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ESMEG Direito Constitucional ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS ESMEG DIREITO CONSTITUCIONAL Parte 3 PROF. TIAGO BENTES 2011 1

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ESMEG Direito Constitucional

ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS

ESMEG

DIREITO CONSTITUCIONAL

Parte 3

PROF. TIAGO BENTES2011

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ÍNDICE

CAPÍTULO VIIDIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

VII. 1. CONCEITO, DINSTINÇÕES E ABRANGÊNCIA:.......................................................3VII. 2. ORIGEM E EVOLUÇÃO:............................................................................................4

VII. 2. 1. Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão:......................................4VII. 2. 2. Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão:....................................5VII. 2. 3. Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão:.......................................6VII. 2. 4. Direitos Fundamentais de Quarta Dimensão:........................................7VII. 2. 5. Direitos Fundamentais de Quinta Dimensão:........................................7

VII. 3. FUNDAMENTOS:........................................................................................................8VII. 4. TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK:...........................................................8VII. 5. CARACTERÍSTICAS:...................................................................................................9VII. 6. EFICÁCIA: ................................................................................................................10

VII. 6. 1. Eficácia Vertical:........................................................................................10VII. 6. 2. Eficácia Horizontal (Privada ou Externa):.............................................10

VII. 7. DESTINATÁRIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS BÁSICOS:......................................13VII. 8. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE:................................................................15

VII. 8. 1. Do Direito à Vida (art. 5º, caput):..........................................................15VII. 8. 2. Direito à Igualdade (art. 5º, caput e inciso I):......................................17VII. 8. 3. Princípio da Legalidade (art. 5°, II):.......................................................20VII. 8. 4. Direito à Liberdade:..................................................................................21VII. 8. 5. Direito à Privacidade:...............................................................................29VII. 8. 6. Direito de Petição:....................................................................................35VII. 8. 7 Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada:..................36

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CAPÍTULO VII

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

VII. 1. CONCEITO, DINSTINÇÕES E ABRANGÊNCIA:

Os direitos fundamentais podem ser definidos como disposições meramente declaratórias, ou seja, que definem quais os direitos que o ordenamento jurídico entende devem ser objeto de proteção consignada na Norma Fundamental. Por sua vez, as garantias fundamentais, na visão do mestre Rui Barbosa, constituem disposições assecuratórias, ou seja, em defesa dos direitos que limitam o poder estatal, estabelecendo mecanismos que asseguram o respeito aos direitos fundamentais.

Sem embargo, costuma-se fazer referência conjunta aos direitos e às garantias fundamentais simplesmente pela expressão “direitos fundamentais”, num sentido lato sensu, nomenclatura esta que será doravante utilizada.

Em derradeiro, tem-se que parte da doutrina traça uma distinção entre as expressões: 1) Direitos Fundamentais (direitos positivados na Constituição, tidos por esta como indispensáveis à condição das pessoas humanas ou jurídicas); 2) Direitos do Homem (inerentes à própria condição humana, com origem no direito natural, os quais foram apenas reconhecidos pela Constituição, e não criados por ela); e 3) Direitos Humanos (seriam os direitos do homem previstos nas declarações e nos tratados internacionais).

A Constituição Federal de 1988 dedicou todo um Título aos direitos fundamentais (Título II), dividindo esses direitos entre cinco grupos distintos:

a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º);b) direitos sociais (arts. 6º ao 11);c) direitos de nacionalidade (art. 12 e 13);d) direitos políticos (arts. 14 ao 16);e) direitos dos partidos políticos (art. 17).

Esses artigos (5º ao 17) perfazem o que a doutrina denomina

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“catálogo dos direitos fundamentais”, pois é a parte da Constituição em que estão catalogados, relacionados, os direitos fundamentais.

Não significa, porém, que todos os direitos fundamentais previstos na nossa Constituição estão disciplinados nesses artigos, pois eles apresentam apenas um rol meramente exemplificativo (numerus apertus). Existem, portanto, direitos fundamentais previstos em outros dispositivos da Constituição, como é o caso do direito fundamental de terceira dimensão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225). Esses direitos fundamentais que estão fora do catálogo (fora do intervalo do art. 5º ao 17) são chamados de direitos fundamentais não-catalogados (ou, simplesmente, direitos fundamentais fora do catálogo).

Por fim, há, ainda direitos fundamentais previstos fora do próprio corpo da Constituição, conforme dispõe o art. 5º, §2º, CF (Ex: direitos previstos no Pacto de São José da Costa Rica).

VII. 2. ORIGEM E EVOLUÇÃO:

A origem dos direitos fundamentais está associada à necessidade de serem estabelecidos limites à atuação do Estado, até então absolutista, em favor da liberdade do indivíduo, ou seja, de impor limites à ingerência do Estado na esfera de liberdade do indivíduo.

Assim, a previsão de direitos e garantias fundamentais que limitam o poder estatal está diretamente relacionada à pré-existência de um Estado de Direito. Em outras palavras, se um determinado Estado tem por limitado o seu poder por meio de direitos e garantias fundamentais previstos em sua constituição, será ele um Estado de Direito.

Esses direitos limitadores da ação estatal evoluíram paulatinamente, na mesma velocidade em que as demandas sociais foram se tornando mais complexas, alterando aos poucos a própria concepção e abrangência do constitucionalismo.

A doutrina, visando compilar e melhor visualizar essa evolução, dividiu esta em fases, chamadas de dimensões ou de gerações.

VII. 2. 1. Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão:

São direitos que exigem uma atuação negativa do Estado, um não-fazer, uma não intervenção, em favor da liberdade do indivíduo. Por esta

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razão, são chamados de “direitos negativos” e “liberdades negativas”.

Esses direitos foram previstos pela primeira vez na Magna Charta de 1.215, mas somente vieram a ser efetivamente implementados e garantidos no final do século XVIII, após a Revolução Francesa de 1.789, quando surge o Estado Liberal.

Em virtude da implícita vedação ao Estado de interferir nas relações privadas, o Estado-Juiz era considerado, portanto, como a mera “boca da Lei”, não podendo ir além das disposições gramaticais da Lei. Era o auge do Positivismo, de Hans Kelsen.

Estão ligados ao ideal de liberdade.

Correspondem aos direitos civis e políticos. São exemplos: 1) direito de locomoção (de ir, vir e permanecer): o Estado não determina ao cidadão para que se locomova, mas apenas se abstém de, arbitrariamente, desrespeitar o seu direito de ir e vir; 2) liberdade de crença religiosa e de convicção filosófica: o Estado não impõe determinada crença, mas apenas se abstém de intervir na convicção do indivíduo.

VII. 2. 2. Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão:

São direitos que exigem uma atuação positiva do Estado de índole assistencial, um fazer, uma intervenção nas relações públicas e privadas em favor do indivíduo. Por esta razão, são também chamados de “direitos positivos” ou “liberdades positivas”.

Surgem em um segundo contexto histórico, no qual considerável parcela da sociedade necessitou de cuidados especiais do Estado, em virtude das peculiaridades que pairavam na época. Surgem no início do século XX, mais precisamente após a Primeira Grande Guerra Mundial (1914 - 1918), época em que a população havia sido dizimada, com sobreviventes mutilados, paraplégicos, órfãos, com perturbações mentais e incapazes em geral. E como boa parte da sociedade não tinham inteira aptidão ao trabalho, a outra parcela sadia, por ser minoria (mão de obra escassa), passou a ser explorada nas relações de trabalho, já que se estava no auge da Revolução Industrial.

Assim, os ordenamentos constitucionais de todo o mundo começaram a expressar a preocupação com os desamparados, percebendo-se a existência de uma premente necessidade de assegurar que os indivíduos existentes à margem da sociedade fossem auxiliados por ações afirmativas do

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Estado, no afã de resguardar-lhes o mínimo de igualdade perante o restante da população. Em outras palavras, o Estado apresenta uma postura de eliminar as desigualdades sociais, como no welfare state.

Nesse contexto é que surge o Estado Social, em oposição ao Estado Liberal.

Estão associados aos ideais de igualdade.

Correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos. São exemplos: 1) direito trabalhista (com limite de jornada, salário mínimo, etc.); 2) direito à previdência e assistência social; 3) direito à educação.

Cumpre alertar que a exigência da atuação positiva do Estado é uma característica predominante, e não uma característica única, dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Assim, não se pode afirmar que todos os direitos de segunda dimensão são de índole positiva, pois temos alguns direitos sociais que são de natureza negativa, como o direito de sindicalização e de greve dos trabalhadores (arts. 8º e 9º, respectivamente, CF).

VII. 2. 3. Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão:

São os direitos voltados à proteção não apenas de direitos individuais, mas, sim, de toda uma coletividade, normalmente por meio de atuações positivas de índole assecuratória.

Nesta etapa evolutiva, não há pré-determinação de uma forma de atuação Estatal (negativas ou positivas, apesar de esta última ser coincidentemente predominante), devendo ser eleito o meio que confira maior eficácia e concretização do direito fundamental a ser tutelado.

Nesse terceiro momento histórico, foi despertada a preocupação com os bens jurídicos não só individuais, mas da própria coletividade, com os denominados “interesses difusos e coletivos” ou “transindividuais”, pertencentes, notadamente, a um grupo indeterminado de pessoas. Surgem, propriamente, na segunda metade do século XX, mais precisamente após a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), época em que os problemas sociais, antes pontuais, tornaram-se macros problemas, aptos a atingir a grande parcela da comunidade de um ou até mais países, como as lutas sociais e o meio-ambiente.

Além disso, a sociedade passou a evoluir, em todos os aspectos (sociais, tecnológicos, econômicos, etc.), numa velocidade nunca vista antes,

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o que culminou com a chamada fragmentação social. Isso significa que a sociedade foi se dividindo em inúmeros grupos, tribos ou alas, pulverizados por toda a comunidade, fazendo emergir várias “minorias” que não se comunicavam entre si, bem como direitos individuais homogêneos. Em alguns casos, a fragmentação foi tão radical que ensejou a famigerada segregação racial (apartheid, Ku-Klux-Klan e neonazismo); de outro lado, alguns países inteiros se enclausuraram no socialismo (como Cuba, China e União Soviética). Surge, então, a demanda de uma postura Estatal de tolerância a convicções peculiares.

Estão associados ao ideal de fraternidade e solidariedade.

Correspondem aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. São exemplos: 1) direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF); 2) direito à paz mundial (art. 4º, VI e VII, CF); 3) , direito ao desenvolvimento (art. 3º, II, CF), etc.

VII. 2. 4. Direitos Fundamentais de Quarta Dimensão:

São os direitos que transcendem à própria concepção de coletividade, passando-se à proteção de algo ainda mais complexo e abrangente: a proteção da humanidade, independentemente da nacionalidade, em uma conotação pluralística e democrática.

Esses direitos são resultados da crescente globalização dos direitos fundamentais (universalização) e estão em plena descoberta e criação, de modo que ainda não estão integralmente consolidados nos ordenamentos constitucionais modernos.

Paulo Bonavides os associa ao ideal de máxima universalidade; Marcelo Novelino associa ao ideal de pluralismo. Não há unanimidade quanto a essa associação.

Corresponde aos direitos à democracia direta, ao pluralismo, à informação e ao biodireito (ex: direito à morte, útero de aluguel, etc).

VII. 2. 5. Direitos Fundamentais de Quinta Dimensão:

Trata-se de um assunto ainda muito polêmico, pois ainda vem sendo concebido pela comunidade jurídica e política mundial, em um plano meramente ideológico e hipotético. Ainda estão por surgir.

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Entre os próprios doutrinadores que defendem a existência dessa dimensão de direitos há divergências quanto ao conteúdo. Paulo Bonavides busca simplesmente trasladar o direito à paz da terceira dimensão para esta, encarando-o como uma condição indispensável ao progresso de todas as nações (Ex: questões nucleares); outra ala doutrinária, como Augusto Zimmermann, defende a ideia de que essa dimensão se refere aos avanços tecnológicos (ex: ciberespaço, internet, etc).

VII. 3. FUNDAMENTOS:

As principais teorias que tentam justificar o fundamento dos direitos humanos podem ser resumidas em: 1) Teoria jusnaturalista, 2) Teoria positivista e 3) Teoria moralista ou de Perelman.

A teoria jusnaturalista fundamenta-se em uma ordem superior universal, imutável, inerente à consciência humana. Já a teoria positivista justifica a existência dos direitos fundamentais na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Por sua vez, a teoria moralista encontra o embasamento dos direitos fundamentais a partir da formação de uma consciência social sedimentada.

Há, ainda outras teorias menos relevantes, mas que são dignas de nota: teoria idealista (direitos do Homem são pautas ideais recolhidas ao longo do tempo); teoria realista (direitos do Homem são resultado da experiência concreta haurida das lutas políticas, econômicas e sociais); teoria objetivista (direitos como realidades em si mesmas, ou como valores objetivos); teoria subjetivista (direito fundamental como faculdades da vontade humana decorrente de sua autonomia); teoria contratualista (empresta aos direitos a categoria de cláusulas do contrato social); e teoria institucionalista (considera os direitos como instituições imanentes à vida comunitária).

VII. 4. TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK:

Para o jurista Gerog Jellinek, todo indivíduo, por fazer parte da comunidade, pode estar vinculado ao Estado com quatro status distintos:

a) Passivo (status subjectionis): o indivíduo estaria completamente subordinado aos poderes estatais, sujeito a um conjunto de deveres, e não de direitos. É encontrado no Estado Absolutista.

b) Negativo (status negativus ou status libertatis): partindo da premissa que o indivíduo é dotado de personalidade, a ele seria reconhecida

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uma esfera de liberdade imune à intervenção estatal, desde que essa liberdade fosse exercida dentro dos limites constitucionais. Pode ser encontrado no Estado Liberal, por meio dos Direitos de Defesa (ou de Liberdade), que são, normalmente, direitos civis de primeira dimensão (liberdades negativas).

c) Positivo (status positivus ou status civitatis): ao indivíduo são franqueadas as instituições estatais para exigir do Estado determinadas prestações positivas que possibilitem a satisfação de certas necessidades. É encontrado no Estado Social, por meio dos Direitos de Prestação, que, geralmente, são direitos de segunda dimensão (liberdades positivas).

d) Ativo (status activus): assegura-se ao indivíduo a possibilidade de participar ativamente da formação da vontade política estatal, como membro da comunidade política. É encontrado no Estado Democrático, por meio dos Direitos de Participação, que são normalmente direitos políticos de primeira dimensão.

VII. 5. CARACTERÍSTICAS:

A previsão dos direitos fundamentais coloca-se em elevada posição hermenêutica em relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, apresentando diversas características:

1) Historicidade: os direitos fundamentais não são frutos de apenas um acontecimento histórico determinado, mas, sim, de todo um processo de afirmação evolutiva, obtendo, com o passar do tempo, diversas dimensões;

2) Inalienabilidade: Os direitos fundamentais são intransferíveis e inegociáveis, desprovidos de conteúdo econômico;

3) Irrenunciabilidade: Decorre da inalienabilidade. O titular do direito fundamental não pode deste dispor, embora possa deixar de exercê-lo. Excepcionalmente e sob certas condições, é possível a autolimitação voluntária, a qual estará sempre sujeita à reserva de revogação, a qualquer tempo;

4) Imprescritibilidade: Considerando que a titularidade dos direitos fundamentais não se encontra na esfera de disponibilidade do indivíduo, não estão eles sujeitos à prescrição;

5) Relatividade (ou Limitabilidade): Os direitos fundamentais não são absolutos, mas, sim, relativos, limitáveis. Há limites expressos na Constituição,

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como nos casos de estado de defesa (art. 136, §1º), bem como implícitos, decorrentes da própria natureza relativa dos direitos, hipótese em que a limitação deve obediência aos demais princípios constitucionais, principalmente ao da proporcionalidade, submetendo-se a um juízo de ponderação entre os interesses do caso concreto e atendendo-se às regras da máxima observância e da mínima restrição.

6) Universalidade: Por serem direitos imprescindíveis à convivência e existência digna, livre e igual dos indivíduos, destinam-se a todos os seres humanos, embora alguns direitos sejam direcionados a determinada parcela da sociedade (como o direito trabalhista). Entretanto, não é admissível privilegiar determinados cidadãos com alguns direitos não extensíveis aos demais indivíduos que estejam na mesma situação, como ocorria com os antigos forais e as cartas de franquia;

7) Aplicação Imediata: Salvo disposição em contrário, os direitos fundamentais são aplicáveis imediatamente, independentemente de regulamentação legislativa (art. 5º, §1º, CF);

8) Concorrência (ou Cumulatividade): Direitos fundamentais diferentes podem ser exercidos simultaneamente por um mesmo titular;

9) Proibição do Retrocesso: Considerando que os direitos fundamentais são resultado de um processo evolutivo, marcado por lutas e conquistas, uma vez reconhecidos não podem ser suprimidos. Lembre-se que os direitos fundamentais estão no rol constitucional das cláusulas pétreas (art. 60, §4º, CF);

VII. 6. EFICÁCIA:

VII. 6. 1. Eficácia Vertical:

Configura-se na finalidade precípua dos direitos e garantias fundamentais, qual seja, a de limitar o poder Estatal. Assim, considerando que o Estado posiciona-se em um patamar superior ao do governado, os direitos fundamentais se colocam verticalmente entre ambos.

VII. 6. 2. Eficácia Horizontal (Privada ou Externa):

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, por outro lado, é a que incide na relação entre os próprios indivíduos (pessoas naturais e jurídicas particulares), os quais estão, notadamente, em um mesmo nível social.

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Há quem defenda a ineficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, que os direitos fundamentais somente vinculariam o poder público, nunca os particulares. Trata-se da Teoria Negativista, adotada pela doutrina norte-americana do state action, que se funda na intangibilidade da autonomia privada. Entretanto, desde a década de 40 essa teoria vem sendo mitigada pela prórpa Suprema Corte americana, passando a adotar uma teoria intermediária denominada Public Function Theory (Teoria da Função Pública), por meio da qual os direitos fundamentais vinculam os particulares que agirem no exercício de funções públicas.

A teoria negativista encontra-se, hodiernamente, ultrapassada e não resiste a alguns argumentos basilares. Considerando que a Constituição é uma ordem da comunidade e não somente do Estado, bem como que os direitos fundamentais estão inseridos nessa comunidade e dela exigem respeito aos seus preceitos, a chamada eficácia horizontal não seria mais do que um desdobramento dos direitos fundamentais, pois estes não são apenas dirigidos ao Estado, mas também à comunidade como um todo.

O principal precedente do Supremo Tribunal Federal brasileiro que abordou, expressa e exaustivamente, o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais foi o RE 201.819/RJ, no qual um associado da União Brasileira de Compositores - UBC foi excluído do quadro sem direito de defesa, ou seja, sem ter tido a oportunidade de refutar o ato que resultara na sua expulsão.

O caso foi assim ementado:

“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.

EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO

DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito

das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas

entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais

assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes

públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face

dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À

AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional

brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à

revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por

fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente

em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de

autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune

à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos

fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras

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limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com

desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles

positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere

aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de

transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria

Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos

particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades

fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA

ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO

DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.

(...)A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de

ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera

consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os

direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias

constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade

de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela

sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional

de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos

fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à

ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

DESPROVIDO.” (STF. 2ª Turma. DJ 27-10-2006). (Destaquei)

Não obstante ser aceita a existência de eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas, a doutrina se divide em relação ao modo de aplicação dessa forma de eficácia, dando ensejo a duas teorias: a) Teoria da Eficácia Indireta e Mediata; e b) Teoria da Eficácia Direta e Imediata.

A Teoria da Eficácia Indireta e Mediata, desenvolvida por Günther Dürig em 1956, condiciona a incidência da eficácia horizontal à prévia atuação do legislador infraconstitucional. Em outras palavras, para essa teoria, os direitos fundamentais, ao menos no âmbito das relações privadas, seriam equiparadas às normas de eficácia limitada. É a doutrina dominante na Alemanha.

Já a Teoria da Eficácia Direta e Imediata, apesar de também ter sido desenvolvida por alemães (Nipperdey e Leisner), não chegou a ter aceitação do país de origem. Para essa teoria, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais independe de prévia atividade legislativa. É a teoria adotada na Espanha, na Itália, na Argentina e em Portugal (constituição portuguesa possui dispositivo expresso: art. 18, item 1).

No Brasil, não há dominância, ainda, de alguma das teorias. De outro lado, é possível perceber uma tendência da doutrina e da jurisprudência

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recente do STF em se adotar a Teoria da Eficácia Direta e Imediata, que se embasam no §1º do art. 5º da Constituição Federal.

Poder-se-íamos citar algumas atividades privadas nas quais sempre houve a eficácia dos direitos fundamentais: direito do trabalho, direito do consumidor, as organizações hospitalares, os estabelecimentos bancários e as instituições de ensino. Se a estas há incidência direta dos direitos fundamentais, por que não haveria a outras?

Por derradeiro, é inequívoco dizer que as normas de direito privado não podem desencadear uma afronta ao conteúdo dos direitos fundamentais. Conforme já visto no Capítulo V, ao interpretarmos uma norma, ainda que de direito privado, devemos aplicar o princípio da Filtragem Constitucional, ou seja, devemos partir da norma constitucional (inclusive dos direitos fundamentais) para as leis, e não o contrário.

VII. 7. DESTINATÁRIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS BÁSICOS:

Os direitos fundamentais surgiram tendo como destinatários (ou titulares) as pessoas naturais. Entretanto, com o passar dos tempos, os ordenamentos constitucionais passaram a reconhecer direitos fundamentais, também, às pessoas jurídicas.

Modernamente, as constituições asseguram, ainda, direitos fundamentais às pessoas estatais, isto é, o próprio Estado passou a ser considerado titular de direitos fundamentais.

Isso não significa afirmar, porém, que todos os direitos fundamentais podem ser usufruídos por todos os titulares apontados acima (pessoas naturais, pessoas jurídicas e pessoas estatais).

Assim, na Constituição Federal de 1988 temos direitos fundamentais igualmente voltados para as pessoas naturais, jurídicas e estatais (direito de propriedade, por exemplo – art. 5º, XXII); temos direitos fundamentais extensíveis às pessoas naturais e às pessoas jurídicas (assistência jurídica gratuita e integral, por exemplo – art. 5º, LXXIV); temos direitos fundamentais exclusivamente voltados para a pessoa natural (direito de locomoção, por exemplo – art. 5º, XV); temos direitos fundamentais restritos aos cidadãos (ação popular, por exemplo – art. 5º, LXXIII); temos direitos fundamentais voltados exclusivamente para a pessoa jurídica (direito de existência das associações, direitos fundamentais dos partidos políticos – art. 5º, XIX, e art. 17, respectivamente); direitos fundamentais voltados exclusivamente para o Estado (direito de requisição administrativa, por exemplo – art. 5º, XXV).

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O art. 5°, caput, da Constituição Federal dispõe sobre os chamados Direitos Fundamentais Básicos e os respectivos destinatários:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (Destaquei)

O texto constitucional prevê que, quanto à nacionalidade, os direitos fundamentais têm como destinatários os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil. O dispositivo parece exigir do estrangeiro a moradia no Brasil. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência do STF o vem interpretando extensivamente, de modo a abranger, também, o estrangeiro não-residente no país, ainda que apenas em trânsito, como titular dos direitos fundamentais.

Pacificou o STF:

“O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas

as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e a

observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process. O

súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade

para impetrar o remédio constitucional do habeas corpus, em ordem a tornar

efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também

é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das

prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo

legal. A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu

estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção, contra

tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes.

Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem

domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido

processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla

defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz

natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.” (STF. HC

94.016, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 27-2-2009.) No mesmo sentido: HC

94.404, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJE 18-6-2010. (Destaquei)

Ao estrangeiro somente são vetados os direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição Federal como sendo inerentes ao brasileiro (ex: direito ao voto).

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VII. 8. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE:

VII. 8. 1. Do Direito à Vida (art. 5º, caput):

O direito à vida é considerado por muitos o mais fundamental de todos os direitos, já que constitui pré-requisito para o exercício de todos os demais direitos.

O direito em tela vem sendo encarado pela maioria da doutrina sob apenas dois aspectos: 1) o direito de nascer/existir; e 2) o direito de continuar vivo. Entretanto, a boa doutrina mais aprofundada acrescenta outro aspecto: 3) o direito de viver dignamente.

Os direitos de nascer e continuar vivo consistem no direito de respirar fora do útero materno e de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital se não pela morte espontânea e inevitável. Assim, a Constituição protege a vida de uma forma geral, inclusive a uterina.

Em razão da própria característica da relatividade (não há direito absoluto), o direito à vida possui mitigações. A vida uterina é mitigada através da previsão do aborto (art. 28 do Código Penal); já a vida extra-uterina é excepcionada pela previsão da legítima defesa (art. 25 do Código Penal) e da excepcional pena de morte, em casos de guerra declarada (art. 56, com).

Quanto à mitigação da vida uterina, o Código Penal despenaliza o abortamento nos casos de estupro e risco de morte (art. 128, CP). Não obstante, vem se entendendo que o elenco do referido artigo não é exaustivo, podendo o Estado-juiz, no caso concreto, proferir decisões de perfil aditivo e integrar a lacuna da Lei, permitindo outros casos extralegais de abortamento (ex: gravidez resultante de outros crimes contra a dignidade sexual; feto anencefálico).

Em relação ao abortamento do feto anencefálico (aborto eugênico), ou seja, do feto sem de massa encefálica suficiente à viabilidade da vida extra-uterina, devemos nos ater a uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico pátrio.

Note-se que a Constituição Federal não aponta em seu texto qual o momento exato em que se considera vivo ou morto determinado organismo humano. Não obstante, o art. 3º da Lei nº 9.434/97, de constitucionalidade confirmada pelo STF, que dispõe sobre o regime de doação de órgãos e tecidos, estabelece expressamente que o ser humano será considerado morto com a constatação da morte encefálica. Em outras palavras, o legislador, com

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respaldo do STF, determinou que a vida consiste na ocorrência de atividade cerebral.

E se vida corresponde à atividade cerebral, o feto sem atividade cerebral (como o anencefálico) deve ser, consequentemente, considerado como um corpo sem vida, de modo que a interrupção de sua gestão não poderia ser encarado como sendo um crime contra a vida, hipótese em que permitir-se-ia o seu aborto.

Por outro lado, segundo o atual entendimento do STF, a vida extra-uterina que ainda não for viável por ausência da nidação (acoplagem do zigoto ao útero), como, por exemplo, os embriões excedentários de fertilizações in vitro, não estão abrangidos pela tutela constitucional.

O Plenário do STF, no julgamento da ADI 3.510, declarou a constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), por entender que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida ou o princípio da dignidade da pessoa humana. Veja-se:

"O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso

instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida

humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma

concreta pessoa, porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias

‘concepcionista’ ou da ‘personalidade condicional’). E quando se reporta a

‘direitos da pessoa humana’ e até a ‘direitos e garantias individuais’ como

cláusula pétrea, está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se

faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade’, entre outros direitos e garantias igualmente

distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao

planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante

de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade

de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-

la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua

natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o

embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana.

Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa

humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (in vitro apenas) não é

uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam

possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser

humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O

Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do

desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana

anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O

embrião pré-implanto é um BEM a ser protegido, mas não uma PESSOA no

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sentido biográfico a que se refere a Constituição." (ADI 3.510, Rel. Min. Ayres

Britto, Plenário, DJE de 28-5-2010.) Destaquei.

Já em relação à mitigação da vida extra-uterina, a Constituição Federal prevê a possibilidade de aplicação da pena de morte quando houver guerra declarada (art. 5º, XLVII, I, CF). Entretanto, essa excepcionalidade não exclui a exigência de que a pena de morte esteja previamente prevista em lei (princípio da legalidade), ou seja, no Decreto Presidencial que declara a guerra não podem ser criados tipos penais punidos com a pena de morte.

Assim, o Código Penal Militar disciplina a pena de morte:

“Penas principais

Art. 55. As penas principais são:

a) morte;

b) reclusão;

(...)

Pena de morte

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

(...)

LIVRO II

DOS CRIMES MILITARES EM TEMPO DE GUERRA

Traição

Art. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar

serviço nas fôrças armadas de nação em guerra contra o Brasil:

Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.”

Em derradeiro, tem-se o direito de viver dignamente, ou seja, somente haveria vida se ela fosse digna, caso contrário estar-sei-a diante de uma sobrevida. É com base nessa faceta do direito à vida que alguns juristas defendem a constitucionalidade da prática da eutanásia1 em casos extremos, quando o enfermo não estaria vivendo dignamente, mas apenas sobrevivendo.

VII. 8. 2. Direito à Igualdade (art. 5º, caput e inciso I):

A igualdade (isonomia), base de um Estado Democrático de Direito, decorre da concepção clássica de que todos devem ser tratados

1 Apenas para lembrar: a eutanásia pode ser ativa (pratica ato comissivo que fulmina a vida) ou passiva (também chamado de ortotanásia, quando se abstém de praticar atos que prolongam a vida). Há, de outro lado, a distanásia, que, em sentido oposto, consiste no prolongamento forçado da vida de um enfermo incurável. Por fim, há quem fale em mistanásia, considerada como morte infeliz ou antes da hora, normalmente de forma lenta e sofrida, como as mortes por fome, empobrecimento ou não atendimento médico.

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igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material).

Esse direito recebeu a preocupação da Constituição de 1988 através de vários dispositivos que buscam enfatizá-lo: art. 3º, IV; art. 5º, I; art. 5º XLI; art. 7º XXX; art. 7º, XXXIV; art. 19, III; art. 150, II; entre outros.

O que realmente se protege são certas finalidades, somente se tendo por violado o princípio da igualdade quando o elemento discriminador não se encontre a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.

Importante, ainda, ressaltar a tríplice finalidade limitadora do direito à igualdade: 1) limitação ao legislador; 2) ao intérprete/aplicador; e e 3) ao particular.

De outro lado, somente pode ser considerado lesado o direito à igualdade quando o elemento discriminador atuar de forma não amparada pelo direito. Por isso, é perfeitamente possível, por exemplo, a estipulação de limitação etária para ingresso no serviço público, desde que, verificada a peculiaridade da situação (como no caso dos militares, nos termos do art. 142, § 3°, X da CF/88).

Nesse sentido, o STF editou a Súmula nº 683, que tem o seguinte enunciado: "O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido."

Assim, em regra, não poderá haver discriminação por motivo de idade para admissão no serviço público (art. 7°, XXX), porém, nos termos da Súmula acima transcrita, dependendo da avaliação da hipótese concreta e da atuação do elemento discriminador (no caso o elemento etário), a distinção poderá ser feita, desde que a seja em função de finalidade acolhida pelo direito.

Outro importante precedente do STF sobre o direito à igualdade relacionado a concurso público reforça o que foi acima afirmado:

“A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual

os desiguais. Prestigia-se a igualdade, no sentido mencionado, quando, no

exame de prévia atividade jurídica em concurso público para ingresso no MPF,

dá-se tratamento distinto àqueles que já integram o Ministério Público.

Segurança concedida.” (MS 26.690, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-9-2008,

Plenário, DJE de 19-12-2008.)

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Há, ainda, a igualdade entre homens e mulheres, prevista no art. 5°, I, CF, que veda a discriminação em razão do sexo por si só, exceto nos casos em que a própria Constituição cuida de discrimina-los (Ex: art. 7°, XVIII e XIX, art. 40, §1°, art. 143, §§ 1° e 2°, e art. 201, § 7°) ou quando a legislação infraconstitucional utilize a discriminação como forma de atenuar os desníveis porventura existentes (ex: Lei nº 11.340;/06).

VII. 8. 2. 1. Ações Afirmativas/ Sistemas de Cotas:

Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado ou por particulares, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado.

Estão associadas, especificamente, à igualdade material.

De outra banda, não se deve confundir “sistema de cotas” com “ação afirmativa”. Ações afirmativas são muito mais amplas (ex: concessão de bolsa de estudos; cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes) que sistemas de cotas (reserva de vagas para pessoas integrantes de minorias), que são espécies daquelas.

A matéria é bastante polêmica e reúne diversos argumentos prós e contra esse tipo de ação.

São, exemplificadamente, argumentos contrários: viola o mérito pessoal, que é um princípio/critério republicano (art. 208, V, CF); seria medida imediatista e inapropriada; não resguardaria a contento o direito das pessoas que definitivamente não tiveram oportunidade para alcançarem o “mérito”; criaria uma discriminação reversa (pessoa é discriminada porque não pertence a determinado grupo). Mais precisamente sobre as cotas raciais, ainda temos: fomentaria o ódio e o racismo; favoreceria indevidamente negros da classe média alta.

No sentido oposto, temos os seguintes argumentos favoráveis: tratar-se-ia de uma Justiça compensatória, que busca compensar/retificar uma injustiças ocorridas no passado; seria, também, uma Justiça distributiva, que busca fazer a justiça social no presente; seria uma forma de tentar concretizar

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o Princípio da Igualdade; buscaria dar oportunidades àquelas pessoas que não conseguem se fazer representar de maneira igualitária.

VII. 8. 2. 2. Igualdade “perante a lei” e Igualdade “na lei”:

No Mandado de Injunção nº 58, o STF fez essa distinção entre igualdade perante a lei e igualdade na lei. A diferença está nos destinatários dos deveres decorrentes (aqueles que devem observar o Princípio da Igualdade).

Enquanto a Igualdade perante a lei é dirigida àqueles que irão aplicar a lei (Poderes Executivo e Judiciário), a Igualdade na lei é dirigida principalmente ao legislador, e secundariamente aos Poderes Executivo e Judiciário.

Vejamos a decisão de nossa Suprema Corte:

“(...) Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as

manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua

função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob

duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A

igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata -

constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação,

nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da

ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já

elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na

aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem

tratamento seletivo ou discriminatório. (...).” (STF. MI 28/DF. Pleno. Rel. Min. Carlos

Velloso. DJ 19-04-1991).

VII. 8. 3. Princípio da Legalidade (art. 5°, II):

Num Estado democrático de direito, todos se submetem à observância da lei, isto é, tanto a atuação dos particulares quanto dos agentesestatais deverão seguir as prescrições da lei.

Previsto no art. 5°, II, da CF/88, o princípio da legalidade determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; visa garantir que somente por meio das espécies normativas, devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, já que as normas são justamente a expressão da vontade geral.

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O princípio da legalidade não se confunde com o princípio da reserva legal, eis que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador, enquanto que o segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei em sentido estrito (ou formal).

O vocábulo “lei”, no tocante ao princípio da legalidade, deve ser entendido no sentido amplo, alcançando não só a lei em sentido estrito (lei formal, aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo), mas também outras normas jurídicas previstas no nosso ordenamento (leis em geral, decretos legislativos, resoluções, decretos do Chefe do Executivo, portarias, instruções normativas etc.). Em verdade, a prescrição do princípio da legalidade é a seguinte: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de norma jurídica, legitimamente editada no Estado brasileiro (lei em sentido amplo).

No que se refere ao princípio da reserva legal, o vocáculo “lei” tem sentido estrito, significando afirmar que, quando aplicado, exige que determinada matéria somente pode ser disciplinada por lei em sentido formal (aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo) ou por ato normativo que tenha força de lei (ex: medida provisória). Desse modo, temos o princípio da reserva legal quando a Constituição Federal determina que determinada matéria só possa ser disciplinada por lei em lei estrito (lei ordinária, lei complementar, lei delegada ou medida provisória). Um bom exemplo para ilustrar o princípio da reserva legal é o art. 5º, XII, da Constituição Federal, que estabelece a possibilidade de violação das comunicações telefônicas “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”. Note-se que, neste caso, não é qualquer norma jurídica que poderá estabelecer as hipóteses e a forma em que a inviolabilidade das comunicações telefônicas poderá ser afasta. Atos normativos infralegais – decreto, regulamentos etc. – não poderão tratar dessa matéria, por força da reserva legal.

Parte da doutrina, como Gilmar Ferreira Mendes, destrincha o princípio da reserva legal em: a) absoluta (quando a matéria constitucional deve ser integralmente regulada por lei formal) e relativa (quando a lei apenas estabelece os parâmetros regulatórios, que são complementados por ato infralegal); e em b) simples (quando se exige apenas a regulação por lei, sem pré determinar o conteúdo dessa lei) e qualificada (quando se exige da lei regulamentadora um conteúdo específico).

VII. 8. 4. Direito à Liberdade:

O direito à liberdade, quanto às modalidades, é um dos mais amplos dentre os direitos fundamentas previstos na Constituição Federal e

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consiste na prerrogativa fundamental que investe o ser humano de um poder de autodeterminação ou de determinar-se conforme a sua própria consciência.

No direito constitucional brasileiro, o direito à liberdade compreende: a) a liberdade de ação; b) a liberdade de locomoção; c) a liberdade de opinião ou pensamento; d) a liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; e) a liberdade de informação; f) a liberdade de consciência e crença; g) a liberdade de reunião; h) a liberdade de associação; e i) a liberdade de opção profissional.

VII. 8. 4. 1. Liberdade de Ação:

Consiste na liberdade de agir, ou seja, na liberdade de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, razão pela qual é também conhecida como liberdade-sede, que serve de fonte irradiadora das demais liberdades.

Essa liberdade é uma faceta do princípio da legalidade, acima esboçado, o qual restringe a liberdade de agir nos casos em que a lei obrigue que se faça ou que se deixe de fazer determinada coisa.

VII. 8. 4. 2. Liberdade de Locomoção:

É a liberdade de ir, vir e ficar, prevista no art. 5º, XV, da Constituição, que assim preconiza: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Assim, o dispositivo constitucional deixou claro que a lei poderá regular os limites e os requisitos do direito de locomoção no território brasileiro. É o que ocorre, por exemplo, com vistos temporários para estrangeiros, com as áreas restritas à segurança nacional, com o domicílio alheio, etc.

Ademais, é possível que a restrição ao direito de locomoção seja feita, excepcionalmente, pelo Judiciário, além dos casos já previstos em lei, com base no poder geral de cautela. É o que ocorre, por exemplo, nas decisões concessivas de liberdade provisória aos acusados nos processos penais, exigindo-se, como alternativa à prisão, a obrigação de não frequentar determinados lugares, de não se aproximar de vítimas e testemunhas, de não sair da comarca sem prévia comunicação ao juízo, etc. Entretanto, a restrição deve ser pertinente ao caso concreto e atender ao princípio da proporcionalidade.

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O STF comunga com esse entendimento:

“Processual penal. Imposição de condições judiciais (Alternativas à prisão

processual). Possibilidade. Poder geral de cautela. Ponderação de interesses.

Art. 798, CPC; Art. 3°, CPC. A questão jurídica debatida neste habeas corpus

consiste na possibilidade (ou não) da imposição de condições ao paciente com

a revogação da decisão que decretou sua prisão preventiva. Houve a

observância dos princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria na

decisão que condicionou a revogação do decreto prisional ao cumprimento de

certas condições judicias. Não há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art.

5°, XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação

dos interesses em conflito na poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3°).

As condições impostas não maculam o princípio constitucional da não

culpabilidade, como também não o fazem as prisões cautelares (ou

processuais). Cuida-se de medida adotada com base no poder geral de

cautela, perfeitamente inserido no Direito brasileiro, não havendo violação ao

princípio da independência dos poderes (CF, art. 2°), tampouco malferimento à

regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual

(CF, art. 22, I). Ordem denegada.” (HC 94.147. Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de

13/06/2008.).

VII. 8. 4. 3. Liberdade de Opinião ou Pensamento:

Consiste no direito de exprimir o que se pensa (juízos, conceitos, convicções e conclusões) sobre alguma coisa.

Está previsto no art. 5º, IV, da Constituição, cujo dispositivo já estabelece uma expressa restrição ao direito em comento: a vedação ao anonimato. Essa vedação está embasada na necessidade de coibir e de punir, civil e penalmente, o indivíduo que se utilizar do direito em questão de forma abusiva, servindo de fundamento para a inadmissibilidade de denúncias anônimas respaldarem, por si sós, a ação penal ou, pior ainda, a prisão cautelar de qualquer indivíduo.

Entretanto, a vedação ao anonimato não impede a existência dos chamados “disque-denúncias”, os quais, comumente, recebem delações anônimas. O que se impede é que a informação anônima veiculada sirva de base exclusiva na restrição de outros direitos do indivíduo.

Por fim, deve ser lembrado que o direito à liberdade de opinião ou pensamento, da mesma forma que os demais, não é absoluto. Pode ser a liberdade em tela restringida de acordo com as exigências do caso concreto.

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Nesse sentido, o STF já decidiu:

"Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como

absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar,

em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude

penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser

exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria CF

(CF, art. 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de

expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito

individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como

sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade

da pessoa humana e da igualdade jurídica." (HC 82.424, Rel. p/ ac. Min.

Maurício Corrêa, Plenário, DJ de 19-3- 2004.)

A fim de se proteger o cidadão de eventuais abusos no exercício desse direito, a constituição, no inciso seguinte (V), previu o direito de resposta.

VII. 8. 4. 4. Liberdade de Expressão de Atividades:

A Constituição, no art. 5º, IX, preconiza que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Essa liberdade decorre da liberdade de opinião, mas com esta não se confunde. Enquanto a liberdade de opinião resguarda a manifestação de juízos, convicções e conclusões, a liberdade de expressão assegura a externação das sensações, dos sentimentos ou da criatividade do indivíduo (ex: pintura, música, teatro, etc).

De qualquer modo, são admissíveis restrições a essa modalidade de liberdade, como ocorre, por exemplo, em casos de censura etária para determinados trabalhos cinematográficos ou musicais.

VII. 8. 4. 5. Liberdade de Informação:

Compreende três aspectos: 1) direito de informar; 2) direito de se informar; e 3) direito de ser informado.

O direito de informar consiste na faculdade de transmitir informações pelos meios de comunicação. O art. 220 da Constituição dispõe que a informação não sofrerá qualquer restrição. Entretanto, o próprio texto constitucional estabelece exceções a essa regra, como, por exemplo, a

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restrição a informações processuais em feitos que tramitem sob segredo de justiça (art. 93, IX, CF).

O direito de se informar corresponde à prerrogativa de o indivíduo procurar as informações pretendidas sem quaisquer obstáculos. Trata-se, portanto, do direito de acesso à informação, respaldada pelo art. 5º, XIV, da Constituição. Em caso de violação a esse direito, competirá ao prejudicado o manejo do habeas data (art. 5º, LXXII).

Por fim, o direito de ser informado afeiçoa-se à faculdade de ser mantido completa e adequadamente informado. Porém, esse direito, na ordem constitucional brasileira, restringe-se aos assuntos ligados às atividades do poder público (art. 5º, XXXIII).

VII. 8. 4. 6. Liberdade de Consciência e Crença:

A Constituição protege a liberdade de consciência e religiosa (de crença), bem como a plena proteção à liberdade de culto e as liturgias (desde que não contrário à ordem, tranquilidade e sossego públicos e compatível com os bons costumes) (inciso VI), ao tempo em que também prevê que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (inciso VIII).

Desde o advento da república, o Estado Brasileiro é laico (ou não confessional), que se opõe ao Estado Religioso, pois não possui uma religião oficial (não significa que não tem religião ou a ela é contrária, mas sim uma neutralidade, isto é, não beneficia uma em detrimento de outra). Tal laicidade fica clara no art. 19, I, CF.

Note-se que o o fato de dizer-se que o Estado brasileiro é laico não quer dizer que seja ele ateu. Conforme que observa do preâmbulo da Constituição, que é fonte de interpretação, prevê, expressamente, a concepção de “Deus”, cuja proteção foi suplicada para a promulgação do testo constitucional.

Garantir o exercício simétrico da liberdade religiosa é fazer com que todas convivam em paz, incluindo aqueles indivíduos que não possuem religião (ateus ou agnósticos).

Sobre o assunto, o STF decidiu uma questão interessante, em que determinado grupo religioso (que descansam aos sábados) pediu que fosse

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designada pelo MEC data alternativa para realização de prova. Nesse julgamento, o Min. Relator Gilmar Mendes entendeu que se isso ocorresse, haveria violação ao princípio da Igualdade e ao dever de neutralidade do Estado. Entretanto, a decisão ainda não foi votada por todos os Ministros do Supremo Tribunal, podendo o quadro ser revertido no futuro. Vejamos:

"Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. Pedido de

restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a

participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)

em data alternativa ao Shabat. Alegação de inobservância ao direito

fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. Medida

acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. Em

mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa

para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da

isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso.

Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos

riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública.

Pendência de julgamento da ADI 391 e da ADI 3.714, nas quais esta Corte

poderá analisar o tema com maior profundidade." (STA 389- AgR, Rel. Min.

Presidente Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 14-5-2010.)

Outra questão polêmica consiste na costumeira colocação de crucifixos em locais públicos: A maioria dos membros do CNJ entendeu que não deveriam ser retirados dos prédios do Judiciário, pois os crucifixos seriam símbolos da cultura brasileira, antes de o serem religiosos, por isso a sua colocação não viola o Princípio da Neutralidade.

Em derradeiro, há a chamada escusa de consciência (art. 5º, VIII, CF): é o denominado imperativo de consciência para o indivíduo se eximir de determinadas obrigações (ex: serviço militar, voto, participação no júri). Para que seja alegada, a lei deverá prever uma prestação alternativa, que não tem cunho sancionatório. Se a pessoa se recusa a cumprir a obrigação e também a prestação alternativa haverá, assim, uma sanção, prevista no art. 15, IV, CF (perda dos direitos políticos). De outro lado, se ainda não existir lei fixando prestação alternativa, é razoável entender que o indivíduo não pode sofrer as consequências da omissão do legislador, podendo alegar a escusa até que seja suprida a omissão legal, sem a necessidade de cumprir prestação alternativa até então.

VII. 8. 4. 7. Liberdade de Reunião:

Está prevista no art. 5º, XVI, da Constituição Federal, e garante que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra

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reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

A Constituição condiciona o exercício da liberdade de reunião ao cumprimento de apenas três requisitos: 1) finalidade pacífica, sem armas; 2) não frustração de outra reunião antes convocada para o mesmo local; e 3) prévio aviso (e não permissão) à autoridade competente.

Assim, eventual ato normativo infraconstitucional que regule o direito de reunião com a fixação de novos requisitos, de modo que se torne inviável o exercício do direito, deve ser tachado de inconstitucional.

É o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

"Decreto 20.098/1999 do Distrito Federal. Liberdade de reunião e de

manifestação pública. Limitações. Ofensa ao art. 5º, XVI, da CF. A liberdade de

reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes

conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias

políticas. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital

20.098/1999, a toda evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e

desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (Wille zur

Verfassung)." (ADI 1.969, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJ de 31-8-

2007.)

VII. 8. 4. 8. Liberdade de Associação:

Consiste no direito de as pessoas se unirem, de forma estável e duradoura, em torno de um interesse comum, que tenha por objetivo um fim lícito.

A Constituição veda a criação de associações com finalidade paramilitar, como, por exemplo, as FARC (art. 5º, XVII).

A liberdade associativa é garantida através da dispensa de autorização para a sua constituição, vedada a interferência estatal no seu funcionamento (art. 5º, XVIII).

De outro lado, também integra o conteúdo jurídico da liberdade de associação o direito de que ninguém está obrigado a se associar ou a permanecer associado (art. 5º, XX). Por esta razão é que, por exemplo, nenhum trabalhador está obrigado a se sindicalizar.

Assim, o direito de associação possui uma dimensão positiva

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(liberdade de se associar) e uma dimensão negativa (direito de não se associar).

VII. 8. 4. 9. Liberdade de Opção Profissional:

Por meio do art. 5º, XIII, a constituição declara que, respeitadas as restrições legais, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Cuida-se da liberdade que o indivíduo tem de escolher a sua profissão.

Caso determinada profissão esteja regulamentada por lei, a indivíduo, para exercê-la, deverá atender aos requisitos impostos. Enquanto não houver lei restringindo o exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão, os mesmos poderão ser desempenhados livremente. Trata-se, portanto, de uma norma de eficácia contida.

Em relação especificamente da profissão de jornalista, o STF decidiu de uma maneira bastante peculiar, pois encarou essa atividade como meio necessário ao direito à informação. Vejamos:

"O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno

exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria

manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua,

profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam

profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e

a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por

sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada.

Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, XIII, da Constituição, na

hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com

os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as

liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. (...) No

campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal

quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não

autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da

profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na

liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística,

configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza

censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente

vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento

de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não

pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a

fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é

vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de

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informação. Jurisprudência do STF: Rp 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin,

DJ de 2-9-1977." (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJE de 13-11-

2009.)"

VII. 8. 5. Direito à Privacidade:

Consiste na faculdade que cada indivíduo tem de obstar a intromissão de estranhos na sua vida particular e familiar, assim como impedir-lhes o acesso a informações sobre privacidade e intimidade de cada um, e também proibir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humana. Em outras palavras, corresponde ao direito de ser deixado em paz, ao direito de estar só (right to be alone). Está regulada pelo art. 5º, X a XII, da Constituição Federal:

“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação.

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,

de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem

judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação

criminal ou instrução processual penal;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem

consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou

para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

Assim, são desdobramentos da privacidade os direitos: a) à intimidade; b) à vida privada; c) honra; d) à imagem; e) à inviolabilidade da casa; f) ao sigilo das correspondências; e g) ao sigilo das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.

VII. 8. 5. 1. Intimidade:

A intimidade é a vida secreta ou exclusiva que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo junto à sua família, aos seus amigos e ao seu trabalho. Em outras palavras, é o direito de proteção dos segredos mais recônditos do indivíduo, como sua vida amorosa, a sua opção sexual, o seu diário íntimo, etc.

Não obstante, a intimidade também recebe restrições, desde que respaldadas pela proporcionalidade. Assim, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 235 do Código Penal Militar, que pune,

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criminalmente, a pederastia (homossexualismo) dentro do âmbito militar:

“Pederastia ou outro ato de libidinagem

Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso,

homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar:

Pena - detenção, de seis meses a um ano.”

"Inexiste a alegada inconstitucionalidade do art. 235 do CPM por ofensa ao art.

5º, X, da Constituição, pois a inviolabilidade da intimidade não é direito absoluto

a ser utilizado como garantia à permissão da prática de crimes sexuais." (STF. HC

79.285, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 12-11-1999.)

VII. 8. 5. 2. Vida Privada:

Não se confunde com a intimidade, pois é menos secreta do que esta. Não diz respeito aos segredos restritos da pessoa, mas sim à sua vida em família, no trabalho e no relacionamento com os seus amigos. Está tutelada expressamente pelo Código Civil (art. 21)

Assim, publicar a forma como se relacionam pai e filho dentro de determinada família, está-se violando a vida privada; se a publicação for do diário do filho ou do pai, está-se violando a intimidade.

VII. 8. 5. 3. Honra:

A honra possui dois aspectos distintos que merecem a tutela estatal: a) honra objetiva: a reputação, como sendo a consideração social, o bom nome e a boa fama; e b) honra subjetiva: o sentimento íntimo, a consciência da própria dignidade pessoal.

As pessoas jurídicas também possuem honra (art. 52, CC e Súmula 227/STJ), mas apenas a honra objetiva, ou seja, o nome na praça e sua credibilidade, podendo, portanto, ser vítima dos crimes de calúnia e difamação, mas nunca de injúria (que tutela a honra subjetiva).

VII. 8. 5. 4. Imagem:

A tutela da imagem trata, especificamente, do direito que cada pessoa dispõe sobre a representação gráfica, plástica, fotográfica ou de qualquer outro meio, sobre aspectos de sua fisionomia, bem como sobre os atributos que tal representação possa assumir socialmente, posto que a

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proteção jurídica da imagem é tratada em nosso Direito ao abrigar tanto o conceito de imagem como retrato (art. 5°, inciso X, CF) quanto de imagem como atributo.

Esse direito se desmembra em: a) Imagem-retrato (aspecto visual): um retrato, uma filmagem. Segundo o STJ, imagem-retrato é a “projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa, é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam” (Resp 58101/SP); b) Imagem-atributo (aspecto moral): refere-se aos predicados que a pessoa goza diante da sociedade na qual está inserida, o seu retrato moral, transcendendo às feições fisionômicas da pessoa; e c) Imagem-voz: a voz como identificador da pessoa, também merece proteção.

É sabido que os direitos fundamentais são irrenunciáveis, entretanto, a pessoa pode disponibilizar a sua imagem para fins publicitários de modo que possa extrair proveito econômico deste uso mediante contratos próprios com a parte interessada, em que autorizam previamente a exploração de sua imagem. Trata-se de uma relação contratual de cessão ou licença de uso, que deve observar os preceitos que norteiam o Direito Autoral vistos na Lei 9.610/98, de modo que deve ser dada a este contrato a interpretação restritiva (artigo 4°), assim como o cumprimento dos demais princípios que compõem a matéria.

Uma espécie de mitigação do direito à imagem, ainda pouco difundida, mas que vem, cada vez mais, ganhando a atenção da comunidade jurídica, é o chamado Direito de Arena.

Como estudamos acima, sem autorização, não se pode utilizar a imagem de uma pessoa. Entretanto, nas competições esportivas, a imagem do atleta nos jogos pode, por exceção, ser utilizada mesmo sem a sua anuência, pois é inerente ao exercício desta profissão o atleta estar em contato com o público, pois sua atividade é equiparada ao trabalho artístico.

A Constituição no artigo 5º, inciso XXVIII, letra “a”, assegura o direito de arena. Dispõe o referido dispositivo legal: “são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.

Com efeito, a disciplina do chamado direito de arena configura uma forma mitigada de proteção da imagem do atleta, já que a divulgação de sua imagem não se sujeita à vontade do esportista, mas, de outro lado, garante-se a retribuição pecuniária pela sua utilização.

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VII. 8. 5. 5. Inviolabilidade Domiciliar:

A regra constitucional da inviolabilidade domiciliar(art. 5°, XI) consiste na proteção de um elemento espacial mínimo do indivíduo: a sua casa, considerado como asilo inviolável.

Pelo termo “casa”, emprega-se o conceito fornecido pelo Código Penal para tipificar o crime de violação de domicílio:

“Art. 150 - (...)

§ 4º - A expressão "casa" compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou

atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto

aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.”

A casa, mesmo sendo asilo inviolável, não pode ser garantia de impunidade. Portanto, é possível a violação do domicilio, sem o consentimento do morador em duas hipóteses: a) Situações Emergenciais: nos casos de flagrantes, desastres ou para prestar socorro, podendo ser durante o dia ou durante a noite; e b) Por Determinação Judicial: somente durante o dia é que pode ser cumprida.

Há duas correntes doutrinárias quanto ao conceito de “dia”: 1) Critério Cronológico: dia é o período compreendido entre as 06h e as 18h (crítica: circunstâncias como latitude, estação do ano e horário de verão interferem indevidamente no resultado da aplicação do conceito); 2) Critério Físico-astronômico: dia é o período compreendido entre a aurora e o crepúsculo, variável conforme a estação do ano (corrente majoritária).

Outra questão importante de ser destacada se refere aos cumprimentos dos mandados de busca domiciliar que tiverem início durante o dia mas, durante a operação, vem o período noturno: entende-se que, se a demora na operação for justificável, é lícita a continuidade das buscas durante o período noturo; se a demora se mostrar arbitrária, a prova tornar-se-ia ilícita.

Por fim, registre-se que o trecho do dispositivo do Estatuto da OAB que determinava que as buscas em escritórios de advocacia fossem acompanhadas de representantes da instituição teve sua eficácia suspensa por decisão do STF em controle abstrato de constitucionalidade. Veja-se:

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"Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei 8.906/1994.

Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica. (...) Art. 7º, inciso II –

inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado. Suspensão da

expressão ‘e acompanhada de representante da OAB’ no que diz respeito à

busca e apreensão determinada por magistrado.” (ADI 1.127-MC, Rel. Min. Paulo

Brossard, julgamento em 6-10-1994, Plenário, DJ de 29-6-2001.)

VII. 8. 5. 6. Sigilo de Correspondência e de Comunicação:

O sigilo de correspondência e de comunicação (art. 5°, XII), possibilita em certos casos a interceptação telefônica desde que por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e nas hipóteses que a lei estabelecer (Lei n° 9.296/96). A interceptação poderá ser determinada pelo juiz de ofício ou a requerimento da autoridade policial (somente na investigação criminal) ou do representante do Ministério Público, sempre em autos apartados, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Há casos, entretanto, em que uma gravação “clandestina” pode ser utilizada como prova no processo, desde que haja justa causa para a adoção dessa postura. São exemplos jurisprudenciais: a) gravação utilizada pelo réu em processo penal (a justa causa, neste caso, está na superioridade do direito a ampla defesa e liberdade perante o direito a privacidade); b) gravação feita em legítima defesa (ex: gravação conta seqüestradores); c) feitas contra agentes públicos: Na questão, o STF estabelece o entendimento no sentido de que os princípios da moralidade administrativa e da publicidade dos atos administrativos sobressaem ao princípio da privacidade do agente público; d) gravação para documentar uma conversa que vise o exercício futuro de um direito de defesa.

Não se deve confundir “interceptação telefônica” com “quebra de sigilo de dados telefônicos”. A primeira registra, em tempo real, o teor da conversação, da comunicação em si; a segunda registra apenas os dados de determina linha telefônica (titular da linha, relação de chamadas recebidas e originadas, etc).

Já em relação ao Sigilo Bancário (dados de transações bancárias), pode ele também ser quebrado tanto por decisão judicial quanto por CPI de qualquer das casas do Congresso Nacional (CPI Federal), com fundamento no art. 58, §3º, CF). Entende-se que a CPI Estadual também pode determinar quebra de sigilo bancário, por simetria à CPI Federal, de acordo com precedentes do STF (ACO 730/RJ). Entretanto, a CPI Municipal não detém esse

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poder, pois não existe no âmbito municipal poder judiciário.

"O princípio constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre as

hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF,

art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal

(CF, art. 5º, LXI) – não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal

matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição

da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à CPI, para decretar,

sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera

de privacidade das pessoas." (STF. MS 23.652, Rel. Min. Celso de Mello,

julgamento em 22-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-2001.) No mesmo sentido: MS

23.639, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-

2001.

Cumpre registrar, ainda, que Tribunais de Contas não possuem poder para determinar quebras de sigilo bancário, conforme entendimento do STF:

"A LC 105, de 10-1-2001, não conferiu ao TCU poderes para determinar a quebra

do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador

conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal

(art. 4º), bem como às comissões parlamentares de inquérito, após prévia

aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado

Federal ou do plenário de suas respectivas Comissões Parlamentares de Inquérito

(§ 1º e 2º do art. 4º). Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação

de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no

art. 71, II, da CF, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa

determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a

interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que

protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da CF, no qual está inserida a

garantia ao sigilo bancário(...)” (STF. MS 22.801, Rel. Min. Menezes Direito,

julgamento em 17-12-2007, Plenário, DJE de 14-3-2008.).

De outro lado, estão em vigor as Leis complementares 104 e 105, que conferem às autoridades fazendárias o poder de requisitar diretamente (sem o crivo do Poder Judiciário) dados bancários sigilosos junto às instituições financeiras. Essas leis são de constitucionalidade duvidosa eforam objeto de diversas ADI's, mas, até o presente momento, o STF não se pronunciou sobre o assunto.

Por fim, entende-se que o direito ao sigilo das correspondências não é, igualmente, absoluto, podendo haver violações ao sigilo que atendam ao princípio da proporcionalidade. O STF admite como lícita a prova baseada em correspondência aberta destinado a presidiário, na qual havia o planejamento de um determinado crime.

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“A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança

pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode,

sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41,

parágrafo único, da Lei 7.210/1984, proceder à interceptação da

correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da

inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda

de práticas ilícitas.” (STF. HC 70.814, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-3-

1994, Primeira Turma, DJ de 24-6-1994.)

O sigilo de correspondência também pode ser restringido durante o Estado de Defesa (art. 136, §1º, I, “b”) e Estado de Sítio, que são estados de Legalidade Extraordinária.

VII. 8. 6. Direito de Petição:

O direito de petição é o direito dado a qualquer pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação.

Este instituto permite a qualquer pessoa dirigir-se formalmente a qualquer autoridade do Poder Público, com o intuito de levar-lhe uma reivindicação, uma informação, queixa ou mesmo uma simples opinião acerca de algo relevante para o interesse próprio, de um grupo ou de toda a coletividade.

A maneira como este pedido ou informação será realizado é totalmente desvinculada de qualquer formalismo. Exige-se apenas que se faça por meio de documento escrito. Tal o sentido da palavra “petição”, do referido dispositivo.

A Constituição Federal possibilita, ainda, como desdobramento do Direito de Petição, a obtenção, por qualquer pessoa, de certidões em repartições e órgãos públicos, desde que voltada ao interesse pessoal do requerente. Esse assunto é regulado pela Lei nº 9.051/95, que fixou o prazo improrrogável de 15 dias para que os órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, expeçam as certidões, contado do registro do pedido no órgão expedidor.

Em caso de desobediência, poderá o indivíduo valer-se do habeas data ou do Mandado de Segurança.

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VII. 8. 7 Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada:

A constituição Federal, por meio do art. 5°, XXXVI, afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Essa proteção constitucional homenageia o princípio da segurança jurídica, segundo o qual a lei nova não poderá retroagir para prejudicar situações jurídicas já consolidadas na vigência de leis pretéritas.

A matéria está regulada pelo art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Direito adquirido constitui-se num dos recursos de que se vale a constituição para limitar a retroatividade da lei.

O art. 6º, §2º, LINDB, define o tema: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”

Conforme a melhor doutrina e a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de se invocar direito adquirido contra normas constitucionais originárias.

Assevera o professor José Afonso da Silva:

“Antes da promulgação da Constituição de 1988 entendia-se que não havia

direito adquirido contra norma constitucional, fosse ela originária ou derivada.

Hoje, no entanto, é necessário distinguir entre as normas constitucionais

provenientes da atuação do poder constituinte originário – normas

constitucionais originárias – e as normas constitucionais provenientes de

emendas constitucionais – normas constitucionais derivadas. Quanto as

primeiras, dúvida alguma resta de que não se submetem ao direito anterior e,

por isso, não estão sujeitas a respeitar o direito adquirido. Neste aspecto basta

lembrar Pontes de Miranda: ´A constituição é rasoura que desbasta o direito

anterior, para que só subsista o que for compatível com a nova estrutura e as

novas regras jurídicas constitucionais´(Cf. Comentários à Constituição de 1967

com a Emenda n. 1 de 1969, t. VI, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, p. 381),

mas a Constituição pode ressalvar como fizeram as Constituições de 1946 e

1967.Quanto às normas constitucionais derivadas, a questão tomou novo rumo

com a Constituição de 1988, de sorte que se pode dizer que é pacífico, na

doutrina hoje, que emendas à Constituição não podem ofender o direito

adquirido Não é sequer necessário descer a considerações tal como a de saber

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se no termo “lei” do inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal se inclui

também as emendas constitucionais, porque os fundamentos da intocabilidade

do direito adquirido por elas se encontra na vedação constante do art. 60, § 4º,

IV”.

Para melhor entendermos essa questão, quatro conceitos básicos devem ser distinguidos: 1) direito adquirido; 2) direito consumado; 3) expectativa de direito; e 4) simples faculdade legal.

Direito adquirido é a consequência de fato aquisitivo realizado por inteiro. Direito consumado é aquele que já produziu todos seus efeitos concretos. Expectativa de direito é a simples esperança, resultante do fato aquisitivo incompleto. Meras faculdades legais são poderes concedidos aos indivíduos, dos quais eles não fazem nenhum uso.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirido contra mudanças de um dado regime ou de um determinado instituto jurídico.

Sobre o assunto, bastante ilustrativo é o ensinamento do professor Uadi Lammêgo Bulos: “é necessário que se esclareça a posição do Supremo Tribunal Federal quando, em diversas assentadas, assinalou que não há direito adquirido a regime jurídico de instituto ou instituição de direito. Não se trata de decisão política, como se poderia pensar a um primeiro momento, nem, tampouco, de retaliação à garantia constitucional do direito adquirido (art.5º, XXXVI) ou desrespeito a instituto insuprimível (art.60, § 4º, IV).”

Ato jurídico perfeito, por sua vez, é aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários à sua formação, sob a égide da lei anterior. Sua definição normativa está presente na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

“Art. 6º - (…)

§1º – Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao

tempo em que se efetuou”.

Cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal entende que o instituto do ato jurídico perfeito aplica-se às leis de ordem pública:

“O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica também,

conforme é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto,

portanto, o acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato

jurídico perfeito, porquanto, com relação à caderneta de poupança, há

contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento financeiro, não

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podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a aquisição da

correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o

índice dessa correção.” (RE 202.584, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 17-9-

1996, Primeira Turma, DJ de 14-11-1996.) No mesmo sentido: AI 749.694-AgR, DJE

de 26-3-2010; AI 753.949-AgR, DJE de 13-11-2009; AI 700.254-ED-AgR, DJE de 17-4-

2009.

Exemplo disso é o artigo 2.035 do Código Civil:

“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes

da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores,

referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste

Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas

partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de

ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a

função social da propriedade e dos contratos.”

Por fim, temos a Coisa Julgada, a qual, em seu sentido material, é a qualidade da sentença que torna imutáveis e indiscutíveis seus efeitos substanciais. Verifica-se após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando há a impossibilidade de se manejar qualquer recurso. Já o viés formal se verifica quando há a impossibilidade de, no mesmo processo, voltar a ser discutida a decisão, não impedindo que outro processo seja manejado para rediscutir o assunto.

Entende-se que a proteção constitucional aplica-se apenas à coisa julgada material.

Três formas de mitigação da coisa julgada merecem ser salientadas:

a) A ação rescisória, prevista no art. 485 do Código de Processo Civil, ação esta que visa a rescisão de sentença de mérito transitada em julgado, nas hipóteses taxativas previstas no CPC e a Revisão Criminal, prevista no art. 621 do Código de Processo Penal, que possui a mesma finalidade da ação rescisória civil, mas no âmbito criminal, não tem o condão de ofender a coisa julgada, por serem medidas excepcionalíssimas e com previsões razoáveis, conforme entendimento unânime da doutrina e jurisprudência pátria. Ademais, tais ações estão previstas na própria Constituição Federal (art. 102, I, “j”).

b) A própria Constituição Federal, no art. 5º, XL prevê uma espécie de relativização da coisa julgada, ao dispor que a lei penal mais benéfica

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possua retroatividade máxima, de modo a alcançar casos penais já transitados em julgado.

c) Por fim, temos o que modernamente se conhece por coisa julgada inconstitucional, que consiste na circunstância de uma sentença estar embasada em ato normativo tachado de inconstitucional em controle abstrato de constitucionalidade. Nesse caso, a coisa julgada é desfeita, devendo outra sentença ser prolatada. Veja-se:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Julgamento. Sentença de mérito.

Oponibilidade erga omnes e força vinculante. Efeito ex tunc. Ofensa à sua

autoridade. Caracterização. Acórdão em sentido contrário, em ação rescisória.

Prolação durante a vigência e nos termos de liminar expedida na ação direta

de inconstitucionalidade. Irrelevância. Eficácia retroativa da decisão de mérito

da ação direta de inconstitucionalidade. Aplicação do princípio da máxima

efetividade das normas constitucionais. Liminar concedida em reclamação,

para suspender os efeitos do acórdão impugnado. Agravo improvido. Voto

vencido. Reputa-se ofensivo à autoridade de sentença de mérito proferida em

ação direta de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, o acórdão que,

julgando improcedente ação rescisória, adotou entendimento contrário, ainda

que na vigência e nos termos de liminar concedida na mesma ação direta de

inconstitucionalidade." (STF. Rcl 2.600-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em

14-9-2006, Plenário, DJ de 3-8-2007.)

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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

01) Assinale a opção correta:a)É plena a liberdade de associações para qualquer fim.b)É obrigatória a associação para que o indivíduo goze dos direitos sociais.c)As associações podem ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por ordem policial transitada em julgado.d)As entidades associativas, ainda que não expressamente autorizadas, podem representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.e)A criação de associações independe de autorização do Poder Público.

02) A liberdade de reunião está condicionada:a)ao pagamento de taxa;b)à autorização da autoridade competente;c)a ser pacífica e desarmada;d)à situação política da entidade que a promoverá;e)a ser em locais predeterminados pela autoridade competente.

03) Um grupo de policiais, necessitando penetrar durante a noite em uma residência com o fim de capturar um indivíduo em flagrante delito, invade este local sem o consentimento de seu morador. Podemos afirmar que:a)os policiais agiram ilegalmente.b)os policiais agiram de forma constitucional.c)os policiais agiram de forma abusiva, mas não ilegal.d)os policiais agiram de forma precipitada.e)os policiais agiram de forma inconstitucional.

04) No tocante à extradição, dispõe o texto constitucional:a)Será concedida extradição de brasileiro naturalizado em razão de prática de crime político ou de opinião.b)O brasileiro naturalizado será extraditado pela prática de crime comum depois da naturalização.c)É expressamente proibida a extradição de brasileiro.d)O brasileiro nato nunca será extraditado.e)Não há distinção de tratamento entre o brasileiro nato e o naturalizado, nesse caso.

05) Assinale a opção correta:a)É livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, admitida a licença e o controle prévio da publicação por motivo de segurança nacional ou para proteção da moral e dos bons costumes.

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b)É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão independentemente de qualquer qualificação profissional.c)É livre a manifestação de pensamento sem nenhuma restrição.d)Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.e)É vedada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

06) No que tange à inviolabilidade da casa durante a noite, a Constituição Federal assevera:a)A inviolabilidade no período noturno é absoluta.b)A inviolabilidade no período noturno sofre abrandamento somente nos casos de incêndio.c)A inviolabilidade da casa não prevalece durante a noite em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro.d)O asilo noturno torna-se violável por determinação judicial.e)Durante o período noturno a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo nunca penetrar sem o consentimento do morador.

07) A prisão civil é permitida no caso de:a)Condenação definitiva do devedor no juízo criminal.b)Ocultação de bens em execução.c)Determinação do Ministro da Fazenda nas hipóteses previstas em lei.d)Crime de peculato.e)Nenhuma das opções e verdadeira.

08) Assinale a opção correta:a)A lei regulará a individualização das penas e adotará, entre outras, a privação de liberdade,a multa e o banimento.b)O Tribunal do Júri é competente para julgar todos os crimes dolosos.c)A obrigação de reparar o dano nunca passará da pessoa do condenado.d)Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os recursos e meios a eles inerentes.e)O civilmente identificado nunca será submetido a identificação criminal.

09) Os direitos e garantias individuais fundamentais estabelecidos na Constituição são assegurados aos:a)brasileiros natos e estrangeiros.b)brasileiros e estrangeiros domiciliados no país.c)brasileiros natos.d)brasileiros naturalizados e estrangeiros domiciliados no país.e)brasileiros e estrangeiros residentes no país.

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10) As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas:a)depois de suspensas por decisão administrativa fundamentada.b)por decisão do Ministério Público.c)por lei federal.d)pelo Presidente da República.e)por decisão judicial transitada em julgado.

11) A expressão “coisa julgada” albergada na Constituição Federal corresponde:a)à impossibilidade de alteração por decisão judicial.b)ao ato jurídico elaborado em conformidade com a lei.c)ao direito que pode ser exercido por seu titular.d)ao direito adquirido.e)ao ato jurídico perfeito.

12) Pode o brasileiro nato ser extraditado ?a)Sim, desde que tenha cometido crime a bordo de navio de guerra estrangeiro.b)Sim, desde que tenha cometido crime de tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins.c)Sim, caso haja reciprocidade de tratamento do país requisitante.d)Não, em nenhuma hipótese.e)Nenhuma das respostas anteriores está correta.

13) O art. 5° da Constituição Federal veda expressamente:a)a liberdade de consciência e de crença.b)o direito de propriedade para o reconhecidamente pobre.c)o direito de imprensad)o anonimato e as associações de caráter paramilitar.e)o anonimato e as associações de caráter lícito.

14) A Constituição declara como um dos direitos fundamentais a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, salvo:a)para fazer prova em processo administrativo.b)por ordem judicial, para fins de investigação ou instrução processual penal.c)por ordem judicial, para fins de instrução processual civil ou trabalhista.d)por ordem do Ministério Público, para fins de investigação criminal.e)em matéria de segurança nacional.

15) A respeito da relação Estado-Igreja (religião), é possível afirmar:a)A religião oficial do Brasil é a Católica Apostólica Romana.b)O Estado brasileiro é leigo, mas a assistência religiosa às Forças Armadas é prestada, com exclusividade, pela Igreja Católica, através do Vicariato Castrense.

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c)O Estado é leigo, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal estabelecerem cultos religiosos ou Igrejas.d)O Estado não é leigo, porque mantém representação diplomática na Santa Sé e festeja, segundo previsão constitucional expressa, os dias santos comemorados pela Igreja Católica.e)O Estado não é leigo, porque os cemitérios públicos pertencem às Cúrias Municipais e por elas são administrados.

16) O direito de ampla defesa, juntamente com o princípio do devido processo legal, é garantido pela Constituição Federal. Cm relação ao tema, assinale a opção correta:a)A garantia de ampla defesa é incompatível com a fixação de prazos para a apresentação de provas e recursos no âmbito administrativo.b)Por força da garantia da ampla defesa, todas as provas requeridas pelo acusado devem ser admitidas pela autoridade que preside o processo contra ele aberto.c)As garantias constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal têm aplicação exclusiva nos processos administrativos ou judiciais em que alguém se acha na condição de acusado de infração administrativa ou criminal.d)Assim como o princípio do contraditório, a garantia da ampla defesa é uma decorrência do princípio segundo o qual as partes litigantes devem ter tratamento igualitário por parte do juízo processante.e)Ofende a garantia da ampla defesa a produção de prova testemunhal, sem a presença do acusado, se este, intimado à audiência, a ela não comparecer sem motivo justificado.

17) Assinale a opção correta:a)Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da proporcionalidade tem aplicação no nosso sistema constitucional por força do princípio do devido processo legal.b)A prisão provisória não se compatibiliza com o princípio constitucional da presunção de inocência.c)Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a determinação contida na lei de crimes hediondos no sentido de que os autores de determinados crimes cumpram a condenação em regime fechado atenta contra o princípio da individualização da pena.d)A condenação criminal proferida com base exclusiva em provas obtidas no inquérito criminal é plenamente válida.e)O direito a permanecer calado está limitado estritamente à esfera do processo criminal.

18) Assinale a opção correta:a)Na fase do inquérito policial, a confissão do acusado na ausência de

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advogado deve ser considerada prova ilícita para todos os fins.b)A denúncia genérica no processo penal configura lesão ao princípio da ampla defesa e do contraditório.c)A lei penal mais benéfica, para fins estabelecidos na Constituição Federal, há de ser considerada tão somente aquela que define ou suprime crime e estabelece ou reduz pena.d)Segundo a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais, constitui prova ilícita se utilizada em qualquer processo judicial ou administrativo.e)A disposição do Código de Processo Penal brasileiro segundo a qual o silencia do acusado pode ser interpretado em seu desfavor foi recebida pela ordem constitucional de 1988.

GABARITO:

1)E, (art. 5°, XVIII); 02) C (art. 5°, XVI); 03) B (art. 5°, XI); 04) D (art. 5°, LI); 05) D (art. 5°, III); 06) C (art. 5°, XI); 07) E (art. 5°, LXVII); 08) D (art. 5°, LV); 09) E (art. 5°, caput); 10) E (art. 5°, XIX); 11) A (doutrina); 12) D (art. 5°, LI); 13) D (art. 5°, IV e XVII); 14) B (art. 5°, XII); 15) C (art. 19, I); 16) D (doutrina); 17) A (jurisprudência do STF); 18) B (jurisprudência do STF).

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