Direito Penal Especial - Crimes Contra a Integridade Fisica
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CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE E A SAÚDE FISÍCA
1. Crimes de ofensas corporais: 2. Ofensas corporais voluntárias
simples (art. 359 CP); 3. Ofensas corporais agravadas (art. 360 CP);
4. Ofensas corporais qualificadas (art. 365 e 367 CP); 5. Ofensas
corporais privilegiadas (art. 370 e 372, n°s 2 e 3 CP); 6. Violência
física (arts. 13 e 14 da Lei n° 29/2009, de 29 de Setembro).
1. OFENSAS CORPORAIS
O Código Penal em vigor em Moçambique não contém qualquer
definição de ofensas corporais, contudo, tem se definido o crime como
o facto de alguém “ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem”, protegendo-se nos artigos que prevêm as suas diversas
modalidades a integridade física e fisiopsíquica da pessoa humana.
1.1. ELEMENTOS OBJECTIVOS DO TIPO
1.1.1. SUJEITOS DO CRIME
Os crimes de ofensas corporais não são próprios. Em face disso,
pode ser cometido por qualquer pessoa. De igual modo não exige a lei
penal qualquer qualificação legal do sujeito passivo, dado que
qualquer um pode ser ofendido, salvo nas hipóteses dos arts. 365 e
367 do C.P (ofensas corporais qualificadas) e arts. 13 e 14 da n°
29/2009, de 29 de Setembro, em que entre o sujeito activo e sujeito
passivo deve existir uma relação de familiaridade ou o agente activo
tenha algum direito-dever ou poder funcional em relação ao menor .
1.1.2. ELEMENTO MATERIAL
Consistem no acto de ofender à integridade corporal ou à saúde
física ou mental de outrem. As ofensas corporais são crimes de
execução livre, portanto, podem ser cometidos por qualquer meio,
aplicando-se o que dissemos a respeito do homicídio.
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Em relação a certos tipos de crimes, as ofensas corporais
constituem delitos consuntivos (princípio da consunção no conflito
aparente de normas), integrando o delito de maior gravidade, que as
absorve. É o que ocorre no homicídio, que necessariamente passa pela
ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima.
1.1.3. RESULTADO
As ofensas corporais consistem em atingir a integridade
corporal ou a saúde física ou mental de outrem. A lesão física é
constituída de modificação do organismo humano por intermédio de
ferimentos, mutilações, equimoses etc. O dano também pode incidir
sobre a saúde fisiológica ou psíquica da vítima.
O sujeito responde por delito único ainda que produza diversas
lesões corporais no sujeito passivo. Assim, há um só delito ainda que o
autor cause contusões, equimoses e outras lesões na vítima.
Trata-se de delitos materiais, de comportamento e de resultado, em que o tipo exige produção deste.
São crimes de dano, exige a efectiva lesão do bem jurídico. Pode
ser cometido por acção ou omissão. O sujeito pode ofender a
integridade física da vítima com um soco (acção). O médico que deixa
de ministrar medicamento ao paciente com intenção de causar-lhe
perturbação fisiológica, ocorrendo o resultado, responde por esse
delito (omissão).
Os crimes de ofensas corporais atingem a consumação com a
efectiva ofensa à integridade corporal ou à saúde física ou mental da
vítima.
Tratando-se de crimes materiais, admitem a figura da tentativa.
Isso ocorre quando o sujeito, embora empregando meio executivo
capaz de causar dano à incolumidade física da vítima, por
circunstâncias alheias à sua vontade é interropido a consecução de
seu fim.
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1.2. ELEMENTOS SUBJETIVOS
Os crimes de ofensas corporais, podem aparecer na forma
dolosa, negligente e preterintencional. Em regra as ofensas corporais
são dolosas. A forma culposa esta prevista art. 369 CP.
A modalidade preterintencional esta prevista no § único do art.
361CP (homicídio preterintencional). Neste caso o delito fundamental
é punido a título de dolo, enquanto o resultado qualificador, título de
negligência.
1.3. AUTOLESÃO
O Código Penal não pune a autolesão. Não constituí delito o
facto de o sujeito ofender a própria integridade corporal ou a saúde. A
conduta poderá constituir outra infracção penal, se o sujeito lesa o
próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou
doença, com o intuito de haver indemnização ou valor de seguro,
respondendo pelo delito de burla por defraudação, previsto e punido
no art. 451 CP. Neste caso, a lei penal não está punindo a autolesão
como delito autónomo, mas sim como meio de execução de crime de
burla por defraudação, em que o objecto jurídico não é a intergridade
física da pessoa, mas o património1.
1.4. MODALIDADES
1 O Código Penal Moçambiçano, em dispositivo já revogado, previa uma
sanção para a autolesão com o intuito do agente furtar-se ao serviço militar, ex. vi.
art. 367 (revogado) CP. O código não estava punindo a autolesão, mas aplicando
sanção ao sujeito que se vale desse meio de execução para praticar crime contra o
serviço e o dever militar.
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As ofensas corporais apresentam-se em quatro modalidades
típicas: fundamental, agravadas, qualificadas e privilegiadas, sobre as
quais descorremos a seguir.
2. OFENSAS CORPORAIS VOLUNTÁRIAS SIMPLES (art. 359
CP)
As ofensas corporais simples encontra-se descrita no art. 359 do
CP, com a seguinte proposição legal: “Aquele que, voluntariamente,
com alguma ofensa corporal maltratar alguma pessoa, não
concorrendo qualquer das circunstâncias enunciadas nos artigos
seguintes, será condenado a prisão até três meses, mediante acusação
do ofendido”.
A ofensa corporal simples, apresentam-se como uma modalidade
do delito de ofensas corporais donde não resulta qualquer doença,
impossibilidade para o trabalho ou dano corporal.
O critério de distinção entre as ofensas corporais simples e as
ofensas corporais agravadas é um critério de exclusão, donde resulta
que um delito de ofensas corporais simples sempre que o facto não se
enquadra na descrição do art. 360 do CP, que definem as ofensas
corporais agravadas.
As ofensa corporais simples têm uma natureza semi-pública.
Contudo, quando incidem sobre menores de 16 anos de idade ou
incapazes, têm nauteza semi-público.
3. OFENSAS CORPORAIS AGRAVADAS (art. 360 CP)
As ofensas corporais de natureza grave encontram-se descritas
no art. 360 do CP. É de observar que a expressao “ ofensas corporais
agravadas” não é legal, mas doutrinaria, porquanto não é empregada
pelo Código Penal, mas criada pela doutrina.
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Tal como nas ofensas corporais simples, nas ofensas corporais
agravadas o objecto de protecção jurídica é a integridade física,
contudo, no último caso tratam-se de ofensas que têm efeitos na
saúde e na capacidade trabalho do ofendido.
A disposição do art. 360, do CP descreve circunstancias
agravantes de forma taxativa, donde resulta a impossibilidade de
qualificação de uma conduta como uma das formas de ofensas
corporais agravadas, fora do âmbito de previsão do art. 360 do CP.
Ultrapassadas que estão as querelas em torno do critério de
avaliação da extensão da lesão corporal para efeitos de agravação, e
estando acente que trata-se de um conceito médico-patológico, tem se
considerando a necessidade prática de avaliação médica da lesão
resultante da agressão para efeitos de apurar-se, nos casos concretos,
a circunstância qualificadora concreta entre as diversas enumeradas
nos números do artigo 360 do CP.
Nos n°s 1, 2, 3 e 4 do art. 360 do CP, as circunstâncias
agravantes estão previstas nos seguintes termos: “doença ou
impossibilidade de trabalho por mais de ...”. A disjunção que se
apresenta, implica que o legislador não exige a verificação conjunta
da doença e da impossibilidade para o trabalho para a agravação,
basta-se que se verifique apenas um dos efeitos (ou a doença ou a
impossibilidade para o trabalho). As circunstâncias agravantes
previstas no n° 5, igualmente operam de forma independente, donde
resulta que a ofensa corporal é punida com uma pena de prisão maior
de dois a oito anos, sempre que da ofensa resulta uma ou algumas das
lesões descritas (cortamento, privação, aleijão, inabilitação de algum
orgão ou membro).
Entre as circunstâncias qualificadoras é a deformidade que tem
suscitado alguma controvérsia, não pelo alcance do seu sentido, dado
que é consensual que trata-se de toda alteração estética aparente,
com carácter duradouro, sem prejuízo funcional.
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A contravérsia esta no alcanse do termo deformidade pouco
notável ou deformidade notável para efeitos de subsunção nos n°s 2
ou 3 do art. 360 do CP, respectivamente. A solução desta querela tem
se deferido para o momento da aplicação da norma em concreto,
tendo-se em consideração a avaliação médica sobre a extensão da
lesão.
Em contraposição ao sentido do termo deformidade, o aleijão é
tido como sendo uma deformidade com prejuízo funcional de um
órgão ou membro do corpo humano.
O crime de ofensas corporais agravadas é um crime público,
salvo a previsão do n° 1, que constituí um delito semi-público, caso as
ofensas não causem perigo de vida ou não sejam cometidas com
recurso a armas ou instrumentos perigosos, ver § único do art. 360.
4. OFENSAS CORPORAIS QUALIFICADAS (arts. 365 e 367 CP)
As ofensas corporais previstas no artigos 359 e 360 do CP,
podem ser qualificadas pela pessoa do ofendido, nos termos art.365
do CP na redacção dada pela Lei n° 8/2002, de 5 de Fevereiro.
A qualificação de que resulta a agravação da pena, nos termos
do art. 365, resulta de uma especial sensurabilidade do agente, na
medida em que revela uma falta de consideração pelas relações de
parentesco.
Trata-se de um crime específico, na medida em que se exigem
qualidades especias para o agente e a vitíma.
O procedimento criminal não depende de impulso do ofendido
ou de seu representante legal, portanto, são crimes públicos,
resultando daí a irrelevância do perdão nestes casos.
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As ofensas previstas no art. 359 (ofensas corporais leves), caso
sejam cometidas de pais para filhos, com o intuito de os corrigir, no
exercício do poder parental, nos termos dos artigos 284 e 291 da Lei
da Família, onde se consagra o dever de orientação e correcção, tem-
se considerando admissível, operando, nestes casos, uma causa de
exclusão da ilicitude – o cumprimento de uma obrigação, prevista no
n° 4, do art. 44 do CP.
A qualificação que resulta dos maus tratos e sobrecarga de
menores e incapazes, nos termos do disposto no art. 367 do CP,
resulta de uma especial ligação que deriva da fragilidade da vítima e
da obrigação do agente de cuidar da vitima estabelecida por via de
um contrato ou da existência de uma relação familiar.
Trata-se igualmente de um crime específico, dada a exigência de
qualidades especiais do agente e, em relação a vítima exige que seja
menor de 21 anos de idade, resultando daí a impossibilidade de
qualificação por via da previsão do art. 367, no dia em que o indivíduo
atinge a maioridade.
A qualificação ocorre igualmente nos casos em que o ofendido é
um incapaz, nos termos do disposto no n° 2, do art.367 CP, ficando
acente a opção por uma maior censurabilidade nas situação em que a
ofensa ocorre em função de manifesta supremacia do agressor em
relacção a vitima, seja em função da idade ou do estado de doença da
vitima.
O elemento material do crime integra a prática de maus tratos
fisícos, falta de prestação de cuidados ou a de assistência à saúde,
emprego em actividades perigosas e sobrecarga física à vítima.
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Os maus tratos físicos, são agressões ou ofensas físicas cujos
efeitos atingem proporções graves na vítima, ou são praticadas de
forma reiterada sobre a vítima.
A falta de prestação de cuidados ou de assistência à saùde,
traduz vertente omissiva do delito de ofensas corporais, punindo-se o
agente pelos danos que a conduta omissiva suscita na vítima. Nestas
circunstâncias, o delito é um crimes omissivo próprio, na medida em
que a lei preve, expressamente, a punição da conduta omissiva.
O emprego em actividades perigosas ocorre sempre que ao
menor ou ao incapaz é atribuida uma actividade inadequada a sua
condição de fragilidade. Ao passo que a sobrecarga física, verifica-se
não em função da inadequação da actividade, mas em função da forma
como se exige o desempenho da actividade.
O delito do art. 367 é um crime semi-público, como se deprende
do paragrafo único do mesmo artigo.
5. OFENSAS CORPORAIS PRIVILEGIADAS (arts. 370 e 372,
n°s 2 e 3 CP)
Nos termos dos artigos 370 e 372, n°s 2 e 3, se o agente que
comete o delito de ofensas corporais, sob domínio de violenta emoção,
causada por injusta provocação da vítima ou motivo relevante de valor
social ou moral, terá a pena atenuada.
As circunstâncias previlegiadoras são legais especiais ou
específicas denominadas causas de atenuação da pena. São
subjectivas e incomunicáveis em caso de concurso de agentes.
No art. 370 CP, o elemento privilegiador é a provocação por
pancadas ou por outras violências. Trata-se, pois, de uma
circunstância atenuante inerente à culpa, baseada num estado de irá,
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dor, excitação ou cólera, causada no agente por conta da violência
grave da vítima contra si ou contra terceira pessoa.
Para que a diminuição da pena opere a lei exige que não haja
premeditação, pouco importando, o lapso de tempo que ocorrer.
Importente é que o agente não tenha serenado, de modo a fezer um
exame sereno e adequado da situação.
A premeditação, aqui referida não apresenta os mesmos
requisitos da premeditação referida no art. 352 CP, significando
apenas que o agente não pode formar o desígnio criminoso após ter
serenado.
No art. 372 CP, redacção da Lei n°8/2002, de 5 de Fevereiro, o
elemento privilegiador é a corrupção de menor, a qual nos termos do
art. 406 CP, redacção da Lei n°8/2002, de 5 de Fevereiro, constituí
um delito em que se pune o acto de “excitar, favorecer ou facilitar a
devassidão ou corrupção de qualquer menor de vinte e um anos”.
Trata-se de um delito específico, cujo fundamento privilegiador
é de ordem moral e social, o qual opera apenas nos casos em que o
agente não tenham sido participante do crime de corrupção de
menores.
6. VIOLÊNCIA FÍSICA (arts. 13 e 14 da Lei n° 29/2009, de 29 de Setembro)
Nos artigos 13 e 14 do Lei n° 29/2009, de 29 de Setembro,
pune-se a violência física simples e a violência física grave contra a
mulher, respectivamente.
Nestes crimes, confere-se especial protecção contra situações
de agressões físicas cometidas nas relações conjugais, nas uniões de
facto, nos namoros, parceiras amorosas e nas relações familiares. A
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violência sobre parceiros de relações extintas é igualmente
sancionado nos termos do artigo supramencionado.
Por força do disposto, no artigo 36 da Lei n° 29/2009, de 29 de
Setembro, o âmbito da protecção do tipo legal abrange, quer
situações que a vítima é uma mulher, quer situações em que a vítima
é um homem.
Nestes delitos verifica-se um agravemento da pena, dado que o
cenário doméstico, em muitos casos, proporciona uma maior
vulnerabilidade da vítima.
Um outro factor da agravação, deriva do facto esperar-se de
pessoas que mantém uma relação amorosa, colaboração e respeito
mutuo, sendo que a agressão física traduz uma forte contrariedade as
atitudes esperadas do próximo.
Igualmente considera-se haver, nestes casos um juizo agravado
de culpa, que se traduz no facto da pessoa que mantém a relação
amorosa sobrepor-se a relação de intimidade e proximidade que a une
ao outrem, e atentar contra a integridade física.
No art. 13 da Lei n° 29/2009, de 29 de Setembro, está previsto o
violência física simples, a qual se verifica sempre que da agressão não
resultar doença, dano corporal na vítima ou impossibilidade para o
trabalho. Nestes casos a lei preve a possibilidade aplicação de uma
pena alternativa prisão não prevista no Código Penal2.
No art. 14, encontra-se a modalidade agravada do delito de
violência física, o qual se preenche sempre que da violência resultar
doença, dano corporal na vítima ou impossibilidade para o trabalho.
A medida da agravação é estabelecida em função do dano na vítima.
Os crimes de violência física são públicos, segundo resulta do
disposto do art. 21, da Lei n° 29/2009, de 29 de Setembro.
2 O Código Penal, apenas prevê duas modalidades de penas alternativas a pena de
prisão, designadamente, substituição da pena de prisão por multa (art. 86 CP) e
suspensão da execução da pena (art.88 CP).
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