Direito de Arena e Direito de Imagem nos Esportes Eletrônicos

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    O Direito de Arena e o Direito de Imagem nos Esportes Eletrnicos

    The Arena Rights and the Image Rights in Electronic Sports

    Por Helio Tadeu Brogna Coelho1

    Sabe-se que o Projeto de Lei n 3.450/2015, de autoria do deputado federal Joo

    Henrique Holanda Caldas busca acrescentar ao art. 3 da Lei 9.615, de 24 de maro de

    1998 (Lei Pel), a previso das competies eletrnicas, passando a caracteriz-las como

    esporte e tornando-as legalmente reconhecidas, apesar de, culturalmente, o e-sport j ter

    sido recepcionado no Brasil como tal, merecendo, agora, receber o manto regulatrio para

    tutelar os direitos dos jogadores profissionais e das entidades desportivas.

    Apesar dos questionamentos existentes sobre a possibilidade, ou no, de se aplicar

    da lei desportiva aos esportes eletrnicos ressalvados posicionamentos contrrios,

    entendemos que a lei encontra profcuo campo de aplicao, pois a norma se preocupa

    em trazer, logo no primeiro captulo, a previso de que a prtica desportiva no-formal

    caracterizada pela liberdade ldica de seus praticantes:

    Art. 1o O desporto brasileiro abrange prticas formais e no-formais e obedece s

    normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado

    Democrtico de Direito.

    (...)

    2o A prtica desportiva no-formal caracterizada pela liberdade ldica de seus

    praticantes.

    1 Advogado, ps-graduado em Direito e Tecnologia da Informao pela Universidade de So Paulo (USP).

    Diretor Jurdico da Associao Comercial, Industrial e Cultural de Games (ACIGAMES). Diretor Jurdico da Associao Brasileira de Comrcio Eletrnico (ABCOMM). Palestrante. Colunista no pe no bolso. Contatos: [email protected]; [email protected] ou https://www.facebook.com/heliotadeubrognacoelho

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    3o Os direitos e as garantias estabelecidos nesta Lei e decorrentes dos princpios

    constitucionais do esporte no excluem outros oriundos de tratados e acordos

    internacionais firmados pela Repblica Federativa do Brasil..

    Essa tese se refora quando se analisa a previso dos princpios fundamentais da

    lei desportiva, que atribuem autonomia s pessoas fsicas e jurdicas para se organizarem

    para praticar atividades esportivas:

    Art. 2o O desporto, como direito individual, tem como base os princpios:

    (...)

    II - da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas fsicas e jurdicas

    organizarem-se para a prtica desportiva;

    Atualmente, a tutela dos interesses de jogadores profissionais e das entidades

    desportivas se encontraram destitudas de regulamentao infra-legal e especfica

    (conveno coletiva, por exemplo), mas encontram-se subordinadas legislao

    extravagante, que suficiente para preencher a maior parte das lacunas que exsurgem

    dessas relaes jurdicas, tal como ocorre, por exemplo, com os contratos de trabalho, que

    so regidos pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) e pela Lei Desportiva, os

    Contratos de Patrocnio, ora regulamentados pela lei civil, dentre outras situaes.

    Em sendo assim, se de fato for aprovado o aludido projeto de lei o esporte

    eletrnico ser sacramentado e se revestir, inquestionavelmente, da integral aplicao da

    Lei 9.615/1998 e de outras normas, de modo que a relao jurdica [de emprego] travada

    entre os jogadores e os times dever se adequar s diversas situaes l previstas, e dentre

    elas, est o direito de arena.

    Esse proeminente tema tem causado desconforto entre os atletas e os clubes, seja

    porque a situao ainda no est completamente sedimentada, seja porque so tratadas de

    forma equivocada nos contratos, e isso pode gerar srias implicaes jurdicas, j que

    estamos diante da explorao de um direito personalssimo, que integra a prpria

    personalidade do jogador (direito de imagem lato sensu), e que, de acordo com a lei,

    possui natureza inalienvel, ressalvadas algumas situaes especficas.

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    Considerando-se, pois, a aplicao da lei desportiva aos contratos de trabalho dos

    atletas profissionais do e-sport, sob o prisma legal e contratual, o direito de arena e o

    direito de uso de imagem, apesar da similaridade terminolgica entre os institutos, no

    fundo, eles so completamente diferentes e no se comunicam.

    E a primeira separao que se deve fazer entre esses institutos que o direito de

    arena uma expresso prpria e originaria da lei desportiva n 9.615/1998, que garante,

    no artigo 42, s entidades de prtica desportiva o direito de comercializar, de modo geral,

    a reproduo das imagens dos jogadores durante a transmisso do espetculo desportivo

    que o seu time ou os jogadores estiverem envolvidos.

    como diz a Lei:

    Art. 42. Pertence s entidades de prtica desportiva o direito de arena, consistente

    na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captao, a fixao, a

    emisso, a transmisso, a retransmisso ou a reproduo de imagens, por qualquer

    meio ou processo, de espetculo desportivo de que participem.

    O direito de arena, portanto, de acordo com a lei, pertence diretamente aos clubes

    ou entidades, ou seja, quando o time estiver dentro da arena em jogos ou competies

    transmitidas por rede televisiva (ou internet) autorizada.

    Os valores decorrentes do direito de arena so livremente negociados (art. 42, 1

    da lei) entre as entidades desportivas e a rede que transmitir o espetculo, sendo que, em

    regra, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da explorao dos direitos desportivos

    sero obrigatoriamente repassados aos sindicatos da categoria que, por sua vez, distribuir

    o percentual entre os atletas participantes dos jogos, sejam eles titulares ou no, de modo

    que, estes, possuem direitos indiretos sobre tais valores. Vejamos:

    (...)

    1 Salvo conveno coletiva de trabalho em contrrio, 5% (cinco por cento) da

    receita proveniente da explorao de direitos desportivos audiovisuais sero

    repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuiro, em partes

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    iguais, aos atletas profissionais participantes do espetculo, como parcela de

    natureza civil.

    Como o direito de arena possui natureza de cesso de direito de imagem que

    decorre de lei (art. 42 da Lei Desportiva), ele se limita, portanto, apenas e to somente

    aos momentos de transmisso das competies, isto , no perodo em que o time estiver,

    efetivamente, em apario direta em difuses televisivas, sendo garantida aos atletas a

    participao financeira indireta no direito de arena.

    Por se tratar de direito prprio do contrato de trabalho desportivo, o direito de

    arena visto pela jurisprudncia trabalhista como verba de natureza salarial, devendo,

    portanto, integrar o salrio do aleta, inclusive para fins rescisrios e de reflexo de verbas.

    De outro lado, quando os competidores (atletas) estiverem fora do campo e das

    competies, o direito que prevalece o da personalidade, que contempla, dentre as mais

    variadas caractersticas enumeradas pela lei e pela doutrina, o uso da prpria imagem,

    que, sendo direito pessoal inerente a qualquer ser humano, o prprio atleta tem a liberdade

    independentemente da vontade ou da participao do clube, de empregar ou autorizar a

    divulgao da sua prpria imagem para outros veculos, propagandas ou patrocnios.

    Assim, fora da arena, os aletas tm a faculdade legal de proibir, quem quer que

    seja, de explorar, divulgar, propagar ou, de qualquer modo, aproveitar-se

    economicamente ou no de sua imagem ou seu nome, sejam em fotos, vdeos, textos ou

    qualquer outra forma de expresso, inclusive por meio da prpria internet e redes sociais.

    Os direitos de personalidade so compreendidos, de forma geral, como aqueles

    direitos essenciais identidade de todo o ser humano, tais como o direito vida, ao corpo,

    aparncia, ao nome, imagem, entre outros.

    No Brasil, a doutrina classifica2 os direitos da personalidade da seguinte forma:

    2 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5 ed. So Paulo. Atlas, 2005. (Coleo direito civil;

    v. 1), pag. 197.

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    So, fundamentalmente, os direitos prpria vida, liberdade, manifestao do

    pensamento. A Constituio Brasileira enumera longa srie desses direitos e

    garantias individuais (art. 5). So direitos privados fundamentais, que devem ser

    respeitados como contedo mnimo para permitir a existncia e a convivncia dos

    seres humanos.

    Tais diretos tambm so protegidos pela Constituio Federal, e se revestem de

    garantia fundamental no extenso rol do art. 5, que assegura:

    V - assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm da

    indenizao por dano material, moral ou imagem;

    (...)

    X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

    assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua

    violao;.

    Os direitos da personalidade so de tal importncia que o Cdigo Civil os trata em

    capitulo especfico, e lhes atribui, em regra, natureza inalienvel, intransmissvel e

    irrenuncivel, de modo que a sua violao poder acarretar danos morais pessoa

    ofendida ou que teve o seu direito violado, e que, consequentemente, poder exigir

    indenizao pela exposio ou utilizao indevida da imagem, do nome e outros atributos.

    Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessrias administrao da justia ou

    manuteno da ordem pblica, a divulgao de escritos, a transmisso da palavra,

    ou a publicao, a exposio ou a utilizao da imagem de uma pessoa podero ser

    proibidas, a seu requerimento e sem prejuzo da indenizao que couber, se lhe

    atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins

    comerciais.

    Art. 21. A vida privada da pessoa natural inviolvel, e o juiz, a requerimento do

    interessado, adotar as providncias necessrias para impedir ou fazer cessar ato

    contrrio a esta norma.

    Os direitos de personalidade no se limitam apenas imagem (fotos, vdeos,

    gravaes etc), mas se estendem tambm ao nome e codinome:

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    Art. 17. O nome da pessoa no pode ser empregado por outrem em publicaes

    ou representaes que a exponham ao desprezo pblico, ainda quando no haja

    inteno difamatria..

    Art. 18. Sem autorizao, no se pode usar o nome alheio em propaganda

    comercial..

    Entretanto, no que tange, especificamente, os direitos imagem ou da aparncia,

    que so direitos inerentes personalidade, ensina a melhor doutrina de direito autoral, nas

    palavras do Juiz Federal, Dr. Leonardo Estevam de Assis Zanini, em sua obra Direito de

    Autor, Saraiva, 2015, pag. 130, que:

    A imagem sem dvida uma emanao da pessoa, um sinal sensvel de sua

    personalidade, o qual invariavelmente se projeta para alm do corpo do ser

    humano, sendo passvel de utilizao, inclusive econmica (...).

    Ainda nas palavras do autor3:

    (...) de se notar que a simples utilizao da imagem sem autorizao, ainda que

    elogiosa a publicao, d ensejo a ao de indenizao, entendimento que restou

    sedimentado pelo Superior Tribunal de Justia no julgamento do Recurso Especial

    113963/SP (...).

    Assim, a explorao das imagens ou do nome de atleta fora da arena e sem a sua

    autorizao expressa, receber o tratamento legal dispensado a qualquer pessoa natural,

    sendo que a falta de consentimento acerca do uso dessas caractersticas inerentes

    personalidade, naturalmente, invade a esfera ntima e privada do atleta, que, neste caso,

    ser vtima de um ato ilcito (art. 186 do Cdigo Civil) perpetrado contra a sua prpria

    honra, e isso poder lhe gerar indenizao por danos morais e perdas e danos.

    Alis, quando a imagem-retrato, vdeos, o nome e outros elementos da

    personalidade so utilizados como forma de apoio para o explorador conseguir

    3 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direito de Autor. Saraiva, 2015, pag. 127;

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    notoriedade, todos os recursos advindos dessa explorao no autorizada podero, alm

    da indenizao correspondente, gerar enriquecimento sem causa, ocasio em que surgir

    a obrigao de se devolver os valores indevidamente auferidos, nos termos do art. 844 do

    Cdigo Civil:

    Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer custa de outrem, ser

    obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualizao dos valores

    monetrios..

    Ademais, a prpria lei desportiva, em harmonia com a lei civil e constitucional,

    tambm se preocupou em prever expressamente o direito de uso da imagem do atleta fora

    da arena, e ressalva, ainda, que o direito de uso da imagem pode ser cedido livremente

    pelo prprio atleta, tanto para o prprio clube como para terceiros (patrocinadores):

    Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou

    explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixao de direitos,

    deveres e condies inconfundveis com o contrato especial de trabalho

    desportivo..

    Pargrafo nico. Quando houver, por parte do atleta, a cesso de direitos ao uso

    de sua imagem para a entidade de prtica desportiva detentora do contrato

    especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem no

    poder ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remunerao total paga ao atleta,

    composta pela soma do salrio e dos valores pagos pelo direito ao uso da

    imagem..

    A negociao do uso da imagem do atleta fora da arena objeto de negociao

    especial e diferenciada do contrato de trabalho, que, inclusive, detm natureza jurdica

    civil, e no trabalhista.

    Os valores podem ser livremente negociados com patrocinadores ou terceiros, mas

    sofrem limitao legal se houver avena for firmada entre o atleta e o clube esportivo que

    for titular do contrato de trabalho, ocasio em que ficaro adstritos ao percentual de 40%

    (quarenta por cento) da remunerao total paga ao atleta, composta pela soma do salrio

    e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

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    Assim, pelo que foi exposto, verifica-se que mesmo sem a aprovao do projeto

    de lei n 3.450/2015, os contratos de cyber-atleta ressalvadas posies divergentes, j

    atraem a aplicao da lei desportiva n 9.615/1998 por sua prpria natureza, que trata,

    dentre os mais variados assuntos, do direito de arena, que, como visto, no deve ser

    confundido com o direito de cesso de uso de imagem do jogador, pois, ao passo que o

    primeiro decorre de natureza de trabalho e de titularidade do clube [time], que garante

    ao atleta a participao indireta nos resultados financeiros, o segundo se reveste de

    natureza eminentemente civil de propriedade inalienvel e irrenuncivel do prprio

    profissional, que pode ceder ou autorizar o uso de sua imagem, nome ou aparncia a

    qualquer pessoa, sejam patrocinadores ou ao prprio clube, devendo ser remunerado

    diretamente em razo da autorizao.

    Justamente por ambos direitos se diferenciarem de forma evidente, possvel que

    decoram conflitos entre time e atleta em virtude da explorao por este de sua prpria

    imagem, o que pode [e deve] ser mitigado por ajustes contratuais adequados e formas de

    resoluo de conflitos congruentes com a relao firmada entre atleta e time.

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    Sobre o Autor:

    Helio Tadeu Brogna Coelho, advogado, ps-graduado em Direito e Tecnologia da

    Informao pela Universidade de So Paulo (USP). Diretor Jurdico da Associao

    Comercial, Industrial e Cultural de Games (ACIGAMES). Diretor Jurdico da Associao

    Brasileira de Comrcio Eletrnico (ABCOMM). Palestrante. Colunista no pe no

    bolso.

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    Observao: O presente texto no foi elaborado com rigor cientfico e no valido como

    parecer tcnico, mas apenas representa a opinio do profissional que o elaborou.

    Advertncia: O presente artigo de criao do seu autor e encontra-se protegido nos

    termos da Lei 9.610/98, sendo terminantemente proibida a sua reproduo, parcial ou

    total, bem como a cpia ou a utilizao das teses e argumentos aqui defendidos sem

    autorizao do autor.

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    Referncias Bibliogrficas:

    ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direito de Autor. Saraiva, 2015.

    VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5 ed. So Paulo. Atlas, 2005.

    (Coleo direito civil; v. 1)

    BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 5 ed. rev., atual. e ampl. Por Eduardo C. B.

    Bittar. Rio de Janeiro: Forense, set. 2013.

    CARRION, Valentin, 1931-2000. Comentrios consolidao das leis do trabalho. 33

    ed. atual. por Eduardo Carrion. So Paulo: Saraiva, 2008.

    NERY JNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Cdigo Civil anotado e

    legislao extravagante. 2 ed. rev. e ampl. So Paulo. Editora Revista dos Tribunais,

    2003.

    Sites:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615consol.htm

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12395.htm

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm