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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE DIREITO PROF. JACY DE ASSIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO DIREITO DE INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL E O PROCESSO DE HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA DOS IMPOSTOS SOBRE VENDAS E CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS JULIANA DEMORI DE ANDRADE UBERLÂNDIA/MG 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE DIREITO PROF. JACY DE ASSIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO

DIREITO DE INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL E O PROCESSO DE HARMONIZAÇÃO

LEGISLATIVA DOS IMPOSTOS SOBRE VENDAS E CIRCULAÇÃO DE

MERCADORIAS

JULIANA DEMORI DE ANDRADE

UBERLÂNDIA/MG

2013

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JULIANA DEMORI DE ANDRADE

DIREITO DE INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL E O PROCESSO DE HARMONIZAÇÃO

LEGISLATIVA DOS IMPOSTOS SOBRE VENDAS E CIRCULAÇÃO DE

MERCADORIAS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Aguinaldo Alemar

Uberlândia/MG

2013

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pelas oportunidades concedidas e por ter me

iluminado em todos os momentos ao longo do Mestrado.

Agradeço, especialmente, ao Prof. Dr. Aguinaldo Alemar, por disponibilizar tanto de

seu tempo à minha orientação e pela sua dedicação, incentivo, paciência e compreensão. Seu

apoio foi imprescindível para a realização deste trabalho.

Agradeço também à Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade

Federal de Uberlândia, por me permitir realizar os estudos de graduação e mestrado nesta

prestigiada instituição. À CAPES pelo auxílio concedido que foi muito importante para o

desenvolvimento desta pesquisa. E aos professores do Programa de Mestrado em Direito

Público, em especial aos Professores doutores Alexandre Walmott Borges, Carlos José

Cordeiro, Cícero José Alves Soares Neto, Cristiano Gomes de Brito, Edihermes Marques

Coelho, Hilário de Oliveira, Leosino Bizinoto e Luiz Carlos Figueira de Melo, pelos

ensinamentos transmitidos durante o mestrado.

Agradeço, ainda, a Isabel Koboldt por toda a ajuda e a amizade.

Por fim, agradeço aos meus pais, Aparecido e Ines, e ao meu noivo, Thiago, pelo

amor, apoio e compreensão durante esses dois anos de dedicação ao Mestrado.

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“[...] não há tradição, cultura, língua e raça que não tenha contribuído com alguma coisa para esse fosforescente turbilhão de misturas e alianças que acontece em todos os aspectos da vida na América Latina. Esse amálgama é sua riqueza. Ser um continente que carece de identidade porque tem todas elas.” (Mario Vargas Llosa, Dicionário Amoroso da América Latina).

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RESUMO

Este trabalho possui como objetivo a realização de um estudo sobre a possibilidade de

harmonização legislativa tributária sobre os bens de consumo entre os Estados-Membros do

Mercosul. Para tanto, é necessário observar os procedimentos previstos pelo Mercosul para

que suas normas passem a vigorar, bem como, a sistemática utilizada em cada Estado-

membro para a incorporação das ditas normas, além de estudar os sistemas jurídicos

tributários de cada país, mais especificamente os tributos que incidem sobre os bens de

consumo. Como objetivos específicos foram traçados a necessidade de conceituar, classificar

e contextualizar historicamente o processo de integração regional entre Estados e, em

específico, o ocorrido no Mercosul; estudar os objetivos previstos no Tratado de Assunção;

analisar o processo de produção normativa do Mercosul e recepção dessas normas pelos

Estados-membros; pesquisar sobre a dinâmica da tributação sobre os bens de consumo em

cada um dos países e, por fim, verificar a possibilidade de introduzir uma harmonização

legislativa tributária no que se refere aos bens de consumo no âmbito do Mercosul. Ao final

apontam-se possibilidades para que essa harmonização seja concretamente efetuada. Para

desenvolver tal pesquisa foi utilizado o método dedutivo, com tipo de pesquisa documental e

bibliográfico.

Palavras-chaves: Mercosul; Direito de Integração; Imposto sobre Valor Agregado.

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RESUMEN

Ese trabajo posee como objetivo la realización de un estudio acerca de la posibilidad de la

armonización legislativa fiscal sobre bienes de consumo entre los Estados miembro del

Mercosur. Para tanto, es necesario observar los procedimientos previstos por el Mercosur para

que suyas normas pasen a vigorar, así como, el método utilizado em cada Estado miembro

para la incorporación de dichas normas, además de estudiar los sistemas jurídicos tributarios

de cada país, en específico los tributos que inciden sobre los bienes de consumo. Como

objetivos específicos fueran definidos los siguientes: conceptuar, clasificar y contextualizar

históricamente el proceso de integración regional entre Estado y, en específico, aquél ocurrido

en el Mercosur; estudiar los objetivos previstos en el Tratado de Asunción; analizar el proceso

de producción normativa del Mercosur y la recepción de esas normas por los Estados

miembros; investigar acerca de la dinámica de la tributación sobre los bienes de consumo en

cada un de los países y, por fin, verificar la posibilidad de introducir una armonización

legislativa fiscal en lo que se refiere a los bienes de consumo en el ámbito del Mercosur. Al

final, se objetiva concluir por la posibilidad de que esa armonización sea concretamente

efectuada. Para desarrollar esa investigación, fue utilizado el método deductivo, con tipo de

investigación documental y bibliográfica.

Palabras clave: Mercosur; Derecho de Integración; Impuesto sobre el Valor Añadido.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACE 14 - Acordo de Cooperação Econômica número 14

ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ALADI - Associação Latino-Americana de Integração

ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio

CCM - Comissão de Comércio do Mercosul

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

CMC - Conselho do Mercado Comum

COFINS - Contribuição Financeira para a Seguridade Social

CPC - Comissão Parlamentar Conjunta

DF - Distrito Federal

EFTA - European Free Trade Association ( Associação Europeia de Livre Comércio)

FCES - Foro Consultivo Econômico-Social

GATT - General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio)

GMC - Grupo Mercado Comum

ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias

ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços

IOF - Imposto sobre Operações Financeiras

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IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

ISS - Imposto sobre Serviços

ISSQN - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

IVA - Imposto sobre o Valor Agregado

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

NAFTA - North American Free Trade Agreement (Tratado Norte-Americano de Livre

Comércio)

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OMC - Organização Mundial do Comércio

PICE - Programa de Integração e Cooperação

PIS - Programa de Integração Social

POP - Protocolo de Ouro Preto

SAM - Secretaria Administrativa do Mercosul

SGT - Subgrupo de Trabalho

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TA - Tratado de Assunção

TEC - Tarifa Externa Comum

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10

1 INTEGRAÇÃO REGIONAL ENTRE ESTADOS ............................................. 13

1.1 Conceito de integração regional entre Estados ................................................... 14

1.2 A globalização e a integração regional entre Estados ......................................... 16

1.3 Etapas da integração econômica entre Estados ................................................... 21

1.4 Integração econômica: concorrência no mercado regional ................................ 25

1.5 Integração econômica e aproximação de sistemas jurídicos tributários ............. 28

1.6 Direito de Integração intergovernamental e Direito Comunitário ...................... 31

2 MERCADO COMUM DO SUL: HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E

DIREITO DE INTEGRAÇÃO ............................................................................ 37

2.1 Antecedentes históricos do Mercosul .................................................................. 37

2.2 Criação e objetivos do Mercosul ......................................................................... 43

2.3 Tarifa Externa Comum: Harmonização da Legislação Aduaneira ...................... 47

2.4 Harmonização de tributos sobre a venda e circulação de mercadorias ............... 54

2.5 Direito de Integração no Mercosul ...................................................................... 59

2.5.1 Estrutura do Mercosul: intergovernamentalidade ............................................... 60

2.5.2 O Protocolo de Ouro Preto e a vigência das normas do Mercosul ...................... 66

2.5.3 Meios de solução de controvérsias do Mercosul ................................................. 70

3 RECEPÇÃO DOS TRATADOS PELOS ESTADOS-MEMBROS DO

MERCOSUL ....................................................................................................... 75

3.1 Incorporação de normas internacionais pela Argentina ...................................... 76

3.2 Incorporação de normas internacionais pelo Brasil ............................................ 82

3.2.1 Incorporação dos tratados de procedimento longo .............................................. 84

3.2.2 Incorporação dos tratados de procedimento breve .............................................. 90

3.2.3 Incorporação do Direito derivado do Mercosul pelo Direito brasileiro .............. 93

3.3 Incorporação de normas internacionais pelo Paraguai ........................................ 94

3.4 Incorporação de normas internacionais pelo Uruguai ......................................... 98

3.5 Incorporação de normas internacionais pela Venezuela ..................................... 101

3.6 (In)Segurança jurídica e incorporação das normas do Mercosul ........................ 107

4 IMPOSTOS SOBRE O VALOR AGREGADO NOS PAÍSES HISPANO-

AMERICANOS DO MERCOSUL ..................................................................... 113

4.1 Impostos sobre o Valor Agregado: noções gerais ............................................... 113

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4.1.1 Antecedentes históricos do Imposto sobre o Valor Agregado ........................... 114

4.1.2 Imposto sobre o Valor Agregado: principais características ............................... 116

4.1.3 Sistema de imposição na origem e Sistema de imposição no destino ................. 121

4.2 Conceituações e características do IVA na Argentina, Paraguai, Uruguai e

Venezuela ............................................................................................................ 124

4.2.1 Imposto sobre o Valor Agregado na Argentina .................................................. 125

4.2.2 Imposto sobre o Valor Agregado no Paraguai .................................................... 130

4.2.3 Imposto sobre o Valor Agregado no Uruguai .................................................... 136

4.2.4 Imposto sobre o Valor Agregado na Venezuela .................................................. 140

5 IMPOSTOS SOBRE A VENDA E CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS NO

BRASIL ............................................................................................................... 144

5.1 Tributação sobre bens de consumo no Brasil ...................................................... 144

5.2 Aspectos relevantes do ICMS/Mercadorias ........................................................ 146

5.3 Aspectos relevantes do IPI .................................................................................. 156

5.4 A cumulatividade residual no ICMS e no IPI .................................................... 165

5.5 Federalismo fiscal brasileiro e o ICMS: possibilidades e obstáculos à

implantação do IVA no Brasil ............................................................................. 171

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 178

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 186

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa consiste na realização de um estudo científico sobre o sistema

jurídico do Mercosul, mais especificamente, sobre a possibilidade de harmonização legislativa

tributária sobre bens de consumo, com enfoque na venda e circulação de mercadorias, entre os

Estados-Membros. Para tanto, é necessário observar os procedimentos previstos pelo

Mercosul para que suas normas passem a vigorar, bem como, a sistemática utilizada em cada

Estado-membro para a incorporação das ditas normas, além de estudar os sistemas jurídicos

tributários de cada país.

A abordagem do tema iniciar-se-á pela conceituação, contextualização e classificação

do movimento de integração regional entre Estados de um modo geral. Em seguida, analisar-

se-á a evolução histórica da integração regional no Mercosul, os objetivos previstos no

Tratado de Assunção, assim como as bases da Tarifa Externa Comum instituída pelo Bloco,

demonstrando a etapa de implementação da harmonização legislativa aduaneira, na qual o

Mercosul ora se encontra. Cumpre ressaltar que em toda essa parte inicial ter-se-á como foco

o conceito de harmonização legislativa e a relevância dessa para a efetivação do mercado

comum.

Em um segundo momento, será analisado o funcionamento do Mercosul no que tange

ao processo de produção normativa desse bloco, os procedimentos previstos pelos tratados e

protocolos do Mercosul para a entrada em vigor dessas normas e o processo de recepção de

normas mercosulinas previsto nas Constituições de cada um dos Estados-membros.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa torna-se relevante estudar as

Constituições, além das legislações infraconstitucionais e das interpretações jurisprudenciais,

dos Estados-membros desse bloco regional. Uma Constituição pode criar obstáculos ou

viabilizar a divisão de competências entre instituições supranacionais e os órgãos nacionais,

bem como, proibir ou permitir a aplicação direta do ordenamento do bloco regional e a sua

primazia sobre as normas internas em caso de conflito.

Uma vez que regiões instáveis não atraem investidores estrangeiros e que um dos

requisitos para avaliar a estabilidade de um local consiste no quanto seu conjunto normativo é

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respeitado, percebe-se que o fortalecimento do bloco do Mercosul permite aos países-

membros um maior poder de barganha nas negociações comerciais e políticas na esfera

internacional.

Ao final desta dissertação, objetiva-se estudar os sistemas jurídicos tributários de cada

um dos países do Mercosul, em específico os Impostos sobre o Valor Agregado, verificando

as disparidades entre esses sistemas e a possibilidade de uma harmonização jurídica tributária

que proporcione uma maior proximidade entre esses.

Tendo em vista que para se construir um mercado comum é necessária a concretização

do princípio da livre circulação de mercadorias e, uma vez que os tributos que incidem sobre

os bens de consumo oneram a importação e a exportação, torna-se relevante buscar uma

harmonização legislativa tributária entre os Estados-membros como forma de reduzir os

preços finais dos produtos comercializados dentro dos limites do Mercosul, aumentando o

fluxo comercial entre os países-membros.

Uma das principais questões debatidas ao longo da presente dissertação refere-se

justamente no quanto os Estados-membros estão dispostos a fazer concessões de

competências consideradas tradicionalmente como exclusivas do exercício de suas soberanias,

como é o caso da prerrogativa de legislar sobre matéria fiscal e arrecadar tributos. Nessa

perspectiva, comprova-se a relevância de um estudo aprofundado das legislações e da

evolução jurisprudencial acerca do tema em cada um dos Estados-membros do Mercosul, para

verificar se há a possibilidade de realizar a harmonização tributária sobre os bens de consumo,

de forma a aumentar a previsibilidade jurídica para os investidores e, dessa forma,

incrementar as relações comerciais dos países do Mercosul.

Após uma análise mais detida do atual funcionamento do Mercosul e da relação desse

com os sistemas internos de cada Estado-membro, surge como problema central a questão de

como realizar uma harmonização legislativa tributária sobre os bens de consumo nos Estados

do Mercosul, como um meio importante na construção do mercado comum nos termos

previstos no Tratado de Assunção.

Devido ao fato de que esta pesquisa baseia-se em um estudo de Direito comparado,

serão utilizadas como fontes primárias os textos constitucionais e legais dos Estados-membros

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do Mercosul e os tratados, e como fontes secundárias as doutrinas jurídicas e de outras

ciências afins, e jurisprudências.

O tipo de pesquisa utilizado será o bibliográfico e o documental, traçando um paralelo

entre a doutrina existente, os diplomas legais e as jurisprudências acerca do tema, analisando

os dados referentes às discussões sobre esse.

O método de abordagem para o tipo de pesquisa bibliográfico ou teórico será o

dedutivo, partindo de conceitos gerais, para que ao final possa concluir, de forma a atender os

objetivos propostos para a execução do presente estudo. O método de estudo utilizado para as

fontes de tipo documental será o comparativo, pois é essencial para o enriquecimento da

pesquisa, a comparação entre os textos legais e as jurisprudências dos Estados-membros do

Mercosul, assim como, a observação das coerências e discrepâncias entre as fontes de cada

ordenamento jurídico dos Estados do Mercosul.

A técnica utilizada para o tipo de pesquisa teórica ou bibliográfica será a análise

textual, temática e interpretativa da bibliografia selecionada e estudada. Para o tipo de

pesquisa documental será utilizada a técnica de análise histórica e de conteúdo.

Por fim, faz-se mister ressalvar que quanto mais numerosos os estudos sobre o tema da

integração, mais aperfeiçoados tornam-se os institutos presentes no Mercosul, o que aprimora

a sua relevância e a de seus Estados-membros no ambiente internacional.

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CAPÍTULO 1

INTEGRAÇÃO REGIONAL ENTRE ESTADOS

Quando se inicia uma pesquisa que aborda o fenômeno da integração entre Estados

soberanos é comum remontar a fatos antigos ou menos recentes da história humana, como o

helenismo de Alexandre, o Grande, o expansionismo bélico do Império Romano, as invasões

napoleônicas, o colonialismo e o neocolonialismo, a intenção de unificação da Europa

apresentada pelo nazismo (STELZER, 2006, p. 25-26) e, ainda, os ideais de Simon Bolívar de

unir a América Latina em um só povo (GUERRA, 2010, p. 278).

Os fatos supracitados, na sua maioria, consistiam em tentativas de unificações, nas

quais era necessária a subjugação de um povo a outro, algo impensável nos movimentos de

integração atuais. Assim, não obstante a aparente semelhança entre esses eventos e os

movimentos de integração hoje existentes, finda nesse aspecto qualquer possibilidade de

analogia entre ambos, pois é inaceitável englobar fenômenos contextualizados em realidades

históricas tão diversas na mesma expressão integração entre Estados. Sobre o assunto, Guerra

(2010, p. 275) expõe que:

O Direito Internacional da Integração surgiu em uma área limitada da sociedade internacional dentro de determinadas circunstâncias históricas e só pode ser compreendido nas suas características e modo de funcionamento se for feita uma análise da sociedade que lhe dá origem e cujas relações procura regulamentar.

A integração regional entre Estados é um fenômeno recente, cujo estudo assume

relevância na medida em que inova os meios de relações políticas e comerciais internacionais,

bem como, o aparato jurídico internacional à disposição dos sujeitos que atuam na sociedade

mundial. Neste capítulo serão abordados: a) o conceito multifacetado de integração regional

entre Estados; b) os contextos históricos, políticos e econômicos nos quais surgem os

movimentos de integração e sua íntima relação com a globalização; c) a finalidade da

integração como meio de proporcionar a livre concorrência intrarregional; d) as características

das diversas etapas de integração econômica verificadas no globo; e) a problemática da

harmonização legislativa que surge em contextos de integração entre Estados; e, por último, f)

as características dos aparatos jurídicos que podem regular movimentos de integração, como o

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Direito de Integração intergovernamental e o Direito Comunitário, com ênfase nas diferenças

existentes entre esses dois tipos.

1.1 Conceito de integração regional entre Estados

É possível conceituar a integração regional entre Estados como sendo um

aprofundamento das relações políticas e comerciais entre países que possuem uma identidade

comum seja por estarem geograficamente próximos, por partilharem fatos históricos, por

terem culturas e línguas semelhantes e/ou por apresentarem características econômicas

análogas. Inevitavelmente, tal intensificação das relações internacionais vai ter como

consequência uma maior ou menor aproximação dos sistemas jurídicos dos Estados

envolvidos, a depender da postura adotada por esses e da direção dada à própria integração.

Varella (2009, p.339) expõe que:

[...] No plano regional, os Estados unem-se a outros Estados próximos onde os avanços na integração são facilitados por diferentes fatores como, por exemplo, a proximidade geográfica, os interesses comuns e as facilidades de integração de estruturas de produção. [...]

Sistemas regionais de integração são processos jurídico-políticos de aproximação entre Estados de uma mesma região geográfica para a criação de sinergias. Tais sistemas são constituídos por tratados entre os Estados com diferentes formas de harmonização de seus sistemas jurídicos, de modo a desbloquear o processo de integração e possibilitar a criação de estruturas comuns de poder.

De um modo geral, os processos de integração pressupõem relações internacionais

mais intensas e coesas do que aquelas tradicionalmente realizadas pelos Estados-Nações

desde a Paz de Westfália de 1648, marco histórico que inaugurou o Direito Internacional, ou

desde antes desse marco, quando se praticava a diplomacia entre as cidades-estados italiana,

cujas regras são consideradas as raízes históricas do Direito Internacional Público

contemporâneo.

Com o termo integração regional entre Estados pretende-se indicar uma aproximação

econômica, política e jurídica entre Estados geograficamente próximos, sendo que tal

aproximação apresenta-se de modo mais intenso quando comparada com outras relações

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internacionais construídas ao longo da história da sociedade internacional. Esses três aspectos

da integração – econômico, político e jurídico – apesar de poderem ser didaticamente

separados, para que, por meio de um corte metodológico, possa-se analisá-los com maior

cientificidade, na realidade dinâmica das relações internacionais encontram-se entrelaçados,

um sendo simultaneamente causa e consequência do outro no âmbito do processo

integracionista.

Sobre a interdisciplinariedade existente, em específico, entre Economia e Direito e a

importância de abordar essa relação de modo científico, Alemar (2012, p. 2) pondera que

“todo o desenvolvimento normativo de uma dada comunidade, seja ela estatal ou interestatal,

está intimamente ligado às relações de ordem econômica que ocorrem no seu seio”. Adiante,

esse autor (2012, p. 4) reflete ainda que:

[...] o conhecimento da Economia Política (enquanto ponto de fusão entre Economia e Direito), mais que nunca, deverá ser utilizado como uma ferramenta que orientará tanto os “fazedores de leis” quanto seus intérpretes e aplicadores. A estreita ligação entre a Economia e o Direito, e seu correto entendimento por parte daqueles que pleiteiam e daqueles que julgam, é que fornecerá um parâmetro no qual se possa fiar, no qual se possa apoiar o lançamento de um eventual processo integracionista entre Estados.

O primeiro aspecto, a integração econômica, consiste na eliminação das barreiras

alfandegárias, fiscais ou de efeito equivalente, existentes entre dois ou mais Estados com o

escopo de abandonar a estrutura de mercados nacionais protegidos e relativamente fechados e

de encaminhar para um mercado único, de modo a aprimorar a troca comercial entre os entes,

com o melhor planejamento da localização da produção conforme a disponibilidade dos

recursos. Em suma, corresponde a tentativa de criação de uma economia transnacional

(OCAMPO, 2008, p. 27). Ao abordar a temática da integração econômica Borges (2011, p.

299) pondera que “os blocos regionais são consequências do movimento de integração

econômica dos países como forma de se posicionarem no comércio internacional com mais

força”.

A vertente política da integração coincide com uma intensificação da concertação

entre Estados. Enquanto que na cooperação entre países, esses buscam auferir vantagens

segundo os próprios interesses nacionais, na integração pressupõe a definição prévia de um

objetivo comum entre os envolvidos, o qual deve prevalecer quando em conflito com os

interesses momentâneos e peculiares a cada país. Assim, com o intuito de levar adiante o

processo integracionista econômico, criam-se estruturas políticas que passam a atuar no

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ambiente internacional com relativa independência e ditar regras que vinculam os próprios

entes que as criaram. Essas novas estruturas políticas que surgem no cenário mundial, em

maior ou menor grau, retiram parcelas da autonomia dos países e, por isso, afetam o conceito

tradicional de soberania (OCAMPO, 2008, p. 28).

A integração jurídica, por sua vez, pode ser denominada como Direito de Integração, o

qual é constituído das normas emanadas no interior do processo integracionista, seja pelos

Estados-membros seja por instituições dotadas de poderes para tanto, com o intuito de regulá-

lo e orientar o seu prosseguimento e que tem o condão de aproximar esses países envolvidos

pela cooperação, harmonização ou unificação dos respectivos sistemas jurídicos, a depender

do nível de integração almejada (VARELLA, 2009, p. 339; FURLAN, 2008, p. 100). Sobre o

caráter de instrumentalidade do Direito a serviço da integração econômica, Borges (2011, p.

299) reflete que “os processos de integração regional possuem forte justificativa econômica e

se valem do Direito apenas como estrutura necessária para a consolidação de um processo

destinado à obtenção de melhores resultados econômicos”.

Feitas essas considerações iniciais sobre o conceito de integração regional entre

Estados, faz-se mister realizar um paralelo entre esse fenômeno da integração com o da

globalização, de modo a contextualizá-lo no momento histórico, político, econômico e social

no qual se enquadra. Esses aspectos serão analisados no próximo tópico.

1.2 A globalização e a integração regional entre Estados

O termo integração regional entre Estados explica-se por uma tendência verificada em

todo o globo, a partir da segunda metade do século XX, em que as relações internacionais

praticadas entre os diversos países soberanos passaram a se intensificar e aprofundar, em

grande medida influenciadas pela nova realidade do cenário mundial forjada por diversos

fatos ocorridos no século XX, como: a) o fim da Segunda Guerra Mundial e da hegemonia

europeia; b) a descolonização da África e da Ásia; c) o término da Guerra Fria; e d) a

globalização com a consequente maior interdependência econômica trazida por essa,

juntamente com os avanços tecnológicos responsáveis pela diminuição das distâncias e

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relativização das fronteiras. Sobre o fenômeno do regionalismo, Amaral Júnior (2008, p. 399-

400) reflete que:

O regionalismo renasceu em todos os continentes, na segunda metade do século XX, diretamente vinculado aos acontecimentos que deram forma à política mundial nesse período. A descolonização da África e da Ásia, verificadas nas décadas de 50 e 60, estimulou o regionalismo entre as nações recém-independentes. Estreitou-se a cooperação entre os novos Estados que buscavam integrar-se à realidade internacional, cooperação que, nos anos subsequentes, viria a concretizar-se em iniciativas marcadas pela durabilidade e permanência, para a qual muito contribuiu o paciente trabalho de edificação institucional.

A ruptura do equilíbrio bipolar, produto da Guerra Fria, levou à reordenação das relações internacionais, antes polarizadas nos EUA e na União Soviética. A disputa pela hegemonia da qual esses países participavam organizava a política mundial a partir de dois polos antagônicos, que tinham visões distintas sobre o Estado, a sociedade e a natureza do sistema internacional. A queda do muro de Berlim e a desintegração da União Soviética fizeram ruir o principal pilar que estruturou as relações internacionais por mais de meio século. Complementa esse quadro o desejo sentido pelos governos, em maior ou menor grau, de reduzir o impacto da instabilidade e ampliar a obtenção dos benefícios que o mercado globalizado possibilita.

A integração regional é apenas um dos diversos prismas sob o qual pode ser analisado

o que se convencionou denominar de nova ordem mundial1, sendo essa uma consequência da

globalização. Essa última pode ser também denominada de integração internacional e consiste

em um fenômeno de caráter planetário, ocasionado por avanços tecnológicos no âmbito da

informática, da comunicação e do transporte que permitem a aceleração desenfreada dos

fluxos de bens, capitais, informações e tecnologias. Em seu sentido estritamente econômico,

corresponde a uma nova etapa do capitalismo, responsável pela formação de um mercado

mundial que supera as fronteiras nacionais, cuja característica principal é a descentralização

da produção, espalhada por diversas regiões do globo, conforme os interesses das

multinacionais e transnacionais. (HELD, 2001, p. 12)

Varella (2009, p.339) observa que a internacionalização do Direito e a intensificação

da interdependência entre Estados causam uma maior integração entre esses entes tanto no

aspecto regional como no global. Em decorrência de ser uma integração internacional, a 1 A expressão Nova Ordem Mundial faz referência à reorganização econômica, política e social da sociedade no

período subsequente ao fim da II Guerra Mundial. “Em síntese, aquilo que Roosevelt e os seus mais próximos colaboradores tinham para propor aos seus aliados era uma ordem mundial fundada sobre os pilares da ONU e de Bretton Woods, através dos quais se buscava coerência entre o sistema de relações políticas e aqueles de relações econômicas entre os Estados.” (GUARACINO, 2004, p. 10-11). Tradução livre do italiano.

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globalização é um processo mais amplo do que a integração regional, e é indicativa das

características e tendências da economia capitalista global e suas referências específicas de

interdependências e de intensas disputas entre os grandes conglomerados concorrentes, cujos

interesses globalizados ultrapassam os limites geográficos e os objetivos políticos de seus

Estados nacionais (OLIVEIRA, 1998, p. 18).

Os aspectos negativos da globalização, assim como os positivos, decorrem também da

diminuição das distâncias e aumento dos fluxos de informação e de trocas comerciais, o que

permite que crises econômicas e acontecimentos desastrosos em partes longínquas do mundo

afetem o restante do planeta. Além disso, a crescente interação de culturas e de civilizações

pode provocar o surgimento de conflitos que cominam na xenofobia e na proliferação de

políticas reacionárias. Nesse sentido, HELD (2001, p. 14-15) entende que:

[...] a consciência da interligação crescente de culturas e civilizações não apenas gera novas animosidades e conflitos, como pode também alimentar políticas reacionárias e uma xenofobia arraigada. Uma vez que um seguimento significativo da população mundial não é diretamente afetado pela globalização, ou fica basicamente excluído de seus benefícios, ela é um processo profundamente desagregador e, por isso mesmo, vigorosamente contestado.

Em seu viés estritamente econômico, o neoliberalismo impulsionado pela globalização

não é um fenômeno uniforme, mas apresenta distorções, colocando Estados à margem da

economia mundial. HELD (2001, p. 18) afirma que é possível que a globalização sirva aos

interesses econômicos mais poderosos do ocidente e nega que essa seja uma construção

puramente ideológica, afinal possui estruturas reais na sociedade moderna.

Não obstante a globalização apresente características negativas, a tendência de

abertura das economias dos Estados, verificada logo após a II Guerra Mundial, consistiu em

uma tentativa de abandonar a postura protecionista praticada pelos países no período que

antecedeu essa Grande Guerra, uma vez que a política do protecionismo está intimamente

relacionada com a exaltação dos nacionalismos e com a propagação do clima de desconfiança

no ambiente internacional, os quais foram, em grande medida, responsáveis por gerar esse

conflito armado de proporções mundiais, ocorrido na primeira metade do século XX.

Apresenta esse entendimento Porto e Flôres Jr. (2006, p. 11):

A primeira metade do século XX apareceu pois “contra a corrente”, numa linha protecionista que não deixou saudades, nem no plano político nem no plano econômico. Nacionalismos exacerbados estiveram na origem da II

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Guerra Mundial, que começou na Europa, mas teve consequências devastadoras que se estenderam a todo mundo; e ficou bem claro que não são políticas de defesa de mercados que são capazes de criar condições economicamente mais favoráveis, sendo por isso de admirar a crença que nos anos 1960 ainda houvesse na América Latina em relação a estratégias de substituição de importações.

Fenômeno complexo e contraditório, a globalização provoca o surgimento de blocos

regionais e sub-regionais entre Estados, porque por meio desses os países tentam criar

proteções no confronto dos aspectos negativos criados pela mesma. Se a globalização é

incontrolável pelos países isoladamente, quando esses estão agrupados em uma realidade

regional conseguem impor relativo controle sobre pontos determinantes desse processo.

Ao tratar sobre integração econômica regional Silva (1995, p. 107) pondera que “são

regiões que se organizam para melhor negociar e melhor competir, sendo a essência de sua

formação a mesma: livre-comércio interno e protecionismo externo”. Assim, a integração

regional apresenta uma dupla faceta: De um lado, tem-se que o principal fim visado é

aumentar o fluxo comercial entre os Estados envolvidos, na linha do liberalismo, orientada em

maior ou menor grau sob a égide dos princípios da liberdade de bens, pessoas, capitais e

serviços. Por outro lado, possui uma natureza discriminatória em relação a terceiros países,

criando barreiras ao comércio com o restante do mundo. Tal situação é no mínimo paradoxal

tendo em vista que, apesar de ser um movimento resultante da globalização, a integração

regional acaba por confrontar o liberalismo mundial por ela defendido.

Em uma primeira análise poder-se-ia pensar que a integração regional fere um dos

princípios basilares da OMC, definido no Artigo 1º, §1º, do Acordo GATT/OMC2, qual seja o

da nação mais favorecida. Entretanto, os blocos econômicos regionais consistem em uma

exceção que afasta a aplicação de tal princípio, pois são previstos no Artigo XXIV, parágrafo

2º do GATT/OMC3, que traz o conceito de território aduaneiro, admitindo a aplicação de

2 GATT/OMC, Artigo I, §1º do GATT/OMC: TRATAMENTO GERAL DE NAÇÃO MAIS FAVORECIDA

1. Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado. Esse dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encargos de toda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao método de arrecadação desses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 2 e 4 do art. III. 3 GATT/OMC, Artigo XXIV, §2º do GATT/OMC: Para os fins de aplicação do presente Acordo, entende-se por território aduaneiro todo o território para o qual tarifas aduaneiras distintas ou outras regulamentações

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tarifas aduaneiras distintas nesse território em contraposição daquelas praticadas com o

restante dos países.

O artigo XXIV, § 8º do GATT/OMC4 define união aduaneira como a substituição, por

um só território aduaneiro, de dois ou mais territórios aduaneiros, eliminando nas trocas

comerciais praticadas nessa região os direitos e regulamentações restritivas de tais práticas.

Desse modo, desde que não crie graves obstáculos ao comércio entre terceiros Estados e

aqueles membros do bloco regional, esse é um fenômeno admitido pela OMC.

Tem-se que os sistemas regionais de integração são opções político-jurídicas

resultantes da globalização, que possuem o escopo de aumentar a concertação entre Estados

de determinada região geográfica, seguindo a linha do liberalismo para o comércio regional e,

em contraposição, utilizando mecanismos de protecionismo para as relações com os demais

países. Existem vários níveis de concertação já estabelecidos no globo pelos Estados, os quais

são denominados de etapas de integração econômica. No próximo tópico será realizada uma

análise mais detida de cada uma dessas etapas.

aplicáveis às trocas comerciais sejam mantidas a respeito de outros territórios para uma parte substancial do comércio do território em questão. 4 GATT/OMC, Artigo XXIV, §8º do GATT/OMC: Para fins de aplicação do presente Acordo: (a) entende-se por união aduaneira, a substituição, por um só território aduaneiro, de dois ou mais territórios aduaneiros, de modo que: (i) os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das trocas comerciais (com exceção, na medida necessária, das restrições autorizadas nos termos dos artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX) sejam eliminados para a maioria das trocas comerciais entre os territórios constitutivos da união, ou ao menos para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários desses territórios; (ii) e, à exceção das disposições do parágrafo 9 os direitos aduaneiros e outras regulamentações idênticas em substância sejam aplicadas, por qualquer membro da união, no comércio com os territórios não compreendidos naqueles; (b) entende-se por zona de livre troca um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das trocas comerciais (com exceção, da medida necessária, das restrições autorizadas nos termos dos artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX) são eliminados para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos territórios constitutivos da zona de livre troca.

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1.3 Etapas de integração econômica entre Estados

Para fins didáticos, os movimentos de integração podem ser classificados conforme a

intensidade que esses alcançam, ou seja, o nível de concertação que exigem entre os Estados e

a profundidade das matérias abrangidas pelos Tratados firmados. São cinco as possíveis

classes de modelos de integração: zona preferencial, zona de livre comércio, união aduaneira,

mercado comum e união econômica5.

A zona preferencial é criada por meio de acordos firmados por dois ou mais Estados

com o intuito de promover o comércio de determinados produtos ou grupos de produtos,

através da diluição das barreiras tarifárias e não tarifárias que agravam tal setor da economia.

Ressalta-se que com a zona preferencial não se ambiciona a liberalização comercial ampla

entre os países envolvidos, mas apenas fomentar uma área específica da economia

(FINKELSTEIN, 2003, p. 23). Varella (2009, p. 339) conceitua a zona preferencial da

seguinte forma:

Na zona de preferência tributária, os tributos cobrados sobre a importação de produtos dos Estados-partes são inferiores àqueles cobrados dos demais Estados. Assim, o comércio intrazona é facilitado, mas pode existir ainda um tributo incidente sobre esses produtos. Logo, os produtos não necessariamente terão o mesmo tratamento tributário dos produtos nacionais.

A ALALC e a ALADI, criadas respectivamente em 1960 e 1980, no seio da América

Latina, são exemplos de zonas preferenciais. Como retromencionado, devido ao princípio da

nação mais favorecida contemplado no âmbito da OMC, os blocos econômicos regionais são

admitidos como uma exceção ao livre comércio global. Contudo, não podem ser criados como

subterfúgio para prejudicar o comércio de terceiros países, sendo que o também já

mencionado Artigo XXIV, §2º do Acordo GATT/OMC salienta que as tarifas aduaneiras

diferenciadas para o bloco devem abranger uma parte substancial do comércio praticado no

interior desse. Tal previsão expressa permite concluir que a zona preferencial, por diluir as

5 A distinção entre os níveis de integração pode ter a nomenclatura variada a depender do autor. BORGES (2010,

p. 301) divide os graus de integração em: área (zona) de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e comunidade de Estados. OCAMPO (2009, p. 28) divide em seis os modelos de integração: zona de preferências tarifárias, zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e integração total. FINKELSTEIN (2003, p. 23) adota a seguinte classificação: zona preferencial, zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica. Este trabalho segue essa última classificação.

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barreiras ao comércio de apenas um setor em específico, fere o princípio da nação mais

favorecida, pois não se enquadra na exceção admitida pela OMC. Todavia, Ocampo (2008, p.

29) apresenta algumas ressalvas no que tange à proibição de Zonas Preferenciais, quais sejam:

[...] o próprio acordo do GATT/OMC aceitou como exceção todos os acordos de preferências existentes nesse momento (Commonwealth britânica, União francesa, Benelux e suas possessões, Estados Unidos e Filipinas, etc.), exceção que em breve se ampliou a que, por meio de sistemas generalizados de preferências, os países desenvolvidos outorgassem aos países em vias de desenvolvimento (Convenção de Lomé ou da própria Comunidade Europeia com países da Europa oriental ou mediterrâneos), ou as que os países em desenvolvimento se concedem entre si, mediante a cláusula de habilitação permitida desde a Rodada Tóquio do GATT/OMC (por exemplo, a Aladi e seus derivados).

No que concerne à zona de livre comércio, essa está expressa no art. XXVI do

GATT/OMC e consiste em uma liberalização da economia entre os Estados-membros de

maior amplitude, uma vez que busca desagravar o comércio ocorrido no interior de tal zona

do ônus fiscal ou equiparável a esse. Não obstante a queda das barreiras às relações

comerciais entre os países envolvidos, esses se mantém soberanos no que compete à definição

das políticas comerciais no confronto dos outros países do globo (FINKELSTEIN, 2003, p.

23).

Nada obsta que a eliminação das barreiras ocorra de forma gradual, anulando qualquer

ônus sobre algumas classes de produto e apenas reduzindo a carga tributária ou equivalente

sobre produtos de outra natureza. Contudo, cumpre ressalvar que não unificar a política

tributária em relação a terceiros países pode provocar o desvio de comércio6 (SILVA, 1995, p.

108). Exemplos de zona de livre comércio atualmente existentes são: o Nafta, composto pelos

Estados Unidos, México e Canadá; e o Efta, cujos membros são Suíça, Noruega, Islândia e

Liechtenstein.

A união aduaneira é prevista no art. XXIV do GATT/OMC e trata-se de um passo

avante na profundidade dada à integração, tendo em vista que além de manter a liberalização

comercial entre os Estados-membros existente na zona de livre comércio, prevê também a 6 O desvio de comércio é um fenômeno que pode acontecer em decorrência da adoção de regimes especiais ou da ausência de unificação das políticas tributárias do Estados-membros na relação comercial com países terceiros. Nessas hipóteses, o comércio dentro do bloco permitiria “[...] a concentração das importações, ou seja, que algum dos membros do Mercosul [ou de outro processo de integração] importasse, com isenção, bens de terceiros países e os reexportasse, com as vantagens tributárias aplicáveis às operações regionais, aos demais” (MEIRA, 2005, p. 358). Tal situação descrita consiste em desvio de comércio.

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fixação de uma Tarifa Externa Comum (TEC) aplicável ao comércio com países terceiros, a

qual nada mais é do que uma forma de uniformizar a relação comercial dos países do bloco

com os demais. (FINKELSTEIN, 2003, p. 23). Essa etapa já exige uma harmonização no que

tange às políticas fiscais, monetárias e cambiais (SILVA, 1995, p. 109). Como exemplo de

união aduaneira pode-se indicar a antiga BENELUX, criada em 1944 entre a Bélgica,

Holanda e Luxemburgo, mas que foi absorvida pela União Europeia, e o Mercosul que é uma

união aduaneira incompleta.

O mercado comum prevê uma união aduaneira completa somada a uma liberalização

dos fatores de produção (pessoas, bens, serviços e capitais) de forma a garantir as condições

para que circulem e se estabeleçam em quaisquer pontos do bloco regional. Cria-se no espaço

formado pelos territórios dos países partes do processo integracionista um mercado unificado,

gerido por uma política macroeconômica coordenada, no qual todas as barreiras tributárias,

aduaneiras e de efeito equivalente são banidas, permitindo a circulação livre dos fatores acima

elencados (FINKELSTEIN, 2003, p. 23). Sobre a livre circulação dos fatores produtivos,

Guerra (2010, p. 277) elucida que:

A livre circulação de bens implica a abertura das fronteiras e a queda das barreiras aduaneiras para que os produtos possam circular livremente entre os Estados-membros do mercado. A livre circulação de pessoas preconiza que é lícito a qualquer pessoa, que pertença a um dos Estados que faça parte do mercado, a liberdade de locomoção sem o devido controle nas fronteiras. Finalizando, a livre circulação de serviços garante a possibilidade de que as pessoas ofereçam serviços em quaisquer dos Estados-Membros nas mesmas condições que seus nacionais.

As quatro liberdades inerentes ao mercado comum são complementares entre si, assim,

para que a liberdade de serviços, por exemplo, concretize-se é fundamental que a livre

circulação de pessoas exista de fato. Nesse contexto, torna-se imprescindível a harmonização

dos sistemas tributários, previdenciários e trabalhistas dos países-membros do bloco, como

meios de realizar a livre circulação de pessoas, produtos e serviços, além da criação de

legislações comuns que regulamentem questões como repatriamento de lucros, investimentos

estrangeiros e royalties, de modo que torne possível a liberdade de circulação dos capitais

(SILVA, 1995, p. 109). Pode ser citada como um exemplo de mercado comum, a

Comunidade Europeia, fase que precedeu à atual União Europeia.

O Tratado de Assunção estabelece expressamente como objetivo do Mercosul a

criação do mercado comum, mas como supramencionado, esse bloco regional ainda se

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encontra na etapa da união aduaneira incompleta. Tal classificação justifica-se por dois

motivos, quais sejam: a) o Mercosul consiste em uma união aduaneira porque nesse cenário

integracionista inexistem os aparatos que sejam capazes de fomentar a livre circulação dos

fatores de produção, requisitos necessários para a constituição da próxima etapa lógica – o

mercado comum; e b) é uma união aduaneira incompleta porque apesar de prever uma Tarifa

Externa Comum, essa possui inúmeras exceções e lacunas, como serão abordadas mais

adiante. Especificamente sobre o Mercosul, Varella (2009, p. 340) discorre que:

O Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, tem as características gerais de uma união aduaneira, mas questiona-se se o Mercosul atingiu os 80% previstos exigidos pelo direito internacional econômico. Os próprios órgãos oficiais não têm dados estatísticos suficientes para determinar com precisão o grau de integração, o que por certo demonstra a fragilidade do sistema regional.

Por fim, a união econômica exige uma maior harmonização, na qual se passa a

requerer uma coordenação de políticas internas em matéria fiscal e monetária, além de atingir

outros setores relevantes da economia como o industrial e o agrícola. Na união econômica a

política macroeconômica é unificada, podendo culminar na criação de uma moeda única.

Ademais, a integração aqui pode ultrapassar a esfera puramente econômica, sendo necessário

compatibilizar leis e políticas sociais, colocar em pauta questões como a defesa dos Direitos

Humanos, Segurança Externa, dentre outros (FINKELSTEIN, 2003, p. 23).

A União Europeia é um exemplo existente de união econômica e monetária. Outro

exemplo é UEMOA, União Econômica e Monetária do Oeste Africano, criada em 1994 por

Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal e Togo. Apesar de menos

comentada, a UEMOA foi na realidade a primeira experiência de união econômica e

monetária existente no mundo (FERNANDES, 2011, p. 178).

Cumpre ressaltar que apesar da utilidade acadêmica dessa classificação, não significa

que todos os processos existentes na atualidade e os que estão por surgir precisam

necessariamente passar pelas cinco etapas citadas, sucessivamente, até se tornarem uniões

econômicas e monetárias. Tais processos são dinâmicos e seu nível de integração dependerá

dos objetivos traçados no Tratado constitutivo do bloco regional que podem, por exemplo,

visar à mera zona de livre comércio. Dependerá também da intenção e dos esforços dos

Estados que, inclusive, podem futuramente decidir aprofundar sua integração, como ocorreu

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com a criação da União Europeia, a qual é a evolução de um mercado comum em uma união

econômica e monetária. Nesse sentido BORGES (2003, p. 301) comenta que:

A doutrina de Direito Comunitário costuma distinguir diferentes graus de integração, como se tal gradação representasse necessariamente o percurso do processo de integração, mas, como se verá, trata-se na realidade de formas diferentes de traduzir as opções de maior ou menor nível de integração, podendo um bloco regional conter características de uma espécie e de outra, em graus diferentes.

Cada processo de integração vai possuir peculiaridades próprias, tendo em vista que

traduz as estratégias políticas, econômicas e jurídicas utilizadas pelos Estados para aumentar o

fluxo comercial dentro do bloco regional. Nesse aspecto, a integração não é um fim em si,

mas um meio utilizado pelos países para criar vantagens concorrenciais no cenário do

comércio internacional. O próximo tópico deter-se-á na relação entre essas vantagens

concorrenciais e a integração entre Estados.

1.4 Integração econômica: concorrência no mercado regional

Qualquer argumento favorável aos movimentos integracionistas entre Estados vai

sempre partir da premissa de que dita integração é um dos fatores de suma importância na

promoção do desenvolvimento econômico dos países nela envolvidos. Em outras palavras,

parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento econômico é uma consequência direta do

aprofundamento das relações políticas e econômicas dos Estados pertencentes a uma

determinada região, de forma que a integração é idealizada como um meio para aumentar o

fluxo comercial entre tais Estados e, se realizada uma proteção tarifária adequada, trazer

vantagens concorrenciais no confronto com países terceiros. Finkelstein (2003, p. 22)

apresenta esse entendimento ao expor que:

Os mercados de bloco, em quaisquer de suas muitas formas, derivam dos esforços de colaboração ou união de Estados soberanos que decidem politicamente se unir para a consecução de um esforço conjunto, visando a alcançar um resultado benéfico àquelas nações que se uniram ou se obrigaram a colaborar entre si, seja na área econômica, política, financeira, social, cultural ou outras, dependendo sempre dos interesses que se buscará tutelar via integração.

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Nessa linha de análise Ocampo (2009, p.22) discorre que:

A integração econômica é uma opção de política ao alcance dos países em sua busca de uma estratégia de desenvolvimento econômico. Por isso seus benefícios e custos potenciais devem ser comparados com os de outras opções de política e em particular com os de qualquer outra estratégia orientada para a exportação. [...] Na concepção das relações internacionais baseada na clássica dicotomia entre interações de conflito e interações de cooperação, evidentemente a integração se situa no segundo grupo. De maneira nenhuma pode ser considerada como um fim em si mesma, e sim como meio para alcançar maior desenvolvimento econômico e por essa via contribuir para o aumento do bem-estar geral.

Nesse diapasão, a integração regional entre Estados só vai se justificar quando trouxer

benefícios para as sociedades envolvidas nesse processo, seja no campo econômico,

financeiro, social, cultural e/ou político, elevando o bem-estar geral das populações desses

Estados. Ao abrir as economias nacionais, aumenta-se a competição de mercado e faz com

que os sujeitos envolvidos busquem aprimorar suas produções e produtos com o intuito de

superarem seus concorrentes em face dos consumidores. A concorrência, então, assume uma

conotação positiva uma vez que promove o bem-estar dos consumidores, incentivando o

surgimento de produtos mais variados e a preços mais acessíveis. Nesse sentido, Whish (2001,

p. 22) salienta que:

[...] os benefícios da concorrência são preços menores, produtos melhores, mais opções e maior eficiência do que o que se pode obter sob condições de monopólio. Segundo a teoria econômica neoclássica, em condições de concorrência perfeita, o bem-estar do consumidor é maximizado. [...] ‘bem-estar do consumidor’ [...] significa especificamente que se pode conseguir as eficiências alocativa e distributiva; a combinação da eficiência alocativa com a eficiência distributiva maximiza a riqueza total da sociedade. 7

Desse modo, o sistema de mercado regional pode encontrar como justificativa o fato

de gerar eficiência alocativa, que consiste no aprimoramento da capacidade de produzir mais

e melhor, e também de promover a eficiência distributiva, no sentido de impulsionar uma

mais igualitária distribuição da riqueza. Outra justificativa para a construção de um mercado

regional está na possibilidade de cada Estado especializar-se em um setor produtivo,

reduzindo os custos de produção e aproveitando a oportunidade de vender em um mercado

7 Tradução livre a partir do original em língua inglesa.

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mais amplo, o qual abarca o respectivo território e os dos demais países pertencentes ao

processo. Porto e Flôres Jr. (2006, p. 34) reflete que:

[...] em lugar de cada país produzir todos os tipos de bens (dois bens, nos exemplos que demos atrás) com custos mais elevados, independentemente de qualquer fator de vantagem comparativa haverá um ganho geral se cada um se especializar na produção apenas de alguns (ou de um deles, no exemplo), podendo vender no mercado mais extenso, que abrange o próprio país e os seus parceiros comerciais.

A integração regional é uma opção política direcionada à obtenção de

desenvolvimento econômico pelos Estados que dela fazem parte, de modo que se dito

desenvolvimento não for obtido, a integração perde sua justificativa de existir. Portanto,

estudos e planejamentos devem ser realizados, para que questões como as assimetrias

econômicas e sociais entre os Estados não sejam obstáculos à integração por impedir a

promoção do bem-estar geral das populações envolvidas no processo integracionista. Um

importante estudo da Cepal8 ( 2000, p. 953) confirma esse entendimento ao ponderar que:

Nos anos 1960 e 1970, um dos principais obstáculos à integração econômica entre países com diferente dimensão econômica ou grau de desenvolvimento consistia na distribuição desigual dos custos e benefícios atribuíveis a esse processo. Embora, atualmente, essa preocupação tenha diminuído no que diz respeito aos custos, persiste, no contexto da liberalização comercial, o problema da igualdade de oportunidades de acesso aos benefícios potenciais da integração, seja entre os países latino-americanos e caribenhos, seja entre um país da região e um desenvolvido. Assim, muitas vezes, as associações de empresários dos países que se consideram atrasados, por diferentes motivos, alegam sua inferioridade estrutural para competir com empresas homólogas dos países que oferecem condições superiores em matéria de economias de escala, acesso à tecnologia, acesso aos insumos ou às condições sistêmicas em que se inserem as empresas.

Esse texto em seguida apresenta como solução para evitar essa desigualdade de

aproveitamento dos potenciais benefícios da integração, a redução gradual e progressiva dos

impostos, de modo que os países com inferioridade estrutural para competir, participassem

desse processo de redução de impostos mais lentamente. Abaixo, transcreve-se o texto em seu

exato teor (CEPAL, 2000, p. 953):

8 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe consiste em uma instituição, a qual foi criada em 1948

pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, sendo uma das cinco comissões econômicas da ONU. Seu objetivo é incentivar pesquisas que busquem soluções que promovam o desenvolvimento econômico e social dos países da região. Inspirada pelas construções teóricas de um de seus diretores, Raúl Prebisch, estimula a cooperação econômica entre os Estados latino-americanos como um meio de se alcançar o desenvolvimento socioeconômico. Vide BIELSCHOWSKI (1998, p. 15-18) e RODRIGUEZ (1981, p. 31-32).

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Uma primeira forma de conciliar essas considerações consiste em aplicar de maneira gradual e progressiva o processo de redução de impostos que é favorecido pelos acordos de integração, a fim de facilitar a adaptação das atividades produtivas às novas circunstâncias. Isso implicaria ainda que o ajuste dos países ou setores que se considerassem com menor capacidade de aproveitar o potencial do mercado ampliado ocorresse através de processos mais lentos – ainda que claramente delimitados – de redução de impostos.

Tem-se que a redução dos tributos que incidem sobre o consumo, bem como, a maior

semelhança entre os sistemas tributários, de forma que os encargos fiscais sejam mais ou

menos uniformes no comércio praticado em todo o território da integração regional, é uma

etapa fundamental a ser alcançada, para que dita integração seja de fato uma realidade que

traz vantagens tanto para aqueles que produzem e comercializam mercadorias quanto para os

indivíduos que as consomem. Nesse contexto, torna-se relevante abordar as ferramentas

jurídicas que proporcionam essa maior coesão entre os sistemas jurídicos tributários dos

Estados em processo de integração, o que será realizado no tópico a seguir.

1.5 Integração Econômica e aproximação dos sistemas jurídicos tributários

Muitas vezes a legislação tributária interna não está em consonância com os

compromissos assumidos no ambiente internacional pelo Estado ao assinar tratados e acordos

internacionais. Em outros casos, a bitributação internacional ou certas medidas para a

proteção do mercado interno aplicadas sobre os bens de consumo, especialmente sobre a

venda e circulação de mercadorias, são capazes de gerar distorções concorrenciais, ferindo os

princípios da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da livre concorrência.

Para se evitar possíveis conflitos decorrentes seja da aplicação simultânea de dois ou

mais ordenamentos jurídicos estatais, seja da violação de obrigações assumidas

internacionalmente, é importante que se aproxime os sistemas legislativos dos países,

principalmente no que concerne ao Direito Tributário (SILVEIRA, 2011, p. 440). Sobre o

tema Saccheto (2008, p. 379) pondera que:

[...] cada país, ao formular as próprias políticas, não leva em conta e, mais precisamente aproveita a vantagem, das repercussões que tais políticas possam produzir sobre os outros países. [...] A ausência de uma coordenação das políticas fiscais é a questão que é comumente discutida pelos

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economistas que entendem não ser corretamente pensável um mercado livre no verdadeiro sentido de ser embasado somente nas regras da livre concorrência [...]9

Ao conceituar a coordenação como sendo o gênero dos métodos de aproximação

legislativa, Sacchetto (2008, p. 378) expõe que com o termo coordenação busca-se indicar

“uma genérica atividade de convergência mínima entre sistemas, entre institutos, e entre

normas pertencentes a ordenamentos diversos sejam esses pertencentes a uma mesma ordem

estatal [...] em matéria de federalismo fiscal, ou a ordenamentos estatais diversos 10”.

O que se observa na construção do Direito Internacional é uma constante dialética

entre uma tendência de se criar um mecanismo superior aos Estados que fosse capaz de ditar

normas jurídicas com força vinculativa e uma propensão a buscar meios que harmonizem ou

coordenem as jurisdições distintas dos Estados. Na prática há preponderância dessa última.

De fato, o Direito Internacional possui um caráter desordenado fruto da tentativa de

compatibilizar ou aglutinar culturas jurídicas distintas. Nesse diapasão, ganha relevância o

denominado “pluralismo ordenado” examinado por Delmas-Marty (2010, p. 53), que aborda

técnicas de harmonização legislativas, tais como: coordenação por entrecruzamento,

unificação por transplantação ou por hibridização e harmonização por aproximação.

A coordenação por entrecruzamento é um processo de interação espontâneo e

dinâmico de caráter horizontal (pois não há hierarquia), levada a cabo pelas trocas informais

de reflexões jurídicas pelos diversos juízes nacionais de Estados distintos e também por

aqueles internacionais, de modo a construir interpretações cruzadas que alimentam os acervos

culturais jurídicos e afetam a aplicação das normas aos casos concretos ao interno dos juízos

nacionais, gerando o que Delmas-Marty (2010, p. 62) definiu como “internormatividade de

fato”. Em resumo, a coordenação por entrecruzamento provoca a imitação em âmbito global,

regional ou nacional de fundamentos de decisões e de pareceres consultivos, o que finda por

harmonizar interpretações sobre temas jurídicos em locais diversos do mundo, não obstante a

existência de sistemas embasados em tradições jurídicas absolutamente diferentes.

9Tradução livre a partir do original em língua italiana. 10 Tradução livre a partir do original em língua italiana.

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Apesar de sua relevância, principalmente por conferir caráter de coerção moral ao jus

cogens11 e por minimizar as contradições entre interpretações jurídicas, diminuindo as esferas

de conflito, a coordenação por entrecruzamento não basta para garantir a plena coerência

entre os sistemas jurídicos. Um modo de interação bem mais radical consiste na unificação

por transplantação ou por hibridização. A por transplantação coaduna perfeitamente com a

ideia de transplante, pois vai ocorrer quando existir uma imposição de uma ordem jurídica de

um Estado em substituição ao de outro, sem qualquer respeito à reciprocidade. Já a por

hibridização respeita a reciprocidade e trata-se da modificação do direito interno de diversos

Estados, de forma a uniformizá-los (DELMAS-MARTY, 2010, p. 64).

Um meio termo que se pode obter é através da harmonização por aproximação. Essa

ocorre quando um Tratado Internacional estabelece princípios norteadores que criam a

obrigação política e/ou jurídica a seus signatários de aproximar seus ordenamentos jurídicos,

por meio de reformas que inserem nos sistemas nacionais normas semelhantes ou idênticas,

compatibilizando os ordenamentos (DELMAS-MARTY, 2010, p. 63). A harmonização

facilita a cooperação interestatal e é fundamental para se alcançar o objetivo comum definido

por Estados em processos de integração.

Sobre os conceitos de unificação e de harmonização Saldanha (2008, p. 112) comenta

que as diferenças são tão nítidas que não permitem quaisquer confusões entre esses dois

métodos de aproximação legislativa. Esse autor (2008, p. 112-113) realiza a distinção desses

institutos jurídicos da seguinte forma:

A harmonização das legislações busca suprimir ou atenuar diferenças , incongruências entre duas disposições normativas internas na medida em que a diminuição de tais assimetrias seja exigida para o funcionamento e sucesso da integração, sendo importante frisar que as estruturas básicas dos ordenamentos jurídicos harmonizados são mantidos a ponto de resistirem algumas diferenças entre esses.

A unificação, por sua vez, visa à adoção uniforme de regras por parte dos Estados que se propõem a tal, havendo a aceitação conjunta das mesmas normas em ordens jurídicas distintas, consubstanciando uma alteração tão drástica, que tem o poder de modificar a estrutura normativa, descaracterizando, em sua totalidade, a norma anterior em favor da unificação legislativa, que imporá a mesma norma em todos os Estados atingidos pela uniformização legislativa.

11 Jus Cogens é aquela norma imperativa do Direito Internacional que não admite derrogação por meio de tratado

(SILVA, 2008, p. 115).

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Os Tratados constitutivos da União Europeia criaram um modelo de harmonização

embasado na existência de órgãos supranacionais, capazes de criarem obrigações jurídicas aos

Estados-membros no sentido de compatibilizarem seus ordenamentos jurídicos, formando

uma rede emaranhada de normas que atuam com forças centrípetas – em prol de uma

integração mais coesa – e centrífugas – que buscam conservar a autonomia e independência

dos Estados-membros. A harmonização no modelo europeu é centrífuga quando prevê o

princípio da subsidiariedade das normas supranacionais em relação a aquelas nacionais, ou

seja, as primeiras só devem ser aplicadas quando as segundas não forem suficientes para se

alcançar os objetivos comunitários. Já a força centrípeta é retratada pelo princípio da primazia

do direito supranacional, denotando a finalidade de coesão desse direito.

Nada obsta, contudo, que os Estados optem que a harmonização legislativa por

aproximação seja gerida por ferramentas típicas da intergovernamentalidade, sem

implementar aparatos jurídicos e estruturais supranacionais. Nesse diapasão, a seguir serão

analisadas, de modo mais detido, as principais diferenças entre o Direito de Integração

intergovernamental e o Direito Comunitário, pautado pela supranacionalidade.

1.6 Direito de Integração intergovernamental e Direito Comunitário

Existem ferramentas jurídicas, cujo escopo é o de regular e resolver conflitos entre

sistemas jurídicos independentes, desde quando surgiram interações entre dois distintos

sistemas jurídicos, muito antes da existência do conceito de Estado, já na época das trocas

comerciais das antigas cidades-estados italianas. Assim, o Direito Internacional, o Direito de

Integração e o Direito Comunitário nada mais são do que desdobramentos lógicos das

interações política, econômica, comercial e social entre entes soberanos e independentes.

Essas interações são responsáveis por criar pontos de conexão e de provável conflito entre

normas de jurisdições diversas, que, por sua vez, precisam ser regulados e solucionados

através de técnicas de coordenação, harmonização e unificação desses sistemas.

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Ferrajoli (2002, p. 49) defende que as interações comerciais, sociais e políticas que

moldam a realidade mundial são responsáveis por tornar relevante a ocorrência de “uma

integração mundial baseada no direito12”. Todavia, existe a questão da dificuldade de criação

de uma comunidade internacional regulada por sistemas jurídicos embasados em valores

universais, até porque o próprio conceito de universal possui um caráter duvidoso quando

inserido no plano axiológico. Ferrajoli (2002, p. 48) determina o atual cenário jurídico

internacional como sendo dominado por uma “crise de legitimação do sistema de soberanias

desiguais13” gerada pela globalização:

Essa crise de legitimação afeta hoje em seus alicerces aquilo que na história moderna tem sido o fulcro da política e, ao mesmo tempo, o principal obstáculo à hipótese, levantada inicialmente por Francisco de Vitória, depois por Immanuel Kant, e finalmente por Hans Kelsen, de uma comunidade mundial sujeita ao direito: a própria figura do Estado soberano, ou seja, legibus solutus, desvinculado das leis, que, após ter permeado durante toda a Idade Moderna as relações entre os países europeus, tem sido no século XX exportada ao mundo inteiro por meio de sua própria obra de “civilização”.

Ferrajoli (2002, p.53-54) advoga em favor de um constitucionalismo mundial que seria

o único capaz de promover a unidade na sociedade internacional. Enquanto imperar os

mecanismos da atual realidade internacional, na qual o principal sujeito ainda é o Estado, a

harmonização de sistemas jurídicos consiste em um importante meio de cooperação jurídica

internacional, principalmente em situações de integração. Nesse diapasão, a grande novidade

surgida no cenário internacional com o advento da integração é o Direito Comunitário.

O Direito de Integração é todo o aparato jurídico construído em um ambiente de

integração entre Estados, que pode seguir a lógica do Direito Internacional Público ou a do

Direito Comunitário. A princípio, enquanto o Direito Internacional clássico é mais adequado

para fundamentar e regulamentar a cooperação internacional tradicional, o Direito

Comunitário está mais apto para ser a base dos processos de integração, organizar as

atribuições de competência e separar os poderes dos Estados nacionais daqueles das

organizações políticas comunitárias (FURLAN, 2008, p. 120).

12 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 13 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Apesar do Mercosul consistir em uma organização voltada para objetivos de

integração entre Estados, ele se dota de ferramentas jurídicas típicas do Direito Internacional

tradicional. Assim, o Direito construído no âmbito do Mercosul pode ser denominado de

Direito de Integração, uma vez que tem a finalidade de implementar um processo de

integração econômica entre Estados, mas é equivocado utilizar o termo Direito Comunitário

para defini-lo, pois as competências dos órgãos mercosulinos e a força de suas normas

respeitam os ditames da intergovernamentalidade enquanto que o Direito Comunitário é

caracterizado pela supranacionalidade (FURLAN, 2008, p. 126). Em suma, o Direito

Internacional está para intergovernamentalidade, como o Direito Comunitário está para a

supranacionalidade.

O mais conhecido exemplo de Direito Comunitário é o da União Europeia. O termo

supranacionalidade sugere algo acima do Estado e é utilizado juridicamente pela primeira vez

em 1951, com o Tratado de Paris, constitutivo da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

(OCAMPO, 2008, p. 128). O caráter supranacional faz referência a organismos que, apesar de

criados por Estados, por meio de tratados que são fontes típicas de Direito Internacional, são

superiores e independentes desses e têm o poder de expedir normas vinculantes aos entes

criadores. Para tanto, é necessário que exista ao menos um órgão independente dos Estados,

ou seja, uma instituição composta por funcionários que ali estejam na qualidade de defensores

dos interesses comuns da organização e não dos interesses das nações às quais pertençam, e

que tal instituição possua competência para emanar normas e decisões que sejam vinculantes

aos Estados, imediatamente aplicáveis e prevalecentes. (FURLAN, 2008, p. 116)

A aplicabilidade imediata ocorre quando não há necessidade de um processo interno

nos países para que normas e decisões externas se tornem válidas dentro da esfera dos entes

estatais, enquanto que a prevalência se reflete na regra segundo a qual, em caso de conflito

entre a norma comunitária e uma norma nacional, anterior ou posterior, prevalecerá à

comunitária (OCAMPO, 2008, p. 125-127).

No ambiente comunitário, os Estados precisam delegar muitas de suas funções a eles

atribuídas constitucionalmente às instituições comunitárias, o que promove uma substancial

modificação nas condições de ação e de existência dos Estados envolvidos no processo de

integração. A delegação de poderes, que são diretamente associados ao exercício da soberania

estatal em favor de uma organização, de certo modo priva, ou melhor, passa a impressão de

privar o Estado da independência que o fundamenta.

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Ainda que os entes estatais mantenham sua identidade política e sua independência

essencial, apenas dividindo com as instituições comunitárias algumas áreas de sua

responsabilidade, com o intuito de permitir o alcance do objetivo comum estabelecido, é

notável o impacto que o conceito de supranacionalidade causa nas concepções tradicionais de

soberania absoluta e indissolúvel e de Estado-Nação, construções teóricas dogmáticas criadas

para explicar as relações existentes na sociedade internacional em um determinado período

histórico, mas que são confundidas com verdades incontestáveis (FURLAN, 2008, p. 54-61).

Apesar de aparentemente existir uma contraposição entre os paradigmas da soberania

e da supranacionalidade, na realidade esse segundo termo apenas provoca uma revolução no

modo de se entender o primeiro, sendo que a soberania passa a ser vista como algo que pode

ser relativizado e cujas competências podem ser divididas (FURLAN, 2008, p. 72-81). Vale

enfatizar que os próprios Estados, em um acordo expresso de vontades e, portanto, exercendo

suas soberanias na esfera internacional, que delegam competências a um organismo

supranacional (GUERRA, 2010, p. 275). Ademais esses Estados reservam a si o poder de

denunciar tais tratados e, portanto, de se desvincular das obrigações neles impostas.

É relevante mencionar que os tratados constitutivos da União Europeia não fazem uma

separação nítida entre as competências dessa e aquelas dos Estados-membros. Existem nesses

tratados, normas materiais que indicam em quais setores a União Europeia possui

competência exclusiva e em quais setores sua competência é divida com os Estados-membros.

Porém, são alguns princípios juntamente com a evolução jurisprudencial da Corte de Justiça

Europeia que desempenham a árdua tarefa de traçar a linha limítrofe entre a atuação da União

e a dos Estados-membros (VENTURA, 2003, p. 130-131).

A União Europeia é abastecida por um conjunto de ferramentas eficazes para cada

matéria tratada, possuindo instrumentos com aplicabilidade direta nos Estados-membros,

poder vinculante e cujo desrespeito é passível de sanções, bem como meios não vinculantes

que buscam apenas orientar as políticas estatais (TESAURO, 2008, p. 140-158). É importante

salientar que isso só é possível graças à evolução jurisprudencial da Corte de Justiça,

responsável por interpretar os princípios que consagram o Direito Comunitário cada vez de

modo mais extensivo e que através de seu labor jurisprudencial é capaz de dar coesão e

uniformidade hermenêutica aos significados presentes nas normas originárias, derivadas e

nacionais que orientam as ações da União Europeia (TESAURO, 2008, p. 303-316).

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Por sua vez, no Mercosul não existe um órgão, cujos funcionários devam atuar no

sentido de implementar os objetivos comuns da integração, desvinculados dos interesses de

seus respectivos Estados, e as normas emanadas no âmbito desse bloco não ambicionam a

aplicabilidade imediata e nem a primazia sobre o Direito Interno. Os Estados-membros do

Mercosul negociam de forma horizontal e descentralizada, buscando encontrar um equilíbrio

entre a implementação de políticas relevantes para os fins de integração e os próprios

interesses políticos, econômicos e sociais enquanto Estados soberanos, em um processo

denominado de coordenação de soberanias (BORGES, 2005, p. 372-373).

O que fundamenta o cumprimento da normativa mercosulina pelos Estados-membros

são os mesmos princípios que orientam o Direito Internacional clássico: pacta sunt servanda

e a reciprocidade. O art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969

estabelece o princípio do pacta sunt servanda, segundo o qual dois ou mais Estados, através

de expresso acordo de vontade, criam normas (tratados) por meio dos quais estabelecem

direitos e deveres recíprocos, que se não forem respeitados por determinado Estado, esse vai

ser responsabilizado internacionalmente, de forma que os demais podem impor ao infrator

sanções políticas e econômicas.

O princípio da reciprocidade está expresso no art. 2º do Tratado de Assunção e

consiste no legítimo direito de um Estado não cumprir as obrigações estabelecidas em um

tratado se os demais Estados também estiverem inadimplentes. Tem-se, assim, um mecanismo

que serve para suavizar as relações internacionais dos países, mas que pode criar paralisias em

um processo de integração, uma vez que as inadimplências recíprocas afetam sobremaneira a

implementação de políticas relevantes para os objetivos integracionistas.

Esses elementos de intergovernamentalidade do Mercosul denotam a predominância

do conceito tradicional de soberania, em que os Estados independentes e autônomos são os

principais agentes das relações internacionais, os quais se permitem realizar concessões

recíprocas, mas que detêm todas as competências no que se refere a assegurar a realização, no

âmbito interno, das obrigações assumidas internacionalmente (BORGES, 2005, p. 273).

A questão que surge é se as relações internacionais pautadas pelo princípio da

reciprocidade que possibilitam o inadimplemento dos Estados, ameaçados por eventuais

sanções políticas e econômicas, seria o modelo ideal em um ambiente de integração, em que

se busca a construção de um mercado comum o qual, por sua vez, exige a harmonização de

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muitas áreas do Direito, em relevo, a harmonização de normas de Direito Tributário, que

possibilitem a livre circulação de mercadoria. Sobre o assunto, Martins (2007, p. 405)

comenta que:

Ora, enquanto a soberania dos povos permitir ampla liberdade de tributação, nos espaços nacionais, à evidência, o mercado é vítima da imposição tributária e não seu modelador. O interesse do poder, “subordinando o interesse público”, determina o quantum da imposição, não em face da justiça tributária para alavancar o desenvolvimento, mas conforme a necessidade dos detentores do poder, burocratas ou políticos. [...] A tensão que se faz entre menor carga, melhores condições de suporte da mão-de-obra e insumos, é o fator determinante, nas ponderações possíveis, para que os investimentos públicos e privados se direcionem nesse ou naquele espaço, de um mundo globalizado, à luz dos diversos cenários de integração supranacional.

Em espaços comunitários, onde aumenta a participação democrática, as sociedades e o

mercado adquirem maior influência na política tributária do que os tradicionais detentores do

poder (burocratas e políticos), criando facilidades para a obtenção de elementos importantes –

mão-de-obra, matéria-prima, insumo, tecnologia e investimento – para tornar o mercado de

um país mais competitivo, tendo em vista que aquele de menor carga tributária atrai mais

investimentos.

Por fim, é relevante mencionar que nenhum processo de integração dá-se de modo

idêntico, uma vez que é alimentado por peculiaridades políticas, econômicas e culturais de

cada região, de forma que os objetivos e os rumos que essas integrações podem assumir são

extremamente distintos. Torna-se necessário estudar aprofundadamente um determinado

bloco regional para compreender quais os melhores meios à disposição de suas instituições e

dos Estados-membros para a consecução de seus fins integracionistas. Por esse motivo, no

próximo capítulo serão estudadas as particularidades do Mercosul.

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CAPÍTULO 2

MERCADO COMUM DO SUL: HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E DIREITO DE INTEGRAÇÃO

O foco desse capítulo consiste no Mercosul enquanto uma Organização Internacional

com finalidade integracionista, com intuito de se aprofundar o entendimento sobre a evolução

histórica, o objetivo, o funcionamento e a estruturação desse bloco regional. Para tanto, serão

abordados os seguintes aspectos: a) os antecedentes históricos do Mercosul, ou seja, os

processos políticos e jurídicos em prol de uma integração entre os países latino-americanos

que são anteriores e que influenciaram a criação do Mercosul; b) o principal objetivo previsto

pelo Tratado Constitutivo desse bloco regional; c) a Tarifa Externa Comum criada com o

escopo de implementar uma união aduaneira entre os Estados-membros; d) a necessidade de

harmonizar a legislação em matéria tributária dos países mercosulinos, como meio para se

garantir o objetivo primordial desse bloco, qual seja, o mercado comum; e e) o Direito de

Integração criado e desenvolvido com o escopo de colocar em prática tal objetivo

integracionista. Esse último aspecto terá o estudo divido em três esferas: das instituições

mercosulinas, das normativas desse bloco e do meio de solução de controvérsia existente no

âmbito do Mercosul.

2.1 Antecedentes históricos do Mercosul

Em uma perspectiva mais ampla, ao se estudar o processo de integração do Cone Sul,

pode-se identificá-lo com as tentativas de unificação da América do Sul. Ao menos no que se

refere à América espanhola é possível retroceder à Simon Bolívar14, conhecido como El

Libertador que, ainda no século XIX, defendia a instauração de uma unidade Latino-

14 Segundo as palavras de Simón Bolívar: “Es una idea grandiosa pretender formar de todo el nuevo Mundo una sola nación, con un sólo vínculo que una sus partes entre sí y como un todo. Ya que tiene un origen, una lengua, las mismas costumbres y una religión, debería, por consiguiente, tener un sólo gobierno que confederase ellos diferentes Estados que vengan a formarse”. PILETTI (1995, p. 31)

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americana cujo escopo era a cooperação dos povos da América Latina na conquista e defesa

de seus interesses comuns. Se Bolívar é importante na história dos ideais de integração e de

independência da América espanhola, não possui qualquer papel na história brasileira. Sobre

o assunto, Santos (1998, p. 27) comenta que:

Simón Bolívar não desejava a participação do Brasil, dos Estados Unidos, bem como a do Rio da Prata nessa comunidade a ser criada; haja vista o Brasil, além de, na opinião de Bolívar, vislumbrar os interesses da Santa Aliança, não era parte integrante do rol de colônias espanholas na América; [...]

A América Latina, já na década de 1950, começou a maturar a ideia de integração, sob

a influência das experiências práticas das Comunidades Econômicas Europeias, e tendo como

base as construções teóricas da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), as quais

se orientavam no sentido de que a integração é um instrumento irrenunciável para o

desenvolvimento latino-americano (Cepal, 2000, p.939-942). Nesse contexto, a integração

deveria colocar a industrialização e a criação de um escudo tarifário como objetivos

principais, com o intuito de oportunizar aos Estados envolvidos no processo a capacidade de

competição comercial tanto no âmbito regional quanto no mundial, tendo em vista a

finalidade maior de obter desenvolvimento econômico e social (RODRIGUEZ, 1981, p. 161-

162).

Especialmente no que tange à integração entre os Estados latino-americanos, os

movimentos aqui verificados a partir de 1950 espelharam-se no que vinha ocorrendo na

Europa. Paralelamente, as construções doutrinárias da Cepal apontavam para a integração

como meio a disposição dos Estados latino-americanos de aumentar seu poder de mercado e

de barganha no cenário mundial e abandonar a posição de países economicamente

periféricos15. Sobre o assunto, Rodriguez (1981, p. 161) discorre que:

[...] a integração permite uma industrialização mais eficiente e, daí, uma maior taxa global de crescimento e um volume maior de comércio com o resto do mundo. Em outras palavras, considera-se que o aumento do comércio dentro da área não se produziria em detrimento do comércio com o resto do mundo; uma integração bem orientada viria a favorece-lo – mesmo que modificando a sua composição – e o maior comércio contribuiria para

15 “[...] o esquema de “economias centrais” e de “economias periféricas” pode parecer mais rico de significação

social que o esquema de economias desenvolvidas e subdesenvolvidas. Nele pode-se incorporar de imediato a noção de desigualdade de posições e de funções dentro de uma mesma estrutura de produção global.” (CARDOSO e FALETTO, 2000, p. 506-511).

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aliviar a tensão externa do conjunto dos países da área. Finalmente, o aumento da eficiência industrial que a integração traz consigo abre outra possibilidade para atenuar as dificuldades externas: a de exportar manufaturas para o resto do mundo.

A Cepal partia da premissa de que o continente latino-americano, em razão de seu

processo de colonização, sempre esteve situado à margem da economia mundial e por ser

possuidor de uma escassa produção tecnológica, desempenhou a função de exportador de

matérias-primas, de modo que sua produção e prestação de serviço nunca teve grande valor

agregado e, portanto, o tornou permissivo à ingerência estrangeira nos seus assuntos internos

(PREBISCH, 2000, p. 179-215). Assim, a integração orientada para a promoção da

industrialização em consonância com a utilização de instrumentos protecionistas reduziria o

número de importações de países terceiros, fomentaria a produção local, diminuiria os níveis

de desempregos e promoveria a autonomia e independência dos Estados latino-americanos

(Cepal, 2000, p. 679).

Apesar de esse posicionamento teórico preponderar durante os anos de 1950, a década

de 1960 foi responsável pela criação de um clima pouco favorável para a evolução de um

quadro de integração latino-americana, pois tal região passou nesse período por forte

instabilidade política, com a presença predominante de regimes militares na administração

dos Estados, o que provocou a inexistência ou redução de sistemas democráticos, fortalecendo

os nacionalismos e o total repúdio a qualquer espécie de intervenção estrangeira nos assuntos

internos, com exceção daquela norte americana, o que gerou uma forte desconfiança mútua

entre os países (MENEZES, 2007, p. 49).

Se o processo de integração exige uma maior interdependência entre os Estados com a

fomentação de diálogos mais transparentes e a promoção de políticas e de sistemas jurídicos

mais coesos, podendo culminar, inclusive, na transferência de competências e de poderes

tradicionalmente tidos como pertencentes ao exercício da soberania desses Estados às

instituições supranacionais, deduz-se que o processo de integração é diametralmente oposto

ao nacionalismo dominante na política governamental dos países latino-americanos durante os

anos de 1960. Paradoxalmente, entretanto, foi nessa década que ocorreu a consolidação de

projetos com grande relevância para a evolução da integração econômica da América Latina.

Pode-se citar a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), criada em 1960,

que se transformou em 1980 na Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

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A ALALC foi a primeira tentativa de integração da América Latina. O Tratado de

Montevidéu que a constituiu permitia aos Estados contratantes pactuar quanto ao

estabelecimento de zonas de livre comércio ou de uniões aduaneiras. Tal Tratado foi assinado

em 18 de fevereiro de 1960, pela Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, seus primeiros

propositores, somados ao Paraguai, México e Peru e entrou em vigor no dia 10 de junho de

1961. Posteriormente, em 1967, aderiram ao mesmo, a Bolívia, a Colômbia, o Equador e a

Venezuela, o que perfez um total de 11 países-membros.

Conforme o art. 54 do Tratado de Montevidéu, a Associação tinha como principal

escopo eliminar dentro do prazo de 12 anos, a contar de sua entrada em vigor, as barreiras

comerciais existentes entre os países signatários, tendo como meta final a criação de um

mercado comum latino-americano. Para tanto, criaram-se as estruturas organizacionais de

caráter intergovernamental, nos ditames do art. 33 ao art. 45 do Capítulo IX desse Tratado, e a

ALALC foi dotada de personalidade jurídica internacional, segundo o disposto no art. 46.

Infelizmente tal Organização fracassou na conquista de seus objetivos. Devido às

políticas restritivas dos países-membros, o art. 1º do Protocolo de Caracas de 12 de dezembro

de 1969 dilatou o prazo para o estabelecimento da zona de livre comércio, de originalmente

1972 para 31 de dezembro de 1980, o que implicou na prorrogação da maioria dos objetivos

centrais do processo integracionista e na perda de credibilidade da ALALC. Saldanha (2008,

p. 63, 64) aduz que:

As negociações para a formação da primeira lista comum da Alalc foram concluídas com sucesso, obtendo o êxito pretendido em 1964. Mas a segunda lista, por sua vez, negociada em 1967 e 1968, não chegou a ser constituída, colocando em cheque o sistema de listas da Alalc.

Com o Protocolo de Caracas, em 1969, estenderam-se as negociações das listas comuns restantes até 31.12.1980, quando se deveria atingir a liberalização total pretendida. A rigor, tal fato, representava a revogação de um aspecto básico do Tratado de Montevidéu, que era a multilateralização, ou o princípio da nação mais favorecida.

Podem ser apontadas como causas para o fracasso da ALALC: a) os objetivos

definidos serem extremamente ambiciosos em relação ao aparato jurídico e estrutural à

disposição para promovê-los, o que impossibilitou o cumprimento pelos Estados das

obrigações assumidas; b) não ter considerado as profundas diferenças de níveis de

desenvolvimento entre os países; c) a instabilidade política da maioria dos Estados

envolvidos; e d) a ausência de um regime comum para investimento estrangeiro e a não

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uniformização ou harmonização das políticas econômicas (FURLAN, 2008, p. 228). Ao

analisar o fracasso da ALALC, Kunzler (2002, p. 89) aponta as seguintes causas:

A pouca flexibilidade do Tratado, a falta de adesão do setor privado e o autoritarismo político dos regimes emergentes, em quase toda a América Latina, foram peças fundamentais para as frustrações e conflitos no funcionamento da Associação. Contribuiu para o fracasso total, a falta de dinamismo devido ao grande número de associados e as diferenças estruturais dos mesmos.

No dia 12 de agosto de 1980, novamente em Montevidéu, na reunião do Conselho de

Ministros de Relações Exteriores da ALALC, é assinado o Tratado que constituiu a ALADI,

substituta da primeira. Essa nova instituição buscou solucionar os problemas enfrentados pela

Associação anterior através de instrumentos de integração mais flexíveis, da não

determinação de prazos nem meios para a concretização dos objetivos de integração e da

possibilidade de celebrar acordos bilaterais ou multilaterais e parciais entre seus membros,

conforme se depreende dos arts. 1º, 2º e 3º do Tratado da ALADI.

Tal documento internacional possuía natureza extremamente permissiva, cujo texto

não fazia menção à coordenação e harmonização de políticas e de sistemas jurídicos nas áreas

essenciais para o sucesso de um processo de integração. Em síntese, constituiu-se de um mero

tratado-quadro16. Assim, a ALADI vê-se na atualidade reduzida a um centro de articulação de

acordos sub-regionais e bilaterais na esfera da América Latina, mas que ainda assim possui ao

menos o papel de servir de estímulo para os processos de integração na região latino-

americana (FURLAN, 2008, p. 229).

Já em meados dos anos de 1980, por perceberem os fortes sinais do exaurimento da

ALADI, o Brasil e a Argentina estreitaram suas relações, com o escopo de acelerar o processo

de integração regional, o que cominou na posterior criação do Mercosul. O movimento

bilateral entre Argentina e Brasil teve início com a Ata de Iguaçu (MENEZES, 2007, p. 168),

firmada em 30 de novembro de 1985, pelo presidente do Brasil, José Sarney, e da Argentina,

José Alfonsín, quando da inauguração da ponte internacional Tancredo Neves sobre o rio

Iguaçu. Tal Ata lançou a base para o estreitamento das relações comerciais dos países. Nessa

16 Tratado-quadro é aquele que tem a função de estabelecer orientações, princípios, enunciados programáticos ou

objetivos precisos, que as partes se comprometem a atinge por meio de acordos posteriores formulados no âmbito da estrutura da organização ou segundo os mecanismos estabelecidos pelo acordo original (VENTURA, 2003, p. 17).

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mesma data, assinou-se a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, na qual as partes

reafirmaram os fins pacíficos de seus programas nucleares. Vaz (2003, p. 72-73) analisa que:

O comprometimento com a restauração plena e a consolidação da democracia condicionou tanto a política externa brasileira, sob José Sarney (1985-1990), como a política externa argentina, sob Raúl Alfonsín (1983-1989), e refletiu-se, sobretudo, na forma com que suas respectivas prioridades passaram a ser operacionalizadas.

No ano de 1986 foi negociado por tais presidentes o Programa de Integração e

Cooperação (PICE) entre a Argentina e o Brasil, que essencialmente previa o estabelecimento

de mecanismos sofisticados de articulação de interesses, principalmente, quanto à promoção

do desenvolvimento conjunto no âmbito da integração (MENEZES, 2007, p. 168). Entre 1986

e 1988 foram aprovados 22 protocolos (SALDANHA, 2008, p. 65), adaptados às exigências

da ALADI para Acordos de Alcance Parcial, que abrangiam temas heterogêneos: bens de

capital, biotecnologia, produção de trigo, cooperação energética, cooperação aeronáutica,

constituição de empresas binacionais, dentre outros (FURLAN, 2008, p. 230).

Esses protocolos, que marcaram a primeira fase do movimento bilateral de integração

entre Argentina e o Brasil, além de sua extrema importância no direcionamento da economia

para a modernização dos setores industriais e tecnológicos desses países, teve um profundo

significado histórico-político, uma vez que consistiam no início de uma relação mais amistosa

entre ambos, acostumados ao clima de competição e rivalidade e, principalmente, foram

estímulos às incipientes democracias após serem governados por ditaduras durante

aproximadamente vinte anos. Saldanha (2008, p. 64-65) observa que:

Neste ponto, devem ser trazida à baila as relações havidas entre Brasil e Argentina. Essas sempre foram marcadas por uma certa rivalidade histórica; no plano militar, ambos disputavam para possuir maior tecnologia, autossuficiência e potencial destrutivo, não afastando a confrontação de forças; no entanto, os avanços da era nuclear, em que pese ter ocorrido um acirramento nas disputas pelo domínio da tecnologia, fizeram com que houvesse uma aproximação entre Brasil e Argentina.

Em 1988, o Uruguai foi convidado a participar do projeto Alvorada (OCAMPO, 2008,

p. 465) e a juntar-se a vários protocolos. Porém, o processo de incorporação desse país deu-se

de forma lenta, pois o Uruguai preferia adotar uma atitude mais cautelosa, uma vez que temia

que a liberalização provocasse consequências negativas na sua economia, tendo em vista que

seu setor industrial era menos desenvolvido do que o do Brasil e o da Argentina.

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Em julho de 1990, após a posse dos presidentes da Argentina e do Brasil, Carlos

Menem e Fernando Collor de Melo, respectivamente, esses assinaram a Ata de Buenos Aires,

(SALDANHA, 2008, p. 66) que promoveu uma nova dinâmica do processo de integração, ao

estabelecer um mercado comum como meta a se alcançar até o dia 31 de dezembro de 1994.

Poucos meses depois, em 20 de dezembro de 1990, Brasil e Argentina firmaram o Acordo de

Cooperação Econômica número 14 (ACE 14) que reunia o total de 24 protocolos comerciais

assinados, no contexto da ALADI, entre 1980 a 1990 pelos dois Estados (MENEZES, 2007,

p. 168).

O ACE 14 criou uma única estrutura: o Grupo Mercado Comum, que era

completamente desprovido de qualquer poder deliberativo, não podendo ser considerado

como um modelo de integração, tendo em vista que fixava objetivos integracionistas, mas não

possuía meios para alcançá-los. Entretanto, teve relevância no simples fato de ser considerado

como o alicerce sobre o qual o Tratado de Assunção (TA) posteriormente foi construído.

Feitos esses esclarecimentos sobre o cenário integracionista que precedeu ao nascimento do

Mercosul, torna-se relevante abordar a criação e os objetivos desse bloco regional, o que será

realizado no próximo tópico.

2.2 Criação e objetivos do Mercosul

O Mercosul – Mercado Comum do Sul – foi criado com a assinatura do Tratado de

Assunção em 26 de março de 1991 pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Segundo o que

se depreende do laudo arbitral de nº 01/2012 proferido pelo Tribunal Permanente de Revisão

do Mercosul17, atualmente, esse bloco possui cinco Estados-membros, os quatro países acima

citados - sendo que o Paraguai está afastado politicamente do bloco, conforme decisão dos

chefes de Estado dos demais membros mercosulinos - além da Venezuela, que desde meados

de 2012 é o mais novo integrante do Mercosul. Ainda participam como países associados

desse bloco regional Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador, os quais apresentam objetivos

17 Disponível em <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/375/1/laudo_01_2012_es.pdf >. Acesso em 10 dez. 2012.

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menos ambiciosos e, portanto, podem assinar no seio do Mercosul acordos que visam o

estabelecimento de zonas de preferência ou progressão gradual de livre comércio com os

Estados mercosulinos.

Retomando a trajetória de criação do Mercosul tem-se que no ano de 1990, o Uruguai

e o Paraguai aceitaram o convite para promoverem um espaço regional integrado, embasado

nos acordos bilaterais já existentes entre o Brasil e a Argentina. O receio do isolamento

comercial em relação aos seus sócios mais importantes (Brasil e Argentina) e da manutenção

da paralisia econômica na região, além da oportunidade de consolidar seus recentes sistemas

democráticos foram os principais motivos que fundamentaram a postura em prol da

integração tanto do presidente Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, como do presidente

Andrés Rodrigues, do Paraguai. Sobre o assunto discorre OCampo (2008, p. 467):

O objetivo de acelerar o processo de remoção de todas as barreiras existentes para o tráfico comercial entre a Argentina e o Brasil e de criar um mercado comum antes de fins de 1994 levou o Uruguai e o Paraguai a solicitar sua incorporação no esquema de integração, por considerarem que o processo de liberalização do comércio, harmonização de políticas e fixação de uma tarifa externa comum constituía boa oportunidade para o seu desenvolvimento e não desejavam ficar alheios a um processo que não apenas envolvia os países mais poderosos da área, mas que eram também seus mais importantes parceiros comerciais. O pedido de incorporação ao processo de integração feito por esses países e sua aceitação levaram à assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991.

O Tratado para a constituição de um mercado comum, ou simplesmente Tratado de

Assunção (TA), entrou em vigor em 29 de novembro de 1991 e ainda é a base normativa

principal do Mercosul, seguido do Protocolo de Ouro Preto que posteriormente o modificou.

Impera mencionar que, apesar do Tratado de Assunção ter criado o Mercosul, foi o Protocolo

de Ouro Preto que em seu art. 34 conferiu ao Mercosul personalidade jurídica, transformando

essa Organização em um verdadeiro sujeito de direitos e obrigações internacionais.

Para interpretar corretamente as intenções e as implicações existentes no TA é

imprescindível ter em mente três fatores: a) que esse Tratado constituiu a etapa seguinte ao

ACE 14 (VENTURA, 2003, p. 26); b) que foi uma tentativa de superar os fracassos da

ALALC e da ALADI (OCAMPO, 2008, p. 467); e c) que ele recebeu na sua confecção forte

influência dos conceitos e termos utilizados pelos Tratados das Comunidades Europeias

(VENTURA, 2003, p. 32).

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Importante marco interpretativo no que tange à natureza complexa do Tratado de

Assunção foi o laudo do tribunal ad hoc, proferido em 28 de abril de 1999, ainda sob a égide

do Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias no Mercosul. Tal laudo, que buscou

dirimir uma controvérsia entre a Argentina e o Brasil, em decorrência de comunicados

brasileiros que restringiam o comércio no interior do bloco, defende que o Tratado de

Assunção é formado por três categorias de normas: a) programáticas, que são os objetivos, os

princípios e as orientações; b) legislativas, que consistem em instrumentos cuja finalidade é

criar meios para a evolução do processo de integração, como estabelecer órgãos; e por último

c) as contratuais, que são as de efeito imediato, como, por exemplo, as disposições sobre o

programa de liberalização estabelecidas pelo Anexo 1.

Abaixo segue transcrito um trecho do referido laudo:

A arquitetura do TA e de seus Anexos mostram claramente uma combinação de normas próprias de um tratado marco com outras de caráter operativo. Como sublinha Sergio Abreu (El Mercosur y la Integración, fcu, Montevideo, 1991, p. 47) o TA vai mais além de um tratado-quadro, constituindo um esquema normativo que flutua entre um “direito diretivo” com bases jurídicas gerais e um “direito operativo” constituído por compromissos concretos. Existem, portanto, normas que fixam objetivos e princípios que com vocação de permanência enquadram e guiam a atividade das Partes em direção ao Mercosul. Existem outras disposições que criam órgãos com atividades mediante as quais as Partes poderão ir modelando o processo de integração. Finalmente existem outras disposições que são por si mesmas executáveis, impondo obrigações concretas às Partes, sem necessidade de novos atos jurídicos pelos Estados. Essas, principalmente contidas nos Anexos, desempenham o papel de instrumentos dinamizadores do projeto integracionista, o impulso operativo que sem necessidade de nenhum ato adicional das Partes dá, de início, um grande salto adiante18.

O objetivo declarado no Tratado de Assunção é a criação de uma integração

econômica entre os signatários, mais especificamente, a implementação do mercado comum,

que conforme seu artigo 1º tinha data limite para se estabelecer em 31 de dezembro de 1994.

Devido a esse curto prazo para a promoção de um modelo integracionista tão ambicioso, o

mercado comum foi encarado com certo ceticismo e para que todo o projeto não perdesse a

credibilidade, surgiu, à época, a alternativa de se fomentar uma união aduaneira ainda que

incompleta (FURLAN, 2008, p. 234-235).

18 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Atualmente, o mercado comum ainda não foi alcançado e a integração econômica

nesse bloco encontra-se na fase de união aduaneira incompleta. No que se refere às

implicações para o estabelecimento do mercado comum, também o artigo 1º do TA prevê que

para tanto seja necessário:

A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, das restrições não tarifárias à circulação de mercado e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e

O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração19.

Percebe-se a profunda influência que a concepção de mercado comum expressamente

prevista no item 1º, do art. 3º, do Tratado da Comunidade Europeia20 exerceu na definição

dada pelo Tratado de Assunção. Para efeito exemplificativo citam-se algumas disposições

existentes no TCE: “a eliminação, entre os Estados-membros, dos direitos aduaneiros e das

restrições quantitativas à entrada e saída de mercadorias, assim como outras medidas de efeito

equivalente” (art. 3, a), “o estabelecimento de uma tarifa aduaneira comum e de uma política

comercial comum em relação aos Estados terceiros” (art.3, b) e ainda “a abolição, entre os

Estados-membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas, serviços e capitais” (art. 3, c).

Faz-se mister sublinhar que o TA em seu preâmbulo pressupõe que a integração seja

premissa fundamental para se alcançar desenvolvimento econômico com justiça social. A

previsão de justiça social como um fim da integração e não apenas a satisfação de interesses

econômicos, trata-se uma importante novidade trazida pelo Tratado de Assunção. Entretanto,

19 Disponível em <www.antaq.gov.br/Portal/pdf/Mercosultratadoassuncao.pdf >. Acesso em 02 jul 2012. 20 Esse item 1º do art. 3º do Tratado da Comunidade Europeia foi suprimido pelo Tratado de Lisboa. Disponível

em < http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:306:0042:0133:PT:PDF> Acesso em 02 jul 2012.

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tal Tratado não estabelece com pormenores o significado e o alcance dessa expressão, sendo

que as disparidades econômicas existentes entre os membros do bloco, e a desigualdade social

entre regiões de um país, só é contemplada pelo Protocolo de Ouro Preto e, ainda assim, de

modo superficial, o que, consequentemente, consiste em um entrave para o próprio avanço do

processo integracionista.

Torna-se relevante realizar estudos que busquem meios para se alcançar os objetivos

elencados no TA de modo a trazer benefícios para os Estados envolvidos, respeitando as

disparidades econômicas, sociais e de dimensões territoriais. Com a evolução do processo de

integração, a necessidade de um aparato jurídico, que auxilie na construção do bloco regional

mercosulino assentado na certeza do Direito fica mais urgente. Sobre essa questão, Menezes

(2007, p. 172) reflete que:

Para a consecução de todos esses objetivos, à medida que o bloco for avançando será necessário um suporte jurídico normativo maior, daí a importância do estudo do direito da integração como forma de analisar os impactos normativos sobre o ordenamento jurídico dos Estados-membros e também no conjunto normativo do bloco.

Como será demonstrado neste trabalho, a harmonização legislativa tributária no que

tange aos bens de consumo, mais especificamente à venda e à circulação de mercadorias, é

uma das etapas necessárias para garantir transparência e regularidade à ordem jurídica do

Mercosul, bem como, para corrigir as distorções que os tributos geram na comercialização

dentro do bloco. No próximo tópico, dada a relevância da harmonização legislativa aduaneira

para a consecução do mercado comum, será analisada a implantação da Tarifa Externa

Comum no Mercosul, suas características e, principalmente, suas lacunas.

2.3 Tarifa Externa Comum: Harmonização da Legislação Aduaneira

A Tarifa Externa Comum (TEC) foi criada com o propósito de ser uma das

ferramentas para reduzir os empecilhos e paradoxos que surgem no comércio intrarregional

em processos de integração. Os regimes aduaneiros especiais têm o escopo de reduzir ou

eliminar a carga fiscal sobre o comércio dentro do bloco regional e com isso aumentar o

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volume de importação e exportação obtido pelos países que fazem parte do projeto

integracionista (MEIRA, 2005, p. 358).

Porto e Flôres Jr. (2006, p. 291) demonstram que, segundo dados oficiais da ONU o

comércio entre os membros do Mercosul, que era de US$ 4,1 bilhões em 1990, saltou para

US$ 20,2 bilhões em 1997. O fato do comércio intrabloco ter quintuplicado nesse período de

sete anos, denota que a criação de regimes aduaneiros especiais, com o intuito de amenizar a

carga tributária sobre a importação e exportação, aumenta o fluxo comercial na região. Esses

autores, conforme dados da ONU de 1998, apontam que 35,6% do total das exportações e

25,1% do total das importações da Argentina naquele ano foram realizadas no âmbito do

Mercosul. A porcentagem de exportações e importações brasileiras efetuadas dentro do

Mercosul foram, respectivamente, de 17, 4% e de 16,2% dos totais de importação e

exportação feitas por esse país. O Paraguai teve a parcela de 52,4% das suas exportações

destinadas a outros países do Mercosul e 45,8% das suas importações também foram

realizadas no interior desse bloco. Por fim, o Uruguai apresentou a fração de 55,4% de todas

as suas exportações e a fração de 43,2% de todas as suas importações realizadas dentro do

bloco mercosulino.

Se para o Paraguai e o Uruguai, o Mercosul é mais importante para as suas respectivas

comercializações externas do que para o Brasil e a Argentina, esse bloco não deixa de

representar uma fatia relevante do comércio exterior para esses dois últimos países. Sobre as

disparidades existentes entre, de um lado, Brasil e Argentina, e de outro, Uruguai e Paraguai e

a relevância que a harmonização legislativa adquire para amenizar tais discrepâncias, Alemar

(2012, p. 5) reflete que:

Com efeito, não se pretende aqui colocar Brasil e Argentina num pedestal, jogando-se Paraguai e Uruguai para um segundo plano. O que nos move é a ideia de que querer fazer m processo integracionista “a toque de caixa” não pode dar certo. As realidades jurídicas e, principalmente, econômicas dos últimos Estados são muito discrepantes dos dois primeiros. Por isso entendemos que até que se consiga uma harmonização de vários pontos ainda controversos, é muito cedo para se pensar em medidas mais ousadas, como por exemplo, a criação de uma moeda única, como querem alguns.

Dados mais recentes apontam que, após o período de crise compreendido entre 1999 e

2002, as exportações brasileiras para os países-membros do Mercosul tenderam a aumentar

gradativamente, sendo que em 2003 o valor total dessas exportações foi de US$ 6.277.479,00,

enquanto que em 2007 tal valor subiu para US$ 22.023.708,00. O Mercosul foi o destino,

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segundo dados de 2008, de apenas 13,58% do total de exportações realizadas pelo Brasil

nesse ano. Contudo, ao partir da premissa de que no Mercosul existem só quatro Estados-

membros, além do Brasil, torna-se possível observar que essas fração do comércio externo

brasileiro destinado aos demais países mercosulinos não foi desprovida de significância

(CEPAL, 2012).

Nos outros Estados-membros é possível perceber que também houve um acréscimo

nas exportações realizadas dentro do Mercosul após o período de crise supramencionado. Em

2008, o volume de exportações argentinas para o Mercosul foi de 25,04% do total do

comércio externo realizado por esse Estado; em 2006, a fatia das exportações paraguaias para

os demais países-membros chegou a 48,48% do fluxo total desse país; e, por sua vez, em

2008, o Uruguai destinou cerca de 30,89% de suas exportações para os Estados mercosulinos

(CEPAL, 2012). Apesar de ter ocorrido um decréscimo nas porcentagens das exportações de

cada país para o Mercosul, em comparação com aquelas verificadas no ano de 1998, percebe-

se que o comércio entre os Estados mercosulinos ainda corresponde a uma fatia importante

das transações internacionais praticadas por eles .

Para a Venezuela, que ingressou no Mercosul somente em 2012, o fluxo comercial

entre tal Estado e os demais países-membros nunca assumiu grande relevância. As

exportações venezuelanas para esse bloco regional – desde a inauguração dele – tende a

corresponder a meros 5% do total de exportações realizadas por esse país, com exceção do

ano de 1995, no qual essa fatia chegou a 9,19%. O dado mais recente é de 2006 e apontou que

o Mercosul representou naquele ano apenas 1,44% do total de exportações praticadas pela

Venezuela (CEPAL, 2012).

Apesar da relevância dos regimes especiais para o comércio em ambientes de

integração econômica, se não uniformizar as cargas fiscais referentes à importação dos países

extrabloco, é possível que um dos Estados concentre as importações dos países terceiros e

reexporte para os países pertencentes ao bloco, aproveitando as vantagens regionais, o que

provocam situações de desvio de comércio e de investimento que colocam em risco o próprio

grupo regional (MEIRA, 2005, p. 358). Por isso, a relevância da definição de uma Tarifa

Externa Comum. Meira (2005, p. 359) comenta também que os países envolvidos buscam,

cada qual unilateralmente, estimular os setores mais relevantes das suas respectivas

economias, o que também pode gerar desvios de comércio, assim:

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[...] se todos os países participantes de um processo de integração regional tomassem decisões de modo unilateral, confrontar-se-iam com o dilema do prisioneiro, no qual se cada um escolher individualmente a melhor opção para si, o resultado será a pior solução para o conjunto, portanto, os regimes aduaneiros, em um processo de integração regional, podem causar desvios de comércio e de investimentos tanto nas transações intra quanto extrarregionais.

Para auxiliar nesse processo de integração existe a TEC que faz parte de um plexo

jurídico à disposição dos regimes aduaneiros especiais para eliminar as distorções criadas

pelos mesmos. Especificamente quanto ao Mercosul, a Tarifa Externa Comum está prevista

no art. 5º, letra c, do Tratado de Assunção o qual a enquadra como um importante instrumento

na consolidação do mercado comum por incentivar “a competitividade externa dos Estados-

Partes.” A TEC pode ser conceituada como a unificação, por meio de um instrumento

legislativo único que vigora em todos os Estados-membros, de alíquotas dos impostos

incidentes sobre a importação e a exportação de produtos provenientes de países não

pertencentes ao bloco (FERNANDES, 2001, p. 153).

Importante ressalvar que apesar da expressão utilizada para denominar o instrumento

legislativo único ser “Tarifa Externa Comum” e o termo que designa os impostos sobre a

importação e exportação, nesse caso, ser “tarifa”, sabe-se que tal terminologia não é

cientificamente a mais correta. “Tarifa” para o Direito Tributário significa preço público, ou

seja, é a contraprestação por um serviço público realizado por empresas públicas, sociedades

de economia mista, concessionárias e permissionárias, o que não se trata de uma espécie de

tributo. (BALEEIRO, 1983, p. 324-325) Essa confusão terminológica, todavia, decorre do

falso cognato representado pela palavra inglesa “tariff”, muito utilizada em documentos e

acordos internacionais, a qual, na realidade, se traduz por tributos. Não obstante tal

incorreção, essa terminologia será mantida no presente trabalho, pois se trata da consagrada

pelos documentos legais, pela doutrina e pelas jurisprudências.

A Tarifa Externa Comum tem como função estabelecer as alíquotas e demais

características essenciais para definição da obrigação tributária decorrente da importação ou

exportação para países não membros. Fernandes (2001, p. 154-155) indica que o conceito de

TEC tem que ser entendido de modo amplo, pois abrange:

a) a Nomenclatura Comum; b) qualquer outra nomenclatura, estabelecida por disposições comunitárias específicas, que utilize total ou parcialmente a Nomenclatura Comum ou lhe acrescente eventualmente subdivisões;

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c) as alíquotas e outros sistemas de cobrança normalmente aplicáveis às mercadorias compreendidas pela nomenclatura Comum; d) as alíquotas tarifárias preferenciais previstas em acordos que o Mercosul tenha negociado com determinado país ou grupo de países; e) as medidas que prevejam redução dos gravames aplicáveis a determinadas mercadorias; f) as demais medidas tarifárias e/ou de defesa comercial prevista pela legislação comunitária.

É eficaz para a aplicação da TEC, adotar um sistema de nomenclatura de mercadorias

próprio do bloco, que consiste em uma lista de bens e de mercadorias, ordenadas

sistematicamente, conforme regras de classificação aceitas pelo comércio internacional. A

Nomenclatura Comum do Mercosul permite que os Estados identifique as mercadorias de

modo mais organizado, evitando confusões (SILVA FILHO E CATÃO, 2001, p. 54).

Após a adoção da TEC, as tabelas aduaneiras internas são revogadas, a partir da data

prevista para tanto. Ao menos em teoria, nada obsta que exista lista de exceções referentes a

determinados produtos, que são excluídos da TEC, seja pela sua relevância para o mercado

interno de um país em vias de integração, seja por já existir um acordo entre um Estado-

membro e um não membro que defina alíquotas sobre determinados impostos (FERNANDES,

2001, p. 153).

No Mercosul, a primeira Tarifa Externa Comum foi aprovada pelo Conselho Mercado

Comum em 5 de agosto de 1994, não antes de haver exaustivas negociações entre os Estados-

membros, tendo em vista as divergência existentes, seja porque o Brasil intencionava

reproduzir no âmbito regional sua estrutura tarifária de modo a manter sua produção nacional,

posicionamento seguido pela Argentina, com exceção em relação aos bens de capital, de

informática e de telecomunicações, dos quais a mesma e os dois outros países eram

dependentes dos produtores brasileiros; seja porque o Paraguai e o Uruguai, preocupados com

os possíveis desvios comerciais em favor dos dois primeiros países, defendiam a existência de

tarifas menores e mais uniformes entre produtos agrícolas e manufaturados. Nesse sentido,

Meira (2005, p. 359) reflete que:

Em relação à exportações, tanto intra quanto extrarregionais, os regimes aduaneiros especiais podem provocar deslocamentos de competitividade. Assim, se em condições normais um dos países do bloco era capaz de produzir determinado bem com menores custos, a possibilidade de importar matéria-prima e insumo com isenção, pode tornar outro membro hábil a produzir o mesmo bem com custo ainda mais baixo e conquistar os mercados originalmente pertencente ao primeiro.

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Contrario sensu, em relação a países com parque industrial menos sofisticado e integrado, como o Paraguai, argumenta-se que as limitações quanto ao uso de regimes especiais e isenções podem obriga-los a importar maquinarias e insumos a preços mais altos, ou mesmo produtos finais, de outros membros mais desenvolvidos do bloco, em vez de produzir para consumo interno e exportação.

A TEC que foi aprovada, buscou satisfazer todas as partes, trazendo como solução

para as divergências duas formas de exceções à tarifa externa comum. A primeira delas foi a

aceitação temporária de tarifas diferenciadas para bens de capitais e para os de informática e

telecomunicações, sendo que o prazo final para a convergência da TEC pelo Brasil e pela

Argentina no caso dos bens de capital, era o ano de 2005, e no dos bens de informática e

telecomunicações, era 2006, enquanto que para o Uruguai e o Paraguai o limite temporal era

2006 para os dois tipos de bens. A segunda forma de exceção foi nomeada como Lista de

Exceção Nacional, na qual eram inseridos produtos que os Estados, discricionariamente,

entendiam que a alteração da tarifa poderia afetar os custos da produção. Todos os países

teriam cinco anos para a convergência desses produtos à TEC, com exceção do Paraguai que

teria dez anos (FERNANDES, 2006, p. 158-161).

Não obstante, todas essas flexibilizações da TEC, e talvez por causa dessas, os Estados

passaram a reduzir ou majorar unilateralmente alíquotas que não estavam presentes nas

exceções, por motivos de protecionismo. Ocorre que a Lista de Exceção Nacional, que seriam

abandonadas pelo Brasil e Argentina em 2000 e pelo Paraguai e Uruguai em 2005 já teve

diversas alterações e prorrogações. (PORTO E FLÔRES JR., 2006, p. 293). Na atualidade, os

dois primeiros países podem incluir no máximo 100 produtos, enquanto que o Uruguai e o

Paraguai podem incluir, respectivamente, 225 e 649 produtos. Tal flexibilização findaria em

31 de dezembro de 2012, mas demonstrando uma prática repetida inúmeras vezes pelo CMC,

a Decisão nº 39/12 desse Conselho, prorrogou novamente o prazo, nessa ocasião para 31 de

dezembro de 2014.

Uma questão problemática que é decorrente das Listas de Exceção Nacional é a dupla

cobrança de impostos. Para ser solucionado esse empecilho é provável que seja necessária

uma revisão da TEC, primordialmente no que se refere às supracitadas Listas, com ênfase nos

bens de capitais e de informática e telecomunicações, os epicentros das principais

divergências surgidas nas discussões sobre a construção da Tarifa Externa Comum no

Mercosul.

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Outro problema que afeta a possibilidade da TEC vigorar plenamente consiste nas

preferências tarifárias concedidas pelos Estados-membros em acordos comerciais prévios à

ratificação do Tratado de Assunção e nascimento do Mercosul. Urge a necessidade de que

esses acordos sejam equalizados em respeito ao princípio da reciprocidade previsto no art. 2º

do TA. Nesse sentido, Meira (2005, p. 364):

Os países-membros não somente têm o dever de comunicar anualmente os regimes aduaneiros especiais existentes, mas também de submeter à Comissão de Comércio do Mercosul informações pormenorizadas sobre as características, natureza e base legal de cada um dos regimes. Deverão fornecer ainda dados estatísticos sobre a efetiva utilização desses mecanismos.

Essa publicidade, além de servir aos propósitos de controle e restrição dos regimes voltados ao comércio intrarregião, permite que os países conheçam, sob os aspectos jurídicos e econômicos, os regimes aduaneiros especiais de seus parceiros e solicitem aos órgãos competentes regionais as mudanças que julguem necessárias.

As tentativas de restrição dos regimes aduaneiros especiais em acordos bilaterais com

outros países que não os pertencentes ao bloco mercosulino, foram regulamentadas em várias

decisões do Conselho Mercado Comum, órgão do Mercosul, tais como: Decisão nº 8/1994,

Decisão nº 31/2000 e Decisão nº 69/2000. Assim, conforme o art. 4º da Decisão CMC nº

31/2000, os Estados-membros do Mercosul estão proibidos de instituir novas zonas de

preferências comerciais com países terceiros, sem o conhecimento e aprovação dos demais

países-membros. Além disso, segundo esse dispositivo, os países comprometeram-se a

eliminar todas as preferências comerciais com países terceiros já existentes até o dia 1º de

janeiro de 2006, excepcionando-se as áreas de livre comércio.

Ressalta-se que desde a Decisão nº 8/1994 os países-membros estão proibidos de

criarem outras zonas de livre comércio, além disso, os Estados que se virem prejudicados por

conta de aumento de fluxo comercial em zonas de livre comércio já existentes podem adotar

medidas protecionista conforme o Acordo de Salvaguardas da OMC.

O mercado comum é decorrência lógica da união aduaneira. Apesar de, como já

ressaltado, não ser necessário cumprir toda uma etapa de integração econômica para que se

inicie outra, a harmonização dos tributos aduaneiros sobre produtos de Estados terceiros,

através de uma Tarifa Externa Comum sem exceções, consiste em um grande passo rumo à

integração no âmbito fiscal que, por sua vez, é essencial para a confecção do mercado

comum.

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Após realizar o estudo sobre os principais aspectos relativos à TEC, passa-se para a

análise da relevância dos tributos para o comércio em ambientes de integração e das

características da harmonização tributária como sendo uma ferramenta jurídica à disposição

dos Estados inseridos nesse contexto integracionista.

2.4 Harmonização de tributos sobre a venda e circulação de mercadorias

Quando se trata de harmonização tributária dos tributos incidentes sobre a venda e

circulação de mercadorias, busca-se eliminar os fatores que distorcem a concorrência, de

modo que a função precípua da harmonização tributária nesse contexto é a de atenuar os

desequilíbrios concorrenciais oriundos da tributação internacional. Existem dois motivos para

se realizar a harmonização legislativa, os quais podem ocorrer juntos ou separados: a)

promover a compatibilização da legislação tributária interna ao disposto em um tratado

internacional; b) implementar a aproximação das legislações tributárias de dois ou mais

Estados, por meio da definição dos princípios e das características gerais que serão

compartilhadas pelos ordenamentos jurídicos (SILVEIRA, 2011, p. 440). Saccheto (2008, p.

381-382), ao tratar especificamente da harmonização tributária no âmbito da União Europeia,

traz importante conceito para essa ferramenta, qual seja:

O poder de harmonização é, portanto, um instrumento de coordenação de tributos e de disposições tributárias nacionais existentes, sendo um instrumento através do qual se introduz novos impostos nacionais, e cujo poder de implementação e de gestão permanecem, preponderantemente, conferidos aos Estados nacionais.

A ação de coordenação de sistemas fiscais nacionais pretendida pelas ações normativas/positivas comunitárias, especificamente no âmbito das imposições indiretas, não é, assim, direcionada pelos critérios de justiça e racionalidade.

O objetivo primário da harmonização, ou, simetricamente, da ação normativa de coordenação é aquele de criar um só espaço de liberdade. 21

Existem diversos obstáculos a se enfrentar quando se torna relevante promover uma

harmonização fiscal. Primeiramente, a prerrogativa de instituir e arrecadar tributo consiste em

21 Tradução livre a partir do original em língua italiana.

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uma característica fundamental do exercício de soberania interna, cujas limitações são vistas

com resistência por parte dos Estados. Em segundo lugar, em uma realidade de harmonização

tributária é comum existir disparidades entre os países envolvidos no que concerne à

necessidade de arrecadação, a depender da quantidade de gastos públicos. Por último, em um

processo de harmonização legislativa fiscal sempre existe grupos comerciais e financeiros que

vão ser momentaneamente prejudicados, seja pelo aumento de concorrentes, seja pela perda

de vantagens tributárias, os quais costumam pressionar o governo, retardando ou impedindo a

harmonização (SILVEIRA, 2011, p. 443).

O art. 1º do Tratado de Assunção estabelece como objetivo do Mercosul, enquanto

Organização Internacional, a instauração do mercado comum entre os Estados-membros,

sendo que é condição sine qua non para se alcançar tal etapa de integração a livre circulação

dos fatores produtivos: bens, serviços, pessoas e capitais, até porque o próprio texto desse

artigo do TA enfatiza que: “Esse Mercado Comum implica: A livre circulação de bens,

serviços e fatores produtivos entre países[...]”.

Ainda no art. 1º do TA está expresso “o compromisso dos Estados Partes de

harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo

de integração”. Como “áreas pertinentes” subentendem aquelas que afetam diretamente a

possibilidade de constituição do mercado comum, como a tributação, áreas sobre as quais o

Tratado e os demais Protocolos não impõem normas reguladoras, restando tal tarefa ao

encargo dos Estados.

Nesse diapasão, o art. 5º do TA, dentre os principais instrumentos para a constituição

do mercado comum, elege: “b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará

gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária [...]”; e “d)

A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e a mobilidade dos fatores

de produção e alcançar escalas operativas eficientes”.

Em outras palavras, o Tratado de Assunção não se preocupou em estruturar, através de

regras gerais e princípios comuns a todos os Estados-membros, um sistema jurídico tributário

que fosse condizente com os objetivos do Mercosul. Alternativamente, preferiu deixar

exclusivamente aos países-membros a tarefa de harmonização legislativa e de aproximação

das legislações nacionais no que concerne às “matérias pertinentes” ao mercado comum,

dentre elas, a fiscal. Consequentemente, a harmonização das legislações por parte dos Estados

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mercosulinos, inclusive tributárias, é o único instrumento disponível hoje para se lograr a

construção do mercado comum do sul.

Para auxiliar no processo de integração tributária foi criado, anexo ao Tratado de

Assunção, o Subgrupo de Trabalho 10 (SGT nº 10), subordinado ao Grupo Mercado Comum,

que tinha como função analisar aspectos da política macroeconômica, sendo um dos seus

ramos a harmonização tributária. Contudo, a partir da aprovação do Regulamento da

Comissão Parlamentar Conjunta, em 3 de agosto de 1995, o SGT nº 10 foi substituído pela

Subcomissão 2 – Coordenação de Políticas macroeconômicas, de Políticas Fiscais e

Monetárias (FERNANDES, 2001, p. 220).

Quando se trata de garantir a liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e

pessoas, os tributos e encargos sociais, que incidem sobre esses fatores produtivos e sobre os

patrimônios e as rendas dessas pessoas adquirem relevância, por influenciarem diretamente a

liberdade desses fatores produtivos. Contudo, o art. 7º do Tratado de Assunção deu maior

ênfase aos tributos incidentes sobre os produtos destinados ao consumo, consequentemente,

aos tributos que afetam indiretamente às vendas e às circulações de mercadorias.

A Ata 4, que resultou da primeira reunião, em dezembro de 1992, sobre harmonização

tributária realizada pelo SGT nº10, demonstra pelos primeiros temas analisados, ao abordar os

impostos nacionais seletivos sobre o consumo, os impostos provinciais, estaduais e

municipais sobre o consumo, os impostos sobre transações com divisas e títulos e os impostos

de selo, que existe uma ordem lógica no processo de harmonização tributária do Mercosul, na

qual a harmonização de tributos incidentes sobre o consumo deve preceder e ser tratado com

prioridade em relação aos impostos de renda, encargos sociais e os tributos patrimoniais

(FERNANDES, 2001, p. 220-222).

De todos os documentos, Tratados e Protocolos emanados pelo Mercosul, apenas um

dispositivo faz menção à relevância do tratamento isonômico de produtos originários de

quaisquer dos Estados-membros do Mercosul, qual seja o já citado art. 7º do TA que dispõe

que: “Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do

território de um Estado-parte gozarão, nos outros Estados-partes, do mesmo tratamento que se

aplique ao produto nacional.”

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Esse artigo institui o princípio da não-discriminação, o qual nada mais é do que o

princípio da reciprocidade, previsto no art. 2º do Tratado de Assunção, contudo inserido no

contexto da temática tributária. O art. 2º, como já comentado, assenta o mercado comum

sobre a base da reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados, de modo que cada

país deve dispender tratamento indiferenciado a todos os demais e, por sua vez, não ser

favorecido ou prejudicado por nenhum Estado-membro. Em síntese, a reciprocidade consiste

em uma importante ferramenta para a fomentação da livre circulação de mercadorias e da

manutenção das condições de igualdade concorrencial, tão cara à constituição do mercado

comum (XAVIER, 2008, p. 1027-1030).

Paralelamente, o art. 7º trata das distorções nos fatores da livre-concorrência

provocadas pela tributação, devido à discriminação de natureza fiscal de determinados

produtos. Em outras palavras, esse artigo determina que seja contrária ao estabelecimento do

mercado comum qualquer forma de discriminação e de barreira tributária a produtos dos

Estados partes, pois tal fator enfraqueceria o fluxo comercial, prejudicando à livre

concorrência dentro do bloco. Nesse diapasão, impera abordar em que sentido as barreiras

tributárias fomentadas pelo protecionismo estatal podem afetar negativamente a construção de

um mercado comum.

Os tributos são capazes de gerar distorções de duas naturezas nos mercados em vias de

integração, quais sejam afetar a capacidade concorrencial e a locação ou relocação dos

investimentos. Existem alguns tributos que incidem em decorrência da natureza do produto ou

devido à circulação de mercadorias – os quais são conhecidos como tributos indiretos sobre o

consumo, como será visto em momento oportuno – de modo que o valor pago pelo

contribuinte, a título de imposto, é repassado ao consumidor como custo embutido no preço

do produto, sendo tais tributos denominados de impostos indiretos sobre bens de consumo.

Ora, se esse grupo de impostos influi indiretamente no valor final da mercadoria, a majoração

ou minoração de suas alíquotas, em decorrência seja da origem, seja do destino do produto,

cria alterações nos fluxos comerciais intrarregionais, provocando desigualdades na capacidade

de competir entre os concorrentes estabelecidos no território do bloco econômico

(LAGEMANN, 1999, p. 181-182).

Eliminar barreiras tributárias que consistem em discriminação do produto importado

tem como finalidade primordial tutelar os produtores e comerciantes de todo o bloco

econômico, de modo que a livre-concorrência é vista sob o prisma de garantir condições de

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igualdade entre os competidores, aumentando e diversificando a produção intrarregional. Por

sua vez, a não discriminação do produto exportado tem como principal objeto de proteção o

consumidor que habita o território da integração e tem como escopo a manutenção de preços

mais acessíveis (XAVIER, 2008, p. 1027).

Além disso, a elevação ou diminuição da carga tributária, ou melhor, o tratamento

macroeconômico dado ao tema da tributação, principalmente no que se refere aos tributos

indiretos sobre os bens de consumo, tem o condão de influenciar a localização dos

investimentos ou sua relocalização, sendo essa última muito comum quando existe uma

ampliação dos mercados por meio da integração entre Estados (SILVEIRA, 2011, p. 445).

Atrair investimentos por meio de estratégias fiscais é um dos principais motivos para

se criar a denominada “guerra fiscal”, comumente empreendida entre Estados envolvidos em

um processo integracionista que não tiveram seus sistemas tributários harmonizados. Essa

questão aumenta de complexidade quando acrescenta à problemática a existência de Estados

Federativos envolvidos na integração e que, por isso, já devem lidar com as “guerras fiscais”

entre os próprios entes federados antes de abordar a questão internacional. Nesse sentido

Eugenio Lagemann (1999, p.183) reflete que:

Esse ponto muito importante ainda não mereceu a devida atenção, embora no dia-a-dia da política econômica dos países integrantes do Mercosul essa questão seja rotineira. No Brasil fala-se hoje muito na “guerra fiscal” entre os estados federados, constituindo-se ela, inclusive, numa das pedras angulares para a atual reforma do sistema. Não de pode, porém, esquecer que a “guerra fiscal” possui também um caráter internacional, realizada entre países. Basta lembrar as medidas recentemente tomadas pelo governo brasileiro, buscando garantir para o Brasil os investimentos da indústria automobilística previsto para o Mercosul. A segunda fase da disputa por esses investimentos ocorre no momento, entre estados.

A harmonização tributária sobre bens de consumo, mais especificamente dos tributos

que incidem sobre a venda ou a circulação de mercadorias, é a primeira etapa lógica a ser

vencida no que se refere à desoneração fiscal de produtos oriundos dos Estados-membros da

integração mercosulina tão essencial para concretizar a liberdade de mercadorias, princípio

cerne do mercado comum (DERZI, 1999, p. 28, 29).

É possível dividir em dois grupos os pontos chaves que devem ser estudados quando

se trata de harmonização tributária de bens de consumo especificamente no âmbito do

Mercosul: quais são as ferramentas jurídicas disponíveis no bloco para implementar tal

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harmonização, que serão analisadas no Capítulo 3, e quais são as assimetrias entre os sistemas

tributários dos Estados-membros, que serão observadas na análise conjunta do Capítulo 4 e do

Capítulo 5 deste trabalho. Por ora, faz-se mister estudar o Direito de Integração que regula o

Mercosul, bem como, o funcionamento de suas instituições, o modo de produção normativa

desse bloco e os meios de solução de controvérsias previstos, como forma de entender melhor

a Organização Internacional e os aparatos jurídicos construídos para fomentar esse projeto

integracionista.

2.5 Direito de Integração no Mercosul

Quando as reflexões jurídicas passam a permear as questões sobre a harmonização

entre dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais, a discussão inevitavelmente recai sobre

a aplicabilidade e eficácia das normas internacionais dentro das ordens jurídicas dos Estados.

Ao objetivar a criação de um mercado comum em um ambiente de integração econômica

regional, torna premente que se integre os ordenamentos jurídicos envolvidos nesse processo,

aproximando as legislações dos Estados que tratam de matérias relevantes para a consecução

do propósito integracionista.

Anteriormente neste capítulo ficou demonstrado que para se alcançar o mercado

comum é indispensável realizar a harmonização da legislação tributária dos Estados-membros

do Mercosul, primordialmente quanto aos impostos que incidem sobre produtos, enquanto

bens de consumo, de modo a fomentar a liberdade de circulação de mercadorias. Surge o

problema de como se colocar em prática dita harmonização, em outras palavras, como dar

eficácia e aplicabilidade dentro dos Estados-membros às normas mercosulinas que

hipoteticamente disporem sobre a harmonização tributária. A questão pode ser posta da

seguinte forma: é possível que os órgãos do Mercosul expeçam normas que tratem sobre

harmonização tributária e, se a resposta for afirmativa, quais os procedimentos necessários

para que tais normas tenham aplicabilidade dentro dos Estados pertencentes a esse bloco?

Tais questionamentos serão abordados nos próximos tópicos.

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2.5.1 A estrutura do Mercosul: intergovernamentalidade

O Tratado de Assunção, em seu Capítulo II, dispôs sobre a criação e o funcionamento

dos órgãos provisórios do Mercosul, pensados para o período de transição que teria fim no dia

31 de dezembro de 1994 (art. 18, do TA), sendo que após essa data, os Estados deveriam

convocar uma “reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional

definitiva dos órgãos de administração do mercado comum, assim como as atribuições

específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões”.

Em 1º de janeiro de 1995 entrou em vigor o Protocolo de Ouro Preto, com o escopo de

estabelecer tal estrutura definitiva do Mercosul. Esse Protocolo manteve os órgãos provisórios

criados em consonância com TA, quais sejam Conselho do Mercado Comum (CMC), como

órgão superior; o Grupo Mercado Comum (GMC), como órgão executivo; e a Secretaria

Administrativa. Além disso, trouxe algumas pequenas inovações na regulamentação dessas

estruturas, pois criou outras instituições e fixou os procedimentos necessários para a aplicação

interna das normas mercosulinas.

Por todos esses aspectos e também por ter conferido personalidade jurídica ao

Mercosul, o Protocolo de Ouro Preto é o mais importante tratado celebrado no bojo desse

bloco regional. Menezes (2007, p. 172) ao ponderar sobre o assunto afirma que:

O Protocolo de Ouro Preto, se não trouxe o avanço esperado principalmente no que tange a adoção de um mecanismo jurídico mais efetivo, foi um passo importante na constituição e institucionalização do bloco, aperfeiçoando a estrutura institucional já existente ao amadurecimento do processo de integração e dos objetivos inicialmente propostos, pois até então existia uma estrutura institucional precária com órgãos de caráter provisório.

O art. 1º do Protocolo de Ouro Preto arrola os seis principais órgãos do Mercosul, em

uma ordem que indica a hierarquia existente entre eles: O Conselho do Mercado Comum

(CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC), a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), a

Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), a

Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Além disso, em seu parágrafo único, tal artigo

apresenta a possibilidade de criação de órgãos auxiliares na medida em que forem

“necessários à consecução dos objetivos do processo de integração”.

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De fato, outros órgãos foram criados em momento posterior ao Protocolo de Ouro

Preto, tais como: o Tribunal Permanente de Revisão, órgão de solução de controvérsias e de

revisão estabelecido pelo Protocolo de Olivos de 2002; o Tribunal Administrativo-Trabalhista

do Mercosul, criado também em 2002, com base nas Instruções de Serviço definidas pelo

Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul, para dirimir conflitos de natureza

trabalhista do pessoal a serviço do Mercosul; e o Parlamento do Mercosul criado pelo

Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, que está em vigor desde 24 de fevereiro

de 2007.

O art. 2º do Protocolo de Ouro Preto estabelece que tem “capacidade decisória, de

natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a

Comissão de Comércio do Mercosul”. Esse artigo denota a natureza intergovernamental da

capacidade decisória dessas instituições, o que se traduz pela ausência de independência de

modo que toda ação em prol da integração depende precipuamente da disposição dos Estados

nesse sentido.

O art. 3º corrobora a indicação do art. 1º sobre a existência de hierarquia entre os

órgãos ao dispor que o “Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao

qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para

assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr

a constituição final do mercado comum”. Ademais, a competência para aprovar os

regulamentos internos desses órgãos respeita essa hierarquia, pois o art. 8º, XIX, do Protocolo

de Ouro Preto prevê que o CMC deve aprovar o regulamento interno do GMC e o art. 14,

XIV, do POP, por sua vez, estabelece a competência do GMC em aprovar o regulamento da

CCM.

O CMC é composto pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da

Economia dos Estados partes, cuja presidência é rotativa e exercida pelo prazo de seis meses,

seguindo a ordem alfabética dos países, ou seja: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e, agora,

Venezuela. São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum, conforme o disposto

no art. 8º do POP: a) velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e

dos acordos firmados em seu âmbito; b) formular políticas e promover as ações necessárias à

conformação do mercado comum; c) exercer a titularidade da personalidade jurídica do

Mercosul; d) negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de

países e organizações internacionais, o que pode ser delegado ao GMC, por mandato

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expresso; e) manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam levadas pelo GMC; f) criar

reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos alcançados em tais reuniões; g) criar

os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los; h) esclarecer,

quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas decisões; i) designar o Diretor da

Secretaria Administrativa do Mercosul, adotar decisões em matéria financeira e orçamentária;

e j) homologar o Regimento Interno do GMC, como já mencionado.

O Grupo Mercado Comum, por sua vez, é composto por membros titulares e

membros alternos para cada país-membro, designados pelos respectivos Governos. As

principais funções do GMC, estabelecidas no art. 14 do POP são: a) velar, nos limites de suas

competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos

firmados em seu âmbito; b) propor projetos de decisão ao CMC; c) tomar as medidas

necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo CMC; d) fixar programas de trabalho

que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum; e) criar, modificar ou

extinguir órgãos tais como Subgrupos de Trabalho (SGTs) e Reuniões Especializadas, para o

cumprimento de seus objetivos; f) manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe

forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências; g)

negociar e assinar tratados com terceiros países e organizações internacionais, com a

participação de representantes de todos os Estados Partes, por delegação expressa do CMC; h)

delegar os últimos poderes mencionados à Comissão de Comércio do Mercosul, quando

autorizado pelo CMC; i) como supracitado, aprovar o orçamento e a prestação de contas anual

apresentada pela Secretaria Administrativa do Mercosul; e j) adotar resoluções em matéria

financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas pelo CMC.

Já a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), que está situada em Montevidéu, é

um órgão técnico, com funcionários próprios, que serve como arquivo oficial do Mercosul e

tem como funções principais a difusão e a publicação das decisões adotadas e a prestação de

serviço para os demais órgãos. A SAM é comandada por um Diretor, eleito pelo GMC e

indicado pelo CMC, cujo mandato é de dois anos, sem direito a reeleição.

Foram ainda criadas pelo Protocolo de Ouro Preto as seguintes instituições: a) a

Comissão de Comércio do Mercosul, encarregada de assistir o Foro Consultivo Econômico-

Social e o GMC, sendo formada por membros titulares e alternados de cada Estado, de modo

que sua coordenação é de responsabilidade também do Ministério das Relações Exteriores; b)

o Foro Consultivo Econômico-Social que representa setores econômicos e sociais relevantes

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para a integração; e c) a Comissão Parlamentar Conjunta, já existente no Tratado de

Assunção, mas cuja função foi somente definida pelo Protocolo de Ouro Preto como sendo

uma reunião de parlamentares dos Estados do Mercosul, com importância política, porém

privada de poder decisório e normativo.

Cumpre ressaltar que o Parlamento do Mercosul substituiu a Comissão Parlamentar

Conjunta, absorvendo suas competências. Está situado em Montevidéu e sua primeira sessão

ocorreu em maio de 2007. Apesar de ainda ter muito para aprimorar em suas agendas de

discussão e no modo de eleição de seus membros, o Parlamento do Mercosul consiste em um

importante passo para a implementação de uma integração mais condizente com os princípios

democráticos, proporcionando maior espaço para a participação dos cidadãos dos Estados-

membros.

Com exceção da Secretaria Administrativa e o Parlamento do Mercosul, os demais

órgãos mercosulinos acima listados não possuem sede fixa e os membros são representantes

dos Estados. Isso significa que funcionam como reuniões deliberativas sobre questões de

integração de competência de cada órgão, nas quais participam os respectivos ministros de

cada Estado.

Quando se afirma que são órgãos principalmente deliberativos ressalta-se que possuem

como característica mais evidente a função de discutir sobre temas de integração com intuito

de iniciar um processo de elaboração de normas que sejam comuns aos Estados-membros.

Assim, quando qualquer uma das instituições do Mercosul exercem qualquer função típica do

Poder Executivo, essa se resume à tarefa de organizar o próprio funcionamento institucional.

O Conselho Mercado Comum, como mencionado, é composto pelos Ministros das

Relações Exteriores que com isso, além de realizar suas funções típicas de zelar pelos

interesses de seus respectivos Estados no ambiente internacional, adquirem a tarefa de

conduzir as políticas de integração. Em outras palavras, do ponto de vista dos Ministros,

apenas vai se verificar uma ampliação de suas funções. Isso denota o caráter meramente

intergovernamental das reuniões no seio do CMC. Nesse diapasão, Saldanha (2008, p. 119)

discorre que:

Primeiramente está o fato de a representação dos países que compõem o Conselho ser de característica intergovernamental, o que faz com que os membros do Conselho estejam sempre procurando defender os interesses da integração, pelo menos na retórica, mas limitados pelas pressões políticas de

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seus governos estatais, haja vista ser o Conselho um órgão do Mercosul, mas que está voltado para a vontade política dos Estados-membros, como todos os outros órgãos.

As reuniões realizadas pelo Grupo Mercado Comum serão compostas por Ministros

das Relações Exteriores, pelos Ministros da Economia ou pelos representantes dos bancos

centrais nacionais, a depender do tema que estiver em pauta de discussão, sendo que tais

sujeitos vão deliberar sobre as questões relativas à integração, mas também sem abandonar os

interesses momentâneos dos Estados e organismos que representam.

Ainda quanto ao GMC, cumpre ressaltar que segundo o disposto no art. 14 do POP,

esse tem a função de criar órgãos que o auxilie no cumprimento de seus objetivos, que podem

ser os seguintes: a) os Subgrupos de Trabalho que são divididos por temas, se reúnem, em

média, duas vezes por semestre e possuem a função de estudar e construir propostas de

integração referentes à sua área temática; b) os Grupos Ad Hoc que são criados para tratar de

questões específicas e são extintos assim que finda sua função; e c) as Reuniões

Especializadas que também são órgãos de assessoramento do GMC.

Uma vez que o GMC tem plena discricionariedade para criar e extinguir esses órgãos

de auxílio, os números de SGTs, Grupos Ad Hoc e de Reuniões Especializadas

constantemente variam. Esses órgãos são importantes para a harmonização legislativa porque,

ao tratarem de temas específicos, detectam os pontos chaves que devem ser trabalhados para

implementar políticas de harmonização. Sobre o assunto, Saldanha (2008, p. 118) comenta

que:

É importante frisar que no processo de harmonização legislativa também atuam diretamente os subgrupos de trabalho, os quais detectam distorções em relação aos princípios dos tratados instituidores do Mercosul, sendo os subgrupos responsáveis pelo acompanhamento direto do andamento dos trabalhos relativos à harmonização legislativa.

Cumpre ressaltar que apesar de iniciarem o processo de elaboração de normas, as

instituições mercosulinas não têm controle sobre a efetiva conclusão desse processo, pois

como será visto no próximo item, a vigência de tais normas depende muito mais dos trâmites

internos de cada Estado, do que da própria atuação dos órgãos do Mercosul. Além disso,

importante ressaltar que o sistema de votação para tomada de decisão no Mercosul, como

estabelecido pelo art. 37 do Protocolo de Ouro Preto é excessivamente intergovernamental,

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pois segue a regra da unanimidade somada à necessidade da presença de todos os Estados-

membros.

A extrema intergovernamentalidade possui um aspecto positivo e outro negativo: o

positivo consiste na possibilidade de os Estados exercerem total controle sobre os rumos da

integração, evitando ameaças às próprias economias; já o negativo coincide com a

intensificação do risco de paralisia decisória, tendo em vista que os Estados-membros

possuem grande capacidade de bloqueio, pois é suficiente que um país não compareça ou

abstenha-se de votar, para que a norma derivada não seja emanada e que o processo de

integração seja retardado (VENTURA, 2003, p. 144). No que concerne à promoção da

harmonização tributária, a morosidade na elaboração das normas mercosulinas constitui em

um grave prejuízo para a superação dessa etapa essencial à conformação do mercado comum.

A título de comparação, na União Europeia os órgãos não são meramente deliberativos

e as funções executivas e legislativas são dividas entre o Conselho, a Comissão e o

Parlamento. Os arts. 5.1 e 5.3 do Tratado de Lisboa enunciam o princípio da subsidiariedade,

segundo o qual as instituições comunitárias devem agir apenas quando as suas intervenções

forem indispensáveis, de modo que os órgãos nacionais mantêm a função de aprimorar as

disciplinas que não prejudiquem o processo de integração e que respondam melhor às

necessidades dos cidadãos.

O princípio da subsidiariedade é aplicado de modo diverso a depender se a

competência da União Europeia é exclusiva ou concorrente. Se for competência exclusiva

presume-se a indispensabilidade da ação comunitária, ou seja, as instituições nessa hipótese

não precisam demonstrar a necessidade de suas ações. Todavia, quando se tratar de

competências concorrentes, as instituições devem ponderar, em cada caso, a necessidade de

agir e, apenas quando entenderem que consiste no meio mais eficaz, é que podem operar no

lugar dos Estados-membros. Sobre o princípio da subsidiariedade Ventura (2003, p. 107-108)

discorre que:

[...] o princípio da subsidiariedade passou a ser frequentemente associado tanto à democracia – com a ideia de um processo decisório o mais próximo possível do cidadão – quanto à transparência – com o desejo de obter, futuramente, uma nítida divisão das competências entre a Comunidade e os Estados-membros.

Em relação ao Mercosul, o fato de todas as atribuições resumirem-se à coordenação e se realizarem pelo viés da colaboração entre autoridades

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nacionais não contribui para a transparência desse processo. Para os cidadãos, mas mesmo entre os próprios governos, é difícil controlar o respeito às deliberações comuns e estar informado das medidas tomadas em cada território. É geralmente o surgimento de um conflito que traz à tona o exercício inadequado de uma certa competência estatal que atine à integração.

Assim, no Mercosul não existe a previsão do princípio da subsidiariedade, inclusive

porque não existe a possibilidade de que ocorra conflitos de competências entre as instituições

mercosulinas e os Estados-membros, tendo em vista que a função daquelas se resume a

deliberar sobre políticas de integração para que, em um segundo momento, cada Estado

assuma a responsabilidade para se adequar às políticas definidas. No próximo item abordar-

se-á especificamente a ausência de aplicabilidade direta e de primazia das normas

mercosulinas e as consequências desse fator para o processo de integração.

2.5.2 O Protocolo de Ouro Preto e a vigência das normas do Mercosul

O conjunto normativo do Mercosul é formado pelo Direito originário e o Direito

derivado, nos ditames do art. 41 do Protocolo de Ouro Preto. O primeiro grupo engloba, além

do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto, os demais documentos internacionais

firmados pelos Estados no âmbito do Mercosul, dos quais devem ser apontados, por sua maior

relevância normativa, os que se seguem: a) o Protocolo de Brasília, para Solução de

Controvérsias, firmado em 17 de dezembro de 1991; b) o Protocolo de Olivos, em vigor desde

2 de janeiro de 2004, que definiu os atuais processo e meios de solução de controvérsia do

Mercosul; c) o Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático entre Mercosul,

Bolívia e Chile, firmado em 24 de julho de 1998; d) o Protocolo Constitutivo do Parlamento

do Mercosul, em vigor desde 24 de fevereiro de 2007; e, por fim, e) o Protocolo de Adesão da

Venezuela, firmado em Caracas no dia 4 de julho de 2006, mas que entrou em vigor em 31 de

julho de 2012.

O Direito originário tem nível hierárquico superior ao Direito derivado, de modo que

esse deve se ajustar e ser interpretado à luz daquele. Todavia, não existe nenhum

procedimento previsto nos Tratados ou nos Protocolos destinado ao controle de validade das

normas mercosulinas derivadas.

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O Direito derivado pode ser conceituado como o conjunto de normas emanadas por

uma Organização Internacional, enquanto pessoa jurídica de Direito Internacional Público,

que possui a capacidade de obrigar os Estados-membros dessa Organização, ou seja, o

desrespeito dessa normativa por parte de um país ocasiona sua responsabilização jurídica

internacional. Apesar de não estar no rol de fontes normativas de Direito Internacional

Público, enumerado no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a maior

participação das Organizações Internacionais no cenário mundial conferiu às suas normas

unilaterais o caráter de fonte de Direito Internacional (MELLO, 2002, p. 303).

Conforme os arts. 9º, 15, 20, 26, 28, 32 do Protocolo de Ouro Preto o Direito derivado

mercosulino é composto pelas normas emanadas pelas instituições do bloco, quais sejam as

decisões do Conselho Mercado Comum; as resoluções do Grupo Mercado Comum; as

diretivas da Comissão de Comércio do Mercosul; as recomendações emitidas pela Comissão

Parlamentar Conjunta; e as recomendações do Foro Consultivo Econômico e Social

direcionadas ao Grupo Mercado Comum. As três primeiras, decisões, resoluções e diretivas,

são obrigatórias, mas as recomendações dos dois últimos organismos não possuem tal

natureza.

Diferentemente da União Europeia, cujos tratados definem detalhadamente as

características, o alcance e a hierarquia dos atos de Direito derivado, os tratados do Mercosul

apenas relacionam esses atos às respectivas instituições que os criam e os declaram

obrigatórios ou não. Assim, a hierarquia entre essas normas derivadas vão corresponder à

hierarquia entre os órgãos competentes para produzi-las.

Apesar do Protocolo de Ouro Preto estabelecer natureza obrigatória para as decisões

do CMC, as resoluções do GMC e as diretivas da CCM, isso não significa que a partir do

momento que são emanadas por tais órgãos essas normas possuem aplicabilidade imediata no

interior dos Estados-membros. Elas vão apenas comprometer os Estados a realizar os

procedimentos previstos nos arts. 38 e 40 do Protocolo de Ouro Preto referentes a dar

cumprimento a tais normas.

O Protocolo de Ouro Preto, por não prever aplicação direta dessas normas derivadas,

define, em seus arts. 38 e 40, os procedimentos que devem ser seguidos pelos Estados-

membros para a incorporação de tais normas, de modo a garantir sua vigência simultânea em

todos eles. O art. 38, caput, do POP prevê que os “Estados Partes comprometem-se a adotar

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todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento

das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2 desse Protocolo”.

O art. 40, i, do POP estabelece que “uma vez aprovada a norma [mercosulina], os

Estados Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento

jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul”. Desse

modo, a incorporação de norma mercosulina fica completamente a cargo dos procedimentos

previstos pelas legislações de cada Estado. Ressalva-se que nenhum dos membros do bloco

possui um procedimento específico para a recepção do Direito derivado do Mercosul, pois

utilizam para tanto os aplicáveis para quaisquer fontes internacionais.

Ainda quanto ao procedimento previsto no POP, o seu art. 40, ii dispõe que “quando

todos os Estados Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos

jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado

Parte”. Em outras palavras, a SAM, após ser informada por todos os Estados, deve enviar uma

comunicação a cada um desses países avisando das medidas tomadas pelos demais. Finalizada

essa etapa, “as normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados Partes 30 dias após a

data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul [...]” (primeira

parte do art. 40, iii do POP).

A segunda parte do art. 40, iii do POP determina também que “[...] os Estados Partes,

dentro do prazo acima [de 30 dias], darão publicidade do início da vigência das referidas

normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais”. É possível observar que esse

dispositivo cria como condição para que a norma mercosulina adquira efeitos, a dupla

publicação no âmbito interno de cada país, a primeira quando da incorporação da norma e a

segunda após serem comunicados pela SAM da incorporação realizada pelos demais Estados.

A exigência de que todos os Estados comuniquem à Secretaria Administrativa que a

recepção foi efetuada possibilita que os membros do Mercosul manipule o processo de

integração, pois o país pode adiar a incorporação da norma, ou retardar a comunicação dessa à

Secretaria, inclusive, porque não existe previsão de sanção para nenhuma dessas hipóteses.

Ainda, como se não bastasse, a segunda publicação no interior de cada país, após todos terem

comunicado à Secretaria da incorporação, só tem a função de aumentar o poder de veto dos

Estados em face da efetivação da norma mercosulina e lhes fornecer ampla discricionariedade

no modo de recepcioná-la.

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Esse amplo poder dos Estados foi denominado por Ventura (2003, p. 149-150) de

“transposição à la carte”. Tal autora salienta que “os governos nacionais dispõem de um

poder discricionário sobre a oportunidade da transposição e sobre a forma pela qual serão

transpostos os atos comunitários”. Trindade (2007, p. 51) acrescenta ainda que “esse regime

de internalização adota a premissa dualista ao separar as duas ordens jurídicas: a interna e a

internacional”.

Ao menos no que se refere ao Brasil como será visto posteriormente, a norma

internacional ao ser incorporada pelo país sofre alteração em sua natureza, ou seja, é reduzida

à norma jurídica de Direito Interno, submetendo-se ao princípio de que a lei posterior derroga

a anterior. Sendo assim, se o disposto nessa lei confrontar os interesses nacionais, basta que o

legislador acabe com seus efeitos com a promulgação de outra lei com disposições contrárias,

capaz de revoga-la.

Ainda sobre esse tema, cumpre enfatizar que o art. 42 do Protocolo de Ouro Preto

estabelece que a incorporação deva ser feita somente quando for necessária. Esse dispositivo é

uma contradição em relação ao art. 40 que parece não deixar à discricionariedade do Estado a

decisão de quando uma norma deve ou não ser transposta. De qualquer modo, o texto do art.

42 permite a interpretação de que a incorporação não é regra e que o Estado pode fazê-la

quando considerar importante e da forma que achar mais adequada. Assim, um país pode

entender que não é necessário efetuar a incorporação da norma ou ainda, fazê-la por um

procedimento diverso daquele previsto pelo art. 40 do Protocolo de Ouro Preto.

Ainda que a recepção da norma se realize, com essa ampla discricionariedade que o

Estado possui, é sempre possível que ocorra uma incorporação defeituosa, em outras palavras,

que o país modifique ou distorça o sentido da norma ou que ainda reduza seu poder de

coerção. Ressalta-se que também nessa hipótese é inexistente a previsão de sanção ao Estado

que assim agir (VENTURA, 2003, p. 154-155).

Em suma, a obrigação do Estado de recepcionar a norma mercosulina não é absoluta;

não existe previsão de meios de controle da aplicação realizada do direito derivado do

Mercosul pelo país-membro; e muito menos há uma preocupação de que essa aplicação seja

realizada de modo uniforme. O que se verifica, portanto, é que apenas quando incorporada ao

sistema interno a norma mercosulina assume um caráter obrigatório e vinculante, sendo que a

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sua força depende mais dos procedimentos previstos pelos dispositivos do Direito Interno dos

países, do que propriamente do poder dos órgãos do Mercosul.

Em decorrência disso, o Mercosul possui um objetivo ambicioso completamente

voltado para o processo de integração, qual seja a construção de um mercado comum, com a

fomentação das quatro liberdades fundamentais (livre circulação de pessoas, bens, serviços e

capitais), porém é composto por instrumentos comuns a uma realidade de mera cooperação

internacional, não admitindo os princípios da aplicação direta da norma e da primazia da

norma comunitária sobre a nacional, existente no ambiente de integração europeu. No âmbito

do Mercosul consagra-se a relação intergovernamental comum ao Direito Internacional

tradicional. Passa-se agora à análise do Sistema de Solução de Controvérsias existente no

Mercosul, como modo de evidenciar o caráter intergovernamental desse bloco.

2.5.3 Meios de solução de controvérsias do Mercosul

Devido à essencial relevância de um sistema de solução de controvérsias na

consolidação de um processo de integração, apresenta-se em síntese a evolução gradual desse

mecanismo do Mercosul. O Tratado de Assunção, em seu Anexo III, definiu um sistema de

solução de conflitos transitório e extremamente sucinto que durou até a entrada em vigor, no

mês de abril de 1993, do Protocolo de Brasília. Esse, por sua vez, instituiu um sistema de

solução de controvérsias previsto para durar brevemente, apenas até o fim da fase de

transição, que ocorreu no dia 31 de dezembro de 1994. Em seguida, o Protocolo de Ouro

Preto, além de estabelecer as instituições definitivas do bloco, definiu em seus arts. 43 e 44

um sistema de solução de controvérsias para o Mercosul, formado por uma fase de

negociação, outra de mediação e outra arbitral, essa última fundada na decisão por maioria e

com laudo obrigatório.

Posteriormente, os Estados-membros reconheceram a necessidade de modificar o

mecanismo de solução de conflitos, tornando-o mais célere e eficaz, de modo a aumentar a

credibilidade do bloco tanto internamente quanto no plano externo. Para tanto, criou-se o

Protocolo de Olivos, em vigor desde 1º de janeiro de 2004, o qual derrogou as disposições do

Protocolo de Brasília e as do Protocolo de Ouro Preto. Todavia, o Protocolo de Olivos não

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optou pela ousadia, elegendo como meios para solucionar os litígios que surgissem no âmbito

do Mercosul, aqueles comuns ao Direito Internacional Público, quais sejam as negociações

diretas, a mediação e o sistema arbitral.

As características que orientam o funcionamento dos meios de solução de controversa

do Mercosul são: a flexibilidade, a celeridade, a obrigatoriedade e o caráter não permanente

dos tribunais. A flexibilidade é uma inovação trazida pelo Protocolo de Olivos, em seu art. 1-

2 e consiste na liberdade das partes de recorrerem a outros meios de solução de conflitos que

não aqueles do Mercosul. Podem, então, eleger o sistema de solução de conflitos da OMC ou

de outras organizações ou blocos regionais que os Estados sejam membros.

A celeridade constitui-se pela brevidade dos prazos e procedimentos que permitem

com que litígios sejam concluídos em um período menor do que um ano. Quanto à

obrigatoriedade, essa se refere à cláusula compromissória existente nos Tratados que obriga

os Estados a aceitar o tribunal e os procedimentos previstos para a solução de controversas do

Mercosul. E por último, o caráter não permanente dos tribunais significa que os árbitros são

definidos para cada lide que se apresente.

As partes podem, se assim preferirem, optar pelo sistema arbitral de solução de

conflito, sem passar pelas fases de negociação direta e de mediação, conforme inovação

trazida pelo art. 5º, §1º do Protocolo de Olivos. O sistema arbitral é formado pelo Tribunal ad

hoc e pelo Tribunal Permanente de Revisão. Ambos os tribunais são criados para cada

conflito, sendo que os árbitros são escolhidos pelos litigantes, a partir de listas previamente

registradas na Secretaria Administrativa do Mercosul.

Salienta-se que, apesar de ser denominado de Tribunal Permanente de Revisão, o

caráter de permanência desse Tribunal é ausente, uma vez que seus árbitros estão meramente

disponíveis para o caso de surgir um conflito entre os Estados-membros do Mercosul.

Vislumbra-se tal afirmativa no disposto no art. 19 do Protocolo de Olivos que estabelece que

“os integrantes do Tribunal Permanente de Revisão, uma vez que aceitem sua designação,

deverão estar disponíveis permanentemente para atuar quando convocados”.

O Tribunal Permanente de Revisão, cuja sede está na cidade de Assunção, possui duas

competências: a de revisão e a consultiva. A primeira consiste na faculdade de uma das partes

interpor recurso de revisão do laudo do tribunal ad hoc ao TPR, sendo que esse é competente

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para analisar somente a matéria de Direito e não a de fato. Já a competência consultiva do

TPR é a faculdade de analisar ou dirimir dúvidas sobre o alcance do Direito do Mercosul.

Para tanto deve ser acionado por todos os Estados-membros conjuntamente, sendo esse

requisito criticável, tendo em vista que só cria obstáculos à emissão do parecer consultivo.

Ressalta-se ainda que tal parecer não tem caráter vinculante e nem é obrigatório.

O acesso à justiça por particulares é extremamente restrito. Não podem reclamar

contra os atos praticados pelos órgãos do bloco, mas sim contra os dos Estados, porém não

diretamente, ou seja, não são partes no litígio. Devem formalizar suas reclamações na seção

nacional do GMC no Estado-membro onde é domiciliado ou exerça seus negócios, a qual

encaminhará ao Grupo Mercado Comum, para que tome as devidas providências (art. 40-1, do

Protocolo de Olivos).

A grande vantagem do Protocolo de Olivos em comparação com o Sistema Solução de

Controvérsias regulado anteriormente pelo Protocolo de Brasília, consiste na criação de uma

instância de apelação para um Tribunal Permanente de Revisão, que ajude assegurar a

uniformidade dos laudos arbitrais. Entretanto, persiste ainda o risco de contradição entre as

decisões arbitrais e a judicial no plano interno, uma vez que não existe uma cooperação

jurisdicional entre as jurisdições nacionais e os Tribunais do Mercosul.

Ademais, o caráter obrigatório do laudo arbitral e a interpretação do Direito do

Mercosul não possuem efeito erga omnes, ou seja, estende-se apenas às partes em

controvérsia o que contribui à dificuldade de aplicação uniforme das normas mercosulinas. E

as opiniões consultivas emitidas pelo TPR não se referem a um caso concreto, mas são

relativas a questões abstratas sobre o Direito do Mercosul. Por não existir coisa julgada e por

não se tratar da pronúncia do Direito aplicável a uma lide concreta, essas opiniões consultivas

não podem ser consideradas como sendo efetivamente um exercício da função jurisdicional.

Outro aspecto criticável sobre o sistema de solução de controvérsias existente no

Mercosul é a possibilidade de eleição de outro foro para resolver os conflitos, mantida pelo

Protocolo de Olivos. A escolha de foro alternativo assume orientação contrária à esperada

para um ordenamento jurídico de um processo de integração, cuja lógica subentende que é

criado para que toda controvérsia que surja dentro dele, ali seja solucionada. É importante que

todo litígio comercial na esfera de um processo de integração ganhe contornos comunitários.

Contudo, uma característica positiva é o fato de que o PO prevê que após iniciado um

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procedimento de solução de controvérsias em um determinado sistema autônomo, nenhuma

das partes pode recorrer a outro mecanismo. Isso ao menos elimina o risco de justaposições de

decisões.

Outra questão problemática consiste na ausência de controle de validade dos atos

derivados. O Protocolo de Olivos não faz qualquer referência ao controle de legalidade dos

atos das instituições quando em confronto com o Direito originário. Assim, resta às

instituições e aos órgãos de solução de controvérsias do Mercosul apenas tomar conhecimento

das lides que versem sobre a violação por parte do Estado do Direito originário e derivado.

O meio de solução de controvérsias é um dos principais fatores para o sucesso do

processo de integração, na medida em que é o responsável por dar credibilidade a esse

processo, através de mecanismos que assegurem o caráter imperativo da norma e que,

consequentemente, promovam a segurança jurídica concretizada na certeza e na

confiabilidade no sistema por parte dos seus protagonistas e de terceiros.

Ao tratar sobre a importância da segurança jurídica no âmbito do Mercosul, Ventura

(2003, p. 313) reflete que:

[...] a certeza jurídica constitui um meio de proteção das pessoas economicamente frágeis diante das economicamente fortes. Esse princípio é, portanto, ainda mais necessário nos países institucionalmente débeis, tais como os do Mercosul. Ele exige a previsibilidade da intervenção do Estado ou de terceiros sobre o direito dos indivíduos, que podem assim adaptar sua conduta a partir da perspectiva dessa intervenção. Trata-se de um elemento crucial da democracia: um indivíduo só pode participar de um sistema democrático quando a ação do Estado e os processos decisórios são claros e previsíveis.

O modelo de arbitragem desenvolvido para o Mercosul não é o mais efetivo para

garantir a segurança jurídica aos envolvidos nos processos, não só àqueles pertencentes aos

Estados-membros, mas também aos que, apesar de externos ao bloco, possuem expectativas

negociais em relação à existência de um livre comércio. O Protocolo de Olivos que traz

discretas evoluções positivas ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul ameaça a

segurança jurídica do bloco e, em consequência, sua existência futura.

Neste capítulo colocou em foco a necessidade de harmonização tributária no Mercosul

para a implementação da livre circulação de mercadorias e, consequentemente, do mercado

comum. Além disso, estudou-se a organização, o funcionamento, a emanação de normas e os

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meios de solução de controvérsias existentes nesse bloco regional, para melhor compreender o

aparato jurídico e institucional à disposição da evolução desse processo integracionista. No

próximo capítulo a análise vai recair sobre os modos e os procedimentos utilizados pelos

Estados-membros para a incorporarem e dar eficácia à normativa mercosulina.

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CAPÍTULO 3

A RECEPÇÃO DOS TRATADOS PELOS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL

Os Estados são os principais sujeitos de Direito internacional, dotados de

personalidade jurídica internacional que se traduz principalmente pela sua plena capacidade

para celebrar tratados. Sobre essa competência dos Estados, Cachapuz de Medeiros (1995, p.

136-137) reflete que:

Os Estados não possuem vontade própria, no sentido fisiológico e psicológico das palavras: sua vontade é expressa por indivíduos, chamados a agir na qualidade de órgãos do Estado, nos termos de sua Constituição e de suas leis. Logo, o Estado só pode celebrar tratados por intermédio de indivíduos revestidos de poder para formar e declarar sua vontade. Os atos desses indivíduos são atos do próprio Estado. Ao agir por meio desses órgãos, o Estado não se apresenta como pessoa incapaz, que precisa da intervenção de outras pessoas para praticar atos jurídicos válidos, mas como pessoa plenamente capaz, no exercício de sua capacidade internacional. Os órgãos que agem em nome do Estado não são tidos como capazes de agir no lugar do Estado, mas como competentes para agir pelo Estado.

Como o sucesso do processo de integração entre os Estados-membros do Mercosul

depende muito mais da ação desses do que das instituições que formam o próprio bloco,

cumpre analisar as previsões constitucionais de cada Estado. As questões recaem sobre os

seguintes aspectos que serão discutidos nos próximos itens: a) quais são os procedimentos

previstos para a incorporação dos tratados e qual é a posição hierárquica assumida por esses

dentro do ordenamento jurídico de cada Estado-membro; b) se existe alguma previsão

constitucional que trata com singularidade o Direito de Integração, permitindo que normas

elaboradas nesse contexto possam ter primazia sobre aquelas originadas de fontes internas; e

c) se as normas internacionais em matéria tributária são recepcionadas, ou não, no Direito

interno com hierarquia superior a lei ordinária.

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3.1 Incorporação de normas internacionais pela Argentina

Devido à tendência a uma inconstância política que caracteriza a sua história

governamental, percebe-se na Constituição ora vigente na Argentina uma propensão a

reforçar os ditames constitucionais, resquícios do receio de uma ruptura do Estado

Constitucional de Direito (ZARINI, 1999, p. 865-905). A título de exemplo pode-se citar o

art. 22 da Constituição argentina, o qual estabelece que “o povo não delibera e não governa,

senão por meio de seus representantes e autoridades criadas por essa Constituição. Toda força

armada ou reunião de pessoas que se atribua os direitos do povo e peticione em nome desse,

comete delito de sedição22”.

De fato, na Argentina houve sucessivos governos ditatoriais de 1930 a 198323, sendo

que durante tal período a Constituição de 1853, então vigente, foi pouco aplicada. A atual

Constituição da Argentina foi promulgada em 22 de agosto de 1994, três anos após a

celebração e entrada em vigor do Tratado de Assunção, constitutivo do Mercosul. Em tais

datas ainda vigorava a Constituição de 1853, a qual não fazia qualquer referência ao Direito

de Integração. Ademais, seu art. 27 que estabelecia que “os tratados devem ser concluídos em

conformidade com os princípios do direito público estabelecidos por essa Constituição24”,

permitia a construção do entendimento no sentido da equivalência hierárquica entre o Direito

interno e o tratado. Desse modo, o tratado, “embora produzido em foro diverso das fontes

legislativas domésticas, não se distinguia, enquanto norma jurídica, dos diplomas legais de

produção interna” (REZEK, 2011, p. 104).

Dentre as Constituições dos países do Mercosul, a Constituição da Nação Argentina,

promulgada em 1994, é uma das mais enfáticas no que se refere à posição hierárquica

supralegal de tratados gerais e ao reconhecimento da primazia do Direito de Integração. Essa

evolução trazida pela Carta Maior Argentina recebeu influência do célebre caso Ekmekdjian c.

Sofovich, do dia 07 de julho de 1992, no qual a Corte Suprema revolucionou a jurisprudência

que vinha seguindo, ao reconhecer que, haja vista a ratificação da Convenção de Viena sobre

22 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 23 Os períodos de ditadura na Argentina são compreendidos entre 1930 e 1983 e foram os seguintes: 1930-1931,

1943-1946, 1949-1956, 1955-1958, 1966-1973, 1976-1983 (ZARINI, 1999, p. 865-866). 24 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Direito dos Tratados pela Argentina e, uma vez que, dita Convenção de Viena, em seu art. 27,

prevê a primazia do Direito Internacional sobre aquele interno, os tratados devem ter

aplicabilidade imediata dentro da Argentina, na medida em que o texto do tratado possua

descrições suficientemente concretas. A Corte adotou, então, nesse caso, entendimento

consonante com o monismo. Tal afirmação pode ser observada em alguns trechos da decisão

(SILVA, 2008, p. 168):

Ekmedjian, Miguel A, c/ Sofovich, Gerardo e outros

07 de julho de 1992

[...] A necessária aplicação do art. 27 da Convenção de Viena impõe aos órgãos do Estado argentino atribuir primazia ao tratado ante um eventual conflito com qualquer norma interna contrária ou com a omissão de ditar disposições que em seus efeitos, equivalham ao incumprimento do tratado internacional nos termos do citado art. 27.

[...] Quando a Nação ratifica um tratado que firmou com outro Estado, se obriga internacionalmente a que seus órgãos administrativos e jurisdicionais o apliquem às hipóteses que esse tratado contemple [...]25.

É possível demonstrar a influência que o acórdão Ekmekdjian c. Sofovich de 1992

exerceu sobre a Constituição de 1994 ao observar, por exemplo, que o art. 31 da Carta Maior

da Argentina dispõe que os tratados com as potências estrangeiras fazem parte do conjunto

que forma a lei suprema do país e, consequentemente, as províncias ficam obrigadas a se

conformarem a essa lei suprema, inclusive quando as leis ou constituições provinciais

apresentarem disposições em contrário. Assim, já nesse artigo reconhece aos tratados nível

hierárquico superior ao da normativa emanada pelas províncias.

O art. 75, inc. 22 e o art. 99, inc. 11 da Constituição Argentina de 1994 prescrevem,

respectivamente, que compete ao Congresso “aprovar ou descartar tratados concluídos com as

demais nações, organizações internacionais e as concordatas com a Santa Sé26”, enquanto que

o Presidente tem a atribuição de concluir e firmar “tratados, concordatas e outras negociações

requeridas para a manutenção das boas relações com as organizações internacionais e as

nações estrangeiras27”. Sendo assim, para que um tratado seja elaborado e tenha vigor dentro

da Argentina, exige-se uma ação conjunta do Poder Legislativo e do Poder Executivo que se

25 Tradução livre a partir do original em língua espanhola 26 Tradução livre a partir do original em língua espanhola 27 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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divide em três etapas, de modo que, primeiramente, ao Presidente se atribui a competência de

celebrar o tratado no ambiente externo, em seguida o Congresso deve aprovar o dispositivo

legal internacional ou decidir descartá-lo, e, por último, na hipótese de aprovação, o

Executivo ratifica o Tratado, concedendo-lhe força vinculante no ordenamento interno.

Ainda quanto ao art. 75, inc. 22, esse define hierarquia superior aos tratados em

relação às leis nacionais, consagrando a primazia da norma internacional sobre a interna.

Além disso, pode-se depreender do restante do texto do art. 75, inc. 22 e do inc. 24, que a

Constituição Argentina classifica os tratados em três categorias diversas, quais sejam: os

tratados gerais, os tratados de hierarquia constitucional e os tratados emanados por órgãos

supranacionais, sendo esses últimos de hierarquia inferior à Constituição, mas superior às leis

internas.

No que se refere aos tratados gerais, uma vez ausente previsão constitucional

concernente ao número de votos exigidos para aprova-los, adota-se na Argentina o critério da

maioria simples de ambas as Casas parlamentares. Quanto aos tratados de hierarquia

constitucional podem ser subdivididos em dois grupos, os anteriores e os posteriores à

Constituição de 1994. O primeiro grupo está elencado em um rol taxativo do Art. 75, inc. 22,

que abrange os seguintes:

[...] A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos; o Pacto Internacional de Direitos Econômico, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo; a Convenção sobre a Prevenção e a Sanção do Delito de Genocídio; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; a Convenção sobre o Direito das Crianças [...].28

Todos esses tratados supracitados foram firmados e ratificados pela Argentina em

momento anterior à Constituição de 1994 e foram recepcionados com hierarquia

constitucional, sendo complementares aos Direitos e Garantias Fundamentais reconhecidos

por essa Carta Maior, funcionando como um reforço à proteção concedida pela Constituição

aos Direitos Humanos, na medida em que ao relembrar todos os compromissos internacionais

28 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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assumidos no sentido de defender tal grupo de Direitos, busca-se evitar que em situações de

insurgência políticas, Direitos e Garantias Fundamentais sejam violados, como ocorrido no

passado recente desse país.

Quanto ao segundo grupo, para que tratados posteriores à promulgação da Carta

Magna da Argentina tenham status constitucional é necessário que preencham dois requisitos:

a) o primeiro, de caráter material, consiste no fato de abordarem questões relativas a Direitos

e Garantias Fundamentais; e b) o segundo, de caráter formal, trata-se da exigência de que o

tratado receba dois terços dos votos de ambas as Casas Legislativas para que seja aprovado

pelo Congresso.

Faz-se mister atentar à disposição constitucional argentina que é a mais relevante para

o presente trabalho, que consiste na previsão expressa no inc. 24, do art. 75, da Constituição

Argentina que possibilita a aprovação de “tratados de integração que deleguem competências

e jurisdições a organizações supranacionais em condições de reciprocidade e igualdade e que

respeitem a ordem democrática e os Direitos Humanos.” 29. Em outras palavras, esse inciso do

art. 75 faz menção expressa à possibilidade de que o Estado da Argentina crie, juntamente

com outros Estados, uma organização internacional de caráter supranacional.

Em seguida, esse dispositivo prevê que “as normas ditadas em sua consequência tem

hierarquia superior às leis30”, sendo assim, se existir uma organização supranacional da qual a

Argentina seja membro, o direito derivado dessa organização, ou seja, as normas emanadas

pelas hipotéticas instituições terão a mesma hierarquia dos tratados, logo, primazia sobre o

Direito interno.

Ainda quanto às disposições presentes no art. 75, inc. 24 importante ressaltar que tal

artigo subdivide os tratados constitutivos de organizações supranacionais em dois tipos, a

depender da localização regional dos demais Estados que celebram ditos tratados, quais

sejam: a) se forem celebrados com Estados latino-americanos, requererão para sua aprovação

a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso; b) se os tratados forem

acordados com Estados de outras regiões do globo exigirão para serem aprovados, dupla

votação por maioria absoluta nas duas Casas do Parlamento, de modo que a primeira votação

29 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 30 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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tem por objeto decidir se é conveniente a aprovação de um tratado constitutivo de um órgão

supranacional e a segunda votação tem como foco a aprovação propriamente dita. Essa última

votação só ocorrerá se a anterior decidir pela conveniência de tal tratado e somente depois de

transcorrido o prazo de cento e vinte dias contados do ato declarativo dessa conveniência.

O Mercosul não possui instituições supranacionais e o Tratado de Assunção,

constitutivo dessa organização, foi aprovado antes da entrada em vigor da Lei Maior da

Argentina de 1994 e, portanto, não seguiu o rito da maioria absoluta de ambas as Casas do

Congresso, previsto para tratados instituidores de uma ordem supranacional entre países

latino-americanos. Em consequência disso, as normas emanadas no contexto mercosulino

serão recepcionadas pela Argentina como tratados gerais, cujas disposições estão no art. 75,

inc. 22 da Carta Magna, e não como Direito derivado de órgão supranacional, conforme o

disposto no art. 75, inc. 24.

Não há nenhuma norma constitucional que confere tratamento especial a tratados em

matéria tributária, logo, esses se enquadram em tratados gerais. Assim, em suma, a hierarquia

entre as normas na Argentina respeita a seguinte ordem: no plano superior encontram-se a

Constituição e os tratados de natureza constitucional, em seguida estão os tratados

constitutivos de organismos supranacionais e os tratados gerais, por fim, na base da pirâmide

estão as leis infraconstitucionais, sendo que aquelas emanadas pelas províncias são de

hierarquia inferior às normas federais, tendo em vista que a Argentina é um Estado federal.

A jurisprudência da Corte Suprema da Argentina após a promulgação do Diploma

Maior de 1994 tende a corroborar o posicionamento constitucional em prol da supremacia da

norma internacional sobre o Direito Interno. Ainda em 1994, a Corte Suprema foi chamada a

analisar um caso concreto à luz dos novos dispositivos constitucionais sobre Direito

Internacional, e decidiu em favor da prevalência da norma internacional sobre a interna.

Trata-se do caso conhecido como Cafés La Virginia S.A, cujo conflito girava em torno

de um ato normativo argentino que contrariava um acordo bilateral entre o Brasil e Argentina.

Tal ato normativo previa um gravame destinado ao Fundo Nacional de Promoção de

Exportações que incidia sobre a importação de café cru em grão, originário do Brasil. Trechos

desse julgado encontram-se abaixo:

[...] O legislador não tem atribuição para modificar um tratado por meio de lei, e mesmo se ele pudesse editar uma lei que contivesse disposições

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contrárias a um tratado ou que tornasse impossível o seu cumprimento, esse ato do órgão legislativo comportaria uma transgressão do princípio da hierarquia das normas (art. 31 da Constituição Nacional) e seria um ato constitucionalmente inválido. [...]

[...] Em atenção à imperatividade dos compromissos assumidos por nosso país, a res. 174/86 (M.E) entra em aberta colisão com a norma material que emerge do tratado bilateral. É um ato ilegítimo. [...]

[...] A aplicação pelos órgãos do Estado argentino de uma norma interna que viola um tratado – além de constituir um incumprimento de uma obrigação internacional – vulnera o princípio da supremacia dos tratados internacionais sobre as leis internas, conforme o art. 27 da Convenção de Viena.[...] 31

Existem divergências na doutrina entre aqueles que consideram que a Argentina é

partidária do dualismo (VENTURA, 2003, p. 179), pois exige a transposição do tratado para

que esse passe a vigorar internamente; e aqueles que entendem que a Argentina adota o

monismo nacionalista (SILVA, 2008, p.167), pois a sua Constituição estabelece a supremacia

dos tratados gerais sobre a normativa infraconstitucional.

O posicionamento assumido por esses juristas depende de qual requisito assume maior

relevância para os defensores de uma ou da outra posição: para os dualistas a ênfase se

encontra sobre a necessidade de transposição da norma internacional, para que essa produza

efeitos no Direito interno; para os monistas nacionalistas, existe unicidade sistêmica entre

Direito Internacional e interno, mas o relevo está na Constituição e naquilo que ela prevê em

matéria de Direito Internacional (REZEK, 2011, p. 28-29).

De qualquer modo, não é tão relevante definir se a Constituição da Argentina consagra

a teoria monista ou dualista e, sim, observar que traz avanços no sentido de sancionar a

supremacia do Direito Internacional sobre o interno e de tornar acessível uma hipotética

conversão do Direito do Mercosul em um Direito supranacional. O que se retira dessa análise

é que nem a Constituição e nem a jurisprudência Argentina são grandes empecilhos para a

evolução do processo de integração presente no Mercosul. Passa-se à análise da recepção de

tratados pelo sistema jurídico brasileiro.

3.2 Incorporação de normas internacionais pelo Brasil 31 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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As fontes formais de Direito Internacional, cuja incorporação pelo direito brasileiro

tem relevância para o presente trabalho são os tratados e os atos unilaterais das organizações

internacionais, uma vez que o direito originário e o direito derivado do Mercosul fazem parte

do Direito Internacional Público. Ao abordar o tema dos tratados enquanto fonte de Direito

Internacional Público, Rezek (1984, p. 80) leciona que:

[...] nenhum acordo entre Estados pode escapar à regência do direito internacionais, ainda que, no uso do poder soberano que essa ordem jurídico lhes reconhece, os Estados pactuantes entendam de fazer remissão a um sistema de direito interno, mesmo no caso de uma das partes confiar à justiça de uma delas a eventual controvérsias resultante da aplicação do tratado.

O Brasil, apesar de apresentar notável diferença de dimensão territorial, populacional e

econômica quando em comparação com seus parceiros, também constitui um país de grandes

disparidades sociais, além de ter passado por um brutal período de ditadura militar de

aproximadamente vinte anos, o qual findou em 1985, mas não sem deixar sequelas,

principalmente no que tange à construção de um sistema efetivamente democrático no país.

Logo após a ditadura militar, em 1988, promulgou-se a Constituição Brasileira hoje em vigor.

Nessa denota-se pouco interesse da Assembleia Constituinte pelas questões de natureza

internacional. A respeito dessa omissão, Ventura (2003, p. 188) comenta que “as questões

internacionais não tiveram lugar privilegiado nesse debate, ainda que na época da Assembleia

Constituinte a estratégia de aproximação entre Brasil e a Argentina já estivesse em curso”.

A Constituição Federal de 1988 não faz qualquer menção ao Mercosul e a única

referência à integração econômica está presente em seu Art. 4º, parágrafo único, o qual coloca

“a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à

formação de uma comunidade latino-americana de nações”, dentre os princípios orientadores

das relações internacionais do país. Todavia, tal referência tem apenas caráter programático, o

que significa que é desprovida de eficácia plena, ainda que toda interpretação da Constituição

deva ser realizada de modo a favorecer os fenômenos de integração latino-americana.

Faz-se mister ressaltar que, por não haver uma previsão constitucional que conceda

tratamento especial ao Direito de Integração, as normas emanadas em um contexto

integracionista, como o Mercosul, serão internalizadas conforme os procedimentos

estabelecidos para tratados e demais fontes do Direito Internacional Público.

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Não existe na Constituição brasileira sequer uma tentativa de estabelecer hierarquia

entre as normas originadas no Direito interno daquelas emanadas internacionalmente.

Mazzuoli (2009, p. 86), ao abordar a relação entre Direito Internacional e Direito interno

brasileiro, também faz menção à ausência de previsão expressa na Constituição do Brasil

capaz de outorgar às normas gerais de Direito Internacional o status de fonte de Direito e,

muito menos, que lhes conceda supremacia sobre as leis nacionais. Esse autor aponta ainda,

como única exceção, os tratados de Direitos Humanos, que serão analisados em momento

oportuno.

Existem países que optam por trazer na Constituição definições expressas sobre a

posição hierárquica do Direito Internacional no âmbito interno e outros que preferem abster

de regular a relação Direito Internacional e Direito interno, o Brasil pertence a esse segundo

grupo. Ao analisar a questão Ocampo (2008, p. 87) crítica a opção constitucional brasileira,

nos seguintes termos:

No tema da integração, a Constituição da República Federativa do Brasil, conforme a reforma constitucional de 1988, se afasta claramente das mais modernas políticas legislativas consagradas pela Argentina e Paraguai e inscreve nitidamente na linha de política legislativa consagrada sobre o tema pela Constituição do Uruguai. Nesse sentido, além da ausência expressa de qualquer norma que outorgue preeminência aos tratados sobre as leis e/ou que autorize a delegação de competências e jurisdição em favor de órgãos supranacionais, alguns autores ressaltaram que a situação é ainda menos favorável do que no caso uruguaio, já que, além disso, a Constituição brasileira adota uma orientação protecionista, nacionalista ou estatista, que dispõe, entre outras coisas, de monopólio ou preferência em favor de brasileiros em áreas consideradas vitais para a economia do país (arts. 177 e 178 da Constituição) [...]

Nenhuma das Constituições que o Brasil já teve fez menção à posição hierárquica

ocupada pelos tratados e costumes internacionais em contraposição as normas internas. Rezek

(2011, p.129) confirma a tradição constitucional brasileira de evitar previsões sobre a

hierarquia de norma internacional no Direito brasileiro, ao informar que na fase preparatória

da Constituição de 1934, houve um anteprojeto de norma, inclusive inspirado na Carta Maior

Espanhola de 1931, com o escopo de garantir a primazia do Direito Internacional sobre as leis

federais, contudo, tal anteprojeto foi rejeitado.

Sobre esse aspecto, Borges (2009, p. 67) analisa que:

Todas as Constituições do Brasil silenciaram a respeito do posicionamento hierárquico entre, de um lado, as normas internas, constitucionais ou

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infraconstitucionais e, de outro, os costumes e os tratados internacionais. Parte dos internacionalistas insiste em continuar debatendo a questão com referências ao monismo e ao dualismo, enquanto os constitucionalistas se agarram a um nacionalismo em descompasso com os fenômenos da globalização, pela exacerbação do fenômeno da soberania.

Rezek (2011, p. 49-52) classifica os tratados em duas espécies: os tratados de

procedimento breve e os tratados de procedimento longo. Os primeiros, que são também

denominados de acordos-executivos, são aqueles em que a mera assinatura, no final da

negociação, basta para vincular o Estado, sem que seja necessária a prática de outro ato no

âmbito interno do país. Os segundos, de procedimento longo, são aqueles tratados em que se

exigem outros atos, muitas vezes praticados pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo do

país, para que o Estado seja vinculado.

Neste item será, primeiramente, analisado o modo como se dá a internalização dos

tratados de procedimento longo no Direito brasileiro. Em seguida, apresentar-se-á os acordos-

executivos, bem como, os dispositivos dessa natureza emanados pelo Mercosul. E por fim,

será especificamente abordada a internalização das normas de direito derivado do Mercosul,

tanto daquelas que exigem aprovação do Congresso Nacional, como daquelas que não o

requer para que produza efeitos no Direito interno.

3.2.1 Incorporação dos tratados de procedimento longo

O procedimento para a incorporação de tratados pelo Brasil é realizado conjuntamente

pelo Poder Executivo e pelo Legislativo. O art. 84, VIII da Carta Maior estabelece que o

Presidente da República possui competência privativa no que se refere a concluir acordos

internacionais, e o art. 49, I, do Diploma Constitucional atribui ao Congresso Nacional

competência exclusiva para aprovar tratados.

Os tratados gerais respeitam os seguintes trâmites para serem recepcionados pelo

Direito brasileiro: a) o Poder Executivo deve negociar e concluir um tratado e o Presidente da

República sujeita-lo por meio de mensagem à apreciação do Congresso; b) o Poder

Legislativo vai avaliar se o tratado contraria interesse nacional e, não contrariando, vai

aprova-lo por meio de Decreto-Legislativo, respeitando o quórum da maioria simples nas duas

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Casas Legislativas (o mesmo quórum de lei ordinária); c) o Executivo pode, então, ratificar a

norma internacional e promulgar o Decreto-Executivo que será publicado no Diário Oficial.

(AMARAL JUNIOR, 2008, p. 56-57).

Segundo o art. 102, III, b, da CF/88, é função do Supremo Tribunal Federal analisar e

julgar a inconstitucionalidade de um tratado ou de uma lei federal, de modo que desempenha

função relevante na definição do alcance da aplicação que as normas internacionais podem

assumir no Direito brasileiro, por isso adquire importância a análise da jurisprudência do STF

para elucidar o tema.

Duas decisões relevantes do STF retratam o posicionamento jurisprudencial brasileiro

ao longo do tempo no que concerne à posição hierárquica do Direito Internacional na esfera

nacional. A primeira delas encontra-se no Recurso Extraordinário n. 80.004/77-SE que

envolvia o Decreto-lei n. 427, o qual contrariava a Lei Uniforme de Genebra; a segunda

decisão se refere a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIn n. 1.480-DF, que

abordava questão referente à Convenção n. 158 da OIT, cuja liminar do relator Ministro Celso

de Mello discute a relação entre norma internacional e lei interna (SILVA, 2008, p. 105-107).

Abaixo, segue transcrita parte da ementa do Recurso Extraordinário n. 80.004/77-SE de 1977:

[...] Embora, a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Decreto-lei n. 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título cambial a que foi aposto. [...]

Depois de 21 anos, em 1998, o posicionamento do STF ainda era o mesmo, segundo se

depreende da liminar do relator na decisão da ADIn n. 1.480-DF, o que pode ser observado no

trecho transcrito a seguir:

[...] No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em consequência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. [...]

[...] Os tratados e convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre essas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. [...]

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Da ausência de definição constitucional sobre a posição hierárquica dos tratados no

Direito interno, da análise do trâmite exigido na incorporação de tratados e do posicionamento

dominante no STF decorre que os tratados terão a hierarquia de lei ordinária federal. O

tratado, então, só é aplicado naquilo que não contrariar a Constituição e a legislação

complementar e, além disso, quando houver conflito entre um tratado internacional e uma lei

ordinária, a solução será efetuada pela regra de que a lei posterior derroga a lei anterior e a lei

especial derroga a lei geral. Desse modo, nada obsta que, após a incorporação da norma

internacional pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma norma ordinária posterior revogue o

seu texto de modo parcial ou integral, ou que uma norma interna especial seja aplicada em seu

lugar.

Rezek (2011, p. 29) ao avaliar os posicionamentos dos tribunais brasileiros quando

enfrentam a problemática do conflito entre a norma interna e a internacional, classifica o

Brasil como adepto do monismo nacionalista ou moderado, ou seja, segundo esse autor, os

julgados, como o retro transcrito Recurso Extraordinário n. 80.004/77-SE, revelam o

reconhecimento da unicidade do sistema jurídico, mas “dão relevo especial à soberania de

cada Estado e à descentralização da sociedade internacional”.

Não obstante o que pese o posicionamento de tal jurista, por não haver previsão

constitucional do princípio da primazia da norma internacional sobre a interna e uma vez que

o sistema brasileiro exige a incorporação dos tratados para que esses produzam efeitos dentro

do país, alguns autores preferem classificar o sistema brasileiro pode ser classificado como

dualista (VENTURA, 2003, p. 192). Assim, independente se nas análises teóricas reconhece-

se, ou não, a unicidade do sistema jurídico, englobando em um único conjunto o Direito

Internacional e o Direito Interno, na prática, para que a norma internacional seja aplicada

dentro do Brasil, ela precisa ser incorporada através de um procedimento complexo, solene e

formal, ressaltando o caráter dualista do posicionamento constitucional e jurisprudencial

brasileiro.

Apesar de não ser o objeto específico do trabalho, cumpre abordar brevemente a

posição hierárquica dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. O

art. 5º, § 2º, da CF/88 prevê que “os direitos e garantias expressos nessa Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Tal dispositivo fez com

que alguns juristas, como Mazzuoli (2010, p. 87) e Piovesan (1997, p. 82-83), entendessem

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que todos os tratados que dispusessem sobre Direitos Humanos seriam materialmente

constitucionais.

A objeção ao entendimento de que Tratados de Direitos Humanos fossem

considerados como de hierarquia constitucional, fundou-se no fato de que sua aprovação era

realizada por meio de quórum simples (REZEK, 2011, p. 132). Para solucionar essa

problemática, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que acrescentou o § 3º, ao art. 5º

da CF/88, o qual dispõe que: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Assim,

seguindo o rito necessário para a aprovação de Emendas à Constituição, os Tratados de

Direitos Humanos teriam hierarquia constitucional.

Apesar da parcial solução dessa polêmica, restou a dúvida quanto à hierarquia dos

Tratados de Direitos Humanos anteriores à Emenda Constitucional nº 45. Rezek (2011, p.

133) defendeu que “sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos

outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria

dos tratados de nível constitucional.”. Todavia, não foi esse o entendimento professado pelo

STF no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP, em 2008, no qual os Tratados de

Direitos Humanos, anteriores a supracitada emenda, foram considerados com hierarquia

supralegal. Ao julgar tal recurso o Ministro Celso de Mello defendeu a tese do status

constitucional desses tratados, mas teve prevalência o voto-vista do Ministro Gilmar Mendes,

seguido pelos ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes

Direito, no sentido da supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos anteriores a EC nº

45.

Em suma, na Constituição Federal do Brasil não existe previsão de tratamento especial

ao Direito de Integração, de modo que o Direito do Mercosul, para ser incorporado ao Direito

Interno do país vai seguir as mesmas regras previstas para a recepção de quaisquer normas

internacionais. Nesse diapasão, as normas gerais de Direito Internacional têm hierarquia de lei

ordinária; as normas internacionais sobre Direitos Humanos, anteriores à EC nº 45, possuem

status supralegal; e as posteriores a tal Emenda, que forem recepcionadas no rito do art. 5º, §

3º da CF/88, têm status constitucional.

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Faz-se mister abordar de modo mais detido a questão da hierarquia dentro do Direito

brasileiro dos tratados em matéria tributária. O art. 98 do Código Tributário Nacional

estabeleceu que as normas, os tratados e as convenções internacionais que revogam ou

modificam a legislação tributária interna deverão ser observados pelas leis criadas depois

deles. Em outras palavras, o Código Tributário confere hierarquia de lei complementar aos

tratados em matéria tributária, conforme art. 146, III, da CF/88.

Ocorre que o art. 151, III, da CF/88 veda à união que essa institua “isenções de

tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”. Esse artigo

parece proibir a República Federativa do Brasil de dispor por meio de tratados sobre tributos

que não sejam da união, pois, como observam Bastos, Finkelstein e Pereira (2002, p. 123), a

união não poderia por nenhum mecanismo criar isenções, incentivos, parcelamentos de

débitos, créditos fictos, ferramentas de não-incidência ou algum outro modo de redução da

competência legislativa ou arrecadatória tributária dos demais entes federados, nem através da

celebração de tratados.

Nesse sentido, Ichihara (2002, p. 238) advoga que a celebração de tratado

internacional pela união, cujos dispositivos interferem na competência tributária dos outros

entes federados consiste em uma violação do pacto federativo, cláusula pétrea prevista no art.

60, § 4º, I, da Constituição Federal. Esse autor (2002, p. 244) argumenta que:

Inexiste possibilidade de interferência do Tratado de Assunção nas questões internas que envolvam o Estado federal brasileiro, pois tal interferência acabaria por agredir a Constituição, fazendo tábua rasa do princípio federal.

Como já dissemos anteriormente, se há prevalência dos Tratados Internacionais sobre a legislação interna (art. 98, do CTN), isto não quer dizer que o Presidente da República ou o Poder Legislativo possam, a pretexto de atuar no interesse da soberania nacional, agredir o princípio federal e com isso incorrer em inconstitucionalidade.

Harada (2002, p. 211) apresenta entendimento contrário ao dos supracitados autores,

pois é favorável à celebração de tratados pela união que modifiquem tributos estaduais,

distritais e municipais. Esse autor diferencia a união enquanto sujeito de Direito interno e a

República Federativa enquanto sujeito de Direito Internacional. As duas pessoas jurídicas são

representadas no Direito brasileiro, pelo Presidente da República, o qual assume

simultaneamente a função de Chefe de Governo e Chefe de Estado. Por esse motivo, a

proibição do art. 151, III, da CF seria destinada somente à união, um ente federado de Direito

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interno, cuja interferência na autonomia e independência dos demais entes é proibida

constitucionalmente. Porém, seria permitido à República Federativa celebrar tratados sobre

tributos estaduais, distritais e municipais. Abaixo está transcrito o exato teor das

argumentações de Harada (2002, p. 212):

Assim, na consecução do interesse do Estado Federal Brasileiro, a União, enquanto órgão de representação perante os Estados estrangeiros (art. 21, I, da CF), pode firmar Tratados e Convenções disciplinando tributos estaduais e municipais inclusive concedendo isenções.

A proibição do art. 151, III, da CF está endereçada à União, não enquanto órgão de representação do Estado Federal brasileiro, mas enquanto entidade componente da Federação, isto é, o Presidente da República, na condição de Chefe do Poder Executivo da União, não pode sancionar leis isentivas de tributos estaduais e municipais.

Percebe-se que a questão está longe de ser solucionada. Se por um lado, existe o

justificável receio de ameaça ao pacto federativo e à autonomia e à independência dos

estados, municípios e distrito federal; por outro lado, não conceder à República Federativa a

competência prevista na Constituição brasileira, cria graves obstáculos à integração

mercosulina, pois bloqueia a iniciativa por parte desse bloco no que tange à harmonização

legislativa tributária entre os Estados mercosulinos, sempre que dita iniciativa atingir tributos

estaduais, municipais e distritais brasileiros. Nesse diapasão, Basso e Estrella (2002, p. 411)

refletem que:

[...] o art. 151, inc. III deve ser interpretado em consonância com o disposto no art. 84, inc. VIII, da CF, até mesmo porque seria contraditório e disfuncional se a Magna Carta conferisse competência privativa ao Presidente da República para celebrar Tratados internacionais, condicionados à aprovação do Congresso Nacional (competência exclusiva), e, ao mesmo tempo, desobrigasse Estados e Municípios, que não têm esta capacidade, do seu cumprimento.

Por outro lado, não se pode negar que a atual redação do art. 151, inc. III, poderá dificultar procedimento indispensável à consolidação do Mercosul, qual seja, a harmonização da legislação relativa aos tributos incidentes sobre o consumo. [...]

Não reconhecer a possiblidade de a República Federativa celebrar tratados em matéria

de tributos dos estados e municípios consiste em um fator que obstaculiza negociações no

âmbito regional que tenham por objeto a modificação desses tributos para se efetivar a

harmonização tributária sobre bens de consumo, principalmente sobre a venda e circulação de

mercadorias. Bastos, Finkelstein e Pereira (2002, p. 123) defendem que seja necessária uma

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reforma constitucional com o intuito de “remover os dispositivos protecionistas e impeditivos

da real integração e gerar mecanismos que, dentro da filosofia do livre comércio, favoreçam a

efetiva integração dos Estados-membros e destes com suas unidades administradas”. Feitas

essas relevantes considerações, passa-se à análise da incorporação dos tratados por meio de

procedimento breve.

3.2.2 Incorporação dos tratados de procedimento breve

O art. 49, I, do Diploma Constitucional atribui ao Congresso Nacional competência

exclusiva para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que

acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Ao dispor que o

Congresso nacional deve participar no processo de aprovação das normas internacionais que

possuem como característica acarretarem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio

nacional, permite a construção do entendimento de que aquelas normas internacionais que não

acarretarem esses encargos e compromissos gravosos, não precisam da aprovação do

Congresso Nacional para serem internalizadas. Essa é a base lógico-jurídica que permite a

existência dos denominados acordos-executivos.

Nesse sentido, Rezek (2011, p. 66) explica que os acordos-executivos são aqueles que

apenas interpretam cláusulas de um tratado vigente, ou o complementa ou meramente

estabelece bases para negociações futuras e que, portanto, não precisam ser aprovados pelo

Congresso Nacional, pois não acarretam compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Trindade (2007, p. 91) analisa essa temática da seguinte forma:

A construção doutrinária consolidou a tese de que dispensam aprovação legislativa, além de atos inerentes à rotina diplomática, acordos internacionais que se destinam, unicamente a executar tratado previamente aprovado pelo Congresso. Além disso, o acordo executivo não pode implicar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Tampouco pode versar sobre matéria sob reserva de lei, por tratar-se de exercício do poder regulamentar do Executivo (CF, art. 84, IV). Nesses casos, exige-se a aprovação do Legislativo para a incorporação do tratado ao ordenamento jurídico brasileiro.

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A prática da incorporação dos Acordos de Alcance Parcial de Complementação

Econômica (ACEs), previstos nos arts. 7 a 14, do Tratado de Montevidéu de 1980,

constitutivo da ALADI, consiste em um importante exemplo de internalização segundo o

procedimento existente para os acordos-executivos. Em sua maioria são colocados em vigor

apenas pelo decreto do executivo, sem necessidade de passar pelo trâmite de aprovação pelo

Congresso Nacional, tendo em vista que os ACEs são considerados meras complementações

do Tratado da ALADI. Esse foi o caso do ACE 43, acordo bilateral realizado entre Brasil e

Cuba, que foi recepcionado pelo Decreto n. 3.389, de 22 de março de 2000 (TRINDADE,

2007, p. 92).

Sobre a questão da possibilidade de incorporação de tratados por mero Decreto do

Executivo, desde que respeitados os casos e condições necessários para que se admita o

acordo executivo, o STJ possui jurisprudência pacífica favorável. Para efeito exemplificativo,

impera mencionar o voto do Relator Ministro Adhemar Maciel por ocasião do julgamento do

REsp nº. 104.944-SP em 1998.

A tese defendida em tal Recurso Especial era a de que uma Portaria do Ministério da

Fazenda (Portaria nº 939/91), que majorou a alíquota de importação sobre o trigo argentino de

0% a 9,2%, deveria prevalecer, por ser posterior, sobre o Decreto-Executivo nº 125/91, que

promulgou o 1º Protocolo Modificativo do ACE 14, celebrado entre o Brasil e a Argentina. O

Ministro Adhemar Maciel seguiu o voto-vista do Juiz Silveira Bueno do TRF da 3º Região, o

qual analisou a questão em dois aspectos: a) se os ACEs podem ser promulgados por Decretos

do Executivo, sem passar por aprovação do Congresso; e b) se a Portaria n. 939/91 tinha ou

não prevalência sobre o Decreto n. 125/91.

No que se refere ao primeiro aspecto, é importante transcrever parte do voto-vista do

Juiz do TRF da 3º Região, presente no voto do Relator Ministro Adhemar Maciel:

[...] Para melhor deslinde da questão, é necessário lembrar que o Brasil e os demais países da América Latina firmaram o Tratado de Montevidéu, criando a ALADI. O referido tratado foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto-Legislativo nº 66/81. Dentre as previsões contidas no referido ato internacional está a de permitir aos países-membros que estabelecessem acordo de complementação econômica, como o que agora se encontra sob exame. [...]

[...] Referidos acordos – que do ponto de vista do Direito Internacional Público são meros acordos de forma simplificada (agréments in simplified form, accords em forme simplifiée) – não necessitariam, entre nós, de

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obedecer ao formalismo do procedimento de celebração dos tratados. Mas por isso mesmo não podem atuar na zona submetida constitucionalmente ao princípio da legalidade ou reserva de lei. [...]

[...] O Tratado de Montevidéu prevê no art. 14 a celebração de acordos de alcance parcial como esse ora sub judice. Por outro lado, a desagravação tributária de mercadorias constitui-se num dos objetivos do tratado. Assim, parece-me que contando com previsão expressa no ato internacional era possível às partes estabelecerem acordos mútuos. Resta saber, porém, se o ato de aprovação – decreto presidencial – infringe ou não o princípio da legalidade na medida em que dispõe sobre matéria tributária.

Ao meu ver não. É que o art. 153, § 1º da Carta magna confere ao Poder Executivo a competência para alterar as alíquotas de diversos impostos inclusive o de importação. Nessa medida ao ter rebaixado a alíquota aplicável a zero o ato internacional situa-se dentro dos limites constitucionais, eis que passou a integrar o ordenamento jurídico nacional mediante decreto do chefe do Poder Executivo.

Reconheceu-se, então, que os ACEs apenas complementam o Tratado da ALADI e,

além disso, não entram na zona submetida ao princípio da legalidade e ao da reserva de lei,

tendo em vista que o Poder Executivo, conforme o art. 53, §1º da CF/88, tem competência de

modificar as alíquotas do imposto de importação. Desse modo, ficou decidido que os acordos

de complementação econômica podem ser promulgados por meros Decretos Executivos.

Quanto à hierarquia entre Decreto do Executivo e a Portaria Ministerial, uma vez que

o primeiro ato normativo é de competência do Presidente da República e o segundo ato é

produzido pelo Ministro da Fazenda, sujeito subordinado ao Presidente, tem-se que a Portaria

Ministerial está em posição hierárquica inferior ao do Decreto do Executivo, sendo afastada

em caso de conflito com esse. Abaixo segue a parte do referido voto que apresenta esse

entendimento:

Porém, o mesmo Executivo dispõe de forma diversa ao fixar a alíquota de 9,2% para importação do trigo. Como então resolver o conflito? Penso que o intéprete deve optar, como faz a eminente Juíza Lúcia Figueiredo, pelo de maior hierarquia, ou seja, pelo Decreto 125/91, eis que a fixação da alíquota mais gravosa deu-se por Portaria Ministerial. Como o Ministro da Fazenda é mero auxiliar do Presidente da República e a administração segue entre outros o princípio da hierarquia, confiro validade ao Decreto 125/91.

Esse julgado do STJ é de grande relevância para a integração do Mercosul, porque cria

a possibilidade de que acordos realizados dentro da realidade mercosulina, passem a produzir

efeitos no ordenamento jurídico brasileiro mais brevemente, desde que apenas complementem

ou executem os Tratados e Protocolos desse bloco regional, e que não abranjam matérias de

reserva de lei e nem firam o princípio da legalidade.

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3.2.3 Incorporação do Direito derivado do Mercosul pelo Direito brasileiro

A lógica de incorporação das normas de Direito Derivado do Mercosul será a prevista

para os tratados e acordos-executivos, uma vez que consistem em atos internacionais. Dallari

(2003, p. 118-122) possui o entendimento de que os atos unilaterais das organizações

internacionais, por não estarem previstos expressamente na Constituição Brasileira, teriam

natureza de soft law. Todavia, Trindade (2007, 94) pondera que os já mencionados arts. 49, I e

84, VIII da Carta Magna fazem referência a atos internacionais, dentro dos quais se

enquadrariam, implicitamente, os atos de organizações nacionais. Portanto os dispositivos que

se aplicam à incorporação de tratados servem para a incorporação de normas derivadas do

Mercosul.

A única diferença existente entre a incorporação de tratados e da recepção das normas

dos órgãos do Mercosul é que nesse segundo caso os parlamentares brasileiros, que são

integrantes do Parlamento do Mercosul, podem apresentar relatórios, recomendando a

aprovação da norma derivada, conforme o previsto no art. 4 do Protocolo Constitutivo do

Parlamento do Mercosul de 2005.

Aquelas normas de direito derivado que, do mesmo modo que os acordos executivos,

dispensam aprovação legislativa para serem incorporadas pelo Direito Interno possuem

tratamento peculiar pela prática brasileira. Trindade (2007, p. 99) elucida que:

Os órgãos que procedem à internalização têm sido os mesmos responsáveis pelas negociações nos diferentes Subgrupos de Trabalho (SGT) do GMC. Os SGTs são órgãos técnicos divididos em áreas específicas e elaboram projetos de normas a serem aprovados pelo GMC e CMC. Cada SGT tem sua Coordenação Nacional, cujos membros distribuem-se entre os diferentes órgãos da Administração Federal.

Os órgãos da Administração direta e indireta que participarem dos Subgrupos de

Trabalho e, portanto, das deliberações e negociações a respeito das resoluções do CMC e

diretivas do GMC, é que realizarão a internalização desse direito derivado, por meio dos

diversos atos normativos pertencentes ao direito administrativo, como resoluções, portarias e

instruções normativas. Desse modo, a Anvisa, Anatel, Ministério da Saúde e outros braços da

Administração Pública já internalizaram normas derivadas do Mercosul, fruto dos Subgrupos

de Trabalho dos quais fizeram parte das reuniões deliberativas.

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Essa internalização da normativa dos órgãos mercosulinos por parte da Administração

Pública direta e indireta, apesar de aparentar ser uma solução para a morosidade do processo

de incorporação de normas e atos internacionais realizadas conjuntamente pelos Poderes

Executivo e Legislativo, intensifica o problema da desorganização quanto à posição

hierárquica que as normas vão ocupar quando transformadas em dispositivos de Direito

Interno. Isso prejudica a capacidade do Mercosul de proporcionar segurança jurídica para

todos os envolvidos em tal processo. A seguir, serão estudados os procedimentos de recepção

de tratados pelo Paraguai.

3.3 Incorporação de normas internacionais pelo Paraguai

Em 1989 iniciou-se a transição democrática do Paraguai, ano da queda do General

Stroessner e fim do seu governo ditatorial exercido desde 1954. Após trinta e cinco anos dessa

brutal ditadura, seguido de um breve período de governo provisório, em 1993 ocorreu a

primeira eleição nos moldes democráticos, desde a independência do Paraguai em 1811, na

qual foi eleito Juan Carlos Wasmosy pelo sufrágio popular.

O primeiro presidente a não pertencer ao Partido Colorado foi o ex-bispo católico

Fernando Lugo, eleito em 2008, fato esse digno de nota, tendo em vista que tal partido

exerceu hegemonia no poder político paraguaio desde o ano de 1947. Acontece que em 22 de

junho de 2012, Lugo foi destituído do seu cargo em decorrência de um controverso processo

de impeachment que durou apenas 36 horas, conforme o exposto no laudo arbitral nº 01/2012

do TPR. Por esse breve resumo da recente história política do Paraguai percebe-se que essa é

marcada por constantes crises e frágil estabilidade (SIMÓN, 1998, p. 349-432).

No que se refere aos reflexos da atual situação paraguaia sobre o Mercosul, a

Argentina, Brasil e Uruguai decidiram afastar politicamente o Paraguai do bloco, mas não

economicamente. Além disso, uma vez que o Paraguai era o único membro que não tinha

aprovado o ingresso da Venezuela ao Mercosul e uma vez que está afastado politicamente

dele, os demais Estados decidiram a favor da efetiva entrada da Venezuela, o que, por sua

vez, gerou grande controvérsia, a qual foi levada pelo Paraguai frente ao Tribunal Permanente

do Mercosul.

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O Tribunal Permanente de Revisão, por sua vez, no laudo arbitral 01/2012 decidiu

pela incompetência ratione materiae, por não estarem presentes os requisitos de

admissibilidade do procedimento excepcional de urgência, proposto pelo Paraguai com base

no regulado pela Decisão do CMC de nº 23/04, além de ser inadmissível a intervenção direta

do TPR sem o consentimento expresso dos demais Estados-membros do Mercosul.

Abordados esses fatos preliminares que auxiliam na elucidação do cenário político

desse específico membro do Mercosul, passa-se a análise das disposições jurídicas na

Constituição do Paraguai pertinentes à recepção de normas internacionais e a decorrente

eficácia e aplicação das mesmas dentro de tal país. Quando o Tratado de Assunção foi

celebrado em 1991 vigorava a Constituição Paraguaia de 1967, a qual foi substituída em 1992

pela Constituição vigente.

O art. 137 da Constituição Paraguaia de 1992, intitulado “Da Supremacia da

Constituição” estabelece que:

A lei suprema da República é a Constituição. Essa, os tratados, convênios e acordos internacionais aprovados e ratificados, as leis ditadas pelo Congresso e outras disposições jurídicas de inferior hierarquia, sancionadas em consequência, integram o direito positivo nacional na ordem de prelação enunciada32.

Em seguida esse artigo dispõe que:

Quem quer que intente modificar dita ordem, à margem dos procedimentos previstos nessa Constituição, incorrerá nos delitos que se tipificarem e forem sancionados na lei.

Essa Constituição não perderá sua vigência nem deixará de observar os atos de força ou ser derrogada por qualquer outro meio distinto daquele que ela dispõe.

Carecem de validade todas as disposições ou atos de autoridade opostos ao estabelecido nessa Constituição33.

A segunda parte desse artigo ocupa-se em reforçar a supremacia da Constituição

propriamente dita, com a intenção de fortalecer o princípio da segurança jurídica, o que

denota, conhecendo a instabilidade do contexto político paraguaio, uma precaução do

32 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 33 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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constituinte no sentido de se evitar governos de fato. O receio no que concerne à instauração

de governos sem salvaguarda da Constituição pode ser interpretado de outras disposições do

Diploma Maior Paraguaio, como a menção em seu art. 3º de que “A ditadura está fora da

lei”34 ou a previsão no art. 138 de que “se autoriza aos cidadãos a resistir a tais usurpadores,

por todos os meios a seu alcance. 35” consistem em repetitivas exaltações à liberdade, à

soberania e à independência, as quais assumem o significado de evitar o apoio internacional

em hipotéticos golpes de Estado.

Já na primeira parte do art. 137 percebe-se nitidamente uma preocupação em definir a

ordem hierárquica das normas paraguaias, sendo que dentre essas está inclusa a norma

internacional, à qual é concedida hierarquia superior às leis infraconstitucionais, de forma que

os tratados fiquem somente abaixo da Constituição. Ademais, corrobora o supracitado artigo,

o disposto no art. 141 que estabelece que “os tratados internacionais validamente celebrados,

aprovados pela lei do Congresso, e cujos instrumentos de ratificação foram trocados ou

depositados, fazem parte do ordenamento legal interno com a hierarquia que determina o

Artigo 13736”.

Da análise combinada do art. 238, inc. 7 que dispõe que são deveres e atribuições de

quem exerce a Presidência da República negociar e firmar tratados, do art. 202, inc. 9 que

define como dever e atribuição do Congresso “aprovar ou rejeitar os tratados e demais

acordos internacionais subscritos pelo Poder Executivo37”, e art. 224, inc. 1 que estabelece

como sendo atribuição exclusiva da Câmara dos Senadores a tarefa de “iniciar a consideração

dos projetos de lei relativos à aprovação de tratados e de acordos internacionais38”, tem-se que

a elaboração, assinatura e ratificação de tratados consistem em atos complexos levados a cabo

com a colaboração conjunta dos Poderes Legislativos e Executivos.

De modo análogo à Argentina, a Constituição Paraguaia também traz previsão

expressa quanto à possibilidade da existência de uma ordem jurídica supranacional, uma vez

que o art. 145 prescreve que “A República do Paraguai, em condições de igualdade com

outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional que garanta a vigência dos direitos

34 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 35 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 36 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 37 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 38 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento, político, econômico, social

e cultural39”. E ainda de maneira semelhante à Constituição Argentina a Carta Maior Paraguai

impõe como requisito para a aprovação de um ordenamento jurídico supranacional, o quórum

de votação da maioria absoluta em cada uma das Casas do Congresso.

Em uma leitura rápida da Constituição é possível a errônea interpretação de que as

exaltações à soberania e independência paraguaia em diversos dispositivos seriam conflitantes

com o previsto no art. 145 no que se refere a criação de ordenamentos supranacionais. Na

realidade, a Constituição paraguaia é bastante aberta em relação à normativa de origem

internacional e as constantes menções à soberania, independência e liberdade tem o escopo de

tutelar a manutenção de governos legítimos no território paraguaio (VENTURA, 2003, p.

185).

Ocampo (2008, p. 85-86) analisa que a Constituição paraguaia de 1992 estabeleceu

uma estrutura constitucional bastante moderna no que se refere a processos de integração, não

obstante apresentar alguns empecilhos para a segurança jurídica do bloco, quando mantem a

Constituição acima de todas as normas, inclusive daquelas hipoteticamente supranacionais,

como pode ser observado do trecho escrito por tal autor que segue abaixo:

Sem nenhuma dúvida a Constituição da República do Paraguai estruturou um sistema constitucional avançado, totalmente apropriado para o desenvolvimento de um processo de integração, o que não impede que alguns autores lhe critiquem o fato de que, como no caso da República Argentina, a Constituição continue a ser colocada no topo da pirâmide e acima dos tratados, o que abre por essa via a possibilidade de que se dilua a uniformidade na interpretação e aplicação das normas do processo de integração, afetando a certeza e segurança jurídica, aspectos que são justamente o que deveria tender a proteger qualquer ordenamento jurídico supranacional.

Ressalva-se, ainda, que apesar da possibilidade de construção de uma ordem

supranacional, as normas mercosulinas recepcionadas pelo Paraguai assumem o caráter de

tratados gerais com hierarquia supralegal, tendo em vista que, como mencionado, o Mercosul

é uma organização intergovernamental, conforme o disposto em seu tratado constitutivo, e foi

criado antes da promulgação da Constituição Paraguaia de 1992, quando ainda vigorava

aquela de 1967.

39 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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No que se refere aos tratados em matéria tributária, não existe nenhuma previsão

constitucional que conceda tratamento especial para essa natureza de tratado, de modo que

terão hierarquia superior a das leis e inferior a da Constituição, nos moldes dos tratados

gerais. Passa-se, no próximo tópico, ao estudo do modo como ocorre a recepção de normas

internacionais pelo Uruguai.

3.4 Incorporação de normas internacionais pelo Uruguai

O Uruguai, dentre os membros do Mercosul, talvez seja o que menos apresente

instabilidade política e menor disparidade entre classes sociais, apesar de, desde a década de

1950, ter passado por sucessivas crises econômicas que ainda o afetam. Também foi

governado por uma ditadura militar que dominou o cenário político do ano de 1973 a 1985,

sendo que durante tal período a Constituição de 1967 não foi aplicada em sua totalidade,

tendo vigência plena somente a partir da retomada do governo democrático. (SIERRA, 1998,

p. 437-438)

A Constituição Uruguaia de 1967 trata-se de uma das mais restritivas quanto ao

reconhecimento, vigência eficácia e aplicabilidade do Direito Internacional no âmbito interno,

quando comparada com as demais Constituições dos Estados-membros do Mercosul, apesar

de ser a pioneira no que concerne às previsões sobre a integração latino-americana, como será

observado mais adiante (OCAMPO, 2008, p. 217).

O art. 4º da Carta Maior Uruguaia dispõe que “a soberania em toda sua plenitude

existe radicalmente na Nação, a qual compete o direito exclusivo de estabelecer suas leis,

[...]40”, de modo que reforce a soberania desse Estado e fixa a competência exclusiva da

Nação em estabelecer lei, reduzindo as possibilidades de fontes jurídicas admitidas pelo

Direito, que leva ao entendimento que essas não englobam as fontes internacionais. Silencia,

ainda, sobre a ordem hierárquica entre as normas existentes, o que permite equiparar os

tratados às leis ordinárias emanadas internamente.

40 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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A incorporação de normas internacionais pelo Uruguai dá-se segundo procedimentos

mais clássicos pelo que se depreende da combinação do art. 168, inc. 20 e do art. 85, inc. 7,

ambos da Constituição Uruguaia. O Presidente da República isolada ou juntamente aos

Ministros ou ao Conselho de Ministros tem a competência de “concluir e assinar tratados,

necessitando para ratifica-los da aprovação do Poder Legislativo41” (art.168, inc. 20),

enquanto que à Assembleia Geral compete “[...] aprovar o recusar por maioria absoluta de

votos do total de componentes de cada Câmara, os tratados de paz, aliança, comércio e as

convenções ou contratos de qualquer natureza que celebre o Poder Executivo com potências

estrangeiras42”.

Tem-se, então, que toda norma internacional, para ser aplicada no território uruguaio,

necessita de aprovação prévia do Parlamento por maioria absoluta de suas duas Casas, tendo o

Congresso amplos poderes para recusar tratados em diversificadas matérias. Devido a essa

previsão expressa, a doutrina jurídica uruguaia tende a não admitir a possibilidade de

aplicação imediata do Direito derivado de organizações internacionais como o Mercosul.

Como supramencionado, a Constituição Uruguaia, por ser a mais antiga dentre as dos

Estados-membros do Mercosul, é pioneira no sentido de mencionar a possibilidade de se

construir uma integração latino-americana. De fato em seu art. 6º está disposto que a

República do Uruguai “[...] procurará a integração social e econômica dos Estados Latino-

americanos, especialmente no que se refere à defesa comum de seus produtos e matérias

primas. Assim mesmo, propenderá à efetiva complementação de seus serviços públicos43”.

Os objetivos da integração latino-americana elencados pelo supracitado artigo são a

defesa comum dos produtos e matérias-primas produzidos pelos Estados dessa região e a

efetiva complementação de seus serviços públicos. Quanto ao primeiro objetivo, faz-se a

ressalva que por ter caráter fortemente protecionista, pode chocar com os princípios

orientadores do comércio internacional, consagrados pela OMC. Já no que concerne ao

segundo objetivo, é obscuro o significado pretendido pelo constituinte à expressão “efetiva

complementaridade entre seus serviços públicos44”, cujo sentido não é dado por nenhum outro

41 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 42 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 43 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 44 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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dispositivo constitucional. Sobre o assunto, Ocampo (2008, p. 218) critica que “embora

pioneira, a referência à integração contida na Lei Fundamental uruguaia é enigmática,

provavelmente em razão de seu caráter obsoleto.”.

Ressalva-se que essa norma referendada pelo art. 6º da Constituição Uruguaia tem

mero caráter programático, ou seja, não possui aplicabilidade plena, mas garante que a

interpretação do texto constitucional oriente-se de forma a não desfavorecer as possibilidades

de processos de integração econômica entre os países latino-americanos. Um caráter mais

efetivo para essa norma foi buscado em 1993, ano em que uma reforma do art. 6º foi proposta

pelo Presidente do Senado para, em seguida, ser recusada pela comissão especial de reforma

dessa Casa do Congresso (OCAMPO, 2008, p. 84).

Como não há previsão expressa na Carta Magna quanto à possibilidade de que o

Uruguai outorgue competências soberanas às organizações de caráter supranacional, surge na

doutrina questionamentos se tal art. 6º autorizaria a construção de um ordenamento

supranacional da qual o Uruguai fizesse parte, o que gera posicionamentos conflitantes.

Delpiazzio (1993, p. 63) advoga o entendimento que o art. 6º pode ser base de

compromissos de natureza comunitária entre o Uruguai e demais Estados latino-americanos,

com a ressalva de que tais compromissos não podem ameaçar outros direitos e disposições

constitucionais, do mesmo modo que Vignali (1994, p. 396-397) percebe o art. 6º como base

jurídica da qual o Direito de Integração latino-americana pode evoluir à um Direito

supranacional. Por outro lado, Gallicchio e Schiavone (1998, p. 101) são contundentes em

afirmar que o dito art. 6º não abre margem a interpretações favoráveis à supranacionalidade.

Não existe na Constituição uruguaia qualquer menção sobre a posição hierárquica dos

tratados – nem daqueles que versem sobre matéria tributária – e demais atos internacionais no

Direito interno e, uma vez que o art. 239, da Carta Maior uruguaia prevê que uma das funções

da Suprema Corte de Justiça é julgar questões relacionadas a tratados, pactos e convenções

com outros Estados, a definição do status dos tratados no ordenamento jurídico uruguaio fica

totalmente a cargo da jurisprudência da Suprema Corte.

Cumpre ressaltar que o posicionamento jurisprudencial dessa evoluiu de um

entendimento dominante na década de 1970 que reconhecia a primazia do tratado sobre as

normas do Direito Interno, para, a partir da década de 1990, mudar sua orientação e passar a

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entender pela equiparação hierárquica entre tratados e leis ordinárias, cuja solução de conflito

se daria pelos critérios da norma posterior revoga a anterior e norma especial revoga a geral.

Um caso importante, que marcou a modificação no posicionamento da Suprema Corte

Uruguaia na década de 1990, é denominado de González Sabio/Aceiteras del Uruguay (nº

25/90). Nesse caso, a Suprema Corte, ao julgar questão relacionada ao Convênio nº 98 da

OIT, entendeu que o Uruguai não deve adotar a “teoria da assimilação de suas normas [do

Convenio nº 98 da OIT] em oposição às de Direito interno, no caso a Lei nº 12.03045”, pois

nessa hipótese “violaria abertamente nossa organização constitucional, se tal lei pudesse ser

revogada não por outra lei, mas por denuncia de um acordo internacional [...]46”. Assim, a

Constituição uruguaia é uma das menos favoráveis à consecução dos objetivos

integracionistas, afinal qualquer tentativa de harmonização legislativa dependeria mais da

disposição política do governo uruguaio, do que da iniciativa do Mercosul. Resta ainda a

análise do conjunto normativo que regula a incorporação de tratados existente na Venezuela,

o que será feito a seguir.

3.5 Incorporação de normas internacionais pela Venezuela

Apesar de existir previsão constitucional quanto à separação de Poderes tanto na

Constituição de 1961 como na Constituição de 1999, a Venezuela talvez seja, dos Estados

aqui estudados, o que possui um maior histórico de concentração dos poderes públicos nas

mãos do Executivo Nacional, identificado atualmente, com o Presidente da República, Hugo

Chávez.

A Venezuela, desde sua independência em 1821 até o ano de 1958, data em que finda

a ditadura liderada por Marcos Péres Jiménez, foi dominada pela forte interferência militar na

política do país, o que só recebeu uma trégua com a assinatura do Pacto de Punto Fijo pelos

principais partidos venezuelanos da época, o qual tinha o escopo de fortalecer e efetivar os

45 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 46 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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princípios democráticos no cenário político venezuelano. Tal Pacto resultou na promulgação

da Carta Maior de 1961, a qual consagra um Estado Democrático de Direito, muito embora

com uma democracia formal e representativa e um Estado federal centralizado, porém que

incumbe aos setores militares suas funções típicas de proteger o território nacional e suas

fronteiras, afastando-os das funções políticas.

Após uma tentativa de golpe fracassada em 1992, Hugo Chávez assumiu a Presidência

da Venezuela através de eleições diretas no ano de 1999. Tinha como proposta de governo a

reestruturação da Venezuela, substituindo a democracia representativa consagrada pela

Constituição de 1961, por uma democracia participativa e, por ser fortemente influenciado

pelos heróis nacionais, dentre esses, Simón Bolívar, tinha também o escopo de promover a

cooperação entre Estados e a integração latino-americana. Para tanto convocou uma

Assembleia Nacional Constituinte, a qual foi responsável pela promulgação da Carta Maior

Venezuelana de 1999. De fato é possível observar no preâmbulo de tal Constituição a

presença dos ideais e motivações políticas particulares de Hugo Chávez:

O povo da Venezuela, no exercício de seus poderes criadores e invocando à proteção de Deus, o exemplo histórico de nosso Libertador Simón Bolívar e o heroísmo e sacrifício de nossos antepassados aborígenes e dos precursores e forjadores de uma pátria livre e soberana;

Com o fim supremo de refundar a República para estabelecer uma sociedade democrática, participativa e protagonista, multiétnica e pluricultural em um Estado de justiça, federal e descentralizado, que consolide os valores da liberdade, da independência, da paz, da solidaridade, do bem comum, da integridade territorial, da convivência e do império da lei para essa e para as futuras gerações; assegure o direito à vida, ao trabalho, à cultura, à educação, à justiça social e à igualdade sem discriminação nem subordinação alguma; promova a cooperação pacífica entre as nações e impulsione e consolide a integração latino-americana de acordo com o princípio da não intervenção e autodeterminação dos povos, a garantia universal e indivisível dos direitos humanos, a democratização da sociedade internacional, o desarme nuclear, o equilíbrio ecológico e os bens jurídicos ambientais como o patrimônio comum e irrenunciável da humanidade47;

Apesar da menção expressa no preâmbulo da construção de um Estado descentralizado

o que se verifica na realidade é uma maior centralização das tomadas de decisão no Poder

Executivo Nacional, mais especificamente na pessoa de Chávez (GÓNZALES CRUZ, 2003,

p. 112-113). A Carta Magna de 1999 extinguiu o Senado, de modo que os estados deixaram

47 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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de gozar de representação política na Assembleia Nacional, agora unicameral. Além disso,

ficou a cargo de lei orgânica nacional regulamentar o funcionamento, organização e

procedimento das Assembleias Estaduais e os Municípios também sofreram limitações em

suas competências e nas possibilidades de acesso a recursos financeiros, restringindo, assim,

suas autonomias.

A aparente tendência para ditaduras militares insinuam-se na propensão do atual

governo venezuelano de substituir as tradicionais elites políticas por figuras pertencentes ao

segmento militar. Nesse sentido Müller Rojas (2003, p.195) pondera que se o governo

chavista não tende ao militarismo, ao menos fortalece o controle militar sobre aspectos

essencialmente civis da sociedade. A questão ganha relevância jurídica, quando se parte da

premissa de que a efetividade da Constituição e a promoção da segurança jurídica são maiores

quanto mais efetivo é o sistema democrático de um Estado.

Ao abordar a problemática da efetividade constitucional dos Estados-membros do

Mercosul, Silva (2000, p. 268) reflete sobre as nuances da história política partilhadas por

todos os países latino-americanos, dentre os quais, se insere a Venezuela:

[...] a efetividade constitucional continua sendo um tema preocupante para os quatro sócios do Mercosul. A tradição política é de tal intermitência entre períodos normais de plenitude democrática e períodos de ditaduras ostensivas ou semi-encobertas que a rigor, fica ás vezes difícil determinar qual a sua normalidade política, se a democrática ou a que lhe é oposta; afinal, não se pode deixar de levar em conta a cultura ou a contracultura – dependendo do enfoque de quem a analise – gerada em longos períodos de uma determinada prática, em qualquer campo de atividade. 48

Realizadas essas ressalvas parte-se para a análise da forma de incorporação de tratados

pela Venezuela, prevista na Constituição de 1999 e na hierarquia que a norma internacional

assume no Direito Interno. De acordo com o artigo 154 da Constituição, os tratados

celebrados pela Venezuela devem ser aprovados pela Assembleia Nacional antes de sua

ratificação pelo Presidente da República, com exceção daqueles mediante os quais “se trate de

executar ou aperfeiçoar obrigações preexistentes da República, aplicar princípios

48 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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expressamente reconhecidos por ela, executar atos ordinários nas relações internacionais ou

exercer faculdades que a lei atribua expressamente ao Executivo Nacional”49.

Tais exceções enumeradas no art. 154, que consistem em hipóteses nas quais não se

exige a aprovação da Assembleia Nacional para que os tratados passem a vigorar, além de

significa maior celeridade no processo para a vigência de uma norma internacional no Direito

interno, principalmente, denota o grande poder que acumula o Executivo da Venezuela. Mais

adiante, no art. 187, inc. 18 e no art. 217 da Carta Magna da Venezuela há a disposição de

que, salvo nos casos das exceções já citadas, compete à Assembleia Nacional promulgar lei

que aprove o tratado e, logo, publicá-la na “Gazeta Oficial”, órgão oficial de publicação.

A Constituição da Venezuela respeita o sistema da supremacia das fontes de natureza

de Direito Internacional, de modo que estabelece a aplicação preferencial dos tratados

internacionais sobre a legislação interna. Assim está previsto no art. 155 da Constituição

Venezuelana. O sistema de primazia das fontes em matéria de Direito Internacional estabelece

a aplicação preferente dos tratados internacionais e, logo, sobre a legislação interna. Isso está

estabelecido no art. 155 da Constituição venezuelana e o art. 1 da Lei de Direito Internacional

Privado de 1998, se consistir de um caso com elementos de estrangeria.

Avanço mais significativo presente na Constituição da Venezuela no que concerne às

disposições sobre tratados consiste em seu art. 23 que confere aos tratados em matéria de

Direitos Humanos natureza constitucional e cuja aplicabilidade deve ser imediata e direta

pelos tribunais e as outras autoridades do país, conforme se depreende do próprio texto de tal

dispositivo:

Artigo 23. Os tratados, pactos e convenções relativos aos direitos humanos, assinados e ratificados pela Venezuela, tem hierarquia constitucional e prevalecem na ordem interna, na medida em que contenham normas sobre seu gozo e exercício mais favoráveis às estabelecidas por essa Constituição e a lei da República, e são de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do Poder Público50.

Previsão como essa não existe em nenhuma das Constituições dos outros Estados do

Mercosul e permite que, por exemplo, as normas da Convenção Americana de Direitos

49 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 50 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Humanos, ratificada pela Venezuela, assumam hierarquia supraconstitucional, de modo que

disposições constitucionais contrárias à essa pode, em tese, terem sua aplicação afastada.

De fato, essa foi a posição jurisprudencial adotada pela Sala Constitucional da

Suprema Corte de Justiça da Venezuela no caso C.A. Eletricidad del Centro (Elecentro) y

otra vs. Superintendencia para la Promoción y Protección de la Libre Competencia.

(Procompetencia), julgado em 2000, que ao analisar previsão de lei que proibia o direito de

apelação a segunda instância em contenciosos administrativos, bem como, a omissão da

Constituição de 1999 nesse aspecto, decidiu que, com base no art. 23 da dita Constituição,

esse cerceamento do direito de ação violava a Convenção Americana de Direitos Humanos,

como pode ser observado em parte da sentença abaixo transcrita:

[...] que o artigo 8, incisos 1 e 2 (alínea h), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, faz parte do ordenamento constitucional de Venezuela; que as disposições que contém afirmações do direito a recorrer da sentença, são mais favoráveis, no que concerne ao gozo e exercício do citado direito, que a prevista no artigo 49, numeral 1, da citada Constituição; e que são de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do Poder Público51.

Não obstante, a evolução jurisprudencial da Sala Constitucional a partir dessa sentença

passou a assumir um posicionamento a favor da restrição do alcance do art. 23 da

Constituição de 1999. Tal afirmação é corroborada pelo caso Gustavo Álvarez Arias y otros,

julgado em 2008, cuja sentença declara inexecutável uma sentença da Corte Interamericana de

Direitos Humanos, prolatada no caso Apitz Barbera y otros vs. Venezuela. Para efeito de

comparação com a sentença anteriormente analisada reproduz-se uma parte do julgado de

2008:

[...] o citado artigo 23 da Constituição não outorga aos tratados internacionais sobre direitos humanos o rol “supraconstitucional”, pelo que, em caso de antinomia ou contradição entre uma disposição da Carta Fundamental e uma norma de um pacto internacional, corresponderia ao Poder Judicial determinar qual seria a aplicável, tomando em consideração tanto o disposto na citada norma como na jurisprudência dessa Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça, atendendo ao conteúdo dos artigos 7, 266.6, 334, 335, 336.11 e à sentença de número 1077/2000 dessa Sala52.

51 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 52 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Mais a frente, em tal julgado conclui-se que:

[...] nessa ordem de ideias, os padrões para dirimir o conflito entre os princípios e as normas devem ser compatíveis com o projeto político da Constituição (Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça) e não devem afetar a vigência de dito projeto com eleições interpretativas ideológicas que privilegiem os direitos individuais a extremo do que abarcam a primazia da ordem jurídica internacional sobre o direito nacional em detrimento da soberania do Estado53.

Nesse diapasão, fica evidente que a jurisprudência da Sala Constitucional realizou uma

reforma do art. 23 da Constituição de 1999, ao rebaixar a hierarquia dos tratados em matéria

de Direitos Humanos, retirando-lhes o caráter supraconstitucional, em uma ação de franca

inconstitucionalidade, haja vista que esse específico artigo tinha sido objeto de proposta de

reforma apresentada pelo “Conselho Presidencial para a Reforma da Constituição”, a qual não

logrou êxito uma vez que foi rechaçada pelos cidadãos.

No que se refere à integração latino-americana, além da menção no preâmbulo da

Constituição de 1999, o seu art. 153 prevê que a República vai promover e favorecer a

integração latino-americana e caribenha, com o intuito de defender os interesses comuns, o

desenvolvimento, o bem-estar e a segurança coletivas dos povos pertencentes à essa região.

Adiante esse artigo prevê a possibilidade de que a Venezuela atribua competências à

organizações supranacionais que sejam necessárias à promoção dos processos de integração.

Por fim, dispõe que as normas que surgirem nos contextos de integração serão parte do

ordenamento nacional e terão aplicabilidade direta e primazia sobre a lei interna.

A Constituição da Venezuela apresenta um grande avanço na sua abordagem da

temática dos possíveis processos de integração latino-americanos, de modo a superar o nível

de comprometimento assumido por todas as outras Constituições aqui analisadas. Porém,

permanece o receio de que a Suprema Corte de Justiça Venezuelana, juntamente com o Poder

Executivo, atuem no sentido de reformar tal dispositivo constitucional, como o ocorrido com

o citado art. 23, de modo a abolir qualquer caráter de efetividade que poderia ter a Carta

Maior Venezuelana.

53 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Apesar desse precedente negativo, ainda é muito cedo para tecer projeções a respeito

do assunto no que concerne especificamente ao Mercosul, tendo em vista que a Venezuela

ingressou em dita organização no ano de 2012 e possui um prazo de quatro anos para adaptar

o próprio ordenamento jurídico à normativa mercosulina, conforme a Decisão nº 031/2012 do

Conselho Mercado Comum. Assim, em princípio, como o Mercosul é uma organização

intergovernamental, todos os tratados de integração farão parte do ordenamento jurídico

venezuelano e terão aplicabilidade imediata e primazia sobre a normativa interna.

Por fim, cumpre ressaltar que não há na Constituição da Venezuela previsão específica

no sentido de conferir aos tratados que versarem sobre matéria tributária hierarquia superior,

todavia, por consistir de norma internacional esse já teria primazia sobre a lei interna.

Portanto, deveriam prevalecer as qualificações e critérios contidos no tratado antes daqueles

presentes na legislação nacional.

3.6 (In)Segurança jurídica e incorporação das normas do Mercosul

Os Estados-membros do Mercosul dividem certas similaridades em suas histórias

políticas e constitucionais. Todos os cinco países tiveram a predominância de ditaduras

militares no governo durante grande parte do século XX e, portanto, são marcados por

históricos de instabilidade política, com a preponderância de governos de fato, assim

denominados, em decorrências de serem exercidos sem a salvaguarda constitucional, na

maioria das vezes, afastando a vigência de ditas Constituições. Menezes (2007, p. 49), ao

tratar sobre o militarismo na América-Latina tece as seguintes reflexões:

Tem início um período sombrio em toda a região, desencadeado por uma política de repressão inquisitória, sincronizada e coordenada, por meio do estabelecimento de operações militares estatais conjuntas para dizimar os movimentos guerrilheiros ou qualquer suspeito de simpatizar com aquelas ideias subversivas.

Os governos que ascendem ao poder, além do alinhamento à política internacional norte-americana de combate ao comunismo e da adoção dos ideais liberais, são marcadamente nacionalistas, xenófobos e conservadores, e orientam suas ações para o desenvolvimento de uma integridade nacional e o fortalecimento da segurança interna.

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Para garantir a manutenção dos governos, os Estados Unidos lançam um conjunto de medidas, estabelecendo diálogos e debates com ações afirmativas no intuito de fortalecer economicamente a América Latina e fortalecer a doutrina de liberdade de mercado, propalada pelo liberalismo econômico, corolário do pensamento norte-americano.

Com o fim das ditaduras militares, que coincidiu com o término da Guerra Fria e com

a consequente redução do apoio econômico e ingerência dos Estados Unidos nos governos

latino-americanos, esses países passaram a orientar suas economias em direção a um

intercâmbio com seus vizinhos. Se até a década de 1980 a exportação realizada pelos países

latino-americanos era predominantemente de matérias-primas destinadas à América do Norte

e à Europa, paulatinamente esse cenário começou a ser modificado.

É nessa realidade de transição que se insere a criação do Mercosul. Se por um lado os

Estados pertencentes ao Cone Sul pretendiam abandonar sua posição de países periféricos,

aumentar a troca comercial intrarregional e partir para uma integração econômica profunda

como o mercado comum, por outro lado a tradição de países exportadores de matéria-prima,

enraizada na cultura econômica latino-americana desde a colonização, os resquícios

nacionalistas do período ditatorial e as democracias ainda frágeis, eram obstáculos para essa

aproximação entre os Estados-membros do bloco mercosulino.

Essas características contraditórias são verificadas tanto nos Tratados e Protocolos do

Mercosul, como nas Constituições do Estados-membros. O Tratado de Assunção cria um

objetivo extremamente ambicioso como o mercado comum, cuja implementação exige uma

maior aproximação dos ordenamentos jurídicos, inclusive dos sistemas tributários desses

países, porém dota essa organização regional de mecanismos pouco eficientes para levar a

cabo seus objetivos. No que se refere às Constituições, tanto a uruguaia quanto a brasileira

fazem menção à integração latino-americana, contudo conferem caráter meramente

programático ao dispositivo constitucional no qual a menção está inserida. Já as Constituições

da Argentina, do Paraguai e também a da Venezuela, apesar de serem mais abertas no que

concerne a movimentos de integração, não trazem previsões específicas sobre a incorporação

de normas mercosulinas.

Ao abordar a intergovernamentalidade presente no Mercosul Ventura (2003, p. 103)

tece importantes reflexões, as quais são transcritas a seguir:

A flexibilidade do Mercosul não se encontra, portanto, na simples escolha da intergovernamentalidade. É precisamente a associação de três fatores – a

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ausência total de autonomia para executar as decisões coletivas, a unanimidade com a presença de todos os Estados Partes como sistema decisório, e a ausência de controle da interpretação e da aplicação uniforme dos tratados – que gera um intergovernamentalismo excessivamente restrito. Em apoio a essa constatação, basta comparar o Mercosul não à União Europeia, mas às organizações internacionais clássicas, nas quais encontrar-se-ão tanto poderes autônomos como possibilidades de sanção devida à violação dos tratados, o que inexiste no Mercosul.

A intergovernamentalidade no Mercosul é percebida em todos os seus aspectos. Seus

órgãos deliberativos não possuem sede fixa, são na realidade reuniões periódicas, e seus

integrantes pertencem ao corpo do Poder Executivo dos Estados-membros. As deliberações

para tomada de decisões exigem a presença de todos os membros e a unanimidade. Na

hipótese em que tais decisões são aprovadas, essas não possuem aplicabilidade imediata e

dependem completamente dos ordenamentos jurídicos dos países do Mercosul para que

produzam efeitos em seus territórios.

Por não existirem sanções para os casos em que os Estados demorem ou não

incorporem aos seus ordenamentos as normas derivadas produzidas pelos órgãos

mercosulinos, esses têm plena liberdade para não as recepcionarem, ou fazer tal recepção de

modo defeituoso, deturpando o sentido das normas conforme for mais conveniente. Além

disso, por não existir uma ação integrada entre os Poderes Judiciários nacionais e os órgãos de

Solução de Controvérsias do Mercosul, a possibilidade de interpretação uniforme das regras

mercosulinas está totalmente prejudicada.

Percebe-se que cada Estado prevê um diferente processo de recepção das normas

internacionais e, em consequência, daquelas emanadas pelo Mercosul, sendo que entre os

países também difere a posição hierárquica que dita norma vai assumir no Direito Interno. Na

Argentina e no Paraguai as normas gerais internacionais assumem o status de supralegais. No

Uruguai as normas internacionais tem o status dos dispositivos infraconstitucionais. A

Venezuela, apesar de ser ainda muito cedo para quaisquer conclusões, traz previsão

constitucional de que as normas emanadas em contextos de integração terão primazia e

aplicabilidade direta no ordenamento interno. Por último, o Brasil confere às normas gerais

internacionais hierarquia de lei ordinária, além de trazer hipóteses em que a recepção poderá

ser dada tanto por mero Decreto Executivo, sem aprovação do Congresso Nacional, como por

atos administrativos da Administração Pública Direta e Indireta.

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Trindade (2007, p. 25-27) apresenta alguns levantamentos sobre a quantidade de

normas mercosulinas que foram incorporadas pelos Estados-membros, que ajuda ilustrar a

realidade do Mercosul. Segundo dados que abrangem o período de 1991 a 2002, das 149

decisões do CMC que exigem internalização ao ordenamento jurídico dos Estados, apenas 44

tinham sido incorporadas até 2002, sendo que essa quantidade corresponde a apenas 30% do

total de decisões do CMC emanadas nesse intervalo de tempo. Ainda nessa pesquisa, foi

constatado que das 604 resoluções do GMC que precisam ser incorporadas, somente 224

tiveram sua internalização, ou seja, 37% do total. E das 90 diretrizes da CCM, apenas 50%

das que requerem incorporação o foram de fato.

Nesse período sob análise, o Brasil foi o Estado que mais incorporou normas

mercosulinas, cerca de 74,62% do total, mas isso se deve ao já criticado sistema difuso de

incorporação de normas do Mercosul pelo Brasil, que pode ser realizado por meio dos

procedimentos solenes que envolvem os Poderes Legislativos e Executivos, tradicionalmente

utilizados para tratados internacionais; por atos administrativos do Executivo que se

assemelham aos praticados para acordos executivos; e atos da Administração Pública Direta e

Indireta.

Essa situação cria certos prejuízos à segurança jurídica do bloco, por vários motivos,

entre eles: a) a autoridade que realiza a incorporação não é aquela que participou da

deliberação da norma e, portanto, desconhece as causas de sua adoção; b) uma vez que o

sistema é difuso, aumenta-se a morosidade da incorporação; c) o texto pode ser modificado o

que dificulta a interpretação e cumprimento correto da norma pelo Estado; e d) sempre existe

a possibilidade de atraso ou abstenção da incorporação da norma, o que diminui a certeza do

Direito no processo de integração e gera graves obstáculos para a harmonização jurídica das

áreas relevantes para a integração econômica, dentre elas, a tributária.

Corrêa (2010, p. 6-16) apresenta outra pesquisa que tem como objeto os tratados

firmados no âmbito do Mercosul no período compreendido entre 26 de março de 1991 e 24 de

julho de 2009, dados esses obtidos na Chancelaria paraguaia, pois no Brasil, nem a

Chancelaria nem o Parlamento possui uma compilação oficial. Dentro desse período,

observou-se que 119 tratados que foram negociados pelos Estados-membros, apenas 54

foram, de fato, recepcionadas e estão em vigor em todos os países, ou seja, somente 45,37%

dos tratados acordados. Faz-se a ressalva que desses 119 tratados, apenas 13 eram acordos

executivos. Esse autor informa ainda, que no Brasil a morosidade na aprovação de um tratado,

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que pode alcançar um prazo de até dez anos, se deve mais ao Executivo que não envia a

mensagem com a norma internacional para o Congresso, do que o atraso nos procedimentos

realizados por esse último.

Todas essas deformidades na incorporação das normas mercosulinas pelos Estados-

membros provocam uma insegurança jurídica, a qual impede a certeza do Direito do

Mercosul. A consequência disso é uma ausência de confiança, por parte dos sujeitos

envolvidos, no movimento de integração existente no Mercosul. Sarlet (2004, p. 90), ao

abordar a relação entre Estado Democrático de Direito e a efetividade da segurança jurídica,

tece as seguintes reflexões:

[...] há muito, pelo menos no âmbito do pensamento constitucional contemporâneo, se enraizou a idéia de que um autêntico Estado de Direito é sempre também – pelo menos em princípio e num certo sentido - um Estado da segurança jurídica, já que, do contrário, também o “governo das leis” (até pelo fato de serem expressão da vontade política de um grupo) poderá resultar em despotismo e toda a sorte de iniqüidades. Com efeito, a doutrina constitucional contemporânea, de há muito e sem maior controvérsia no que diz com esse ponto, tem considerado a segurança jurídica como expressão inarredável do Estado de Direito, de tal sorte que a segurança jurídica passou a ter o status de subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito. Assim, para além de assumir a condição de direito fundamental da pessoa humana, a segurança jurídica constitui simultaneamente princípio fundamental da ordem jurídica estatal e, para além dessa, da própria ordem jurídica internacional.

A segurança jurídica está intimamente relacionada ao Estado Democrático de Direito,

porque um ordenamento jurídico, cujas normas não transmitem segurança jurídica, perde sua

razão de existir, de modo que a segurança jurídica alça-se à fundamento essencial da ordem

jurídica estatal e internacional. Ao partir do pressuposto de que regiões instáveis, por

aumentarem os riscos aos negócios, não atraem investidores estrangeiros e ao constatar que

um dos requisitos na avaliação do nível de estabilidade de uma localidade reside no quanto

seu conjunto normativo e seus contratos são respeitados, percebe-se as graves consequências

que a ausência de segurança jurídica de um bloco econômico pode provocar na economia dos

Estados-membros.

Pinheiro (2000, p.42-45) reflete que a incerteza do Direito, devido a um conjunto

normativo incoerente, difuso, sem uniformidade e instável, afasta os investimentos, reduz a

eficiência produtiva e o desenvolvimento tecnológico, o que denota graves prejuízos

econômicos para um país ou bloco regional. O Mercosul, por ter pouca produção normativa

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em aproximadamente vinte anos de existência, por não apresentar uma uniformidade entre os

Estados no que tange aos procedimentos previstos para a incorporação das normas

mercosulinas e pela imprevisibilidade quanto à efetiva incorporação dessas normas, apresenta

todas as características de uma típica ordem jurídica que prejudica o desenvolvimento

econômico da região em que se insere.

Após analisar o arcabouço jurídico e as funções desempenhadas pelas instituições do

Mercosul, bem como, estudar o modo de incorporação de tratados pelos Estados-membros

desse bloco regional, percebe-se que qualquer harmonização tributária entre os sistemas

jurídicos desses países, depende primordialmente da iniciativa política de cada um deles. É

nesse contexto que ganha relevância o estudo dos sistemas tributários de países em processo

de integração, para verificar a possibilidade de harmonização fiscal, principalmente dos

impostos incidentes sobre o consumo de mercadorias.

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CAPÍTULO 4

IMPOSTOS SOBRE O VALOR AGREGADO NOS PAÍSES HISPANO-

AMERICANOS DO MERCOSUL

4.1 Imposto sobre o Valor Agregado: noções Gerais

A imposição tributária indireta sobre o consumo, a cada dia ganha maior relevância no

contexto mundial, uma vez que a maioria dos países atualmente adotam tributos que incidem

sobre a riqueza inerente à circulação de mercadorias e serviços. O Imposto sobre o Valor

Agregado consiste no principal imposto sobre o consumo existente e é considerado um

imposto de base ampla, neutro, não discriminatório, não cumulativo, de baixo risco de fraude

e que favorece a livre concorrência, tendo em vista que atinge de forma igualitária todas as

esferas da produção e circulação de mercadorias e serviços.

O presente trabalho possui como foco a livre circulação de mercadorias no cenário de

integração do Mercosul, de modo que será dada ênfase aos Impostos sobre o Valor Agregado

existentes nos países-membros desse bloco regional, principalmente àqueles que incidem

sobre a produção e circulação dessas mercadorias.

A abordagem inicia-se com a contextualização histórica do surgimento dos tributos

sobre o consumo e, em específico, dos Impostos sobre o Valor Agregado, para em seguida

tratar das características essenciais desse tipo de tributo. Com isso posto, a abordagem recai

sobre os Impostos sobre o Valor Agregado existentes nos Estados-membros do Mercosul,

mais especificamente na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e na Venezuela, apontando seus

aspectos semelhantes e enfatizando os pontos nos quais se diferem, de modo que ao final,

possa-se observar o que precisa ser modificado para que caminhe rumo à uma harmonização

tributária dentro do território mercosulino, com o escopo de garantir a livre circulação de

mercadorias, tendo em vista que essa é uma das liberdades fundamentais que condicionam a

existência de um mercado comum em contexto de integração.

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114

4.1.1 Antecedentes históricos do Imposto sobre o Valor Agregado

No Egito antigo, há aproximadamente 3.300 anos existia imposição fiscal sobre

mercadorias em circulação. Os gregos e os romanos utilizavam mecanismos de tributação das

transações comerciais, como pode ser observado já no ano 9 d.C., em que o imperador

romano Augusto criou um tributo que incidia sobre os negócios ocorridos em leilão público,

com uma alíquota de 1%, com o escopo de financiar as despesas militares. Tratava-se de um

imposto indireto, cujo nome era centesima rerum venalium. Já em 1292 o rei Felipe da França

estabeleceu um imposto sobre as vendas e compras de produtos, que não incidia somente

sobre a aquisição de alimentos. Em suma, é possível citar inúmeros casos ao longo da história

humana de tributação indireta sobre o consumo (MEIRELLES, 2000, p. 47).

Nos anos subsequentes à Primeira Guerra Mundial a tributação indireta expandiu-se

em diversas partes do globo. A França, pioneira nesse aspecto, criou o taxes sur le chiffre

d’affaires, imposto esse sobre vendas brutas, ou seja, incidia sobre o montante integral do

preço de venda dos produtos, em todas as fases compreendidas entre a produção e

distribuição, sem respeitar a não-cumulatividade. (MEIRELLES, 2000, p. 47).

Já na segunda metade do século XX, na maioria dos países houve uma substituição

dos impostos sobre vendas brutas pelos impostos sobre vendas líquidas, nomeados também

como impostos sobre o valor agregado ou adicionado (IVA). O imposto sobre a venda bruta

trazia alguns graves inconvenientes, como: a) ele era cumulativo, ou seja, ao incidir sobre o

valor bruto da venda em todas as etapas existentes entre a produção e o consumo final, havia

imposto sobre imposto, o que causava repercussão grave nos preços dos produtos; b) tinha

como consequência a verticalização das empresas, que integravam as fases produtivas – da

produção, industrialização à comercialização final – para se evitar a tributação em várias

etapas, acumulavam-se as muitas fases em uma única pessoa jurídica; c) não garantia uma

justa distribuição da carga tributária sobre o consumo, nem permitia uma justa participação

regional sobre a produção. (DERZI, 1999, p. 17).

Nesse sentido, Xavier de Basto (1987, p. 28) observa que a tributação cumulativa tem

o condão de provocar a verticalização das fases produtivas, diminuindo a ocorrência de

sistemas de produção desintegrados. Por sua vez, Gomes (2006, p. 27) demonstra que no caso

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de “imposição de impostos cumulativos falta a neutralidade, pois se traduz em uma diferente

incidência nos distintos setores econômicos, em função da longitude dos circuitos de

produção a uma dupla imposição”.

Torres (2007, p. 21) enumera como vantagens econômicas e financeiras da

substituição do imposto cumulativo por aquele não cumulativo, além do desestímulo à

integração vertical da economia, o incentivo às exportações, uma vez que tributo não

cumulativo simplifica os cálculos para definir o quantum realmente incide sobre o produto

nacional, o que fortalece a política de restituição como estímulo ao comércio internacional e

desvaloriza o princípio da territorialidade.

O primeiro país a substituir o imposto incidente de forma cumulativa em todas as fases

da produção à industrialização por um não cumulativo foi também a França que, em 1936,

iniciou as primeiras modificações legislativas e que, em 1954, implantou a taxe sur la valeur

ajoutée, Imposto sobre o Valor Agregado que apesar de algumas reformas, ainda se encontra

vigente na França. A partir dessa primeira experiência, durante a década de sessenta do século

passado difundiu-se pelo mundo a tributação da produção e circulação não cumulativa. Fausto

(2005, p. 198) comenta que:

Durante as últimas décadas do século XX, a difusão do IVA representou o mais singular desenvolvimento no campo da tributação. Na metade dos anos de 1960, esse imposto existia somente na França, e de uma forma não muito sofisticada; em 1991 foi criado o sistema geral de tributação ao consumo em 21 países-membros da OCDE, além de 42 países externos a esse grupo, fornecendo uma quota significativa de suas receitas fiscais54.

Uma forte impulsão à difusão da imposição sobre o valor agregado derivou-se da sua

adoção por parte da Comunidade Econômica Europeia (CEE) – ora União Europeia (UE) –,

pela sua característica de evitar distorções no comércio internacional. Sucessivamente, as

vantagens desse sistema de imposição foram sendo cada vez mais apreciadas com a ampliação

do processo de globalização.

O princípio da não-cumulatividade passou a existir expressamente no Brasil com a

Reforma Constitucional nº 18 de 1965. Na antiga Comunidade Europeia foi adotado o

Imposto sobre o Valor Agregado na sua primeira diretriz de 1967. A Dinamarca, em respeito

54 Tradução livre a partir do original em língua italiana.

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às disposições da CEE introduziu esse tipo de imposto em sua legislação interna em 1967,

seguida da Alemanha em 1968, de Luxemburgo e da Bélgica em 1969, da Irlanda em 1972 e

da Inglaterra em 1973. Na América Latina esse tipo de tributo foi implantado, a partir do final

da década de 1960, na Argentina, Bolívia, Equador, Peru e Uruguai, sendo que no Paraguai

foi introduzido em 1972 (DERZI, 1999, p. 19). A seguir, realiza-se o estudo das principais

características que definem um Imposto sobre o Valor Agregado.

4.1.2 Imposto sobre o Valor Agregado: principais características

Meirelles (2000, p. 50) apresenta, de forma sucinta, as principais características do

Imposto sobre o Valor Agregado nos seguintes termos: a) esse tipo de imposto é indireto, pois

sua incidência se dá sobre a manifestação mediata de riqueza; b) tem natureza real, uma vez

que as qualidades do sujeito passivo não são relevantes para a realização da hipótese de

incidência e não seja necessário comprovar a capacidade contributiva do consumidor, que

apesar de não consistir no sujeito passivo da relação tributária, é quem arca de fato com o

valor do imposto; c) sua alíquota é proporcional em contraposição a aquela progressiva; d) é

plurifásico, pois afeta o consumo em todas as suas etapas; e) e é neutro, ou seja, em princípio

não deve influenciar a economia, não interferindo nos fatores que permitem a livre

concorrência.

Por valor agregado (VA) entende-se, segundo Gomes (2006, p. 32), o resultado da

subtração entre o valor da produção – aquilo que foi agregado ao produto naquela etapa

produtiva ou output (O) – e o valor gasto com consumos intermédios – matérias-primas,

subsidiárias, serviços e fornecimentos de terceiros ou inputs (I). A fórmula que ilustra a

obtenção do Valor Agregado é a seguinte: VA = O-I

O Imposto sobre o Valor Agregado ou Adicionado é uma espécie do gênero de

impostos gerais sobre a venda de bens e de serviços, também denominados de impostos gerais

sobre o consumo. O termo imposto geral corresponde àqueles impostos que devem incidir em

todas as atividades econômicas que passam pelas etapas referentes à produção e à distribuição

de bens, além das relativas à prestação de serviços. Para melhor entender o que é um imposto

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geral é necessário traçar um contraponto entre esse e o conceito de imposto específico sobre o

consumo.

O imposto específico sobre o consumo, apesar de cumprir também função fiscal, tem

caráter preponderantemente extrafiscal, pois busca aumentar ou reduzir o consumo de

determinados bens considerados benéficos ou nocivos, respectivamente. Os bens, sobre os

quais os impostos específicos devem incidir, precisam ter uma saída relativamente constante,

possuir um público de consumidores cativos e ser supérfluos, como é o caso de bebidas,

cigarros e perfumes. Ademais, os impostos específicos incidem com um valor fixo por

quantidade do produto (por exemplo, tantos reais por unidade de cigarros), não apresentando

alíquotas que variam conforme o preço do produto (FERNANDES, 2001, p. 197-198).

Já o imposto geral sobre o consumo tem caráter principalmente fiscal – apesar de

poder ser também usado com objetivos extrafiscais – busca-se por meio desses produzir

receitas para o Estado. Recaem sobre quase todas as transações comerciais, algumas vezes

isentando apenas alguns produtos tidos como essenciais, como é o caso de artigos de

alimentação. Podem ser monofásicos, quando incidem somente em um elo da cadeia

produtiva – produtor ou varejista; ou podem ser plurifásicos, quando há incidência sobre todas

as etapas da produção ao varejo (FAUSTO, 2005, p. 198). Além disso, o imposto geral sobre

o consumo costuma ser ad valorem, ou seja, o imposto consiste em uma porcentagem do

valor efetivo da transação (GOMES, 2006, p. 33). O IVA consiste em um imposto geral sobre

o consumo, normalmente plurifásico e é ad valorem. Sob essa perspectiva, o ICMS encaixa-se

perfeitamente no conceito de IVA, por possuir essas três características.

Quanto à classificação dos impostos em monofásicos e plurifásicos, importante

sublinhar que é característica dos primeiros a não-cumulatividade, uma vez que a imposição

acumula-se em uma única etapa. Já no caso do imposto plurifásico, uma vez que a incidência

acontece em cada operação concernente à cadeia de consumo, seria possível ocorrer o

denominado efeito cascata ou imposto sobre imposto, tendo em vista que o imposto pago em

operação anterior poderia ser absorvido como custo e tornar parte da base de cálculo do

imposto na etapa subsequente. Tal fenômeno é denominado de cumulatividade e pode ser

evitado por diversos mecanismos como serão vistos aqui.

A carga tributária paga a título de IVA é suportada pelo consumidor final, de modo

que tal imposto interfere indiretamente no preço de venda do produto, podendo alterar as

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condições de concorrência em um determinado mercado. Por esse motivo tal imposto é muitas

vezes denominado de imposto indireto sobre o consumo. Todavia, faz-se mister ressaltar que

esse termo é muitas vezes considerado cientificamente inadequado, porque o sujeito passivo

da relação tributária vai ser o industrial ou o comerciante, não sendo jamais o consumidor

final, apesar de, como dito, ser esse quem vai suportar economicamente o ônus fiscal

(DERZI, 1999, p. 21-22).

Há autores, como Carrazza (2011, p. 25-26), que consideram o conceito de imposto

indireto sobre o consumo relevante no contexto econômico e não para a ciência jurídica.

Ademais, na prática, o imposto indireto pode não ser repassado ao preço e ser suportado pelo

contribuinte, do mesmo modo que impostos classificados como direto, o imposto de renda,

por exemplo, pode estar embutido no preço do bem. Não obstante, no presente trabalho

utilizará essa terminologia de forma indiscriminada, porque serve para fins didáticos.

A característica fundamental do IVA, e que é o denominador comum entre as diversas

legislações de cada um dos países que adotam essa forma de tributação, é que esse imposto

busca incidir apenas na fração agregada ou adicionada ao valor do produto pela etapa de

produção, distribuição, circulação ou de prestação de serviço correspondente à sua hipótese de

incidência. Assim, reduz-se a carga tributada que será transferida economicamente ao

consumidor final (DERZI, 1999, p. 19).

O IVA pode ser classificado conforme a amplitude de sua base de incidência em IVA

tipo-consumo, IVA tipo-produto e IVA tipo-rendimento. No primeiro caso, no IVA tipo-

consumo, o imposto incide sobre o valor agregado aos bens de consumo. No segundo caso, no

IVA tipo-produto, o imposto incide sobre o valor agregado aos bens de consumo e aos de

capitais, sem permitir as deduções por amortizações, ou seja, agrava o rendimento bruto e, em

termos macroeconômicos, atinge o produto nacional bruto. Por fim, no caso do IVA tipo-

rendimento, o imposto incide sobre o valor agregado dos bens e dos capitais, mas somente

após levar em consideração as amortizações, de modo que agrave o rendimento líquido,

atingindo apenas o produto nacional líquido (XAVIER DE BASTO, 1987, p. 50-51).

Existem várias técnicas para se evitar a ocorrência do efeito cumulativo em tributos

plurifásicos, com o escopo de impedir uma oneração exacerbada do produto final. Fausto

(2005, p. 199) classifica em método do IVA calculado por adição e em método do IVA

calculado por subtração, sendo que esse último subdivide-se em IVA sobre base efetiva e IVA

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sobre base financeira. O primeiro método, por adição, é constituído da soma dos valores

correspondentes aos fatores de produção – como salário, valor de aquisição da matéria-prima,

lucros agregados – e desse total exclui-se o valor da alienação, obtendo a base de cálculo do

imposto.

O método do IVA sobre base efetiva ocorre quando o imposto tem como base de

cálculo somente o valor que foi agregado na etapa em análise, subtraindo do valor da venda

da mercadoria o valor cobrado na etapa anterior, de modo que o tributo tenha como base só o

resultado dessa subtração. Fernandes (2001, p. 200) exemplifica bem essa técnica, da seguinte

forma: “[...] na etapa X a mercadoria foi transacionada por $ 100. Na etapa X+1, tal

mercadoria foi vendida por $ 120. O valor agregado foi de $ 20; portanto, essa será a base de

cálculo do tributo. Não há incidência sobre o valor tributário da primeira operação”.

Xavier de Basto (2007, p. 102) segue essa linha de classificação ao dividir os métodos

de cálculo de imposto em métodos diretos e indiretos e em métodos aditivos e subtrativos. O

que Fausto (2005, p. 199) denomina de método por adição e método por subtração sobre base

efetiva, Xavier de Basto (2007, p. 102) nomeia, respectivamente, de método direto aditivo e

direto subtrativo, como é possível observar a seguir:

Nos métodos directos, o valor acrescentado das empresas é determinado diretamente, através da sua contabilidade e o imposto incide sobre o valor acrescentado assim calculado. Teremos método directo aditivo, se o valor acrescentado for determinado por adição dos seus elementos constitutivos (rendas dos factores produtivos), e método directo subtractivo se o valor acrescentado for determinado por subtracção, isto é, subtraindo ao valor das vendas o valor dos insumos produtivos adquiridos a outras unidades de produção. É desse tipo, o IVA que esteve em vigor em alguns Estados dos EUA (por exemplo, no Michigan).

Já a terceira técnica apresentada por Fausto (2005, p. 200) é o IVA sobre a base

financeira. Consiste na situação em que a tributação realizada na etapa antecedente serve de

crédito para a posterior, de modo que na etapa subsequente se realize uma compensação do

valor pago a título de imposto na etapa anterior. Fernandes (2001, p. 200) também

exemplifica essa situação de modo bastante ilustrativo:

[...] Utilizemos o mesmo exemplo acima, imaginando uma alíquota de 10%. Na operação X, tendo em vista que o valor da mercadoria é $ 100, o imposto pago será de $ 10, gerando um crédito tributário no mesmo valor para a etapa posterior. Na operação X+1, a base de cálculo será $ 120, sendo devido um imposto de $ 12. No momento da liquidação do tributo, para seu efetivo recolhimento, proceder-se-á a compensação de $ 10, da primeira

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operação, com $ 12, da segunda operação; o que, ao final, resulta um imposto recolhido de $ 2, na etapa anterior, mas de $ 12 no total, ou seja, a alíquota de 10% aplicada sobre o valor da última operação.

No que se refere ao IVA sobre “base financeira”, Xavier de Basto (2007, p. 102) o

denomina de método indireto subtrativo, que pode ser exemplificado pelo IVA europeu e

consiste em um tipo de imposto de uma “família afastada” do IVA tradicional. Esse autor

estabelece a definição desse terceiro método por meio da sua comparação com os métodos

diretos, de acordo com o que se vislumbra abaixo:

Para nos apercebermos do essencial da diferença, é suficiente notar que esse IVA usa o método indirecto subtractivo e não o método directo. No método indirecto subtractivo, também chamado “método do crédito de imposto” ou “método das faturas” (invoice method), o valor acrescentado das empresas nem sequer chega a ser determinado e a operação fundamental de determinação do encargo tributário é a subtracção, ao imposto que o sujeito passivo liquidou sobre as suas vendas, do imposto que suportou na aquisição de insumos produtivos. Operando pelo referido método, o IVA é apenas um imposto geral sobre as vendas, com direito a deduzir o imposto suportado nas compras.

Nesse diapasão, a forma de evitar a cumulatividade por adição e aquela por subtração,

com o IVA sobre a “base efetiva”, são denominadas de Imposto sobre o Valor Agregado puro,

ou seja, o imposto tem como base de cálculo o valor que realmente se agregou no momento

de ocorrência do fato previsto na hipótese de incidência. Já a técnica por subtração, com IVA

sobre a “base financeira”, é chamada de imposto contra imposto ou, ainda, sistema de créditos

e débitos, que vem sendo considerada uma espécie de Imposto sobre o Valor Agregado.

(FERNANDES, 2001, p. 200).

Faz-se mister abordar, ainda, o princípio da neutralidade e o da não-discriminação, que

regem e consistem em características fundamentais do Imposto sobre o Valor Agregado.

Todas as demais características do IVA, não ser cumulativo, ser suportado pelo consumidor

final, apresentar métodos para a definição de sua base de cálculo, ser plurifásico e ter alíquota

proporcional ao valor agregado ao produto objetivam garantir a neutralidade desse imposto.

Ao definir o Imposto sobre o Valor Agregado como um imposto neutro significa dizer

que todos “os operadores econômicos devem poder recuperar em cada estádio do circuito

econômico o IVA que pagaram ou que está em dívida em relação aos bens ou aos serviços

que lhes foram fornecidos” (GOMES, 2006, p. 29), de modo que não cria nenhuma forma de

benefício ou discriminação de um setor econômico correspondente a uma etapa produtiva e

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assegura uma maior igualdade de concorrência entre produtos nacionais e aqueles

internacionais. Águia (2007, p. 128) pondera sobre a neutralidade do IVA nos seguintes

termos:

[...] o IVA é aplicado em toda a fase da cadeia produtiva (imposto plurifásico). Entretanto, o fato de se permitir que o sujeito passivo possa deduzir do IVA suportado em suas aquisições, e esse fato tem similaridade em relação aos impostos como o ICMS e IPI, ou seja, impostos não-cumulativos, acaba levando seu ônus ao consumo final, assim os agentes da cadeia produtiva não teriam que arcar com esse encargo tributário, que efetivamente é suportado pelo consumidor final dos bens e dos que utilizam os serviços prestados. Melhor clareando, o imposto tem a sua neutralidade assegurada em toda a cadeia produtiva, tendo a sua aplicacação efetiva na última fase, ou melhor, no consumo final. Assim como já descrito, a soma dos valores agregados (ou acrescentados) em todas as fases do processo produtivo corresponde ao valor total do bem adquirido pelo consumidor final.

O princípio da não discriminação se refere mais especificamente a relações de

comércio internacional, adquirindo relevância em ambientes globalizados e integrados. A não

discriminação consiste na vedação do tratamento diferenciado para produtos importados,

evitando-se aumentar o ônus fiscal sobre esses quando em comparação com aqueles bens

produzidos internamente. O IVA busca evitar qualquer tipo de discriminação em decorrência

da origem do produto. Nesse sentido, ganha importância estudar os tipos de sistemas de

tributação do IVA, na origem (local de saída da mercadoria) ou no destino (local de consumo

da mercadoria), observando as vantagens e desvantagens de cada sistema quando aplicados

em espaços de integração econômica.

4.1.3 Sistema de imposição na origem e Sistema de imposição no destino

O sistema impositivo na origem é aquele em que o critério espacial da hipótese de

incidência do imposto é o local de produção do bem, ou seja, o imposto vai incidir no início

da cadeia de consumo. Em se tratando de comércio exterior ou intrarregional, na imposição na

origem vão se tributar as exportações e se isentar as importações. Assim, ainda que aquele que

vai sofrer o encargo financeiro seja o consumidor situado em outro Estado, o imposto será

devido e fará parte da receita do Estado onde está localizada a produção (FERNANDES,

2001, p. 201).

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Uma vantagem do sistema de imposição na origem está no fato de que não há

necessidade de se manter o aparato administrativo aduaneiro e as fronteiras tributárias entre

países, tendo em vista que o produto já sai tributado do país e não sofrerá outro encargo fiscal

no Estado de destino. Diluem-se as fronteiras fiscais, não havendo uma divisão nítida entre os

sistemas tributários nacionais. Trata-se, portanto, de um meio de realmente integrar a

imposição tributária sobre o consumo em espaços de integração econômica regional.

Todavia, existem objeções que devem ser consideradas quanto à aplicação do

princípio da origem. Em um contexto dinâmico, com perfeita mobilidade internacional dos

fatores de produção, fica prejudicada a neutralidade dos impostos indiretos sobre o consumo,

esses atuariam de modo a diferenciar a capacidade de concorrência dos produtos a depender

da sua origem interna ou externa, a não ser que ocorra uma completa harmonização tributária

entre os Estados, inclusive no que concerne às alíquotas aplicadas (FAUSTO, 2005, p. 203-

204).

O sistema impositivo no destino é o oposto. A tributação será realizada no local de

consumo final do produto, logo, na última etapa da cadeia de produção e consumo. Desse

modo, no comércio exterior a importação será tributada e a exportação não, de forma que a

receita auferida com o tributo fica com o Estado onde se situa o consumidor final.

Nesse caso se deve manter as aduanas e os demais aparatos fiscais fronteiriços, tendo

em vista que as importações são tributadas, sendo necessário realizar o controle nas fronteiras.

Os sistemas tributários dos Estados permanecem, nessa hipótese, segregados, o que aumenta

as possibilidades de fraudes fiscais. (FERNANDES, 2001, p. 202). Todavia, tal fato não

impede a construção de regimes de integração econômicas voltados ao mercado comum,

apesar de trazer alguns obstáculos. A União Europeia utiliza o sistema de imposição no

destino para o comércio intracomunitário.

Sobre as deficiências do sistema de imposição no destino Novoa (2005, p. 175)

comenta que:

A adoção do sistema do IVA na origem é mais adequado ao cenário do mercado interno e a sobrevivência da atual realidade intracomunitária além de um prazo razoavelmente necessário, está gerando uma situação

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caracterizada por altíssimos níveis de fraude contra os quais as Administrações dos Estados-membros não são capazes de fazer frente55.

Águia (2007, p. 132), por sua vez, é favorável ao sistema de imposição no destino e defende

que o fato de um país ser uma Federação não consiste em um empecilho à adoção do regime

de tributação no destino:

O raciocínio é simples: o Estado-destino que recebe o bem fica com o IVA da transação e o Estado-origem, ainda que não tenha participação no valor desse IVA, tem como vantagem o incremento na aquisição dos insumos utilizados para produzir aquele bem, gerando no Estado-origem maior volume de transações como aumento da renda interna e consequentemente maior arrecadação, na realidade todos ganham, gerando maior emprego e maior consumo.

Contudo, apesar do regime de tributação no destino não consistir em um obstáculo

para a integração, a própria União Europeia, processo integracionista mais bem sucedido do

globo, aventa sobre a possibilidade de adotar o sistema de imposição na origem, por o

considerar melhor para espaços integrados.

Fausto (2005, p. 205) analisa que a escolha entre o princípio da origem e aquele do

destino consiste em optar entre a obtenção de eficiência no comércio ou de eficiência na

produção, respectivamente. Tal autor ainda sugere, alternativamente, a adoção de um

princípio de imposição que seja um meio termo entre o de origem e o de destino, denominado

de restrincted origin principle. Nesse sistema alternativo seria aplicado o princípio de origem

para o comércio intrarregional entre os Estados-membros do processo integracionista e o

princípio de destino para as trocas comerciais entre esses países e terceiros.

Dada à complexidade do tema é possível observar que não há mecanismo de

imposição tributária que seja a solução perfeita para espaços integrados, portanto, é relevante

que estudos sejam realizados para que se escolha a melhor solução para cada caso concreto,

levando-se em conta as realidades dos Estados envolvidos no processo de integração, o modo

como seus respectivos sistemas tributários estão organizados, além do aparato jurídico,

administrativo e burocrático colocado à disposição do movimento integracionista.

Com esse intuito, nos próximos tópicos serão examinados os Impostos sobre o Valor

Agregado existentes nos quatro países de origem hispano-americana que são membros do 55 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Mercosul – Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – de modo a apontar as principais

diferenças e semelhanças entre os sistemas tributários desses Estados, com o escopo de

entrever soluções adequadas em prol de uma maior harmonização tributária nesse espaço

integrado. Os impostos brasileiros que incidem sobre a venda e a circulação de mercadorias

serão abordados em capítulo apartado, uma vez que o sistema tributário brasileiro é o que

mais diverge dentre os existentes nos países-membros do Mercosul.

4.2 Conceituações e características do IVA na Argentina, Paraguai, Uruguai e

Venezuela

No presente momento faz-se mister estudar o Imposto sobre o Valor Agregado

incidentes na Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Para tanto, deve-se abordar os

princípios constitucionais que orientam os sistemas tributários, bem como, as características

específicas dos IVAs em cada um dos países, aprofundando nos critérios materiais, espaciais,

temporais, pessoais e quantitativos da Regra Matriz de Incidência Tributárias, desses

impostos, como forma de melhor compreendê-los e compará-los.

Optou-se por separar o estudo dos impostos incidentes sobre o consumo de

mercadorias no Brasil, o qual será tratado no próximo capítulo, do estudo sobre os Impostos

sobre o Valor Agregado existentes na Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Essa

separação não foi despropositada, mas teve como justificativa o fato de que a tributação sobre

o consumo no Brasil destoa sobremaneira daquela aplicada nos demais países mercosulinos,

além de ser bem mais complexa e cheia de nuances e, portanto, merece um tópico apartado

para que seja analisada de modo adequado. Feitas essas observações preliminares, inicia-se o

estudo do IVA argentino.

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4.2.1 Imposto sobre o Valor Agregado na Argentina

Não há na Constituição Argentina dispositivos responsáveis por definir e regular o

sistema tributário desse país, de modo que resta ao legislador ordinário a competência de criar

e impor tributos. Todavia, a Constitución de la Nación Argentina consagra alguns princípios

caros ao direito tributário e define as competências do Congresso Nacional para legislar em

matéria fiscal. Conforme os arts. 4º, 16 e 17 da Constituição Argentina que seguem abaixo,

pode-se observar a previsão de ao menos três princípios tributários – da capacidade

contributiva, da igualdade ou isonomia e do não-confisco:

Art. 4º O Governo federal provem aos gastos da Nação com os fundos do Tesouro nacional, formado pelo produto dos direitos de importação exportação; do da venda ou locação de terras de propriedade nacional; da renda dos Correios; das demais contribuições que equitativa e proporcionalmente à população imponha o Congresso Geral, e dos empréstimos e operações de crédito que decrete o mesmo Congresso para urgências da Nación ou para empresas de utilidade nacional. [...]

Art. 16 A Nação Argentina não admite prerrogativas de sangue, nem de nascimento: não existe nela foros pessoais nem títulos de nobreza. Todos seus habitantes são iguais perante a lei, e admissíveis nos empregos sem outra condição que a idoneidade. A igualdade é a base do imposto e das cargas públicas. [...]

Art. 17.- A propriedade é inviolável, e nenhum habitante da Nação pode ser privado da mesma, senão em virtude de sentença fundada em lei. A expropriação por causa de utilidade pública deve ser qualificada por lei e previamente indenizada. Somente o Congresso impõe as contribuições que se expressam no artigo 4º. Nenhum serviço pessoal é exigível, senão em virtude de lei ou de sentença fundada em lei. […] A confiscação de bens está revogada para sempre do Código Penal argentino. Nenhum corpo armado pode fazer requisições, nem exigir auxílios de nenhuma espécie56.

No art. 4º supratranscrito está estabelecido que uma parcela dos fundos do Tesouro

Nacional da Argentina é obtida por meio de “contribuições que equitativa e

proporcionalmente à população imponha ao Congresso Geral57”. Evidencia-se nesse

dispositivo o princípio da capacidade contributiva, o qual pressupõe que a população,

conforme suas possibilidades financeiras, portanto de modo equitativo e proporcional,

56 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 57 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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contribua com os fundos financeiros do Estado, para que esse, por sua vez, possa prestar os

serviços necessários para o bem-estar social.

O princípio da capacidade contributiva está intimamente relacionado com o princípio

da igualdade ou isonomia, pois se deve observar uma isonomia entre os contribuintes no que

se refere à parcela que irão dispor de seu patrimônio em prol do interesse coletivo, a qual deve

se adequar a cada realidade econômica dos indivíduos. O art. 16 salienta o princípio da

igualdade tributária ao determinar que essa seja a base do imposto e dos encargos públicos,

em outras palavras, os contribuintes que estiverem na mesma situação jurídica deverão ser

tratados de modo igual, e aqueles que não o estiverem deverão ser tratados de modo desigual,

na medida de suas desigualdades.

O art. 17 aborda o princípio do não-confisco. Meirelles (2000, p. 56) esclarece que a

expressão presente nesse artigo de que “A confiscação de bens está revogada para sempre do

Código Penal Argentino58”deve receber interpretação ampla, no sentido de que é imperativo

afastar a possibilidade de confisco de toda legislação argentina, não só daquela penal.

Quanto à repartição da competência tributária o art. 75 da Carta Magna Argentina

estabelece que a competência da Nação seja exclusiva no que concerne aos impostos sobre as

importações e as exportações, mas seja concorrente entre a Nação e as províncias quando se

tratar dos demais impostos indiretos sobre o consumo. Contudo, na prática a Administração

Central concentrou o poder de legislar em matéria de tributação indireta, tendo em vista que

os principais impostos indiretos são regulados e arrecadados por esse ente federado. Nesse

diapasão, apesar da Argentina ser uma federação como o Brasil, o modo como se dá sua

organização, divisão de arrecadação e de receitas e a autonomia e independência dos entes

federados é muito diverso daquele percebido no Estado brasileiro, pois existe uma maior

centralização no que se refere à competência de tributar (ALTAMIRANO, 1999, p. 72).

Sobre o modo com é tratado o sistema tributário argentino pela Constituição desse

país, Meirelles (2000, p. 58) pondera que:

As normas constitucionais retromencionadas dão uma ideia clara no sentido de que o sistema tributário argentino se encontra delimitado lato sensu na Constituição, sem um capítulo específico e detalhado, sendo que cabe

58 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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efetivamente ao legislador ordinário a regulamentação e implementação das modalidades de exações. Se para alguns a ausência de previsão constitucional pode significar um arrefecimento da segurança jurídica do contribuinte, para outros possibilita maior adaptação da normatividade interna às necessidades de mercado decorrentes dos processos de globalização e integração regional.

O imposto sobre o consumo mais relevante no sistema tributário argentino, devido à

sua abrangência, consiste no IVA – Imposto sobre o Valor Agregado. A base legal do IVA

argentino é a Lei nº 20.631/1973, que passou a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1975, e que

foi responsável por introduzir tal imposto no sistema; suas sucessivas alterações, portadas

pelas Leis de nº: 23.349, 23.765, 23.871, 23.872, 23.905, 24.073 e também pela Lei nº

25.239/99; por último, os Decretos Regulamentadores nº 2.407, 2.510 e 1.920 e a Resolução

680/99 também regulamentam o IVA.

As características do IVA argentino, conforme definição de Altamirano (1999, p. 73)

são as seguintes:

É indireto: ou seja, incide economicamente sobre o consumidor final, consequentemente grava os consumos.

É real: não leva em contas as condições pessoais do sujeito atingido pelo imposto.

Não tem efeito de piramidal: esse efeito aparece nos casos em que o aumento do preço final do bem ou serviço é superior ao imposto que definitivamente recolha o Estado; é característico dos impostos sobre o consumo indireto em cascata.

É plurifásico e não cumulativo: toda vez que incide, corresponde a uma só vez no preço final do bem o do serviço prestado.

É de fácil controle: os mecanismos usualmente utilizados pelo fisco nacional são aptos para reduzir consideravelmente a evasão fiscal59.

Segundo Gomes (2006, p. 129), no sistema tributário argentino “o IVA é um imposto

sobre o consumo que se aplica a todas as transações do processo de produção e circulação de

bens e serviços, podendo em cada etapa do circuito econômico abater o crédito imposto”.

Nesse diapasão, o critério material do IVA argentino é muito amplo e abrange toda e qualquer

venda ou importação de produtos e prestação de serviços, podendo ser subdividido em: a) as

59 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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vendas de coisas móveis situadas ou colocadas no território argentino; b) as obras, locações e

prestações de serviços; c) as importações definitivas de coisas móveis.

Na primeira hipótese, vendas de coisas móveis, é requisito necessário que esses bens,

objetos da transferência de propriedade ou de domínio, estejam situados no território

argentino. Além disso, há a exigência de que a venda de coisas móveis seja efetuada com

habitualidade, em outras palavras por quem realize atos de comércio em nome próprio ou de

outrem.

A segunda hipótese do IVA argentino, qual seja a realização de obras, locações e

prestações de serviços, é regulamentada pela Lei nº 23.871. Adianta-se que também essas

operações devem ser realizadas dentro do território argentino para que ocorra a incidência do

IVA. Especificamente quanto aos serviços de telecomunicação internacional, serão

considerados como realizados dentro do país quando a redistribuição e a atribuição forem

feitas por empresas que estejam estabelecidas no país.

Já quanto às considerações a se tecer sobre a terceira hipótese, importação definitiva

de coisas móveis, sublinha-se que, como se depreende da própria expressão utilizada, o IVA

recai somente sobre as importações que possuem caráter definitivo. Isso significa que o

Código Aduaneiro Argentino adota um regime particular para as importações temporárias.

Ademais, para os casos em que a importação definitiva de bens móveis seja efetuada com

destino e uso particular do importador é possível que esse utilize o regime de pagamento

antecipado do IVA, no qual a alíquota aplicada será de 8% e considerada como imposto

ingressado (GOMES, 2006, p. 134).

O IVA argentino possui algumas hipóteses de isenções, situações de venda, de

importação, locação e de prestação de serviço em que tal imposto não incide dada a natureza

do produto ou do serviço. É possível citar a isenção sobre livros, jornais, selos de correio,

ouro amoedado ou em barras, moedas metálicas de curso legal, água natural, pão e leite,

conforme o art. 7º do Decreto 280/97.

No que concerne ao lugar onde ocorre o fato previsto na hipótese de incidência, ou

seja, o critério espacial do IVA argentino é o local de destino, de modo que o imposto será

cobrado onde se dá a venda do produto, a realização da obra, a prestação do serviço ou a

entrada do produto no território argentino. O critério temporal, consequentemente, vai ser o

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momento em que se efetive a locação, a prestação do serviço, a entrada do produto na

Argentina ou que se verifica a realização de operação mercantil que resulte na circulação de

bens móveis.

O sujeito ativo do IVA, pessoa jurídica de direito público que está na posição de

credora na relação jurídica tributária, é o Governo Central, que tem a obrigação de repassar

uma fatia do arrecadado a título de IVA para as províncias. O Imposto sobre o Valor

Agregado argentino é, portanto, um imposto nacional. O sujeito passivo dessa relação

tributária e o responsável tributário pelo recolhimento do IVA é o locador, prestador de

serviço ou comerciante que promova a circulação de mercadorias, ou seja, o sujeito que

praticar um dos critérios materiais desse imposto.

No que tange à base de cálculo e à alíquota do IVA, necessários para a definição do

quantum a pagar, o art. 10 da Lei nº 20.631, modificada pela Lei nº 25.239/99, estabelece que

a base imponível é o preço líquido dos produtos e serviços, grafados na fatura ou documento

equivalente, sendo que esse preço inclui os reajustes, juros e encargos financeiros de compras

a prazo e, especificamente no caso da importação, o imposto de importação é parte da base de

cálculo do IVA. A alíquota prevista pela Lei nº 25.239/99 é de 21%, sendo que para as vendas

de gás, energia elétrica, água regulada por medidor, serviços de fornecimento de gás, de

energia elétrica, de água e serviço de telecomunicações, a alíquota aplicada é de 27%,

conforme o definido no art. 2º dessa lei.

Para se evitar a cumulatividade e não permitir a cobrança de imposto em cascata, a

legislação argentina adotou para o IVA o critério da subtração, de modo que o gravame vai

resultar da diferença entre as vendas e as compras. Mais especificamente, o método consiste

em deduções de créditos e débitos, subtrai-se o imposto pago em operações anteriores do

quantum a ser pago em decorrência da circulação de mercadorias, importação, locação ou

prestação de serviço. Sobre os créditos que podem ser deduzidos do valor a ser pago a título

de IVA, Altamirano (1999, p. 91) elucida que esses compreendem:

Os impostos que, no período fiscal que se finda, foram pagos por compra ou importação definitiva de bens, locações ou prestações de serviços – incluindo o proveniente daqueles invertidos em bens de uso – e até o limite do montante que deva aplicar sobre os valores totais líquidos das prestações, compras ou locações ou, em se tratando do caso, sobre o valor total

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imponível das importações definitivas, a alíquota as quais essas operações foram sujeitas na oportunidade do pagamento dos impostos incidentes sobre as mesmas60.

O IVA argentino, dada a amplitude de seu critério material, consiste no imposto de

maior impacto na arrecadação tributária da Argentina, isso só faz a relevância de seu estudo

aumentar. Por ser um imposto indireto e que, portanto, afeta o preço final das mercadorias, é

alvo de constante preocupação por parte da Administração Fiscal argentina. No próximo

tópico abordar-se-á o IVA paraguaio, de modo a vislumbrar os pontos em comum e as

discrepâncias entre os sistemas tributários.

4.2.2 Imposto sobre o Valor Agregado no Paraguai

O Paraguai, diferentemente do Brasil e da Argentina, é um Estado unitário, ainda que

descentralizado, conforme conceituação de Azambuja (1996, p. 131). Isso significa que apesar

do Estado paraguaio ser estruturado em departamentos, municípios e distritos, os quais

possuem autonomia constitucional e legal em termos político, administrativo e legislativo no

que se relaciona à gerência de seus interesses internos, a autonomia das repartições é limitada,

não existe a independência que os entes políticos de uma Federação possuem.

A Constituição Paraguaia de 1992 também é sucinta no que se refere à regulamentação

do sistema tributário desse país. Apenas os arts. 178, 179, 180 e 181, inseridos na Seção II –

“Da Organização Financeira”61, presente no Capítulo IV – “Da Política Econômica do

Estado” 62, que abordam questões tributárias, tais como, a necessidade de instituição de

tributos para fomentar os recursos do Estado, a criação de tributos, dupla imposição e

igualdade, o que é possível vislumbrar a seguir:

ARTIGO 178 - DOS RECURSOS DO ESTADO

Para o cumprimento de seus fins, o Estado estabelece impostos, taxas, contribuições e demais recursos; explora por si, ou por meio de

60 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 61 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 62 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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concessionários os bens de seu domínio privado, sobre os quais determina regalias, "royalties", compensações ou outros direitos, em condições justas e convenientes para os interesses nacionais; organiza a exploração dos serviços públicos e reconhece o cânone dos direitos que se estatuem; contrai empréstimos internos ou internacionais destinados aos programas nacionais de desenvolvimento; regula o sistema financeiro do país, e organiza, fixa e compõe o sistema monetário.

ARTIGO 179 - DA CRIAÇÃO DE TRIBUTOS

Todo tributo, qualquer que seja sua natureza ou denominação, será estabelecido exclusivamente pela lei, respondendo a princípios econômicos e sociais justos, assim como a políticas favoráveis ao desenvolvimento nacional.

É também privativo da lei determinar a matéria imponível, os sujeitos obrigados e o caráter do sistema tributário.

ARTIGO 180 - DA DUPLA IMPOSIÇÃO

Não poderá ser objeto de dupla imposição o mesmo fato gerador da obrigação tributária. Nas relações internacionais, o Estado poderá celebrar convênios que evitem a dupla imposição, sobre a base da reciprocidade.

ARTIGO 181 - DA IGUALDADE DO TRIBUTO

A igualdade é a base do tributo. Nenhum imposto terá caráter confiscatório. Sua criação e sua vigência atenderão à capacidade contributiva dos habitantes e às condições gerais da economia do país63.

Além dos artigos acima elencados, a Constituição Paraguaia prevê o Princípio da

estrita legalidade tributária, no seu art. 44, o qual dispõe que “ninguém estará obrigado ao

pagamento de tributos nem à prestação de serviços pessoais que não foram estabelecidos por

lei. Não se exigirão fianças excessivas nem se imporão multas desmedidas64”.

Observa-se, então, que a Carta Magna do Paraguai não fixa as competências tributárias

nem estabelece o modo como deve se dar a distribuição das receitas obtidas por via da

tributação, mas apenas evidencia alguns princípios relevantes para a garantia de segurança

jurídica dos contribuintes em relação ao poder tributário estatal, como exemplo, o princípio da

estrita legalidade tributária (art. 44 e 179), a proibição da dupla tributação (art. 180), o

princípio da igualdade tributária, o do não confisco e o da capacidade contributiva (art. 181).

Em suma, a Constituição Paraguaia delegou ao legislador ordinário a função de criar

63 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 64 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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competência tributária e dividir a receita obtida da imposição de tributos, de modo análogo ao

ocorrido com a Constituição Argentina.

Como já abordado no capítulo anterior, a Constituição do Paraguai assegura a criação

de uma ordem jurídica supranacional que possibilite a cooperação e o desenvolvimento

político, econômico e social do Estado paraguaio, em relação de igualdade com os demais

Estados-membros dessa ordem supranacional. Soma-se a essa predisposição do Paraguai e à

construção de um espaço integracionista o fato de que esse país “possui um sistema tributário

muito simplificado, o que facilita o processo de integração” (GOMES, 2006, p. 138).

Em suma, o Paraguai tem previsão expressa na Constituição favorável a uma ordem

jurídica supranacional, é um Estado unitário, relega ao legislador ordinário a construção de

seu sistema tributário e, portanto, tal sistema pode ser considerado simples e flexível. Todos

esses fatores permitem a reflexão de que, quando comparado com o Brasil, como será visto

em momento oportuno, o Direito paraguaio é mais favorável à movimentos integracionistas

do que aquele brasileiro.

Em específico quanto ao Imposto sobre o Valor Agregado do Paraguai, esse foi criado

pela Lei nº 125/91, tendo previsão legal nos arts. 77 a 98 dessa lei, e no Decreto nº 13.424/92.

Conforme os arts. 77 e 78 da Lei nº 125/91 o critério material do IVA paraguaio pode ser

desmembrado em três, quais sejam: a) alienar bens, que inclui toda operação, onerosa ou

gratuita, que tenha como objeto a entrega de bens, transferindo os direitos de propriedade ou

permitindo que aquele que os receba tenha a faculdade de deles dispor como se proprietário

fosse; b) prestar serviços, com exceção daqueles que se prestem em caráter pessoal e em

relação de dependência, sendo que se entende por serviço a prestação, onerosa ou gratuita,

que proporcione à outra parte uma vantagem ou provento; c) importar bens, que consiste na

entrada definitiva de bens no território paraguaio.

O conceito de “alienar bens” deve ser interpretado de forma ampla, significando a

transferência a título oneroso do direito de domínio sobre o bem, ainda que não transfira

definitivamente o direito de propriedade, assim como, a transferência a título gratuito, com o

escopo de se evitar fraudes e simulações de negócios jurídicos. Conforme o art. 78, inc. 1,

alíneas a, b, c, d e e da Lei nº 125/91 constitui alienação por equiparação o uso ou o consumo

pessoal dos bens da empresa por parte do dono, sócio, diretores e empregados; as locações

com opção de compra ou que de alguma forma prevejam a transferência do bem objeto da

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locação; as transferências de empresa como as cessões cotas-partes de sociedades com ou sem

personalidade jurídica, se não for comunicadas à Administração Tributária; adjudicações aos

donos, sócios e acionista que se realizarem por meio de cláusulas, dissoluções totais ou

parciais e liquidações definitivas; os contratos de promessa de compra e venda com

transferência da posse; e os bens entregues em consignação.

Já a prestação de serviços, sobre a qual também incide o IVA paraguaio, possui um rol

exemplificativo no art. 78, inc. 2, da Lei nº 125/91, o qual elenca: os empréstimos e

financiamentos; os serviços de obra com ou sem entrega de materiais; os seguros e

resseguros; os serviços intermediários de modo geral; a cessão de uso de bens; o exercício de

profissões, artes ou ofícios; o transporte de bens e pessoas; a utilização pessoal dos serviços

prestados pela empresa por parte do empresário, sócios e diretores.

Quanto à importação de bens, é importante frisar que essa tem que ter caráter

definitivo, ou seja, para a incidência do IVA é preciso que os bens não estejam apenas em

trânsito, mas que entrem definitivamente no país, seja para uso do importador ou de um

terceiro. O IVA importação vai incidir tanto sobre produtos como sobre serviços, sendo que

nesse último caso, mantém-se a exceção existente para a prestação de serviços nacional: não

há incidência sobre serviços prestados em relação de dependência, entendida como aquela em

que prepondere o fator trabalho (art. 12 do Decreto nº 13.424/92).

Nota-se que o critério material do IVA paraguaio é mais amplo do que aquele

argentino, pois incide tanto sobre a prestação de serviços e a alienação de bens a título

oneroso como aquelas a título gratuito. O IVA paraguaio não incide sobre a exportação,

ademais, o art. 83 da Lei nº 125/91 prevê a não incidência do IVA sobre produtos

agropecuários em estado natural; moedas estrangeiras, títulos e valores públicos e privados,

incluindo ações; bens imóveis, bilhetes, boletos e outros documentos referentes a jogos e

apostas; combustíveis derivados de petróleo; bens hereditários, e cessões de créditos.

Os serviços que são excluídos do rol de incidência são as operações com valores

públicos e privados; arrendamento de imóveis, intermediação financeira; empréstimos e

depósitos para entidades financeiras; empréstimos concedidos por cooperativas de poupança e

crédito a seus associados, pelo sistema agrícola; pelo sistema de poupança e empréstimo para

habitação, pelo Banco Nacional de Fomento e Fundo Agropecuário.

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No que se refere às importações, existem isenções nos seguintes casos: do petróleo

cru; dos bens cuja alienação não tem incidência do IVA; das bagagem de viajantes, conforme

o código aduaneiro; dos bens de membros do corpo diplomático, consular e de organismos

internacionais; e dos bens móveis que possuem aplicação direta no ciclo produtivo industrial e

agropecuário. Todos esses bens são excluídos do campo de incidência do IVA. Ao analisar

o rol de situações cuja incidência do IVA é afastada, percebe-se que o Paraguai assume uma

política de incentivo à produção agropecuária, uma vez que desonera as operações

relacionadas.

O IVA Paraguaio também segue o sistema impositivo no destino, de modo que o

critério espacial é o local onde ocorre a finalização de serviço prestado, a entrega do bem,

emissão da fatura ou ato que lhe equivalha, ou o local (estabelecimento aduaneiro) da entrada

do bem no território paraguaio. Nesse diapasão, o critério temporal vai ser o momento de

finalização do serviço, da entrega do bem e emissão da fatura, ou o momento da

internalização do bem.

O sujeito ativo do IVA paraguaio é a união, uma vez que é esse o sujeito tributante.

Ressalva-se que o Paraguai é um país unitário, que não adotou o modelo federativo de Estado,

como feito pelo Brasil e pela Argentina. O sujeito passivo é aquela pessoa jurídica ou física

que praticar um dos verbos da hipótese de incidência, ou seja, é quem prestar serviços,

realizar operações comerciais ou industriais, alienar bens, ou internalizar produtos

definitivamente no território paraguaio.

A base de cálculo do IVA Paraguaio é o preço líquido do produto ou do serviço,

conforme constar da fatura ou do documento equivalente, efetuando as devidas deduções

referentes às bonificações ou descontos apontados na dita fatura. Uma curiosidade

interessante no que concerne ao IVA Paraguaio é que tendo em vista que esse incide sobre

operações gratuitas, a base de cálculo nesse caso será o preço de venda do produto ou da

prestação de serviço no mercado interno. A alíquota desse imposto é de 10% e, para as

importações, é de 20%. A alíquota do IVA Paraguaio é a menor aplicada dentre os países-

membros do Mercosul, em particular a redução realizada para as importações, demonstra que

esse país tem vocação importadora e necessita, para melhor se desenvolver, de aprimorar seu

polo industrial.

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A não-cumulatividade, segundo o art. 86 da Lei nº 125/91, é alcançada por meio do

sistema de créditos e débitos, sendo que o imposto será pago mensalmente, efetuando a

subtração do valor a ser pago na etapa atual, as quantias pagas a título de IVA nas operações

anteriores. Vai fazer parte do conjunto que pode ser creditado do valor a ser pago a título de

IVA os seguintes valores (BLANCO, 1999, p. 136):

a) O imposto incluído nas compras em forma indiscriminada, b) O imposto incluído no preço total das compras no varejo e no atacado (IVA consistirá de uma proporção de 9,09% dentro do preço), c) O imposto incluído separadamente nos comprovantes de compras, correspondentes a ajustes por erros ou outra causa justificada, d) O imposto pago nas importações de bens, e) O imposto cobrado por aquelas operações que resultem incobráveis65.

No que se refere ao tratamento dos ativos fixos, Blanco (1999, p. 137) leciona que é

possível a compensação na venda do bem, se na sua compra houve incidência do IVA, sendo

que a única exceção consiste na compra de automóveis, aos quais é defeso compensar no

sistema de créditos e débitos.

Nas exportações, os exportadores poderão recuperar o crédito fiscal dos bens e

serviços direta ou indiretamente relacionados às operações fiscais que realizem. Conforme

preceitua Blanco (1999, p. 136) “as exportações estão exoneradas do tributo, o que

compreende aos bens e serviços de frete internacional para o transporte dos mesmos ao

exterior do país. 66”.

O IVA paraguaio é extremamente amplo e abarca qualquer alienação de bem móvel ou

serviço, salvo os casos de isenção legalmente previstos. Apesar de ter maior amplitude do que

o IVA argentino, sua estrutura, seu sistema de compensação de crédito e débito e o método de

imposição tributária (no destino) guardam mais semelhanças do que discrepâncias em relação

ao IVA existente na Argentina, o que permite arriscar que não haveria grandes dificuldades na

harmonização tributária dos sistemas desses dois países com o escopo de fomentar a livre

circulação de mercadorias no âmbito do Mercosul. No próximo tópico o estudo vai recair

sobre o IVA uruguaio.

65 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 66 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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136

4.2.3 Imposto sobre o Valor Agregado no Uruguai

O Uruguai, exatamente como a Argentina e o Paraguai, não trouxe em sua

Constituição capítulo que tratasse especificamente de seu sistema tributário. Atem-se apenas a

alguns princípios tributários e normas sobre competência impositiva. Ademais, o Uruguai é

um país unitário como o Paraguai, portanto as divisões desse Estado, denominadas de

Departamentos, não possuem plena autonomia legislativa, assumindo somente algumas

competências administrativas, como forma de facilitar a gerência do Estado. Sendo assim,

ainda quando tais Departamentos têm alguns poderes no que tange à tributação, eles não

podem ser considerados entes federados.

O art. 8º da Constituição Uruguaia prevê expressamente o princípio da igualdade, que

deve ser aplicado em todas as áreas do Direito, inclusive na tributária. Ainda no art. 5º dessa

Carta Magna há a preocupação de estabelecer a imunidade sobre os cultos religiosos. O art.

298, por sua vez, aborda o princípio da estrita legalidade e o da extrafiscalidade. O caput e

inc. 1 desse artigo traz o princípio da estrita legalidade ao prever que o Poder Executivo

poderá, pela maioria absoluta dos votos do total dos componentes da Câmara, estender a

esfera de aplicação dos tributos departamentais e ampliar as fontes sobre os quais esses

recairão. Ou seja, apenas mediante lei tais ampliações poderão ocorrer.

Já os inc. 2 e 3 do art. 298 preveem situações em que os tributos serão utilizados com

função extrafiscal, pois tais dispositivos permitem a utilização de tributos como meio de se

intervir no domínio econômico e social, ao prever a possibilidade de destinar porcentagens

dos tributos nacionais para políticas de descentralização e de desenvolvimento do interior do

Uruguai e de exonerar do pagamento de tributos, por um determinado período, empresas que

decidirem se instalar no interior do país.

Importante destacar o art. 87 da Constituição uruguaia que determina que, para

sancionar impostos, é necessário a maioria absoluta do total dos componentes da Câmara.

Esse dispositivo é relevante, pois, ao se ter em vista que a Constituição não fixou

competências impositivas, relegando essa função para o legislador ordinário, ao menos o

constituinte demonstrou preocupação em definir um quórum qualificado para criação de

impostos, aumentando os obstáculos para a instituição desses.

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Os arts. 273 a 275 definem as competências dos Departamentos no que se refere à

criação de impostos. Como supramencionado, tais competências são limitadas, até porque,

conforme o art. 300 da Carta Maior Uruguaia, o Poder Executivo pode contestar perante a

Câmara dos Representantes a criação ou modificação de impostos departamentais. Relevante

ainda mencionar que o art. 297 desse Diploma Magno define quais são as fontes de recursos

financeiros que os Departamentos possuem. É nítido pelo elencado nesse dispositivo que os

impostos indiretos sobre o consumo não assumem papel preponderante no que concerne a

esses recursos departamentais.

O Imposto sobre o Valor Agregado uruguaio foi criado pela Lei nº 14.100/72, que

derrogou diversos impostos específicos e gerais sobre vendas. Essa lei resulta de uma reforma

tributária levada a cabo pelo Uruguai, a qual focou a tributação desse país sobre os tributos

indiretos, com o escopo de se adequar à realidade mundial, aos processos da globalização e

aos preceitos comerciais da ALALC, que na época ditava os aspectos do processo

integracionista latino-americano e, mais especificamente, aquele do cone sul (MEIRELLES,

2000, p. 79). A Lei nº 14.100/1972 sofreu diversas modificações ao longo dos anos e, hoje, o

IVA uruguaio é regulamentado nos arts. 1º a 86, do Código Tributário Uruguaio de 1996.

O IVA uruguaio, conforme o art. 1º do Código Tributário desse país vai incidir sobre a

circulação interna de bens, sobre a prestação de serviços o território uruguaio e sobre a

importação de bens. Desse modo, a esfera de incidência do IVA do Uruguai guarda grande

semelhança com aqueles da Argentina e do Paraguai. O art. 2º desse Código traz os conceitos:

a) de circulação de bens que é toda operação onerosa que tenha por objeto a entrega de bem

com a transferência de propriedade ou que aquele que receba a coisa possa dispor dessa como

se proprietário fosse; b) de serviço que é toda prestação a título oneroso que, sem constituir

alienação, vai proporcionar à outra parte uma vantagem ou proveito; c) e de importação que

consiste na introdução definitiva do bem no território uruguaio.

Importante salientar que o conceito de bem para fins de tributação do IVA assume

conotação ampla na legislação uruguaia, pois abarca tanto os bens corpóreos como os

incorpóreos. Conforme dispõe o art. 2º, A, do Título 10 do Código Tributário uruguaio, é

possível citar como exemplo de circulação interna de bens, as seguintes operações: a compra e

venda, as permutas, as cessões de bens, as expropriações, os arrendamentos de obra com

entrega de materiais, os contratos de promessa de compra e venda com transferência da posse

e as entregas a título oneroso.

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Um rol exemplificativo de serviços também se encontra no art. 2º, A, TO do Título 10

de 1991, o qual lista as operações a seguir: o arrendamento de coisas, de serviços e de obras

sem entrega material ; as concessões de uso de bens imateriais, como marcas e patentes; os

seguros e resseguros, os transportes, os empréstimos e financiamentos, as fianças e garantias;

a atividade de intermediação com a que realizam os comissionistas, os agentes auxiliares do

comércio; os Bancos e os mandatários em geral.

O IVA do Uruguai segue o sistema impositivo do destino, portanto, o critério espacial

do Imposto sobre o Valor Agregado uruguaio coincide com o lugar onde ocorreu a entrega do

bem, a prestação do serviço e a internalização do produto. No que tange ao critério temporal,

presume-se que o fato imponível tenha acontecido na data presente na fatura ou em

documento equivalente.

O sujeito ativo, uma vez que o Uruguai é um Estado unitário, é a união, não existindo

qualquer repasse de competência tributária, como já analisado. A respeito da vantagem do

IVA uruguaio ser de competência nacional, Valdes (1999, p. 124) a atribui ao fato do Uruguai

ser um Estado unitário e realiza uma comparação com sistema brasileiro e argentino, como é

possível vislumbrar a seguir:

Ao ser um imposto de caráter nacional e não ter os Governos Departamentais competências tributárias para estabelecer esse tipo de imposição, não se dão em nosso país os problemas que se levantaram em outros países tais como o Brasil e a Argentina, referentes à circulação de bens e serviços no território nacional67.

Os sujeitos passivos, segundo o art. 6º do Código Tributário, vão ser: a) quem realizar

os atos gravados no exercício das atividades englobadas pelo Imposto de Renda da Indústria e

do Comércio; b) quem receber retribuições por serviços pessoais não abarcados pela letra

anterior; c) aqueles entes autônomos e serviços descentralizados; d) os que introduzam bens

gravados no país; e) as Administrações municipais, quando realizar atividades de natureza

privada; f) as associações ou fundações, quando realizar as atividades elencadas pelo art. 5º do

Código Tributário; g) os contribuintes do Imposto de Rendas Agropecuárias; h) e as

cooperativas de crédito e desenvolvimento.

67 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Observa-se nesse artigo supracitado que o legislador preocupou-se em incluir dentre

os sujeitos passivos, todos aqueles que realizaram os atos previstos no critério material da

hipótese de incidência do IVA, excluindo desses apenas os pequenos comerciantes e

industriais.

A base de cálculo do IVA Uruguaio, segundo o art. 7º do Código Tributário, consiste

no valor total líquido contratado ou faturado, no caso da circulação de bens e da prestação de

serviços; e se trata do valor aduaneiro do produto somado às custas, na hipótese de

importação. A alíquota base, por sua vez é de 23%, sendo que o art. 18 desse Diploma

estabelece uma alíquota reduzida de 14% para os seguintes produtos: a) alimentos de

consumo doméstico especificados, como pão, carne, açúcar, sal, arroz, massas, pescado, café,

chá, presunto, farinha de cereais, azeite, etc.; b) medicamentos, especialidades farmacêuticas e

matérias-primas de fabricação desses produtos; c) serviços de hotelaria relacionados com

hospedagem.

Quanto à tutela da não-cumulatividade no IVA uruguaio não existe novidades em

comparação ao da Argentina e ao do Paraguai. Aqui também se aplica o sistema de créditos e

débitos para se evitar o efeito em cascata. Uma característica peculiar ao IVA do Uruguai é

que aproximadamente 30% do arrecadado com esse imposto tem sua destinação vinculada à

Seguridade Social. Isso denota a relevância orçamentária que a previdência social assume o

contexto uruguaio.

As Exportações são excluídas da hipótese de incidência do IVA uruguaio, de modo

que os bens e serviços cheguem ao país de destino sem carga tributária. Além disso, existe a

possibilidade de realizar a compensação dos créditos referentes aos impostos pagos pelos bens

e serviços que direta ou indiretamente integrem a base de cálculo do produto exportado

(VALDES, 1999, p. 118). Esse autor (1999, p. 124) reflete que:

Implantado originariamente no ano de 1967 e reestruturado em 1972, tem-se uma grande experiência que permitiu superar os problemas de aplicação do tributo e ao mesmo tempo concentrar nesse imposto a imposição ao consumo, sem prejuízo da coexistência com outros tributos de análoga natureza porém de muito menor relevância68.

68 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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De fato, O IVA uruguaio, salvo alguns casos de isenções, possui uma base imponível

ampla que abarcar todas as hipóteses de circulação de bens, prestações de serviços e

importações. Passa-se à análise do Imposto sobre o Valor Agregado existente na Venezuela.

4.2.4 Imposto sobre o Valor Agregado na Venezuela

O dever de contribuir por meio de pagamento de tributos ao Estado está previsto no

art. 133 da Constituição da Venezuela, o qual dispõe que “toda pessoa tem o dever de

contribuir para as despesas públicas mediante o pagamento de impostos, taxas e contribuições

que a lei estabeleça69”. Além disso, o art. 316 da Carta Magna da Venezuela consagra

expressamente os princípios da capacidade contributiva e da progressividade ao estabelecer

que “o sistema tributário procurará a justa distribuição dos encargos públicos, segundo a

capacidade econômica do contribuinte, atendendo ao princípio da progressividade70”; e o art.

317 desse Diploma Constitucional afirma os princípios da legalidade e do não-confisco ao

dispor que “não poderá cobrar impostos, taxas, nem contribuições que não estiverem

estabelecidos em lei [...]. Nenhum tributo pode ter efeito confiscatório” 71.

O Imposto sobre o Valor Agregado da Venezuela – IVA venezuelano - tem como

antecedente histórico o Imposto sobre as Vendas, que foi criado por lei em 30 de setembro de

1994, outorgada pelo então Presidente Ramón J. Velásquez, mas que esteve em vigor apenas

até a data de 1º de janeiro de 1994. Posteriormente, reinseriu-se esse tributo no ordenamento

venezuelano, contudo, modificando seu nome para Imposto sobre o Consumo Suntuoso e a

Venda por Atacado, aplicando uma alíquota de 12,5% com um adicional de 10% sobre

licores, cigarros, joias de ouro, e de 20% para outros artigos de luxo sobre o valor do produto

agregado (VARGAS et. al., 2006, p. 31).

A lei que inseriu o Imposto sobre o Valor Agregado no ordenamento jurídico

venezuelano foi a Lei nº. 38.424/2006, a qual, juntamente com as suas posteriores alterações

69 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 70 Tradução livre a partir do original em língua espanhola. 71 Tradução livre a partir do original em língua espanhola.

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Lei nº 38.435/2006, Lei nº 38.625/2007, Lei nº 38.632/2007 e Lei nº 39.147/2009 formam a

principal base legal do IVA venezuelano. A Venezuela é uma Federação, como comentado

anteriormente, que optou por destinar a competência tributária de instituir, controlar, fiscalizar

e arrecadar o IVA da Venezuela ao Poder Central, portanto, trata-se de um imposto nacional,

conforme o art. 2º da Lei nº 38.435/2006.

No que concerne às características primordiais do IVA venezuelano, essas

essencialmente não se diferem do IVA dos demais Estados-membros do Mercosul, até o

presente momento analisados. Podem ser citadas como características desse imposto o fato de

ser indireto, uma vez que grava o consumo e quem suporta seu ônus é o consumidor final; de

ser um imposto real, por serem irrelevantes as características subjetivas do contribuinte;

consiste em um tributo sobre a circulação de riquezas; não é cumulativo; e não incorre em

dupla tributação (VARGAS, et. al., 2006, p. 31).

O Imposto sobre o Valor Agregado venezuelano tem base ampla, uma vez que abarca

as alienações de bens móveis, as prestações de serviços e a importação de bens, segundo se

depreende do art. 1º desse dispositivo legal. Assim, o critério material desse imposto, ou seja,

os fatos sobre os quais incide o IVA venezuelano, as atividades, negócios e operações

jurídicas que tenham como objeto a venda de bens móveis corpóreos; a importação definitiva

de bens móveis; a prestação a título oneroso de serviços, independentemente se executados ou

aproveitados dentro do país, inclusive aqueles que provenham do exterior (art. 3º, da Lei nº.

38.435/2006). O IVA da Venezuela, do mesmo modo que o IVA dos outros países

mercosulinos e da tributação indireta brasileira, não incide sobre a exportação, tanto de

serviços, quanto de bens móveis corpóreos, uma vez que o art. 27, da Lei nº. 38.435/2006

prevê alíquota de 0% para as exportações.

O critério espacial do IVA venezuelano consiste em todo o território nacional. O

critério temporal, conforme o art. 14, da Lei nº 38.435/2006, no caso das vendas de bens

móveis corpóreos será a data da emissão da fatura ou documento equivalente, no qual conste a

natureza da operação e preço pago pelo bem e no caso de importação definitiva de bem

móvel, o momento corresponderá com o do registro da declaração aduaneira.

Já no caso das prestações de serviço existem várias hipóteses, tais como: a) no caso da

prestação de serviços de eletricidade, telecomunicações, limpeza urbana e transmissão de

televisão a cabo ou outro meio tecnológico, o critério temporal coincide com o momento da

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emissão da fatura ou documento que lhe equivalha por quem preste o serviço; b) em se

tratando de serviços de trato sucessivo, o momento pode ser o da emissão da fatura como

também o do pagamento total ou parcial pelo serviço; c) na hipótese de serviços prestados a

entes públicos, quando se autorizar a emissão da ordem de pagamento correspondente; d)

quando consistir em prestações de serviço provenientes do exterior que tenham natureza

tecnológica ou quaisquer outras suscetíveis de patente ou tutela de lei especial, vai se

considerar nascida a obrigação tributária quando o beneficiário receber o serviço; e) e em

todos os demais casos, quando se emita a fatura ou documento equivalente, sendo que na

ausência desses documentos, pode ser considerado como critério temporal o momento do

pagamento, ou quando esse se tornar exigível, ou, ainda, quando se entregue ou ponha a

disposição do adquirente o bem objeto do serviço, conforme o que ocorrer primeiro.

Quanto ao critério pessoal desse tributo, o sujeito ativo é o Poder Central, uma vez que

esse é competente para instituir, fiscalizar e arrecadar o IVA venezuelano; e o sujeito passivo

é toda pessoa natural ou jurídica que realize atividades, negócios jurídicos e operações

englobadas pelo critério material desse imposto, quais sejam: o prestador habitual de serviços,

o industrial e comerciante, os importadores habituais de bens, os armazéns gerais de depósito

pela prestação de serviço de armazenagem, as empresas públicas, as de arrendamento

financeiros e os bancos serão contribuintes por serem prestadores de serviços e por realizar

operações de arrendamento financeiro e leasing; e os institutos autônomos e outros sujeitos

desconcentrados dos estados e municípios.

O critério quantitativo do IVA venezuelano tem como base de cálculo o valor da

operação jurídica realizada na venda e importação de bens e na prestação de serviços. Já

alíquota desse imposto, conforme o art. 27 da Lei nº. 38.435/2006, será fixada na Lei de

Orçamento Anual e estará compreendida entre 8% e 16,5% da base de cálculo. Ainda segundo

esse artigo, na hipótese de artigos de luxo, previstos no Título VII, dessa lei, será aplicado um

adicional de 10% sobre tais produtos.

Em suma, ressalvadas algumas poucas diferenças, nos quatro Estados ora estudados –

Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela - o IVA tem a hipótese de incidência ampla que

abarca as transações de bens móveis, a prestação de serviços e a importação de bens móveis.

Além disso, em todos esses países, consistem em impostos nacional/federal, portanto o sujeito

ativo é sempre a união/Federação, de modo que a tributação pelo IVA é centralizada; e o

sistema de imposição tributária segue o princípio do destino. E, especificamente quanto à

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técnica para se evitar a cumulatividade de tais tributos, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a

Venezuela utilizam o sistema de créditos e débitos, no qual se deduz do imposto incidente na

etapa atual o pago a título de imposto na etapa anterior, de modo a evitar o efeito cascata, ou

seja, a cobrança de imposto sobre imposto.

Verifica-se que os Impostos sobre o Valor Agregado nesses Estados não oferecem

grandes dificuldades para a promoção de uma harmonização tributária no que tange a

imposição sobre bens de consumo, mais especificamente os produtos, de modo que no âmbito

do Mercosul, quando analisados os sistemas tributários desses países, excluindo aquele

brasileiro, não existem grandes dificuldades para a efetiva liberdade de circulação de

mercadorias dentro do território mercosulino. No próximo capítulo será estudado o sistema

tributário brasileiro que, como será observado, muito se difere dos demais países-membros do

Mercosul e que consiste no verdadeiro obstáculo para a integração no cone sul.

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CAPÍTULO 5

IMPOSTOS SOBRE A VENDA E CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS NO BRASIL

5.1 Tributação sobre bens de consumo no Brasil

No Brasil, não existe um Imposto sobre o Valor Agregado único que abarque todas as

operações de industrialização, circulação e transações comerciais de bens e serviços. O

peculiar sistema tributário brasileiro opta por uma tributação descentralizada sobre os bens de

consumo, de modo que existem tributos indiretos que são de competência de cada um dos

entes federados - união, estados, municípios e distrito federal. Os maiores tributos indiretos do

país são o ICMS de competência dos estados e do DF, o ISSQN de competência dos

municípios, o IPI e as contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS, esses de competência da

união. Conforme divisão de Torres (2007, p. 20) o ICMS, IPI e ISSQN pertencem ao grupo

dos impostos sobre a produção e a circulação de riquezas, enquanto que PIS/PASEP e

COFINS fazem parte das contribuições sociais sobre o faturamento.

Este trabalho resumirá sua análise sobre o ICMS incidente sobre mercadorias e sobre o

IPI, por duas razões primordiais: Primeiramente porque a presente pesquisa foca em

específico os tributos que influenciam a livre circulação de mercadorias, de modo que não há

relevância a abordagem do ISSQN, o qual consiste em um imposto cujo critério material

abarca uma lista de serviços. Em segundo lugar, a exclusão das supracitadas contribuições

sociais do foco de análise se dá porque não utilizam as técnicas concernentes à tributação

sobre o valor adicionado, de modo que se torna impossível traçar um paralelo teórico entre

tais tributos e os IVAs existentes nos demais países mercosulinos.

Ao tratar sobre tais contribuições sociais, Torres (2007, p. 24) reflete que “a partir da

década de 1970 criaram-se algumas contribuições sociais exóticas, genuinamente brasileiras,

que não encontram paralelo de monta no direito tributário das nações cultas e incultas”. Uma

vez que se objetiva a realização de um estudo de direito comparado entre os sistemas

tributários dos Estados do Mercosul, quaisquer menções a ditas contribuições no decorrer do

texto terão o mero escopo de salientar o prejuízo que trazem à harmonização tributária nesse

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bloco regional, tendo em vista que não existem figuras equivalentes nos demais países desse

bloco. Também corroborando esse corte metodológico pode se citar o posicionamento de

Belluzo et. al. (2005, p. 725) que expõe o seguinte:

Entre esses tributos, apenas o ICMS e IPI seguem a técnica da tributação sobre o valor adicionado. Mesmo assim, a técnica tributária está eivada de distorções (como seguir o regime físico, no qual só as compras de insumos são aproveitadas, e não o financeiro, no qual qualquer compra gera crédito), com alíquota demasiadamente elevadas.

Os tributos brasileiros que buscam adequar-se às características do Imposto sobre o

Valor Agregado resultam de uma tentativa de transposição dos sistemas existentes na França e

nos demais países europeus – geralmente Estados Unitários – para a realidade brasileira que

consiste em uma Federação. Tal fato resultou em diversos problemas até hoje sem solução,

cuja raiz se encontra em um principal aspecto, qual seja: os países europeus, ainda que de

estrutura federativa, tendem a delegar ao Poder Central a competência sobre o IVA, enquanto

que o Brasil, em contraposição, possui uma tradição de destinar a competência sobre a

tributação do comércio aos estados federados (COÊLHO, 2007, p. 554).

Faz-se mister salientar que nada obsta que Estados Federativos possuam Impostos

sobre o Valor Agregado, a Argentina e a Alemanha são exemplos disso. Especificamente a

solução apresentada pela Alemanha parece bastante vantajosa no que se refere à garantia de

equilíbrio entre os entes federativos, como se observa a seguir pelo exposto por Torres (2007,

p. 28):

[...] A Constituição de Bonn possui diversas normas sobre o imposto de venda: pertence à competência comum do Bund e dos Länder; incumbem ao Bund a legislação e aos Länder a arrecadação; o produto da arrecadação é repartido entre eles por lei federal, que deverá levar em conta as necessidades de seus gastos segundo um planejamento financeiro plurianual, sendo que o critério da partilha deve ser modificado sempre que se alterar a proporção entre as receitas e as despesas [...].

Acontece que no Brasil o comércio de mercadorias, desde 1934, é tributado pelos

estados federados – primeiramente pelo IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações dos

Estados) e a partir da Emenda nº 18/1965 pelo ICM (Imposto sobre a Circulação de

Mercadorias). Enquanto que à união restou a tributação sobre a produção de mercadorias

industrializadas – que antes da supracitada Emenda era tributada pelo Imposto sobre o

Consumo e após a mesma pelo IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Essas

características dificultaram a transposição do IVA existente nos países europeus, resultando

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nesse meio-termo verificado até os dias de hoje, em que há um desmembramento do IVA em

diversas figuras tributárias, cujas competências são repartidas entre os entes federativos

(COÊLHO, 2007, p. 554).

Não obstante toda a problemática decorrente da tributação indireta no Brasil, esse

grupo de tributos é o que mais ganha relevância no país em termos de arrecadação. Estima-se

que cerca de metade da receita obtida por meio de tributação decorre da incidência de tributos

sobre bens de consumo, serviços e transações financeiras. Nesse diapasão, Belluzo et. al.

(2005, p. 735) reflete que:

O sistema tributário brasileiro utiliza-se significadamente de tributos indiretos, que incidem sobre a produção e a venda de bens e serviços. Essas fontes respondem por cerca de metade da arrecadação tributária nacional. Além de indiretos, muitos desses tributos têm caráter cumulativo, ou seja, de uma ou outra forma, incidem mais de uma vez sobre um mesmo bem ou serviço. Tal modelo de tributação afeta negativamente as exportações brasileiras.

Ressalta-se que apesar de diferir da maioria dos países, no Brasil existe uma tributação

sobre a venda de bens e serviços e que essa busca respeitar o princípio da não-cumulatividade,

conforme o art. 155, § 2º, I da CF/88, que tem o escopo de evitar a incidência em cascata

especificamente do ICMS, e o art. 153, § 3º, II, da CF/88 que prevê o princípio da não-

cumulatividade para o IPI. Dada a relevância da tributação indireta tanto no que se refere à

arrecadação estatal quanto no que se trata da influência desse tipo de tributo sobre o comércio

interno e externo de um país, faz-se necessário a abordagem mais pormenorizada das

características do ICMS/Mercadoria e do IPI, o que será realizada nos próximos tópicos.

5.2 Aspectos relevantes do ICMS/Mercadorias

O ICMS é a principal fonte de receita dos estados e do distrito federal, sendo “o

imposto que gera a maior arrecadação global dentre todos previstos na Constituição de 1988”

(CAMARGO, 2004, p. 212). Nessa esteira, Belluzo et. al. (2005, p. 732) afirma que o “ICMS

é o principal imposto estadual e o segundo maior imposto em termos de arrecadação no País,

participando com 27,5% dos tributos arrecadados”. Trata-se de um imposto de grande

potencial arrecadatório, que produz efeitos em todo o território brasileiro, contudo de

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competência dos estados federados e do DF. Esse fator emblemático é que norteia toda e

qualquer análise a ser realizada sobre esse imposto.

A evolução histórica do ICMS remonta ao antigo Imposto sobre Vendas Mercantis

(IVM) de competência da união, instituído e regulado pela Lei nº. 4625/1922. Com a

Constituição de 1934 o IVM foi substituído pelo IVC, imposto esse que incidia sobre as

vendas e consignações, que era de competência dos estados federados (VOGAS, 2011, p. 7).

Essa transferência de competência sobre as vendas de mercadorias da união para os estados

federados denota uma tentativa de garantir uma maior autonomia a esses últimos entes.

Ressalta-se que esses dois impostos – IVM e IVC – incidiam de modo cumulativo em

todas as fases da cadeia de circulação de mercadorias. Com o escopo de solucionar esse

problema, a Emenda nº 18/1965 criou o ICM, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias,

cuja principal inovação consistia em técnicas para se evitar a cumulatividade. Apenas com a

Constituição Federal de 1988 que surgiu o ICMS, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias

e Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e de Comunicações. Só pela sua

nomenclatura é possível vislumbrar uma ampliação do critério material de sua hipótese de

incidência, que na realidade pode ser desmembrada em diversas regras matrizes de diferentes

impostos. Ademais, o ICMS além de buscar a não-cumulatividade, também objetivou a

criação de alíquotas seletivas em decorrência da essencialidade do bem ou do serviço.

A respeito das forças políticas que influenciaram a ampliação do antigo ICM, criando-

se o ICMS, Coêlho (2007, p. 557) apresenta importantes elucidações:

[...] Sobre a nossa Constituinte – compromissória aqui e radical acolá – convergiram pressões altíssimas de todas as partes. Dentre os grupos de pressão, há que destacar o dos Estados-membros em matéria tributária, capitaneada pela tecnoburocracia das Secretarias de Fazenda dos Estados. E surge o ICMS, outra vez à revelia das serenas concepções dos juristas nacionais, senhores das experiências europeias e já caldeados pela vivência de 23 anos de existência do ICM. Suas proposições não foram aceitas. Prevaleceu o querer dos estados. A ideia era, à moda dos IVAs Europeus, fazer o ICM englobar o ISS municipal ao menos nas incidências ligadas aos serviços industriais e comerciais. O ISS municipal restou mantido. Em compensação, os três impostos únicos federais sobre (a) energia elétrica, (b) combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e (c) minerais do país passaram a integrar o fato gerador do ICM, ao argumento de que são, tais bens, “mercadorias” que “circulam”. [...] Ocorre que são mercadorias muito especiais, com aspectos específicos que talvez não devessem se submeter à disciplina genérica do ICMS.

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De 1988 a 1996, o ICMS foi regulado pelo Convênio ICMS nº. 66/1988 que foi

criado, com base nas Disposições Constitucionais Transitórias, as quais estabeleciam que na

ausência de lei complementar, os Estados e DF poderiam definir normas regulamentadoras do

ICMS por meio de convênios. Em 1996 foi editada a Lei Kandir, Lei Complementar nº.

87/1996 que fixou as regras para a instituição do ICMS. Dentre as principais contribuições à

regulamentação do ICMS portadas pela Lei Kandir pode-se citar: a) o estabelecimento de

créditos fiscais para a aquisição de bens destinados ao uso, consumo ou ativo permanente; b)

e a previsão da desoneração da exportação de produtos e serviços.

Ocorre que o ICMS, por ser uma figura tributária cuja raiz consiste no Imposto sobre o

Valor Agregado, tem vocação nacional, de modo que sua própria natureza exige que algumas

de suas regras sejam estabelecidas pela união, com a finalidade de uniformizar a tributação

por esse imposto em todo o território brasileiro. Todavia, o fato da união legislar sobre o

ICMS resulta em prejuízo à independência dos estados federados e DF. Nesse sentido, Coêlho

(2007, p. 554-555) defende que:

[...] O ICM, por ser, na genealogia dos IVAs, um imposto nacional que difunde os seus efeitos pelo território inteiro do país, em razão, principalmente, do seu caráter não-cumulativo, viu-se – o imposto deveria ser da União – na contingência de ser retalhado em termos de competência impositiva entre os diversos Estados-membros da Federação, o que antecipou sérias dificuldades no manejo do gravame que deveria ter “perfil nacional” uniforme. A consequência foi o massacre da competência estadual, já que o imposto teve que se submeter a um regramento unitário pela União através de leis complementares e resoluções do Senado. E, para evitar políticas regionais autônomas e objetivos extrafiscais paraninfados pelos estados de per se, foram ideados os convênios de Estados-membros, espécies de convívio forçado em que um só podia fazer o que os demais permitissem ou tolerassem.

O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS, está previsto no art.

155, II da Constituição Federal de 1988, como de competência dos estados e do distrito

federal de instituir imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda

que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Carvalho (2009, p. 726-727)

identifica nesse texto a existência de três regras-matrizes: realizar operações relativas à

circulação de mercadorias; prestar serviços de comunicação; e prestar serviço de transporte

interestadual ou intermunicipal.

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Carrazza (2011, p. 37) reconhece nesse dispositivo constitucional ao menos cinco

tipos de impostos diferentes, uma vez que possuem hipóteses de incidência e bases de cálculo

diferentes, quais sejam:

a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que de algum modo, compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.

Coêlho (2007, p. 557), por sua vez, verifica a existência de seis impostos, pois “o ICM

acrescentou-se dos serviços de (a) transporte e (b) comunicações em geral, ainda que

municipais, antes tributados pela união, tornando-se ICM + 2 serviços = ICMS. A rigor, o

ICMS é um conglomerado de seis impostos [...]”.

Tendo em vista que o presente trabalho aborda a implantação da liberdade de

circulação de mercadorias no âmbito do Mercosul, é necessário realizar um corte

metodológico e focar a análise apenas sobre a primeira regra-matriz apontada por Roque

Antonio Carrazza (2011), Paulo de Barros Carvalho (2009) e Sacha Calmon Navarro Coêlho

(2007), ou seja, o imposto sobre a circulação de mercadorias ou ICMS/Mercadorias, além de

sua variante – ICMS sobre a importação de mercadorias.

O critério material do ICMS/Mercadorias é a operação mercantil que consiste na

circulação de mercadorias, com fins lucrativos. Isso não quer dizer que para a incidência do

imposto é necessária a efetiva obtenção de lucro, mas que seja característica dessa operação

mercantil o objetivo de se lucrar. Por circulação de mercadorias entende-se não a mera

circulação física, mas sim a jurídica, com a transferência de titularidade sobre uma mercadoria

de uma pessoa a outra. Além disso, para que haja circulação de mercadoria, tributável pelo

ICMS exige-se que tenha um negócio jurídico oneroso entre um alienante e um adquirente

(CARRAZZA, 2011, p. 39-40).

Por mercadoria entende-se “a coisa móvel, corpórea e que está no comércio”

(CARVALHO, 2009, p. 730). Ademais, não é suficiente que o objeto seja colocado à venda,

mas que a venda seja praticada com habitualidade por pessoa física ou jurídica, no exercício

de atividades empresariais, conforme preceitua o art. 4º da Lei Complementar 87/1996.

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Assim, a mercadoria vai circular, com respaldo em diversos contratos, em sucessivas etapas

que partem desde o produtor até o consumidor final.

Carvalho (2009, p. 729) resume esses conceitos da seguinte forma:

“Operações”, “circulação” e “mercadorias” são três elementos essenciais para a caracterização da venda de mercadorias. Tenho para mim que o vocábulo “operações”, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios jurídicos hábeis para provocar a circulação de mercadorias. “Circulação”, por sua vez, é a passagem das mercadorias de uma pessoa a outra, sob o manto de um título jurídico, com a consequente mudança de patrimônio. Já o adjunto adnominal “de mercadorias” indica que nem toda a circulação está abrangida no tipo proposto, mas unicamente aquelas que envolvam mercadorias.

Carrazza (2011, p. 40) segue essa linha de conceituação:

[...] O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos consumidores finais.

[...] para que um ato configure uma operação mercantil é mister que: a) seja regido pelo direito comercial; b) tenha sido praticado num contexto de atividades empresariais; c) tenha por finalidade, pelo menos em linha de princípio, o lucro (resultados econômicos positivos); e d) tenha por objeto uma mercadoria.

Dessa definição de operação de circulação de mercadorias, deduz-se quem pode ser o

sujeito passivo da obrigação tributária: a pessoa jurídica ou física que seja produtor, industrial

ou comerciante. Impera ressaltar que no direito tributário os termos “produtor”, “comerciante”

e “industrial” tem um conteúdo mais amplo do que aquele auferido pelo direito civil, isso

porque também englobam aquele comerciante de fato ou irregular, aquele que promova

comércio clandestino ou, ainda, um menor absolutamente incapaz que pratique com

frequência atos comerciais (CARRAZZA, 2011, p. 41).

O sujeito ativo, por outro lado, é o estado federado onde se situa o estabelecimento do

produtor, do comerciante ou do industrial, de forma que o sistema impositivo no Brasil segue

o princípio da origem. Todavia, quando se trata de relações interestaduais existe um sistema

de repartição ou compensação entre ambos os estados federados (DERZI, 1999, p. 24), no

qual a alíquota praticada na circulação interestadual pelo estado de origem é menor do que

aquela aplicada no interior do mesmo, de forma que a diferença entre a alíquota interestadual

e aquela prevista para o estado de destino é recolhida por esse último. Fernandes (2001, p.

101) explica tal sistema da seguinte forma:

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As alíquotas para as operações mercantis que rompem as fronteiras dos Estados (ou do Distrito Federal) possuem uma porcentagem menor, recolhida no local de origem, e a diferença delas com as alíquotas internas de outro membro federativo é recolhida por esse, ou seja, o local de destino. Damos um exemplo bem simples. Um pecuarista gaúcho vende carne para um supermercado em Minas Gerais. A alíquota interestadual hoje é de 12% e as internas, tanto do Rio Grande do Sul como de Minas, são de 17%. Supondo o preço da transação com a carne $ 100, ficará, a título de ICMS, $ 12 no Rio Grande do Sul e $ 5 (17% - 12%) para o Governo de Minas Gerais.

Quanto às importações e exportações o ICMS segue o princípio do destino, pois incide

sobre as importações, mas não incide sobre as exportações. EC nº. 42/2003 concedeu ampla

imunidade do ICMS sobre as exportações, tendo em vista que alterou o texto do art. 155, §2º,

X, a, da CF/88 estabelecendo que não vai haver a incidência desse imposto “sobre operações

que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no

exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas

operações anteriores”. Torres (2007, p. 33) vislumbra quatro fases distintas na evolução

histórica das previsões favoráveis a não-incidência do ICMS nas exportações:

a) Não-incidência sobre produtos industrializados (EC nº. 18/65, CF 67 e EC nº. 1/69); b) A não-incidência sobre os produtos industrializados e os semi-industrializados (CF/88); c) A não-incidência sobre todas as exportações (Lei Kandir); d) A transformação da não-incidência em imunidade (EC nº. 42/03).

Quando se adota um modelo de tributação sobre o valor agregado, dentre os objetivos

que se busca, está a desoneração fiscal da exportação como meio de incentivá-la. Para tanto,

utiliza-se o mecanismo da restituição imediata daquilo pago a título de tributo em operações

antecedentes, de modo a anular qualquer imposição efetuada no país de origem, tornando,

consequentemente, o produto mais competitivo no mercado externo. Acontece que o Brasil,

não obstante imunizar a imposição do ICMS na operação de exportação, não permite a

restituição dos créditos lançados anteriormente na escrita fiscal (TORRES, 2007, p. 32).

Sobre essa temática Belluzo et. al. (2005, p. 726) salienta que:

As exportações continuam sendo tributadas no Brasil, ainda que de forma indireta, apesar das mudanças recentes na legislação nacional, que atenuaram o problema, sem, contudo, resolvê-lo.

No caso do ICMS, ainda que emenda constitucional de fins de 2003 tenha inserido imunidade das exportações no corpo da Carta Magna, não foi resolvido o problema dos exportadores que acumulam saldos credores

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relativos ao imposto cobrado nas etapas anteriores e que não conseguem aproveitá-lo (contra suas vendas internas) ou serem ressarcidos.

Na prática existe uma tributação que incide indiretamente sobre as exportações de

produtos brasileiros o que provoca graves prejuízos às vendas internacionais praticadas pelo

país. Belluzo et. al. (2005, p. 726) aprofunda suas reflexões ao apontar que:

[...] o produto brasileiro exportado acaba sendo tributado ao longo de sua cadeia de produção e comercialização pela imposição de uma série de impostos ou contribuições que não são recuperados no ato da venda ao exterior. Mesmo nos casos em que a legislação contempla a devolução do que foi cobrado anteriormente, nem sempre isso se concretiza, ainda mais se o contribuinte for predominante ou exclusivamente exportador. Portanto, sem a concessão de um tratamento diferenciado e adequado aos exportadores, inclusive através de incentivos fiscais, o País segue onerando as exportações e, na prática, tributando seu próprio crescimento econômico.

Quanto à importação de mercadorias é importante elucidar alguns aspectos do

ICMS/Importação, “que não passa de uma modalidade do ICMS-Operações Mercantis,

embora com algumas especificidades, que não podem deixar de ser apontadas” (CARRAZA,

2011, p. 61). O art. 155, inciso II, § 2º, e inciso IX, a, da CF/88 estabelece que:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] IX – incidirá também: a) Sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior; cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; [...].

O critério material desse imposto é praticar operações relativas à circulação de

mercadorias que se iniciem no exterior. Assim, não é “fato jurídico tributário do ICMS a mera

entrada no Brasil ou circulação física de produtos estrangeiros em nosso território”

(CARVALHO, 2009, p. 758). Faz-se necessário a ocorrência de operações jurídicas de

circulação de mercadoria importada do exterior. Sobre essa questão, Carrazza (2011, p. 62)

elucida que:

[...] o ICMS não incide sobre a simples entrada da mercadoria na Unidade Federada, isto é, sobre sua mera “importação”. Essa, com efeito, é tributável

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apenas pela União, seja por meio do imposto específico (art. 153, I, da CF), seja das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (art. 149, §2º, II, CF). O que se tributa, sim, por meio do ICMS é a incorporação da mercadoria no ciclo econômico da empresa que a importa, para fins de comercialização.

O critério espacial e o critério temporal do ICMS/Importação, diferentemente da

maioria dos impostos, não se coincidem cronologicamente. Enquanto que se considera o

momento de ocorrência do fato imponível o desembaraço aduaneiro, verifica-se como critério

espacial desse imposto o local onde se situa o domicílio ou o estabelecimento comercial ou o

industrial do importador. Como Meira (2012, p. 527) pondera “parece haver um descompasso

entre o elemento espacial (local do domicílio ou do estabelecimento do importador) e o

elemento temporal (momento do desembraço aduaneiro), pois o elemento temporal ocorre

antes do espacial [...]”. Todavia, não há aqui inconstitucionalidades e, caso não se verifique a

ocorrência do critério espacial, o pagamento realizado no desembaraço aduaneiro poderá ser

restituído.

O sujeito passivo do ICMS/Importação será a pessoa física ou a jurídica que realizar o

ato de importar, ou seja, aquele para quem se destine juridicamente a mercadoria estrangeira,

ainda que, posteriormente, essa mercadoria venha possuir outro destinatário (art. 4º, I, da Lei

Kandir). Nos casos em que existe um intermediário que realiza a importação, prestando um

serviço para um terceiro, o STF vem adotando o entendimento de que o destinatário jurídico

e, portanto, o contribuinte do imposto, vai ser esse terceiro72. Em consequência, o sujeito

ativo desse imposto é o estado federado ou o distrito federal, no qual estiver situado o

domicílio ou o estabelecimento do importador (art. 4º, I, da Lei Kandir). Sobre o assunto,

Carvalho (2009, p. 760) explica que:

Considerando que o critério material do imposto analisado consiste em “realizar operações de importação de mercadorias”, e que possui capacidade tributária para sua exigência o Estado para o qual o bem importado for juridicamente destinado, o ICMS/Importação é sempre devido à pessoa política onde estiver localizado o estabelecimento do importador (no exemplo, Estado “A”), pouco importando se o desembraço aduaneiro, com consequente entrada física do bem, ocorreu em Estado diverso (“B”). A Constituição ordena que, para fins de tributação pelo ICMS, interessa o local onde se deu a operação jurídica de importação, consistente no Estado do estabelecimento ou domicílio que a promoveu. O desembaraço aduaneiro, no

72 Nesse sentido, verificar: RE 299.079-5/RJ e RE 268.586.-SP.

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caso, é apenas o instrumento que fixa o tempo em que a importação se materializa.

A base de cálculo do ICMS/Importação é composta do valor da mercadoria que

constar dos documentos de importação somado ao valor pago a título de imposto de

importação, de IPI/Importação, de Imposto sobre Operações de Câmbio, do próprio

ICMS/Importação – uma vez que o cálculo desse imposto é realizado por dentro – e do

quantum pago pelos demais impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. Já a

alíquota aplicada é aquela definida por meio de lei estadual ou distrital, sendo que em

decorrência do princípio do tratamento nacional, tal alíquota não pode ser superior à aplicada

nas operações internas (MEIRA, 2012, p. 525).

Outro aspecto que precisa ser abordado é a questão do princípio da não-

cumulatividade do ICMS. O art. 155, § 2º, I, da Carta Magna brasileira prevê que o ICMS

“será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à

circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores

pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

Tenta-se evitar com o princípio da não-cumulatividade a violação dos princípios do

não-confisco e da capacidade contributiva, que resultaria da cobrança de imposto sobre

imposto. Além disso, evitar-se o aumento exacerbado do valor do produto final. Assim, o

ideal é que em cada etapa da cadeia ocorra uma compensação entre o direito ao crédito,

nascido com a entrada jurídica do bem no estabelecimento, com o débito proveniente da saída

jurídica da mercadoria. Nessa hipótese, vai existir uma regra-matriz para o direito ao crédito,

cujo sujeito ativo é o adquirente de mercadorias e o sujeito passivo é o estado ou o distrito

federal. Essa regra-matriz é independente daquela de incidência do ICMS (CARVALHO,

2009, p. 731).

Carrazza (2011, p. 407) profere a opinião de que não se pode confundir o princípio da

não-cumulatividade do ICMS com a classificação de imposto sobre valor agregado. O

imposto sobre valor agregado incide sobre a exata parcela que o contribuinte acrescentou ao

bem. Desse modo, a base de cálculo do IVA é apenas a parcela acrescida. O ICMS, contudo,

incide sobre o valor total da operação, sendo essa sua base de cálculo, e não só sobre o

montante acrescido. De fato, a hipótese de incidência do ICMS/Mercadorias é “realizar

operações relativas à circulação de mercadorias” e não “realizar operações, com lucro,

relativas à circulação de mercadorias”.

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Carrazza (2011, p. 407) comenta ainda que se fossem tributadas só as operações com

lucro, o ICMS não seria cobrado quando a circulação de mercadoria ocorresse, por exemplo,

com prejuízo, pois não teria nesse caso nenhum valor acrescido. Para esse autor a não-

cumulatividade “não passa, pois, de uma técnica de tributação, peculiar ao ICMS (que, em

absoluto, não interfere em sua base de cálculo) [...]”

Fernandes (2001, p. 99) reconhece também que exista “diferença de cobrança do

ICMS, com seu sistema de créditos e débitos fiscais, com a do IVA, com sua incidência sobre

o quantum adicionado”. Todavia, esse autor (2001, p. 200) como já evidenciado neste

trabalho, assume que o sistema de compensação de crédito e débito, utilizado pelo ICMS, já é

considerado por parte da doutrina como uma espécie de Imposto sobre o Valor Agregado.

Nesse sentido são os argumentos de Fausto (2005, p. 200) e de Derzi (1999, p. 20), sendo que

essa última também trata o ICMS como um Imposto sobre o Valor Agregado, apesar de

reconhecer que existam diversas diferenças entre tal imposto e o IVA segundo os moldes

tradicionais.

No caso do ICMS o princípio da não-cumulatividade operacionaliza-se pelo

mecanismo da compensação entre créditos e débitos, a qual é realizada pelo próprio

contribuinte na sua escrituração fiscal (CARRAZZA, 2011, p. 410). Não obstante, na prática

verifica-se que o crédito concedido é insuficiente para compensar toda a carga de tributos

cumulativos presentes nos insumos.

Em um estudo realizado por Belluzo et. al. (2005, p. 729-730), no qual o objeto de

análise é a mensuração do ônus fiscal sobre exportação de determinados produtos – açúcar,

café, sacaria e soja – no período de 2000, 2001 e 2002, obteve-se os seguintes resultados para

o IPI e para o ICMS:

Em todos os setores desse estudo, o crédito presumido concedido é insuficiente para compensar a carga de tributos cumulativos contida nos insumos. O crédito de IPI necessário para compensar a incidência de contribuições cumulativas sobre os insumos das exportações seria da ordem de 15% no setor agropecuário e na indústria do açúcar, variando entre 11% e 12% na indústria têxtil e do café.

Tomando o ano de 2002 como referência, os produtos agropecuários, a indústria têxtil e a indústria do café deveriam recebem, em média, um crédito de ICMS da ordem de 3,2%, 4,3% e 5,5% sobre o valor de suas exportações, respectivamente.

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O que se denota é que existe uma grande distância entre os mecanismos colocado em

prática pelo ICMS e aqueles existentes para verdadeiros Impostos sobre o Valor Agregado. O

IVA costuma ter uma hipótese de incidência mais ampla, correspondendo à soma do IPI,

ICMS e ISS pertencentes ao sistema tributário brasileiro. O princípio da não-cumulatividade é

também mais amplo, promovendo uma real desoneração da produção e comercialização, uma

vez que utiliza técnicas para que a incidência do imposto ocorra apenas sobre o valor que se

agregou no respectivo elo da cadeia produtiva e comercial. O IVA normalmente é o imposto

de fato neutro, não sendo utilizado com escopo de promover o desenvolvimento de

determinada área da economia.

O ICMS, por outro lado, utiliza um sistema de compensação de débito e crédito aquém

do efetivamente pago a título desse imposto em operações anteriores, não sendo, portanto,

plenamente não-cumulativo. Ademais, o ICMS é com frequência objeto de políticas

extrafiscais, o que resulta, infelizmente, em “guerras fiscais” entre os estados brasileiros

(CAMARGO, 2004, p. 207-208).

Realizadas as devidas reflexões acerca dos pontos mais importantes no que concerne

ao ICMS/Mercadoria, passa-se, no próximo tópico, ao estudo das principais características de

definições referentes ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

5.3 Aspectos relevantes do IPI

O IPI é o imposto indireto sobre o consumo que está em segunda posição no que

concerne à arrecadação fiscal, logo após o ICMS. A Constituição Federal de 1988, em seu art.

153, IV, estabeleceu como sendo de competência da união, a instituição do Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI). Dito imposto é uma evolução do antigo e tradicional imposto

sobre o consumo, que existia antes da Emenda Constitucional nº 18 de 1965, a qual foi

responsável por introduzir o ICM no sistema tributário brasileiro e por aproveitar os conceitos

teóricos e as práticas administrativas do anterior imposto sobre o consumo para o atual IPI

(TORRES, 2007, p. 23).

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O IPI possui como base legal a Constituição Federal de 1988, mais especificamente

seu art. 153, IV, §§1º e 3º; o Código Tributário Nacional; a Lei nº 4.502 de 1964, somada às

suas posteriores alterações; o Regulamento do IPI (RIPI), qual seja o Decreto nº 7.212 de 15

de junho de 2010; a Tabela de Incidência do IPI (TIPI), que se trata do Decreto nº 7.660 de 23

de dezembro de 2011; e os arts. 237 a 248 do Decreto nº 6.759 de 2009, denominado de

Regulamento Aduaneiro, que traz normas concernentes ao IPI/Importação.

Com o intuito de garantir uma melhor didática, o estudo do IPI será realizado

conforme a proposição por Paulo de Barros Carvalho da regra-matriz de incidência tributária,

abordando os critérios material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo desse imposto, com

ênfase nos pontos relevantes para o tema aqui estudado.

O Código Tributário Nacional, em seu art. 46, prevê que existem três distintas regras-

matrizes de incidência tributária sobre produtos industrializados, as quais estão transcritas a

segur: “a) uma, que onera a industrialização de produtos; b) outra, que grava a importação de

produtos industrializados do exterior; e c) uma terceira, que colhe a arrematação de produtos

industrializados levados a leilão por terem sidos apreendidos ou abandonados [...]”

(CARVALHO, 2009, p. 680).

A terceira regra citada no Código Tributário Nacional não teve regulamentação.

Inclusive, o art. 35 do Regulamento do IPI, na esteira da Lei nº 4.502 de 1964, prevê apenas

as duas primeiras regras-matrizes: incidência sobre produto cuja industrialização é de origem

interna e sobre produto industrializado proveniente do exterior. Inicia-se o estudo pela

primeira hipótese de incidência tributária, com o proposto por Carvalho (2009, p. 280):

[...] Isolando os critérios da hipótese, teremos: a) critério material – industrializar produtos (o verbo é industrializar e o complemento é produtos); b) critério espacial – em princípio, qualquer lugar do território nacional; c) critério temporal – o momento da saída do produto do estabelecimento industrial. Quanto aos critérios da consequência: a) critério pessoal – sujeito ativo é a União e sujeito passivo o titular do estabelecimento industrial ou que lhe seja equiparado; b) critério quantitativo – a base de cálculo é o preço da operação, na saída do produto, e a alíquota, a percentagem constante na tabela.

A primeira questão que surge relativamente ao critério material “industrializar

produtos” é quanto ao conceito de produto industrializado. De acordo com o parágrafo único,

do art. 46, do CTN “[...] considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a

qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o

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consumo”. Desse modo, ter-se-á produto industrializado “se, do esforço humano sobre bem

móvel, resultar acréscimo ou alteração de utilidades, pela modificação de qualquer de suas

características. Inocorrendo tal efeito, tratar-se-á de simples prestação de serviços”(CRUZ,

1984, p. 55).

O art. 4º do Regulamento do IPI/2010 estabelece que seja considerada industrialização

a operação que modificar a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a

finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, por meio dos seguintes procedimentos:

a) transformação, pela qual utiliza matéria-prima e/ou produto intermediário, transformando-

os em um produto completamente diverso; b) beneficiamento, que consiste em uma operação

capaz de modificar ou aperfeiçoar a aparência, o acabamento, o funcionamento e a utilização

de um bem; c) montagem que se trata da reunião de peças e partes que resultam em um novo

produto, ainda que sob igual classificação fiscal; d) acondicionamento ou

reacondicionamento, que tem o escopo de modificar a apresentação do produto, por meio de

colocação de embalagem, que não sirva apenas para o transporte de dito produto; e) por fim,

renovação ou recondicionamento, que consiste na restauração de um bem por meio de peças

de um outro bem de natureza igual que esteja inutilizado ou deteriorado.

Exclui-se do conceito de produtos a confecção de objetos incorpóreos, bem como,

aqueles objetos que resultem de atividade extrativa, artística ou artesanato. Para ser

industrializado, além do requisito de que o objeto final tenha utilidades e características

diversas daqueles que foram empregados na sua produção, é necessário que seu processo

produtivo seja massificado e padronizado de modo que o produto surja em um conjunto

intensivamente desenvolvido em série. Em suma, existem dois requisitos para que se

configure um produto industrializado: a) modificação das características de um bem material;

b) levada a cabo por meio de um processo massificado e padronizado (MELO, 2012, p. 142).

Tem-se, então, que o critério material da regra-matriz de incidência tributária do IPI

consiste na industrialização de produtos. Todavia, não é suficiente a existência de um produto

industrializado para que o imposto incida. A incidência tributária pressupõe a ocorrência de

operações jurídicas as quais resultem em transferência de direitos sobre o bem, seja a

propriedade, seja meramente a posse. Sobre o assunto, Melo (2012, p. 140) observa que:

A materialidade tributária não se contém na simples expressão constitucional, e nem no conceito de “produto industrializado” (art. 46, do CTN, e art. 4º do RIPI/2010), como sendo aquela que tenha sido submetido a

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qualquer operação que lhe modifique a natureza, a finalidade ou o aperfeiçoe para o consumo.

A incidência tributária não se verifica apenas sobre o ato de elaboração do bem (produção industrial), inserida exclusivamente no âmbito de “fazer” e “dar” alguma coisa.

A realização de “operações” é que molda a tipicidade prevista na Constituição Federal, configurando o verdadeiro sentido do fato juridicizado, ou seja, a prática de operação jurídica, como a transmissão de um direito (posse ou propriedade). Essa operação tem produto industrializado por objeto, em razão do que, para a configuração jurídica do IPI, podem ser apontados os requisitos seguintes: (a) existência de um produto industrializado; e (b) um negócio jurídico, conforme examinado em monografia específica.

Além de praticar a ação de “industrializar produtos” para que haja incidência do IPI é

necessário que exista um negócio jurídico, com a transferência de direitos de propriedade ou

de posse, cujo objeto seja tal produto industrializado e que resulte na sua saída do

estabelecimento industrial.

Tendo em vista que o IPI é federal, o critério espacial desse imposto consiste em

qualquer local do território brasileiro que se enquadre no conceito de estabelecimento

industrial ou de equiparado a esse. O art. 609, III do RIPI/2010 conceitua estabelecimento

como sendo o “prédio em que são exercidas atividades geradoras de obrigações, nele

compreendido, unicamente, as dependências internas, galpões e áreas contínuas muradas,

cercadas, ou por outra forma, isoladas, em que sejam, normalmente, executadas operações

industriais, comerciais ou de outra natureza”.

De acordo com o art. 8º do RIPI/2010 “estabelecimento industrial é o que executa

qualquer das operações referidas no art. 4º, de que resulte produto tributado, ainda que de

alíquota zero ou isento”. Em outras palavras, o estabelecimento industrial vai ser o local em

que se realizem quaisquer daquelas atividades tidas como industrialização: transformação,

beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento e renovação ou

recondicionamento. Já o lugar equiparado a estabelecimento industrial é aquela unidade

empresarial que realiza a saída de produtos industrializados por outrem, mas que a lei, para

fins de tributação, equipara ao industrial. O art. 9º da RIPI/2010 traz um rol de

estabelecimentos equiparados.

O critério temporal coincide com o momento da transferência da posse ou propriedade

do produto industrializado, sendo esse o lapso de tempo no qual se reconhece a ocorrência do

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critério material do IPI. O critério temporal, então, não consiste no exato momento em que o

produto foi industrializado, pois se assim fosse haveria perda de praticidade para a

fiscalização e para a arrecadação do imposto. Melo (2012, p. 153) comenta que:

O legislador federal não possui nenhum amparo constitucional para fixar a ocorrência do fato imponível do IPI em momento diverso, como qualquer outra circulação sem caráter jurídico, e em que o sujeito passivo não tenha sido o industrial.

A circunstância de um veículo haver sido industrializado, e encontrar-se estacionado no pátio da fábrica não tem nenhuma relevância tributária. Nem mesmo a saída do estabelecimento fabril, a título de demonstração, ou para conserto em local diverso, pode tipificar o fato tributável, inocorrendo a operação jurídica.

No que se refere ao critério pessoal, o sujeito ativo é a união, nos termos do art. 153,

IV da Constituição Federal, porque é esse o sujeito competente para instituir, alterar ou

suprimir tal tributo. O sujeito passivo é o industrial ou equiparado. Todavia, ressalva-se que

alguns autores como Melo (2012, p. 138) consideram inconstitucional que estabelecimentos

equiparados sejam sujeitos passivos dessa relação tributária, pois viola o princípio da

capacidade contributiva e o da tipicidade cerrada, tendo em vista que sujeitos passivos devem

ter relação direta com a prática do ato previsto no critério material da hipótese de incidência

do imposto.

O aspecto quantitativo do imposto sobre produto industrializado tem como base de

cálculo o valor da operação de transferência de propriedade ou posse que promove a saída de

tal produto do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial. Já as alíquotas aplicáveis

estão previstas na Tabela de Incidência do IPI, sendo a última aprovada pelo Dec. 7.660 de 23

de dezembro de 2011, baseando-se na Nomenclatura Comum do Mercosul (Anexo I do Dec.

2.376/1997), em prol de um sistema mercosulino harmonizado.

Os produtos são divididos na TIPI em Seções, Capítulos, subcapítulos, posições,

subposições, itens e subitens. A maioria dos produtos possuem alíquotas de 30%, contudo

existem vários itens com alíquota de 0%, sendo que os cigarros e os charutos, produtos com

maior carga tributária, estão com alíquota de 300%.

A segunda regra-matriz de incidência tributária que deve ser aqui abordada é a do

IPI/importação. Segundo Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 681) a composição dessa regra-

matriz é a seguinte:

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[...] hipótese: a) critério material – importar produto industrializado do exterior (o verbo é importar e o complemento é produto industrializado do exterior); b) critério espacial – repartições alfandegárias do país; c) critério temporal – momento de desembaraço aduaneiro. A consequência: a) critério pessoal – sujeito ativo é a União e sujeito passivo o importador; b) critério quantitativo – a base de cálculo é o valor que servir de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, acrescido do montante desses e dos encargos cambiais devidos pelo importador. A alíquota é a percentagem constante da tabela e correspondente ao produto importado.

O critério material do IPI/Importação é importar produto industrializado, ou seja,

muito se assemelha à materialidade do Imposto sobre a Importação. A diferença reside no fato

que o IPI/Importação incide somente sobre aquela de produto industrializado, enquanto que o

Imposto sobre a Importação alcança todo bem importado.

Para Melo (2012, p. 148) não existe embasamento jurídico para a incidência do IPI na

importação, pois é possível apontar inúmeros obstáculos legais a essa imposição: “(a) somente

os fatos, atos e negócios realizados no País é que poderiam ser objeto de tributação; (b)

inexiste industrialização no território nacional; e (c) a Constituição federal contempla,

excepcionalmente, os tributos que podem incidir sobre situações ocorridas fora do País [...]”

Os únicos tributos que podem ter incidência sobre fatos externos ao país são o Imposto

de Importação; Imposto de Renda, devido ao princípio da universalidade; ICMS em

decorrência de operações e prestações de serviços iniciadas no exterior; Imposto sobre

Transmissão Causa Mortis e Doação de bens localizados no exterior; e o CIDE, PIS

Importação e Cofins-Importação. Até porque a união já possui o Imposto de Importação para

incidir sobre produtos vindos do exterior e admitir a constitucionalidade do IPI/Importação é

aceitar uma situação de bis in idem. Ademais, o constituinte prevê para o ICMS a incidência

sobre a importação (art. 155, IX, a da CF/88) e não demonstrou análoga intenção em relação

ao IPI. Por todos esses fatores Melo (2012, p. 148-149) considera o IPI/Importação

inconstitucional.

Todavia, existe posicionamento contrário, como o de Meira (2012, p. 408) que entende

que o IPI/Importação não deve ser visto como adicional ao imposto de importação, porque

possui características próprias e finalidades específicas, como exemplo, proteger a produção

nacional, garantindo no mercado brasileiro igualdade competitiva em relação aos produtos

internos. Tal autora (2012, p. 408) expõe ainda que:

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[...] a estrutura do IPI/Importação é diferente do IPI interno, porque o contribuinte é indicado em lei, com respaldo constitucional, e principalmente porque a cobrança do IPI/Importação traduz-se em igual carga tributária sobre o bem industrializado, seja importado ou produzido aqui. Nenhum país do mundo pode ter como política tributária incentivar o consumo de bens estrangeiro, ainda que importados pelo próprio consumidor, mediante carga tributária menor, com prejuízo para a indústria nacional.

Vale repisar que, com a incidência do IPI/Importação alcança-se isonomia entre o produto industrializado nacional e o estrangeiro (aplicando-se a esse a regra do tratamento nacional) e, assim, promove-se um aspecto de isonomia tributária e da justiça fiscal fulcradas na Constituição Federal.

Almeida (2005, p. 304) também advoga a ideia contrária a definição do

IPI/Importação como mero adicional do Imposto de Importação e, nesse sentido, esse autor

afirma que:

A partir do instrumental oferecido pela teoria da regra-matriz de incidência – fonte segura para a identificação dos arquétipos tributários – foi possível reconhecermos a real natureza jurídica do IPI vinculado às importações, consistente, como observamos, no fato de que o critério material contido no antecedente da norma não pode apenas abrigar a importação de mercadorias, mas, de fato, deve contemplar a circulação econômica de mercadorias de procedência estrangeira, importadas com objetivos comerciais, pois somente a realização de operações jurídicas posteriores, capazes de transladar a posse ou a propriedade dessas no território aduaneiro, teria o condão de ensejar a exigência do tributo. Essa seria a regra geral, excepcionada, apenas, nos casos de incorporação de mercadorias ao patrimônio do importador, situação que não carece de maiores dificuldades, haja vista todo o aparato jurídico-contábil previsto na legislação que rege o Imposto sobre a Renda.

Feitas as devidas ressalvas quanto à existência de posicionamentos conflitantes na

doutrina jurídica no que concerne à (in)constitucionalidade do IPI/Importação, impera

sublinhar que para o presente trabalho é suficiente saber quais as situações em que esse

específico imposto incide.

De acordo com o disposto no art. 46, I do Código Tributário Nacional o

IPI/Importação vai incidir sobre bens desembaraçados, ou seja, aqueles que foram

introduzidos no território brasileiro através das zonas primárias. Sendo assim, o critério

espacial desse imposto coaduna com todas as áreas aduaneiras definidas como zonas

primárias, dentre as quais se inclui aquelas localizadas em áreas de livre comércio. Ainda

conforme esse dispositivo legal do CTN é possível obter o critério espacial do supracitado

imposto. O tal momento no qual se considera a ocorrência do fato imponível consiste no ato

da autoridade fiscal que corresponde ao desembaraço aduaneiro que, por sua vez, se trata da

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manifestação última da autoridade fiscal, concedendo autorização para que o produto entre no

mercado nacional.

O critério pessoal do IPI/Importação tem como sujeito ativo a união e como sujeito

passivo o importador, que é a pessoa que promove o desembaraço aduaneiro de produto

oriundo de outro país, nos termos do art. 24 do Regulamento do IPI de 2010. Quanto ao

critério quantitativo, a base de cálculo do IPI/Importação corresponde ao valor total que foi

base de cálculo do Imposto de Importação, somado à quantia paga à título de tributação e de

despesas cambiais realizadas ou exigidas do importador, conforme definido pelo art. 76 e

seguintes do Regulamento Aduaneiro. Já no que se refere à alíquota essa vai seguir o disposto

na Tabela de Imposição do IPI.

O IPI assume, todavia, grande relevância também no que concerne à sua função

extrafiscal, uma vez que esse tributo foi criado com o escopo de fomentar e direcionar a

produção interna do país. Em decorrência disso, tal imposto consiste em uma exceção a

diversos princípios tributários, por exemplo, o da anterioridade anual (art. 150, § 1º, b) e o do

confisco (art. 150, IV), sendo que, a depender da natureza do produto, possa existir uma carga

tributária altíssima; e o da estrita legalidade (art. 150, I), tendo em vista que o mero Decreto

Presidencial é competente para alterar as alíquotas desse imposto.

O Imposto sobre Produtos Industrializados, segundo a definição de Guimarães (2007,

p. 45), consiste em um imposto seletivo sobre o consumo cuja função, estabelecida

constitucionalmente, é a de gravar o produto em função da sua menor essencialidade. “A sua

concepção originária pareceria apontar para um imposto com fins marcadamente extrafiscais,

penalizador de consumos supérfluos”. Os dois principais princípios que regem e caracterizam

o IPI são o da não-cumulatividade e o da seletividade.

Almeida (2005, p. 263), nesse diapasão, expõe que “quis o constituinte que o IPI

atendesse a princípios específicos, distintos, na sua maioria das demais figuras tributárias”.

Em seguida, esse autor, enumera algumas características que esse imposto apresenta em

decorrência dos princípios da legalidade, seletividade e não-cumulatividade.

A extrafiscalidade do IPI tem relação íntima com o modo que se manifesta o princípio

da legalidade nesse imposto. O caráter extrafiscal constitui-se de uma opção realizada pelo

legislador, o qual, ao invés de estabelecer alíquotas fixas para determinado imposto, como é o

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comumente praticado, define limites mínimos e máximos para tais alíquotas, dentro dos quais

o Executivo tem certa liberdade de escolha, o que permite a esse uma maior

discricionariedade em suas políticas de incentivo a determinados setores econômicos.

Contudo, Almeida (2005, p. 264) ressalva que “resta intacto o princípio da legalidade, uma

vez que a fixação das fronteiras impositivas advém do Poder Legislativo, único órgão capaz

de submeter a vontade do cidadão [...]”.

Quanto ao princípio da seletividade a Constituição Federal em seu art. 153, § 3º, I

dispõe que o IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto”. Ichihara (1999,

p.32) comenta que a “seletividade como critério de graduação do ônus tributário está a indicar

que a alíquota deve variar em função da essencialidade, o quer significar, quanto mais

supérfluo maior a alíquota, e quanto mais essencial, menor a alíquota”. Além disso, acrescenta

esse autor, especificamente no caso da seletividade aplicada ao IPI “o verbo será [usado na

Constituição] está a indicar obrigatoriedade”.

Quando se realiza uma análise sistemática da Constituição vislumbra-se que ao

confrontar a extrafiscalidade com a seletividade a segunda condiciona a primeira, tendo em

vista que o governo, apesar de certa liberdade para a modificação de alíquotas decorrente do

princípio da extrafiscalidade, deve respeitar um critério de razoabilidade quando da alteração

de tais alíquotas de produtos tidos como essenciais. Sobre essa temática, Almeida (2005, p.

265):

[...] Podemos concluir que, no caso desse último [IPI], a seletividade será uma condicionante da extrafiscalidade, diferentemente do que ocorre com os demais tributos que apresentam a mesma característica. Por serem ambos mandamentos de ordem constitucional, deverão pacificamente coexistir, o que na prática, limita a atuação do Poder Executivo, mesmo que no intuito de atingir seus objetivos econômicos.

Segundo entendemos, não poderá o governo alterar indiscriminadamente as alíquotas dos produtos essenciais, ainda que dentro do limite de 30% estabelecido em lei. Tal constatação decorre, inexoravelmente, de uma análise sistemática da Constituição, que pressupõe a aplicação concomitante desses dois preceitos.

No que tange à não-cumulatividade, o art. 153, § 3º, II da Carta Magna Brasileira

estabelece que o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada

operação com o montante cobrado nas anteriores”. Ichihara (1999, p. 32) defende que no que

concerne a esse imposto a “não-cumulatividade aparece como um verdadeiro princípio

constitucional e a sua agressão importa numa inconstitucionalidade máxima, que nem o

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legislador ou a administração pode restringir o alcance e o conteúdo desse princípio”. Sobre o

assunto Almeida (2005, p. 267) afirma que:

[...] o princípio da não-cumulatividade é um comando limitador do poder de atuação da União, enquanto sujeito ativo possível do IPI. Dito de outro modo, trata-se de direito subjetivo do contribuinte, inafastável pela via legislativa.

A não-cumulatividade permite que o sujeito passivo, ao calcular o quantum debeatur em uma operação com produtos industrializados, subtraia do montante apurado a parcela do imposto já pago nas operações antecedentes, com o mesmo produto ou com os insumos que ensejaram a sua produção.

Não resta dúvida que o princípio da não-cumulatividade do IPI possui diversas

salvaguardas constitucionais e legais. Todavia, existem situações em que esse imposto

apresenta uma cumulatividade residual. Tal fato, será melhor analisado no próximo tópico

juntamente com os resíduos de cumulatividade do ICMS.

5.4 A cumulatividade residual do ICMS e do IPI

Evitar-se a cumulatividade é a principal finalidade do IVA, sendo exatamente a

característica primordial que o define. Ocorre que todos os países que adotam modelos de

imposição sobre o valor acrescido, não são capazes de evitar a existência de resíduos de

cumulatividade. É assim na Europa e nos países da América Latina.

Na França, por exemplo, conforme se depreende do 19º Relatório do Conselho de

Impostos da França, “os consumidores finais suportam apenas 68% do ônus da TVA, 16%

sendo suportados definitivamente pelas empresas, e 16% também sendo suportados pelos

governos, na condição de consumidores” (DERZI e SANTIAGO, 2007, p. 542).

No Paraguai existem algumas hipóteses previstas em lei que excepcionam algumas

etapas da circulação econômica do bem, restando essas sem imposição tributária. Esse é o

caso da importação de bens destinados ao turismo de fronteira. Nessas situações o IVA

paraguaio é descaracterizado e adquire um caráter monofásico e cumulativo (BLANCO, 1999,

p. 141).

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No Uruguai há previsões de algumas isenções para produtos de primeira necessidade,

manifestações culturais e em razões de política fiscal, o que destoa da natureza do IVA como

um imposto neutro, aplicado de modo geral e uniforme em todas as etapas do ciclo econômico

e avesso à sua utilização com fim de política fiscal (VALDES, 1999, p. 120). E a Argentina

também prevê algumas isenções em decorrência da natureza do produto ou do serviço

(ALTAMIRANO, 1999, p. 84).

No Brasil, além de existir uma cumulatividade residual, essa é sensivelmente mais

elevada quando em comparação com os demais países mercosulinos. Tal afirmação pode ser

observada nos estudos realizados por Belluzo et. al. (2005, p. 720-751), nos quais esse autor

analisa a cumulatividade do ICMS, do IPI e das contribuições sociais PIS/COFINS, e a

efetiva carga desses tributos sobre determinados produtos. Derzi e Santiago (2007, p. 545)

aponta oito principais razões para que a cumulatividade residual no sistema tributário

brasileiro seja relativamente alta. Abaixo estão transcritas tais razões, as quais serão

analisadas no decorrer deste tópico:

a) na adoção do crédito físico no IPI; b) nas restrições ao creditamento do ICMS quanto a bens intermediários e de uso e consumo e o fracionamento (também aplicável ao PIS e à COFINS) dos créditos por bens do ativo fixo; c) na inexistência de reembolso em dinheiro dos saldos credores acumulados – e, na maioria dos casos, na inexistência sequer de autorização para a sua transferência a outros contribuintes, necessariamente sujeita a deságios, a qual é permitida apenas em casos específicos, e mesmo assim sujeita a toda sorte de embaraços práticos por parte das autoridades fiscais dos Estados; d) na vedação à atualização desses saldos credores pelos mesmos critérios utilizados pelo Fisco em relação aos créditos tributários, ratificada por equivocada e persistente jurisprudência de nossos tribunais superiores; e) na sujeição de tais saldos credores à extinção pela prescrição; f) na generalização da substituição tributária para a frente com definitividade da base de cálculo presumida, também referendada pelo STF, em decisão ora rediscutida naquela Corte; g) na superposição de tributos sobre o consumo, um integrando a base de cálculos dos outros [...];

Quando se fala que o IPI adota o crédito físico significa dizer que só é possível

creditar o valor do imposto pago pelos produtos que ingressaram no estabelecimento para

integrar o produto final, ou que foram consumidos no decorrer do processo de

industrialização, conforme se depreende do art. 226, do RIPI. Tal modelo é diferente do

utilizado para o ICMS, que adota o crédito financeiro, no qual também se credita os bens que

ingressaram no estabelecimento para serem parte do ativo fixo. O fato de não ser possível

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realizar a compensação de bens do ativo fixo, quando se trata do IPI, constitui um resíduo de

cumulatividade. Sobre o assunto, Derzi e Santiago (2007, p. 543):

No que toca ao IPI, verifica-se uma situação curiosa: o entendimento tradicional de que o IPI se sujeita ao crédito físico, supreendentemente, quase não é contestado pelos contribuintes em juízo, que não levam às últimas consequências os acertados raciocínios que desenvolveram relativamente ao ICMS. Trata-se, por óbvio, de um resíduo importantíssimo de cumulatividade no âmbito desse imposto.

Nesse diapasão, Melo (2009, p. 173) salienta que:

A jurisprudência milita no sentido de vedar o creditamento de IPI relativo à aquisição de bens de uso e consumo, bem assim de máquinas e equipamentos que, apesar de não integrarem fisicamente o produto final, nem se desgastarem por ação direta (física ou química), sofrem desgaste indireto no processo produtivo, integrando-se financeiramente ao produto final, de conformidade com precedentes da Corte.

O problema que se observa é que a admissão apenas de créditos físicos para o IPI não

permite uma integral dedução de impostos correspondentes às etapas anteriores, o que vai

provocar uma grave cumulatividade, somada sucessivamente ao preço do produto, até chegar

ao consumidor final, que afeta de modo negativo, principalmente, as classes sociais de menor

poder aquisitivo. No caso específico das exportações, as consequências dessa alta

cumulatividade residual são ainda mais graves, tendo em vista que agride diretamente a

capacidade competitiva do Estado, reduzindo seu crescimento econômico e retardando o

desenvolvimento do país (TÔRRES, 2007, p. 84). No contexto de integração, a existência ou

não de alta cumulatividade residual nos impostos sobre bens de consumo é determinante para

o fracasso ou sucesso dos objetivos integracionistas, dentre eles, a livre circulação de

mercadorias.

No que tange ao ICMS, uma das razões de existir cumulatividade residual nesse

imposto decorre da Lei Complementar nº 102/2000 que alterou o art. 20, §5º e o art. 33 da Lei

Complementar nº 87/96, limitando o direito à compensação do crédito quando se tratar de

entrada de produto no ativo fixo da empresa e de consumo de energia elétrica e de telefonia.

No primeiro caso, dos créditos relativos aos bens do ativo fixo, esses não podem mais ser

compensados imediatamente, mas sim, tal compensação deve ser feita em 48 parcelas mensais

e sem correções monetárias. E no que concerne aos créditos pelo consumo de energia elétrica

e de serviço de telefonia, esses se restringem, por exemplo, ao que foi utilizado para a

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realização da atividade fim, comercial ou industrial, da empresa. Sobre o assunto, Carrazza

(2011, p. 452-453) comenta que:

Em decorrência dessas novas restrições, aumentou a distância que separava a Lei Kandir dos ditames constitucionais. É que essas restrições, agora temporais, à utilização de créditos fiscais, para fins de pagamento de ICMS, implicam, por via oblíqua, derrogação do princípio da não-cumulatividade do ICMS, E, para “completar” a afronta à Lei das Leis, o inciso VII do § 5º do art. 20 da Lei Complementar 8/1996 arbitrariamente dispõe que, ao cabo de 48 meses, eventual “saldo remanescente do crédito será cancelado”.

A restrição ao direito ao crédito pelo consumo de energia elétrica e de serviço de

telefonia, permitindo a compensação apenas quando tais serviços servirem à atividade

empresarial/industrial, cria uma dificuldade de ordem prática no que tange a definição do

quanto de energia e de ligações telefônicas foram realizadas em caráter profissional –

portanto, creditáveis – e do quanto o foram em caráter pessoal (não creditáveis). Parece que

simplesmente proibir o creditamento, por ser impossível estabelecer quais ligações telefônicas

e o quanto de energia elétrica foi gasto na realização da atividade empresarial, seja uma

arbitrariedade extrema do Fisco, que fere o princípio da não-cumulatividade, portanto é

inconstitucional e deve ser afastada (CARRAZZA, 2011, p. 456). Nesse diapasão, Derzi e

Santiago (2007, p. 543) questiona o seguinte:

[...] o que sugere o Conselho de impostos nessa situação? Uma redução do direito de crédito, por exemplo, a 50% ou 70% do valor pago, na pressuposição de que há mesmo um certo abuso. Portanto haveria uma redução, que tem que ser arbitrária, porque não é possível mensurar o nível de utilização profissional e pessoal desses bens ou serviços. Mas não se pode chegar ao extremo a que chegou o Brasil, de simplesmente vedar o direito ao crédito, como se não houvesse ligações telefônicas ligadas ao escopo empresarial, e aliás como se elas não fossem a maioria.

Se não bastasse, como acrescenta Carrazza (2011, p. 453), algumas legislações

ordinárias dos estados federados criam ulteriores restrições ao aproveitamento de créditos do

ICMS, quando relativos a bens destinados ao ativo permanente dos contribuintes. Isso ocorre,

por exemplo, com a Lei nº 3.188/99 do Rio de Janeiro, cujo art. 2º e seus parágrafos

estabelecem maiores limitações ao aproveitamento de crédito oriundo da aquisição de bens

para o ativo fixo. Tais dispositivos exacerbam a competência dos estados, pois tal matéria não

poderia ser tratada por lei ordinária dos estados. Carrazza (2011, p. 453) reflete que:

Essas diretrizes adicionais, que, diga-se de passagem, não poderiam ter sido estabelecidas nem mesmo por meio de lei complementar, jamais poderiam brotar de lei ordinária estadual. Realmente, está fora da alçada do legislador

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ordinário estadual (que não recebeu a missão constitucional de “disciplinar o regime de compensação de imposto”) vedar ou obstaculizar a apropriação de créditos do ICMS, aí compreendidos os provenientes de aquisições de bens para serem integrados no ativo fixo do estabelecimento.

Outra questão que agrava a cumulatividade residual no Brasil é a burocracia existente

para o aproveitamento de créditos, que não podem ser reembolsados em dinheiro, como é

passível de ocorrer na Europa. Em decorrência disso, é comum que o contribuinte verifique

um acúmulo de créditos, os quais estão sujeitos à prescrição e à perda de valor monetário. No

que tange ao direito à correção monetária, Carrazza (2011, p. 484) reafirma tal direito ao

ponderar que “[...]se existe direito ao crédito de ICMS, pelos mesmos fundamentos existirá

direito aos créditos das respectivas correções, levando-se em consideração o momento em que

poderiam ser apropriados”.

Ademais, por razões de isonomia, apesar de na prática raramente se verificar, é

relevante que os contribuintes tenham o direito de corrigir seus créditos e de aplicar os índices

oficiais em bases diárias ou mensais em condições de igualdade em relação ao utilizado pelos

estados e pelo distrito federal (CARRAZZA, p. 485).

Deve-se ainda abordar a questão da substituição tributária para frente. Essa consiste

em uma previsão existente nas legislações dos estados federados e do distrito federal que

possibilita a substituição tributária, na qual o pagamento de ICMS é realizado segundo

margens estimadas de lucro. Desse modo, o contribuinte que se submete a essa situação deve

recolher a título de ICMS, um valor previamente definido pelo Fisco em pautas fiscais,

conforme os requisitos expressos no art. 8º, II, e §§4º, 5º e 6º da Lei Complementar 87/1996.

As presunções encerradas nas pautas fiscais, quando destoantes dos preços reais de

venda, configurar-se-ão, da parte do ente tributante, enriquecimento sem causa, e da parte do

contribuinte, elemento confiscatório, uma vez que ninguém deve ser obrigado a pagar tributo

além do que é devido. Ademais, tais presunções são responsáveis por distorções no preço de

mercado. Não obstante a praticidade das pautas fiscais na substituição para frente,

principalmente no que concerne ao combate de fraudes, nenhuma política fiscal pode infringir

os princípios da capacidade contributiva, do não-confisco, da estrita legalidade da tributação,

da não-cumulatividade e o meta-princípio da segurança jurídica. Nesse sentido, Carrazza

(2011, p. 376) expõe que:

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Afinal, as razões de praticidade que geraram a adoção de pautas fiscais não têm primazia sobre a segurança e a certeza da tributação, postulados constitucionais que exigem que os contribuintes recolham, a título de tributo, exatamente o que devem, nunca, mais. Do contrário haverá, da parte da pessoa política tributante, enriquecimento sem causa, que a Teoria Geral do Direito repele e o senso comum inadmite.

Outra situação que comumente acontece no sistema tributário brasileiro e que viola o

princípio da não-cumulatividade é fato de um tributo integrar a base de cálculo de outro, o que

consiste em um modo de onerar a base duas ou mais vezes. O IPI faz parte da base de cálculo

do ICMS em todas as etapas de comercialização, dessa forma, por conseguinte, o IPI integra,

juntamente com o ICMS, a base de cálculo do PIS/COFINS (DERZI, et. al., 2007, p. 545).

Carrazza (2011, p. 639) discorda abertamente dessa inclusão de impostos na base de

cálculo do PIS/COFINS, pois tais contribuições sociais incidem sobre o faturamento do

contribuinte, segundo art. 195, I, da CF/88, logo, sua base de cálculo é a receita bruta da

empresa auferida pela venda de mercadorias ou prestação de serviços. Ocorre que valor

despendido a título de imposto não é faturamento, portanto não pode estar incluso na base de

cálculo dessas contribuições sociais.

O cálculo por dentro é também uma forma de majorar a alíquota do imposto. Isso

ocorre tanto com o ICMS, como com o Imposto sobre Serviços municipal – ISSQN. Quando

o imposto é calculado por dentro, ele integra a própria base de cálculo e esse subterfúgio tem

como grave consequência o aumento da carga tributária que é repassada ao preço final da

mercadoria. Ao comparar a fórmula correta, utilizando a técnica do cálculo por fora do ICMS,

com a equação efetivamente utilizada, calculada por dentro, Carrazza (2011, p. 343) comenta

que “[...] resulta da primeira equação que a alíquota empregada corresponde a 18% ad

valorem; a segunda, ao revés, leva a uma alíquota de 21,95%, o que, a todas as luzes, tipifica

uma burla (por excesso) à alíquota legalmente prevista (18%)”.

Como visto, a tributação do consumo no Brasil historicamente acumula fracassos em

decorrência da manutenção de impostos segregados, os quais poderiam ser agrupados em um

verdadeiro Imposto sobre o Valor Agregado. Em decorrência dessa repartição do IVA em

inúmeros impostos com critérios materiais mais reduzidos existe no Brasil a combinação de

situações de não-cumulatividade parciais com monofasia e efeitos cumulativos em tributos

plurifásicos (Tôrres, 2007, p. 82). Tais peculiaridades são os motivos por tornar a carga

tributária existente no país uma das mais pesadas do mundo, inclusive e principalmente sobre

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as exportações o que cria, por sua vez, graves obstáculos a quaisquer projetos de integração

econômica que o Estado brasileiro intencione levar a cabo.

No próximo tópico será analisada a problemática relacionada ao federalismo fiscal e as

características do ICMS e, em um segundo momento, confrontá-las com a possibilidade de

implantação de um IVA brasileiro.

5.5 Federalismo fiscal brasileiro e o ICMS: possibilidades e obstáculos à implantação

do IVA no Brasil

Por federalismo entende-se uma forma de Estado estabelecida na Constituição que

garante a autonomia financeira e administrativa dos entes subnacionais e do governo central,

sendo que as respectivas competências estão limitadas e definidas constitucionalmente. No

Brasil, os entes federados são os estados, municípios, distrito federal e a união, unidades essas

autônomas e independentes e que não possuem, entre elas, qualquer grau de hierarquia.

(DALLARI, 2011, p. 254-255).

Salienta-se que todas as federações existentes hoje no mundo se diferem entre si, de

modo que não exista um molde universal para o conceito de federalismo. A federação

americana é praticamente uma confederação, uma vez que os estados federados desse país

possuem grande autonomia, com legislação própria em matéria civil, penal, processual e

tributária. Por outro lado, a Argentina e a Alemanha são federações onde, apesar de

garantirem autonomia e independência para seus entes federados, existe certa concentração de

poder no governo federal. Inclusive, nesses dois últimos países, a tributação sobre o consumo

realizada pelo IVA é de competência legislativa do poder central (MARTINS, 2007, p. 400).

Em específico, a Federação Brasileira surgiu no Constituição de 1891, e partiu de um

Estado unitário para um com maior descentralização. Ao longo da história republicana

brasileira é possível observar avanços e retrocessos na descentralização das competências

constitucionais dos entes federados (SIQUETTO, 2004, p. 273-275). Vogas (2011, p. 210)

comenta que todas as grandes reformas tributárias levadas a cabo no Brasil são intimamente

relacionadas com um contexto histórico de grandes transformações políticas no país. Assim

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ocorreu com a reforma realizada durante o Governo de Getúlio Vargas, com aquela realizada

pelo regime militar e, em terceiro lugar a promovida pela Constituição Federal, em um

período de redemocratização do país.

Na época da ditadura militar houve movimentos para se promover uma maior

centralização administrativa e do poder na esfera da união. Com a redemocratização do país, a

Constituição Federal de 1988 buscou salvaguardar o federalismo, seja por meio de suas

detalhadas definições quanto às competências tributárias, financeiras e administrativas dos

entes federados, seja por proteger o modelo federativo de Estado, através de cláusula pétrea,

de modo que fica proibida emenda que seja tendenciosa a abolir a forma federativa do Estado

brasileiro. Assim, o constituinte partiu do pressuposto de que o federalismo, ou seja, uma

maior autonomia para os entes federados é um meio essencial para se garantir o Estado

Democrático de Direito (CAMARGO, 2004, p. 195-196).

Acontece que quando o Brasil opta por regionalizar os tributos que corresponderiam

ao IVA surgem diversos problemas seja no âmbito interno do país seja para a possibilidade de

integração econômica latino-americana. Como reflete Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007,

p. 554) “a realidade de um país federativo com três ordens de governo impunha-se

desafiadora”.

Vogas (2011, p. 209-210) comenta a existência de três tipos de conflitos quando a

discussão versa sobre regionalização ou a centralização da competência legislativa tributária

do IVA, tais como: a) o conflito de interesses entre o setor público e o privado, no qual o

primeiro tem como objetivo maiores disponibilidades de receita e o segundo busca um menor

impacto da tributação sobre a eficiência e a competitividade do mercado; b) o conflito vertical

entre entes federados, no qual união, estados e municípios digladiam por maiores fatias da

receita tributária, como forma de garantir maior autonomia e independência administrativa; c)

o conflito horizontal, entre entes federados de mesmo nível de governo, como exemplo, a

guerra fiscal existente entre os estados produtores do sul e sudeste brasileiro e os estados

consumidores do norte e nordeste.

No primeiro caso, o do conflito de interesses entre o setor público e privado, é possível

encontrar uma solução que permita uma maior arrecadação de receitas, protegendo o interesse

do setor público, sem que a carga tributária interfira negativamente sobre o mercado,

tutelando também o interesse do setor privado. Esse tipo de solução é o ideal para um país que

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se encontra em processo de integração, como o Brasil no âmbito do Mercosul, pois uma

menor e mais neutra carga tributária permite uma maior circulação de mercadorias. Para

tanto, é imperativo que os tributos incidentes sobre os produtos e demais bens de consumo

sejam neutros e não-cumulativos, que não onerem excessivamente as exportações e nem crie

distorções de mercado.

Os tributos sobre o valor agregado provocam efeitos macroeconômicos, os quais serão

mínimos conforme a neutralidade econômica desse grupo de tributos for mais efetiva. Quando

se reduz as alíquotas de um tributo sobre o valor agregado, aumenta-se o poder aquisitivo dos

indivíduos, que passam a consumir mais e em consequência disso, amplia-se a demanda por

bens e serviços, o que gera mais emprego e riqueza, alimentando esse ciclo. Nesse contexto, a

redução de alíquotas, ao invés de diminuir o volume de receita arrecadado, terá como efeito o

aumento dessa receita diretamente proporcional ao aumento do consumo, de modo que o setor

público e o setor privado tenham os seus interesses satisfeitos. Seguindo essa linha de

raciocínio, Falcão (2007, p. 619) propõe que:

[...] A intervenção do Estado na abordagem keynesiana clássica teria como escopo o reaquecimento da economia por meio de ações destinadas a eliminar os desequilíbrios do mercado. A redução de alíquotas do tributo sobre o valor agregado teria o condão de proporcionar o aumento do poder aquisitivo dos indivíduos, incrementando, dessa forma, a demanda por bens e serviços e a geração de novos postos de trabalho. Essa intervenção teria efeitos, também, no volume de receitas arrecadadas em proporção direta do aumento do consumo.

O fato de o Brasil possuir uma tributação particionada entre união, estados, DF e

municípios dificulta a integração com os demais países do Mercosul, todos com IVA

centralizado. Problema similar ocorre no âmbito do NAFTA, integração regional existente

entre Estados Unidos, Canadá e México, cujo sucesso exige uma maior integração legislativa

tributária dentro da Federação americana (MARTINS, 2007, p. 400). Esse autor (2007, p.

401), ao comentar sobre o sistema brasileiro relacionado ao contexto de integração

mercosulina, reflete que:

Enfim, a multiplicidade de incidências circulatórias, na Federação brasileira, com incidência federal do IPI sobre a produção de bens, ICMS estadual sobre sua circulação e ISS municipal sobre os serviços, excluídos os de transporte e comunicação, de âmbito estadual, além das contribuições sociais, cuja finalidade é mais arrecadatória do que social (PIS e COFINS), torna o sistema tributário brasileiro de difícil integração com o IVA, hoje consagrado na Argentina, Uruguai e Paraguai, países signatários do Mercosul, como imposto centralizado.

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Quanto ao conflito vertical entre os entes federados – união, estados, distrito federal e

municípios – sobre os quais a Federação Brasileira está estruturada politicamente, é

importante ressaltar que existe uma preocupação em garantir que cada um desses entes

possuam fontes de receita suficientes para sustentar as suas despesas orçamentárias. Por isso

que o federalismo, como dito, é salvaguardado na Constituição Federal como cláusula pétrea

e, por tal motivo, que quando se realizou a repartição de competências tributárias na Carta

Magna de 1988 os estados ficaram com a competência sobre o ICMS. Sobre o assunto, Torres

(2007, p. 28) sinaliza que:

[...] Além dos objetivos propriamente econômicos do ICMS (combater a integração vertical das empresas e criar mecanismos simples para os incentivos à exportação), visava o novo imposto a resolver o relacionamento fiscal entre os Estados-membros e entre esses e os Municípios. A integração vertical Estados/Municípios, inicialmente prevista em termos de repartição de competência impositiva, consolidou-se posteriormente sob a forma de participação na arrecadação. Já as relações entre os Estados-membros tentou a Constituição racionalizá-las através de dispositivos específicos sobre as alíquotas e as isenções, complementados por normas do CTN sobre a base de cálculo. Quarenta anos depois de imaginado o sistema pode-se dizer que os problemas os mais intricados do ICMS não decorrem de seus aspectos estruturais e econômicos, mas da sua colocação no contexto do nosso federalismo.

Apesar da relevância arrecadatória do ICMS, é possível apontar diversos fatores

negativos provenientes do fato do ICMS ser de competência dos Estados, dentre eles: a) o

excessivo número de legislações estaduais e de obrigações acessórias apenas torna mais

burocrático o processo arrecadatório e causa prejuízos aos contribuintes; b) os fiscos estaduais

costumam aplicar alíquotas altas sobre a base de cálculo, inclusive no caso de produtos

essenciais, o que é atentatório ao princípio da seletividade prevista na Constituição; c) tem-se

a “guerra fiscal”, na qual os estados buscam alcançar seus objetivos isolados em detrimento

da Federação como um todo (GAMA, 2004, p. 151-152).

Especificamente no que se refere à “guerra fiscal”, denominada acima de conflito de

interesses horizontal, o fato de o ICMS ser de competência dos estados e do distrito federal,

desencadeou tentativas de fraude e de evasão fiscal. Conforme o lecionado por Derzi e

Santiago (2007, p. 549), os estados, com o objetivo de atrair para si investimentos, criaram

mecanismos para excepcionar o dever de pagar o ICMS, seja por isenções, remissões, créditos

presumidos, regimes especiais e outros favores salvaguardados por convênios aprovados por

todos os estados ou sem a aprovação de tais convênios, criando um ambiente de verdadeira

concorrência predatória que só traz prejuízos à federação como um todo.

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No que tange à gênese e o modo de funcionamento dessa figura peculiar que é o

ICMS, Coêlho (2007, p. 555) traz importante esclarecimento, como pode ser observado

abaixo:

Dadas a diversidade nos estágios de desenvolvimento das várias regiões do país e a ânsia generalizada dos estados de se desenvolverem, o ICM, já esparramado sobre um mapa de 23 estados e mais de 4 mil municípios, foi logo agarrado pelas unidades federadas como uma ferramenta hábil para partejar o desenvolvimento econômico se bem que, em parte, contidas pelos convênios. Oriundo, na sua concepção, de países já desenvolvidos, unitários em sua maior parte, o nosso ICM contorceu-se para conviver com as ânsias de crescimento dos estados e a profunda diversidade econômica dos “países” componentes da Federação.

Nesse diapasão, a necessidade de reforma tributária é algo que há muito é discutido no

cenário brasileiro, seja para se evitar as “guerras fiscais” entre estados, seja para diminuir as

desigualdades regionais e aumentar a eficiência do desenvolvimento econômico e social do

país, seja para diminuir a carga tributária sobre o contribuinte e aprimorar uma real

redistribuição de renda ou, ainda, para alcançar os objetivos integracionistas como os

abordados aqui (SIQUETTO, 2004, p. 276).

Não obstante, quando a discussão sobre a reforma tributária passa a apresentar

soluções que atinjam os impostos sobre o consumo, principalmente o ICMS, surgem

controvérsias e impasses, tendo em vista que esse imposto é de competência dos estados e do

distrito federal, e quaisquer modificações nesse âmbito podem ser interpretadas como

ameaças ao pacto federativo, cláusula pétrea tutelada expressamente no art. 60, § 4º, I da

CF/88.

Emendas que reduzem o âmbito do direito salvaguardado nas cláusulas pétreas não são

necessariamente violações a essas cláusulas. A mera redução da forma federativa de Estado

não é por si só um ataque à cláusula pétrea, exige-se que essa redução seja tendente à abolição

completa do federalismo no Estado brasileiro (GUTIERREZ 2004, p. 35). Torna-se relevante

verificar se a implantação de um IVA nacional seria uma mera redução da autonomia dos

estados e do distrito federal ou se essa redução é de tal forma limitadora da independência, da

capacidade arrecadatória e financeira e da autoadministração desses entes, que ameaçaria

definitivamente o pacto federativo.

O IVA nacional é uma alternativa ao atual sistema (SIQUETTO, 2004, p. 282).

Poderia ser implantado através de uma emenda que alterasse a Constituição, unificando o IPI,

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ICMS e ISSQN, principais tributos sobre o consumo, de forma que a união tivesse

competência de, por meio de lei complementar, estabelecer as alíquotas aplicáveis. Todavia,

resta a questão se tal emenda feriria o pacto federativo, ou seja, se ao modificar as

competências tributárias dos entes federados, tratar-se-ia de uma emenda tendente à abolição

da forma federativa de Estado.

Sobre a questão da autonomia dos sujeitos federados, Gutierrez (2004, p. 38) pondera

que “[...] a existência real de autonomia depende da previsão de recursos suficientes e não

sujeitos a condições, para que os entes federados possam desempenhar suas atribuições. Se os

recursos forem insuficientes, a autonomia existirá apenas no papel”.

Gama (2004, p. 143) aponta que a Constituição Federal de 1988 utilizou dois

mecanismos para garantir a autonomia financeira das entidades federativas: “a) a repartição

das fontes de receita (arts. 145 a 156) e b) a repartição do produto da arrecadação (arts. 157 a

162)”. No primeiro caso situa-se a própria arrecadação de receitas, como é o caso do ICMS.

No segundo caso está o repasse de receitas obtidas através da tributação por determinadas

pessoas políticas para outros entes federados. É o que se tem com os Fundos de Participação

dos Estados e Municípios, previsto no art. 159, I, a e b da CF/88.

A implantação de um IVA nacional necessariamente exige que se faça atenção a essas

duas formas de promover a autonomia financeira das pessoas políticas. Se houver a

centralização do IPI, ICMS e ISSQN em um único imposto de competência da união, será

necessário equilibrar o federalismo aumentando as receitas transferidas. Gama (2004, p. 160)

reflete que:

Certamente, como restou demonstrado, a futura reforma tributária deverá respeitar a autonomia financeira das unidades federadas; porém, no exercício de sua competência, o poder reformador poderá mover-se entre os meios possíveis de instrumentalização dessa autonomia, desde que tenha sempre em mente a descentralização como forma de desenvolver e concretizar os valores fundantes do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

A implantação de um IVA nacional seria uma importante reforma tributária no que

tange ao aumento do fluxo comercial entre os Estados do Mercosul, promovendo a liberdade

de circulação de mercadorias uma vez que aproximaria a legislação brasileira incidente sobre

os bens de consumo àquela dos demais países mercosulinos.

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Apesar de restar demonstrado que não há óbices jurídico-constitucionais a uma

emenda constitucional que crie um IVA nacional, desde que seja garantida a autonomia

financeira dos entes federados, ocorre que os estados e distrito federal são politicamente

avessos a tal reforma, pois se sentem ameaçados em suas autonomias. Assim, se não há

empecilho jurídico para a reforma tributária, existe obstáculos políticos a essa, sendo esse

justamente o motivo pelo qual, apesar de anos de discussão, ainda não foi possível reformar o

sistema tributário brasileiro. Nesse sentido, Vogas (2011, p. 212) pondera que:

Muitas propostas já foram colocadas e descartadas, outras aguardam esforço político para se viabilizarem, mas nenhuma será eficiente se não trouxer em seu bojo a federalização do ICMS, pautada numa imposição nacional, com partilha automática da receita entre as unidades federadas, garantias de fiscalização e arrecadação comuns, sob a supervisão da máquina fiscal superior da União.

Apesar do atual contexto político ser mais favorável à tramitação da almejada reforma tributária, aliado a um processo de acentuado crescimento econômico que impacta positivamente o resultado da arrecadação fiscal, reduzindo os ambientes de resistência, fato é que os insucessos reiterados de tentativas de reformas anteriores acabam por nos manter céticos e descrentes, quanto a real e efetiva possibilidade de aprovação da PEC nº 233/2008, nos moldes em que se apresenta.

A Proposta de Emenda Constitucional de 2008 – PEC nº. 233/2008 (que se encontra

apensada à PEC 31/2007), apesar de ter como principal objetivo a simplificação do sistema

tributário brasileiro, propondo para tanto a unificação das legislações dos estados federados e

distrito federal, foi menos ambiciosa do que as propostas anteriores, mantendo a competência

dos estados e do DF sobre o ICMS (Vogas, 2011, p. 212). Ainda assim, a PEC nº. 233/2008 é

passível de sofrer resistência por parte dos estados que costumam ser muito conservadores no

que se refere às suas competências legislativas e arrecadatórias fiscais.

De fato, como salienta Coêlho (2007, p. 586) a transformação do ICMS em IVA

apresenta empecilhos de todo tipo, pois precisaria abarcar o critério material de vários

impostos, como o ICMS, IPI, ISSQN, IOF, PIS e COFINS; seria necessário federalizar a

legislação do ICMS, seria importante que tal IVA fosse efetivamente neutro, amplo e não-

cumulativo; e obrigaria uma grande modificação no modo como se reparte a competência

tributária no Brasil. Não obstante todas essas dificuldades o IVA nacional, com a partilha das

receitas vinculada legalmente, seria a solução mais adequada para se buscar uma

harmonização tributária no âmbito do Mercosul, permitindo a livre circulação de mercadorias

e, consequentemente, o sucesso desse bloco.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro capítulo, após os esclarecimentos introdutórios e conceituais sobre a

integração regional entre Estados, ficou demonstrado que essa resulta do fenômeno da

globalização e consiste em um mecanismo para amenizar os pontos negativos de uma

sociedade internacional globalizada. Para tanto, os movimentos integracionistas adotam regras

do liberalismo para regular o comércio intrarregional, mas se utiliza de ferramentas de

protecionismo na relação comercial com países externos ao bloco.

Ainda nesse primeiro momento foi observado que a integração econômica entre

Estados não é um fim em si, mas existe como meio através do qual se objetiva o crescimento

econômico e o desenvolvimento social dos países envolvidos. Além disso, a integração

jurídica tem a função de regular e orientar o processo integracionista, de modo que o Direito

de Integração surge em um contexto específico e deve servir e ser eficaz para o alcance dos

objetivos econômicos referendados pelo tratado constitutivo do bloco regional.

No segundo capítulo abordou-se especificamente o processo de integração regional

entre Estados verificado no âmbito do Mercosul. Percebeu-se que para a realização do

objetivo do Mercosul previsto no art. 1º do Tratado de Assunção de criar um mercado comum

entre os Estados-membros desse bloco regional é necessário implementar a livre circulação de

mercadorias, pessoas, serviços e capitais. Observou-se que existem etapas lógicas a serem

cumpridas para a efetiva consecução do mercado comum e que a primeira dessas etapas é

implementar a livre circulação de mercadorias. Ademais, foi também objeto de análise desse

capítulo o aparato jurídico disposto pelos Tratados e Protocolos que instituem e regulam o

Mercosul, com o escopo de verificar se existem ferramentas jurídicas no âmbito desse bloco

capazes de colocar em prática a harmonização legislativa tributária.

Existe relação entre a efetiva liberdade de circulação de mercadorias no território

mercosulino e a harmonização legislativa dos impostos indiretos sobre o consumo, uma vez

que esses impostos influenciam o preço final dos produtos e, portanto, podem servir como

mecanismos de discriminação por causa da origem das mercadorias, prejudicando sua

circulação dentro do Mercosul.

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A harmonização legislativa fiscal existe para se evitar que conflitos decorrentes da

aplicação simultânea de dois ou mais ordenamentos jurídicos estatais acarretem na violação

de compromissos assumidos no âmbito internacional ou no fracasso da efetivação dos

objetivos perseguidos por um tratado constitutivo de um bloco regional. A legislação interna

pode provocar situações de bitributação em contextos integracionistas ou, ainda, aumentar

sobremaneira o preço final dos produtos e gerar distorções concorrenciais. Nesse diapasão a

harmonização legislativa tributária ganha relevância, pois tal ferramenta tem a função de

evitar a sobrecarga fiscal sobre o consumo de produtos e coibir as medidas discriminatórias

das mercadorias oriundas de outros países do bloco, que teriam o condão de prejudicar o fluxo

comercial entre os Estados-membros de uma integração.

Existem diversas dificuldades a se enfrentar e questões a serem analisadas quando se

se coloca em pauta a harmonização fiscal entre Estados de um bloco regional. Primeiramente,

as prerrogativas de criar e arrecadar tributos são características fundamentais do exercício da

soberania interna e os Estados tendem a resistir às limitações a essas. Em segundo lugar, é

comum existir discrepâncias entre os países envolvidos em um processo de integração no que

se refere aos gastos públicos e sua consequente necessidade de arrecadação. Por último, em

um processo de harmonização legislativa fiscal sempre existem grupos comerciais e

financeiros que vão sofrer prejuízos imediatos, em decorrência do aumento de concorrentes e

da perda de vantagens tributárias. Esses grupos costumam assumir uma posição renitente em

relação à harmonização, pressionando os governos para que retarde ou impeça esse processo.

De todos os documentos, Tratado e Protocolos, emanados pelo Mercosul, apenas o art.

7º do Tratado de Assunção faz referência à importância do tratamento isonômico dos produtos

oriundos de todos os Estados-membros do Mercosul, desencorajando as distorções nos fatores

da livre-concorrência provocadas pela tributação, devido à discriminação de natureza fiscal de

determinados produtos.

Eliminar barreiras tributárias tutelam os produtores e comerciantes de todo o bloco

econômico, de modo que a livre-concorrência assume o caráter de garantir condições de

igualdade entre os competidores com o intuito de aumentar e diversificar a produção

intrarregional. Além disso, a não discriminação do produto estrangeiro tem como finalidade a

proteção do consumidor que habita o território da integração, pois mantem os preços

acessíveis.

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Estados envolvidos em um processo integracionista, que não tiveram seus sistemas

tributários harmonizados, comumente intentam atrair investimentos por meio de estratégias

fiscais responsáveis por criar “guerras fiscais”. A complexidade do problema aumenta quando

existem Estados Federativos, como o Brasil, envolvidos na integração e que, por isso, já lidam

com as “guerras fiscais” internas empreendidas pelos próprios entes federados.

A integração dos Estados do Cone Sul encontra raiz no fato de esses países

intencionarem a superação de suas posições periféricas no âmbito do comércio internacional,

aumentando a troca comercial intrarregional até alcançar a construção de um mercado

comum. Ocorre que, em contraposição, a tradição de países exportadores de matéria-prima

gravada na cultura econômica latino-americana desde a colonização, os resquícios

nacionalistas do período ditatorial e as incipientes e frágeis democracias, foram obstáculos

para essa aproximação entre os Estados-membros do bloco mercosulino.

De fato é possível verificar essas características contraditórias nos Tratados e

Protocolos do Mercosul, como nas Constituições dos Estados-membros. O Tratado de

Assunção impõe como objetivo integracionista a criação do mercado comum, algo

extremamente ambicioso, por exigir uma maior aproximação e harmonização entre os

sistemas jurídicos tributários dos países envolvidos, porém dota a Organização regional de

mecanismos pouco eficientes e saturados de intergovernamentalidade para levar a cabo tais

objetivos.

O caráter intergovernamental do Mercosul é notado em todos os seus aspectos. Seus

órgãos deliberativos não possuem sede fixa, são na realidade reuniões periódicas, cujos

integrantes pertencem ao corpo do Poder Executivo dos Estados-membros. As deliberações

para tomada de decisões exigem a presença de todos os membros e a unanimidade. Na

hipótese em que tais decisões sejam aprovadas, não vão possuir aplicabilidade imediata e vão

depender completamente dos ordenamentos jurídicos dos países do Mercosul para que

produzam efeitos em seus territórios.

Não há previsão de sanções para a morosidade ou não incorporação pelos Estados da

normativa derivada do Mercosul. Esses entes possuem plena liberdade para não recepcionar

tais normas, ou fazê-lo de modo defeituoso, deturpando o sentido dado conforme for

conveniente. Além disso, por não existir uma ação integrada entre os Poderes Judiciários

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nacionais e os Órgãos de Solução de Controvérsias do Mercosul, é ausente a possibilidade de

interpretação uniforme das regras mercosulinas.

Percebe-se que qualquer movimento em prol da integração depende mais da iniciativa

dos Estados do que do Mercosul, enquanto uma Organização com direitos e deveres

internacionais. Por esse motivo, tornou-se relevante analisar as previsões constitucionais e

legislativas de cada Estado relativas à implementação dos objetivos integracionistas. Tal

tarefa foi realizada no terceiro capítulo deste trabalho.

Observou-se que existem diferenças entre os países do Mercosul no que se refere ao

modo como suas Constituições tratam sobre o tema da integração latino-americana. Enquanto

que a Carta Magna do Uruguai e a do Brasil confere caráter meramente programático ao

dispositivo sobre a integração entre países da América Latina, as Constituições da Argentina,

do Paraguai e da Venezuela denotam maior receptividade a movimentos integracionistas,

contudo não trazem previsões sobre a incorporação de normas mercosulinas em específico.

Cada Estado propõe diferentes processos de recepção de normas internacionais e

consequentemente daquelas oriundas do Mercosul. Além disso, as previsões sobre a posição

hierárquica que a normativa internacional assume no Direito interno também se distinguem

entre os países.

Na Argentina e no Paraguai as normas gerais internacionais assumem o status de

supralegais. No Uruguai elas têm o status de dispositivos infraconstitucionais. Já a Venezuela

dispõe que as normas emanadas em contextos de integração terão primazia e aplicabilidade

direta no ordenamento interno, mas tendo em vista que a adesão desse país ao Mercosul é

extremamente recente, ainda não se sabe como a normativa desse bloco será efetivamente

tratada. Quanto ao Brasil, esse confere às normas gerais internacionais hierarquia de lei

ordinária, além de trazer hipóteses em que a recepção poderá ser dada tanto por mero

Decreto-Executivo, sem aprovação do Congresso Nacional, como por atos administrativos da

Administração Pública Direta e Indireta.

A situação criada pelas diferenças entre os países quanto aos processos de

incorporação de normas internacionais causa certos prejuízos à segurança jurídica do bloco,

quais sejam: a) na maioria das vezes a autoridade que realiza a incorporação não coincide com

aquela que participa da deliberação da norma e, portanto, desconhece os motivos para a sua

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adoção; b) por ser um sistema de incorporação difuso, aumenta-se a morosidade dessa e a

possibilidade de modificação do texto, o que dificulta sua interpretação e cumprimento

corretos; e c) sempre existe possibilidade de abstenção da recepção da norma, o que diminui a

certeza do direito no processo de integração e gera graves prejuízos para a harmonização

jurídica de áreas relevantes, dentre elas, a tributária.

Faz-se mister salientar os obstáculos que existem, especificamente no Direito

brasileiro, para a incorporação de tratados cujo objeto sejam os tributos de competência

estadual, distrital e municipal. Tais normas internacionais poderiam ferir a autonomia e

independência desses entes federados o que consistiria em uma ameaça ao pacto federativo,

cláusula pétrea prevista no art. 60, I da CF/88. Entretanto, produz impacto negativo ao

processo de integração, proibir que a República Federativa do Brasil negocie no plano

regional, tratados que visem à harmonização de tributos incidentes sobre a venda e circulação

de mercadorias e que, por isso, atinja as características de tributos dos estados, municípios e

distrito federal. É importante que uma reforma constitucional seja realizada nesse sentido,

permitindo ao Estado brasileiro exercer de modo pleno sua prerrogativa de celebrar tratados.

Após compreender o funcionamento do Mercosul e os mecanismos particulares de

cada Estado-membro para incorporação de normas mercosulinas, percebeu-se que a promoção

da harmonização tributária no âmbito desse bloco depende quase que exclusivamente da

iniciativa política dos órgãos internos dos países mercosulinos. Nesse diapasão, tornou-se

relevante um estudo mais específico, objetivando aprofundar o conhecimento sobre os

principais tributos que incidem sobre a venda e a circulação de mercadorias em cada um dos

Estados do Mercosul, verificar as similaridades e disparidades existentes entre esses países e

definir os pontos que precisariam ser modificados em prol de uma maior harmonização

tributária desses sistemas jurídicos. Tal tarefa foi dividida entre o quarto e o quinto capítulo.

No quarto capítulo apresentou-se o histórico, o conceito, a classificação e as

características do Imposto sobre o Valor Agregado, como um tributo indireto sobre o

consumo e que tem como principal escopo evitar a cumulatividade, a qual é prejudicial, pois

onera o preço final do produto e fere os princípios da capacidade contributiva e do não-

confisco. Ficou demonstrado nesse capítulo que existem dois tipos de impostos sobre o valor

agregado: O IVA tradicional, cuja base de cálculo é apenas a parcela que se agregou ao valor

total do produto em cada etapa considerada. E o IVA pelo sistema de créditos e débitos, no

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qual a base de cálculo é o quantum total, permitindo-se que do valor a título de imposto a ser

pago seja subtraído o que foi pago na etapa anterior.

Nesse capítulo também foram estudados os Impostos sobre o Valor Agregado da

Argentina, Paraguai Uruguai e Venezuela, uma vez que seguem o modelo do IVA tradicional

e guardam maiores semelhanças entre si, por exemplo: a) possuírem uma hipótese de

incidência ampla, que abrange operações jurídicas e importações de bens e serviços; b)

apresentarem técnicas para garantir a neutralidade e não-cumulatividade da imposição fiscal;

c) consistirem em impostos nacionais ou federais e, portanto, a competência para instituí-los,

cobrá-los e arrecadá-los ser centralizada; d) o sistema de imposição tributária ser no destino; e

f) utilizarem o sistema de créditos e débitos para a compensação do imposto pago na etapa

anterior. Essas similaridades facilitam a harmonização tributária entre esses países.

O estudo dos impostos brasileiros foi realizado separadamente no quinto capítulo,

porque a sistemática desse país difere completamente das dos demais membros do Mercosul.

O Brasil não possui um IVA tradicional, com base ampla; a imposição tributária é

descentralizada, existindo tributos de competência da união, dos estados, dos municípios e do

distrito federal; a neutralidade e a não-cumulatividade desses impostos são parciais, uma vez

que são amplamente usados com função extrafiscal e possuem resíduos de cumulatividade; e

o sistema de imposição tributária do ICMS é na origem. A semelhança com os IVAs dos

demais Estados do Mercosul basicamente se encontra apenas no fato de que o IPI e o ICMS

utilizam o sistema de créditos e débitos para evitar a cumulatividade.

Em seguida, buscou-se estudar se existe algum obstáculo jurídico-constitucional no

Direito Brasileiro para a realização de uma reforma tributária que unifique os impostos

indiretos sobre o consumo em um IVA nacional, de competência da união. Nesse estudo deu-

se ênfase ao ICMS, uma vez que é um tributo de competência dos estados e do distrito federal

e a sua supressão poderia ser uma ameaça ao federalismo fiscal brasileiro, cláusula pétrea

constitucional e que, portanto, não poderia ser objeto de emenda tendente à abolição da forma

federativa de Estado.

Ocorre que a criação de um IVA para o Brasil que englobe em seu critério material o

ICMS não é, por si só, uma afronta ao princípio do federalismo, desde que a reforma tributária

busque instituir outros meios para garantir a autonomia financeira dos estados e do distrito

federal, por exemplo, vincule legalmente a união, para que essa repasse uma parcela da receita

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adquirida com o IVA nacional, correspondente ao antes arrecadado pelo ICMS, para os

estados e o distrito federal, de modo que esses não sofram graves prejuízos com a reforma

tributária.

Ressalva-se, contudo, que apesar de não existir efetivo obstáculo jurídico para a

criação de um IVA nacional, há grande força política contrária a esse tipo de reforma. Os

estados receiam perder a autonomia política e financeira conquistada com a Constituição

Federal de 1988, após tantos anos de ditadura militar e sua consequente centralização de

poder, por isso, dificilmente tais entes federados atuariam em prol da implantação de dito

imposto único de competência da união.

Esse receio dos estados federados é plenamente justificável, uma vez que no Brasil,

historicamente, a centralização de competências sobre a instituição e a arrecadação de

impostos indiretos sobre o consumo sempre esteve intimamente relacionada com governos

ditatoriais, com graves reduções da autonomia dos entes federados. Foi assim no primeiro

governo de Getúlio Vargas e foi assim na época da ditadura militar.

De fato, um IVA para o Brasil, com a partilha vinculada das receitas com os demais

entes federados, seria a solução mais adequada para efetivar uma harmonização tributária no

âmbito do Mercosul, em prol da livre circulação de mercadorias e, consequentemente, do

sucesso desse bloco. Todavia, são vários os empecilhos práticos e políticos para a

transformação do ICMS em IVA, tendo em vista que o mesmo teria que englobar o critério

material dos demais tributos – IPI, ISSQN, IOF, PIS e COFINS. Além disso, a legislação do

ICMS seria federalizada e mecanismos teriam que ser criados para garantir a neutralidade e

não-cumulatividade de tal IVA, de modo que ocorreria grande revolução na forma de se

repartir as competências tributárias no Brasil.

Realizar uma reforma menos ambiciosa, que afete em menor escala a autonomia dos

entes federados, pode ser vantajosa, por apresentar resultados imediatos e ser um passo,

apesar de tímido, em direção à construção de um mercado comum. Nesse sentido, a PEC nº.

233/2008 – apensada à PEC 31/2007 – busca simplificar o sistema tributário brasileiro,

propondo a mera unificação das legislações dos estados federados e do distrito federal, sem

afetar a competência desses entes no que tange à arrecadação do ICMS.

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No que se refere aos demais Estados-membros do Mercosul, uma reforma que seria

adequada consiste na adoção por esses países de um sistema de imposição na origem, como já

é realizado no Brasil. A imposição na origem é almejada também pela União Europeia e

constitui no mecanismo mais compatível para regiões realmente integradas, por não precisar

da manutenção das barreiras, das burocracias e da administração alfandegária. Desse modo,

poderia instituir o princípio da origem para o comércio dentro do território do Mercosul e

permanecer com princípio do destino para as transações com países terceiros.

Por fim, com base no exposto, cumpre destacar que a harmonização tributária com a

finalidade de contribuir para a integração dos Estados-membros do Mercosul, nos termos do

questionamento central colocado na introdução desta dissertação, é passível de ser alcançada a

partir de modificações nos sistemas jurídicos constitucionais e legais analisados. No entanto,

tais reformas dependem sobremaneira do componente político que permeia as opções

jurídicas dos Estados do Mercosul.

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