo aos elos inferiores da ca-deia de endividamento para continuar a pagar aoselos superiores. Os seringueiros no poderiam fa-lir, mas seus patres, sim (cf. Weinstein, 1983).Muitos deles livraram-se assim de seus antigos pa-tres, que abandonaram a explorao dos serin-gais ou suspenderam o monoplio rgido sobre ocomrcio simplesmente porque no podiam maisabastecer os trabalhadores.8

    Voltemos ao cenrio do rio Tejo. A empresaMello & Cia., que havia comprado o conjunto dosseringais do Tejo e arredores numa especulaoinfeliz em 1910, faliu em 1916, passando a pro-priedade a outra empresa de Belm, Nicolau &Cia, que, por sua vez, faliu em 1936 (cf. PantojaFranco, 2001). Nesse meio tempo, porm, os se-ringueiros j haviam sido liberados para usar afloresta em lavouras alimentares, ou obter da caae da pesca sua alimentao. Nesse novo quadroeconmico, os seringais tornaram-se unidades eco-nmicas quase auto-suficientes sob o ponto devista alimentar, reduzindo assim ao mnimo aquantidade de mercadorias que precisavam com-prar do exterior (sal, munio, tecido e instrumen-

    tos de trabalho). Pode-se dizer que os seringaissobreviveram ao se converter em economias du-ais, para usar a expresso formulada por Boeke,Celso Furtado e Keith Hart, respectivamente paraos casos na Indonsia, no Brasil e na frica. Essetipo de economia continha um setor exportador eum setor de subsistncia. Durante as crises demercado, ocorria a contrao do primeiro e, con-seqentemente, a expanso do segundo; em pe-rodos de preos favorveis, dava-se justamente ocontrrio, retrao do setor de subsistncia e am-pliao do setor exportador. Um trao caracters-tico de tais sistemas que podem sobreviver in-definidamente, mantendo a estrutura invariante, masregulando suas propores existentes entre suaspartes (Boeke, 1953; Furtado, 1959; Hart, 1982).

    A partir de 1936, aps a falncia da Nicolau& Cia., o proprietrio Mauricio Quirino perma-neceu, isoladamente, como o dono virtual de i-mensas reas de seringais. Esses seringais, quena poca nada valiam como terra, tornaram-se,por assim dizer, senhorios feudais onde os pa-tres eram sustentados pelo pagamento de ren-das em espcie e em trabalho prestadas porcamponeses da floresta que, por sua vez, se sus-tentavam como agricultores e caadores. Muitosbens de consumo passaram a ser fabricados porartesos locais, ou seja, houve uma reduo degastos com importao concomitante a uma pro-duo exportadora que ocupava agora apenasparte da semana de trabalho. Assim, as famliascresciam, a agricultura florescia, e os novos cam-poneses podiam ampliar seus conhecimentosprticos e msticos sobre a floresta, em alguns ca-sos unindo-se a mulheres indgenas, dando incioa verdadeiras dinastias de seringueiros cabocloscomo se encontram no Tejo hoje em dia. Cadanicho da floresta tinha uso, desde as vrzeasinundadas at as florestas de terra firme, nessaeconomia regional emergente.

    A histria da converso de proletrios emcamponeses, numa Amaznia isolada do mercadomundial, no termina a. O processo que descre-vemos ocorreu durante a crise aguda de reduode preos dos anos de 1920 e 1930, quando mes-mo a economia das plantaes asiticas se viuatingida pela superproduo. Na dcada de 1940,

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    porm, a Segunda Guerra Mundial fechou aos Es-tados Unidos, ento o principal importador, asportas das plantaes asiticas. Localizadas emcolnias inglesas, francesas e holandesas, estavamagora, em sua maioria, ocupadas pelo Japo im-perial. Nessa conjuntura de guerra, qualquer fon-te de borracha de curto prazo era essencial. Masas plantaes levam uma dcada para se desen-volver, e a borracha dos seringais nativos podiaentrar em produo imediatamente, bastando quehouvesse braos e capital para injetar nova vidaao velho sistema do aviamento. Assim, iniciou-sea Batalha da Borracha na Amaznia. Os EstadosUnidos fizeram um acordo com o governo de Var-gas para obter borracha da floresta. O governobrasileiro, em uma operao de envergadura, pas-sou a atuar como aviador principal em escala na-cional, financiado pelos Estados Unidos, recrutan-do nesse momento uma segunda leva de migrantesentre camponeses pobres da Amaznia. Os pa-tres locais viram-se fortalecidos subitamente comcapital e poder. Aos seringueiros prometiam-seganhos rpidos e benefcios comparveis aos dossoldados. Mas de fato seus contratos sujeitavam-nos a uma condio de trabalhadores coagidos auma jornada semanal de seis dias nas estradas deseringa, impedidos de abandonar o trabalho en-quanto estivessem endividados condies essasexpressas por escrito, nas cadernetas dos serin-gueiros. O trabalho escravo foi, assim, recriado naAmaznia brasileira pelo prprio Estado, comapoio norte-americano.

    A batalha da borracha constituiu um fiasco.Os seringueiros no produziram o que se espera-va. O trabalho coagido reintroduzido na Amaz-nia, apoiado no acordo entre Brasil e Estados Uni-dos, no conseguiu fazer com que os seringueirosproduzissem acima no nvel que fora atingido noincio do sculo. Apesar das intenes do acordoe das condies expressas nas cadernetas, os tra-balhadores recaam nos baixos nveis de produ-o dos seringueiros do Entre-guerras. No perododa Primeira Guerra Mundial, os seringueiros ha-viam se convertido em camponeses; os recm-chegados da Segunda Guerra Mundial encontraramem plena operao essa economia florestal-campo-nesa, e se incorporaram a ela. Nesse cenrio, como

    j mencionado, um seringueiro com famlia traba-lhava no setor exportador, isto , nas estradasde seringa, em jornadas mdias de quatro diaspor semana. Formalmente, ele trabalhava comoum trabalhador autnomo em estradas de serin-ga pelas quais pagava renda em produto-borra-cha; no restante da semana, trabalhava como ca-ador ou em seus roados. Esse regime duravacerca de nove meses; nos demais meses do ano,a famlia dedicava-se a cultivar os roados, ou aoutras atividades.

    As famlias de seringueiros viviam em colo-caes distantes dos barraces, com os quais ti-nham contatos espordicos. Como, ento, contro-lar diretamente esses trabalhadores que utilizavamrecursos da floresta com base no trabalho familiar,longe da presena dos empregados? Um chefe defamlia seringueiro utilizava cerca de 400 hectaresda floresta, para extrair ltex de cerca de duas es-tradas contendo aproximadamente trezentas se-ringueiras dispersas em uma floresta de colinas epequenos vales, de vrzeas e plats, de matasdensas ou abertas com palmeiras, cips e bam-bus. Essas colocaes ficavam a cerca de umahora ou duas umas da outras. Um seringal comsetenta chefes de famlias, dispersos por 25 ou 30colocaes, ocupava uma extenso de cerca de30 mil hectares de floresta, entrecortada por in-meros caminhos e atalhos. Estava, pois, forade questo fiscalizar diretamente a rotina diria detrabalho. No era possvel impedir as famliasde implementar roados e fazer farinha, e menosainda de caar para seu sustento: isso era uma es-pcie de direito adquirido. O que se podia fazerera o controle do volume de borracha, mas mes-mo neste aspecto a rede de comrcio clandestinonas fronteiras de seringal tornava inevitvel ocontrabando de borracha. Disso resultavamconflitos crnicos entre patres e regates, pa-tres e seringueiros. Mas a escassez de braos,numa economia que precisava absolutamente demo-de-obra para funcionar, sem ter nenhumainovao tcnica que a substitusse, favorecia, emcerto sentido, os prprios seringueiros. Os pa-tres do rio Tejo, que nos anos 1980 se localiza-va no municpio de Cruzeiro do Sul, no tinhamcontato com os patres do rio Tarauac, cujos

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    seringais eram lindeiros com os dos fundos doTejo. Tratava-se de uma zona de contrabandoregular. Os seringueiros acreanos sobreviveramao colapso do primeiro ciclo da borracha anterior Primeira Guerra Mundial, atravessaram o pero-do entre as guerras tornando-se camponeses e re-sistiram s tentativas de reproletariz-los sob o co-mando norte-americano no perodo posterior Segunda Guerra Mundial. Todas essas fases pude-ram ser observadas na regio do rio Tejo.

    Na dcada de 1970, porm, a Amazniacomo um todo foi objeto de um vasto movimen-to de ocupao conduzido pela ditadura militar,visando tanto a incorporar seus recursos naturaisna economia capitalista nacional e internacional,como a resolver o problema agrrio do sudeste edo nordeste do pas. As estradas e os incentivosfiscais que acompanharam essa investida capita-lista no chegaram at o rio Juru. Mas a especu-lao fundiria, sim. Dessa forma, o remoto cursodo alto rio Juru, onde desemboca o rio Tejo, eque em 1936 passara das mos de uma compa-nhia do Belm do Par para um proprietrio lo-cal, Maurcio Quirino, foi comprado por volta de1980 pela empresa paulista Santana AgropastorilLtda. Apesar de no incidirem sobre ttulos vli-dos, essas negociaes significavam direitos defato sobre o territrio e a expectativa de futura re-gularizao fundiria, anunciada na poca peloIncra e iniciada em 1982. A empresa paulista pas-sou a arrendar os seringais do rio Tejo por pero-dos trienais para seringalistas locais interessadosem lucros rpidos. Vale lembrar que na primeirametade da dcada de 1980 estava em vigor o Pro-bor II, generoso esquema de financiamento pbli-co de seringais.

    Um dos comerciantes do municpio de Cru-zeiro do Sul que se aproveitou da oportunidadefoi Orleir Cameli, que arrendou o rio Tejo em1985. Contudo, em 1986 comeou a mudar a po-ltica econmica de subsdios e de preos adminis-trativos, instaurada aps o trmino da SegundaGuerra Mundial. Por volta de 1987, com o contra-to de arrendamento prestes a expirar, e com o in-cio do desmantelamento das polticas federais quehaviam no passado sustentado os preos da bor-racha extrativa, Orleir Cameli perdera o interesse

    no antigo negcio. Dono de serrarias e de meiosde transporte fluvial, entre outros negcios, Came-li planejava por essa poca explorar o mogno dorio Tejo. J havia sobrevoado o rio de helicptero,enquanto outra equipe percorria a floresta a pcom o propsito de avaliar os melhores locais paraestabelecer postos de operao da nova empresa.Nos anos anteriores, o mesmo Cameli havia devas-tado as matas do vizinho rio Amnia, ocupado pe-los ndios Ashaninka, com tratores pesados, pararetirar madeira. Era o cenrio clssico da fronteiracapitalista em aproximao, com os seus tpicosingredientes de manipulao de ttulos de terra,depredao da floresta e expulso de moradorestradicionais. A estrutura amaznica de capitalismoselvagem tomava o lugar dos velhos seringais de-cadentes. Esse processo foi visto pelos moradorescomo a chegada dos maus patres e a depredaodas estradas de seringa.

    Conflitos no Rio Tejo: Chico Ginu

    O rio Tejo pertencia ao municpio de Cruzei-ro do Sul no oeste acreano e contava com um Sin-dicato de Trabalhadores Rurais desde 1979, resul-tado de um processo de sindicalizao conduzidopor Joo Maia. Em 1981, havia delegados sindicaisem regies banhadas por dois afluentes do rioTejo rio Bag e Riozinho da Restaurao , al-guns deles com experincia na Revolta do Ala-goas, uma greve de seringueiros do municpio vi-zinho de Tarauac, num seringal cujos fundoseram os divisores de gua do alto Tejo. Os mora-dores pobres, e mesmo os patres menores, viamesses delegados com respeito, como representan-tes de uma instituio desconhecida, mas que eraapoiada pelo governo federal e pelas leis. O prin-cipal delegado sindical no alto Tejo, no Riozinhoda Restaurao, chamava-se Joo Claudino, umseringueiro que viera com alguns companheirosdo seringal Alagoas.

    Em 1982, quando cheguei no Riozinho daRestaurao, a reputao de Claudino era imensa.No ano anterior, contavam, ele havia liderado umgrupo de seringueiros numa demonstrao de for-a junto ao barraco, e, em conseqncia, haviam

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    conseguido a reduo ou o cancelamento de al-gumas delas, como forma de compensar as injus-tias. Lembremos que desde 1980, com o faleci-mento de Armando Geraldo, o alto Tejo, cujosproprietrios moravam em So Paulo, encontrava-se sem patres fortes. O patro local, Valdemar,teve, ento, de ceder s exigncias dos seringuei-ros, segundo alguns relatos, rangendo os dentes.O prprio Valdemar contou-me as humilhaespor que passou, tendo que aceder a reivindica-es dos fregueses.

    Joo Claudino foi mais longe. Instruiu os se-ringueiros para que parassem de pagar a rendadas estradas de seringa, j que os patres nuncahaviam exibido documentos de propriedade.Claudino comeou tambm a construir uma enor-me casa de madeira, cercada por um grande ro-ado de mandioca. A casa serviria como hospeda-ria e local de reunies do sindicato, e o roadoproporcionaria alimento. Alm disso, sugeriu umacoleta para comprar um batelo, com o qual osseringueiros poderiam levar sua borracha de sal-do para vender diretamente na cidade.

    As aes de Joo Claudino feriam dois dog-mas centrais no sistema de seringal: o monopliocomercial e a renda das estradas de seringa. Em1982, Sebastio Correa, comerciante urbano, visi-tou o Tejo para operaes comerciais de regato,sabendo de antemo que o rio estava semdono. No mesmo ano, voltou ao Tejo, agora paraocupar o barraco da Restaurao como um novopatro forte. A princpio Sebastio Correa pare-ceu tolerar Joo Claudino. Os seringueiros depara-ram-se, no primeiro ano, com um barraco abar-rotado de mercadorias, e o prprio Joo Claudinofoi estimulado a comprar fiado. Ao mesmo tem-po, em Cruzeiro do Sul, o presidente do sindica-to de trabalhadores rurais avisou Claudino de quea renda da estrada de seringa era sagrada. Se-bastio ofereceu a Claudino a funo de cobrar arenda de 1983, e Claudino, j muito endividadocom o novo patro, aceitou. Mas Sebastio ins-trua os seringueiros a no pagarem a Claudino.Como conseqncia, no final de 1983, Claudino,bastante endividado, aceitou a oferta de Sebastiopara deixar o seringal e assumir o posto de admi-nistrador de outro seringal. Com isso, o sindicato

    sofreu uma desmoralizao aguda: todos os serin-gueiros sabiam que o presidente do sindicato ha-via sido comprado pelo novo patro.

    Entretanto, Claudino tinha seguidores no in-terior do sindicato. Um deles era Chico do Ginu,um seringueiro humilde originrio de uma famliade migrantes cearenses e mulheres indgenas, ha-bitantes do rio Manteiga, vizinho ao Riozinho daRestaurao. Chico do Ginu, ou simplesmente Chi-co Ginu, nunca se deixou subornar, dando conti-nuidade atividade sindical que aprendera comClaudino. Em 1985, Sebastio Correa deixou o se-ringal e foi sucedido por Orleir Cameli como ar-rendatrio da Santana Empreendimentos. No anoseguinte, temendo no receber as dvidas dos se-ringueiros ao fim do perodo de arrendamentotrienal a forma de obter aumento de produoera encher o barraco de mercadorias e criar dvi-das elevadas nos primeiros anos , Cameli contra-tou uma equipe de soldados de Cruzeiro do Sul,que, durante os momentos de folga, passou a agircapitaneada pelo capataz Manuel Banha. Essatropa pseudo-policial comeou a cobrar as dvidascom violncia nas prprias casas dos seringueiros,levando, quando achavam necessrio, bens comoforma de pagamento forado, como mquinas decostura e at vacas leiteiras, espancando morado-res e interrogando crianas para relevar esconde-rijos de borracha. Quando visitei o rio Tejo entrejulho e agosto de 1997, o sindicato tinha readqui-rido respeito, porque Chico Ginu, mobilizando umgrupo de seringueiros, conseguira a retirada dessatropa. Utilizando uma ttica empregada em 1981por Joo Claudino, o grupo reunia-se na sede dobarraco. Diante de aproximadamente cinqentaseringueiros (vale lembrar que todo seringueiroandava armado pelos caminhos da floresta, comfaca e talvez espingarda), a tropa de meia dzia depoliciais em funo ilegal recuou e retirou-se doseringal. Era uma nova demonstrao de fora dosindicato junto ao barraco.9

    Acompanhei algumas das reunies sindicaisde Ginu nas matas do rio Manteiga e do Riozinhoda Restaurao, durante o perodo que l permane-ci. Um dos motivos de preocupao de Ginu era afalta de zelo dos novos patres para com o serin-gal. Cameli estava mais interessado em madeira do

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    que em borracha. Os seringueiros eram estimula-dos a procurar o mximo de leite das seringueiras,mesmo que para isso tivessem de destruir as rvo-res. Mas Ginu dizia nas reunies que quem matavaassim as seringueiras estava matando a prpriame, que os havia criado com seu leite. Ele re-preendia os ambiciosos, lembrando a eles as obri-gaes de zelar pelas estradas, como se, na ausnciade outra autoridade, o sindicato fosse responsvelpor proteger a floresta. Em suas palavras: De que osfilhos e netos viveriam no futuro?.

    Dizia-se que a me da seringueira mostravana bela face as cicatrizes do tratamento por mausseringueiros, e castigava os abusos, assim como ame da caa se ressentia de caadores que insul-tavam a caa e no respeitavam dias protegidos.Chico Ginu e os seringueiros veteranos no esta-vam apenas protestando contra a explorao depessoas, mas tambm contra a explorao da na-tureza pelos homens. Seus argumentos fundamen-tavam-se em convices profundamente arraiga-das no dia-a-dia dos habitantes do alto Tejo, asquais permanecem em vigor at os dias de hoje.Os seringueiros da regio trabalham em uma flo-resta que pensam ser administrada por mes/paisda caa, que castigam de diversas maneiras caa-dores que transgridem princpios imanentes a umaordem em que humanos e no-humanos se rela-cionam, sem soluo de continuidade. Nessa or-dem social-natural, um animal abatido na florestano deve ser insultado, sob pena de trazer para ocaador a condio de panema isto , torn-loincapaz de obter caa e, portanto, alimento no fu-turo. possvel, na mesma ordem de coisas, fazerpactos (ou pautas) com esses pais-mes da flores-ta, seja para ser feliz na caa, seja para se tornarum seringueiro produtivo. Isso acontecia no casodas mes-da-seringueira. Os rios so habitados porcaboclinhos e por seres encantados. H animaiscom encante, e que no podem ser abatidos. Acirculao dos animais da mata entre vizinhosobedece, por fim, regras estritas de reciprocidade,e como o consumo imprprio da carne assim doa-da pode tambm representar insulto e tornar odoador panema, as relaes de reciprocidade re-querem a cooperao de todos no respeito aosanimais trazidos da mata.

    Isso poderia sugerir crenas no sobrenatu-ral. Mas no o caso. As idias de panema noeram consideradas superstio por meu pai,quando j havia subido na escala social e se tor-nara bancrio em Braslia; nem para OsmarinoAmncio, lder sindical, futuro fundador doPSTU, quando me explicava que no se tratavade superstio, mas de fatos empricos.10 Os se-ringueiros no encontram dificuldades em en-tender que ns, da cidade, acreditamos em todasorte de entidades invisveis que afetam nossoscorpos e que esto presentes no que comemos germes, bactrias, vrus e assim por diante.Eles convivem, analogamente, com entidadesinvisveis, cujos efeitos so observados por elesem seu cotidiano. Em suma, quando Chico Ginutrouxe para a reunio o tema das reservas ex-trativistas, no precisou de nenhuma explica-o detalhada dada por gente de fora, nem decursos de ecologia. Ele sabia imediatamente doque se tratava em sua prpria ordem do mun-do.11 Era ele quem me explicava agora, sob seuponto de vista, o significado de proteger a natu-reza. A idia de que havia agora um apoio fe-deral para proteger as seringueiras foi introdu-zida por ele no discurso local contra o patro,discurso que tinha seus prprios fundamentosontolgicos e no era uma mera imitao de mi-nha fala de pesquisador que trazia na ocasio anotcia de novas leis.

    Chico Mendes

    Em Xapuri e Brasilia, o sindicato rural im-pediu, por meio do movimento conhecido comoempates,12 a derrubada de florestas habitadaspor seringueiros, feita por pees armados demoto-serras. Em Xapuri, o movimento sindical ti-nha apoio da igreja catlica progressista, de parti-dos de esquerda, como o PCdoB, e de organiza-es no-governamentais, como o Centro deTrabalhadores da Amaznia. O problema era queos empates, por volta de 1985, tinham passado defensiva, ou seja, no conseguiam responder escalada das queimadas e da violncia. Por estarazo Chico Mendes comeou a buscar apoio e

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    aliados externos, recorrendo cada vez mais a tti-cas gandhianas de ao direta com alta visibilida-de. Em 1986, no empate da Bordon, ele lideroucerca cem seringueiros, que caminharam durantetrs dias pelas coivaras enegrecidas e fumegantesde florestas recm-queimadas, desviando-se dapolcia militar e espantando pees de moto-serra,at que o cerco em torno deles se fechou, com oretorno, em marcha forada, a Xapuri.

    Antes da marcha, porm, Chico Mendes haviaconvocado, em reunio pblica em Rio Branco, oapoio de moradores da cidade para um empatede alto nvel, para o qual ele queria repercussonacional. Conseguiu a presena de um fotgrafo,dois agrnomos, um antroplogo e de uma jovemprofessora sindicalizada, Marina Silva. Quando asdiferentes colunas formadas a partir da diviso doempate retornaram cidade, aparentementederrotadas, os participantes ocuparam a sede doInstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal,e logo foram cercados pela polcia militar. En-quanto isso, Chico Mendes convocava por telefo-ne a imprensa nacional presente em Rio Brancoe, ao mesmo tempo, enviava companheiros aosseringais para chamar mais seringueiros para a ci-dade. Chico disse aos jornalistas que havia maisde cem seringueiros na sede do IBDF, mas preci-sava tomar providncias para que eles realmenteestivessem l quando chegasse a imprensa. En-quanto a tenso crescia, em meio a ameaas daiminente invaso armada, Chico Mendes esperavanovos negociadores, da igreja e do parlamento,assim como da imprensa. No ltimo minuto, porassim dizer, foi firmado um acordo entre os serin-gueiros e o governo.

    No incio de 1985, para aumentar a visibilida-de das lutas dos seringueiros, Chico Mendes bus-cou o apoio de sua amiga, a antroploga Mary Al-legretti, que depois de alguns anos de colaboraocom o CTA vivia em Braslia. Allegretti havia estu-dado em sua dissertao de mestrado o seringalde Alagoas, em Tarauac, e tinha um forte com-prometimento com a causa dos seringueiros. As-sim, no poupou esforos para promover umevento de impacto que respondesse s expectati-vas de Chico Mendes. De um lado, embora no setratasse de um evento sindical, podia-se observar

    na platia e na constituio das mesas de discus-so a presena de lderes sindicais vindos de luga-res remotos da Amaznia, como Novo Aripuan,no rio Madeira, Carauari, no mdio Juru, Brasiliae Xapuri, no Acre, Ariquemes, em Rondnia, eCruzeiro do Sul, no oeste acreano, para mencionarapenas alguns dos delegados. De outro lado, tam-bm foi marcante a presena de deputados e se-nadores, burocratas e tcnicos, professores e estu-dantes, tanto no pblico como nas mesas, apesarde o seminrio no ter um perfil acadmico. Osseringueiros falavam sobre a violncia de patrese liam numa espcie de ladainha longas listas depreos cobrados nos seringais para ilustrar pelocontraste com os preos da cidade, a exploraode que eram vtimas. As autoridades escutavam-nos com uma mistura de fascnio, pelo exotismodas canes e dos poemas, e desconcerto, pelasreivindicaes que pareciam anacrnicas e impos-sveis de serem atendidas: o sonho dos seringuei-ros era transformar a Amaznia no que j fora nopassado, uma abastecedora mundial de borracha.

    O formato peculiar desse acontecimento criouno s constrangimento e vergonha, mas, sobre-tudo, revelao. Forou as autoridades e os pol-ticos a revelarem sua absoluta falta de planos emrelao aos seringueiros, e mesmo sua ignornciasobre a prpria existncia dos seringueiros. Os es-pecialistas no puderam mais escamotear sua vi-so pessimista acerca do futuro daquele movi-mento peculiar. O efeito de visibilidade visadopor Chico Mendes fora atingido, mas no sentidoinverso ao pretendido: em vez de tornar os serin-gueiros visveis publicamente, a indiferena dogoverno que subitamente veio tona, sobretu-do para os seringueiros. Eles haviam chegado aBraslia acreditando que a borracha era a rique-za do mundo, e que eles eram necessrios ri-queza nacional como os nicos produtores damelhor borracha do mundo. De onde mais viria odinheiro, seno da borracha? Como era possvelque ministros e senadores no soubessem sequero que era um seringueiro? Vrias delegaes exi-giram uma reforma agrria adequada para os se-ringueiros, o que significava manter a integridadedas estradas de seringa, o que implicava em m-dulos familiares de 400 a 600 hectares de floresta.

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    O documento final do encontro mencionoupela primeira vez a expresso reservas extrativis-tas, cunhada por um grupo de trabalho formadopor representantes do estado de Rondnia. Osentido era, por analogia s reservas (de) indge-nas, o de terras reservadas para trabalhadores ex-trativistas. Ademais, ocorreram outros fatos impre-vistos, como a criao do Conselho Nacional dosSeringueiros (CNS). Na ltima noite do encontro,antes de comearem a viagem de retorno, os se-ringueiros criaram esse conselho como forma deprotesto, j que na vspera no tinham consegui-do assistir s reunies do Conselho Nacional daBorracha. Uma evidncia de que esse conselhono fora planejado, nem recebeu muita atenona poca o fato de Chico Mendes, o principal l-der da reunio, no pertencer a seus quadrosvirtuais nos primeiros anos, de 1985 a 1987. Opresidente era Jaime Arajo, um obscuro mas elo-qente sindicalista do municpio de Novo Aripua-n, no rio Madeira, que hipnotizava o pblicocom sua linguagem potica e rica em referncias floresta. Alm disso, o fato de o presidente serrepresentante de uma delegao que continha a-penas duas pessoas, em contraposio delega-o acreana com setenta membros, outro ind-cio do carter improvisado desse conselho. Emsuma, naquele momento o Conselho tinha um pa-pel simblico, mas sem real importncia poltica.

    O CNS reuniu-se algumas vezes aps o en-contro de Braslia, com recursos da OXFAM, umaorganizao no-governamental sediada na Ingla-terra. Uma reunio de especial significado ocorreuem dezembro de 1996, no municpio de Brasilia,numa paisagem rural marcada por castanheirassobreviventes em meio floresta devastada. Porsugesto de Mary Allegretti, fiz nessa ocasio umrelato sobre o estado da economia da borracha naAmaznia, para expor aos seringueiros a conjun-tura histrica e nacional que envolvia a questo ecuja sntese reproduzo aqui. Durante o auge dociclo da borracha, pouco antes da Primeira Guer-ra Mundial, a Amaznia brasileira produzia cercade 40 toneladas de borracha por ano. Com a re-cuperao da produo, no decorrer da SegundaGuerra Mundial, a floresta atingiu e manteve umamarca entre 20 mil e 30 mil toneladas anuais.

    Contudo, na dcada de 1950, s a indstria depneumticos no Brasil consumia mais de 300 miltoneladas de borracha por ano, sendo que 120 mileram importadas da Malsia e de outros pasesasiticos. A borracha importada que chegava aoporto de Santos era muito mais barata e de me-lhor qualidade do que o produto da Amazniaque aportava em So Paulo. A perspectiva de cres-cimento da produo nacional de borracha nomais estava associada Amaznia, mas ao planal-to paulista, ao sul da Bahia e ao estado de MatoGrosso. Desde 1945, preos administrados e quotasimpostas haviam protegido a borracha amaznica,tornando-a lucrativa para aqueles que detinham ocomrcio na Amaznia. Entretanto, a partir de1985 as novas polticas governamentais visavamabrir mercados e suprimir subsdios. Alm disso,os antigos patres comearam a vender seus ttu-los e novos interesses ligados criao de gado e explorao de madeira ocupavam progressiva-mente a regio. Era um quadro cruel mas neces-srio para elucidar aquilo que os polticos e as au-toridades tinham em mente quando olhavamsurpresos e embaraados para os seringueiros,mas que no ousavam dizer com clareza. Aps aexposio, o silncio que se seguiu foi quebradocom uma pergunta de Osmarino Rodrigues, umdos mais radicais sindicalistas-seringueiros. Diri-gindo-se aos assessores como eram chamadosantroplogos, advogados e historiadores presen-tes na reunio ele disse: Eu gosto de perguntaro significado de palavras que no conheo. Ouvifalar em ecologia. O que ecologia?. Ele sabiaonde queria chegar. E continuou depois da res-posta: Se no querem nossa borracha, podemosoferecer essa ecologia. Isso ns sempre fizemos.

    Na realidade, o encontro de Brasilia foimuito alm do que deslocar a ateno dos sindi-calistas do problema da produo de borrachapara o tema da conservao da floresta. Os par-ticipantes definiram ali o que seriam as reservasextrativistas, anunciadas em 1985: terras daUnio (formulao inspirada no modelo das re-servas indgenas) sobre as quais os trabalhadoresteriam direito perptuo de usufruto. Essa soluoresultou de uma discusso detalhada de alterna-tivas, que incluram desde a propriedade indivi-

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    dual de colocaes at a propriedade condomi-nial. Nenhuma das alternativas, porm, bloquea-va o risco de venda de terras para fazendeiros, eisso foi o que pesou no momento de circunscre-ver as caractersticas que deveriam ter as reservasextrativistas. Qualquer seringueiro que vendessesua terra colocaria em risco a dos vizinhos. S aocupao coletiva e sem possibilidade de comer-cializar a terra evitaria a tragdia da privatizaoda natureza que assolava os seringueiros de Xa-puri e Brasilia.

    As reunies do Conselho eram dispendiosas,envolvendo lderes de muitos municpios acrea-nos (todos da bacia do rio Purus-Acre) e tambmdo estado do Amazonas e de Rondnia. Alm dis-so, os sindicatos rurais do Acre tinham problemasfinanceiros crnicos, o que no representava umaexceo no quadro nacional. Nesse contexto, osassessores do Conselho encaminharam um am-bicioso projeto que previa cerca de 100 mil dlarespara financiar a mobilizao de seringueiros e suaorganizao em escala amaznica. Em fevereirode 1988, o CNS foi informado de que a Cebemohavia aceitado financiar integralmente a proposta.Nesse ano, Chico Mendes tornou-se o lder doConselho, que passou a ser uma identidade orga-nizacional adequada ao crescimento do crculo dealianas promovido por Chico Mendes. Alm daUnio das Naes Indgenas, liderada por AltonKrenak, com quem Chico havia lanado a Alian-a dos Povos da Floresta, os aliados incluam aindao Partido Verde, organizaes no-governamen-tais brasileiras (Instituto de Estudos Amaznicos,dirigido por Mary Allegretti) e do exterior (Envi-ronmental Defense Fund, em que atuava StephanSchwartzman). Allegretti, que desde 1985 vinha sededicando intensivamente na divulgao da pro-posta de reservas extrativistas, conseguiu dar pas-sos importantes para sua implementao no inte-rior do Incra, em 1987.

    Com recursos prprios, o Conselho passou ater autonomia para realizar encontros em vriosestados da Amaznia. Nesses encontros novossindicatos rurais foram fundados (como em AssisBrasil) ou fortaleciam-se os j existentes, e eramdiscutidos os problemas locais da categoria, assimcomo a proposta de reforma agrria dos serin-

    gueiros, a reserva extrativista. O CNS tornou-seuma entidade jurdica em meados de 1988, emmeio intensa atividade de suas lideranas, comoChico Mendes, Osmarino Amncio Rodrigues, Rai-mundo Mendes, entre outros. Chico Mendes saiade encontros em Washington para fazer empatesem Xapuri, e nos entremeios estabelecia umarede de conexes com sindicalistas e ativistas am-bientais. A estratgia geral consistia, por um lado,fortalecer a organizao (sindical e cooperativa) eas lutas locais (empates); por outro, alcanar ameta da criao das reservas extrativistas com adesapropriao das florestas griladas, das quaisfazendeiros procuravam expulsar os moradores.Quando Chico Mendes foi assassinado por fazen-deiros em dezembro de 1988, o movimento dosseringueiros tinha adquirido um novo perfil de or-ganizao uma combinao de sindicatos (for-malmente confederados na Contag) com uma or-ganizao (Conselho) que contava com aliadosambientalistas e que tinha recursos prprios. Aslideranas eram as mesmas, mas a atuao doCNS tornava possvel aos seringueiros atuar emum campo mais amplo de discusso.

    Aps o assassinato de Chico Mendes, o Con-selho, reunido em 1989, estabeleceu pela primei-ra vez um estatuto, no qual foram claramente de-finidas suas relaes com o movimento sindical.Tratava-se de uma associao civil, sem subordi-nao partidria ou sindical, em que os membrospoderiam ser trabalhadores extrativistas em sen-tido amplo, de modo a incluir pequenos agricul-tores amaznicos, pescadores e quilombolas. Umtrao essencial definido pelo estatuto foi de que oConselho no seria uma organizao de massa,no recrutaria membros, no emitiria carteiri-nha, no daria benefcios individuais nem cobra-ria anuidades. Isso claramente o distinguia deuma organizao sindical, o que no o impediade ser uma organizao de apoio aos sindicatos;ademais, afirmava-se como um agente capaz depropor polticas pblicas e de execut-las na for-ma de projetos. No havendo eleies gerais, orgo era composto por cerca de quarenta conse-lheiros eleitos por comisses municipais (oito ti-tulares e oito suplentes por municpio). A criaode reservas extrativistas foi includa no estatuto

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    como um objetivo da organizao.Portanto, o que estava em questo era a pos-

    sibilidade de negociar com maior poder de pres-so. No se tratava de abandonar a estratgia de-fensiva e local dos empates, mas de ampliar suaao para uma estratgia ofensiva e global nosentido de preservar as florestas da especulao eda destruio. Em suma, tratava-se de bloqueara acumulao primitiva. Mas isso transformou aidentidade do movimento. Os lderes seringueirosrecusaram-se a permanecer isolados, e criaramuma ponte entre as lutas que continuavam a sertravadas em escala local, como as greves no rioTejo, e um movimento em mbito nacional.

    Antnio Macedo

    Ao reunir-se em fevereiro 1988 em Rio Bran-co para planejar as atividades do ano, uma das de-cises importantes tomadas pelo Conselho, comapoio direto de Chico Mendes, foi convidar Ant-nio Macedo para integrar seus quadros. Macedohavia sido seringueiro no vale do Juru em sua in-fncia, e desde ento passara por uma srie deprofisses, entre as quais as de piloto fluvial, me-cnico de mquinas pesadas e agricultor de pro-jetos de assentamento. Seu emprego mais recentehavia sido de sertanista na Funai, onde criou coo-perativas, trabalhou na demarcao de terras e foiresponsvel pela condenao de Orleir Camelipela explorao criminosa de madeira das terrasAshaninka razo para manobras que levaram sua demisso do cargo, ao qual ele voltaria, anis-tiado, no final da dcada de 1990.

    A primeira tarefa de Macedo, em maro de1988, foi visitar o rio Tejo, onde contatou ChicoGinu (que atuava no alto Tejo) e Damsio (queatuava no mdio Tejo), ambos delegados sindi-cais. Em julho, Macedo publicou na imprensa dacapital acreana uma proposta para a criao deuma reserva extrativista no rio Tejo. Nesse ano,vale lembrar que se falava muito do assunto noAcre. Em janeiro desse mesmo ano, por exemplo,o governador do Acre, Flaviano de Melo, haviaanunciado a criao da reserva extrativista do SoLus do Remanso na presena de representantes

    de bancos multilaterais com o objetivo de apazi-guar a oposio ao financiamento da BR-364.Nesse contexto, membros da secretaria de plane-jamento do Estado apoiaram a idia, e a econo-mista Adir Gianinni, do BNDES, entrou em conta-to com Macedo para estimul-lo a encaminh-laao Congresso na forma de projeto.

    Chico Mendes, em reunio realizada emagosto de 1988, argumentou em favor da idia deapresentar ao BNDES uma proposta de Plano deDesenvolvimento Comunitrio para Reserva Ex-trativista da Bacia do Rio Tejo, que havia sido pre-parado a partir das idias de Macedo e com a co-laborao de um antroplogo. A posio de ChicoMendes foi decisiva, j que se tratava de um pas-so que para alguns parecia um desvio em relaos prticas normais de uma organizao de traba-lhadores. Eis o problema: o Conselho deveria li-mitar-se a canalizar recursos para as lutas sindi-cais de resistncia, ou poderia atuar como umaagncia de captao de recursos e implementaode projetos. A deciso de apoiar o projeto do rioTejo foi crucial para que a organizao comeas-se a atuar na segunda direo. Cabe aqui acentuarque o eixo do Plano de Desenvolvimento Comu-nitrio era a criao de uma cooperativa de serin-gueiros em uma regio onde imperava o regimede barraco, isto , o regime de monoplio co-mercial imposto pela violncia. Dessa forma, oplano de desenvolvimento era de fato o finan-ciamento de uma luta de enfrentamento diretocom o regime dos seringais em seu trao essen-cial: a explorao de seringueiros por meio domonoplio e da violncia.

    Na esteira do assassinato de Chico Mendes emdezembro de 1988, o BNDES aprovou o Projeto. Adotao a fundo perdido previa cerca de US$70,000para a infra-estrutura da cooperativa, como, porexemplo, a compra de barcos, e o capital de gironecessrio para faz-la funcionar, no incluindo aoutros componentes do projeto como educao esade. Em conseqncia, em maro de 1989 as lu-tas locais dos seringueiros do rio Tejo adquiriramum carter completamente diferente. O Conselho ti-nha um grande estoque de mercadorias destinadasa inundar o prprio corao dos barraces.

    Orleir Cameli de imediato se deu conta da

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    ameaa. Iniciou uma campanha na imprensa con-tra Macedo, que sofreu diversos atentados contrasua vida, e agresses fsicas do prprio Cameli, eorganizou um boicote comercial em Cruzeiro doSul contra a cooperativa. O passo mais importan-te, tomado com apoio da UDR, foi um interditoproibitrio visando a impedir o acesso fsico deMacedo e de Chico Ginu ao rio Tejo (houve tam-bm interpelao judicial do antroplogo-asses-sor). Os advogados da UDR argumentaram que aimplantao da cooperativa quebraria uma tradi-o centenria de abastecimento dos seringais pe-los patres, que ficariam inadimplentes junto aoBanco do Brasil, com resultados desastrosos paraa economia regional. De fato, achavam naturalque os emprstimos generosos do Banco do Bra-sil, a taxas de juros reais negativas, fossem adqui-ridos usando como cauo a borracha a ser pro-duzida pelos seringueiros, j que inexistiam ttulosde propriedade para apresentar como garantia.

    Nos seringais, espalhavam-se boatos segun-do os quais Macedo estaria vendendo a terra paragringos, que a transformariam numa reserva.Ou ainda de que Macedo era o diabo, o co ha-via quem o testasse, oferecendo a gua benta doirmo Jos. Macedo, por sua vez, atuava nos serin-gais usando armas semelhantes. Dizia-se que eleera capaz de fazer com que patres se ajoelhas-sem para pedir perdo por seus crimes contra se-ringueiros. Era tambm procurado por seringuei-ros dos rios vizinhos, que voltavam para suaslocalidades com papis assinados por ele orde-nando que os patres parassem de cobrar a ren-da por estradas de seringa. Macedo, alm de or-ganizador e burocrata era lder carismtico. Narealidade, era o que se poderia chamar de ummestre de cip, oficiando cerimnias de aya-huasca, um dos meios de integrar aliados que che-gavam regio e de tornar coeso o grupo de serin-gueiros mais prximo a ele, formado por famliasdo alto rio Tejo. Afinal, vrios seringueiros dessa re-gio, muitos deles com famlias formadas deunies entre nordestinos migrantes e mulheresraptadas de aldeias indgenas, mantinham cerim-nias de uso do cip, realizadas em segredo e sobo temor da represso patronal (e a que assisti jem 1983, bem antes da chegada de Macedo). Ma-

    cedo fazia viagens aos Estados Unidos e Europa,recrutando aliados e seguidores pessoais no exte-rior e canalizando doaes para o escritrio deCruzeiro do Sul. Num de seus atos tpicos de im-provisao e ousadia, condecorou pessoalmentePaul MacCartney, que apresentava um show noMaracan. Ademais, mobilizava na cidade de Cru-zeiro do Sul uma rede de amigos e aliados, como,por exemplo, comerciantes dissidentes que perce-beram que nada teriam a perder fornecendo benspara a cooperativa, membros da igreja e jovens daclasse mdia recrutados nas sesses ayahuasquei-ras. No seringais, criou um ncleo de seguidoresdispostos a enfrentar riscos de vida para lutar pelacooperativa. Ao articular planos de ao to diver-sos e de grande amplitude, rio abaixo e rio acima,Macedo agia como um xam no sentido definidopor Manuela Carneiro da Cunha. Contudo, seriaum erro pensar que Macedo atuava apenas comolder carismtico. A comear pela Associao dosSeringueiros e Agricultores do Rio Tejo, ele ajudoua fundar uma extensa rede de associaes de se-ringueiros e agricultores por todo o vale do AltoJuru, fazendo com que o Conselho se tornasseum rgo de apoio no s dessas associaes, mastambm de movimentos indgenas.

    Todo o ano de 1989 foi de crise e agitaosocial no rio Tejo, em meio ao processo de im-plantao de uma cooperativa, financiada peloBNDES, em uma rea em que havia a pretensode privatizao das terras por parte de poderosospatres locais, entre eles, Cameli, que viria a sereleito governador do estado nos anos seguintes.No seria possvel, no mbito restrito deste artigo,narrar os detalhes que levaram a Procuradoria Ge-ral da Repblica a intervir na questo, bloquean-do de fato o interdito proibitrio. Tampoucocabe detalhar as estratgias que, por meio deaes em Rio Branco, Braslia e So Paulo, procu-raram encaminhar uma soluo legal para a crise.Esta veio em janeiro de 1990, no por meio do In-cra, mas do Ibama, como resultado da atuaotanto da Procuradoria Geral da Repblica comode aes de um Grupo de Trabalho constitudono interior do Ibama com representantes e asses-sores dos seringueiros. O que cabe destacar quedessas articulaes participaram cientistas naturais

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    e antroplogos, advogados e polticos, sindicalis-tas e ativistas de diversas Ongs. Como figura demediao entre esses vrios segmentos, Macedofoi a pea principal na luta pela criao da Reser-va Extrativista do Alto Juru, saindo de cena tologo a reserva foi criada e institucionalizada.

    Comentrios finais

    Pensa-se muitas vezes que poderes hegem-nicos possuem uma capacidade incontestvelpara controlar populaes e territrios nas mar-gens do sistema mundial. Nessa viso h poucoou nenhum lugar para mudana poltica real epara agentes locais da histria. As alternativas escravizao da prpria linguagem pelas gramti-cas hegemnicas de desenvolvimento sustent-vel seriam ou a pardia a essa mesma lingua-gem, ou a marginalizao voluntria. Mas talvez,como indicamos, haja caminhos imprevistos pormeio dos quais se constroem fatos novos em n-vel local, e que no eram previstos nos esquemasantecipados.

    Ao longo da dcada de 1980, de maneiramuito rpida, ocorreu um processo de mudana.Sindicalistas agrrios converteram-se em serin-gueiros, a reivindicao por lotes de terra deu lu-gar demanda de grandes florestas para uso co-letivo, a pauta de melhores preos para aborracha deu lugar defesa da natureza. Novosaliados comearam a aparecer entre os ambienta-listas. Ocorreu uma reavaliao do significado daterra, dos limites do sindicalismo e da complexi-dade dos regimes de propriedade. O resultado foique, em vez de serem expropriados pela frentecapitalista e madeireira, os seringueiros consegui-ram no Alto Tejo a expropriao anticapitalista ea posse coletiva da terra.

    Para isso, articularam-se personalidades re-presentantes de coletividades em escalas distintas:Chico Ginu, entre o Riozinho da Restaurao eCruzeiro do Sul; Chico Mendes, entre Acre, Rio deJaneiro e Washington; e Antnio Macedo, transi-tando ao longo desses extremos, do Riozinho aNova York. Nessa articulao, as idias do am-bientalismo que circulavam em esfera internacio-

    nal e nacional chegaram aos cantos mais remotosda floresta, juntamente com pessoas de fora, ecom recursos materiais. Mas essa chegada no foifeita desordenadamente. O dinheiro era controla-do pela associao dirigida por Chico Ginu, pormeio de circuitos administrados por Macedo doCNS; as relaes com os aliados externos eram,em ltima anlise, condicionadas pelo papel mo-delar de Chico Mendes. As idias novas de defe-sa da natureza e da ecologia eram reinterpreta-das no mbito regional e local. De um lado, essasidias ganhavam um significado social para ossindicalistas que atuavam junto a Chico Mendes;de outro, integravam-se s noes costumeirasque associavam a floresta a uma extenso da so-ciedade humana, com responsveis que exigiamrespeito, segundo Chico Ginu.

    Em suma, o desenvolvimento ocorreu, defato, de forma desigual e combinada. Desigual,porque se mantinham as diferenas profundas en-tre as prticas e as ontologias dos altos cursos derio no Alto Juru, e entre o modo de vida e os in-teresses de aliados do Rio de Janeiro e de SoPaulo. Combinado, porque os seringueiros foramcapazes de integrar em sua prpria esfera de vidaos elementos externos, convertendo-os em meiosde autodefesa social e moral. Dessa forma, semplano, complexa e combinada, seringueiros mar-ginalizados em uma estrutura global-nacional fo-ram capazes de tomar partido de uma conjunturanica e utilizar-se dos meios materiais e simbli-cos disponibilizados por ela para construir alter-nativas histricas que no haviam sido previstasde antemo por ningum.

    Voltando ao vocabulrio de Jean-Paul Sartre:Ginu, Macedo e Chico Mendes agiram em um ho-rizonte do possvel, que se alargou na conjunturade transformao da sociedade dos seringais,constituindo a um s tempo a destruio acelera-da das condies de vida anteriores e os meiospara resistir proletarizao forada. Ao fazer esseuso historicamente criativo de uma conjuntura detransio, eles afirmaram para si um futuro queno havia sido planejado. Definiram-se para side forma a explodir os limites do que estavamcondenados a ser em si. Estavam destinados pe-las estruturas histricas a ser seringueiros-fsseis

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    de antigos ciclos extrativos, reservas de mo-de-obra ocupando vicariamente terras espera de va-lorizao, at a chegada de um novo ciclo econ-mico que os expulsaria definitivamente da terrapara os subrbios das novas cidades no estado doAcre. Em vez disso, conquistaram no apenas di-reitos coletivos terra, mas tambm a possibilida-de de, sem deixar de ser seringueiros, se tornarantes de tudo cidados, polticos, gerentes de as-sociao, professores e pesquisadores.

    Acredito que acontecimentos como esse in-dicam que a histria local no tem uma essnciapredeterminada e inevitvel. Ela se configura ematos que podem mudar o rumo das tendncias es-truturais. A ecologizao de movimentos sociaisno mundo inteiro na dcada de 1980 foi, em cer-to sentido, resultado de processos estruturais am-plos. Mas por que esse processo eclodiu justa-mente no Acre? Ou melhor, por que a conjunturafoi utilizada nesse pequeno estado, e ali deu ori-gem s primeiras terras coletivamente apropriadaspor populaes da floresta? nesse espao desubdeterminao que tem lugar a margem de li-berdade que amplia o horizonte do possvel eque se materializou nas trajetrias de Chico Ginu,Antnio Macedo e Chico Mendes.

    NOTAS

    1 Sobre o povo da floresta, ver, por exemplo, Ghaie Vivian (1992, pp. 13-14) e Taylor (1995, p. 19); so-bre povo das guas, ver Diegues (em Ghai e Vi-vian, 1992, pp. 141-158), Furtado, Leito e Mello(1993); sobre garimpeiros, ver Cleary (1990, pp.xxii, 223 e 228). A expresso movimentos socioam-bientais foi utilizada por Ricardo (2002).

    2 Ver, entre outros, Parfit (1989); Torres e Martine(1991); Romanoff (1992); Browder (1992).

    3 A minha experincia na regio no parou a, masescolhi o perodo entre 1982 e 1992 em parte por-que bastante ilustrativo para o desenvolvimentodeste artigo; em parte, porque permite um certodistanciamento em relao aos eventos tratados.

    4 O Riozinho da Restaurao foi o local principal noprimeiro perodo de minha pesquisa de campo, desetembro de 1982 a novembro de 1983. Depois dis-

    so retornei a Cruzeiro do Sul em 1986, e ao Riozi-nho em 1987, na primeira de muitas viagens ao Tejoao longo da dcada de 1990.

    5 Virtual, mas no legal. At 1903, alguns ocupantesde seringais registravam suas pretenses a territ-rios da floresta em cartrios de Manaus, num pero-do em que toda a regio era contestada pelo Perue pela Bolvia. Depois de passar ao domnio brasi-leiro (tratado com a Bolvia, em 1903, e com o Peru,em 1909), a regio tornou-se territrio federal, maso governo brasileiro nunca legalizou os ttulos deposse. Apenas em 1982 iniciaram-se os processosde regularizao fundiria. O Acre foi durante qua-se toda sua histria um vasto territrio federal deterras pblicas, mas foi tambm um imenso latifn-dio assentado no costume e na complacncia dosistema poltico e jurdico.

    6 As correrias devastaram parte considervel dosgrupos Pano do alto Juru, embora os nmeros nosejam conhecidos e no haja estimativas mesmoque grosseiras. Alguns desses indgenas refugiaram-se em territrio peruano; outros permaneceram nointerior de seringais sob a tutela de um patro,como ocorreu nas vizinhanas do Tejo com os Ca-xinawa do Rio Jordo. Para mais detalhes, ver Wolff(1999); Pantoja Franco (2001); Vale de Aquino eIglesias (2002); Mendes (2002); Almeida, Wolff, Cos-ta e Pantoja Franco (2002).

    7 Um exemplo clssico o da explorao de pelespara exportao. A similitude com o sistema de se-ringais foi destacada por Steward e Murphy (1977).

    8 A documentao sobre esse processo encontra-seem Almeida (1993, caps. 1-2). Ver tambm Wolff(1999); Pantoja Franco (2001); Almeida, Wolff, Cos-ta e Pantoja Franco (2002).

    9 Greves de seringueiros desse tipo tinham prece-dentes antigos. H registros orais e documentais deseringueiros que fizeram um movimento similar eexpulsaram o patro-aviado, em 1916. Nesse caso,o lder foi finalmente preso, mas isso demorou umano para ocorrer. Ver Almeida, Wolff, Costa e Pan-toja Franco (2002, p. 119). Na dcada de 1980, hou-ve as greves de 1981 (Joo Claudino) e de 1987(Chico Ginu). Outros movimentos desse tipo ocor-reram em diversos perodos, de acordo com o rela-to de seringueiros. Cartas ao governador-interventordo Acre na dcada de 1940 contm queixas contrao estado de rebelio dos seringueiros do Tejo.

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    10 Nasci em Rio Branco, Acre. Meu pai trabalhoudurante sua infncia em seringais; meu av paternofoi seringueiro no rio Purus; minha av materna,por sua vez, foi esposa de patro de seringal empo-brecido.

    11 Trata-se do que Eduardo Viveiros de Castro chamoude autodeterminao ontolgica (Viveiros de Castro,2003).

    12 Empates so aes coletivas para impedir a der-rubada de florestas, a qual era precedida pela expul-so de seringueiros e apropriao de terras. Asprimeiras iniciativas desse tipo de ao ocorreramno municpio da Brasilia com Wilson Pinheiro, etiveram continuidade com Chico Mendes. Ambosforam assassinados a mando de fazendeiros.

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  • RESUMOS / ABSTRACTS / RSUMS

    DIREITOS FLORESTAE AMBIENTALISMO:SERINGUEIROS E SUAS LUTAS

    Mauro W. Barbosa de Almeida

    Palavras-chaveAmaznia; Seringueiros; Poltica;Natureza; Antropologia.

    Os seringueiros amaznicos eraminvisveis no cenrio nacional nosanos de 1970. Comearam a se arti-cular como um movimento agrriono incio dos anos de 1980, e na d-cada seguinte conseguiram reconhe-cimento nacional, obtendo a im-plantao das primeiras reservasextrativas aps o assassinato de Chi-co Mendes. Assim, em vinte anos oscamponeses da floresta passaram dainvisibilidade posio de paradig-ma de desenvolvimento sustentvelcom participao popular. Este textonarra essa surpreendente histria,tomando por base a trajetria de al-gumas lideranas e suas estratgiaspara dar ao movimento social umavisibilidade em escala nacional e in-ternacional, conectando suas reivin-dicaes agrrias a temas ambientaisde interesse mais geral.

    RIGHTS TO THE FOREST ANDENVIRONMENTALISM: RUBBER-TAPPERS AND THEIR FIGHTS

    Mauro W. Barbosa de Almeida

    Key wordsThe Amazonian; Rubber-Tappers;Policies; Nature; Anthropology.

    The Amazonian rubber-tapperswere invisible in the national scenein the 1970s. They started to organi-ze themselves as an agrarian move-ment early in the 1980s and in the1990s they obtained national recog-nizance, having the first ExtractiveReserves being implemented rightafter Chico Mendess assassination.Thus, these peasants of the tropicalforest went from invisibility to para-digms of sustainable, participatorydevelopment in just two decades.This article narrates this historicalepisode by studying the trajectoriesof leaders, as well as the strategiesemployed by them in order to ob-tain visibility for the social move-ment both in national and interna-tional scale, connecting theiragrarian claims to environmental is-sues of more general interest.

    DROITS LA FORT ETENVIRONNEMENT: LESSERINGUEROS ET LEUR LUTTE

    Mauro W. Barbosa de Almeida

    Mots-clsAmazonie; Seringueros; Politique;Nature; Anthropologie.

    Les seringueros dAmazonie sontpasss inaperus dans le scnarionational des annes 1970. Ils ontcommenc sarticuler en tant quemouvement agraire au dbut des an-nes 1980 et, dans la dcennie sui-vante, ils ont russi tre reconnusau niveau national, en obtenant lamise en place, aprs lassassinat deChico Mendes, des premires rser-ves naturelles dextraction de caout-chouc. Ainsi, en vingt ans, les pay-sans de la fort sont passs delinvisibilit une position de para-digme de dveloppement durablequi compte avec la participation po-pulaire. Ce texte, qui raconte cettehistoire surprenante, sest inspir dela trajectoire de certains leaders et deleurs stratgies pour donner cemouvement social une visibilit lchelle mondiale et internationale,tout en liant leurs revendicationsagraires des thmes environne-mentaux dintrt plus gnral.