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DIREITO DO TRABALHO A REALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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DIREITO DO TRABALHO

A REALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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1ª edição — abril, 2012

2ª edição — março, 2015

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CELSO SOARESPrimeiro Presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.

Membro Nato do Conselho Superior do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ.

DIREITO DO TRABALHOA REALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS

2ª edição

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Março, 2015

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versão impressa — LTr 5180.7 — ISBN 978-85-361-8279-7 versão E-book — LTr 8590.3 — ISBN 978-85-361-8311-4

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Soares, Celso

Direito do trabalho : a realidade das relações sociais / Celso Soares. — São Paulo : LTr, 2015.

Bibliografia

1. Direito do trabalho 2. Direitos individuais 3. Justiça do trabalho 4. Relações de trabalho 5. Relações sociais 6. Sindicalismo 7. Trabalho — Aspectos sociais I. Título.

14-12096 CDU-34:331

Índices para catálogo sistemático:

1. Direito do trabalho 34:331

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À memória de meus pais, com quem aprendi o valor do trabalho e do conhecimento.

À minha mulher e aos meus filhos.

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SUMÁRIO

NOTA À 2ª EDIÇÃO ..................................................................................... 9

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 11

PREFÁCIO — José Carlos Arouca ................................................................ 13

1. Reforma sindical: a quem interessa restaurar o contratualismo? ......... 15

2. Pacto social: uma visão crítica .................................................... 24

3. Princípios constitucionais do Direito do Trabalho. Imaginário jurídico e realidade...................................................................... 30

4. A questão da indisponibilidade dos direitos individuais ............ 40

5. Direito insurgente ....................................................................... 45

6. Do céu dos conceitos jurídicos ao chão da miséria social .......... 51

7. Justiça concebida e Justiça percebida .......................................... 64

8. A regulação do exercício da greve no serviço público ................ 70

9. A problemática do Direito do Trabalho no contexto da crise financeira mundial ...................................................................... 75

10. Por que a má fama persegue o advogado? .................................. 80

11. A substituição processual no cumprimento de convenção sindical normativa .................................................................................... 89

12. Reforma da CLT .......................................................................... 100

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13 Dignidade do trabalho .......................................................................... 105

14. Imaginário jurídico e realidade social .................................................. 109

15. Terceirização: mais um atentado a direitos dos trabalhadores ............ 120

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 125

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NOTA DA 2ª EDIÇÃO

Nesta segunda edição, foram elaboradas as linhas gerais da produção científica de conhecimento do direito segundo uma ideologia crítica em, consonância com o trabalho, como instrumento de desmistificação da ideologia jurídica enquanto expressão da relação de poder determinante do trato legal da relação trabalhista. Procurou-se, assim, não se ficar restrito às disputas ideológicas, à simples denúncia do papel desempenhado, no processo de legitimação dessa relação de poder, pelo imaginário jurídico.

Celso Soares Filho

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APRESENTAÇÃO

Minha prática da advocacia sindical de compromisso com os interesses dos trabalhadores, aliada à atuação em entidades representativas dos advogados traba-lhistas, na Ordem dos Advogados do Brasil e no Instituto dos Advogados Brasileiros, tem sido marcada pela prática e pelo estudo do Direito de um ponto de vista crítico. Em razão, porém, das atribulações dessa dedicação a tantas atividades, adquiri uma cultura jurídica meio desordenada, valendo-me muitas vezes de fontes de segunda mão, à maneira do que engenheiros chamam de concreto ciclópico, aquele que o povo usa em suas construções, esperando um dia alcançar o refinamento do con-creto usado nas grandes edificações.

Orador desde os bancos da saudosa Faculdade Nacional de Direito, a divul-gação das ideias resultantes daquela cultura ciclópica tem sido realizada menos pela escrita, embora tenha publicado alguns artigos, e mais por meio de discursos, palestras e painéis de debates. Por causa disso, na década de oitenta do século pas-sado, o já falecido professor Horácio Macedo, então reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, deu-me a alcunha de peregrino do verbo.

Acontece que verba volant. Temendo que o fruto dessa peregrinação, minhas falas, acabasse por se perder, resolvi então converter em textos as anotações das que considero mais interessantes a fim de publicar uma coletânea. Acrescentei-lhes dois artigos escritos recentemente, ainda não publicados, e um trabalho publicado pela Editora LTr no livro Discriminação, coordenado por Luiz Otávio Linhares Renault, Márcio Túlio Viana e Paula Oliveira Cantelli. Daí nasceu este livro.

Por certo não é, dadas as condições em que produzidas as ideias que o informam, um trabalho isento de imperfeições. Haverá quem entenda carentes de aprofundamento as questões suscitadas, considere repetitivas algumas argumenta-ções ou delas discorde. A crítica está aí mesmo para levantar questionamentos e o conhecimento se compatibiliza menos com a certeza, mais com a dúvida.

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Segundo Francisco de Assis Barbosa, quando Lima Barreto produziu sua obra, a vida literária do Rio de Janeiro se dividia entre a Academia Brasileira de Letras e a Confeitaria Colombo. A primeira, reduto dos escritores tradicionais; a segunda, refúgio dos que se opunham aos cânones literários então dominantes. Minha inspiração em termos de cultura jurídica tem sido a confeitaria, não a academia.

Conforme palavras de David Bensaïd, professor de Filosofia da Universidade de Paris VIII, em Os irredutíveis (Teoremas da resistência para o tempo presente) “uma ciência da desordem impõe-se ao lado de uma ciência da ordem”. O sentido geral dos textos aqui reunidos é desmistificar o Direito enquanto ciência da ordem; pôr a nu sua natureza de representação ideológica destinada a legitimar, transfi-gurando-a, a relação de poder subjacente à sociedade em que vivemos; revelar as determinações que fazem da forma jurídica elemento indispensável à construção, à reprodução e à manutenção de relações sociais baseadas na exploração do trabalho humano. Enfim: rasgar o véu de idealizações do mundo jurídico. Levar a cabo a crítica desse mundo de conceitos, abstrações, ficções e pressupostos numa pers-pectiva transformadora.

Celso Soares

Rio de Janeiro, outubro de 2011.

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PREFÁCIO

A VISÃO DO DIREITO SOB A ÓTICA DE CELSO SOARES

Finalmente a produção científica de Celso Soares perpetua-se com sua publi-cação em livro.

Não se trata de simples reescritura de textos antigos e conhecidos, mas de enfrentamento de temas sob outra ótica, com visão eminentemente social. Serviu- -lhe para dar às abordagens que faz com erudição, sua formação marxista e o exercício efetivo da advocacia, inclusive sindical e a militância nos órgãos de classe, presidindo a Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas, a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas e o Instituto dos Advogados Brasileiros.

Com ele aprendemos ou aprendemos melhor o confronto entre o consenso, isto é, a razão de ser da política que interioriza nossa impotência, destruindo na prática, sem capacidade de transformação na abordagem do filósofo Jacques Rancière e o dissenso entendido como ruptura com a lógica da dominação, expressão de um mundo litigioso em que aparece a divisão do mundo sensível.

Celso Soares, na revisão dos princípios do Direito do Trabalho, sobrepondo a realidade ao imaginário, parte da figuração de mundo jurídico como um mundo de fantasmagoria das ficções e presunções, um castelo mal assombrado, morada das abstrações onde vagueiam fantasmas dos conceitos jurídicos e distância que separa o Direito da realidade social até chegar ao Direito insurgente; criação sua, como um processo de conhecimento e ação do Direito capaz de trazer a realidade material para o interior do reino de abstrações, das ficções e pressupostos, assentado sobre dois pilares: a crítica ao formalismo e ao positivismo jurídico e o conceito grams-ciano do Estado, corolário das noções de hegemonia e domínio para firmá-lo con-forme a vontade popular. Enfim Direito de natureza jurídico-política que requer a participação dos trabalhadores na elaboração das leis que tratam não só de seus

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interesses específicos, mas de toda legislação que permita facilitar a caminhada até um objetivo maior que é a transformação da sociedade.

Avança e discute a ciência jurídica, a seu ver apenas representação da vida social, uma imagem do Direito, nunca a sua explicação, pois baseia-se numa abs-tração, cujo objeto é a representação ideológica da realidade. Daí colocar o jurista tradicional sob censura quando concebe o Direito como produto social, histórico de tal maneira que em seu imaginário oculta as relações reais.

Com sua visão crítica desmistifica a tutela do Estado e do sistema capitalista, lembrando que não foi por acaso nem generosidade que se criou a OIT, mas diante de uma nova etapa da história, representada pela ameaça de agitações operárias no pós-1ª Guerra e Revolução russa de 1917.

Mais tarde o absolutismo do capital reconquistado com o fim do socialismo do tipo soviético deu-se o abandono gradual do princípio de proteção ao trabalho em favor da liberdade mercantil que permitiu o surgimento de dogmas como a flexibilização de direitos, a terceirização da mão de obra, a desregulamentação da legislação protecionista.

Viu-se então a precarização do contrato de trabalho e o comprometimento do único bem que tem o trabalhador, o emprego como meio de sustento próprio e familiar e forma de ascensão na sociedade de consumo.

A ideia de um pacto social para inserção do País no mercado global assumiu mais do que um projeto reformista ensaiado no governo de quem comandou as greves irradiadas do ABC, o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, mas o meio para quebrar a unidade da classe trabalhadora a pretexto de prestigiar a liberdade individual em desfavor da ação coletiva.

Celso Soares não deixou de avaliar com espírito crítico a Justiça do Trabalho e sua aproximação cada vez maior com a Justiça Comum, distanciando-se da simpli-cidade de sua origem para adotar os formalismos e suposto tecnicismo que afasta o homem comum do Direito e do acesso ao Poder Judiciário. No seu empenho em desmistificar o individualismo reservado aos trabalhadores para a defesa de seus direitos, aponta o reacionarismo da Justiça do Trabalho negando a coletivização do processo, renegando seu pioneirismo com a criação da ação de cumprimento a ponto de não permiti-la para dar efetividade às convenções coletivas; mais acen-tuado quando recusou a substituição processual que conceitua na linha de José Martins Catharino como atuação ordinária do sindicato, no exercício de prerroga-tiva constitucional.

Palavras suas que reproduzo para chamar a atenção dos estudiosos do Direito comprometidos em construir um Direito mais social. Melhor mesmo será a leitura de seus textos que fogem do imaginário permitido pelo sistema político para chegar à realidade incontestável de nossos tempos.

José Carlos Arouca

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1 REFORMA SINDICAL: A QUEM INTERESSA RESTAURAR O CONTRATUALISMO?(*)

A forma de organização sindical tem sido caudatária do modo de organização da produção. Enquanto esta foi a do corporativismo fordista, que necessitava de grandes con-centrações de operários em fábricas e oficinas, submetidos a rigorosa disciplina, a estrutura sindical se baseava na soli-dariedade que essa concentração ensejava, bem como na verticalização própria daquela forma de organização da pro-dução e na hierarquia dela decorrente.

Essa forma de organização ainda prevalece em grande parte das empresas, ao menos no Brasil; mas fato é que o corporativismo fordista já não atende às necessidades da eco-nomia capitalista na presente fase do seu desenvolvimento, o que vem determinando a reorganização da produção em outras bases e o exemplo mais significativo foi a inovação realizada pela Toyota. Essa reorganização requer uma rees-truturação da ordem jurídica trabalhista no que se refere à organização sindical, que agora deve corresponder aos im-perativos de incremento da produtividade, maior velocidade dos negócios, menor custo da mão de obra mediante a redução do poder dos sindicatos.

(*) Palestra proferida no XXIV Congresso Nacional dos Advogados Traba-lhistas, Guarujá, de 28 de agosto a 1º de setembro de 2002.

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Nesse sentido, acentua Adalberto Moreira Cardoso(1): “A mudança de forma e de conteúdo no poder sindical é encarada como o caminho mais barato para asse-gurar longa vida à “desregulamentação” do mercado de força de trabalho, por sua vez hegemonicamente considerada necessária na nova ordem competitiva mun-dial. Desregulamente-se, pois, a organização sindical.” Segundo ele, aos trabalha-dores também interessa reformar a estrutura sindical corporativa, mas não para destruir os regulamentos e sim para democratizá-los. Chama a atenção para o fato de o trabalhador ter muito mais a perder com a reforma, “uma vez que, diante da incerteza que ronda a realidade que emergirá do processo atual de negociação, arrisca menos, preferindo assegurar posições de força e mudar o que parece fran-camente contrário à ampliação de seu atual poder de barganha.”

A desregulamentação da organização sindical tem seduzido setores da esquerda. No ano 2000, o deputado Ricardo Berzoini, do PT, juntamente com outros, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição Federal n. 252, que dava nova redação ao seu art. 8º(2), compreendendo o caput e todos os incisos, à qual foi apensada a PEC n. 71 de 1995, de autoria dos deputados Jovair Arantes e outros, modificativa apenas do inciso IV a fim de declarar “vedada a fixação de qualquer contribuição compulsória dos não filiados a associação, sindicato ou a entidade sindical”. Na justificativa da PEC n. 252/2000 declarava-se o propósito de, ao mo-dificar o art. 8º, “reformular a estrutura sindical brasileira”, classificando-se a uni-cidade sindical e a contribuição compulsória como “exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente”. Empresta-se ao contrato coletivo de trabalho extraordinária impor-tância, tornando-o “a base do sistema jurídico do trabalho”, e afirma-se o objetivo de que “o verdadeiro sindicalismo se desenvolva na sua plenitude, com pluralismo sindical e liberdade de associação”.

Argumentavam seus autores que a Constituição de 1988, apesar de trazer alguns avanços para o movimento sindical, “manteve a forma corporativa de or-ganização, inaugurada na Era Vargas, que coloca o sindicato à sombra da ação estatal”, de modo que, amparados nela, alguns sindicatos “sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado”. Não obstante, reconheciam que, “a despeito dessa legislação, a vitalidade dos trabalhadores tem permitido o avanço do movimento sindical”, dando como exemplo o surgimento e a consolidação das centrais sindicais. Alegavam também que o princípio da liber-dade sindical não permite o instituto da unicidade e o princípio da liberdade de filiação a sindicato não admite a contribuição compulsória.

Na justificativa da PEC n. 71/95 se apontava como finalidade da modifica-ção do inciso IV do art. 8º “proibir constitucionalmente o desconto de qualquer

(1) CARDOSO, Adalberto Moreira. Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal: a Era Vargas acabou? Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1999. p. 18/22.

(2) Nota do autor: A PEC n. 252/2000 foi posteriormente arquivada.

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contribuição dos não filiados a associação ou sindicato, eliminando dessa forma a contribuição sindical prevista em lei e qualquer outra contribuição arbitrariamente imposta aos integrantes da categoria econômica ou profissional não associados”, sob o conhecido argumento de que o chamado imposto sindical teria sido ins-pirado pela Carta del Lavoro, obra do fascismo italiano. Alegava-se ainda que a contribuição compulsória violava o art. 5º, XX, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Essas alegações reproduzem o discurso simplificador que identifica corpora-tivismo e fascismo, esgrimindo a velha Carta del Lavoro; minimizam as mudanças trazidas pela Constituição de 1988, insistindo em afirmar que a atual estrutura sindical coloca o sindicato “à sombra da ação estatal” — como se a Constituição vigente não tivesse abolido o exercício, pelos sindicatos, de funções delegadas de poder público, previsto na de 1967 — e que a contribuição sindical compulsória teria sido arbitrariamente imposta.

Após o fracasso da revisão constitucional de 1993, o governo, atendendo aos interesses que exigiam a liquidação do monopólio estatal do petróleo, a privati-zação de empresas estatais, liberdade maior para o capital financeiro, passou a recorrer a emendas à Constituição Federal para desfigurar e aos poucos romper o pacto constitucional de 1988. No tocante à organização sindical, enviou ao Con-gresso a PEC n. 623/98, que previa a adoção da pluralidade em lugar da unicidade sindical, o fim do sistema confederativo, a substituição da representação da cate-goria pela de associados e a extinção da contribuição sindical compulsória. Visava também ao processo trabalhista e à Justiça do Trabalho, estabelecendo a extinção do poder normativo, o condicionamento do ajuizamento de reclamação individual à passagem prévia por uma comissão de conciliação extrajudicial, a instituição da arbitragem privada em vez do poder normativo e o fim da substituição processual da categoria.

A pretensão de alterar profundamente por emenda constitucional a organiza-ção sindical do País remete ao constitucionalista Paulo Bonavides(3), que suscita o problema da legitimidade das emendas à Constituição pelo Congresso no exercício do poder constituinte derivado, admitido por seu art. 60. Para Bonavides, o Con-gresso Nacional “não pode, todavia, no exercício limitado dessa função, reescrever nem alterar em suas bases as linhas estruturais do Pacto Fundamental, deformando- -lhe a natureza e o espírito. Tal empresa pertence unicamente ao poder constituinte originário.” Porém, sob o argumento de que o art. 60, § 4º, da Carta Magna veda apenas a deliberação de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais, o Congresso tem admitido emendas sobre quaisquer outros temas, mesmo que alterando as linhas estruturais referidas por Bonavides, e assim

(3) BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 279/280.

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o texto constitucional original se vai transformando numa colcha de retalhos, não sem que haja alguma resistência. Por exemplo: o senador Francisco Dornelles, quando Ministro do Trabalho, tentou apresentar emenda que, alterando o caput do art. 7º, permitiria que todos os direitos e garantias nele assegurados pudessem ser modificados ou extintos por negociação coletiva. Desistiu, entretanto, talvez por temer fosse ela rejeitada, pois, embora diga respeito a direitos individuais, esse artigo faz parte do Título II (Dos direitos e garantias fundamentais).

Bonavides entende — e com ele concordo — que emendas à Constituição terão legitimidade somente se for ouvido o povo por meio do referendo previsto no art. 49, XV: “A hora de emendar a Constituição é também a hora de fazer o povo copartícipe direto de reformas cuja legitimidade, em grau mais elevado, isto é, em derradeira instância e com dose máxima, só ele pode conferir.” Considerando a inexistência de equilíbrio de poder entre capital e trabalho, a ruptura do pacto que originou a Constituição de 1988 certamente não atende aos interesses dos trabalhadores.

As propostas de emenda constitucional aqui citadas como exemplos de tenta-tivas de desregulamentar a organização sindical têm nítido caráter anarco-liberal, obedecem ao desígnio de eliminar a intervenção estatal no mercado de trabalho. Prova-o o fato de que a PEC n. 252/2000 — contradizendo sua afirmação de que a atual estrutura sindical coloca os sindicatos à sombra do Estado — mantém a redação do inciso I do art. 8º, que assegura expressamente a liberdade de associação profissional ou sindical e proíbe à lei exigir autorização estatal para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedando a interferência e a intervenção do Estado na organização sindical, porém suprime a ressalva do regis-tro no órgão competente. Eis aí um exemplo de ojeriza ao Estado, como se ele fosse tão somente um porrete brandido contra os trabalhadores e o registro limitasse a liberdade sindical. No entanto o registro é apenas um ato vinculado ao controle da legalidade da criação de qualquer entidade associativa, não havendo motivo para excluir a entidade sindical. Cabe à lei definir qual é esse órgão competente; como, todavia, até hoje não houve essa definição legal, o órgão para registro de sindicato continua sendo o Ministério do Trabalho, o que, contrariamente ao que se alega, não significa, ante a vedação expressa do inciso I do art. 8º, seu atrelamento ao Estado.

A reforma pretendida da organização sindical tem como opção preferencial acabar com a unicidade, com a representação por categoria, com a contribuição confederativa e com a contribuição sindical compulsória. Os inimigos da unicidade costumam brandir contra ela o art. 2º da Convenção n. 87 da OIT, que declara direito dos trabalhadores e empregadores, sem autorização prévia, constituir orga-nizações de sua escolha, bem como de se filiarem ou não a essas organizações. O Brasil não a ratificou, mas nossa Constituição garante a liberdade de associação profissional ou sindical no caput do seu art. 8º; proíbe, como se viu, que a lei exija autorização do Estado para a fundação de sindicato; veda ao poder público

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interferir e intervir na organização sindical (inciso I) e assegura que ninguém está obrigado a se filiar ou se manter filiado a sindicato (inciso V). A representação por categoria e a proibição de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial não contradiz a livre organização sindical assegurada no art. 8º, atende ao interesse coletivo de evitar a divisão dos trabalhadores em miríades de sindicatos organizados por profissão, por empresa, por confissão religiosa, por filiação partidária etc. Ademais, a unicidade não resultou de nenhuma imposição arbitrária e sim de uma Constituinte que contou com ampla participação popular.

Diz Raymundo Faoro(4): “A Constituição, finalmente, é a suprema força política do país, nas suas normas e valores coordenadora e árbitro de todos os conflitos, sempre fiel ao poder constituinte legitimamente expresso.” Pode-se afirmar, por-tanto, que são imposições as normas e valores de uma Constituição outorgada, e nesse sentido a unicidade foi imposta pelas Constituições de 1937 e 1967, que não resultaram do “poder constituinte legitimamente expresso”. O mesmo, contudo, não se aplica às Constituições de 1946 e 1988, votadas por constituintes livremente eleitos, as quais mantiveram a unicidade.

Os congressos sindicais, historicamente, sempre apoiaram a unicidade e até os que defendiam a ratificação da Convenção n. 87 o faziam com a ressalva de que fosse preservada, o que também ocorreu na década de 80. Na época da Constituinte de 1988, as entidades sindicais favoráveis à manutenção da unicidade eram majori-tárias, como ainda hoje, e isso se refletiu na votação da matéria: 296 constituintes votaram pela unicidade, 78 contra e 6 se abstiveram(5).

A autonomia coletiva “sobrepuja a liberdade individual quando se trata da determinação da vontade majoritária indispensável para a concretização da democracia”(6). Faoro indaga como é possível sujeitar-se a uma ordem social e permanecer livre, para a seguir responder: “Só uma resposta é possível, resposta que suscita uma solução democrática, ao estabelecer a medida em que a liberdade individual se harmoniza com a vontade coletiva, concretizada numa ordem social.” (....) “O que entendemos por liberdade política é, dessa forma, a autonomia. A au-todeterminação só porque é autonomia se expressa pelo consentimento, embora sofra limitações e restrições necessárias. A mais importante dessas restrições se refere ao princípio da maioria na qual a decisão se fundamente.”(7) A Constituição de 1988 expressou a vontade não simplesmente da maioria parlamentar ocasional, mas acima de tudo da maioria dos trabalhadores organizados.

Na década de 80, setores da esquerda do movimento sindical exaltavam a Convenção n. 87 da OIT, esquecidos de que a composição da OIT é tripartite, o

(4) FAORO, Raymundo. Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 16.

(5) AROUCA, José Carlos. Repensando o sindicato. São Paulo: LTr, 1998. p. 108/119.

(6) Ibidem, p. 70.

(7) FAORO, ob. cit., p. 49.