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Direito e imaginação institucional em Roberto Mangabeira Unger: os limites da análise jurídica racionalizadora Pedro Lino de Carvalho Júnior O objetivo do texto que apresentarei para o cumprimento da disciplina Seminário de Pesquisa III (cujo aprofundamento comporá parte da minha tese de doutorado) é expor, em traços amplos, o tema do direito enquanto saber a serviço do experimentalismo democrático e da imaginação institucional no pensamento de Roberto Mangabeira Unger. Deveras, entre as regras técnicas e as abstrações filosóficas, encontra-se um nível intermediário em que se colocam as questões cruciais da organização e da reorganização da sociedade. Para Unger, neste nível está a vantagem comparativa do jurista. O direito é o lugar privilegiado onde práticas e instituições se encontram com interesses e ideais, com toda a riqueza de uma realidade histórica e singular. Se a lei é a forma institucional da vida de um povo, não há como realizar nossos interesses e ideais sem que aprendamos a refazer nossas práticas e instituições a partir dos instrumentos jurídicos que o direito pode oferecer a partir do exercício da imaginação institucional. No particular, Unger é um acerbo crítico do waimarismo truncado e tardio da nossa constituição, na medida em que esta promoveu a constitucionalização de amplas e diversificadas expectativas sociais redistributivistas, sem apresentar os meios e instrumentos capazes de concretizá-las. A seu ver, a menos que se discutam modelos de reconstrução econômica e social, não se pode esperar muitos avanços na implementação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Ele propõe um modelo estilo de análise jurídica capaz de romper com o estilo idealizante de argumentação jurídica hoje hegemônico nos países ocidentais, baseado em princípios e políticas públicas ( que denomina de ―análise jurídica racionalizadora‖), cuja ambição se resume à tentativa de moderar a exclusão social a partir de práticas interpretivas pretensamente humanizadoras, porém incapazes de identificar e mesmo atacar as fontes dos males que subjazem nas estruturas da sociedade. Portanto, atribui à análise jurídica o papel de reimaginar e redesenhar novos modelos e práticas institucionais que favoreçam a convergência entre as condições para a

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Direito e imaginação institucional em Roberto Mangabeira Unger: os

limites da análise jurídica racionalizadora

Pedro Lino de Carvalho Júnior

O objetivo do texto que apresentarei para o cumprimento da disciplina Seminário de

Pesquisa III (cujo aprofundamento comporá parte da minha tese de doutorado) é expor,

em traços amplos, o tema do direito enquanto saber a serviço do experimentalismo

democrático e da imaginação institucional no pensamento de Roberto Mangabeira

Unger.

Deveras, entre as regras técnicas e as abstrações filosóficas, encontra-se um nível

intermediário em que se colocam as questões cruciais da organização e da reorganização

da sociedade. Para Unger, neste nível está a vantagem comparativa do jurista. O direito

é o lugar privilegiado onde práticas e instituições se encontram com interesses e ideais,

com toda a riqueza de uma realidade histórica e singular.

Se a lei é a forma institucional da vida de um povo, não há como realizar nossos

interesses e ideais sem que aprendamos a refazer nossas práticas e instituições a partir

dos instrumentos jurídicos que o direito pode oferecer a partir do exercício da

imaginação institucional.

No particular, Unger é um acerbo crítico do waimarismo truncado e tardio da nossa

constituição, na medida em que esta promoveu a constitucionalização de amplas e

diversificadas expectativas sociais redistributivistas, sem apresentar os meios e

instrumentos capazes de concretizá-las. A seu ver, a menos que se discutam modelos de

reconstrução econômica e social, não se pode esperar muitos avanços na implementação

dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Ele propõe um modelo estilo

de análise jurídica capaz de romper com o estilo idealizante de argumentação jurídica

hoje hegemônico nos países ocidentais, baseado em princípios e políticas públicas ( que

denomina de ―análise jurídica racionalizadora‖), cuja ambição se resume à tentativa de

moderar a exclusão social a partir de práticas interpretivas pretensamente

humanizadoras, porém incapazes de identificar e mesmo atacar as fontes dos males que

subjazem nas estruturas da sociedade.

Portanto, atribui à análise jurídica o papel de reimaginar e redesenhar novos modelos e

práticas institucionais que favoreçam a convergência entre as condições para a

emancipação individual e os elementos necessários ao favorecimento do progresso

material. Se é no direito que as democracias encontram e assumem a sua forma

institucional detalhada, é preciso libertá-lo de suas amarras e constrangimentos,

vocacionando-o ao cumprimento de sua importante missão política. Como nossos ideais

políticos e espirituais estão atados às práticas e instituições políticas que os representam

de fato, é no pensamento jurídico que estas instituições encontram sua representação

material e detalhamento, daí que o desenvolvimento do próprio direito encontra-se

vinculado ao destino do experimentalismo democrático. Portanto, é no direito que a

democracia radical encontrará os instrumentos para transformação do arcabouço

institucional que pretende desafiar, mas ao mesmo tempo, se não adotadas as devidas

salvaguardas, nele poderá encontrar seu mais desafiador escolho.

Esboço Preliminar do Historicismo Rortyano

Hilton Leal Da Cruz

A presente comunicação tem como tema um esboço preliminar do caráter próprio do

historicismo rortyano. A aproximação crítica ao tema em questão será precedida de uma

breve abordagem do modo como o filósofo Alemão Jurgen Habermas trata o tema do

historicismo na filosofia Moderna. Tal abordagem pretende oferecer tanto uma

justificação para o modo como esse tema deve ser tratado no contexto do pensamento de

Richard Rorty, quanto uma oposição que permita acentuar o caráter específico do

historicismo rortyano. Depois desse breve esboço do tema do historicismo, tal qual ele é

apresentado por Habermas, tomarei alguns aspectos da gênese do historicismo rortyano

a partir do livro A Filosofia e o Espelho da Natureza para em seguida acompanhar como

esse tema se apresenta nos artigos escritos entre 1972 e 1980 e publicados na coletânea

intitulada Consequências do Pragmatismo. Com tal abordagem espero tornar mais

sólida a afirmação de que as posições epistemológicas de Rorty devem ser

compreendidas tendo como pano de fundo sua compreensão do papel da narrativa.

A filosofia de Richard Rorty passou por diversas modificações no curso do seu

desenvolvimento. Não obstante, pelo menos a partir da Publicação do livro A Filosofia e

o Espelho da Natureza, o tema da relação entre os problemas filosóficos e as diferentes

narrativas sobre o enfrentamento desses problemas passou progressivamente a ocupar

um papel cada vez mais importante em seu pensamento. Tal atenção para os processos

formadores do que costumamos chamar de problemas da filosofia, por sua vez, conduz

a uma aguda crítica da auto-imagem que nós, professores dessa disciplina, temos

cultivado.

Boa parte do trabalho dos filósofos parte do pressuposto de que a filosofia deve ser

entendida como uma disciplina distinta, orientada para a resolução de problemas

perenes e específicos. Rorty sugere que, uma vez que compreendamos esses problemas

como decorrentes da utilização de um determinado vocabulário opcional, nossas

próprias intuições sobre o objetivo do labor filosófico, bem como do melhor modo de

atingir esse objetivo, se transformariam radicalmente. Tal tentativa de transformação da

auto-imagem do filósofo, um dos principais aspectos da ideia rortyana de terapia, se

daria mediante a adoção de duas estratégias: uma etapa de desconstrução interna dos

problemas da filosofia, e uma etapa que mostrasse porque determinados problemas se

tornaram tão cativantes a ponto de os considerarmos perenes, oferendo ao mesmo tempo

uma compreensão alternativa do trabalho da filosofia. A primeira estratégia é

desenvolvida por Rorty através da utilização dos recursos oriundos da filosofia analítica

recente, principalmente a partir da aplicação das ideias de Quine, Selars e Davidson,

dentre outros. A segunda estratégia de Rorty se desenvolve a partir da tentativa de

oferecer uma imagem alternativa do trabalho filosófico. A partir de uma descrição do

processo histórico de desenvolvimento dos vocabulários utilizados pelos filósofos (uma

descrição que deve muito à tentativa compatibilizar as ideias de Thomas Kuhn e de

Donald Davidson) Rorty tenta tornar palatável a ideia de que os problemas da filosofia

são opcionais e que deveriam ser compreendidos tendo como pano de fundo a sua

relevância, seja para propósitos públicos, seja para propósitos privados.

Margareth Rodrigues Coelho Vaz

RESUMO

Face às demandas sociais e econômicas atuais a Teoria Crítica foi reconfigurada pelas

por Kant, Marx, Hegel, Freud. Como parte destas reformulações a analítica da feminista

e teórica crítica Nancy Fraser tenta recuperar a teoria social crítica em defesa da

igualdade, legitimando práticas democráticas na esfera pública. A partir do eixo

temático Redistribuição e Democracia em Nancy Fraser a proposta é fazer um trabalho

de pesquisa, investigação e esclarecimento de como o projeto de renovação da teoria

crítica, laboriosamente elaborado ao longo das últimas décadas por Fraser reinventa o

projeto de emancipação social e radicalização da democracia e como este contribui para

o contexto da Teoria Crítica pós-habermasiana. O projeto de Teoria Crítica da autora foi

prioritariamente desenvolvido no locus da bidimensionalidade das categorias

redistribuição e reconhecimento em contraposição à crítica a que ela faz a Axel Honneth

pelo seu monismo normativo. Nesta controvérsia com Honneth ela absorve a categoria

da redistribuição como possibilidade de elaboração simultânea de diagnóstico e

prognóstico social, considerando como referência as ―coletividades bivalentes‖ que

sofrem de injustiça por reconhecimento social e por exclusão econômica. Assim, no

decorrer da pesquisa busca-se esclarecer se Fraser reivindica uma justiça ampla sem ser

generalista já que a mesma recupera a necessidade de incluir a ―redistribuição‖ como

condição objetiva da sociedade e não polariza esta condição diante das condições

subjetivas ou particulares. Nesta condição, examinar se a categoria de redistribuição é

capaz de reordenar a teoria social e política contemporânea, rompendo com a tendência

universalista e essencialista cunhada pela filosofia moderna é uma aposta deste trabalho,

dada a perspectiva de investigar se a tensão proposta por Fraser de integração e

interdependência entre as categorias de redistribuição e reconhecimento corrobora de

fato com o projeto de ampliação da democracia. Como Fraser justifica o seu projeto de

emancipação e teoria social nas perspectivas de ―afirmação‖ e ―transformação‖, cabe

também identificar em que medida o seu projeto de justiça social é ou não pautado na

perspectiva não reformista, mas transformista; analisar, nos seus argumentos, se ele é

capaz de estruturar uma práxis justa e se legitima instituições sociais a agir em meio à

perspectiva plural, complexa e antagônica das reinvindicações atuais. Diante desta

condição complexa da sociedade Fraser é herdeira do vocabulário filosófico e político

descendentralizante e, ao mesmo tempo, parece aproximar e afastar das teorias

explicativas da democracia, fundadas em interesse substantivos ou em pressupostos

filosóficos de prioridade da contingência. Isto pode ser verificado no seu marco teórico

que, contra Honneth, ela propõe ultrapassar o reconhecimento como mera

autorealização e contra a concepção de esfera pública habermasiana ela propõe que a

democracia, diante da globalização e neoliberalismo, não se faz apenas com

procedimentos, mas absorção da economia política, capaz de reconhecer as

particularidades, promover inclusão social de grupos marginalizados socialmente,

valorizando os princípios ético-políticos da igualdade e liberdade.

PALAVRAS-CHAVES: Redistribuição, democracia, Teoria Social Crítica.

Emancipação e cidadania multicultural, em países democráticos, na

filosofia de Jurgen Habermas

Ilca Santos de Menezes

Em sua primeira obra, Mudança estrutural da esfera púbica, de 1962, Habermas trata do

conceito de esfera pública, nosso princípio democrático. Na racionalidade comunicativa,

inerente à esfera pública, existe um potencial de emancipação que Habermas permanece

trabalhando em seus desenvolvimentos filosóficos posteriores. Em obras como

Conhecimento e interesse, de 1968, Para a reconstrução do materialismo histórico, de

1976, e Teoria da ação comunicativa, de 1981, Habermas trabalha com a racionalidade

comunicativa numa perspectiva emancipatória para o sujeito e a sociedade, em países

democráticos. Na filosofia de Habermas, a teoria sobre a ação comunicativa é central, e

o conceito de emancipação, portanto, permanece presente. Mas a partir da década de

noventa seus estudos voltam-se principalmente para a questão da fundamentação e

implementação de uma democracia nas sociedades contemporâneas, marcadas pela

globalização e pela pluralidade cultural. O conceito de cidadania, em Habermas, se

refere a uma fonte de legitimação para implementação dos procedimentos democráticos,

e tem função social integrativa, constitui, portanto, um elemento essencial à sua teoria

democrática. No texto Cidadania e identidade nacional, de 1990, em Direito e

democracia, Habermas discute sobre a relação entre Estado e democracia, levando-o a

desenvolver o conceito de cidadania a partir da ideia de autolegislação de Rousseau e

Kant. Em obras como A constelação pós-nacional, de 2001, O ocidente dividido, de

2004, e Sobre a constituição da Europa, de 2011, Habermas tematiza sobre a cidadania

em sociedades democráticas, no mundo contemporâneo, globalizado. Segundo

Habermas, a formação clássica do Estado nacional, que está ligada às origens da esfera

pública, conta com a homogeneidade cultural dos seus cidadãos. Na atualidade o Estado

nacional confronta-se com a realidade da globalização, processo em que os sujeitos

entram em contato com outros povos através dos meios de transporte, assim como

virtualmente, através dos meios de comunicação, e têm informações em tempo real. O

sujeito forma sua opinião e exerce sua cidadania enquanto convivendo com estrangeiros

e mantido informado sobre a realidade dos fatos em seu país e nos demais. Para

Habermas, o conceito de globalização significa transgressão, remoção das fronteiras, e,

portanto, representa uma ameaça para aquele Estado-nacional que vigia fronteiras. A

globalização e o multiculturalismo parecem influenciar no conceito de cidadania

democrática, que originariamente está relacionado à identidade nacional. O presente

projeto de pesquisa propõe recuperar o conceito de emancipação em Habermas e aplicá-

lo à sua teorização mais recente, aproximando emancipação de cidadania, e cidadania

(e, logo, também emancipação) de um contexto novo: o da globalização e do encontro

transcultural. Para alguns autores quase não há esperança para uma possível

emancipação humana. Outros consideram difícil uma construção da opinião e da

vontade pública em sociedades multiculturais. A apreensão conceitual e o estudo

filosófico da temática proposta são importantes para a filosofia política e a teoria social,

porque a cidadania democrática pressupõe uma sociedade esclarecida e emancipada, e

especialmente na contemporaneidade há os desafios da globalização e do

multiculturalismo.

O Conceito de Erfahrung em Hegel e sua perspectiva prática

Carla Vanessa Brito de Oliveira

Objetiva-se apresentar as linhas fundamentais da pesquisa "O Conceito de Erfahrung em

Hegele sua perspectiva prática". Erfahrung traduz o conceito hegeliano do processo de

experiência. Na Fenomenologia do Espírito (1807), Hegel apresenta a experiência

enquanto o desenvolvimento da interação entre sujeito e objeto. Antje Gimmler (2004)

identifica o caráter prático dessa experiência, evidenciado também pelo filósofo

contemporâneo Habermas, em Verdade e Justificação (1999), ao percorrer os possíveis

caminhos de destranscendentalização da filosofia hegeliana, concebendo o sujeito em

Hegel como prático-cognitivo. Gimmler, sobretudo, identifica o caráter prático de modo

a mostrar que, em Hegel, a relação entre sujeito e objeto não se resume ao viés

cognitivo, mas aponta para uma dimensão poética. Desse modo, Gimmler interpreta

pragmaticamente o conceito hegeliano de experiência através de uma noção de

intersubjetividade correlacionada com a ideia de transformação ativa da realidade; essa

interpretação, como destaca a autora, tem lugar a partir do capítulo sobre o senhor e o

escravo, na Fenomenologia. Nesse sentido, a pesquisa se apresenta como uma proposta

de incursão à filosofia hegeliana a partir do conceito de Erfahrung, em diálogo com a

apropriação contemporânea desse conceito.

Habermas concebe o sujeito hegeliano como prático-cognitivo, capaz de estabelecer

relação a partir de mediações como linguagem, trabalho e interação, mediações que

balizam a relação entre intersubjetividade e objetividade. Essa compreensão oferece,

conforme Habermas, uma concepção pós-mentalista, ou antirepresentacionista. Segundo

Gimmler, é característico do representacionismo o ―vocabulário mentalista‖, usado por

um sujeito auto-referente que produz a representação do mundo através da introspecção.

O representacionismo teria como base a relação epistemológica de contemplação entre

sujeito e objeto e, o pragmatismo, por sua vez, mudaria essa perspectiva contemplativa

ao conceber o sujeito em relação prática-pragmática com o mundo.

O ponto de partida da Fenomenologia refere-se à forma mais elementar do problema da

inadequação da certeza do sujeito e da verdade do objeto. E o que norteia a experiência

do conhecimento é justamente a relação entre o sujeito e o objeto como objeto da

própria experiência. Nesse sentido, a verdade do objeto é o discurso do sujeito que é,

também, o autoreconhecer-se do sujeito: experiência. Observamos que no estágio da

dialética do reconhecimento, na experiência, é inserido o elemento do agir: o

movimento da consciência-de-si em relação a uma outra consciência-de-si se representa

como ―o agir de uma delas‖, porém, dada a independência própria de uma consciência-

de-si na relação, a primeira consciência não tem diante de si um objeto, mas uma outra

consciência-de-si independente, de modo que seu agir depende também do agir da outra.

O jogo das forças do duplo movimento do agir instaura a relação senhor e escravo. A

relação dialética das duas consciências instaura as estruturas da intersubjetividade bem

como a produção do mundo humano. O objetivo é entender como e identificar nas

mediações o caráter prático dessa relação destacado pelo Pragmatismo. Observamos que

este estágio dialético fora possível através da autocrítica do conhecimento por

representação, realizada na própria experiência de modo a constituir a base para a

superação da figura clássica do sujeito cognoscente contemplativo para um sujeito

prático-cognitivo.

A amplitude do monismo anômalo de Donald Davidson como uma possível

resposta ao problema da causação mental

Juliana de Orione Arraes Fagundes

Donald Davidson propõe uma conciliação entre o fechamento causal do mundo físico e

a ideia de que os eventos mentais (ao menos alguns deles) fazem parte da cadeia causal

natural. O objeto da pesquisa será buscar uma reposta para a questão acerca de se o

monismo anômalo proposto por Donald Davidson é suficientemente amplo para que a

possamos considerar uma efetiva contribuição acerca do tema, já que a teoria de

Davidson trata apenas das atitudes proposicionais e não dos chamados aspectos

fenomênicos do mental, ou qualia. Atitudes proposicionais são estados mentais que

envolvem uma tomada de posição – por exemplo, crer, temer, desejar ou rejeitar. Tais

estados mentais têm como escopo uma proposição. Em geral, as atitudes proposicionais

são diferenciadas de outro tipo de estados mentais que compõem a experiência subjetiva

e são chamados de estados fenomênicos ou qualia. Muitos autores, como Chalmers, por

exemplo, defendem que esse último tipo de estado mental não pode ser estudado a partir

de um ponto de vista objetivo e não possui qualquer poder causal sobre o nosso

comportamento, adotando uma posição chamada ―epifenomenalismo‖. A proposta de

Davidson nega o epifenomenalismo, mas não exatamente o tipo de epifenomenalismo

proposto por Chalmers. Davidson sustenta que as nossas ações são causadas por estados

mentais. Os estados mentais relevantes na produção da ação humana, contudo, são as

atitudes proposicionais. Davidson sustenta que, embora os motivos do agente sejam

causas de suas ações, não há leis estritas que expliquem a regularidade causal na relação

entre os eventos mentais e as ações humanas. Para a explicação de uma mesma ação,

por exemplo, há diversas atitudes proposicionais que poderiam servir de base. Por isso,

ainda que o mental integre a cadeia causal da natureza, ele é anômalo, daí o título de

monismo anômalo dado à sua posição. Um comportamento ou um estado mental só

pode ser explicado por meio de uma ampla relação com diversos outros estados mentais

e comportamentos e tal relação deve atribuir racionalidade e coerência a esse todo, para

que se possam derivar as causas das ações. Ocorre que, aparentemente, essa negação do

epifenomenalismo feita pelo monismo anômalo não é capaz de minar um

epifenomenalismo do tipo proposto por Chalmers. Este autor divide os problemas do

mental em problemas fáceis e ―O Problema Difícil‖, sendo este o problema de explicar

como eventos físicos são acompanhados de estados mentais fenomênicos. Embora o

problema das atitudes proposicionais seja complexo, segundo ele, poderá ser

solucionado por desenvolvimentos posteriores da psicologia. Assim, mesmo que

Chalmers aceitasse o monismo anômalo, o epifenomenalismo de qualia permaneceria

intacto frente às suas propostas de abordagem do mental. Diante disso, parece haver

duas maneiras de se evitar o epifenomenalismo: uma delas seria argumentar que os

estados mentais ditos fenomênicos não possuem existência real e são uma ilusão criada

por nós para lidar com o mundo externo, como faz Dennett. A outra maneira, seria

aceitar a existência real desses estados subjetivos e, em seguida, tentar mostrar que os

estados chamados fenomênicos possuem expressão objetiva e influenciam diretamente

os nossos comportamentos.

Francisco de Assis Silva

RESUMO

A presença da literatura na obra de Marx marca sua história desde a juventude, com

leituras de autores como Shakespeare, Goethe e Balzac. Entretanto, de poeta, como

pretendia ser, Marx torna-se um pensador e crítico da sociedade burguesa, dedicando-se

ao estudo da economia política clássica, no intuito não apenas de evidenciar suas falhas,

mas de contribuir para a formação de uma ―ciência econômica‖ que fosse realmente

científica. A literatura, portanto, pareceria estar à margem diante da busca da

cientificidade, mas não é isso o que ocorre, Marx desde o início dos seus estudos

econômicos traz consigo a literatura com toda sua vivacidade.

A UTOPIA CONCRETA DE MARCUSE

Cristian Arão Silva de Jesus

Utopia e concretude são conceitos frequentemente usados como antagônicos. Este

trabalho, porém, tem por objetivo desenvolver uma ideia de conexão entre os dois

conceitos. Para Marcuse, uma relação de dependência entre estes termos é essencial

para a construção de uma proposta de transformação social. O autor se vale do conceito

de utopia para trazer à tona a importância de se imaginar sociedades futuras. Contudo,

para que essa utopia possa se realizar, deve-se levar em consideração as condições

materiais para analisar como é possível dar vida à esta sociedade imaginada. Sendo

assim, a utopia é importante pois ela permite radicalizar a proposta de mudança social.

Porém, essa proposta não pode ser puramente abstrata, é necessário entender a

sociedade presente para saber o que é possível mudar.

O poder das mercadorias e a superação do poder político em Marx

Ademar Bogo

Karl Marx (1818 – 1883) ao tratar da forma mercadoria em sua obra O capital, enfrenta

o problema do fetichismo e entende que a mercadoria em si, imediatamente, parece ser

uma coisa trivial e compreensível, mas, analisando-a mais profundamente descobre que

ela é portadora de algo muito estranho e está cheia de sutilezas metafísicas e argúcias

teológicas. No entanto, o caráter misterioso da mercadoria, não provém de um poder

extraterreno senão da própria forma mercadoria que, vale-se da magnitude do valor,

como uma lei, encarnada nela pelo trabalho humano para assumir para si a

responsabilidade de efetivar a troca com outra mercadoria, transformando assim, os seus

proprietários em meros representantes dos produtos que desejam trocar. Os proprietários

de mercadorias, por sua vez, submissos à lei do valor, aceitam que as magnitudes do

valor se relacionem diretamente entre si; por isso no mercado, não é a troca que regula a

magnitude do valor da mercadoria, mas, ao contrário, é a magnitude do valor da

mercadoria que regula as relações de troca. Daí resulta que as características sociais do

trabalho dos homens ficam encobertas porque, as mercadorias ocultam e dissimulam as

relações entre os trabalhos individuais fazendo com que uma relação social definida,

estabelecida entre os homens, assuma a forma fantasmagórica de uma relação entre as

coisas. Dessa maneira é que, no mercado apenas se confrontam os possuidores de

mercadorias e o poder que exercem uns sobre os outros é somente o que deriva de suas

mercadorias. O problema central que suscita essas relações, é que se o poder social está

diretamente vinculado às coisas, os homens que compõe as classes sociais não passam

de meros funcionários das necessidades dessas formas sociais de relações, que

produzem e se reproduzem a despeito do poder humano; nesse caso a política seria um

mero espetáculo e uma forma voluntária de servidão? Marx aponta que a superação da

opressão se dará com substituição da antiga sociedade civil por uma associação capaz

de excluir as classes e seus antagonismos e, não mais haverá poder político

propriamente dito, já que o poder político é precisamente o resumo oficial do

antagonismo na sociedade civil. Neste sentido, o objetivo desse estudo é investigar

como o poder das mercadorias intervém sobre o poder político na sociedade capitalista,

que contradições criam e como podem ser superadas tendo em vista a emancipação

humana.

A noção de corpo em Beauvoir

Karla Cristhina Soares Sousa

Investigaremos a noção de corpo como situação e sua relação com a crítica ao mito do

eterno feminino na filosofia beauvoireana, com o intuito de esclarecer em que medida

essa ideia de corpo influenciou na desconstrução deste mito e possibilitou abertura para

as pesquisas no campo da filosofia / feminismo. Em seu ensaio O Segundo Sexo,

Beauvoir trata diretamente com o que chama de segundo sexo, ou seja, a condição

existencial do ser humano dentro da modalidade sexual de fêmea. Para tanto, dentro da

linha filosófica existencial, rejeita a ideia de essência feminina. Por esta ótica o corpo

aparece definido a partir da existência. É partindo da existência que se pode significar e

valorar o corpo. Os dados da biologia tornam-se abstratos, a inferioridade muscular do

corpo feminino surge dependente de um contexto existencial. Assim, a problemática do

nossa pesquisa limita-se a questionar a noção de corpo dada pelo existencialismo

beauvoireano: Qual a compreensão de ―corpo em situação‖ no Segundo Sexo, de

Simone de Beauvoir? Qual a relação desta noção com a de corpo fenomênico? Em que

medida esta influenciou na desconstrução do eterno feminino? Para tanto, como se trata

de um trabalho de cunho filosófico, faremos uma análise hermenêutica dos ensaios

existenciais da Simone de Beauvoir, em destaque o seu ensaio O Segundo Sexo.

Palavras-chave: Feminino; Corpo; Existência; Essência

A noção de escolha na ontologia existencial de Sartre

Cristina Moreira Jalil

Nosso objeto de estudo é a escolha no pensamento de Jean-Paul Sartre, o qual

exploraremos tomando como corpus principal a obra O Ser e o Nada. Em contraponto

às abordagens deterministas da ação, hegemônicas à época, Sartre propõe uma

compreensão da conduta humana que não obedece a uma lógica causal linear, sem,

tampouco, ser arbitrária. Ele apresenta um ser dos possíveis, uma existência ativa,

responsável e engajada, marcada pelas possibilidades. A ação é, no limite, uma escolha,

na medida em que se escolhe agir de uma maneira, em detrimento de qualquer outra. A

escolha apresenta-se como inevitável e necessária, visto que o não escolher já implica

em uma escolha. Esse caráter de necessidade, no entanto, não está presente no

estabelecimento das causas da escolha, esta prescinde de determinação linear, externa e

apriorística. Sartre, todavia, não nega o lugar dos motivos e do contexto pragmático nas

escolhas individuais. Ao contrário, o filósofo propõe uma compreensão da conduta

humana em situação, ou seja, contextualizada e, segundo ele, é o próprio sujeito quem

escolhe seus motivos e lhes confere valor e significado, à luz de um fim, que consiste no

projeto futuro que faz de si mesmo. A cada ação, por mais insignificante que pareça, o

homem se escolhe e reafirma seu projeto fundamental.

Esclarecer o modo como se dá essa escolha é o nosso objetivo principal no

desenvolvimento deste trabalho. Isso implica em investigar o funcionamento e os

limites dessa escolha, bem como a posição subjetiva nela envolvida. Para alcançar este

objetivo, torna-se indispensável esclarecer a noção de projeto fundamental e o processo

de significação dos motivos, bem como atentar à maneira como a escolha se articula

com os demais aspectos relacionados à conduta humana – tais como liberdade,

facticidade e situação – a fim de estabelecer, de forma organizada e bem articulada, o

panorama no qual as escolhas se dão. Abordaremos a temática buscando identificar

enquanto necessários, possíveis e contingentes os aspectos que envolvem a conduta

humana. Este caminho, acreditamos, possibilitará uma visão sistemática, facilitando a

compreensão. Pretendemos, também, elucidar alguns pontos que circundam a proposta

central, bem como a crítica de Sartre à teoria psicanalítica, aos libertários e ao

determinismo.

Tendo em vista que, para Sartre, ser é fazer-se, é escolher-se, trata-se, no limite, de

pensar sobre a própria noção de ser, o que torna evidente a relevância da investigação

desta temática em sua filosofia. Para ele, o homem se produz, em lugar de ser produzido

por determinantes externos ou mesmo por uma essência que o impele a agir de um tal

modo. Sua proposta nos encaminha a uma subjetividade a fazer-se continuamente por

meio de escolhas de um sujeito diante das suas possibilidades. Esperamos e acreditamos

ser possível, através do trajeto proposto, esclarecer a temática de modo a afastar

incongruências e equívocos de interpretações menos cuidadosas e aprofundadas dos

textos utilizados, além de possibilitar um panorama mais claro e preciso da tensão que

atravessa a agência humana em Sartre. Por fim, uma articulação adequada da temática

será fundamental até mesmo para que se possa, em seguida, avançar na direção de

discutir os aspectos ético-políticos da liberdade sartreana, os quais extrapolam o nosso

escopo, mas cuja importância não ignoramos.

Normatividade deontológica e teleológica

Saulo Moraes de Assis

Até muito recentemente o debate epistemológico estava bem definido num âmbito de

afirmações que não pareciam se confundir com outros âmbitos, como a ética ou teoria

da ação. Nesse sentido, conhecimento era visto como uma espécie de cálculo das

melhores razões e o agente epistêmico aquele capaz de, dadas as condições adequadas,

executar tais cálculos para alcançar a verdade. Isso é a superfície tanto de uma

concepção monista da verdade quanto de uma noção internista da justificação. Ainda

que monismo e internismo não andem juntos necessariamente, afinal muitas

formulações confiabilistas são monistas, é de se destacar como o debate epistêmico

estava centrado em como a justificação conduz à verdade. Nesse texto, pretendo

modestamente fazer aproximações entre termos empregados no âmbito moral e como

eles podem ter um valor explicativo para a epistemologia, quando usados para entender

a força normativa que alguns termos, principalmente justificação, adquirem no debate

epistemológico atual. Para isso, remontaremos ao que acreditamos ser o locus

primordial mais importante dessa discussão.

Razão e Agência Epistêmica: Uma investigação filosófica acerca da noção

de Pessoa

Ana Margarete B. de Freitas

Atualmente, um dos maiores debates em filosofia gira em torno do aparato conceitual

que podemos utilizar para descrever pessoas. De acordo com Millar, uma das formas de

compreendermos pessoas é a partir do entendimento pessoal, um tipo de compreensão

que difere de modo acentuado da compreensão científica, visto que o primeiro lida com

atitudes proposicionais e agência epistêmica, envolvendo, consequentemente,

racionalidade e conhecimento reflexivo; enquanto o segundo tipo lida com teorias

empíricas que contam com regularidades e causas perceptíveis na natureza. Uma

explicação científica naturalista das ações humanas afirma que as razões para as ações

intencionais de um agente podem ser reduzidas a eventos físicos, considerando-se,

assim, crenças e desejos como elementos causalmente irrelevantes, ou que a reflexão

não é um processo mais valioso do que um processo não refletido, não tendo um papel

importante para as performances cognitivas e agenciais. Segundo Sosa, a ausência do

conhecimento reflexivo acarretaria a perda do aspecto desejável da coerência e do

entendimento das ações, visto que a reflexão requer que o conhecedor tenha uma

perspectiva epistêmica de sua crença, uma perspectiva pela qual ele endosse a fonte

dessa crença como confiavelmente condutiva à verdade. Quando falamos de pessoas,

atribuímos predicados psicológicos e um tipo de conhecimento que envolve crença e

verdade. O conceito de pessoa compreende, assim, uma virtude epistêmica, um traço de

caráter que torna o sujeito mais apto para a obtenção da verdade. A nossa suposição é

que a noção contemporânea de pessoa confere a esta entidade um status epistêmico que

a impede de ser reduzida às explicações naturalistas, devido à necessidade de atribuição

de atitudes proposicionais e agência epistêmica. Em vista disso, esse trabalho pretende

fazer uma investigação acerca do conceito de pessoa a fim de encontrar um lugar

epistêmico para as explicações das ações humanas no vocabulário psicológico.

Palavras-chave: pessoa, razão, naturalismo, virtude epistêmica.

Sobre as bases ontológicas do Breve tratado: a relação entre Deus e seus

atributos

Luis Marcelo Rusmando

Na abertura do Breve tratado, após demonstrar a existência de Deus e defini-lo como

sendo ―um ser do qual é afirmado tudo, a saber, infinitos atributos, cada um dos quais é

infinitamente perfeito em seu gênero‖, Espinosa passa a comprovar a existência

necessária destes, partindo da demonstração de que toda substância é ilimitada, e, desta

maneira, infinitamente perfeita em seu gênero. Considerando a estrutura inicial do

Breve tratado, é possível afirmarmos que, nessa obra, os atributos divinos recebem o

tratamento explícito de substâncias, e que a existência de Deus é demonstrada a partir

da existência dos atributos divinos. Essas afirmações, por sua vez, permitem-nos

sustentar a tese de que o Breve tratado não compreende propriamente um tratado a

respeito de Deus, e sim dos atributos divinos. Chegarmos a tal teoria, no entanto, ao

tempo em que exige analisar as demonstrações da existência de Deus, expostas por

Espinosa nas primeiras linhas do Breve tratado, demanda analisar minuciosamente o

processo demonstrativo por meio do qual Espinosa, pouco depois, conclui a existência

necessária dos atributos divinos. Na apresentação referente à atividade acadêmica

Seminário de Pesquisa III, apresentaremos a nossa análise do primeiro estágio desse

processo demonstrativo (através do qual, como observamos acima, Espinosa comprova

a ilimitação e perfeição em gênero das substâncias ou atributos), concentrando a nossa

investigação na relação que o filósofo estabelece entre Deus e os atributos divinos.

A TENSÃO ENTRE DIREITOS HUMANOS E SOBERANIA POPULAR

Antônio Mário Dantas Bastos Filho

O objetivo inicial do presente trabalho é investigar a tensão, presentes nos estados

democráticos, entre os elementos de Soberania Popular e Direitos Humanos, e de

elementos que lhe são correlatos como, principalmente, as ideias de autonomia pública,

autonomia privada e autonomia política.

A soberania popular é o poder soberano do estado, garantidor do ordenamento jurídico e

da harmonia social, que emana diretamente do povo, por intermédio da ação de seus

representantes. Os direitos humanos são direitos de caráter especialíssimo que nos

remetem a um ideal de garantia de uma existência digna a todo e qualquer indivíduo.

Dentre os elementos fundantes que principalmente justificam a noção de soberania

popular estão justamente a garantia e manutenção dos direitos humanos.

A tensão que se pretende analisar é visível, principalmente, em situações nas quais os

atos dos governos dos estados democráticos entram em conflito direto com os direitos

essenciais dos indivíduos – sejam eles cidadãos membros ou não daqueles estados - que

devem ser garantidos pela soberania popular em qualquer circunstância.

Seguiremos como principal referencial a linha de pensamento da ética do discurso,

proposta por Habermas em sua obra Direito e Democracia, de 1992, que fundamenta

sua análise em uma premissa eminentemente linguística. Segundo Habermas, para a

elucidação da tensão entre a soberania popular e os direitos humanos, relações internas

reveladas eminentemente por fatores linguísticos seriam muito mais esclarecedoras e

relevantes do que fatores extrínsecos. Permeando todas essas relações está a categoria

do Direito. Habermas, assim, observa que o Direito opera em uma dimensão dupla e

concomitante de facticidade e validade. A dimensão de facticidade está associada à

aplicação da norma jurídica, enquanto a dimensão de validade a uma ideia de

reconhecimento e legitimidade da norma. Assim, em certa medida, quando o Direito se

apresenta enquanto norma jurídica positivada ele deve encontrar fundamentação e

aceitação nas práticas e costumes de uma sociedade, ou, também é possível, relacionar-

se a um reconhecimento de identidade entre norma e autonomia política do cidadão.

Habermas aponta ainda que o Direito é uma categoria que detém um grande potencial

que ele define como ―reconstrutivo‖ das relações sociais, dada essa dimensão de

facticidade e validade que lhe é tão característica e as relações internas que por sua vez

entabula com os demais elementos que são constitutivos do estado democrático de

direitos. Assim, propõe que o exercício de sua teoria da ação comunicativa na forma da

ética do discurso, aplicada as relações entre indivíduo e estado, possa auxiliar na

solução de tensões que se apresentam de maneira aparentemente intrínseca no contexto

dos sistemas de direitos.

Em um estado de direitos a ideia de autonomia é central. É partir do ideal de autonomia,

conforme proposto por Kant, que todo o sistema de direitos se forma. O sistema legal se

estrutura, em suma, para garantir que o indivíduo tenha seu direito à liberdade

garantido. A máxima de que o indivíduo tem a liberdade de fazer tudo aquilo que quiser

desde que a lei não o proíba emana da ideia de autonomia. Mais especificamente

daquilo que Habermas vem a chamar de autonomia privada. O elemento da autonomia é

ainda desdobrado em autonomia pública, que seria o uso da autonomia orientado para

um bem comum, e a autonomia política, um recorte específico do uso da autonomia

pública voltado para o exercício dos direitos de participação política. E é a ideia de

autonomia política que se apresenta uma relação interna direta com os ideais de

autodeterminação política e de autogoverno, ideais esses que são centrais aos sistemas

democráticos, e, portanto, à soberania popular. É certo assim que a soberania popular

encontre seu limite na noção de autonomia do indivíduo, principalmente na autonomia

em sua perspectiva política a qual, por sua voz, é normalmente expressa através dos

direitos políticos de participação democrática dos cidadãos nos estados de direito.

Todavia o sistema protetivo de direitos não deve excluir aqueles que - considerada a

perspectiva do poder soberano em um estado democrático - não detém direitos de

participação política. Ou seja, os indivíduos que devem estar submetidos à tutela do

direito – e consequentemente do estado – não são apenas aqueles que gozam da

condição de cidadão, mas em verdade, todo e qualquer ser humano.

Numa definição simplificada, direitos fundamentais se apresentam como aqueles

direitos essenciais ao indivíduo enquanto cidadão, enquanto que direitos humanos, por

sua vez, seriam aqueles direitos essenciais ao indivíduo enquanto ser humano. Não se

tratam de definições necessariamente excludentes, mas que auxiliam no esclarecimento

da relação do indivíduo com o estado em duas perspectivas distintas.

Essa demanda especial dos direitos humanos de depreende da própria noção de

autonomia. Habermas entende – com base no ideal kantiano – que a noção de

autonomia seria um direito fundante de todo o sistema de direitos. Para Kant não se

trata, contudo, apenas de um direito fundamental. A ideia de autonomia seria

intrinsicamente garantida justamente pela faculdade da razão da qual todo ser humano é

dotado. Nesse sentido, antes mesmo de ser um direito fundamental, a autonomia é seria

um direito intrinsicamente humano. E na medida em que a autonomia do indivíduo é

exercitada para a constituição e manutenção dos sistemas legais – através das ideias de

autogoverno e autodeterminação política – e democráticos, esta se relaciona muito mais

a uma perspectiva de direito humano fundante do que de um direito político

fundamental.

É nesse sentido que todo e qualquer estado soberano deve sempre observar os direitos

humanos. A garantia dos direitos humanos não deve se restringir, assim, aos cidadãos

nacionais, mas a todo e qualquer indivíduo. Trata-se de uma relação necessária entre

sistema de direitos, autonomia e estados soberanos estruturados em ideais democráticos.

Habermas desenvolve essas relações em outros ensaios quando trata especificamente da

questão dos direitos humanos, identificando a ideia de dignidade humana como um

elemento central daquela ideia de que a soberania popular deve buscar seu limite e suas

orientações na garantia de uma existência digna de todo e qualquer indivíduo, sendo

esta a forma mais legítima e autêntica de garantir a autonomia.

Esta ideia é mais bem desenvolvida quando ele se propõe a analisar mais uma vez uma

proposta de Kant: a ideia da possibilidade de direitos cosmopolitas. Habermas aponta

que, no intuito de se evitar abusos do exercício da soberania popular sobre os direitos

humanos, da forma mais apropriada seria a construção de um sistema jurídico que

submetesse até mesmo a soberania popular.

A resposta para isso seria a construção de um sistema de direitos cosmopolita –

inspirado no ideal proposto por Kant – que se prestasse a defender os direitos humanos

ainda que submetendo a soberania popular a um poder supranacional. Esse poder, na

opinião de Habermas, poderia ser exercido por uma ONU reformulada de acordo com

premissas de participação política que refletiriam o exercício da autonomia pública e

política em um panorama transnacional. O exercício da autonomia política no plano

transnacional conferiria a legitimidade necessária a um sistema de direitos cosmopolita.

Contribuem para essa visão de Habermas a relativização que a ideia de soberania

popular tem sofrido, em função dos novos desafios impostos por um contexto político

efetivamente inter-relacionado numa perspectiva global e contingências – como

questões ambientais, econômicas, comerciais e a situação dos refugiados humanitários –

que vem demonstrando a necessidade cada vez mais frequente de ações de organismos

transnacionais que ultrapassem fronteiras e os limites dos estados nocionais que

restringem a eficácia dos sistemas legais.

Nesse sentido se alinham ao pensamento de Habermas os entendimentos expostos por

pensadores como Seyla Benhabib, Jean Cohen e David Held, em favor de um direito

cosmopolita, muito mais por se tratar da forma mais apropriada de se garantir que os

direitos humanos atendam aquela ideia de existência digna à qual principalmente

deveriam se remeter.

A Justiça como equidade e o Liberalismo Político em Rawls: a viabilidade

da Política de Cotas

Everton Mendes Francelino

O problema das relações raciais no Brasil é tão antigo quanto sua história. Atualmente,

apesar de vivermos em uma sociedade que possui um sistema político democrático, a

igualdade racial ainda é um grande desafio de nossa época. Desde que a política de

cotas foi implementada no Brasil, vários argumentos favoráveis e contrários têm

provocado uma série de debates acerca de sua validade. A relevância do debate acerca

da utilização da política de ações afirmativas é algo intrínseco à filosofia política

contemporânea, uma vez que qualquer processo de exclusão social compromete os

ideais de justiça e igualdade das atuais sociedades democráticas existentes.

A teoria da justiça como equidade do norte-americano John Rawls, proporciona uma

perspectiva que possa fundamentar as bases para uma sociedade justa, em termos de

liberdades fundamentais para todos e, principalmente, de igualdade equitativa de

oportunidades. Assim, a teoria rawlsiana impulsiona uma reflexão acerca da

necessidade de utilização de um mecanismo compensatório que diminua o quadro de

desigualdade racial existente em nossa sociedade. Por meio do mecanismo de

representação da posição original e do véu da ignorância, a justiça como equidade

propõe um sistema de cooperação social entre cidadãos que, concebidos como livres e

iguais, seja capaz de pensar e conceber uma sociedade justa e igualitária a partir da

elaboração de alguns princípios razoavelmente justos para toda a sociedade.

Dentro dessa perspectiva, a teoria da justiça de Rawls é compreendida como uma

alternativa política de enfrentamento à desigualdade racial, situando a política de cotas

como um mecanismo de equidade e justiça social, que proporcione uma igualdade de

oportunidades a um segmento da população desfavorecido, devido ao tempo de

submissão e degeneração de sua identidade.

INTUIÇÃO E ARTE EM BERGSON

Paulo Deimison Brito dos Santos

Este pesquisa tem como objeto a reflexão sobre a concepção de arte proposta pelo

filósofo francês Henri-Louis Bergson (1859-1941). Pretendemos assim, enfatizar a

relação entre a arte e a filosofia discorrida por ele. Nesse sentido, a investigação

filosófica proposta por Bergson consiste em perceber a fluidez vivida por nós em

oposição à produção de conceitos estáticos. Desse modo, também levaremos em

consideração a relação entre filosofia, arte e ciência, de maneira a perceber algumas

demarcações discorridas pelo filósofo acerca da real compreensão do tempo, este que,

pode ser descrito como duração. Nessa perspectiva, a arte nos levaria a percepção da

duração, do tempo real. Na obra Ensaios sobre os dados imediatos da consciência

(1889), Bergson concebe a arte como exemplo de superação da condição humana por

meio da percepção de si. A arte, para o filósofo, seria a via de conhecimento que serve

de exemplo à filosofia, uma vez que ela nos traz a liberdade para criarmos e recriarmos

o conhecimento sobre nós mesmos. Dessa maneira, a compreensão da arte por meio da

intuição filosófica, constituiria a experiência profunda da duração de modo a

percebemos uma possível compreensão de estética na filosofia de Bergson.

Palavras-chaves: Bergon, intuição, arte.

Como é possível escrever filosofia? A concepção de método e linguagem

na obra de Walter Benjamin

Rodrigo Oliveira de Araújo

A formação em filosofia demanda um longo processo de domínio técnico que passa pela

capacidade de ler, interpretar, escrever e falar sobre textos filosóficos de autores

historicamente reconhecidos pela comunidade internacional. Exige-se aí certa

habilidade exegética no manuseio e ordenamento dos conceitos e noções filosóficas,

seguindo rigorosamente o tempo lógico do pensamento de um determinado autor,

tateando o seu percurso. Entretanto, a anotação, organização e explicação de uma obra,

enfim, a sua exegese — naturalmente de grande valor para a formação do profissional

em filosofia — não pode ainda ser considerado um comentário filosófico, no sentido de

que um comentário requer um olhar mais acurado naquilo que está presente e ao mesmo

tempo ausente na escrita, requer uma certa violação, um certo assalto ao texto, no que

está latente e de todo modo não explicitado pelo filósofo. Mais do que exegese, o

comentador apresenta a ―forma interna‖, o ―teor‖ do texto lido, para usar as expressões

de Walter Benjamin em seu comentário sobre a obra de Hölderlin. Propomos um exame

sobre o papel da escrita filosófica e a sua correlação com o método e a linguagem na

filosofia de Benjamin, tomando o livro Origem do drama trágico alemão como ponto

de partida da nossa investigação por meio do conceito de apresentação (Darstellung).

Nossa hipótese de trabalho é que existe a defesa de uma escrita da apresentação no

decorrer de sua obra por meio de uma específica metodologia filosófica amparada numa

teoria da linguagem que ele chamará de teoria dos nomes. Tal filosofia opera

estilisticamente de uma maneira diversa daquela realizada nos grandes sistemas que

visam um tomar posse, um querer alojar a verdade por meio de um método do tipo more

geométrico. Dessa forma, Benjamin termina por elaborar uma filosofia crítica às teorias

da representação que, historicamente, lidam com uma concepção de método que

negligenciam o aspecto intrínseco entre linguagem e pensamento.

Da mímesis à contemplação: a liberdade como questão estética em Plotino

Emmanuel Victor Hugo Moraes

O ponto de partida da pesquisa é a crítica proferida por Plotino (provavelmente a Platão)

no Tratado V 8 [31] das Enéadas, Sobre a Beleza Inteligível, tendo em vista o modo (ou

os modos) como o filósofo neoplatônico entende o conceito de mímesis, na tentativa de

mostrar que, nesta passagem, Plotino aponta para uma interpretação que ultrapassa o

conceito platônico de imitação/reprodução/cópia do Livro X de A República.

A partir deste trecho e, através de um estudo minucioso de cada um dos tratados que

compõem as Enéadas, objetiva-se mostrar que, diferentemente de Platão, para quem a

arte não parece ter valor onto-gnosiológico por se tratar de cópia/imitação da realidade

ideal, Plotino busca garantir à arte um lugar privilegiado dentro de seu edifício

metafísico, entendendo a arte como criação, produção e derramamento co-relatos à

liberdade e à contemplação, sendo, parece-nos, o primeiro filósofo a pensar a arte como

um ato de criação.

Assim, a mímesis não é mera imitação da realidade, mas um aspecto, ato ou

consequência do movimento que torna possível toda a realidade (inteligível e sensível),

a dinâmica processão x conversão, permitindo-nos pensar que, em Plotino, a mímesis,

conduz à contemplação e à arte, através da liberdade, ou melhor, permite-nos dizer que,

para Plotino, a vida é arte, viver é um fazer artístico. Em outras palavras, liberdade

implica em criação, em arte, beleza e amor.

Outrossim, a pesquisa busca relacionar os impactos desta percepção estética em autores

como Hegel, Schelling, Bergson, Simone Weill e Guimarães Rosa, num recorte que

ainda não está definido.

O conceito aristotélico de nous e sua influência sobre o tema da verdade em

Ser e Tempo

Diogo Campos da Silva

O tema de nossa tese é a questão da verdade sob o viés da Seinsfrage de Heidegger.Está

em jogo o conteúdo, a validade e o direito da tese heideggeriana segundo a qual a

verdade originariamente é para ser pensada enquanto desvelamento. Contudo, tal

objetivo geral pressupõe a reconstrução paulatina dos diferentes modos em que a tese

foi considerada e desenvolvida ao longo das distintas etapas do pensamento

heideggeriano. Mas esta reconstrução não deve ser apenas um relato historiográfico,

pois cada momento circunstancial que Heidegger dedicou ao tema em questão gera

dificuldades filosóficas que pedem para ser resolvidas tanto num diálogo interno com o

pensamento do filósofo, quanto numa discussão externa, no confronto com as tentativas

tradicionais de responder ―o que é a verdade?‖. O tema da verdade originária surge no

pensamento de Heidegger conjuntamente à questão do ser e de sua diferença com o

ente, na década de 20 do século passado, e toma sua forma mais consistente, pela

primeira vez, no célebre parágrafo 44 de Ser e Tempo. Mas já o relato deste início exige

discussões de cunho externo. O trabalho que apresentaremos privilegia uma delas: trata-

se de investigar em que medida o desenvolvimento inicial da questão da verdade em

Heidegger, repercute, repete, modifica e/ou radicaliza certas considerações de

Aristóteles acerca do mesmo tema. Aristóteles, no capítulo 9 do Livro Θ da Metafísica,

afirma que ―verdadeiro‖ e ―falso‖ são modos de dizer o ser, e não apenas características

do logos. Ainda mais, a depender de como se opta por traduzir as primeiras linhas do

capítulo, o ser-verdadeiro e o ser-falso podem ser considerados o modo ―proeminente‖

ou ―mais próprio‖ do ser. Na sequência, Aristóteles analisa a verdade enquanto referida

ao logos e considera que esta pressupõe, mostra e confirma, a apresentação prévia do

ente como algo composto. Nesse sentido, um enunciado é verdadeiro somente quando

aquilo que ele compõe está também composto na coisa; o ente é verdadeiramente

composto, de antemão, do mesmo modo que o enunciado em questão afirma. Assim, a

verdade do logos dá conta da verdade das coisas compostas, mas somente delas.

Aristóteles precisa explicar como a alma apreende a verdade de entes não compostos,

das formas últimas que não podem ser definidas, das substâncias simples. Para tanto, o

estagirita recorre à noção de nous, atividade da alma que apreende o ser dos entes

simples sem precisar de logos, um pensamento intuitivo e não discursivo capaz de ser

verdadeiro, mas nunca de ser falso. Heidegger valeu-se exatamente do caráter pré-

predicativo do nous, como também do fato de a verdade alcançada pelo nous aparecer,

em Aristóteles, como fundamento da verdade do logos, predicativa. Enrico Berti, crítico

de Heidegger, aposta que nem o nous é desprovido de logos, nem a verdade do primeiro

é condição de possibilidade da verdade do segundo. Mediante um estudo das

motivações, tanto aristotélicas, quanto platônicas, para pressupor e compreender a

verdade noética como pré-predicativa e como fundamento da verdade do enunciado,

tentaremos isentar Heidegger das acusações de Berti. Não é na direção apontada pelo

crítico que Heidegger ultrapassa ou radicaliza Aristóteles. Mas, sim, quando toma o

nous por sinônimo ou indício antigo da estrutura como-hermenêutica do Dasein

evidenciada por ele em Ser e Tempo.

A caminho da ontologia fundamental de Ser e tempo

Maximiliano Villa Munoz

O objeto de nossa pesquisa é investigar o ser da existência humana e seu caráter pré-

temático revelado na análise existencial de Ser e tempo mediante o conceito de ser-no-

mundo como a estrutura existencial fundamental do Dasein, e os motivos que levaram

Heidegger a considerar a fenomenologia como ciência originária. Para isto, trataremos a

relação intrínseca e co-constituinte entre o Dasein e o mundo mostrando como os

aspectos metodológicos e temáticos foram parte de um mesmo processo que

problematizou o caráter pré-ontológico da existência humana. Com esta finalidade,

analisaremos o conceito de posição prévia [Vorhabe] da preleção Ontologia

(hermenêutica da faticidade) (1923), por ser um conceito que tematiza o problema da

vida fática e que está presente em Ser e tempo, a importância do conceito husserliano de

intuição categorial na problemática do ser, as críticas que Heidegger fez à

fenomenologia de Husserl nos Prolegômenos a uma história do conceito de tempo

(1925), por considerar que é nesse período que a fenomenologia hermenêutica de

Heidegger diferenciou-se formalmente da fenomenologia transcendental de Husserl, e o

conceito de ser-no-mundo para explicar as implicações da constituição da existência

humana em uma relação necessária, indissociável e co-constituinte com o mundo, e,

mais concretamente, com os entes intramundanos. Consideramos que ao investigar

como a ontologia fundamental revela isto que faz com que o mundo seja mundo e que

possibilita sua emergência para o Dasein, poderemos entender a singularidade da

concepção heideggeriana da existência humana.

Os fundamentos metafísicos do atomismo lógico de Bertrand Russell

Murilo Garcia de Matos Amaral

Nesta sessão do Seminário de Pesquisa, apresentarei o projeto de doutorado. O objeto

de pesquisa é o atomismo lógico de Bertrand Russell, que constitui uma teoria filosófica

sobre a estrutura fundamental da realidade a partir de um método de análise lógica de

proposições. A proposta de Russell é que a análise lógica de proposições nos mostra os

seus constituintes lógicos mais simples – os átomos lógicos – e que estes correspondem

exatamente aos constituintes da realidade. Ao menos três ideias estão aqui subtendidas:

(i) há uma correspondência geral entre linguagem e realidade, e isso garante que a

análise completa das palavras irá coincidir com a análise completa das coisas, (ii) a

realidade não é única e indivisível, mas sim composta por uma multiplicidade de coisas

separadas e (iii) os átomos lógicos não podem ser analisados em partes mais simples.

Pode-se dizer, em vários sentidos distintos, que estas ideias são de caráter metafísico; e

um destes é reconhecido pelo próprio Russell. Russell não nega que o atomismo lógico

seja uma teoria metafísica, pelo contrário; porém, alguns comentadores afirmam que há

mais metafísica no atomismo lógico do que Russell poderia reconhecer. Assim, cabe a

esta pesquisa separar a metafísica reivindicada por Russell na fundamentação do

atomismo lógico e a metafísica atribuída a Russell por autores como Austin, Carnap,

Quine, Rorty e Wittgenstein. Para tal, é preciso, antes, compreender que espécie de

metafísica era objetada por Russell e que espécie de metafísica era por ele considerada

legítima. Sendo assim, há nesta pesquisa três noções de metafísica a serem investigadas:

(i) a metafísica dita ―tradicional‖, que era objetada por Russell e que, segundo ele, era

consequência de equívocos gramaticais, (ii) a metafísica reivindicada por Russell para

fundamentar o atomismo lógico e (iii) a metafísica que, mais tarde, é atribuída a Russell

por comentadores.

Lógica e pragmática: A filosofia da matemática no segundo Wittgenstein

André de Jesus Nascimento

Onde radica o índice da força coerciva de uma regra? Sabe-se que a natureza

diferenciada das verdades necessárias depende dos acordos simbólicos estipulados por

nós. Tais acordos respondem pela verdade necessária das tautologias, assim como

também respondem pela falsidade necessária de contradições. Por oposição às

proposições empíricas, tautologias e contradições não desempenham papel descritivo ou

representativo dos aspectos da realidade. Em Wittgenstein, o caráter descritivo da

linguagem é uma função reservada às proposições contingentes das ciências empíricas.

Assim, proposições necessárias ocupam lugar e função particulares no interior de nossas

manipulações simbólicas. Ocorre, porém, que a natureza particular dessas proposições

não resulta da representação de supostos aspectos essenciais da realidade, ao invés

disso, expressam convenções relativas a nossos modos de representação. Em outras

palavras (e tomando um caso exemplar), as verdades necessárias da lógica são

compreendidas consequência dos acordos que se exprimem no uso das constantes

lógicas. Assim, tudo se passa como se a função desempenhada pela negação em nossos

acordos simbólicos abrigasse-nos a aceitar o princípio da dupla negação, como se a

admissão da regra implicasse a admissão de seus casos futuros de aplicação.

Analogamente, o mesmo vale para as verdades matemáticas. Estas encontram-se longe

de descrever um suposto fato matemático, cuja realidade independe do fato de ser

simbolicamente representado e da maneira como é simbolicamente representado, por

um lado, assim como não representam aspectos mais gerais da realidade empírica, por

outro. A utilidade dos cálculos e provas matemáticas reside antes no fato de

explicitarem as implicações de acordos estipulados quanto ao uso dos símbolos por nós

adotados. Assim, ao calcularmos o resultado de uma soma, operamos um conjunto de

transformações que se realizam no interior das convenções simbólicas adotadas quanto

ao uso dos símbolos envolvidos – isto é, quanto ao uso dos símbolos para números e do

sinal de adição. Em certo sentido, provas matemáticas revelam as proposições que

necessariamente se seguem dos acordos adotados quanto ao uso de determinados

símbolos matemáticos. É desse modo, portanto, que um teorema é a consequência

lógica dos acordos simbólicos expressos nos axiomas e nas regras de inferência,

apresentando um conjunto delimitado de questões ao qual a necessidade deixa-se

examinar, em seu pleno funcionamento, operando na articulação das noções de regra e

aplicação da regra. E é neste contexto que a recusa da ideia de medidas de adequação

externa às nossas manipulações simbólicas encontrará, com Wittgenstein, o recuso à

pragmática como dissolução – mais que uma solução – das dificuldades suscitadas pela

noção de necessidade. Estas questões situam-se num contexto determinado que consiste

no exame das noções de necessidade e pragmática, suas relações, seus pressupostos e

consequências filosóficas na segunda fase do pensamento de Ludwig Wittgenstein.

Interessa-nos, pois, reconhecer o papel teórico desempenhado por estes conceitos no

contexto do tratamento concedido pelo segundo Wittgenstein às provas matemáticas,

dedicando especial atenção às Bemerkungen über die Grundlagen der Mathematik

(BGM) e às Wittgenstein’s Lectures on the Foundations of Mathematics (LFM).

Passividade e atividade na constituição das ideias de objetos no Tratado das

Sensações de Condillac

Kayk Oliveira Santos

O objetivo da comunicação é explicitar aspectos da constituição das ideias de objetos no

Tratado das Sensações (1754) de Condillac. Comparado com o Ensaio sobre a origem

dos conhecimentos humanos de 1746, naquele texto, o filósofo busca, com base em sua

explicação genética, renovar a compreensão acerca do entendimento humano a partir de

uma tese fundamental, a saber, que não apenas as ideias, mas também as faculdades

mentais derivam das sensações. Dentre as mudanças introduzidas no texto de 1754, uma

fundamental consiste na afirmação de que as sensações táteis juntamente com o

movimento são as condições que tornam possível representar objetos exteriores.

Todavia, embora a explicação genética condillaciana exiba a constituição de forma

progressiva, ela não explicita se a mera recepção de conteúdos proporcionados pelos

sentidos bastaria para a formação das ideias de objeto ou se seria necessário postular

também algum tipo de atividade enquanto operar sobre conteúdos mentais. Assim, a

questão que nos ocupa é se no processo de constituição das ideias, no Tratado das

Sensações, subjazeria uma dinâmica, não explicitada, entre passividade e atividade

vinculada de maneira estreita com a capacidade de análise tal como o filósofo a entende.

A esse respeito, se observa na literatura especializada duas interpretações distintas. Uma

que entende a representação como produto da atividade sintética do tato juntamente com

a capacidade reflexiva. Outra que a compreende como resultado de um processo passivo

causado pela associação entre ideias. Cabe, portanto, examinar no texto os diversos

aspectos dessa hipotética dinâmica entre passividade/atividade na constituição das

ideias de objetos, levando em consideração as diferentes vias interpretativas

mencionadas.

A capacidade de sentir em Condillac: continuidade ou ruptura entre as

condições humana e animal?

Mariana Moreira da Silva

No Tratado das Sensações, Condillac afirma que a sensação é própria da alma. Assim, a

alma sente por ocasião dos órgãos dos sentidos, os quais lhe proporcionam diferentes

modificações. Na teoria condillaciana, a sensação é composta pelo conteúdo específico

aliado às qualidades de prazer ou dor. Estas se apresentam como o fundamento da

constituição cognitiva: dos conhecimentos e das capacidades mentais. Para Condillac, o

prazer e a dor são os guias práticos do ser humano, uma vez que este lembra, imagina,

deseja e age de acordo com a experiência do prazeroso ou desprazeroso. Neste sentido,

o homem tende a seguir o que lhe agrada e evitar o que lhe desagrada com vistas à sua

conservação vital, comportamento que se assemelha ao dos animais, que vivem restritos

às necessidades-satisfações básicas. No entanto, o ser humano, capaz de ampliar o

campo das necessidades e de criar novos desejos, pode agir em vista do que apresenta

risco à sobrevivência. A fim de conhecer o que somos, um ano após a publicação do

Tratado das Sensações, Condillac publica o Tratado dos Animais. Esta obra se

contrapõe à posição de Descartes e de Buffon quanto à sensibilidade dos animais, pois

Condillac considera que estes, providos de corpo e alma, constituem-se prática e

cognitivamente pelo prazer e dor. Consideração que aproxima as condições humana e

animal com base na sensibilidade. Todavia, na última parte do Tratado das Sensações,

na Dissertação sobre a Liberdade e no final do Tratado dos Animais, Condillac

apresenta capacidades e conhecimentos que os animais não adquirem: deliberação,

linguagem articulada, conhecimentos de Deus e dos princípios da moral, o que introduz

um afastamento radical dos homens em relação àqueles. Assim, declarada uma distância

infinita entre as condições humana e animal há uma tensão não resolvida. Trata-se de

saber qual a posição de Condillac e até que ponto as objeções a Descartes e Buffon

defendem o continuísmo, a ruptura ou a conciliação entre ambas.

Luxo e moral em David Hume

Pedro de Souza Rodrigues Neto

Para David Hume, a comunidade moral se constitui com o recurso a artifícios, ou seja,

de convenções acerca de práticas virtuosas, que se mostram úteis ao bom

funcionamento da mesma. Sua compreensão de moralidade é portanto relacional, e

decorre do aprendizado mediado pelo sentimento da simpatia, que permite aos membros

da comunidade moral experimentar aprovação ou desaprovação quando na

circunstância de espectadores de arranjos envolvendo pares de ―atores morais‖: o

agente e o paciente. A aprovação é o reconhecimento, pelo espectador, do sentimento

de ter presenciado algo agradável, útil; mas este sentimento não corresponde a nada

presente ―fora‖ do espectador, e deve-se apenas ao mecanismo da simpatia. Assim, sua

reflexão é capaz de descrever a moralidade sem se referir a propriedades objetivas,

essenciais, embora a feição convencionalista que assume traga o risco do relativismo e

da arbitrariedade à sua Moral. Por outro lado, Hume é capaz de propor uma moralidade

que prescinde da ideia de Deus, de um desígnio ou um finalismo, com isto instaurando a

possibilidade de uma autorregulação contingente, laica e democrática. Dentro deste

quadro moral em que as virtudes mais úteis à constituição e preservação da comunidade

são entendidas como artifícios, o discurso moral é reorientado em função da utilidade e

temas como o do luxo recebem uma consideração distinta da que a tradição lhe

dispensara. Agora, o luxo é entendido como articulado ao refinamento, expressão do

progresso e desenvolvimento da civilização. Antes entendido como emoliente e

supérfluo, o luxo agora se torna parte integrante das sociedades mais civilizadas,

sinalizando não só o alto grau de desenvolvimento e complexidade das atividades ali

existentes, mas a mudança em curso na compreensão da relação entre o que atende à

utilidade individual e à utilidade coletiva. Hume está, porém, longe de um Mandeville,

que desvincula moralmente indivíduo e sociedade, ao afirmar que ―vícios privados

[produzem] virtudes públicas‖. Seus artifícios são ainda virtudes: a justiça, o

cumprimento de promessas, a lealdade e a modéstia. Desta maneira, sua posição

consegue conciliar a abordagem de temas econômicos anteriormente condenados,

dentro de um enquadramento moral empírico.

SOBRE A INFLUÊNCIA DE PIERRE DUHEM NO PENSAMENTO DE

KARL POPPER

Juliana Barbosa Brito

A filosofia de Karl Raimund Popper (1902-1994) está presente no cerne do pensamento

epistemológico do século XX. Sua obra abarca questões fundamentais da filosofia da

ciência, tal como o método científico, o problema da verdade e da racionalidade. Surge

com o filósofo o que ele denomina ―racionalismo crítico‖, uma nova característica

atribuída à ciência empírica, onde a jornada em busca da verdade é guiada sempre por

posicionamentos críticos e racionais. Por acreditar no poder da crítica racional em

relação ao progresso do conhecimento, Karl Popper foi um grande crítico de vários

sistemas filosóficos, entre eles o que se chama convencionalismo clássico, do qual o

próprio Popper inclui o físico e filósofo da ciência Pierre Duhem. Duhem antecipou boa

parte da epistemologia do século XX, e, ao que parece, foi uma grande influência na

epistemologia popperiana. Pretendemos investigar neste trabalho os pontos em que

Popper, possivelmente, sofreu influência das ideias de Duhem e do convencionalismo

que ele próprio criticara. Portanto, a pergunta – de que modo é possível um diálogo

entre eles no que diz respeito à forma como a ciência é constituída?

Palavras-Chave: Falsificacionismo; Convenção; Ciência; Método.