Direito Das Coisas - Fabio Ulhoa Coelho

download Direito Das Coisas - Fabio Ulhoa Coelho

If you can't read please download the document

Transcript of Direito Das Coisas - Fabio Ulhoa Coelho

  • Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SPCEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2 a 6, das 8:30 s 19:30

    E-mail [email protected] www.saraivajur.com.br

    FILIAIS

    AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRE

    Rua Costa Azevedo, 56 Centro Fone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 ManausBAHIA/SERGIPE

    Rua Agripino Drea, 23 Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 SalvadorBAURU (SO PAULO)

    Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 Centro Fone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 BauruCEAR/PIAU/MARANHO

    Av. Filomeno Gomes, 670 Jacarecanga Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 Fax: (85) 3238-1331 FortalezaDISTRITO FEDERAL

    SIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e Abastecimento Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Fax: (61)

    3344-1709 BrasliaGOIS/TOCANTINS

    Av. Independncia, 5330 Setor Aeroporto Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Fax: (62) 3224-3016 GoiniaMATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO

    Rua 14 de Julho, 3148 Centro Fone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo GrandeMINAS GERAIS

    Rua Alm Paraba, 449 Lagoinha Fone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo HorizontePAR/AMAP

    Travessa Apinags, 186 Batista Campos Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 Fax: (91) 3241-0499 BelmPARAN/SANTA CATARINA

    Rua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado Velho Fone/Fax: (41) 3332-4894 CuritibaPERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS

    Rua Corredor do Bispo, 185 Boa Vista Fone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 RecifeRIBEIRO PRETO (SO PAULO)

    Av. Francisco Junqueira, 1255 Centro Fone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro PretoRIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTO

    Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila Isabel Fone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 Rio

    de JaneiroRIO GRANDE DO SUL

    Av. A. J. Renner, 231 Farrapos Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto AlegreSO PAULO

  • Av. Antrtica, 92 Barra Funda Fone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo

    ISBN 978-85-02-16206-8

    Coelho, Fbio UlhoaCurso de direito civil, volume 4 : direito das coisas,direito autoral / Fbio Ulhoa Coelho. 4. ed. So Paulo : Saraiva, 2012.1. Direito civil 2. Direito civil - Brasil I. Ttulo.CDU-347

    ndice para catlogo sistemtico:1. Direito civil 347

    Diretor editorial Luiz Roberto CuriaGerente de produo editorial Lgia Alves

    Editor Jnatas Junqueira de MelloAssistente editorial Sirlene Miranda de SalesProdutora editorialClarissa Boraschi Maria

    Preparao de originais Ana Cristina Garcia / Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan / Camilla Bazzani de MedeirosArte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas / Snia de Paiva Lima

    Reviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati / Olivia DuarteServios editoriais Kelli Priscila Pinto / Vinicius Asevedo Vieira

    Capa Roney CameloProduo grfica Marli Rampim

    Produo eletrnica Ro Comunicao

    Data de fechamento da edio: 21-10-2011

    Dvidas?Acesse www.saraivajur.com.br

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da

  • Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • Mnica.

  • NDICE

    QUINTA PARTEDIREITO DAS COISAS

    CAPTULO 41INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS

    1. Objeto do direito das coisas2. Direito obrigacional e direito real3. Caractersticas do direito real4. Classificao dos direitos reais

    CAPTULO 42A POSSE

    1. Conceito de posse1.1. Objeto da posse1.2. Natureza da posse1.3. Efeitos da posse

    2. Classificao da posse3. Aquisio e perda da posse

    3.1. Os frutos3.2. Os sucessos negativos da coisa3.3. As benfeitorias

    4. Defesa da posse4.1. Autotutela4.2. Direito aos interditos4.3. Exceo de domnio

    5. Teorias da posse5.1. Teoria subjetiva5.2. Teoria objetiva5.3. Elementos da posse

  • CAPTULO 43A PROPRIEDADE

    1. Evoluo do direito de propriedade2. Classificao da propriedade3. Os poderes do proprietrio

    3.1. Limitaes constitucionais e legais3.2. Limitaes negociais

    4. Aquisio da propriedade

    CAPTULO 44A PROPRIEDADE IMOBILIRIA

    1. A propriedade de bens imveis2. Extenso vertical3. Aquisio da propriedade imvel

    3.1. Aquisio por usucapio3.1.1. Posse geradora de usucapio3.1.2. Espcies de usucapio3.1.3. Usucapio e prescrio

    3.2. Registro do ttulo3.3. Acesso natural3.4. Plantaes e construes3.5. Construo invasora

    4. Perda da propriedade imvel5. Empreendimentos imobilirios

    5.1. Loteamento5.2. Incorporao5.3. Financiamento

    CAPTULO 45PROPRIEDADE MOBILIRIA

    1. Aquisio da propriedade mvel1.1. Tradio1.2. Outras formas de aquisio

    2. Perda da propriedade mvel3. Descoberta

  • CAPTULO 46CONDOMNIO

    1. A propriedade condominial2. Condomnio geral voluntrio

    2.1. Os direitos dos condminos2.2. Os deveres dos condminos

    3. Condomnio geral necessrio4. Condomnio edilcio

    4.1. Instituio e constituio4.2. Direitos e deveres do condmino

    4.2.1. A lista dos direitos4.2.2. A lista dos deveres4.2.3. Sanes ao descumprimento dos deveres

    4.3. Administrao do condomnio4.3.1. Assembleia dos condminos4.3.2. Sndico4.3.3. Conselho fiscal

    4.4. Obras no condomnio5. Fundos de investimentos

    CAPTULO 47DIREITOS DE VIZINHANA

    1. Os vizinhos2. Uso anormal da propriedade3. rvores limtrofes4. Passagem forada5. guas6. Direito de tapagem7. Direito de construir

    CAPTULO 48DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA

  • 1. Direito de superfcie1.1. Caractersticas gerais do direito de superfcie1.2. Caractersticas especficas do direito de superfcie em imvel rural ou urbano

    2. Servido2.1. Classificao da servido2.2. Exerccio da servido2.3. Extino da servido2.4. Proteo possessria

    3. Usufruto3.1. Objeto do usufruto3.2. Direitos do usufruturio3.3. Deveres do usufruturio3.4. Usufruto de universalidades3.5. Extino

    4. Uso e habitao5. Direito real do promitente comprador de imvel

    CAPTULO 49DIREITOS REAIS DE GARANTIA E EM GARANTIA

    1. As garantias reais1.1. Proibio do pacto comissrio1.2. Indivisibilidade da garantia1.3. Vencimento antecipado da obrigao garantida

    2. Direitos reais de garantia2.1. Penhor

    2.1.1. Penhor comum2.1.2. Penhor especial2.1.3. Penhor legal

    2.2. Hipoteca2.2.1. Hipoteca de segundo grau2.2.2. Alienao do bem hipotecado2.2.3. Hipoteca legal

    2.3. Anticrese3. Direitos reais em garantia

    3.1. Alienao fiduciria em garantia3.2. Proprietrio fiducirio3.3. Efetivao da garantia3.4. Cesso fiduciria de direitos creditrios

  • SEXTA PARTEDIREITO AUTORAL

    CAPTULO 50INTRODUO AO DIREITO AUTORAL

    1. A propriedade intelectual2. O direito autoral

    2.1. Copyright2.2. Droit dauteur2.3. Direito autoral e globalizao2.4. Direito autoral e inovao tecnolgica

    3. Os direitos autorais4. Caractersticas fundamentais dos direitos autorais5. Proteo na Constituio e em convenes internacionais6. As ideias sem proteo

    CAPTULO 51O AUTOR E SUA OBRA

    1. Uma ligao muito especial2. Conceito de autor3. Identificao do autor4. Autoria e titularidade dos direitos autorais5. A obra protegida

    5.1. Lista legal das obras5.2. Criaes do intelecto no protegidas como obras5.3. A exigncia da novidade5.4. Obra sob encomenda5.5. Obra criada por empregado5.6. A identificao da obra5.7. Obra originria e obra derivada

    6. Integrao de obras6.1. Obra comum

  • 6.2. Obra coletiva7. Registros das obras

    CAPTULO 52DIREITOS MORAIS DO AUTOR

    1. Noo introdutria dos direitos morais2. Caractersticas dos direitos morais do autor3. Lista dos direitos morais4. Direitos morais nas obras audiovisuais5. Direitos morais do arquiteto6. Transmissibilidade aos sucessores7. Direitos morais do autor e a integridade do suporte

    CAPTULO 53DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR

    1. Relevncia pblica dos direitos patrimoniais do autor2. Caractersticas dos direitos patrimoniais do autor3. Direito de utilizar, fruir e dispor

    3.1. Direito de comunicar3.2. Direito de reproduzir3.3. Direito de sequncia

    4. Durao dos direitos patrimoniais5. Negcios jurdicos sobre direitos patrimoniais do autor

    5.1. Transferncia de direitos autorais5.2. Edio5.3. Contrato de produo de obra audiovisual

    6. As licenas legais7. Controle do pagamento dos direitos autorais

    CAPTULO 54OUTROS DIREITOS AUTORAIS

    1. Continuidade do direito autoral

  • 2. Direitos conexos2.1. Artistas, intrpretes e executantes2.2. Produtor fonogrfico2.3. Empresas de radiodifuso

    3. Programas de computador3.1. Licena de uso de programa de computador3.2. Software livre

    Bibliografia

  • Quinta Parte

    DIREITO DAS COISAS

  • Captulo 41

    INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS

    1. OBJETO DO DIREITO DAS COISASO Direito o sistema social estruturado para a superao dos conflitos de interesses surgidos na

    convivncia humana. A ordem positiva (Constituio, lei e outras normas jurdicas) fornece osparmetros para o juiz resolver o conflito em favor de um ou de outro sujeito titulares dos interessesem choque.

    No plano imediato, todo conflito de interesse versa sobre o comportamento de uma pessoahumana. A algum interessa que outra pessoa aja de uma maneira, mas a esta ltima no interessaagir assim. Antonio quer que Benedito lhe pague certo valor, mas Benedito no quer pagar opretendido por Antonio. Qualquer conflito de interesses diz respeito a certa conduta humana, queridapor um, mas no pelo outro sujeito de direito.

    J no plano mediato, alguns conflitos versam sobre bens, isto , animais (exceto o Homo sapiens),vegetais e minerais postos a servio das necessidades e querncias de homens e mulheres. A condutadesejada por um, mas no por outro sujeito, refere-se ao aproveitamento de bens. Carlos teminteresse num pedao de terra ocupada por Darcy, e deseja que este lha entregue. Carlos consideraser dele o bem, em vista da leitura que faz de certos documentos. Darcy recusa-se a ter ocomportamento querido por Carlos, por no compartilhar do mesmo entendimento acerca dessesdocumentos. Ainda versa o conflito sobre comportamentos dos envolvidos, claro; mas aqui h aespecificidade do bem disputado por eles.

    H, em suma, conflitos de interesse cuja referncia se esgota no plano imediato das condutasqueridas por uns e no por outros; e h os que se referem a condutas relacionadas a bens ou ao seuaproveitamento. A superao destes ltimos norteia-se por normas jurdicas agrupadas em torno danoo de direito das coisas.

    Coisa uma expresso ambgua.De um lado, corresponde a tudo o que existe fora os sujeitos de direito do ar atmosfrico at o

    relgio de pulso, dos peixes que habitam o mar abissal at o dinheiro, da neve a cobrir os picos demontanhas altas at as frutas postas venda na banca da feira. Nesse sentido largo, coisacompreende no s aquilo que tem valor econmico para o ser humano (os bens) como tambm o que insuscetvel de mensurao pecuniria.

    De outro lado, coisa significa os bens corpreos, dotados de existncia fsica, que ocupam lugarno espao (Bevilqua, 1934, 1:261). Nesse sentido estreito, a expresso alcana apenas uma partedaquilo que tem valor para o ser humano. No so coisas, aqui, os bens incorpreos (obra literria,marca registrada, programa de computador etc.) e os direitos (participao em sociedadeempresria, direito vida, crdito etc.).

    Em sntese, coisa, no sentido largo, gnero (tudo o que existe alm dos sujeitos) do qual os bens

  • so espcies (o que tem valor econmico); no sentido estreito, ao contrrio, espcie (corpreos) dognero bens.

    Em direito das coisas emprega-se a expresso no sentido estrito, isto , de bens corpreos. Osconflitos de interesses cuja superao norteada pelas normas agrupadas no Livro III da ParteEspecial do Cdigo Civil versam, em princpio, a respeito de bens corpreos, como terreno, casa,apartamento, veculo, moedas, minerais, cabeas de gado etc. Institutos como propriedade,usucapio, usufruto, servido, penhor e demais do direito das coisas tm por objeto bens que tmexistncia fsica, e no meramente conceituais.

    No so aplicveis os preceitos do Livro do Direito das Coisas do Cdigo Civil a bensincorpreos ou direitos, a no ser que a lei expressamente admita a aplicao. Por exemplo, as aesde emisso de sociedade annima no so bens corpreos. Elas s podem ser gravadas por penhor,usufruto ou alienao fiduciria em garantia porque a lei contempla expressa meno nesse sentido(LSA, arts. 39 e 40); mas no podem ser adquiridas por usucapio ou ter a respectiva titularidadedefendida por meio de ao possessria, exatamente por no existir norma expressa que lhes estendatais institutos tpicos dos bens corpreos. Outro exemplo, os direitos creditrios podem ser objeto decesso fiduciria, em virtude da qual passam propriedade resolvel do cessionrio, submetendo-seento a instituto prprio do direito das coisas, porque a lei expressamente previu a hiptese (Lei n.4.728/65, art. 66-B, 3). No fosse a previso expressa, no seria cabvel estender um instituto dodireito das coisas cesso de crdito, tratada pelo das obrigaes. Terceiro exemplo, a propriedadeintelectual diz respeito a bem incorpreo, tanto no ramo do direito autoral (obra literria, artsticaou cientfica, programa de computador, direitos conexos etc.) como no do industrial (marcasregistradas, patentes de inveno etc.). Cabe falar em propriedade, que instituto do direito dascoisas, sobre bens intelectuais por definio, incorpreos porque a lei expressamentecontempla a figura (Cap. 50).

    A aplicao de normas do direito das coisas a bens incorpreos ou direitos, quando prescrita,pode abrigar-se em lei esparsa, como no caso do usufruto das aes emitidas pelas sociedadesannimas ou da cesso fiduciria de direitos creditrios; ou no prprio Cdigo Civil, como no casodo penhor de ttulos de crdito (CC, art. 1.451).

    O direito das coisas rene as normas legais e institutos jurdicos que norteiam a superao de conflitos de interesses relacionados, emltima instncia, ao aproveitamento pelos seres humanos de bens valiosos para eles.

    Aplicam-se as normas e institutos do direito das coisas aos bens corpreos; e, s no caso de expressa previso legal, aos incorpreos edireitos.

    certo que o STJ j admitiu, inclusive por entendimento sumulado (Sm. 193: o direito de uso delinha telefnica pode ser adquirido por usucapio), uma hiptese de usucapio de direitos.Entretanto, no se pode perder de vista que se tratava, naquele caso, de proteger os consumidorestitulares de direitos de uso de linha telefnica, antes da privatizao das empresas do sistemaTELEBRS, em 1998. Os mais jovens certamente tero dificuldade em imaginar como seria, mashouve um tempo no Brasil em que a linha telefnica era considerada um bem do patrimnio doconsumidor dos servios de telefonia (constava das declaraes do Imposto de Renda, era partilhada

  • em inventrio, penhorada em execues judiciais, alugada etc.). A distoro provinha da absolutaincapacidade de as empresas estatais de telefonia universalizarem o servio. Desde que, no inciodos anos 1990, as concessionrias, j privatizadas, atenderam extraordinria demanda reprimidapor servios de telefonia, no tem tido mais aplicao aquela smula; isso demonstra representar oreferido entendimento sumulado mera soluo um tanto imprecisa, porm justa para decidirconflitos nascidos num quadro econmico extremamente distorcido e, felizmente, passado.

    2. DIREITO OBRIGACIONAL E DIREITO REALOs direitos patrimoniais classificam-se, como estudado, em obrigacionais e reais (Cap. 5, item

    3.c). Alguma doutrina costuma distingui-los a partir da estrutura da relao jurdica. Vislumbra nosdireitos obrigacionais um vnculo entre dois sujeitos, em virtude do qual um deles deve umaprestao ao outro; e, nos reais, um vnculo entre sujeito e coisa, em que aquele pode opor a todos osdemais sujeitos indistintamente o seu poder sobre esta (cf. Noronha, 2003, 1: 272/273; Gomes,1957:114/117). A ideia de vnculo jurdico entre sujeito e coisa, porm, no a mais operacional. Arelao jurdica, mesmo no campo dos direitos reais, aproxima invariavelmente sujeitos de direito:os envolvidos no conflito de interesses cuja superao estruturada pela ordem jurdica. O titular dodireito real, enquanto no perturbado em seus interesses relativos coisa, no entra em relaojurdica com ningum (relativamente a tais interesses). Entra somente quando perturbado, mas, nessecaso, j so dois sujeitos disputando a mesma coisa. A estrutura da relao jurdica, assim, igualtanto nos direitos obrigacionais como nos reais nos polos encontram-se sujeitos de direito, nuncauma coisa (sentido largo).

    Outro modo de estremar os direitos obrigacionais dos reais leva em conta a indeterminao do seutitular. Trata-se de critrio muito prximo ao anterior, relativo estrutura da relao jurdica, masque comporta exame prprio. Os direitos reais so exercitveis independentemente de quem seja seutitular, ao passo que os obrigacionais so ligados s pessoas do credor e do devedor. Um exemploajuda a aclarar esse modo de entender a distino. Considere que seja til para algum construir noimvel vizinho um canal para escoamento de guas pluviais; e que as partes, conversando, cheguem aum acordo: o vizinho autoriza a construo do canal em seu imvel e seu uso por dez anos em trocade certa remunerao. Esse acordo pode revestir a forma de um contrato de locao ou de servido no primeiro caso, constitui-se direito obrigacional; no segundo, real. Qual a diferena? A locaono vigora, em princpio, se o imvel locado for alienado, porque o locador estava obrigado arespeit-la, mas no o novo dono. J a servido continua a viger mesmo aps a alienao do imvel,vinculando o novo titular da propriedade, em razo de sua realidade.

    A distino por meio da indeterminao do titular nem sempre se verifica. Os direitosobrigacionais tambm podem ser preservados independentemente do titular da posio negocial, pormeio da transmisso (cesso de direitos ou assuno de obrigaes) ou de clusulas especiais. Domesmo modo, os direitos reais podem ter a vigncia vinculada titularidade por determinado sujeitode direito. A locao pode ser cedida ou contemplar clusula de vigncia em caso de alienao; aservido pode ser instituda sob a condio de se extinguir na hiptese de venda do imveldominante. Quer dizer, a indeterminao do titular nem sempre define a categoria a que pertence odireito.

    Tambm se distinguem os direitos obrigacionais dos reais destacando a natureza relativa dosprimeiros e absoluta destes ltimos (Dantas, 1944:11/14). Como direito relativo, o obrigacional s

  • oponvel ao outro sujeito da relao jurdica; j o direito real, por ser absoluto, como os direitos dapersonalidade, oponvel a qualquer um, mesmo que o titular no tenha com ele relao jurdicaanterior. Os direitos reais so, em suma, oponveis erga omnes.

    Ademais, cabe mencionar a distino a partir do princpio regente da disciplina jurdica.Enquanto o relacionado aos direitos obrigacionais o da atipicidade, rege a disciplina dos direitosreais o da tipicidade. O sujeito pode vincular-se a direito obrigacional no disciplinadoespecificamente na lei, como no caso de celebrar um contrato atpico (CC, art. 425). Mas as partesno podem vincular-se a direito real no previsto em norma legal; no se insere nos limites daautonomia privada a criao de direito real.

    Diversos critrios distinguem os direitos obrigacionais dos reais, mas a importncia da classificao decrescente.

    No campo do direito processual, tem importncia definir se determinada ao versa sobre direitoobrigacional ou real, por variarem os respectivos pressupostos. As aes de direito real referentes abem imvel, por exemplo, s podem ser propostas por pessoa casada com a autorizao do cnjuge(CPC, art. 10).

    Mas, excluda a questo processual, a importncia da distino entre direitos obrigacionais e reais decrescente. Por bvio, as normas aplicveis a cada um desses direitos so diferentes. No se podesubmeter a obrigao a preceitos do direito das coisas; tampouco a posse, propriedade e outrosdireitos reais devem ser considerados luz das disposies do direito obrigacional. Para tanto,contudo, no necessrio resolver as intrincadas questes propostas pela tecnologia civilista, naclassificao dos direitos patrimoniais.

    3. CARACTERSTICAS DO DIREITO REALAs caractersticas do direito real, em parte j mencionadas no item anterior, so trs: trata-se de

    direito absoluto e tpico, que adere coisa a que se refere.a) Direito absoluto. O direito real oponvel erga omnes. Lembre que um direito absoluto no

    ilimitado. Alis, no existem direitos ilimitados. O direito de propriedade, por exemplo, real, masest limitado pela funo social e pelo respeito aos direitos de vizinhana. Quando se classificacerto direito como absoluto, destaca-se unicamente sua oponibilidade pelo titular a qualquer um queo tenha lesado, mesmo que inexistente relao jurdica entre esses sujeitos.

    Uma das consequncias do carter de absoluto do direito real a sequela. O titular do direito realpode defend-lo onde quer que se encontre a coisa a que se refere. O proprietrio, por fora dodireito de sequela, pode reivindicar o bem que lhe pertence de quem injustamente o possui; o credorhipotecrio pode executar seu crdito mediante constrio judicial do imvel gravado, ainda que eletenha sido vendido pelo credor, e assim por diante.

    b) Direito tpico. No podem os sujeitos diretamente interessados criar um direito real noprevisto em lei. A autonomia privada no tem esse alcance. A tipicidade caracterstica nsita aosdireitos reais: s existem os disciplinados em norma legal.

  • Alguns autores se valem do conceito de numerus clausus para nomear a caracterstica datipicidade, mas isso no correto. Um dispositivo pode ser numerus clausus, quando contemplarelao exaustiva, mas no um conjunto de direitos. Mesmo o preceito do Cdigo Civil que relacionadireitos reais no pertence a essa categoria. O art. 1.225 do CC lista os seguintes direitos reais:propriedade, superfcie, servido, usufruto, uso, habitao, o direito do promitente comprador doimvel, penhor, hipoteca, anticrese, concesso de uso especial para fins de moradia e concesso dedireito real de uso. Trata-se, contudo, de rol exemplificativo (cf. Viana, 2004:7/10). H direitosreais no referidos nesse dispositivo, como a posse e a cesso fiduciria de direitos creditrios.

    Bem entendida, a caracterstica da tipicidade exige que o direito real esteja previsto em lei paraque possa ser institudo com fundamento na vontade das partes. No indispensvel que estejaespecificamente relacionado no dispositivo que elenca as principais hipteses de direito real.

    As caractersticas do direito real so trs: trata-se de direito absoluto e tpico, que adere coisa (em geral, corprea) a que se refere.

    c) Aderncia coisa. Por fim, a caracterstica da aderncia do direito real coisa a que se refere.Esse direito afeta o bem no sentido de ligar-se a ele e no ao sujeito que o titula; quer dizer, continuaa existir mesmo que mude o seu titular (Ascenso, 2000:53/55). Em alguns direitos reais, como nocaso da servido, essa caracterstica patente: qualquer que seja o dono do prdio dominante, elepode valer-se da servido instituda sobre o serviente. Em outros, menos visvel. Assim na posse:pode ser defendida contra ameaa, turbao ou esbulho independentemente de quem a titule.

    4. CLASSIFICAO DOS DIREITOS REAISO principal critrio de classificao distingue os direitos reais sobre coisa prpria e os

    incidentes sobre coisa alheia.So direitos reais sobre coisa prpria a propriedade e os direitos reais em garantia. A

    propriedade o mais importante dos direitos reais, qual correspondem os mais amplos poderes desujeio da coisa ao ser humano quer dizer, os mais amplos admissveis no atual estgio deevoluo da cultura jurdica, que os limitam em ateno aos interesses de outros proprietrios e dasociedade em geral (Caps. 43 a 46). J os direitos reais em garantia importam a propriedaderesolvel sobre a coisa; isto , que deixa de existir quando implementada a condio resolutiva a quese encontrava ligada. Esses direitos visam garantir, de modo mais eficiente do ponto de vistajurdico, obrigaes ativas do seu titular, isto , a satisfao de crditos em seu favor. Quandocumprida a obrigao, a garantia no tem mais serventia, e a propriedade se resolve. So direitosreais em garantia os relacionados propriedade fiduciria (Cap. 49, item 3).

    Por sua vez, os direitos reais sobre coisa alheia se subdividem em trs categorias: direitos degozo, de garantia e aquisio.

    Os direitos reais de gozo sobre a coisa alheia atribuem ao sujeito o poder de usar ou fruir bens deque no o proprietrio. Nessa categoria se encontram o usufruto, uso, habitao, servido esuperfcie (Cap. 48, itens 2 a 5). Veja que o poder de usar ou fruir bens alheios pode derivar

  • exclusivamente de vnculo obrigacional entre o proprietrio e quem passa a titulariz-lo, como nocaso dos contratos de locao e comodato. Aqui, a coisa no sofre nenhum gravame, uma vez que ovnculo jurdico derivado do negcio pessoal. Quando o poder de usar ou fruir coisa alheia derivatambm de direito real, ainda que originado de negcio jurdico, surge um vnculo real, afetado aobem e independente de quem seja a pessoa que o titulariza.

    Os direitos reais de garantia (atente para a preposio) tm a mesma finalidade dos em garantia:assegurar o cumprimento eficiente da obrigao garantida. Por recarem os direitos reais de garantiasobre coisa alheia, porm, no importam a titularidade de propriedade sobre o bem onerado, nemmesmo a resolvel. Nessa categoria esto a hipoteca, o penhor e a anticrese (Cap. 49, item 2). Nosdois primeiros, o titular tem o direito de ver o seu crdito satisfeito preferencialmente com o produtoda venda judicial do bem onerado; na anticrese instituto que, embora previsto no direito positivobrasileiro desde meados do sculo XIX, nunca chegou a ter importncia e est h tempos emcompleto desuso , os frutos da coisa imvel onerada so atribudos ao credor, para a satisfao deseu crdito.

    Por fim, o direito real aquisio de coisa alheia confere ao seu titular a prerrogativa dereivindicar a propriedade de bem objeto de compromisso de compra e venda, aps o integralpagamento do preo. Titula-o, pois, o promitente comprador. Como se discutir ao seu tempo, aimportncia desse instituto era maior antes da entrada em vigor do Cdigo Reale, por no existir atento no direito positivo brasileiro nenhuma regra geral assegurando ao contratante a execuoespecfica das obrigaes inadimplidas (CC, art. 475). Com a introduo dessa regra geral na lei,tanto o promitente comprador como o comprador, em qualquer contrato de compra e venda, podemreivindicar a transferncia do domnio, depois de pagarem o preo ajustado, independentemente dequalquer direito real sobre a coisa objeto de contrato.

    Classificam-se os direitos reais em direitos sobre a prpria coisa e direitos sobre coisa alheia.A propriedade e o direito real em garantia so direitos sobre a prpria coisa. Os demais so direitos sobre coisa alheia.Os direitos sobre coisa alheia se subdividem em trs classes: direitos reais de gozo (servido, usufruto, uso etc.), de garantia (penhor,

    hipoteca e anticrese) e aquisio (titulados pelo promitente comprador).

    A posse direito real malgrado a existncia de entendimentos em sentido contrrio (Cap. 42,subitem 1.2). Ela pode enquadrar-se tanto na categoria dos direitos reais sobre a prpria coisa comona dos sobre coisa alheia. O proprietrio pode ser ou no o possuidor da coisa que lhe pertence;sendo possuidor, pode defender a posse como direito autnomo, inconfundvel com o depropriedade. Do mesmo modo, o possuidor pode ser ou no o dono da coisa possuda; mesmo no osendo, pode defender sua posse at mesmo contra o titular da propriedade; pode, ademais, em certoscasos, tornar-se o legtimo proprietrio (Cap. 42).

  • Captulo 42

    A POSSE

    1. CONCEITO DE POSSEPosse o exerccio de fato de um ou mais poderes caractersticos do direito de propriedade. Essa

    noo deriva do conceito de possuidor, com o qual o Cdigo Civil inaugura o Livro III da ParteEspecial, atinente ao direito das coisas (art. 1.196). Quem titula a posse de algum bem age, assim, talcomo o seu proprietrio. O possuidor pode ser, e muitas vezes , tambm o titular do direito depropriedade. Mas, mesmo no sendo o proprietrio, o possuidor tem certos direitos tutelados pelaordem jurdica. Alis, ele est protegido, em alguns casos, at mesmo contra o proprietrio (subitem4.3).

    Posse e propriedade so conceitos jurdicos distintos, com os quais o profissional do direito logose habitua a lidar: o locatrio tem a posse do bem locado, mas no a propriedade; o proprietriopode estar ou no na posse da coisa; quem possui no necessariamente o dono so assertivasfamiliares aos estudantes e profissionais da rea. As diferenas entre posse e propriedade, contudo,no se encontram a partir do exame da conduta do sujeito em relao coisa. Tanto o possuidorproprietrio como o no proprietrio agem do mesmo modo quer dizer, usam, fruem e dispem dacoisa em igual medida. na qualificao jurdica da conduta deles, feita pela lei, que residem asdiferenas entre um e outro instituto. Esquematicamente, pode-se dizer que a posse se encontra ameio caminho entre, de um lado, a propriedade (direito fundamental amplamente protegido, inclusiveno plano constitucional) e, de outro, a deteno (que comporta apenas a autotutela, ou seja, o legtimoafastamento da ameaa por desforo imediato do prprio detentor).

    Para entender melhor a questo, considere trs exemplos. No primeiro, o engenheiro agrnomo,em seu escritrio em Uberlndia, Minas Gerais, envia mensagem eletrnica ao administrador dafazenda situada em Sorriso, Mato Grosso, comunicando a deciso de ampliar a rea de plantio desoja e reduzir a dos pastos para gado. No segundo, o trabalhador pe a nova fotografia do filho comoplano de fundo da rea de trabalho do computador que utiliza no emprego. No terceiro, uma pessoamonta banca em rua movimentada para oferecer cigarros venda. Nos trs casos, a conduta dossujeitos (o engenheiro em relao fazenda, o empregado, ao computador, e o vendedor ambulante,aos cigarros) igual. Podemos defini-la como uma relao de sujeio, subordinao, submisso,poder. Os trs valem-se da coisa para o atendimento de seus interesses. A deciso do engenheiroimporta a fruio da fazenda, isto , sua explorao econmica; o trabalhador usa o computadorobjetivando ter recordaes agradveis durante a jornada de trabalho; o ambulante dispe doscigarros, vendendo-os aos transeuntes pelo preo apregoado.

    A relao de sujeio de coisas apresenta-se com as mesmas caractersticas essenciais, mas podeter, segundo o disposto em lei, diferentes qualificaes jurdicas. As trs relaes acimaexemplificadas, embora sejam essencialmente o mesmo fato, so fatos jurdicos diferentes. No

  • possvel saber, pelas informaes indicadas, se o engenheiro, o trabalhador e o ambulante so ou noproprietrios das coisas que submetem sua vontade; no se sabe, a rigor, sequer se so possuidoresou meros detentores. Somente a partir de um complexo referencial normativo se poder concluir qual o estatuto jurdico de cada relao e, consequentemente, que direitos titulam os sujeitos. Oengenheiro agrnomo pode ser o dono da fazenda, seu possuidor ou apenas o representante deles;sendo o computador da propriedade do empregador, o trabalhador no tem a posse do equipamento,mas s a deteno; por fim, o ambulante pode no ser o legtimo proprietrio dos cigarros que vende,se provier sua posse de criminosa receptao. Somente o exame do atendimento a outros tantosrequisitos legais poder esclarecer se a relao de sujeio da coisa vontade da pessoa posse,propriedade ou deteno.

    A distino entre posse e propriedade feita tendo em vista a origem do poder de sujeio sobrea coisa. Dependendo de como teve incio o vnculo de subordinao, considera-se o titular do direitoum possuidor ou proprietrio. Se tenho s mos as chaves do apartamento onde moro (nele guardominhas roupas, mveis, pertences; recebo a visita dos amigos; a ele me recolho no fim do dia etc.), necessrio pesquisar a origem desse poder, isto , verificar se loquei o imvel ou o adquiri. Olocatrio possuidor, mas no proprietrio; j o adquirente possuidor e proprietrio.

    A posse, de outro lado, distingue-se da deteno em funo da dependncia entre o detentor(servidor ou fmulo da posse) da coisa e outra pessoa (senhor da posse) em nome da qual submete acoisa ao seu poder. A lei considera detentor aquele que, achando-se em relao de dependnciapara com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instrues suas(CC, art. 1.198). o caso tpico do empregado, que usa equipamentos, ferramentas e outros recursosmateriais da propriedade do empregador para o desempenho de suas funes laborais. Tambm detentor o hspede em relao aos cmodos da casa em que se d a hospedagem; ou o amigo a quemse empresta o carro por algumas horas. O poder que essas pessoas exercem sobre as coisas doempregador, hospedeiro ou amigo no se caracteriza, juridicamente, como posse. Entre aquele quetem a coisa em seu poder e o titular de algum direito possessrio ou de propriedade sobre ela h umvnculo de dependncia que desnatura a relao de sujeio como posse. O empregado, o hspede eo amigo que tomou emprestado o veculo so servidores da posse e, por isso, ao submeterem a seupoder a coisa, devem observar as instrues recebidas do senhor da posse. O detentor submete acoisa no sua vontade, mas de outrem. O possuidor submete a coisa sua vontade, sem estarvinculado a qualquer orientao de outro titular de direito sobre a mesma coisa. Algumas posiesdoutrinrias negam ao detentor qualquer direito sobre a coisa. Mas, a rigor, quando a deteno ameaada, turbada ou esbulhada, o detentor tem direito autotutela, podendo valer-se de atos fsicosque afastem diretamente a ameaa, quando imediatos e proporcionais ofensa (cf. Pereira,1970:104). No resultando frutfera a autotutela, resta ao detentor unicamente avisar do fato o titularda posse em nome de quem agia. S este ltimo ter o direito de invocar em juzo a proteopossessria.

    A posse o exerccio de fato, pleno ou no, de algum dos poderes inerentes propriedade. Distingue-se desta e da deteno no pelaconduta do titular em relao coisa, que muitas vezes igual do proprietrio e do detentor, mas pela qualificao jurdica a partir dalei.

  • Na introduo ao instituto, convm examinar o objeto (subitem 1.1), a natureza (subitem 1.2) e osefeitos da posse (subitem 1.3).

    1.1. Objeto da posseS bens corpreos podem ser objeto de posse; os incorpreos, no. Nem todos os bens sobre os

    quais pode recair a propriedade so, portanto, suscetveis de posse. Os bens intelectuais, como apatente de inveno, o registro de marca ou a obra literria, so objetos do direito de propriedadetitulado pelo inventor, empresrio ou autor, respectivamente. Mas no cabe falar em posse nessescasos, em razo da imaterialidade do bem em referncia. Considera-se que podem ser possudosunicamente os bens suscetveis de apreenso material. Embora a posse seja exercitvelindependentemente da apreenso (como no caso do engenheiro agrnomo que, a distncia, definecomo dever ser explorada a fazenda), no se reputa caracterizada essa especfica relao desujeio quando a coisa usada, fruda ou disposta no corprea.

    A discusso atinente ao objeto da posse tem implicaes principalmente processuais (Gomes,1958:34). Antes de se consolidar, por exemplo, no direito brasileiro o cabimento do mandado desegurana na defesa de direitos lquidos e certos contra ato administrativo ilegal, advogados comoRui Barbosa procuraram valer-se das aes possessrias para discutir em juzo a validade daexonerao de funcionrio pblico. Rui sustentou, embora sem sucesso, a tese da posse do cargopblico. Atualmente, estando plenamente consolidado o princpio de que a cada direito correspondeuma ao que o assegura, apenas os bens corpreos se consideram objeto de posse. Cogitou-setambm, naquele tempo, da figura da turbao no material da posse, exemplificando-a com o atoadministrativo declarando bem de particular como pblico (Espnola, 1956:114), tambm com omesmo objetivo de sustentar o cabimento da ao possessria nas hipteses atualmente tuteladas pormandado de segurana.

    Desse modo, a empresa de radiodifuso que v sua frequncia invadida por sinais deconcorrente, os quais prejudicam a recepo dos dela, no pode buscar proteo em juzo por meiode ao possessria. A banda de frequncia de ondas eletromagnticas no bem corpreo,descabendo por isso considerar a empresa de radiodifuso titular de direito de posse sobre ela. Issono significa, contudo, que os interesses dessa empresa estejam ao desabrigo. Pelo contrrio, ainterferncia em seus sinais ato ilcito passvel de coibio judicial. A empresa de radiodifusodeve, contudo, valer-se nesse caso das medidas de represso concorrncia desleal e no dosinterditos possessrios (Gallo, 2000:262/263).

    O objeto da posse necessariamente um bem corpreo. Quando empregada a locuo em referncia a direitos sobre bens incorpreos,trata-se de simples analogia.

    Tambm os direitos no podem ser objeto de posse, como muito se discutiu no passado. ParaMoreira Alves, o emprego da palavra posse em referncia a relaes jurdicas estranhas ao direitoreal ele cita o exemplo da posse de estado no tem em vista qualquer manifestao exterior da

  • propriedade ou direito aos interditos, traduzindo, portanto, unicamente uma analogia (1990, 2.1:214).

    1.2. Natureza da posseAlm da questo relacionada ao objeto da posse, outra discusso que tem preocupado a tecnologia

    jurdica a pertinente sua natureza. A posse seria um direito ou simplesmente um fato? A polmicaencontra-se j no direito romano, atravessa a Idade Mdia e repercute ainda hoje (Alves, 1990,2.1:69/137).

    Penso que o pano de fundo da controvrsia a afirmao da propriedade como direito ilimitadosobre a coisa. Entendo, por isso, que o assunto est um tanto superado, uma vez que tal afirmaocorresponde a necessidade ideolgica h tempos descartada. Ao conferir posse o estatuto de fato,contraposto ao de direito propriedade, a doutrina desenhava certa hierarquia entre os institutos, naqual reservava a este ltimo a posio de supremacia. Idntico objetivo parece inspirar asabordagens que justificavam a proteo liberada posse pela noo de aparncia de direito. Opossuidor devia ser amparado, segundo essas abordagens, porque a posse corresponde situaoaparente do direito de propriedade (cf. Espnola, 1956:98).

    O tema da natureza da posse acerca do qual, a rigor, nunca se mostraram as implicaestecnolgicas atualmente desprovido at mesmo de interesse ideolgico. O direito depropriedade sofre cada vez mais limitaes, estando completamente superada a feio liberal doinstituto (Cap. 43, item 1). Em decorrncia, frmulas ambguas e obscuras (a posse seria um fatocom consequncias jurdicas; ou seria na origem um fato, e, quanto aos efeitos, um direito etc.),alm de nada auxiliarem na soluo dos conflitos de interesse, perdem por completo a funo dedistanciar ideologicamente a posse da propriedade.

    No h como negar a ambiguidade da expresso posse. De um lado, significa o fato descrito emnorma jurdica como antecedente do direito aos interditos ou aquisio da propriedade porusucapio (Cap. 10, item 1). Mas tambm propriedade ser, nesse sentido, expresso ambgua,indicativa do fato descrito em norma jurdica como antecedente do direito de reivindicar a coisa,explor-la economicamente, us-la ou dela dispor. De outro lado, posse pode ser entendida comoreferncia a direito subjetivo, isto , faculdade de agir (Cap. 5, item 3). Quem tem a posse tem umdireito, o de invocar a proteo judicial contra quem a ameaa, turba ou esbulha. E nesse mesmosentido de faculdade de agir tambm se emprega a expresso propriedade. A qual dessessignificados corresponderia a essncia do conceito questo metafsica, sem qualquer relevnciatecnolgica.

    A posse, em suma, pode ser vista como um fato jurdico ou direito tanto quanto a propriedade.So, por bvio, fatos jurdicos ou direitos diferentes. O que interessa conhecer os parmetros que aordem positiva fornece para nortear conflitos de interesses entre possuidores ou entre possuidor eproprietrio. Quando conflitam os direitos de posse e propriedade, ora prevalece um, ora outro. Oproprietrio que pretende haver a posse de seu bem diretamente (ameaando, turbando ou esbulhandoa posse alheia) ser barrado por ordem judicial expedida em proteo ao possuidor; j oproprietrio que reivindica em juzo a posse do bem obt-la- em detrimento dos interesses dopossuidor. Quando o locador (possuidor indireto) turba a posse do locatrio (possuidor direto) sobreo bem locado, norteia a lei que o conflito de interesses deva ser superado mediante a proteo daposse deste ltimo, ainda que o primeiro seja titular tambm do direito de propriedade. Essas eoutras regras jurdicas podem ser estudadas, interpretadas e aplicadas, independentemente da

  • resposta que se d questo da natureza da posse. Mesmo identificando a ambiguidade da expressoe desqualificando, por essa via, a importncia da controvrsia como feito acima , o conceitojurdico de posse continua operacionalizvel.

    A expresso posse ambgua e designa tanto o fato jurdico que, na norma, descrito como antecedente do direito aos interditos ou aquisio por usucapio como a faculdade de agir em defesa de seus interesses, quando ameaados ou lesionados.

    Quando empregada a expresso no sentido de direito, posse direito real, por reunir todas as caractersticas dessa categoria.

    Note, o Cdigo Civil brasileiro, aparentemente visando no tomar partido na discusso sobre anatureza da posse, disciplinou-a no Ttulo inaugural do Livro sobre os Direitos das Coisas, e no alistou entre os direitos reais no art. 1.225. Repetiu a mesma soluo do diploma de 1916, cujoautor entendia a posse como um estado de fato (Bevilqua, 1934, 3:11/12). Mas a posse renetodas as caractersticas dos direitos reais, como a tipicidade, a oponibilidade erga omnes e aaderncia coisa corprea (cf. Monteiro, 2003, 3:20).

    Em outros termos, quando a expresso posse empregada no sentido de direito, a referncia feita a direito classificado como real. Nos estreitos limites da questo (Cap. 41, item 2), a posse nopode ser considerada direito pessoal. Quer dizer, as aes possessrias devem ser consideradascomo tendo por objeto direito real, no podendo ser ajuizadas, quando versarem sobre bem imvel,por pessoas casadas seno com a autorizao do cnjuge (CPC, art. 10).

    1.3. Efeitos da posseIndependentemente de ser a posse considerada fato jurdico ou direito, as suas implicaes para

    o possuidor se encontram suficientemente bem definidas na lei.Em primeiro lugar, a posse assegura ao possuidor o manejo de determinadas aes judiciais em

    defesa dos seus interesses (subitem 4.2). So as aes possessrias (ou interditos). Note que atendncia do Direito tem sido a de evitar a disciplina de temas processuais em leis substantivas,decorrncia da clara distino entre o direito de ao e o material, ponto nuclear da modernaprocessualstica (Marcato, 2004:165). Mas, no estudo da posse, a separao no pode ser rgida.No possvel compreender o instituto civil sem meno s aes possessrias. As relaescomplexas entre os direitos do possuidor e os do proprietrio somente se entendem no contexto dasmedidas processuais manejveis por cada um deles. Por exemplo, sem levar em conta a proibio daexceo de domnio na ao possessria uma questo processual no possvel delinear aextenso dos direitos do possuidor no proprietrio quando conflitam com os interesses doproprietrio.

    A segunda implicao da posse o direito do possuidor em relao aos frutos da coisa possuda.Em determinadas hipteses, ao perder a posse do bem, o possuidor pode legitimamente incorporar aoseu patrimnio alguns dos frutos por ele gerados. Varia a extenso do direito segundo o possuidordesconhea ou no os vcios que obstam aquisio da coisa possuda; e tambm de acordo com anatureza do fruto, se percebido ou pendente (subitem 3.1).

    Outra implicao da posse diz respeito perda ou deteriorao da coisa enquanto se encontrava

  • em mos do possuidor. Tambm aqui a ignorncia dos vcios fundamental na definio daexistncia e extenso da obrigao de indenizar o proprietrio (subitem 3.2).

    A posse apresenta, em quarto lugar, implicaes tocantes s benfeitorias introduzidas pelopossuidor no bem. Vindo a perder a posse, poder o possuidor, quando presentes certas condies,exigir a indenizao de algumas benfeitorias por ele feitas. Variar a extenso do direito, uma vezmais, em funo da boa ou m-f do possuidor e tambm da natureza da benfeitoria (subitem 3.3).

    Finalmente, a posse pode ter o efeito de tornar o possuidor proprietrio da coisa possuda. Umadas formas de aquisio da propriedade a usucapio (Caps. 44, subitem 3.1, e 45, item 2). Por esseinstituto, a posse pacfica se transforma em propriedade pelo decurso do tempo. O Direito noparece confortvel com as situaes em que o bem pertence a um sujeito, mas se encontra na possede outro. Institutos como a usucapio sugerem que um dos seus objetivos seria o de procurar reunir,na medida do possvel, a posse e a propriedade das coisas sob a titularidade do mesmo sujeito (cf.Ascenso, 2000:74).

    Os efeitos da posse no direito positivo brasileiro so cinco: acesso aos interditos, direito aos frutos, indenizao por benfeitorias,irresponsabilidade pela perda ou deteriorao da coisa e aquisio da propriedade por via da usucapio.

    2. CLASSIFICAO DA POSSEA classificao da posse tem importncia na definio dos direitos titulados pelo possuidor: o

    prazo da usucapio, por exemplo, ser diferente segundo a posse seja de boa ou m-f; o possuidorindireto no tem acesso aos interditos contra o direto, mas este o tem contra aquele, e assim pordiante. Das diversas classificaes da posse, importa considerar sete:

    a) Posse direta e indireta . A noo de sobreposio de posses relativamente recente na teoriajurdica. Trata-se de conceito construdo no fim do sculo XIX, pela doutrina alem (subitem 5.2), eincorporado ao direito positivo brasileiro desde o Cdigo Bevilqua. A posse direta a tituladapelo no proprietrio que, por fora de contrato ou direito real, passa a possuir legitimamente algumbem. O exemplo tpico de sobreposio de posse encontra-se na locao. Enquanto dura o contratode locao, o bem locado se encontra legitimamente sob a posse do locatrio. Ele tem a posse direta(tambm chamada de imediata ou subordinada). O locador que , em geral, o proprietrio dobem, mas no necessariamente no perde por completo a posse do bem locado, na medida em quetem a obrigao legal de a defender contra turbao ou esbulho perpetrado por terceiros (Lei n.8.245/91, art. 22, II). Mas a sua posse , por bvio, diferente da do locatrio. Diz-se que titula aposse indireta (mediata ou autnoma).

    Outros exemplos de sobreposio de posses encontram-se no usufruto, no penhor, no comodato eno depsito. Titulam a posse direta o usufruturio, o credor pignoratcio, o comodatrio e odepositrio; e a indireta, o proprietrio da coisa dada em usufruto, o devedor, o comodante e odepositante. Note que a posse direta se caracteriza sempre pela temporalidade (cf. Lopes, 2001:158).Vencido o contrato, a garantia ou exaurido o direito real, a sobreposio de posse desaparece e oantigo titular indireto passa a ser o nico possuidor do bem.

  • Em conflitos de interesses entre o possuidor direto e o indireto, a melhor posse a do primeiro.Enquanto dura o usufruto, por exemplo, o proprietrio no pode reivindicar a posse da coisa contra ousufruturio; nem pode o devedor, enquanto no solvida a obrigao garantida pelo penhor, pretenderreassumir a posse direta do bem empenhado; o depositrio tem o direito de reter a posse da coisaenquanto o depositante no pagar as despesas do depsito. A lei dispe nesse sentido: A possedireta, de pessoas que tm a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, oureal, no anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a suaposse contra o indireto (CC, art. 1.197).

    Caracterstica essencial da sobreposio de posses, como dito, a temporalidade. Manifesta aqui,novamente, o Direito seu desconforto com a situao em que posse (a direta) e propriedade sobre ummesmo bem se encontram sob a titularidade de sujeitos diferentes. Assim que desaparecido o vnculocontratual ou de direito real que a desmembrara em direta e indireta, volta a posse a se concentrarnas mos do titular do direito de propriedade.

    A posse se desmembra em direta e indireta por fora de contrato ou direito real. Tanto os possuidores diretos (locatrio, credorpignoratcio, usufruturio etc.) como os indiretos (locador, devedor, proprietrio da coisa dada em usufruto etc.) podem defender a possecontra terceiros. Num conflito possessrio entre o possuidor direto e o indireto, prevalece o interesse do primeiro.

    b) Posse justa e injusta. A definio legal de posse justa feita por negativas. Estatui a lei serjusta a posse que no for violenta, clandestina ou precria (CC, art. 1.200). Em decorrncia, aposse injusta define-se como a violenta, clandestina ou precria.

    Violenta a posse obtida mediante o uso indevido da fora. O novo possuidor desapossa o antigousando de fora fsica direta (empurra-o para fora do veculo), ameaando a vida ou integridadedeste (aponta-lhe arma de fogo), rompendo travas, cercas, fechaduras ou outros tipos de obstculos(desativa o segredo do cofre) etc. O uso da violncia fsica pressuposto desse vcio da posse(Gomes, 1958:40). Para ser justa, a posse deve ser mansa, pacfica, tranquila.

    Clandestina a posse ocultada daquele que titula o direito de a ela se opor. Se algum subtrai orelgio do colega da repartio, adotando todas as cautelas para que este ltimo no lhe possaimputar a autoria do delito, a posse clandestina. Pouco importa se o novo possuidor do bem o exibeostensivamente nos lugares pblicos que o antigo no costuma frequentar. A posse continuaclandestina enquanto estiver ocultada especificamente do sujeito legitimado a question-la em aopossessria. Enquanto o novo possuidor esconder a posse do antigo, ela permanece naclandestinidade. Note, a posse clandestina normalmente mansa; difcil ocultar do desapossado aagresso nsita posse violenta. Justa, assim, a posse ostensiva, pblica, de ningum encoberta.

    Precria, por fim, a posse obtida por abuso de confiana. O empregado que se apropria do bemconfiado aos seus cuidados pelo empregador exerce posse injusta sobre ele, caracterizada pelaprecariedade. No h necessariamente violncia: o empregado j detm a coisa em seu poder e noprecisa valer-se da fora fsica para apreend-la. Tampouco a clandestinidade inerente precariedade: o usurpador da posse pode quebrar a confiana de modo ostensivo, sem pruridos.Considera-se justa, desse modo, a posse firme, certa, induvidosa.

  • Posse justa a mansa, pblica e induvidosa; ou seja, no foi obtida mediante violncia, no foi encoberta de quem tinha legitimidadepara a questionar em juzo e no derivou de abuso de confiana.

    Quando a posse injusta (violenta, clandestina ou precria), o possuidor no tem direito aos interditos contra quem titulava posse justasobre a coisa, mas somente contra terceiros que pretendam tom-la de modo igualmente injusto.

    Em princpio, tanto a posse justa como a injusta do ao possuidor direito aos interditos. Se oposseiro est tomando todas as cautelas para que a invaso perpetrada no seja percebida pelo donoda fazenda, no h dvidas de que sua posse clandestina e injusta. Se este ltimo, porm, aoperceber o esbulho, providencia imediatamente a remoo do invasor de suas terras, valendo-se demeios proporcionais agresso sofrida (autotutela), o posseiro no poder defender sua injustaposse por via dos interditos. Mas se, enquanto durar a clandestinidade, qualquer um exceto o donoda fazenda (ou algum agindo em seu nome) ameaar, turbar ou esbulhar a posse do invasor, elepoder defend-la, a despeito de sua injustia. Quer dizer, contra terceiros (isto , pessoas nodesapossadas de modo injusto), o possuidor que obteve a posse de modo violento, clandestino ouprecrio tem acesso aos interditos quando ela ameaada, turbada ou esbulhada.

    c) Posse de boa-f e de m-f. Na definio da lei, de boa-f a posse, se o possuidor ignora ovcio, ou o obstculo que impede a aquisio da coisa (CC, art. 1.201). Se algum, sem o saber,celebra contrato de compra e venda de certo bem com pessoa que no o seu legtimo proprietrio, edela recebe a posse, reputa-se esta de boa-f. O possuidor ignora ter-se envolvido em aquisio anon domino. Acredita que o ttulo de sua posse justo e, quando o afirma, f-lo pela crena quedeposita nesse fato. Outro exemplo: se o herdeiro, ao tomar posse de imvel recebido por herana,equivoca-se e ocupa o terreno contguo, passa a exercer posse de boa-f, porque cr estar usando efruindo o bem de sua propriedade. Tanto a situao de erro de direito como a de fato do azo configurao da posse de boa-f (Lopes, 2001:173/175).

    No campo dos direitos reais, a boa-f sempre considerada em seu aspecto subjetivo, isto , comacento na virtude moral (cf. Cordeiro, 1983:443/466). A boa-f objetiva (exigida das partes docontrato tanto nas negociaes como em sua execuo e mensurada pelo respeito aos direitos dosoutros contratantes) conceito no operacionalizvel na classificao da posse. Est de boa-f,assim, o possuidor que acredita no que diz e diz apenas o que acredita; quer dizer, afirma ser o titularexclusivo dos direitos sobre a coisa porque cr firmemente nisso (Cap. 26, subitem 6.1).

    Perde a boa-f o possuidor que toma conhecimento da existncia de obstculos para a legtimaaquisio da propriedade da coisa possuda. Normalmente, a notificao extrajudicial ou citao emao possessria ou reivindicatria, promovidas pelo titular do domnio, demarca o momento em quea boa-f cede lugar m-f.

    A lei presume estar de boa-f o possuidor com justo ttulo (CC, art. 1.201, pargrafo nico). Sealgum, mediante escritura pblica regularmente aceita averbao na matrcula correspondentepelo Registro de Imveis, adquire lote num condomnio beira-mar e nele edifica casa de veraneio,milita em seu favor a mais plena boa-f da posse que exerce. Caso, em seguida, terceiros venham aser declarados em juzo os verdadeiros proprietrios da rea em que o condomnio havia sidoimplantado e todos os registros imobilirios correspondentes s diversas vendas dos respectivos

  • lotes sejam judicialmente anulados, aquele adquirente ter os direitos de um possuidor de boa-f.Poder, por exemplo, pleitear indenizao pela casa que edificou no local, segundo o valor demercado da poca do desapossamento.

    A boa ou m-f da posse repercute em questes como o prazo para usucapir, existncia e extensodo direito aos frutos e indenizao por benfeitorias, conforme se examinar a seu tempo. Mas tantoao possuidor de boa-f como ao de m-f se libera a proteo dos interditos possessrios.

    De boa-f a posse daquele que ignora os vcios ou obstculos que impedem a aquisio da coisa possuda. A partir do momento em quepassa a conhec-los, configura-se a posse de m-f.

    Note que a posse de boa-f pode ser injusta, assim como pode ser justa a de m-f. Se oproprietrio nunca teve em suas mos a posse do bem que lhe pertence e resolveu tom-loviolentamente do possuidor, ele passou a titular posse de boa-f (no h obstculos aquisio dapropriedade, que, alis, j dele), porm injusta (em razo da violncia perpetrada) (Fulgncio,1936:40). De outro lado, se algum encontra na rua um envelope com dinheiro, cujo dono no possvel identificar, e, em vez de o levar autoridade policial, resolve apropriar-se do bem, exerceposse de m-f (tem plena conscincia de que aquele dinheiro no dele), mas justa (mansa, pblicae induvidosa).

    d) Posse viciada e sem vcio. A conjugao dos dois critrios de classificao anteriores resultana distino entre posse com ou sem vcio. A posse viciada a injusta ou de m-f; a sem vcio, ajusta ou de boa-f. Os vcios da posse podem ser objetivos ou subjetivos (Gomes, 1958:41). Osprimeiros so chamados de objetivos porque afetam o vnculo entre possuidor e coisa. J os vciossubjetivos se relacionam crena do possuidor acerca da qualidade de seus direitos sobre a coisa.

    Em princpio, a posse mantm sua natureza viciada ou no viciada. O surgimento oudesaparecimento do vcio deve ser provado por quem dele se beneficia, em vista da presuno legal:salvo prova em contrrio, entende-se manter a posse o mesmo carter com que foi adquirida (CC,art. 1.203). A questo, contudo, envolve uma complexidade considervel. No campo dos vciosobjetivos, a posse viciada pode ser sanada, mas o inverso s ocorre no caso de precariedade; no dossubjetivos, a posse sem vcio se vicia, mas apenas excepcionalmente se verifica o contrrio. Emoutros termos, a posse injusta pode se tornar justa (Pereira, 1970:33) e a de boa-f pode setransmudar para de m-f; mas a justa nem sempre se convola em injusta, nem a de m-f, via deregra, se transforma em posse de boa-f.

    Os vcios objetivos dizem respeito ao modo pelo qual se originou o vnculo entre possuidor ecoisa. Quando proveniente de violncia, clandestinidade ou abuso de confiana, a posse viciada.Pois bem, enquanto no cessa a mcula, ela no se torna justa. Se o desapossado responde violncia defendendo sua posse mediante a autotutela ou os interditos possessrios, o vcioremanesce. A posse s deixa de ser violenta se o antigo possuidor no se interessa pela retomada dobem ou, no obtendo sucesso no exerccio do desforo imediato, desiste da luta. Desaparecendo aviolncia nesse caso, a posse se torna justa. Tambm em relao clandestinidade e ao abuso deconfiana, verifica-se igual transformao sempre que o titular do direito possessrio no o defende.

  • Se o desapossado toma conhecimento do esbulho sofrido, cessa a clandestinidade. A posse que lheestava sendo ocultada no apresenta mais tal marca. Mas, no tendo interesse em defender a antigaposse, pelos meios que a lei lhe assegura, d ensejo ao saneamento do vcio objetivo. Do mesmomodo, some o vcio da precariedade malgrado alguns entendimentos em contrrio (Rodrigues,2003, 5:29) quando o desapossado tolera o abuso e renuncia ao exerccio de qualquer direitosobre a coisa. Em suma, o desinteresse do desapossado em defender sua posse descaracteriza aorigem viciada da do novo possuidor.

    Como os vcios objetivos dizem respeito forma pela qual a posse se originou uma formarepudiada pela ordem social e jurdica , sua caracterizao depende da vinculao, entre os quedisputam a posse, por um negcio jurdico fundado na confiana. Como eles nunca estiveram unidospor contrato, a posse justa no se torna injusta, isto , a posse que comea mansa, pblica einduvidosa no perde, neste caso, essas caractersticas. Se o titular de uma posse adquirida semvcio constrangido, para a defender, a usar a violncia (no limite do autorizado pela autotutela),ocultar a coisa de quem a pretende ou mesmo engan-lo ardilosamente, no h nenhuma ilicitudenessas condutas. Quando inexiste qualquer relao negocial entre as partes, o vcio objetivo semanifesta ou no unicamente no ato de aquisio da posse. Manifestado, pode desaparecer em funoda resposta que o desapossado oferece. No manifestado o vcio objetivo na origem, no h maiscomo aparecer.

    A posse justa somente se torna injusta se os envolvidos forem, por exemplo, partes de um contratode comodato. A posse direta do comodatrio justa, porque obtida em cumprimento das obrigaescontratuais contradas pelo comodante, possuidor indireto. Uma vez, porm, instado a restituir o bemdado em comodato, se o comodatrio a tanto resiste, sua posse passa a ser injusta, por precariedade.Tratando-se de bem, cuja posse o comodatrio desfrutava graciosamente, a recusa em restitu-loimporta quebra da confiana que ele originariamente despertara no comodante. Cabe aopossessria para o possuidor indireto reaver a posse direta de seu bem.

    H tecnlogos que admitem a transformao da posse justa em injusta na hiptese do locatrioque, ao trmino do contrato de locao, no restitui o bem locado ao locador (Pereira, 1970:33).Noto, porm, que no h nenhum abuso de confiana por parte do locatrio quando deixa de adimpliruma de suas obrigaes contratuais. Ele apenas um inadimplente. No incio da locao, o locadortransferiu a posse direta do bem ao locatrio no por depositar nele qualquer tipo de confiana, massimplesmente porque havia se vinculado por um contrato, devendo cumprir as obrigaes contradas.O locatrio no algum que recebe a deteno da coisa e, traindo a confiana do possuidor,resolve tom-la para si. No existe nenhuma precariedade, portanto, no ato do locatrio de ficar como bem locado quando o devia devolver. Alm disso, o descumprimento da obrigao de restituir oobjeto da locao ao fim do contrato no d ensejo a nenhuma questo possessria. A ao judicialdo locador visando a restituio do bem ser apreciada luz do direito das obrigaes e no do dascoisas se o bem locado for imvel, ser necessariamente uma ao de despejo (Lei n. 8.245/91,art. 5); se mvel, no ser tambm possessria, mas ordinria. Se a posse do locatrio se tornasseinjusta, caberia a reintegrao de posse, o que no verdade.

    A seu turno, o vcio subjetivo relaciona-se com a crena do possuidor. Se ele ignora a existnciade obstculos aquisio da propriedade da coisa, sua posse de boa-f; se os conhece, de m-f. Aposse de boa-f perde essa natureza quando no mais crvel a ignorncia do possuidor acerca desua condio de no proprietrio (ou de no adquirente). O recebimento de notificao extrajudicial

  • ou de citao judicial, ou qualquer outra circunstncia que impea o possuidor de continuarafirmando desconhecer o obstculo aquisio da propriedade da coisa, marca o aparecimento dovcio subjetivo (CC, art. 1.202). Uma vez ciente o possuidor de sua real e precria situao jurdica,no h mais volta. Para fins jurdicos, no possvel em princpio retornar ao estado de ignorncia.

    H uma s hiptese em que a posse de m-f se torna de boa-f: o obstculo aquisio da possemuda, desfigurando o vcio. Pode ocorrer de o possuidor, alertado para a inexistncia dos direitos deproprietrio ou adquirente da coisa, procurar adotar providncias tendentes a regularizar a situao.Mas pode ocorrer tambm de as providncias adotadas serem, novamente, imperfeitas em vista dosobjetivos do possuidor. Ele continua enfrentando obstculos aquisio, diferentes dos primeiros,mas tambm ignorados. Desaparece, nesse caso, a m-f, porque se renovam as razes para a crenana legitimidade dos direitos do possuidor. Trata-se, no entanto, de situao excepcional, que se deveadmitir unicamente em vista de circunstncias particularssimas. Em regra, o possuidor que perde aboa-f no mais a recupera.

    A posse viciada quando injusta (vcio objetivo) ou de m-f (vcio subjetivo). A lei presume manter a posse seus eventuais vcios, demodo que cabe a prova da mudana do seu carter a quem se beneficia com o surgimento ou desaparecimento deles.

    Em outros direitos, como o francs, a descontinuidade da posse tambm a vicia, podendo qualquerinteressado suscitar a falta de exerccio contnuo dos poderes de possuidor sobre a coisa para acontestar (Voirin-Goubeaux, 1999:264). No direito brasileiro, a descontinuidade no vicia a posse,podendo o possuidor defend-la de ameaa, turbao ou esbulho ainda que use ou frua a coisa demodo intermitente.

    e) Posse nova ou velha. A posse nova (ou de fora nova) a que se defende em juzo dentro doprazo de ano e dia contado da turbao ou esbulho. Se o interdito possessrio ajuizado depoisdesse prazo, considera-se a posse velha (ou de fora velha). Imagine que algum est tentando tirarcerto bem da minha posse. Enquanto no consegue seu desiderato, verifica-se a turbao; se vier aser desapossado, o esbulho. Posso defender minha posse, nos dois casos, ingressando em juzo coma ao possessria. Se a medida judicial for proposta dentro de um ano mais um dia da data daturbao ou esbulho, a posse nova; se proposta depois disso, velha.

    A nica implicao dessa classificao diz respeito ao procedimento a ser observado na aopossessria. Na defesa de posse nova, o procedimento admite a expedio liminar de mandado demanuteno ou reintegrao de posse. Quando provados os fatos na petio inicial, expede-se omandado sem oitiva do ru; quando nem todos os fatos se encontram provados nessa pea, a ordemliminar pode ser expedida se o autor os provar em audincia de justificao (CPC, arts. 924, 928 a930). Em suma, o procedimento judicial de manuteno ou reintegrao de posse nova prev medidasdestinadas ao pronto socorro ao direito do desapossado. Ultrapassado o prazo de ano e dia, aturbao ou esbulho s pode ser defendido mediante ao tramitada pelo procedimento ordinrio.

  • Posse nova a turbada ou esbulhada h no mximo um ano e um dia. O possuidor pode requerer sua manuteno ou reintegraoliminar. A posse velha, ao contrrio, aquela em que a turbao ou esbulho ocorreu h mais de ano e dia.

    A classificao da posse em nova ou velha tem relevncia, como dito, apenas no plano doprocedimento a ser observado no interdito possessrio. Mas, mesmo nesse campo, perde cada vezmais importncia. Com a introduo de instrumentos no procedimento ordinrio visando o prontoatendimento dos direitos postulados em juzo, como a antecipao de tutela, por exemplo, tambm aposse velha pode ser protegida liminarmente contra a turbao ou esbulho (cf. Casconi, 2001).

    f) Posse com e sem justo ttulo. Essa classificao til na definio das condies para ausucapio do bem possudo. Quando exercida posse com justo ttulo, o prazo para a aquisio dodireito de propriedade menor.

    Na definio de justo ttulo, duas posies tecnolgicas se divisam. De um lado, h tecnlogosque consideram indispensvel configurao do justo ttulo a existncia de um documento, isto , uminstrumento escrito em mos do possuidor, que seria hbil transferncia do domnio se tivesse sidooutorgado pelo verdadeiro proprietrio (Rodrigues, 2003, 5:110; Nunes, 2000:27). De outro, h osque se contentam com a existncia de um negcio jurdico, no necessariamente escrito, desde querevestido da aparncia de aptido transferncia do domnio (Gomes, 1958:169/171; Monteiro,2003, 3:126/127). Este ltimo o entendimento mais correto. O justo ttulo pode ser oral,principalmente quando se trata de usucapio de bens mveis, mas tambm quando destinado aquisio da propriedade imobiliria.

    Importa para a caracterizao do justo ttulo que o possuidor tenha participado dum negciojurdico que se destinava transferncia da propriedade do bem. Ocorre que, por qualquer razo,esse negcio jurdico no se revela inteiramente apto a tal finalidade. Ttulo justo no sinnimo delegtimo. Este corresponde a negcio jurdico que visa transferncia da propriedade de queparticipa, na qualidade de alienante, o verdadeiro proprietrio do bem. O ttulo legtimo referente transmisso da propriedade imobiliria, por exemplo, atende a todos os requisitos subjetivos eobjetivos para o seu registro no Registro de Imveis e aquisio do direito real pelo adquirente. Ottulo justo, ao contrrio, deixou de atender a um ou alguns desses requisitos, mas no a todos, e poressa razo no cumpre a finalidade a que estava predestinado. O exemplo mais corriqueiro de justottulo o referente venda a non domino: quem participa do contrato como alienante no , a rigor,proprietrio da coisa alienada; como, porm, quem participa como adquirente acredita estarpraticando negcio jurdico inteiramente vlido e eficaz, a lei o trata de forma diferente, maisbenfica, daquele outro possuidor que simplesmente se apossou do bem. Quando o negcio jurdicopraticado tinha a aparncia de uma compra e venda, o possuidor com justo ttulo pagou pela coisa,enquanto este ltimo nada desembolsou para ter a posse dela.

    Qualquer negcio jurdico pode dar ensejo configurao da posse com justo ttulo, desde que aspartes tivessem a inteno de proceder, por meio dele, transferncia da propriedade sobre a coisa.Assim, um contrato de doao ou mesmo um testamento pode servir de justo ttulo se o doador outestador se considerava o proprietrio do bem que pretendia transferir. Nesses casos, evidentemente,o possuidor com justo ttulo nada paga pelo bem, mas continua a gozar de tratamento mais benfico,porque a lei sempre procura proteger a aparncia de direito.

  • Em geral, o possuidor com justo ttulo tem boa-f, por ignorar os vcios existentes aquisio dapropriedade, mas so se confundem as correspondentes categorias de classificao da posse. Defato, pode ocorrer de o possuidor, ao tentar levar a registro o instrumento pelo qual aparentementeadquiriu a propriedade de bem imvel, tomar ento conhecimento de que adquiriu de quem no eradono (aquisio a non domino). Nesse momento, ele perde a boa-f, porque no mais ignora osobstculos aquisio do domnio, mas continua a titular posse com justo ttulo. A distino meramente conceitual, porque o tratamento benfico liberado pela lei em favor do possuidor comjusto ttulo isto , a abreviao dos prazos para usucapio tem por pressuposto tambm a boa-f do possuidor. Perdida esta, de nada vale ao possuidor exibir o justo ttulo, porque para usucapir obem dever aguardar o decurso do prazo mais dilatado.

    Posse com justo ttulo aquela em que o possuidor parte de um negcio jurdico destinado a transferir a propriedade da coisapossuda. Como esse negcio jurdico aparente e no est inteiramente apto a produzir esse efeito, a propriedade somente ser adquiridapelo possuidor aps o decurso de certo prazo, ou seja, por meio da usucapio.

    g) Posse singular e composse. O mesmo bem pode ser possudo por uma s pessoa ou por maisde uma simultaneamente. No primeiro caso, a posse singular; no segundo, verifica-se a composse.Nas duas hipteses, inclusive nesta ltima, os direitos de possuidor so exercidos comexclusividade. Quer dizer, um copossuidor no pode ser turbado ou esbulhado por outro copossuidor(Lopes, 2001:114). Todos podem exercer seus atos possessrios sobre o objeto da composse, desdeque no excluam os dos demais, principalmente se a coisa indivisa (CC, art. 1.199).

    A coisa pode estar na posse de um ou mais sujeitos de direito. Quando dois ou mais sujeitos titulam a posse de uma mesma coisa, verifica-se a composse.

    Se Antonio e Benedito possuem em comum um escritrio, nenhum deles pode impedir o ingressodo outro no local, nem o uso das instalaes e equipamentos. No havendo qualquer acordo sobre oexerccio da composse, entende-se que os dois copossuidores podem simultaneamente usar todo obem. Se Antonio tentar impedir que Benedito ingresse ou use o escritrio, este pode defender suaposse contra aquele mediante a autotutela ou os interditos. Se Carlos ameaar, turbar ou esbulhar aposse que Antonio e Benedito exercem sobre o escritrio, qualquer destes ltimos tem legitimidadepara a defender isoladamente.

    3. AQUISIO E PERDA DA POSSEPosse, relembro, expresso ambgua, que designa tanto o fato jurdico correspondente ao

    vnculo de sujeio da coisa vontade de uma pessoa como o direito real sobre a coisa possuda quefundamenta a defesa desse vnculo. Nesse ltimo sentido, como todo direito, a posse adquire-se e se

  • perde. Diversos negcios jurdicos tm por objeto mediato ou imediato a transmisso da posse: aentrega das chaves do apartamento ao usufruturio logo aps a assinatura do instrumento deinstituio do usufruto configura a aquisio da posse por meio da tradio simblica do bem; se docontrato de compra e venda de imvel consta a clusula prevendo a permanncia do bem na posse dovendedor, em contrapartida ao pagamento de aluguel mensal ao comprador (constituto possessrio),este ltimo adquiriu a posse indireta da coisa; a entrega da coisa empenhada, no ato de instituio dagarantia real, opera a transmisso da posse do devedor para o credor pignoratcio.

    A posse no se transmite somente por negcios jurdicos. Fatos jurdicos tambm implicam atransferncia da posse, como por exemplo a morte do possuidor, que a transfere aos seus herdeiros.Qualquer que seja, entretanto, a causa jurdica da transmisso, ocorre sempre a perda da posse poruma pessoa e sua aquisio imediata por outra. Como direito exclusivo, a posse no pode seradquirida por algum sem que outrem a perca simultaneamente. Na aquisio e perda da posse,assim, um sujeito de direito sempre substitudo por outro na titularidade do direito sobre a coisa.

    De incio, convm distinguir entre aquisio justa e injusta da posse. Na primeira, no hviolncia, clandestinidade ou precariedade no ato que origina a substituio do titular do direitosobre a coisa. O antigo possuidor cede seus direitos ao novo, mediante remunerao contratadalivremente entre eles, por exemplo. Na aquisio injusta, ao contrrio, a violncia, clandestinidadeou precariedade a causa da substituio do titular.

    A aquisio justa da posse, por sua vez, pode ser originria ou derivada. originria se entre oantigo e o novo possuidor no se estabelece vnculo de sucesso (negocial ou causa mortis). Sealgum joga no lixo um bem qualquer e outra pessoa o recolhe, a posse titulada por esta ltima originria. Quando o proprietrio obtm em juzo a imisso na posse, tambm a adquireoriginariamente. Na transmisso derivada, a seu turno, o adquirente sucessor do alienante nosdireitos e vcios emergentes da posse que adquire. Ela pode decorrer dum negcio jurdico ou dofalecimento do possuidor. Assim, se algum vende a posse que titula sobre um bem, a aquisio pelocomprador ser derivada. Tambm ser derivada a posse do sucessor na morte do possuidor.

    A distino entre aquisio originria ou derivada importante para a classificao da posse. Naprimeira, eventuais vcios dos possuidores anteriores no se transmitem ao atual. Quem recolhe dolixo um bem normalmente passa a exercer sobre ele uma posse de boa-f e justa cr ser o dono dacoisa recolhida sem violncia, clandestinidade ou abuso de confiana. irrelevante se quem odescartou exercia posse de m-f ou injusta, porque tais vcios no se transferem na aquisiooriginria. Do mesmo modo, o proprietrio imitido na posse no adquire os eventuais vcios que amaculavam.

    Na derivada, presume-se a transmisso dos vcios. No caso de sucesso negocial, a presuno relativa; no de sucesso por morte, absoluta. Tomem-se dois exemplos para entender a diferena.Em primeiro lugar, um relacionado transmisso por negcio jurdico: considere que Darcy possuidor de certo imvel e sabe que seu ttulo no hbil para assegurar-lhe a propriedade do bem,por ter j recebido de Evaristo, o legtimo dono, notificao extrajudicial reivindicando a posse. SeDarcy vender o imvel a Fabrcio, ocultando-lhe a existncia do obstculo aquisio dapropriedade, a presuno a de que a posse se transmitiu tambm viciada. Quando Evaristo forreivindicar em juzo o imvel, basta-lhe exibir a notificao contra Darcy para que milite em seufavor a presuno de m-f de Fabrcio. Caber a este ltimo, ento, o nus da prova de queignorava os obstculos aquisio da propriedade do bem reivindicado. relativa a presuno da

  • transmisso dos vcios na aquisio derivada de negcio jurdico porque o adquirente podedesconstitu-la provando a boa-f ou a justia da posse. O segundo exemplo diz respeito transmisso mortis causa. Imagine que falece o possuidor de m-f, sem que os herdeiros tivessemcincia dos obstculos aquisio da coisa de cuja posse so sucessores. Tambm eles sopossuidores de m-f, a despeito da ignorncia, porque adquiriram posse viciada. Mas, nesse caso, alei no admite prova em contrrio, estabelecendo uma presuno absoluta de transmisso dos vcios(CC, art. 1.206). Quem recebe por herana ou legado posse de m-f ou injusta suporta todas asconsequncias dessa classificao. Ainda que ignore os obstculos aquisio da propriedade, porexemplo, no ter direito indenizao pelas benfeitorias teis que introduzir na coisa, porque essedireito s o titula o possuidor de boa-f.

    Assim como transmite os vcios, a aquisio derivada tambm transfere ao adquirente os mesmosdireitos do possuidor anterior. Tanto na sucesso a ttulo universal como na singular, o adquirente daposse passa a titular os direitos do alienante. O direito de usucapir o bem possudo, por exemplo,transmite-se ao novo possuidor quando adquire a ttulo universal, porque passa a titularizar todosos direitos inerentes posse adquirida; se a ttulo singular, porque tem o direito de unir sua a possedo alienante (CC, art. 1.207). Desse modo, vindo Germano a adquirir de Hebe a posse de imvelque ela exerce h doze anos, poder ingressar com a ao de usucapio depois de transcorridos maistrs.

    Quando a aquisio injusta, a lei procura definir com maior preciso o momento em que seopera a substituio do titular da posse. A regra geral a de que a posse adquire-se desde omomento em que se torna possvel a algum o exerccio em nome prprio de qualquer poder inerente propriedade (CC, art. 1.204). Quando a posse injustamente adquirida, porm, o novo possuidorvale-se da violncia, clandestinidade ou abuso de confiana e pode, desde logo, usar e fruir a coisa.Isso no significa, porm, que seja j o titular do direito de posse. Os atos violentos ou clandestinosno autorizam a aquisio da posse seno depois de cessada a violncia ou clandestinidade isto ,no caso de o desapossado no exercer seus direitos em defesa da posse. Do mesmo modo, atolerncia do possuidor relativamente ao abuso da confiana no induz transmisso da posse (art.1.208). No suficiente, na aquisio injusta, que o usurpador j esteja exercendo qualquer dosdireitos inerentes propriedade para considerar-se possuidor com direitos sobre a coisa. necessrio ainda que o desapossado renuncie defesa de sua posse, fazendo cessar com isso aviolncia, clandestinidade ou precariedade que impediam a aquisio da posse (art. 1.224).

    A aquisio injusta da posse originria. Nem os vcios da posse perdida, nem os direitos delaemergentes, transmitem-se injustamente adquirida.

    Como a posse direito exclusivo, sua aquisio por uma pessoa implica necessariamente a perda por outra.A substituio do titular da posse pode ser justa (por exemplo, contrato entre as partes ou sucesso por morte) ou injusta (por fora de

    violncia, clandestinidade ou abuso de confiana).A aquisio justa pode ser originria ou derivada; esta ltima, a ttulo universal ou singular.Na aquisio derivada, universal ou singular, ao adquirente se transmitem todos os direitos e vcios emergentes da posse.A aquisio injusta sempre originria.

  • Na questo da substituio do titular da posse (isto , da aquisio e perda), importa examinarquais os direitos e obrigaes do antigo possuidor. Em algumas hipteses, por exemplo, ele deverser indenizado pelo adquirente da posse; em outras, responder pela perda ou deteriorao da coisa.Para tratar desses assuntos, cabe enfocar os frutos (subitem 3.1), os sucessos negativos da coisa(subitem 3.2) e as benfeitorias (subitem 3.3).

    3.1. Os frutosOs frutos so acessrios da coisa periodicamente renovveis. Dividem-se em naturais, industriais

    e civis, de acordo com a origem do ciclo de renovao. Os frutos naturais se renovam pelo ciclobiolgico, sem qualquer interferncia humana; os industriais, quando essa interferncia a causa darenovao; os civis, por fim, so os rendimentos gerados pela coisa principal. So frutos, assim, acolheita de produto agrcola, os animais de pasto gerados por inseminao artificial e a renda dealuguel da casa. Enquanto esto ligados coisa principal, os frutos se consideram pendentes; se j sesepararam, chamam-se colhidos (naturais) ou percebidos (industriais ou civis).

    O possuidor de boa-f tem direito aos frutos percebidos durante a posse, bem como s despesasde produo e custeio dos frutos pendentes (CC, art. 1.214). Imagine que Irene obteve em juzo,contra Joo, a imisso na posse da fazenda de sua propriedade. At a citao, Joo era possuidor deboa-f, por acreditar ser o legtimo dono das terras, onde plantava cana-de-acar. Desse modo, tudoo que colheu at aquela data dele, no podendo Irene reivindicar qualquer indenizao. Mas acana-de-acar que aguardava ser colhida na poca da citao pertence a Irene, tendo Joo direitoapenas a ser reembolsado com as despesas feitas na plantao. A norma visa evitar o enriquecimentoindevido do adquirente da posse. Note que, se o processo judicial se arrastar e Joo continuarplantando e colhendo na fazenda objeto de litgio, dever indenizar Irene no valor do resultadolquido de todas as safras posteriores citao, porque desde ento possuidor de m-f.

    Quando se trata de fruto civil, considera-se que sua percepo ocorre dia a dia (CC, art. 1.215,in fine). Quer isso dizer que a renda mensal ou anual extrada da fruio da coisa deve ser calculadaproporcionalmente aos dias em que dura a posse, na definio da parte cabvel ao possuidor de boa-f.

    O possuidor de boa-f tem direito aos frutos naturais ou industriais colhidos ou os civis percebidos durante o prazo em que exerceu aposse. Em relao aos frutos pendentes, tem direito apenas ao reembolso das despesas de produo e custeio. J o possuidor de m-f deve,se perder a posse, indenizar o adquirente na medida do resultado lquido da fruio econmica dada ao bem.

    Sendo de m-f a posse perdida, todos os frutos, inclusive os colhidos e percebidos durante o seuexerccio, pertencem a quem passa a titul-la. O possuidor de m-f tem apenas direito ao reembolsodas despesas de produo e custeio em que incorreu, para evitar, como dito, o enriquecimentoindevido do adquirente da posse (CC, art. 1.216). Considere que Laurindo tomou posseclandestinamente de parte da fazenda de Marco para usar como pasto de seu gado. A posseclassifica-se como de m-f porque Laurindo tem pleno conhecimento de que Marco possuidor darea invadida. Imagine que Marco s descobre o esbulho depois de passados mais de ano e dia,

  • razo pela qual a ao de reintegrao por ele proposta no segue o procedimento mais clere dedefesa de posses novas. Quando obtiver a reintegrao, Marco ter direito de exigir de Laurindo aindenizao pelos frutos colhidos desde a invaso, calculada em funo do resultado lquido daatividade pecuria exercida em suas terras.

    3.2. Os sucessos negativos da coisaA coisa pode se perder ou se deteriorar enquanto se encontra na posse de quem no titula o

    domnio. Se o sucesso negativo deriva de culpa do possuidor, ele responsvel pela indenizao aoproprietrio, independentemente da natureza da posse. Fosse ela de boa ou m-f, justa ou injusta, aobrigao de indenizar o proprietrio ser decorrncia do ato ilcito praticado pelo possuidor (CC,art. 927). Aquele que habita uma casa cuja posse reivindicada pelo proprietrio e, por dolo,negligncia ou imprudncia, d causa a incndio que a consome por completo deve no s restituir oterreno como tambm pagar o valor do prdio perdido (cf. Rodrigues, 2003, 5:69). Estudou-seanteriormente que a coisa perece para o dono (res perit domino), salvo em caso de culpa de outrem,inclusive daquele em cuja posse ela se encontrava (Cap. 14, subitem 2.2).

    Quando, porm, a deteriorao ou perda deriva de ato de terceiros ou caso fortuito, o antigopossuidor no responsvel por indenizar o novo se exercia posse de boa-f (CC, art. 1.217). J otitular de posse de m-f responde pelos sucessos negativos da coisa, ainda que provenientes defortuito ou de culpa de terceiros. Deixar de ter responsabilidade somente se provar que a perda oudeteriorao aconteceria mesmo se o novo possuidor estivesse na posse do bem (art. 1.218).

    Imagine que o objeto de litgio seja um carro que ficou seriamente danificado em razo deacidente de trnsito ocorrido sem culpa de quem o dirigia. Se a posse questionada era de boa-f, oadquirente no pode pleitear a indenizao dos prejuzos contra o possuidor; dever demand-la doculpado pelo acidente. Mas se era de m-f, o antigo possuidor obrigado a ressarcir os danos aonovo para, depois, voltar-se em regresso contra o causador do acidente; livra-se de responsabilidadeapenas provando que o sucesso negativo aconteceria mesmo que o bem j estivesse em posse doadquirente, como no caso da deteriorao natural do veculo.

    Quanto aos sucessos negativos da coisa, o possuidor de boa-f responde apenas em caso de ter agido com culpa, enquanto o de m-f responsvel mesmo na hiptese de fortuito ou culpa de terceiros, exceto se provar que a perda ou deteriorao aconteceria do mesmo jeitose o bem no estivesse mais sob sua posse.

    Atente que a lei s cuida especificamente de hipteses de sucesso negativo da coisa quando ovcio da posse subjetivo. Deve-se, ento, considerar que, sendo objetivo o vcio, aresponsabilidade civil do possuidor rege-se pelas normas gerais. Quer dizer, aquele que possuiinjustamente (violenta, clandestina ou precariamente) responsvel pelos danos que ocasionar coisa; mas deixa de ser provando a inexistncia de liame de causalidade entre tais danos e qualquerconduta culposa a ele imputvel (Cap. 24, item 3).

    3.3. As benfeitorias

  • As benfeitorias so bens acessrios que alteram parcialmente o principal. Como bens acessrios,distinguem-se das pertenas por se incorporarem coisa principal. A varanda agregada casa benfeitoria; a geladeira e fogo so pertenas.

    Podem ser de trs tipos as benfeitorias: necessrias, teis ou volupturias (CC, art. 96).Necessrias so aquelas destinadas conservao ou salvao do bem quando o prdio ameaaruir, as obras de conteno e reforo de fundaes so benfeitorias desse tipo. teis so as queampliam ou facilitam o uso ou fruio do bem construo de novo dormitrio na casa de veraneio benfeitoria til. Por fim, as volupturias so as benfeitorias fteis, destinadas ao deleite ou recreio substituio das esquadrias apenas para atender moda enquadra-se nessa categoria.

    Na posse de boa-f, o possuidor tem direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessrias eteis, podendo at mesmo reter a coisa enquanto no receber o pagamento. A lei no s lhe assegurao direito ao ressarcimento como tambm o de reteno. O vencedor da demanda judicial no sereintegrar ou imitir na posse enquanto no pagar a quem a perdeu a indenizao pelas benfeitoriasnecessrias e teis. Em relao s volupturias, o possuidor de boa-f no faz jus respectivaindenizao, em razo da futilidade do acessrio, mas ter o direito de as levantar, desde que issono prejudique a coisa (CC, art. 1.219).

    Na posse de m-f, por sua vez, o possuidor tem direito indenizao pelas benfeitoriasnecessrias somente. No ser ressarcido pelas teis, nem poder levantar as volupturias, ainda queo possa fazer sem prejudicar a coisa. Ademais, a lei expressamente nega ao possuidor, nesse caso,qualquer direito de reteno, at mesmo das benfeitorias necessrias (CC, art. 1.220).

    Outra significativa diferena entre os direitos do possuidor de boa ou de m-f reside noscritrios de mensurao da indenizao devida. O possuidor de boa-f tem sempre direito aopagamento das benfeitorias indenizveis pelo valor atual, vale dizer, o de mercado segundo avalorizao agregada coisa. Se o imvel valeria x sem as benfeitorias necessrias e teisincorporadas pelo possuidor de boa-f, e vale y com elas, a preos de mercado na poca da imissoou reintegrao da posse, a diferena entre esses valores corresponde ao quantum da indenizao. Jo possuidor de m-f pode ser indenizado pelas benfeitorias necessrias pelo valor atual, assimcalculado, ou pelo custo em que incorreu, abstraindo-se a valorizao decorrente da incorporao. Aopo por um ou outro valor cabe exclusivamente ao devedor da indenizao, isto , o imitido oureintegrado na posse da coisa, que tender evidentemente a escolher o menor deles (CC, art. 1.222).

    O possuidor de boa-f tem direito indenizao pelas benfeitorias necessrias e teis e pode levantar as volupturias, se no houverprejuzo para a coisa. Tem, ademais, direito de reteno da coisa enquanto no for pago. A indenizao ser calculada em funo davalorizao atual do bem.

    Por sua vez, o possuidor de m-f tem direito apenas indenizao pelas benfeitorias necessrias, mas no pode reter a coisa paraforar seu pagamento. A indenizao poder ser calculada, por escolha do imitido ou reintegrado na posse, em funo apenas dos custosincorridos.

    A indenizao pelas benfeitorias, em qualquer caso, s devida se elas ainda existirem na pocada perda da posse. Ademais, o imitido ou reintegrado pode compensar o valor das benfeitorias como de danos causados ao bem pelo antigo possuidor (CC, art. 1.221). Desse modo, se a benfeitoria

  • necessria est to velha que precisa ser refeita, o possuidor no poder pleitear qualquerressarcimento, mesmo sendo sua posse de boa-f. Por outro lado, se for devedor de qualquerpagamento em razo de sucessos negativos ocorridos com a coisa (subitem 3.2), da indenizao aque fizer jus ser debitada sua obrigao.

    4. DEFESA DA POSSEUma das mais importantes consequncias descritas na norma legal para o fato jurdico da posse

    o direito de o possuidor a defender. Seu exerccio a resposta a atos praticados por quaisquerpessoas (tenha ou no com elas o possuidor algum vnculo jurdico prvio) de esbulho ou turbaoda posse, ou mesmo sua simples ameaa.

    O esbulho se verifica quando o possuidor perde a posse do bem. O vnculo de sujeio da coisa vontade dele se desfaz em razo do ato perpetrado pelo usurpador. Pode ser violento ou pacfico; oque interessa caracterizao do esbulho o desapossamento, a impossibilidade de o possuidorcontinuar a exercitar em relao coisa qualquer dos direitos inerentes propriedade. O possuidoresbulhado tem direito reintegrao de posse, isto , a refazer o vnculo de sujeio, retomando acoisa em suas mos. Quando h violncia a pessoa, grave ameaa ou concurso de mai