Dip - Material de Apoio - Alunos - 2010

58
Material registrado 1 D D i i r r e e i i t t o o I I n n t t e e r r n n a a c c i i o o n n a a l l P P ú ú b b l l i i c c o o Prof.ª Ana Luiza da Gama e Souza *Material registrado – proibida a reprodução SUMÁRIO Unidade 1................................................................................................................................................................................... 3 Sociedade internacional ........................................................................................................................................................... 3 Introdução e origem ............................................................................................................................................................ 3 Forças que influenciam a SI ............................................................................................................................................... 3 Definição e conceito de sociedade internacional ............................................................................................................ 4 Descrição............................................................................................................................................................................... 6 Comunidade e sociedade .................................................................................................................................................... 6 Segundo Ferdinand Tonnies.......................................................................................................................................... 6 Segundo Hans Freyer ..................................................................................................................................................... 7 Segundo Max Weber....................................................................................................................................................... 7 Fundamentos da S.I............................................................................................................................................................. 7 Cavaglieri: corrente positivista- voluntarista ............................................................................................................... 7 Del Vecchio: corrente jusnaturalista ............................................................................................................................ 8 Características ....................................................................................................................................................................... 8 Entes (sujeitos da si) ............................................................................................................................................................ 8 A norma internacional: origem, natureza e fundamento ................................................................................................... 8 Normas: princípios e regras ............................................................................................................................................... 8 Natureza ................................................................................................................................................................................ 9 Fundamento.......................................................................................................................................................................... 9 Voluntarista ...................................................................................................................................................................... 9 Anti-Voluntarista ........................................................................................................................................................... 10 Gênese do Conceito de DI .............................................................................................................................................. 10 Conceito/Definição de DI .......................................................................................................................................... 10 Bases sociológicas do DI .................................................................................................................................................. 11 Idade contemporânea ........................................................................................................................................................ 11 Unidade 2................................................................................................................................................................................. 13 Pessoas Internacionais ........................................................................................................................................................... 13 Noção .................................................................................................................................................................................. 13 Existência de normas internacionais gerais atributivas de personalidade ................................................................. 13 Capacidade e Personalidade ............................................................................................................................................. 14 Classificação das pessoas internacionais ........................................................................................................................ 14 Coletividades não estatais ............................................................................................................................................ 14 Reconhecimento de Estado......................................................................................................................................... 16 Reconhecimento de Governo ..................................................................................................................................... 18 Unidade 3................................................................................................................................................................................. 18 As Fontes do Direito Internacional ..................................................................................................................................... 19 Noções Gerais .................................................................................................................................................................... 19 Diferenças entre fontes e fundamentos ......................................................................................................................... 19 Fontes Formais e Materiais .............................................................................................................................................. 19 Fontes materiais: Históricas, Sociais e Econômicas ................................................................................................ 19

Transcript of Dip - Material de Apoio - Alunos - 2010

Material registrado

1

DDiirreeiittoo IInntteerrnnaacciioonnaall

PPúúbblliiccoo Prof.ª Ana Luiza da Gama e Souza

*Material registrado – proibida a reprodução

SUMÁRIO Unidade 1................................................................................................................................................................................... 3 Sociedade internacional ........................................................................................................................................................... 3 Introdução e origem............................................................................................................................................................ 3 Forças que influenciam a SI ............................................................................................................................................... 3 Definição e conceito de sociedade internacional............................................................................................................ 4 Descrição............................................................................................................................................................................... 6 Comunidade e sociedade .................................................................................................................................................... 6 Segundo Ferdinand Tonnies.......................................................................................................................................... 6 Segundo Hans Freyer ..................................................................................................................................................... 7 Segundo Max Weber....................................................................................................................................................... 7

Fundamentos da S.I............................................................................................................................................................. 7 Cavaglieri: corrente positivista- voluntarista ............................................................................................................... 7 Del Vecchio: corrente jusnaturalista ............................................................................................................................ 8

Características ....................................................................................................................................................................... 8 Entes (sujeitos da si) ............................................................................................................................................................ 8

A norma internacional: origem, natureza e fundamento ................................................................................................... 8 Normas: princípios e regras ............................................................................................................................................... 8 Natureza ................................................................................................................................................................................ 9 Fundamento.......................................................................................................................................................................... 9 Voluntarista ...................................................................................................................................................................... 9 Anti-Voluntarista........................................................................................................................................................... 10

Gênese do Conceito de DI .............................................................................................................................................. 10 Conceito/Definição de DI .......................................................................................................................................... 10

Bases sociológicas do DI .................................................................................................................................................. 11 Idade contemporânea........................................................................................................................................................ 11

Unidade 2................................................................................................................................................................................. 13 Pessoas Internacionais ........................................................................................................................................................... 13 Noção .................................................................................................................................................................................. 13 Existência de normas internacionais gerais atributivas de personalidade................................................................. 13 Capacidade e Personalidade ............................................................................................................................................. 14 Classificação das pessoas internacionais ........................................................................................................................ 14 Coletividades não estatais ............................................................................................................................................ 14 Reconhecimento de Estado......................................................................................................................................... 16 Reconhecimento de Governo ..................................................................................................................................... 18

Unidade 3................................................................................................................................................................................. 18 As Fontes do Direito Internacional..................................................................................................................................... 19 Noções Gerais .................................................................................................................................................................... 19 Diferenças entre fontes e fundamentos ......................................................................................................................... 19 Fontes Formais e Materiais .............................................................................................................................................. 19 Fontes materiais: Históricas, Sociais e Econômicas ................................................................................................ 19

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

2

Fontes formais ............................................................................................................................................................... 19 Atos unilaterais................................................................................................................................................................... 20 Costume Internacional...................................................................................................................................................... 20 Elementos....................................................................................................................................................................... 20 Fundamento ................................................................................................................................................................... 21 Características ................................................................................................................................................................ 21 Interpretação.................................................................................................................................................................. 22 Formas ............................................................................................................................................................................ 22 Derrogação..................................................................................................................................................................... 22 Hierarquia ....................................................................................................................................................................... 22 Término .......................................................................................................................................................................... 22

Unidade 4................................................................................................................................................................................. 22 Os Tratados Internacionais - Produção do texto convencional .................................................................................... 23 Introdução ao tema ........................................................................................................................................................... 23 Conceito .............................................................................................................................................................................. 23 Forma................................................................................................................................................................................... 24 Terminologia....................................................................................................................................................................... 24 Classificação........................................................................................................................................................................ 25 Quanto ao número de partes contratantes (aspecto formal).................................................................................. 25 Quanto à natureza jurídica do ato .............................................................................................................................. 25 Quanto à possibilidade de participação de outros Estados.................................................................................... 25

Fundamento........................................................................................................................................................................ 26 Efeitos.................................................................................................................................................................................. 26 1. Limitam-se, em princípio, às partes contratantes. ............................................................................................... 26 2. Os tratados não têm efeito retroativo.................................................................................................................... 26

Partes do tratado ................................................................................................................................................................ 27 Condições de validade....................................................................................................................................................... 27 Unidade 5 ......................................................................................................................................................................... 29 Fases de Conclusão dos tratados .................................................................................................................................. 29

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

3

UUnniiddaaddee 11

A Sociedade Internacional • Introdução e origem • Descrição da Sociedade Internacional • Existência, fundamento e características da sociedade internacional

A Norma Internacional: Origem, natureza e fundamento. • Gênese do conceito de Direito Internacional • Processo evolutivo do Direito Internacional - Antigüidade Oriental, Grécia e Roma - Período medieval, idade moderna e idade contemporânea • A definição de Direito Internacional • A juridicidade do Direito Internacional - Correntes negativistas - Negadores práticos - Negadores teóricos - Posição adotada - Críticas aos negadores - A afirmação da juridicidade do Direito Internacional

O estudo da sociedade é objeto simultaneamente das ciências jurídicas e sociais, já que direito e sociedade sofrem influências recíprocas. No direito interno, estas influências já se encontram bastante sedimentadas, o que, por certo, não se dá na ordem (sistema, comunidade, sociedade) internacional, já que está em constante transformação dada à sua natureza.

A natureza eminentemente política dos interesses que permeiam as relações no mundo internacional fazem com que este contexto esteja sempre em constante atualização, o que traz conseqüências certas e imediatas ao D.I.P.

SOCIEDADE INTERNACIONAL

Introdução e origem A sociedade internacional, segundo Celso Mello1 é anterior ao estado, remonta a mais remota antiguidade e se carac-teriza como relação entre coletividades.

Na modernidade, a sociedade internacional seguiu o modelo europeu de Estado, construído pelo pensamento de Hobbes, Rousseau, Montesquieu e outros, que tinham o estado nacional como seu membro originário.

A sociedade internacional vem assumindo diferentes formas e características com o passar do tempo, buscando ade-quar-se ás transformações trazidos por forças políticas, culturais, sociais e econômicas. A atuação destas forças é preponderante no delineamento da sociedade internacional. O estado passa a compartilhar com outros entes, surgi-dos por conta dos movimentos históricos que vão sempre dando novo contorno à SI, como os blocos sociais, cultu-rais, econômicos e políticos que vão dar origem às OI. Assim, “a figura do Estado tende a ser substituída por forças mais atuantes que influem ou influenciaram a SI que correspondem melhor as necessidades políticas, econômicas e sociais.”

Forças que influenciam a SI Ao lado dos entes, forças econômicas, culturais, religiosas e políticas influem ou influenciaram a SI:

1 Mello, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Publico

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

4

o Forças culturais: Manifestam-se pela realização de acordos culturais entre os Estados, na criação de organis-mos internacional de fomento e desenvolvimento da cultura (UNESCO).

o Forças econômicas: Manuel Wallerstein2 e Eric Hobsbawn3 afirmam que é a economia que tem a função de ligação da SI. Definem que “o sistema internacional como primariamente constituído pela atividade econômi-ca e pela disseminação das relações sociais e econômicas capitalistas em uma escala mundial. Segundo Celso Mello, elas seriam espertadas pelo materialismo histórico de Marx e ainda que o seu enfrentamento exigiria uma grande cooperação interestatal. (FMI, BIRD, OMC...) Hoje inegavelmente influente no rumo da SI con-temporânea. O comercio foi uma das bases do DI.

o Forças políticas: a luta pelo poder e pelo aumento do território estatal ocasionou fenômenos característicos da sociedade internacional (ditadura e imperialismo).

o Forças religiosas: catolicismo, protestantismo. Hoje, o Islamismo tem marcado presença na nova forma de terrorismo, que vem, atualmente, dando novo contorno à SI.

Definição e conceito de sociedade internacional

� Celso Mello: relações recíprocas entre estados e outros sujeitos de DI.

� Henri Batiffol: conjunto de relações de indivíduos entre si e de Estados uns com os outros, tendendo a organi-zar-se e viver dentro de uma ordem internacional

� Fred Halliday4: três sentidos para o termo sociedade internacional

o “realismo”, usando por Martin Wight e Hedley Bull, dentro do qual a sociedade Internacional refere-se à relação entre Estados, baseada em normas compartilhadas e entendimentos.

o “transnacionalismo”, desenvolvido por Evan Luard5 e John Michael Featherstone6, e que se refere à emergência de laços não estatais de economia, de política, de associação, de cultura e de ideologia que transcendem as fronteiras dos Estados e constituem, em maior ou menor medida, uma sociedade que vai além destas mesmas fronteiras.

o “homogeneidade”, utilizado por Karl Max e Francis Fukuyama, e que indica uma relação en-tre a estrutura interna das sociedades e da sociedade internacional, investigando de que maneira, como resultado das pressões internacionais, os Estados são compelidos a conformarem seus ar-ranjos interno aos demais. È um conceito que se refere tanto ao desenvolvimento interno quan-to ás relações internacionais, já que o funcionamento interno dos Estados tanto influencia co-mo é influenciado pelos processos internacionais.

� Martin Wight e Hedley Bull

Martin Wight (1960)7

Realismo: “Em um mundo constituído por potências soberanas e independentes, a guerra é o único meio pelo qual cada uma delas pode, em última instância, defender seus interesses vitais.”

2 Walerstein. M. Modern World System. “Sempre haverá um país que será o centro de poder do mundo” 3 Historiador. Hobsbawn, Eric: “A era dos extremos”. Visão econômica da história. 4 “Repensando as relações internacionais”: na obra, dentre outros aspectos, são reavaliados criticamente os conceitos de Estado e de sociedade internacional, passando pela questão da revolução. No caso do Estado, Halliday o considera como um ator do-méstico e internacional depois de uma discussão ampla sobre o conceito, percebido como um dos mais importantes para a teoria e a análise. Com relação à sociedade internacional, são exploradas as pressões para que haja uma homogeneização do conjunto de normas compartilhado pelos Estados, utilizando-se as reflexões de Burke, Marx e Fukuyama. Internacionalmente, destaca-se o papel desta homogeneização e de suas múltiplas dimensões na competição interestatal, mostrando-se a constante oposição entre os Estados revolucionários e os do status quo. Neste sentido, insere-se também a discussão mais detalhada sobre as revo-luções e os seus impactos formativos no sistema internacional.” 5 In International Society 6 In Global Maternities. 7 Wight, Martin. A política do poder. Ed. UNB.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

5

As RI vivem uma espécie de ordem anárquica, pois não há poder superior. Esta ordem vem da idéia de que cada Estado é soberano e sempre procuram manter este status. Desta forma sem mantém o equilíbrio de poder entre eles. Para Wight, o “cenário internacional pode ser corretamente definido como uma anarquia – uma multiplicidade de potências sem governo.” A Guerra com resultado da falta de governo internacional, ou seja, a anarquia dos Estados soberanos.

Segundo Wight, seria o DIP que estabeleceria o equilíbrio entre os Estados.

“Medo Hobbesiano”: nenhum Estado pode entregar a outro Estado qualquer parte de sua segurança e de sua liber-dade”, pois tal como os homens, em seu Estado natural, no qual encontram-se em estado de ciúme constante, de desconfiança, os Estados estão sempre em guerra uns contra os outros, por força de sua independência.

Wight conclui seu trabalho, indagando o que seria sociedade internacional.

Para Wight, seria a existência do DI um indício da existência de uma sociedade e que este DI seria um tipo peculiar de Direito, pois é o Direito de uma sociedade politicamente dividida em um grande número de Estados soberanos.

Wight afirma que “dificilmente pode ser negada a existência de um sistema de Estados, e admitir que tal sistema existe acarreta admitir em parte a existência de uma sociedade, pois uma sociedade seria um certo número de indiví-duos ligados por um sistema de relacionamentos com certos objetivos comuns.”

Hedley Bull (1977)8

Continua o trabalho de Wight. Segundo Bull, os Estados têm interesses e querem que estes interesses sejam protegi-dos. Seria o DIP que iriam proteger estes interesses.

Para Bull, o conceito de sociedade internacional remonta ao final do séc. XV, organiza-se como única estrutura base-ada em relações econômicas no séc. XIX e consolida-se como sociedade internacional global logo após o final da 2ª Guerra, em conseqüência da expansão dos Estados Europeus pelo mundo, cujo instrumento seria a estrutura jurídi-co-político do Estado soberano que começou a ganhar corpo no fim do século XIII e início do século XIX. Ainda segundo Bull, “Existe uma ‘sociedade de estados’ (ou sociedade internacional) quando um grupo de estados, consci-entes de certos valores e interesses comum, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns.”

Considera o autor que os Estados, reconhecendo certos valores e interesses comuns, se consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de respeitar a independência da cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força.

Sociedade internacional pressupõe um sistema internacional, mas a recíproca pode não ser verdadeira, já que poderia faltar a consciência dos interesses e valores comuns, existindo apenas interação de forma que uma represente um fator nos cálculos dos outros.

Para Bull (com base em Wight) existem três doutrinas que definem o moderno sistema de Estados:

1. Hobbesiana ou realista: Estado de natureza: estado de guerra de todos contra todos. A política internacional como um estado de guerra. Os estados têm liberdade para perseguir suas metas com relação aos outros esta-dos, sem quaisquer restrições morais ou legais. Para Hobbes, as idéias de moralidade e lei só são válidas em um contexto de sociedade e a vida internacional ultrapassa os limites de qualquer sociedade. Para ele “as únicas regras e ou princípios que podem limitar a conduta dos estados no ser inter-relacionamento são as regras de prudência e conveniência.”

2. Kantiana ou universalista: Atuação na política internacional de uma comunidade potencial. Sociedade cosmo-polita. Paz universal através de uma federação de estados. A natureza da política internacional reside nos vín-culos sociais transacionais entre os seres humanos. Os homens possuem os mesmos interesses e assim a política é um exercício cooperativo. Preconiza a existência de um imperativo categórico internacional susten-tado na mais alta moralidade que visa a derrubada do sistema de Estados e sua substituição por uma sociedade cosmopolita.

3. Grociana (Hugo Grocius): Tradição internacionalista. Esta doutrina coloca-se entre as outras duas. Para Gro-cius ,diferentemente de Kant, os estados constituem a principal realidade da política, sendo os membros imedi-atos da sociedade internacional. Para ele, os Estados não estão empenhados em uma simples luta, mas há limi-

8 BULL, Hedley. Sociedade Anárquica. Ed. UNB

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

6

tes impostos a seus conflitos por regras e instituições mantidas em comum. Para a doutrina grociana, “não é a guerra que melhor tipifica a atividade internacional, ou um conflito horizontal que ultrapasse as fronteiras dos estados, mas o comércio – de uma maneira mais geral, o intercâmbio econômico entre os estados.” Groci-us afirma que os estados na sua conduta internacional, na sua interação com outros estados, estão limi-tados pelas regras e instituições da sociedade que formam e que assim devem obedecer não só as re-gras de prudência e conveniência (tratadas por Hobbes), mas também aos imperativos de lei e mora-lidade (Kant), que para ele não pretenderiam a derrubada do sistema de estados, mas sim, a aceitação das exigências da coexistência e cooperação dentro de uma sociedade de estados.

O perfil da sociedade internacional mundial dos séc. XX adequava-se, de um lado, pela perspectiva Hobbesiana (rea-lista), tendo em vista as duas guerras mundiais que se sucederam e de outro a Kantiana (universalista), pelo esforço orientado para transcender o sistema de estados, a desordem e o conflito que o tem marcado, buscando uma solida-riedade transnacional.

Para Bull, é fato que a conduta efetiva dos Estados se adequam em certa medida às regras do direito internacional, já que há algumas regras que os estados e outros entes consideram reciprocamente obrigatórias, muito embora o respei-to pelas normas de DI não seja o principal motivo desta adequação. Neste contexto, é certo que o DI exerce função importante como definidor da ordem internacional, muito embora com algumas limitações fáticas. A primeira função seria a de identificar a noção de sociedade de estados soberanos, como princípio normativo da organização política da humanidade, evitando assim a multiplicidade de princípios competitivos de organização política internacional. A segundo função seria a de expressar as regras básicas da coexistência dos estados e dos outros entes na sociedade internacional. A terceira função seria a de mobilizar a aceitação das regras de coexistência e cooperação.

Segundo Bull, o “DI proporciona um meio pelo qual os Estados podem anunciar suas intenções com respeito ao assunto em questão, oferece uma garantia mútua sobre a futura política a ser adotada, especifica precisamente qual a natureza do acordo, sua extensão e seus limites e, além disso, confere solenidade ao acordo, criando assim a expecta-tiva da sua permanência. “

Descrição Segundo Celso Mello, descrever a SI significa apresentar os entes que a compõe e as forças mais atuantes.

As forças econômicas, sociais, culturais e políticas são preponderantes na caracterização da SI e trataremos delas no próximo tópico.

Os entes da SI são: o Estado, as Organizações internacionais, o homem, dentre outros. Tornando-se possuidores de direitos e de deveres, passam a ser sujeitos de direito internacional, sobre eles falaremos mais adiante.

Comunidade e sociedade

���� Escola sociológica alemã (Ferdinand Tonnies, Max Weber e Hans Freyer)9

Segundo Ferdinand Tonnies

Sociologicamente, segundo a intensidade do vínculo psicológico10:

Comunidade: • Formação natural (criação de cooperação natural) • Vontade orgânica (própria ao organismo – afetividade, prazer, hábito e memória) • Participação mais profunda do indivíduo • Regida pelo direito natural • Depende da vontade essencial do ser: a de escolher.

Sociedade:

9Os Autores do início do século XX que se caracterizaram por diagnosticar a mudança do mundo devido à industrialização e à formação de grandes conglomerados urbanos impessoais, ruptores da sociabilidade clássica, vão desde Ferdinand Tonnies, Hans Freyer, Émilie Durkheim e Max Weber até as obras filosóficas de maior envergadura, como Ser e tempo, de Heidegger. 10 Comunidade e Sociedade

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

7

• Formação voluntária (idéia de finalidade) • Vontade refletida. • Participação menos profunda do indivíduo na vida comum • Regida pelo contrato (tratado); • Baseada em interesses

Num estudo mais aprofundado, Tonnies estabelece um modelo sociológico que propõe a existência de dois tipos de entidades sociais:

• Comunidade (Gemeinschaft) que é íntima, privada, informal e afetiva; • Sociedade (Gesellschaft) que é pública e formal.

Segundo Tonnies, as culturas tradicionais seriam do tipo comunidade e as mais "avançadas", como a norte-americana, do tipo sociedade.

Coube a Ferdinand Tonnies, em 1887, introduzir o dualismo sociedade-comunidade (Gessellschaft) no discurso científico contemporâneo. Reagindo contra a concepção mecanicista de sociedade, então predominante, Tonnies vai fazer corresponder, ao conceito de sociedade, a vontade refletida nascida do arbítrio dos respectivos membros, en-quanto o de comunidade teria a ver com uma vontade que ele reputa como essencial ou orgânica.

Segundo Hans Freyer

Comunidade: • É coletividade extra-histórica. Não se pode determinar o momento em que foi criada. • É de aspecto natural • Não há poder de dominação

Sociedade: • É de formação histórica (a história nasce com a escrita e é a comprovação de fatos) • Constituída por grupos heterogêneos • Existência de um poder dominante, de uma tensão de domínio, talvez devido à sua natureza heterogênea.

Segundo Max Weber

Comunidade: • Coletividade que teria origem num sentimento subjetivo (tradição, laços de família, fatores emocionais, cul-

turais) • Valores afetivos

Sociedade: • Vontade orientada pela razão (aspecto objetivo), visando determinada finalidade. • Ajustamento de interesses racionalmente motivado

Assim, estaríamos diante do fato de que a comunidade só existiria num contexto primitivo e que diante do surgimen-to do primeiro conflito, gerado por tensão de domínio, estaríamos diante de uma sociedade internacional.

Fundamentos da S.I.

Cavaglieri: corrente positivista- voluntarista

A sociedade internacional teria se formado por meio de um acordo de vontade entre os Estados

É corrente criticada por Celso Mello, pois não explica como um novo Estado sujeita-se às normas internacionais, mesmo que não queira. Questão: Cuba e Coréia? Algum Estado que não queira ser parte da sociedade internacional pode subsistir se não mantiver nenhuma relação com os outros Estados? A própria noção de Estado implica em uma noção de coletividade.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

8

Del Vecchio: corrente jusnaturalista

Homem é um ser social e que só se realiza em sociedade, sendo a sociedade internacional a sua forma mais ampla. Unidade do gênero humano.

Características

� UNIVERSAL: abrange todos os entes do globo

� PARITÁRIA: igualdade jurídica. Ética

� ABERTA: todo ente, ao reunir determinados elementos, se torna membro de SI, sem que haja necessidade da manifestação de outros membros

� NÃO POSSUI UMA ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL COM A SOCIEDADE INTERNA. A SI não é um super-Estado. Não possui poderes centralizados. Segundo Celso Mello, há uma certa hierarquização, quando o estado está abrindo mão de parte de sua soberania em benefício da cooperação. Predomina a autotutela.

� GOVERNANÇA: especialização (OMC, G7,OIT, FMI...)

� O DIREITO QUE NELA SE MANIFESTA É ORIGINÁRIO, já que o DIP não se fundamenta em outro ordenamento positivo.

� TEM POUCOS MEMBROS e assim não se pode enfrentar os problemas com base em categorias gerais, como faz o direito nacional (pessoa humana?)

Entes (sujeitos da SI)

� ESTADO: Para a maioria da doutrina é o ente originário e o principal sujeito. (exceção: Jean Touscoz11)

� ORGANIZAÇÔES INTERNACIONAIS: Associação voluntária de sujeitos de DI, criada para “desenvolver da melhor maneira possível as relações entre os Estados, permitindo-lhes cumprir em conjunto, o que não poderi-am cumprir separadamente, já que algumas questões exigem a colaboração dos demais membros da SI para se-rem resolvidas”

� Pessoa Humana (vide A.A. Cançado Trindade)12

A NORMA INTERNACIONAL: ORIGEM, NATUREZA E FUNDA-MENTO

Normas: princípios e regras A.A. Cançado Trindade (DI em um mundo em transformação): normas de DI = regras + princípios (como manifestação da consciência jurídica dos povos)

Declaração Relativa aos princípios do DI que regem as Relações amistosas e cooperação entre os Estados conforme a Carta das Nações Unidas – A.G da ONU de 24/10 de 1970. Não tem base convencional, mas, foi importante para o reconhecimento de novas regras de DI consuetudinário e na interpretação dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (Cap. I , artigo 2). Tem natureza de recomendação, já que a Assembléia Geral não poderia adotar regras obrigatórias de DI,de acordo com o art. 13,I,a da Carta da ONU.

A partir de meados do séc. XX, passou a florescer bibliografia especializada concentrada nos princípios do DI.13

11 Jean Touscoz. Direito Internacional. 12 Cançado Trindade, A.A.. A Direito Internacional em um mundo em transformação. Os rumos do Direito Internacional con-temporâneo: de um jus inter gentes a um novo jus gentium no séc. XXI. 13 Segundo Cançado Trindade: Lafayete Rodrigues Pereira: Princípios de DI; A.A. Cançado Trindade: Princípios de DI contem-porâneo. UNB; Ian Brownlie. Principles of Public Internacional Law; L. Delbez. Lês príncipes generaux du droit internacional public e outros

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

9

DIREITO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO

TRECHO DE DECISÃO DA CIDH (CASO 12.240)

“...Além disso, com base na informação disponível, a Comissão comprovou que esta foi reconhecida como uma norma de carácter suficientemente inalienável para constituir uma norma de jus cogens, evolução prevista pela Comis-são em sua decisão em Roach e Pinkerton. Como assinalado anteriormente, quase todos os Estados nações rejeita-ram a imposição da pena capital à pessoas menores de 18 anos, em sua forma mais explícita, através da ratificação do PIDCP, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratados em que esta proscrição é reconhecida como não derrogável. A aceitação desta norma engloba as fronteiras políticas e ideológicas e os esforços de separar-se da mesma foram energicamente condenados pelos integrantes da comunidade internacional como não permitidos, segundo as normas contemporâneas de direitos humanos. Com efeito, poderia se dizer que os próprios Estados Unidos reconheceram o significado desta norma ao prescrever a idade de 18 anos como norma federal para a aplicação da pena capital e ao ratificar o Quarto Convênio de Genebra sem reservas a esta norma. Com base nisto, a Comissão considera que os Estados Unidos estão obrigados por uma norma de jus cogens a não impor a pena capital a pessoas que não haviam cumprido 18 anos de idade quando comete-ram os delitos. Como norma de jus cogens, esta proscrição obriga a comunidade dos Estados, incluindo os Estados Unidos. A norma não pode ser derrogada com validez, seja por tratado ou por objeção de um Estado, persistente ou não.”

Natureza

- Convencional: convenção entre as partes

- Costumeira: usos e costumes

Fundamento O estudo dos fundamentos busca explicar a obrigatoriedade e os limites de aplicação do DI. Tem como Teorias:

a) UTILITÁRIA OU NECESSIDADE: comércio e justiça (Bentham);

b) NACIONALIDADE: nação é o único sujeito de DI ( Mancini)

c) VOLUNTARISTAS: centram-se na vontade do Estado: autolimitação (Jellineck); vontade coletiva (Triepel); consentimento das nações (Oppenheim); delegação do direito interno(Wenzel);

d) OBJETIVISTAS: norma-base (kelsen); pacta sunt servanda (Anzilotti); teorias sociológicas (Duguit); direi-to natural Sófocles, Cícero, Agostinho, Tomás de Aquino, Francisco de Vitória, Francisco Suarez, Gro-cius, Pufendorf, Tomásio, Bobbio, Le Fur, Verdross, Miaja de la Muela,Accioly)

Voluntarista

Autolimitação (Jellinek) � Vontade metafísica do Estado. Limitação ao poder absoluto. O Estado no direito inter-no, quando outorga a Constituição aos seus súditos, submete-se aos direitos individuais, princípio de separação de poderes, da não retroatividade das leis. No DI ocorre a autolimitação nos tratados.

Refutação: um direito fundado apenas na vontade unilateral não subsiste. Também não se explica as regras erga omnes dos costume internacional e o jus cogens.

Vontade comum (Triepel) � A vontade de um Estado não pode ser o fundamento, nem as leis concorrentes dos Estados. Só as vontades de um certo número de Estados, juntadas numa unidade volitiva podem constituir o funda-mento do D.I.

Refutação: também o fundamento da obrigatoriedade fixa-se na vontade. Ficam a descoberto ainda o cos-tume internacional e o jus cogens.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

10

Anti-Voluntarista

Teoria Pura ou Objetiva do Direito ���� As normas encontram seu fundamento na que lhe é imediatamente superi-or. Assim, no Direito Interno, cada norma inferior encontra seu fundamento na superior, até chegar à norma maior, a Constituição. No Direito Internacional (visto como superior ao interno, por ter nele o fundamento de todas as normas), haveria uma norma superior a todas que, inicialmente, seria o PACTA SUNT SERVANDA (Grundnorm). Depois, propugnou-se pelo DIREITO NATURAL. Outros dizem que é um postulado, que foge à dogmática jurídi-ca, tornando-se um problema filosófico e não propriamente jurídico-normativo.

� Teoria Objetiva: Kelsen – “pacta sunt servanda”; � Direito Natural: Anziloti (Escola Italiana).

Gênese do Conceito de DI Processo evolutivo: Antiguidade oriental, Grécia e Roma. Período medieval, idade moderna e idade con-temporânea.

Conceito/Definição de DI

� Posição clássico-positivista: “Conjunto de regras e princípios que regem as relações jurídicas entre Estados.”

� Díez de Velasco: “ Um sistema de princípios e normas que regulam as relações de coexistência e de coope-ração, frequentemente institucionalizadas, além de certas relações comunitárias entre Estados, dotados de di-ferentes graus de desenvolvimentos socioeconômico e de poder”

� René-Jean Dupuy: “É o conjunto de regras que regem as relações entre os Estados”

� Hildebrando Accioly: “O conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, sub-sidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas Organizações, e dos indivíduos”

� Nicolas Politis: “Conjunto de regras que governam as relações dos homens pertencentes aos vários grupos nacionais”

� Jean Tuscoz: “É o conjunto de regras e de instituições jurídicas que regem a sociedade internacional e que visam a estabelecer a paz e a justiça e a promover o desenvolvimento”.

� Miguel Reale: “Ramo do Direito Público que regula as normas convencionais, pactos e costumes jurídicos, visa o ordenamento através de acordo realizado por Estados independentes”

EVOLUÇÃO DA DENOMINAÇÃO

� jus gentium: direito romano (direitos e deveres com relação à Roma)

� utilizada por Samuel Pufendorf no séc. XVII como um direito natural.

� Nussbaum: séc. XVII - direito aplicado entre Estados independentes

� jus inter gentes: esta expressão introduzida por Francisco de Vitória. Maior alcance, já que abrangia também outros entes que não os homens.

- law of nations - International law: Séc. XVII. Jeremias Betham.

� Droit Internacional: Ettinènne Dumont14

Atualmente:

� Direito das gentes, retomada por Georges Scelle

14 Na verdade, não se trata de Direito entre nações, mas entre Estados.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

11

� Direito Transnacional: Jessup. Esta denominação procura abranger todos os princípios que regem os fatos que ultrapassem as fronteiras dos Estados.

Bases sociológicas do DI - Pluralidade de Estados soberanos.

- Comercio internacional: O aparecimento do comercio leva ao aparecimento de normas para regulá-lo.

- Princípios jurídicos coincidentes: Valores/ convicções comuns.

Com relação aos valores comuns, devemos ressaltar que o DI apresenta três contradições: a soberania e a necessida-de de cooperação, o objetivo de assegurar a paz e as exigências revolucionárias nacionais, a soberania igualdade dos Estados e o poder dos supergrandes.

DIREITO INTERNACIONAL é uma variável na sociedade internacional e que deve evoluir “acompanhando a infra-estrutura política, econômica, social, cultural, religioso e tecnológica da qual retira seu fundamento. (Castañeda)

Idade contemporânea “...Esse poder de determinar o que é relevante e, assim, impor a direção a ser dada à pesquisa, torna-se muito mais visível nos momentos nos quais ocorrem grandes mudanças no sistema internacional, tal como aconteceu no início da década de noventa, quando terminou a Guerra Fria e o sistema internacional, de bipolar, passou a ser unipolar. A vitória estratégica dos Estados Unidos sobre a União Soviética (e sobre o mundo por ela comandado) levou não apenas à mudança da “agenda política internacional”, como também, correlativamente, à mudança de enfoque do mundo acadêmico sobre as questões internacionais. Imediatamente, por não se ter previsto as grandes modificações ocorridas no sistema internacional, passou-se a considerar a teoria Realista como imprestável para a análise. Segundo o novo enfoque dominante, para empreender análises válidas, era necessário recuperar o instrumental liberal, com ênfase no livre-comércio, na generalização dos princípios liberal-democráticos e no esvaziamento do Estado-providência. Além da óbvia idéia de obsolescência do projeto socialista, passou-se, também, a entender que as ques-tões de defesa da soberania e de segurança haviam dado lugar às questões econômicas globais; isto é, a problemática geopolítica teria sido substituída pela problemática geoeconômica. Considerou-se, igualmente, que o problema das relações econômicas assimétricas entre as grandes potências capitalistas e os pequenos Estados, bem como o fenô-meno da dependência econômica, na verdade, não tinham existência real, uma vez que se constituíam em mera mani-festação ideológica do tempo da Guerra Fria. Desse modo, por considerar que o fim dessa guerra havia apagado todas as diferenças entre os Estados que compunham o sistema internacional, decidiu-se que não havia mais porque falar de Terceiro Mundo, de luta pelo desenvolvimento, tampouco de reforma das instituições econômicas interna-cionais. Enfim, em consonância com os novos interesses demonstrados pelas grandes potências, especialmente pelos Estados Unidos, o mundo acadêmico desses Estados redirecionou a curiosidade intelectual, com vistas a melhor servir a esses novos interesses. Ao mesmo tempo, pelo efeito hegemônico, passou a pautar as linhas de pesquisa do restante do mundo, especialmente dos países da periferia...”15

Direito Int. clássico: direito de coexistência que regula as rivalidades e os conflitos de poder”. Consagrava os trata-dos desiguais (leoninos).

Direito Int. atual: cooperação (desenvolvimento e interdependência). Cooperação significa a percepção da inevitá-vel e crescente interdependência dos Estados, e de uma certa forma, e do reconhecimento da existência de um ver-dadeiro destino comum.16

Atualmente o que se busca é que o DI seja mais efetivo, que ele se relacione com os fatos, já que o direito deve “ob-jetivamente atender a sua função social”17. Cresce cada dia mais o número de estudos sobre o DI, cujo objetivo é a

15 RELAÇÕES INTERNACIONAIS - WILLIAMS GONÇALVES Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal Fluminense. 16 Nasser, Salem Hikmak in Direito Internacional e Desenvolvimento. Org. Amaral Jr. Alberto. Manole. 17 Celso Mello:Curso de DIP

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

12

transformação do atual em DI do desenvolvimento18, de cujo esforço participam os Estados subdesenvolvidos, que lutam por uma “igualdade vantajosa”, para que com relação a eles haja um tratamento mais benéfico, colocando-os, em certa medida, em pé de igualdade de condições com os desenvolvidos.

Uma revisão do DI tem sido defendida pelos novos Estados19. Segundo Pierre Hassner20 in Celso Mello, são vários os sentidos que se dá a estes novos Estados: os Estados recentemente independentes, os Estados subdesenvolvidos, os neutralistas e os afro-asiáticos. Seriam estes os interessados em transformar o DI, que tem sido um instrumento voltado aos interesses dos desenvolvidos.

A norma internacional (instrumento do DI) justa não deve ser inspirada no interesse de poucos, mas deve “surgir da convivência social internacional levando em consideração o maior número de Estados e de indivíduos aí existen-tes.”21.

Embora creiamos não ser factível tal realidade, para Monique Chemillier-Gendreau22 in Celso Mello, o DI para ga-rantir sua “coerência” precisa se fundamentar em “uma racionalidade que se impõe como universal, e isto é inde-monstrável”. Segundo a jurista francesa, o DI hoje é voltado ainda para a soberania, que foi flexibilizada pelos atuais processos de transformação e assim para transformá-lo, tornando-o mais efetivo, devemos buscar a democratização, com a participação do maior número de Estados, baseando-se no princípio da igualdade entre eles prevista na Carta das Nações Unidas.

Face ao sistema adotado pela grande maioria dos Estados, o DI hoje não está apto a garantir os direitos dos indiví-duos e das minorias nacionais, já que depende da boa-vontade dos Estados para sua implementação internamente.

O século vinte – principalmente após a 2.ª Guerra – poderia ser chamado do século das luzes no Direito Internacio-nal. Nestes anos, a guerra a o uso da força foram expurgados pelos princípios do DI consagrados, floresceram as OI, a diplomacia tomou impulso e os tratados internacionais tenderam majoritariamente a multilateralidade23.

Historicamente, o impulso tomado pelo DI no século XX foi a oportunidade de ascender ao status de Estado sobe-rano dada a inúmero povos da Ásia (~1940) e da África (~1950), já que estes Estados, contando com o apoio de outros, foram responsáveis pela idéia de que novos princípios, regras e mecanismos deveriam ser incorporados pelo Direito, para que este pudesse adaptar-se aos novos valores e às necessidades dos novos e numerosos sujeitos. Estas idéias balizaram os objetivos do Grupo dos 7724 e do Movimento dos não Alinhados25 que abrangiam a grande maio-ria dos Estados subdesenvolvidos.

Vários princípios foram consagrados pelo esforço dos menos fortes, em especial o do direito ao desenvolvimento, previsto pelo Pacto Internacional dos direitos sociais, políticos e econômicos.26

Sobre o Sistema Internacional Contemporâneo, aponta Marcel Merle27 algumas características: - Incremento das relações econômicas no sentido do estabelecimento de um mercado mundial. - Informações transmitidas instantaneamente. - Volume das informações e o deslocamento das pessoas têm aumentados. - Há um campo estratégico unificado, devido às armas de destruição em massa. - Os Estados participam de um grande número de organismos internacionais.

Segundo Charles Chaumonte, a comunidade internacional se caracteriza pela existência de antinomias; são elas: - Ordem pública x Revolução; - Cooperação x Soberania; - Direito à autodeterminação dos povos x Divisão do mundo em zonas de influência.

18 Sugestão de leitura : Nasser, Salem Hikmak in Direito Internacional e Desenvolvimento. Org. Amaral Jr. Alberto. Manole. 19 Celso Mello: países que adotaram durante o período da Guerra Fria uma posição de neutralidade, não se filiando a nenhum dos blocos. 20 Filósofo das Relações Internacionais – Instituto de Estudos Políticos de Paris 21 Idem. 22 Professora de DI da Université de Paris VII - Diderot 23 Nasser, Salem Hikmak in Direito Internacional e Desenvolvimento. Org. Amaral Jr. Alberto. Manole. 24 Conferência das Nações Unidas para o Comercio.1964. 25 Pequenos e médios Estados, comprometidos com o movimento dos não alinhados na Guerra Fria. 26 Resolução 2.200-A (XX) da Assembléia das N.U de 16.12.1966 27 Doutrinador das Relações Internacionais. Pioneiro em sociologia das relações internacionais.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

13

Por fim, para Celso Mello, a sociedade internacional contemporânea, que surge após a queda do murro de Berlim, tem as seguintes características: - È unimultipolar � EUA é a única superpotência, mas existem 5 potências importantes: Rússia, Japão, Alema-

nha, França e Grã-Bretanha; a China está crescendo vertiginosamente e está sendo apontada como uma potência regional.

- Não há a “estabilidade e previsibilidade” como na Guerra Fria. - A grande ameaça ao poder dos EUA é o poderio econômico japonês (??).

UUnniiddaaddee 22

• Noção de pessoa internacional • Classificação dos sujeitos do Direito Internacional • A Questão do reconhecimento • O reconhecimento do Estado • O reconhecimento do Governo • O reconhecimento do Governo no Exílio • O reconhecimento de insurgentes e beligerantes • O reconhecimento das nações e movimentos nacionais • Outras pessoas internacionais - A Santa Sé - Territórios sob mandato e tutela internacional • Indivíduo

PESSOAS INTERNACIONAIS

Noção

A noção de sujeito de DI tem uma dimensão histórica, sociológica e lógico-jurídica. A primeira dela decorre do fato de que a personalidade internacional é a matéria que oferece a existência de uma das forças sociais influentes e atuan-tes. A segunda se materializa no fato de que a sociedade internacional é mutável, variando ao longo da história. Por fim, a dimensão lógico-jurídica caracteriza-se pelo fato de que não pode existir uma ordem sem destinatários, porque a norma jurídica, sendo, uma regra de conduta, deve dirigir-se sempre a um ente.28

“A pessoa física ou jurídica a quem a ordem internacional atribui direitos e deveres é transformada em pessoa inter-nacional, isto é, sujeito de DI (Celso Mello).

Sujeito de Direito Internacional: “aquele cuja conduta está prevista direta e efetivamente pelo direito das gentes co-mo conteúdo de um direito ou de uma obrigação”.

O Estado manteve-se como o centro das atenções da sociedade internacional do século XX, sendo o mais importan-te ente de DI. No século XX, em virtude das sérias transformações ocorridas no cenário internacional, o Estado passa partilhar a vida internacional com outros entes, as organizações internacionais e o homem, que volta a ter direitos e deveres perante a sociedade internacional.

Existência de normas internacionais gerais atributivas de personalidade A polêmica divide-se em duas correntes, a que admite a existência29 e a que não admite.

Celso Mello entende que a primeira corrente seria a mais adequada. Segundo a esta corrente existem normas gerais que estabelecem condições para que determinados entes adquiram personalidade jurídica e assim tornem-se sujeitos de direito, como o Estado, por exemplo. Um exemplo seria a Convenção Pan-americana sobre Direitos e Deveres

28 Celso Mello 29 Segundo Celso Mello, seria a corrente liderada por Balladore Pallieri. Adotada por Celso Mello.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

14

dos Estados30 (Montevidéu, 1933) que prevê que o Estado, pessoa internacional, deve reunir os seguintes requisitos: povoação permanente, território determinado, governo e capacidade de entrar em relações com os demais Estados. No entanto, outros entes adquirem personalidade jurídica internacional sem que haja norma geral anterior, como o homem. Segundo Celso Mello, o homem31 só adquire personalidade internacional quando as normas internacional se dirigem à ele.

Nas palavras de Celso Mello, “existiria um princípio constitucional no ordenamento jurídico internacional que de-terminaria quais os entes que, ao preencherem certas condições, se tornariam sujeitos de DI. Tais condições seriam: “fins compatíveis” com a sociedade internacional, ter uma organização que lhe permita entrar em relações com os demais sujeitos de DI, bem como ser responsável pelos seus atos.” No entanto, na realidade constata-se que o “Es-tado surge como um fato encarnado de grande poder na SI. Não existe qualquer norma preexistente. É o próprio Estado que se legaliza a priori. As demais pessoas internacionais foram criadas pelos Estados (OI)

Capacidade32 e Personalidade Capacidade jurídica: requisitos que tornam um ente, sujeito de DI, Capacidade de agir: realização de atos válidos no plano jurídico internacional.

Embora haja entendimentos em sentido contrário33, para Celso Mello pode determinado ente ter personalidade jurí-dica internacional, mas não ter capacidade, como a pessoa humana. O homem tem personalidade jurídica internacio-nal - é sujeito de direito internacional - porém não tem capacidade no plano internacional, a não ser em casos excep-cionalíssimos.34

Nas hipóteses de incapacidade, o DI já reconhece o instituto da representação, que seria “a manifestação de vontade de um sujeito internacional produz efeitos que são imputados a outros sujeito de DI”35 e cujos elementos, segundo Sereni, seriam: a) o representante, o representado e os terceiros devem ser sujeitos de DI; b) ela deve ser exercida no campo de DIP, c) o representante tem o poder de agir para o representado, e isto em nome e por conta deste.

Classificação das pessoas internacionais As PI seriam classificadas36 em:

a) Coletividades estatais b) Coletividades interestatais c) Coletividades não estatais d) Indivíduo

Coletividades não estatais

O reconhecimento de beligerante s e insurgentes são os primeiros mecanismos que vão permitir a aplicação do direi-to de guerra a um conflito interno.

30 Elementos do Estados: população, território, governo e soberania. Segundo. A.A. Cançado Trindade, na nova ordem interna-cional o dogma da soberania torna-se inadequado, diante do surgimento das organizações internacionais. (O Direito Internacio-nal em um mundo em transformação). Ainda segundo Cançado Trindade, a soberania Estatal , devidamente delimitada, passou a referir-se, no presente contexto, à habilitação do Estado para participar do ordenamento jurídico, em conformidade com as regras deste último.” 31Nas palavras do mestre: “Testemunho eloqüente da erosão do domínio reservado dos Estados foi precisamente o da interna-cionalização da proteção dos direitos humanos, a partir da adoção em 1948 das Declarações Americana e Universal dos Direito Humanos.”

32 Personalidade jurídica, segundo Maria Helena Diniz, seria “a idéia que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações” – “aptidão para praticar atos jurídicos” - sendo a capacidade, “a medida jurídica da personalidade.” 33 Sereni, Piero. 34 Protocolo nº 9 da Convenção Européia para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais 35 Aguilar Navarro, Balladore Pallieri. 36 Diante da diversidade de classificações que Celso Mello julga insatisfatórias, ele opta pela classificação de JJ. Rousseau, muito embora advirta para o fato de que toma por base o Estado.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

15

O RECONHECIMENTO DE BELIGERANTES - Criação do séc. XIX, aplicado às revoluções de grande envergadura. - Canning – 1825 “Um certo grau de força e de resistência adquirida por uma parte da população engajada em uma guerra dá a ela o Direito de ser tratada como beligerante”. - É uma decorrência de princípios humanitários (obriga as partes em luta às leis da guerra, evitando a prática de atos de selvageria) e do direito de autodeterminação dos povos. - Na prática diplomática: ato discricionário.37 - Feito (normalmente) por meio de uma declaração de neutralidade: o reconhecimento pelo governo legal (de direito) dos revoltosos como beligerantes não obriga os terceiros Estados a fazê-lo. O reconhecimento pelo governo legal pode levar os outros Estados ao reconhecimento apenas por uma questão política; no entanto, a recíproca não é verdadeira: o reconhecimento por um terceiro Estado não influencia o governo legal. Efeitos, dentre outros:

a) Aplica-se as leis da guerra; b) O governo de direito não é responsável pelos atos dos beligerantes.38 c) Os navios dos revoltosos não são considerados piratas39; d) Os Estados estrangeiros ficam sujeitos aos direitos e deveres da neutralidade; e) Os beligerantes podem concluir tratados com os Estados neutros;

Observações: - Os revoltosos mesmo sem o reconhecimento possuem personalidade internacional; - As convenções de Genebra de 1949 prevêem a aplicação de normas de direito de guerra independente do reconhe-cimento; Natureza jurídica: declaratória (necessário o preenchimento de condições). Entende-se que também seja constitutiva de direitos e deveres. A unanimidade da doutrina afirma que o instituto do reconhecimento dos beligerantes está em desuso, pois: a) Ameaça a integridade territorial do Estado. b) Terceiros Estados têm participado das guerras civis, o que não é compatível com o reconhecimento dos belige-

rantes.40

RECONHECIMENTO DE INSURGENTES Revoltas que não assumem proporção de guerra civil. Efeitos genéricos: a) Dependem do seu reconhecimento pelos Estados; b) Só gera direito e deveres depois de reconhecido; c) É o reconhecimento que fixa os efeitos que pretende dar à insurgência Efeitos específicos: a) Têm tratamento de prisioneiros de guerra; b) O governo de direito não é responsável pelos atos dos insurgentes.41 c) Os navios dos revoltosos não são considerados piratas42;

37 A doutrina recente entende que deveria ser ato obrigatório 38 mesmo sem o reconhecimento; 39 mesmo sem o reconhecimento; 40 a guerra civil é definida pelo conflito interno e coeso dentro de um determinado Estado e não pressupõe a participação de terceiros, o que vêm acontecendo 41 mesmo sem o reconhecimento;

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

16

d) Os terceiros Estados não estão sujeitos obrigatoriamente à neutralidade, mas podem declará-la; e) Os insurgentes podem concluir tratados com os Estados neutros;

SANTA SÉ

A crítica doutrinária apontava para a não existência da personalidade internacional da Santa sé, já que lhe faltava território. Não obstante as discussões, ela continuou a ser considerada pessoa internacional.

Em 1929 a santa sé e a Itália celebraram os acordos de Latrão ( um financeiro, um político e uma concordata). O acordo político reconheceu a soberania no domínio internacional da Santa sé, o direito a plena propriedade e a juris-dição soberana sobre o Vaticano. A personalidade internacional é da Santa Sé (reunião da Cúria romana com o Papa) e não do Vaticano.43

Como pessoa internacional a Santa Sé possui os seguintes direitos: - Direito de legação: é a faculdade de enviar (direito de legação ativo) e receber (passivo) agentes diplomáticos. Deriva do princípio da igualdade jurídica dos Estados e é regulado pelo princípio do consentimento mútuo. - Direito de convenção: a Santa Sé é membro de organizações internacionais e participa de conferências internacionais, ratificando-as.

As relações entre a Santa Sé e o Vaticano não se enquadram em nenhuma forma clássica adotada por Estados, sendo difícil distinguir um do outro. O Vaticano é neutro.

MANDATO

Após a primeira guerra, o destino das colônias dos vencidos variava entre da idéia de que deveriam ser anexados aos territórios destes ou que deveria haver uma administração internacional.

Definição: entrega das colônias a determinadas potências, denominadas mandatárias, que deveriam administrá-las (Pacto da Sociedade das Nações – SDN – Art. 22 e seguintes).

A sociedade das nações dava às potências administrativas uma carta de mandato, autorizando-os a administrar tais povos até estarem aptos para a independência.

Tipos: � A: assemelhava-se às relações de protetorado. Populações que estavam quase atingindo a independência. � B: entre uma metrópole e sua colônia. Certos povos da África Central � C: quase a uma anexação. Território com escassa população e de civilização atrasada.

TUTELA

Substituiu o mandato por uma questão de terminologia. Como o instituto de Direito Civil, traduzira melhor a idéia por ser serviço público e gratuito, exigir-se prestação de contas.

O objetivo é conduzir os povos colocados neste regime à independência política. Os tratados de proteção dos direi-tos humanos prevêem que os Estados administradores promoverão o exercício do Direito de autodeterminação (art. 1º do Pacto s/ Dir. Econômicos, Sociais e Culturais). É efetivada por acordos de tutela entre a ONU e a potência administradora e é aplicável a todos os territórios que estivessem sob mandato e a todos os territórios coloniais dos Estados vencidos.

ÓRGÃO PRÓPRIO: Conselho de Tutela.

Reconhecimento de Estado

Ocorre quando um novo Estado surge notificando os demais e requerendo seu reconhecimento. Era procedimento importante até meados do séc. XX. Hoje, no entanto, a maioria da doutrina entende bastar que o Estado reúna os elementos necessários (território, povo e governo+soberania).

42 mesmo sem o reconhecimento; 43 A cidade do Vaticano é membro de algumas organizações internacionais bem como a Santa Sé.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

17

Conceito: Ato por meio do qual um Estado “reconhece” a personalidade estatal de outro Estado, admitindo-o na SI. É decisão do governo de um Estado existente de aceitar o outro como um Estado. É ato jurídico, diante de seus inegáveis efeitos.

FORMAÇÃO DO ESTADO

Formas o Ocupação: Estabelecimento de população em determinado território (res nullius). É diferente de ocupação por

guerra de conquista que não é reconhecida pelos princípios de DI e pela Carta da ONU.

Hoje já não mais existe território sem dono, à exceção da Antárida, já definida por Tratado e o Ártico, caso que ainda será analisado.

o Emancipação: Ocorre por sublevação. Um grupo nacional, numeroso e forte, se liberta da metrópole, passando a comandar interna e externamente, seus próprios destinos (Brasil e Portugal, EUA e Inglaterra).

o Separação (desmembramento ou secessão): Parte de um Estado se desvincula do todo estatal, criando um novo Estado. (Império Autro-Húngaro, Suécia e Noruega, RFA e RDA...).

o Fusão: Dois Estados passam a formar um só Estado (Unificação Italiana e Unificação Alemã) o Formação normativa: Por acordos internacionais (Vietnam e Vaticano)

Efeitos – Teorias 1 - Constitutiva (atributiva): o caráter estatal depende do ato de reconhecimento, o qual verdadeiramente constitui-ria o Estado, atribuindo a ele personalidade estatal. É ato bilateral pelo qual aos Estados é atribuída, por consenso mútuo, a personalidade internacional. É teoria minoritária.

2 - Declaratória: o reconhecimento é tão somente ato declaratório, já que a personalidade estatal independe da deliberação de outros Estados. É a teoria adotada pela Carta da OEA e pelo Institut de Droit Internacional. Para Hildebrando Acciolly, “um organismo que reúne todos os elementos constitutivos de um Estado tem o direito de assim ser considerado e não deixa de possuir a qualidade de Estado pelo fato de não ser reconhecido.” Para Ac-ciolly, o ato de reconhecimento terá efeito retroativo, que remonta à data da formação definitiva do Estado.

É a teoria majoritariamente aceita.

Para Kelsen, o reconhecimento teria dois aspectos: político, não constitutivo da personalidade do Estado (Art. 3º da Convenção de Montevidéu sobre direitos e deveres dos Estados: “existência política do Estado é independente de seu reconhecimento pelos outros Estados”) e jurídico, constitutivo da personalidade do Estado). Já Anzilotti bem define os efeitos do reconhecimento. Para ele, a personalidade do Estado surge concomitantemen-te com o seu reconhecimento. Ser sujeito de direitos significa ser destinatário de normas jurídicas e assim, a personalidade existe quando uma entidade se torna destinatária da norma. Como a norma internacional surge por meio de acordo, então o sujeito de direitos passa a existir a partir do acordo, e só então é que um ente se torna em relação ao outro ente, destinatário das normas resultantes do acordo fimado.

REQUISITOS - Possuir governo independente e autônomo na condução dos negócios estrangeiros (requisito volátil) - O governo deve ter autoridade efetiva dentro de seu território, congregando as forças ali existentes. - Deve ter território delimitado.

NATUREZA DO ATO Unilateral, irrevogável, discricionário, retroativo (teoria declaratória) e incondicional.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

18

RECONHECIMENTO PELA ONU Hoje, após ser aceito pelo Conselho de Segurança, entende-se haver um reconhecimento coletivo mútuo do Estado. Este entendimento é controverso.

Reconhecimento de Governo

Se origina na transformação na organização política de um Estado. A personalidade estatal internacional do Estado não se modifica, mantendo-se os elementos essenciais do Estado (território e povo).

O reconhecimento de governo não importa na aceitação da sua legitimidade, mas apenas na aceitação de quem tem o poder de conduzir o Estado e de representa-lo internacionalmente.

Governo de Fato: Ao que se dirige o reconhecimento. Atinge-se o poder por meios inconstitucionais. Há violação da norma constitucional e a autoridade mantida pela força.

Governo de Direito: Mudança por meios constitucionais. Ocorre juridicamente e não precisa de reconhecimento.

DOUTRINAS - Tobar: É a mais adotada. Só aceita o reconhecimento do governo se proveniente de revolução ou golpe de Estado e após a reorganização constitucional do país. O governo deverá estar estável e cumprindo com as obrigações assu-midas internacionalmente.

- Estrada: O reconhecimento não deve acontecer, pois fere a soberania do Estado. Seria como crítica aos negócios internos do país (não é aceita).

FORMAS - Tácita - Expressa (por nota diplomática)

RECONHECIMENTO DE GOVERNO NO EXÍLIO

O governo no território do Estado não exerce o poder. Para ser reconhecido é preciso que o governo afastado de-monstre empenho na retomada do poder.

UUnniiddaaddee 33

• Noções Gerais • Diferenças entre fontes e fundamento • Fontes formais e fontes materiais • Análise do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça • Importância do costume como fonte do Direito Internacional • Fundamento da obrigatoriedade do costume • Hierarquia das fontes • Importância do jus cogens - Noção de jus cogens - Aceitação do jus cogens pela Convenção de Viena sobre direito dos tratados - Violação do jus cogens

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

19

AS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

Noções Gerais Fontes do Direito Internacional são os modos pelos quais o Direito de manifesta.

São fontes de DI aqueles fatos ou atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui idoneidade ou a ca-pacidade de produzir norma jurídica (Bobbio).

Diferenças entre fontes e fundamentos Fontes são modos pelos quais o DI se manifesta, e fundamentos do DI, de onde retira sua obrigatoriedade.

Fontes Formais e Materiais

Fontes materiais: Históricas, Sociais e Econômicas

Para a concepção objetivista, esta seriam as verdadeiras fontes de Direito, sendo as formais apenas seu reflexo. Seri-am os elementos profundos que influem na formulação do Direito.

Fontes formais

Positivistas-voluntaristas (Anzilotti e Cavaglieri): As fontes de DI são constituídas pela manifestação da vontade dos Estados, que a norma fundamental atribua o valor da regra obrigatória de conduta. No costume (obrigatório para todos os Estados, mesmo para o que não manifesta sua vontade no sentido de aceita-la), a vontade seria tácita e nos tratados expressa.

Objetivistas (Scello e Hidelbrando Acciolly): É a mais adotada. As fontes materiais seria as verdadeiras fontes de DI, sendo as formas reflexo delas, mero meio de comprovação, que se limitam a formular o Direito. Segundo esta teoria, as fontes formais, como diz seu nome, servem para dar “forma exterior reconhecível e especializada às dife-rentes categorias de regras”.

Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça

1. A Corte, cuja função é decidir conforme o direito internacional as controvérsias que lhe sejam submetidas,

deverá aplicar:

a) as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente

reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional como prova de una prática geralmente aceita como direito;

c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) as decisões judiciais e as doutrinas dos publicistas de maior competência das distintas nações, como

meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artículo 59.

2. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se para

as partes assim o convier.

O art. 38, 1, B: Prova de uma prática não seria expressão adequada, mas sim prática geralmente aceita...

O § 2.º do art. 38, trata da eqüidade. Antes da inocorrência de norma expressa, pode se decidir pela equidade, que seria a função de adaptar ao direito existente, na hipótese da lei não ser suficientemente clara, ou a de afastar o direito positivo. Seria meio supletivo que visa o preenchimento das lacunas no direito positivo.

As fontes de Direito segundo Celso Mello seriam: - Tratados - Costumes - Princípios Gerais de Direito

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

20

Modernamente já se discute a natureza de fonte do DI dos atos unilaterais. No entanto, os que não aceitam que os atos jurídicos unilaterais sejam fonte de direito, fundamentam sua negativa no fato de que a fonte não há o elemento vontade. Assim, nem todos os atos jurídicos44 seriam fonte.

Atos unilaterais Manifestação de vontade de um sujeito de DI, que surte efeitos jurídicos. Têm sua eficácia condicionada a: ser públi-co e que o Estado que a elabore tenha intenção de se obrigar:

- Declarações e recomendações das OI´s: importantes na formação dos costumes (direito flexível)

- Resoluções:Podem ser transformadas em costume, desde que: - Formulem regras de direito - Mostrem a existência de uma real vontade geral - Sejam seguidas de uma prática geral de acordo com o estabelecido na resolução - Serem efetivamente aplicadas

- *Soft Law: com o surgimento das Organizações Internacionais e órgãos internacionais, o DI passou a ser produzi-do também por eles, retirando o foco da produção exclusivamente pelos Estados, os quais passam a ter um foro comum para discussão e para a busca conjunta de soluções para os problemas e conflitos existentes.

No DI contemporâneo, surgem documentos derivados (originados nas OI) e extraídos de foros internacio-nais e constituídos a partir deles, que possuem caráter declaratório, desprovidos de obrigatoriedade e que não vinculam os Estados ao cumprimento expresso de seus dispositivos, são os soft law.

� Indicativo do Direito a ser aplicado;

� Ainda a ser regulamentado para ser aplicado;

� Considerado como moralmente válido;

� Campos: Direitos Humanos, Direito do Consumidor, Direito Ambiental e outros;

� Carece de imperatividade, mas é inspirador de valores;

� Ainda não é admitido como fonte de DI;

� Norma padrão a ser seguida pelos Estados;

� Discute-se seu conceito e sua estrutura jurídica;

� Poderiam ser representados por tratados (frame-treaty e umbrella-treaty), resoluções e recomendações das OIs; declarações solenes dos Estados, pareceres, Conferências etc.

Costume Internacional

O costume internacional surge do fato de que os Estados adotavam certas atitudes porque eram cômodas ou res-pondiam a uma necessidade. Gradativamente, foi se tomando consciência de que a repetição da prática era boa para a ordem social.

O costume é lento e assim vem perdendo força atualmente, já que as mudanças estão ocorrendo com muita rapidez. No entanto, o DI surgiu sob a forma de costume internacional, o que comprova sua importância como fonte de DI.

Elementos

ELEMENTO MATERIAL

O uso geral seguido por uma parcela da SI, que tem a convicção de que é obrigatório (prática generalizada com con-vicção de ser obrigatória).

44 Atos jurídicos: capacidade do autor do ato (Estados – ilimitada / OI – limitada a seus fins), imputação do ato realizado por um órgão ao próprio sujeito de DI (habilitação dos agentes signatários), manifestação de vontade (vontade declarada. Raramente prevalece a vontade real) e objeto lícito.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

21

Convicção: interpretação funcional e normativa.

Uso: prática de atos generalizados.

É a prática que diferencia o costume (norma jurídica obrigatória) do uso. Ela é que distingue qual é a prática relevan-te para o costume e qual não é.

= TEMPO + REPETIÇÃO

Reuter: prática repetida por longo tempo.

Modernamente: não há necessidade de prática por tempo prolongado. Admite-se o direito consuetudinário instantâ-neo, no qual o opinio juris seria elemento essencial.

ELEMENTO SUBJETIVO

opinio juris sive necessitatis (convicção sentida pelos Estados de que o DI exige um determinado tipo de conduta).

Para Celso Mello, é a aceitação do costume como um novo Direito. Este tem sido o elemento mais importante, des-de que represente a convicção de uma grande parcela dos Estados (represente o consenso coletivo) e de condições sociais e econômicas diversas. Seria um dever ser.

Segundo a CIJ: “devem ter tal caráter ou realizar-se de tal forma que demonstrem a crença de que tal prática se esti-me obrigatória em virtude de uma norma jurídica que a prescreva...O Estado interessando deve sentir que cumpre o que acredita ser uma obrigação jurídica”

Fundamento

Duas teorias divergem sobre a questão do fundamento: voluntarismo e objetivismo.

VOLUNTARISMO

Consentimento tácito dos Estados (Grocius, Vattel, Anzilotti e outros positivistas).

Críticas: como um novo ente se encontra obrigado a costumes formados antes de seu ingresso na SI / Art. 38 do Estatuto da CIJ: costume geral (obrigatório para todos, não só para quem com eles consente) / prática evolutiva (adequa-se espontaneamente às transformações sociais).

OBJETIVISMO

1) consciência jurídica coletiva??

Consciência social do grupo: convicção comum que os Estados têm de que devem respeitar os costumes, conforme a razão, o direito objetivo, à noção de Justiça, solidariedade econômico-social ou um sentimento jurídico dos ho-mens.

Criticada por ser vaga e imprecisa.

2) Sociológica: (C. Rousseau)

O costume é um produto da vida social que visa atender às necessidades sociais. Produto espontâneo da vida social. A prática constante de atos cria certo equilíbrio social. Costume como produto da evolução social.

É a mais aceita.

Características

- Prática comum: repetição uniforme de certas regras da vida internacional

- Prática obrigatória: é direito e deve ser respeitado

- Prática evolutiva: a plasticidade é que permite que se adapte às mudanças da SI. Por outro lado, gera insegurança.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

22

Interpretação

É a verificação de sua existência (de seus elementos e conteúdo)

Formas

- Geral: aplicada por toda a SI

- Particular: Apenas por parte dos membros da SI. Precisa ser provado por quem o alega.

Derrogação

Regra geral dos conflitos de lei no tempo. O costume geral é derrogado pelo particular, se dispõe sobre a mesma matéria, a não ser que o costume geral seja norma jus cogens.

Hierarquia

Não existe hierarquia entre fontes de DI. Tratado pode revogar costume (raro) e vice-versa.

Término

a) Tratado que o codifica ou revoga b) Novo costume c) Pela dessuetude

O costume internacional está em decadência na atualidade, tendo cessado sua supremacia como fonte de DI, mas tem mantido-se aplicável com relação a novos interesses econômicos (Direito do Mar), como princípios fundamen-tais e como forma de adaptação e atualização de certas normas de guerra.

Modernamente, admite-se que convenções multilaterais não ratificadas seja aplicadas como fonte costumeira.

UUnniiddaaddee 44

• Conceito • Classificação dos Tratados Internacionais • Competência para negociar: chefes de Estado e de Governo, plenipotenciários e delegações • Negociação bilateral • Negociação coletiva • Estrutura do tratado internacional • Expressão do consentimento

- Assinatura - Troca Instrumental - Ratificação

- Competência - Discricionariedade - Irretratabilidade - Ratificações: formas e depositário - As ratificações inconstitucionais • Pressupostos constitucionais do consentimento - sistema brasileiro • A ratificação pelas organizações internacionais • Os acordos em forma simplificada - “acordos executivos”

- Sua importância na atualidade - Noção - Acordos executivos possíveis no Brasil - O acordo executivo como subproduto de tratado internacional vigente - O acordo executivo como expressão de diplomacia ordinária

• Expressão do consentimento - Assinatura - Troca instrumental

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

23

- Ratificação - Competência - Discricionariedade - Irretratabilidade - Ratificações: forma e o depositário - As ratificações inconstitucionais • Pressupostos constitucionais do consentimento - sistema brasileiro • A retificação pelas organizações internacionais • Os acordos em forma simplificada - “acordos executivos”

- Sua importância na atualidade - Noção - Acordos executivos possíveis no Brasil - O Acordo executivo como subproduto de tratado internacional vigente - O Acordo executivo como expressão de diplomacia ordinária

OS TRATADOS INTERNACIONAIS - PRODUÇÃO DO TEXTO CONVENCIONAL

Introdução ao tema Os tratados hoje são considerados a fonte mais importante de DI, pois são em maior número e regulam as matérias mais relevantes. É também a fonte mais democrática, já que dela participam diretamente os Estados.

Hoje, na busca pela efetividade dos acordos entre PI, tem-se defendido que o essencial é o consentimento dos Esta-dos, mesmo que não haja “ ato jurídico internacional aparente.”45

Em verdade, a “essência de um tratado constitui-se na fonte de uma obrigação de DI contraída voluntariamente por uma pessoa internacional a favor de outra ou outras e que dá origem, por sua vez, a direitos recíprocos.”46

Para Celso Mello, se o tratado é gerador de comportamentos internacionais, ele é fonte de direito internacional. Mas, por outro lado, se permanece sem aplicação prática, resta como simples texto.

Conceito - Hildebrando Acciolly: “ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas internacionais.”

- Francisco Rezek: “acordo formal concluído entre sujeitos de DIO e destinado a produzir efeitos jurídi-cos.”

- Reuter: “É uma manifestação de vontades concordantes, imputável a dois ou mais sujeitos de direito internacional e destinada a produzir efeitos jurídicos, segundo as regras de DI. “

A maioria dos autores prefere o conceito adotado pela Convenção de Viena sobre Tratados, de 1969, se-gundo o qual: Art. 2.º: “acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Interna-cional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexo, qual-quer que seja sua denominação específica.”

45 Caso da Plataforma Continental sobre o Mar Egeu, no qual a Grécia invocou um comunicado conjunto dos primeiros minis-tros da Grécia e da Turquia como fundamento para a jurisdição da Corte, o que foi por ela aceito sob o argumento de que “so-bre a questão da forma, a Corte só necessita fazer notar que não existe regra de DI que impeça que um comunicado conjunto constitua-se num acordo internacional” 46 Max Sorrensen. Manual de Derecho Internacional Público.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

24

Para Celso Mello, este seria o conceito de tratado em sentido lato, podendo nele, inclusive, incluir-se o acordo em forma simplificada, que será estudado mais adiante.

Embora no conceito trazido pela Convenção de Viena se dê destaque ao papel do Estado na celebração de tratados, outros sujeitos de DI podem celebrá-los, como previsto na própria Convenção em seu art. 3º.47

Forma Escrita: é a forma prevista na Convenção de Viena, mas a doutrina dominante já admite a obrigatoriedade de trata-dos realizados oralmente (forma não escrita), não os considerando nulos, tendo sido este entendimento adotado pela Comissão de DI da ONU. Exemplos: notas diplomáticas confirmando acordos verbais anteriores.

Terminologia Segundo Celso Mello, a terminologia é bastante imprecisa, com o que concorda a maioria da doutrina, como Guido Fernando da Silva Soares48:

“Na verdade, a denominação dos tratados é irrelevante para a denominação de seus efeitos ou de sua eficácia. A prática tem demonstrado que os Estados não atribuem qualquer conseqüência jurídica a tal ou qual denominação dos atos bilaterais ou multilaterais internacionais...”

- Tratado: termo genérico que identifica os acordos solenes;

- Convenção: tratado que cria normas gerais;

- Declaração: acordos que criam princípios jurídicos ou “afirmam uma prática política comum”;

- Ato: estabelece regras de direito. No entanto, existem atos que por não produzirem efeitos jurídicos obrigatórios não são tratados, mas têm caráter normativo no sentido político.49 (ata ou ato);

- Pacto: é tratado solene;

- Estatuto: trados coletivos que normalmente estabelecem normas para os Tribunais Internacionais (Estatuto da CIJ , da CIDH e outros);

- Protocolo: pode significar a ata de uma conferência ou protocolo-acordo, que é verdadeiro tratado e que é utiliza-do como suplemento de um tratado já existente (Tratado de Assunção e Protocolo de Outro Preto);

- Acordo: cunho econômico, financeiro, comercial e cultural;

- Concordata: assuntos religiosos de competência comum da Igreja e do Estado. Assinados pela Santa Sé;

- Compromisso: acordos sobre litígios que serão submetidos à arbitragem;

- Troca de notas: sobre matéria administrativa;

- Acordo de forma simplificada (acordos executivos): não são submetidos ao poder legislativos para aprovação, sendo finalizados pelo poder executivo. Muitas vezes realizados por troca de notas;

- Carta: estabelece direitos e deveres. Utilizado também para instrumentos constitutivos das OI´s (Carta da OEA e da ONU);

- Convênio: matéria cultural ou transporte;

- Acomodação ou compromisso: acordo provisório (termo não adotado no Brasil).

- Gentlemen´s agreements (acordo de cavalheiros): regulamentados por normas morais. Não criam obrigações para os Estados, pois são assinados em nome de pessoas e não dos Estados. Conhecidos por memorandum of unders-

47 No caso do Mandato sobre a África do Sul Ocidental, a CIJ admitiu que a noção de tratado compreende também os Acordos entre Estados e Organizações Internacionais dotadas de personalidade jurídica. 48 Curso de Direito Internacional, ed. Atlas. 49 Ata de Helsinki e Ato Geral de Berlim.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

25

tanding (MOU). Alguns tratados têm sido denominados de MOU e assim contém expressões indicativas de sua o-brigatoriedade.

- Pactum in contrahendo: tratado preliminar que estabelece compromisso de concluir acordo.

Classificação A maioria da doutrina classifica os tratados segundo os critérios abaixo elencados:

Quanto ao número de partes contratantes (aspecto formal)

- Bilateral: duas partes;

- Multilateral: mais de duas partes;

Quanto à natureza jurídica do ato

É a classificação mais importante para Accioly. No entanto, há quem não reconheça a importância desta classificação já que seria possível que um tratado contenha as duas disposições. Celso Mello admite que na prática, quando da aplicação ao caso concreto, torna-se difícil fazer a separação, já que os tratados geralmente contém disposições de ambas.

Divide-se:

- Tratados-contratos: procuram regular interesses recíprocos dos Estados. Para Celso Mello, nesta forma as von-tades dos Estados-partes têm conteúdo diferente. Criam situações jurídicas subjetivas.

- Tratados-leis ou Tratados-normativos: geralmente celebrado entre muitos Estados, tendo o objetivo de criar normas jurídicas de DI (Convenção de Viena sobre Tratados e sobre Comercio Internacional). Manifestação da vontade coletiva. Geralmente possuem cláusula de adesão.

- Tratados-constituição: celebrados pelos sujeitos de DI que visam a institucionalizar um processo internacional de um ente que possua órgãos e poderes próprios e vontade independente dos Estados que a originaram. (Carta da ONU, Tratado de Assunção e Tratado de Roma e de Maatricht)

Quanto à possibilidade de participação de outros Estados

- Abertos: possuem cláusula de adesão e assim outros sujeitos de DI podem fazer parte do tratados.

- Fechados: não contém cláusula de adesão e assim só inclui as partes contratantes.

Guido Soares admite outras classificações, como quanto ao modo de sua entrada em vigor, sendo em devida forma quando completam todas as fases, e em forma simplificada (acordo executivos), quando entram em vigor no mo-mento de sua assinatura.

Na atualidade, no espírito das normas soft law, Guido Soares dispõe sobre dois tipos de tratados multilaterais, ainda não encontrando definição positivada, que seriam:

- Umbrella-treaty (tratado guarda-chuva): “tratado amplo, de grande linhas normativas, sob cuja sombra outros tratados se encontram e que, em princípio, ou foram elaborados em complementação aos dispositivos daquele, ou foram assinados entre alguns Estados-membros daquele mais geral, com objetivos especiais por ele permitidos.”50 Guido cita como exemplos o Tratado da Antártica que possue vários protocolos sob sua sombra (sistema da Antárti-ca)

- Tratado-quadro: surgiu diante da necessidade de criar tratados mais flexíveis, que se tornassem menos imutáveis diante do tempo e dos avanços da ciência e da tecnologia e ainda que não ficassem restritos aos procedimentos len-tos de negociação dos tratados formais. É tratado multilateral, através dos quais os “Estados-partes traçam grandes molduras normativas, de direitos e deveres entre eles, de natureza vaga e que, por sua natureza, pedem um regula-mentação mais pormenorizada; para tanto, instituem, ao mesmo tempo, reuniões periódicas e regulares, de um órgão composto de representantes dos Estados-partes, a Conferências das partes (COP), com poderes delegados de com-plementar e expedir normas de especificação, órgão este auxiliado por outros órgãos subsidiários, técnicos e científi-

50 Curso de Direito Internacional Público

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

26

cos previstos no tratado-quadro, compostos de cientistas e técnicos de todos ou de alguns Estados-partes”, forman-do um sistema harmônico. (ECO 92 – Convenção sobre a diversidade biológica)

Fundamento

Os tratados, segundo Celso Mello, com posicionamento claramente jusnaturalista, afirma que os retiram sua obriga-toriedade do direito natural, de uma norma “pacta sunt servanda”, que é um dos princípios constitucionais da SI.

A Convenção de Viena sobre tratados adota o mesmo fundamento, em seu artigo 26 prevê:

“Todo tratado em vigor obriga as partes e devem ser cumpridos por elas de boa-fé”

Efeitos

1. Limitam-se, em princípio, às partes contratantes.

O tratado é res inter alios acta, significa que não devem beneficiar, nem prejudicar terceiros. No entanto, esta regra tem exceções, como nos tratados que trazem situações reais e objetivas:

Os tratados dispositivos trazem efeitos a terceiros, já que tratam de questões territoriais. Por exemplo, o Tratado de Petrópolis através do qual a Bolívia cedeu ao Brasil um território de 191.000Km (Acre). Os nacionais e empresas brasileiras e bolivianas tiveram que se adequar à nova situação territorial.

Os tratados constitutivos são concluídos por um grupo de Estados, por “interesse internacional”, cujo objeto é um terceiro Estado. Como exemplo, o Tratado de Viena de 1815 que declarou a Suíça como neutra, sem o consentimen-to dela.

Segundo Celso Mello, a relação estabelecida nos tratados é entre Estados e assim se aplicam a todo o território dos contratantes (art. 29 da Convenção de Viena), acarretando, de modo indireto, obrigações aos poderes Estatais. Quan-to à aplicabilidade direta na ordem interna, esta pode depender da sua incorporação na ordem interna, como no caso do Brasil.

Ainda segundo Celso Mello, um tratado pode gerar direitos a terceiros Estados (princípio da relatividade) se o tercei-ro Estado aceitar a obrigação, o que só permitirá a revogação do tratados também com o consentimento desta Esta-do, a não ser, excepcionalmente, quando o tratado dispensar o consentimento para a revogação.

A convenção de Viena, em seu artigo 34, prevê como regra geral que um Estado não cria obrigações para terceiros Estados.

Nas hipóteses de que um tratado cause prejuízos a terceiros Estados, mesmo não havendo lhes estipulado obriga-ções, o terceiro lesado tem o direito de buscar a reparação ou assegurar seus direitos.

Por outro lado, um tratado por gerar conseqüências favoráveis ao terceiro Estado não parte, mas, nesta hipótese deve haver manifestação de vontade dos Estados contratantes no sentido de conceder este privilégio, hipótese ex-cepcional de efeitos para terceiros. O art. 35 da Convenção de Viena prevê esta hipótese.51

A Carta da ONU em seu art. 2º, inciso 6º, prevê efeitos a terceiros Estados quando prescreve que os princípios con-tidos na Carta da ONU deve ser aplicados também aos Estados que não são parte.

Celso Mello entende que uma parcela da sociedade internacional, representada por uma OI, visando ao bem comum, pode estabelecer obrigações, respeitando as regras gerais, com relação a terceiros Estados por meio de um tratado.

2. Os tratados não têm efeito retroativo

(Art. 28 da Convenção de Viena sobre tratados)

Aplicação dos tratados com normas contraditórias (antinomias):

1) O tratado mais recente prevalece sobre o anterior, quando as partes são as mesmas.

51 Conferir artigo de Francisco Rezek in O direito internacional contemporâneo, pg. 491. Neste trabalho Rezek identifica o pro-blema com relação às OI´s buscando a solução nas formas de ser terceiro. Um Estado parte de uma OI é terceiro com relação a tratados por ela concluídos e com relação ao tratado constitutivo?

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

27

2) Quando as partes não são as mesmas:

- Entre um Estado parte em ambos e um Estado parte membro apenas do mais recente � aplica-se o mais re-cente;

- Entre um Estado parte em ambos e um Estado parte membro apenas do anterior � aplica-se o anterior;

3) Quando as partes forem a mesmas em ambos os tratados � só o anterior se ele não for incompatível com o mais recente.

Partes do tratado - Preâmbulo: contém geralmente um enunciado das finalidades do tratado e o elenco das partes contratantes.

- Dispositiva: regida sob a forma de artigos que fixam os direitos e deveres da partes contratantes.

Condições de validade

1. CAPACIDADE DAS PARTES

- Estados soberanos, Organizações Internacionais, Beligerantes, Insurgentes, Santa Sé e outras pessoas de DI.

- Os Estados membros de federação, quando autorizados pelo Direito interno podem ter capacidade internacional. No Brasil, o governo federal não se responsabiliza por tratados internacionais celebrados pelos Estados sem sua promulgação e sem a aprovação congressual. Nos EUA, os estados membros da federação podem realizar trata-dos, mas na prática não o fazem para não ferirem o treaty-making-power.52

- As colônias, em geral, não possuem o direito de convenção, mas algumas receberam autorização, como as do commomwealth.

- Os territórios sob tutela têm o direito de convenção (treaty-making-power)

- Convenção de Viena, art. 6º - Trata apenas da capacidade dos Estados, mas as OIs têm capacidade reconhecida pela Corte Internacional de Justiça (reconheceu a capacidade da ONU), o que vem sendo o entendimento majori-tário, principalmente diante do fato de que as OIs não podem permanecer isoladas e ainda de que devem realizar seus fins e para tal necessitam ser capazes. A ONU, em sua Carta, prevê o direito de convenção para as OIs (Art. 57, 63, 80 e Art. 105). Por fim, a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre organizações internacionais, assinada em 1986, incluiu em seu texto a capacidade das OIs , no entanto, esta Convenção ainda não está em vigor já que não foi depositado o último instrumento de ratificação.

- Os beligerantes e insurgentes, após o reconhecimento, têm capacidade para celebrarem tratados (direito de con-venção). Na prática até os movimentos de libertação nacional te concluído tratados (OLP).

Para Celso Mello, o direito de convenção deve ser analisado caso a caso, já que seria impossível uma teoria geral.

Habilitação dos agentes signatários

- É realizada pelos “plenos poderes”, “que dão aos negociadores o poder de negociar e concluir o tratado”53, visan-do dar maior liberdade aos chefes de Estado, que podem ser representados nos atos de conclusão do tratado. No entanto, é necessário que o chefe de Estado confirme os atos praticados pelos agentes signatários, através da rati-ficação.

- Aqueles que recebem plenos poderes são denominados plenipotenciários.

- Art. 7º, 2 da Convenção de Viena: estão dispensados dos plenos poderes os chefes de Estado e de Governo, mi-nistro das Relações Exteriores e outros

- O ato de conclusão de um tratado por pessoa não habilitada não tem efeito legal até que o Estado confirme tal ato. (art. 8ª da CV sobre tratados).

52 Poder de celebrar tratados. Etapas pelas quais passam os tratados para serem concluídos. 53 Celso Mello

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

28

- Nas organizações internacionais os secretários-gerais e os secretários-gerais adjuntos não precisam dos plenos poderes para representar as organizações internacionais (art. 7ª, c da CVT).

2. OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL:

O objeto de um tratado não pode:

- Contrariar normas morais (imperativas/jus cogens);

- Não pode ter objeto impossível de ser executado.

3. CONSENTIMENTO MÚTUO

A adoção do texto de um tratado internacional, por ser um acordo de vontades, “depende de consentimento mútuo de todos os Estados que participaram de sua elaboração.”54

Nos tratados multilaterais a regra para adoção de seu texto é pela maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes, exceto se os próprios decidirem de maneira diversa. (Art. 9º da CV s/ tratados)

O acordo de vontades entre as partes não pode conter nenhum vício, segundo Celso Mello. Segundo a Convenção de Viena sobre tratados a existência de vícios leva a nulidade do tratado. São vícios de consentimento:

- Erro: a maioria dos autores admite o erro como vício de consentimento. A CV s/ tratados trata do erro em seu artigo 48. O erro admitido seria o erro sobre fato e que pendesse sobre a base essencial do con-sentimento para obrigar ao tratado. O erro de direito é afastado e o de redação deve ser corrigido. O Es-tado que contribuiu para o erro não pode ser invocado.

- Dolo: advém da conduta fraudulenta de outrem (art. 49 da CV s/ tratados). O tratado é concluído por um Estado por força da conduta fraudulenta de outro Estado que provoca o erro ou se aproveita deste. O dolo leva a responsabilidade do Estado que o praticou. Dolo é essencialmente consciência e vontade de produzir um resultado danoso.

- Coação: o Coação pela ameaça contra a pessoa do representante do Estado -> anulável o tratado. o Coação pelo uso da força ou ameaça de força contra um Estado -> nulo o tratado (princípio da

Carta da ONU, art. 2, nº 4).

- Corrupção do representante do Estado (Art. 50 da CVT).

Para Adherbal Meira Mattos, segundo a CVT, os vícios de consentimento por levar a nulidade relativa ou absoluta.

o NULIDADE RELATIVA (ANULABILIDADE): Erro (art. 48 da CV s/ tratados), dolo (art. 49), corrupção (art. 50) e violação de disposição de Direito Interno sobre competência para concluir tratados (art. 46)

o NULIDADE ABSOLUTA: Coação (art. 51 e 52 da CV s/ T) e de conflito entre o tratado e a norma imperativa – jus cogens ( art. 50).

Artigo 50 - Corrupção de Representante de um Estado

Se a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado foi ob-

tida por meio da corrupção de seu representante, pela ação direta ou indireta de ou-

tro Estado negociador, o Estado pode alegar tal corrupção como tendo invalidado o seu

consentimento em obrigar-se pelo tratado.

54 Hildebrando Accioly

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

29

UUnniiddaaddee 55

Os Tratados Internacionais - Produção do texto convencional • Expressão do consentimento - Assinatura - Troca Instrumental - Ratificação - Competência - Discricionariedade - Irretratabilidade - Ratificações: formas e depositário - As ratificações inconstitucionais • Pressupostos constitucionais do consentimento - sistema brasileiro • A retificação pelas organizações internacionais

Fases de conclusão do Tratado

- Tratados e Acordos em forma simplificada (acordos executivos):

• Fases de conclusão dos tratados (conclusão mediata): negociação, assinatura, ratificação, promulga-ção, registro e publicação.

• Fase de conclusão dos acordos executivos (conclusão imediata): negociação e assinatura.

Há discussão acerca da diferença entre os tratados e os acordos em forma simplificada. Para parte da doutrina, o que os diferencia é o fato de que nos acordos executivos não existe a fase de ratificação. Para outros, esta não seria uma diferença, já que nada impede que os acordos em forma simplificada sejam ratificados. Segundo estes, a diferen-ça reside no fato de que não teriam a fase de aprovação pelo Congresso. Na verdade, o tratamento a ser dado aos acordos executivos varia com o sistema constitucional do Estado que o celebra.

1) Negociação:

Esta fase tem sua base no princípio da reciprocidade e deve respeitar o princípio da boa-fé.

Negociação “é um processo para encontrar uma terceira coisa que nenhuma parte quer, mas que ambas as partes podem aceitar” (Philip Allott)

É fase de discussão sobre o tema proposto, ao fim da qual é elaborado um texto escrito que é o tratado.

1) Bilateral: Convite feito por nota diplomática.

2) Multilateral: Congressos e Conferências internacionais.

Segundo o disposto no art. 9º da C.V.T o quorum mínimo de 2/3 dos presentes para a aprovação do texto. Em alguns casos especiais, dependendo da matéria que está sendo tratada, exige-se unanimidade de votos.

2) Expressão do consentimento

- Art. 11 da C.V.T.

. Segundo este dispositivo, o consentimento de uma P.J. de DIP pode manifestar-se pela assinatura, troca de instrumentos, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão. Dispõe ainda que pode ainda manifestar-se por outros meios, desde que as partes assim concordem.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

30

2.1. Assinatura: (Arts. 10, b e 12 da C.V.T.)

A assinatura55 teve sua importância bastante reduzida em virtude da relevância que a sociedade internacional tem dado ao ato de ratificação. Por outro lado, nos últimos tempos tem tido recuperada sua relevância, diante da necessidade de rapidez exigida pela vida internacional.56

Finalidade: a) autenticar o texto produzido; b) iniciar a contagem de prazo para troca ou depósito dos ins-trumentos de ratificação; c) atesta a concordância dos negociadores quanto ao texto do tratado; d) os contratantes devem se abster de atos que afetem substancialmente o valor do instrumento assinado (Art. 18 da C.V.T); e) a assina-tura pode ter valor político; f) pode significar que o Estado reconhece as normas costumeiras tornadas convencio-nais.57

É através da assinatura que se exterioriza em definitivo o consentimento das P. Jurídicas de D.I. representa-das pelos seus agentes plenipotenciários. Com a assinatura, o compromisso internacional já está consumado (defini-tivo e perfeito). 58

Após o consentimento dado pela assinatura, o tratado já tem condições de entrar em vigência, mas as partes podem decidir adiar a sua entrada em vigor. A este ato de diferir a vigência por tempo certo, dá-se o nome de vacatio legis.

A necessidade de rapidez nas tratativas internacionais vem da dando novo contorno às fases de conclusão dos tratados e já se admite que alguns tratados não sejam assinados, como por exemplo, o que ocorre com as Con-venções internacionais sobre direito do trabalho.

Assinatura diferida: “consiste em dar aos Estados um prazo maior para assinatura do tratado, a fim de que os Estados que não participaram das negociações figurem como partes contratantes originárias”. Hoje, assinatura diferida tem sido usada para que os tratados fiquem abertos a toda e qualquer P.I., o que vem tornando a assinatura semelhante à adesão. No entanto, com a adesão ocorre a ratificação que pressupõe a assinatura.

Assinatura ad referendum: necessita ser confirmada pelo Estado que a fez. (Art. 12, 2, b da C.V.T.). O texto do Tratado é assinado pelo representante (sem plenos poderes, por exemplo) do Estado participan-te, necessitando que seja confirmada pelo Estado para ser definitiva.

2.2. Ratificação:

Conceito: “é o ato pelo qual a autoridade nacional competente informa as autoridades correspondentes dos Estados cujos plenipotenciários concluíram, com os seus, um projeto de tratado, a aprovação que dá a este projeto e que o faz doravante um tratado obrigatório para o Estado que esta autoridade encarna nas relações internacionais.”59

O conceito segundo Rezek seria: “ato unilateral com que a pessoa jurídica de D.I., signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se.”

Já Hildebrando Accioly, conceitua a ratificação como sendo “ato administrativo mediante o qual o chefe de Estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário.”60

Segundo Arnold McNair61, o termo ratificação tem sido usado para dar significado a quatro coisas distintas: a) ato do órgão estatal próprio, expressando a vontade de se obrigar pelo Estado; b) procedimento internacional pelo qual um tratado entra em vigor (troca ou depósito formal dos instrumentos); c)o próprio documento; d) avulsa e popularmente como sendo a aprovação pelo poder legislativo de um Estado (emprego indevido).

55 A rubrica é válida, quando o negociador não tem plenos poderes. (Art. 12, 2, b da C.V.T) 56 Celso Mello. 57 Celso Mello em referência a Aréchaga. 58 Francisco Rezek. Direito Internacional Público. 59 Celso Mello 60 Manual de Direito Internacional Público. 61 in Francisco Rezek

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

31

A ratificação é ato internacional e ato de governo. No âmbito interno, o poder competente é fixado livre-mente pelo Direito Constitucional de cada Estado62, sendo em fixada, via de regra, a competência do Poder Executi-vo (“ratificação em sentido constitucional”63). As legislações de alguns países que adotam o non self-executing exigem a aprovação do Legislativo.

2.2.1. Competência para ratificar

Na verdade, existem três sistemas que definem a competência para ratificar:

1) Competência exclusiva do Executivo;

2) Competência exclusiva do poder Legislativo (Inglaterra, EUA);

3) Sistema misto: há participação tanto do P. Executivo quanto do Legislativo;

a) Obriga a intervenção do Congresso apenas em alguns tratados (França)

b) Obriga a intervenção do Congresso em todos os tratados (Brasil)

c) Primazia do Legislativo (Suíça)

2.2.2. Justificativa para a ratificação:

Hoje, segundo Charles Rousseau, a ratificação justifica-se:

- A importância da matéria objeto dos tratados exige o pronunciamento do chefe de Estado;

- Evita abuso ou excesso de poder por parte dos plenipotenciários e diminui a possibilidade de ar-güição de alguns vícios de consentimento;

- A participação do Poder Legislativo na formação da vontade do Estado sobre o comprometimento exterior (para vários Estados).

2.2.3 Obrigatoriedade

Os tratados passam a ser obrigatórios depois de ratificados. O princípio da ratificação está deixando de ser a regra geral. Com a proliferação de acordos executivos e com a cada vez mais constante urgência na conclusão dos tratados, a ratificação tem perdido sua importância. 64 A comissão de DI da ONU não classificou a ratificação como elemento essencial para a obrigatoriedade do tratado, mas apenas em princípio, necessária. A própria doutrina já aceitava a obrigatoriedade do tratado independentemente da ratificação, como nos acordos executivos e nos tratados propriamente ditos que em virtude da urgência na tratativa produziriam efeitos após a assinatura. Neste mesmo sentido, a Convenção de Viena no art. 12, I, a.

2.2.4. Características

2.2.4.1. Discricionariedade

O ato de ratificação é discricionário, pois o Estado quando não ratifica um tratado não comete qual-quer ilícito internacional. Da discricionariedade decorrem duas conseqüências: indeterminação do prazo para ratifi-car, quando os Estados não fixam prazo e a licitude da ratificação.

É ato discricionário do Estado e dentro dele, do Poder Executivo (e/ou legislativo).. Assim define Amilcar Falcão:

“...na aprovação de ato internacional, o Congresso se limita a autorizar o Executivo, e caso este queira, a ratificar e a promulgar o tratado. Vale dizer que, mesmo com a aprovação, o tratado, convenção ou acordo internacional não se completa, nem se torna obrigatório. Para tanto, depende ainda de ato do Executivo, cuja prática é confiada ao ajuizamento discricionário deste.”

62 Numa visão monista com primazia do D.I. , o Estado tem este direito em virtude de uma delegação do DI (Kelsen) 63 Francisco Rezek. 64 Celso Mello.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

32

A regra é a de que os tratados só serão levados à aprovação congressual se o chefe de Estado tiver a intenção de ratifica-lo. No entanto, no caso das Convenções Internacionais de Trabalho, por força do que prevê a Convenção da OIT em seu art. 19, nº 5, letra b, as Convenções sobre Trabalho deverão ser submetidas ao Congres-so.65

A questão da obrigatoriedade dos tratados na ordem interna e dos conflitos entre as ordens interna e internacional será estudada mais adiante.

2.2.4.2. Irretratabilidade

A ratificação torna-se irretratável desde que formalizada a expressão do consentimento definitivo. Como veremos adiante, o Estado até pode vir a denunciar o tratado, o que significa a sua retirada como parte, mas para esta possibilidade terá suas regras definidas no próprio tratado.

Segundo Francisco Rezek, a irretratabilidade é possível nas seguintes fases:

- Nos tratados bilaterais, no período em que a ratificação de uma das partes aguarda a da outra;

- Nos tratados multilaterais, no período em que se aguarda o alcance do quorum.

- Nos tratados bilaterais ou multilaterais, concluído o pacto pela dupla ratificação ou pelo alcance do quorum, as partes aguardam o período determinado pelas partes de vacatio legis pa-ra entrada em vigor.

A irretratabilidade é regra costumeira, não estando prevista nas normas internacionais66 e sua ocor-rência deve ter fundamento nos princípios da boa-fé e da segurança nas relações internacionais.

2.2.5. Natureza jurídica

O ato de ratificação é unilateral e discricionário.

Há amplo debate acerca da natureza jurídica do ato de ratificação:

1ª Corrente (Anzilotti): Não seria ato confirmatório da assinatura, mas a verdadeira declaração de vonta-de.(não é majoritára)

2ª Corrente (Phillimore): Até a ratificação a execução do tratado estaria sob condição suspensiva. A ratifica-ção não diria respeito à validade do tratado, mas à sua executoridade. (não é majoritária)

3ª Corrente (Balladore): Tanto a assinatura quanto a ratificação concorrem para a formação do tratado. Seri-am duas vontades atuando, a do chefe de Estado e deste pelos plenipotenciários. (não é majoritária).

4ª Corrente (Scelle): A ratificação seria ato-condição. A realização da ratificação é que levaria a uma situação jurídica objetiva. (não é majoritária)

Para Celso Mello, a ratificação seria ato sui generis e não poderia ser entendido por nenhuma das correntes acima. Para ele, a ratificação seria uma das fases do processo de conclusão dos tratados, confirmando a assinatura e dando validade ao tratado, sem significar que a assinatura não geraria seus efeitos.

2.2.6. Efeitos

A ratificação não tem efeito retroativo e só gera efeitos a partir da troca/depósito do instrumento de ratifi-cação.

2.2.7. Forma

A forma é a Escrita.67. A ratificação de consuma com a troca ou depósito do instrumento de ratificação.

2.2.8. Troca de Instrumento de ratificação, Depósito e obrigatoriedade do tratado (Art. 16 da CVT)

65 O Brasil vem tomando esta posição. 66 Francisco Rezek.. 67 A Exceção segundo Celso Mello foram as Convenção Sanitária aprovadas pela Assembléia Mundial de Saúde por ratificação tácita. Significa que foi determinado o início de sua vigência se os Estados não aceitassem seus termos.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

33

Troca de Instrumentos

É o ato de formalização da ratificação nos tratados bilaterais.

Depósito do instrumento de Ratificação

É o ato de formalização da ratificação nos tratados multilaterais. O depositário pode ser um Estado, uma OI ou um funcionário desta. O Estado depositário é geralmente aquele onde se celebrou a conferência. Nas Convenções celebradas na ONU, esta passou a centralizar o depósito no seu Secretariado (Secretário Geral da ONU).

É com o depósito que o tratado torna-se obrigatório para os Estados. Segundo Diez de Velasco, o depositá-rio pode ser classificado como depositário-funcionário, depositário-organização e João Grandino Rodas acrescenta ainda o depositário-Estado.

A função do depositário, dentre outras, é a de receber o instrumento depositado e comunicar às demais partes do tratado, informando ainda se foram feitas reservas.68

Hoje já se admite que os tratados entrem em vigor provisoriamente, antes do depósito ou da troca de notas, se assim convier aos Estados. (Art. 25 da CVT)

Observa Celso Mello que a C.V.T. deu quase o mesmo tratamento à assinatura e à ratificação. (Art. 12 e 14 da CVT).

2.3. Registro

O registro é feito no secretariado da ONU que emitirá certificado de registro (art. 80 da CVT). O registro deve ser solicitado por um dos signatários.

Somente os tratados registrado na ONU podem ser invocados como prova na Corte Internacional de Justi-ça (art. 102 da CNU)

O registro surgiu no Pacto da Sociedade das Nações (1919) para dar publicidade aos acordos para toda a sociedade internacional..

2.4. Reserva

A reserva aos tratados é questão polêmica, por sua complexidade. Até a edição da resolução de 25/12/1931 pela Assembléia da Liga das Nações, os Estados signatários de um tratado eram obrigados a ratificá-los da forma como foi assinado.

Em 1931, a Liga das Nações decidiu que “uma reserva só poderá ser admitida por ocasião da ratificação do tratado, com o assentimento de todos os demais Estados signatários, ou quando o texto do tratado previr tal reser-va.”69(a Convenção de Havana sobre tratados ainda admite a tese da aceitação unânime)

Com o aumento do número de entes da S.I., o problema da reserva agravou-se, pois a regra estabelecida na resolução da Liga das Nações não podia mais ser observada. Sobre esta questão, a CIJ foi chamada, em 1951, a emitir parecer consultivo sobre a questão da reserva na Convenção sobre genocídio, entendendo que “os Estado têm o direito de objetar às reservas que considere incompatíveis com o objeto e a finalidade do Tratado e assim considerar que o Estado que formulou as reservas não fica vinculado ao compromisso internacional.”70

A CVT, em seu art. 19, adotou o entendimento da CIJ, conhecida como tese da compatibilidade.

A regra sobre as reservas deve estar contida no tratado, em caso de silêncio aplicar-se-á o art. 19 da CVT. A reserva é possível desde que compatível com o objeto e com a finalidade do Tratado.

Ao lado da regra prevista na CVT, admite-se a regra da soberania absoluta, chamada por Kappeler de “teoria da não aceitação”, segundo a qual a aceitação ou não de reservas pelas outras partes contratantes não tem qualquer efeito jurídico, já que a reserva se impõe por ela mesma, pois decorre da soberania estatal. O Estado é livre para par-ticipar ou não de uma convenção.

- Conceitos:

68 Será estudada adiante. 69 Hidelbrando Accioly 70 Idem

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

34

“É declaração unilateral feita por um Estado, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um Tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do Tratado em sua aplicação a esse Estado.”

“Declaração de vontade de um Estado que é ou vai ser parte em uma tratado, formulada no momento da assinatura , no da ratificação e no de adesão, e que, uma vez que tenha sido autorizada expressa ou tacitamente pelos demais contratantes, forma parte integrante do próprio tratado.”71

Conceito da CVT: art. 2, I, d.

Para Rezek, a reserva é um qualificativo do consentimento. Assim, para ele:

a) a reserva pode qualificar tanto o consentimento prenunciativo, à hora da assinatura dependente de con-firmação, quanto o definitivo, expresso por meio da ratificação ou adesão. Quando manifestada antes da assinatura, a reserva será de conhecimento de todos os negociadores, o que elimina a surpresa.

b) a reserva é fenômeno relativo aos tratados multilaterais (a reserva a tratado bilateral é recusa) é a única maneira de um Estado que entende inaceitável parte do compromisso a ser firmado possa ingressar em seu domínio jurídico.

É necessário, no entanto, que a possibilidade de reserva seja prevista no Tratado.

- Condições de validade

1. Condições de forma: deve ser apresentada na forma escrita pelo pode competente dentro do Esta-do que as formula (Poder Executivo). Segundo Celso Mello, o Legislativo não pode apresentar re-servas no plano internacional. Segundo Resek, o Congresso tem o poder de aprovar os tratados com restrições – que o governo na hora de ratificar entenderá como reservas – ou aprová-lo como declaração de desabono das reservas feitas na assinatura, as quais não poderão ser confirmadas na ratificação.

Ainda quanto às condições de forma, Celso Mello classifica as reservas conforme sua natureza72, dividindo-as em reservas que excluem cláusulas e reservas interpretativas. Com relação às últimas, a Comissão de DI da ONU não as considera como reservas, mas sim como declarações interpretati-vas.

2. Condições de fundo: aceitação da reserva pelos outros contratantes.

- Efeitos

Segundo Celso Mello os efeitos das reservas são conseqüência do princípio da aceitação (art. 19 da CVT).

1. No sistema clássico: todos os Estados que não apresentarem reservas regem suas relações pelo tratado, sem qualquer modificação. O Estado que apresentou reserva e outros são regidos pelo tratado modificado. Os Estados que desejem aderir ao tratado terão que aceitar as reservas.

2. No sistema pan-americano (OEA): a) todos os Estados que não apresentarem reservas tem su-as relações regidas pelo tratado sem modificação; b) O Estado que apresentou reserva tem suas relações regidas pelo tratado modificado; c) entre o Estado que fez reservas e o que as objetou não estão regidos por nenhuma disposição do tratado, como se ele não estivesse em vigor entre eles.

3. No sistema da ONU: tese da compatibilidade.

. Estado formulou e manteve a reserva –> um ou mais Estados objetam –> O Estado que fez a reserva pode ser considerado parte no tratado, se a reserva não for incompatível com o objeto e a finalidade do tratado;

. Uma parte do tratado faz objeção a uma reserva que considera incompatível - > Pode con-siderar o Estado que formulou a reserva como não sendo parte. Se uma parte aceita a reserva como compatível -> pode considerar a parte que formulou a reserva como parte do tratado.

71 Diez Velasco. 72 Sobre as classificações de Celso Mello, ver pagina 247 da obra “Cursod e DIP”

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

35

. Uma objeção a uma reserva por um Estado que ainda não ratificou o tratado não tem efei-to jurídico no Estado que formulou a reserva, que só ocorre com a ratificação. Uma objeção a uma reserva feita por um Estado que tem simplesmente direito de assinar ou aderir, mas que ainda não o fez, não tem efeito jurídico.

Este sistema traz alguns inconvenientes, já que num mesmo compromisso o tratado pode ter efeitos diversos com relação às reservas e as objeções. Enfrentando este problema, a CIJ emitiu parecer solicitando aos órgãos da ONU e outros órgãos especializados que incluíssem nos tratados dispositivos declarando se as reservas são admitidas e quais seus efeitos.

- Sistema da Convenção de Viena sobre tratado

- Regra geral: art. 19 da CVT

A reserva pode ser feita na assinatura, na ratificação, na aceitação, na aprovação do tratado ou na sua adesão, salvo:

� Quando o tratado proibir a reserva;

� Quando o tratado dispuser que só poderão ser formuladas determinadas reservas, dentre as quais não esteja aquela em questão;

� Nos casos não previstos nas hipóteses acima, quando for incompatível com o objeto ou a finalidade do tratado.

- Aceitação: Art. 20 da CVT

� Embora as reservas não precisem da aceitação dos outros contratantes, a não ser que o tra-tado assim exija, quando são poucos os contratantes e o tratado por sua finalidade precisa ser aplicado por inteiro,a reserva precisa ser aceita por todos. (art. 20 da CVT);

� Uma reserva ou uma objeção não impede a entrada em vigor do tratado entre o Estado que fez a reserva e o que a objetou, anão ser que o tratado disponha em sentido contrário;

� No caso do tratado constitutivo de OI, deve o órgão competente da OI aceitar a reserva;

� A aceitação da reserva por um Estado torna o Estado autor da reserva parte do tratado;

� A objeção não impede a vigência do tratado entre o que formulou a reserva e o que a obje-tou, a não ser que o tratado disponha em sentido contrário.

- Efeitos legais: (Art. 21 da CVT)

1) Modifica o tratado entre o Estado que apresentou a reserva e o que a aceitou.(princípio da reci-procidade)

2) Se um Estado objetar uma reserva, mas não se opõe a entrada em vigor do tratado entre ele e o que fez a reserva, os dispositivos a que se refere a reserva não se aplicam entre eles.

3) A reserva não modifica o tratado entre os demais contratantes.

- Norma de jus cogens não está sujeita a reservas.

As convenções de Direito Humanos não se sujeitam às reservas e às objeções (parecer da CIDH). No entan-to,admitem-se as declarações interpretativas, que não alteram o tratado, mas apresentam valor para a sua inter-pretação

- Retirada da reserva/objeção (art. 22 da CVT)

A reserva/objeção pode ser retirada a qualquer momento sem que seja necessário o consentimento dos outros contratantes.

A retirada da reserva/objeção deve ser feita por escrito e só produz efeitos após o recebimento da comunicação pelo outro Estado.

3) Tratados em forma simplificada (Acordos Executivos)

- Tratados e Acordos em forma simplificada (acordos executivos):

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

36

• Fases de conclusão dos tratados (conclusão mediata): negociação, assinatura, ratificação, promulga-ção, registro e publicação.

• Fase de conclusão dos acordos executivos (conclusão imediata): negociação e assinatura.

Há discussão acerca da diferença entre os tratados e os acordos em forma simplificada. Para parte da doutrina, o que os diferencia é o fato de que nos acordos executivos não existe a fase de ratificação. Para outros, esta não seria uma diferença, já que nada impede que os acordos em forma simplificada sejam ratificados. Segundo estes, a diferen-ça reside no fato de que não teriam a fase de aprovação pelo Congresso. Na verdade, o tratamento a ser dado aos acordos executivos varia com o sistema constitucional do Estado que o celebra.

Efeitos: os mesmos dos tratados

Hierarquia: não há hierarquia entre tratado e acordo em forma simplificada.

4. Promulgação: Ordem de execução. Promulgado o texto de decreto, o qual conterá a íntegra da Tratado, este será publicado no D.O.U..

Antes da promulgação do Decreto, no caso de Tratados bilaterais, será feita Troca de Notas entre os Estados, para verificação de questões administrativas para a validade do Tratado. No caso de Tratado Multilateral, será comunicada a ratificação ao Órgão Central designado no Tratado, para que seja verificado se foi alcançado o número mínimo de ratificações.

5. Publicação : Dá conhecimento a população.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

37

UUnniiddaaddee 66

Os acordos em forma simplificada • Os acordos em forma simplificada - “acordos executivos”

- Sua importância na atualidade - Noção - Acordos executivos possíveis no Brasil - O acordo executivo como subproduto de tratado internacional vigente - O acordo executivo como expressão de diplomacia ordinária

• Expressão do consentimento - Assinatura - Troca instrumental - Ratificação - Competência - Discricionariedade - Irretrabilidade - Ratificações: forma e o depositário. - As ratificações inconstitucionais

• Pressupostos constitucionais do consentimento - sistema brasileiro • A retificação pelas organizações internacionais Direito Internacional e Direito Interno • Colocação do Problema • A querela dualismo X monismo - A tese dualista - A tese monista - O monismo com primazia do Direito Interno - O monismo com primazia do Direito Internacional • Prática Interna • Prática Internacional • Os sistemas de vigência do Direito Internacional na ordem interna - Estudo comparado • A Relevância do Direito Internacional na ordem interna brasileira • As normas Internacionais e a Constituição Federal de 1988

ACORDOS EM FORMA SIMPLIFICADA (Acordo Executivo)

Os acordos executivos são originários do direito americano e suas peculiaridades só podem ser conhecidas aos olhos do direito norte americano.

Segundo Durval de Noronha Goyos Jr.73

“No Direito interno dos EUA, há que se fazer uma distinção entre tratados e acordos executivos, ao passo que, no âmbito do Direito Internacional, ambas as modalidades são consideradas tratados. O Direito Constitucional dos EUA classifica os acordos interna-cionais como: tratados, acordos executivos congressuais e acordos executivos presidenciais.

- Tratados: devem ser obtidos através de aconselhamento e consentimento do Senado.

- Acordos Executivos Congressuais: são divididos em duas categorias, previamente ou subseqüentemente autorizados.

- Acordos Executivos Presidenciais: são os celebrados pelo Poder Executivo com base em uma autorização constitucional especí-fica, como pela cláusula de "comandante-em-chefe" das forças armadas.

73 In “A lei dos Estados Unidos da América (EUA) em face do regionalismo e do multilateralismo”

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

38

A Constituição dos EUA determina que o presidente do país possui o poder para, através do aconselhamento e consentimento do Senado, assinar tratados, desde que dois terços dos senadores presentes concordem.

O poder para celebrar tratados é, portanto, dividido entre o Executivo e o Legislativo do governo dos EUA. A função do Se-nado é aconselhar e consentir sobre a assinatura de um tratado; as funções do presidente são celebrar, ratificar ou concordar com a assina-tura de um tratado. O Senado pode incluir uma ou mais condições para o seu consentimento, requerendo que o tratado seja emendado pelo presidente, ou que o presidente imponha certas reservas. O presidente somente poderá ratificar o aceder ao tratado com as alterações propos-tas pelo Senado.

Essa sistemática bipolarizada do poder de celebrar tratados teve o condão de tirar a credibilidade dos negociadores internacionais dos EUA, diante da constatação de que o respectivo tratado resultante poderia muito bem ser retalhado pelo Senado daquele país. Evi-dentemente, os tratados comerciais, por sua vasta complexidade e por cobrirem ampla gama de interesses, são os mais vulneráveis a genera-lizadas modificações.”

Acordo executivo:

São acordos de especificação, detalhamento ou suplementação, deixados à apreciação dos governos pactuan-tes.

Segundo Adherbal Meira, os acordos em forma simplificada podem assumir três formas:74

- Presidential agreements: Assumidos pelo “Presidente da República como executor de leis, Chefe do Executivo e único órgão da política externa do país”.

- Executive agreements: Tem base na autorização constate do tratado. No tratado consta previsão de que o tra-tado se torna obrigatório apenas com a assinatura.

- Congressional executive agreements: Tem base em autorização legal ou em uma resolução comum.

Para Hidelbrando Accioly, a dispensa de ratificação só pode acontecer, via de regra quando o compromisso internacional trata de matéria executiva. Para Accioly pode ser ela dispensada:

- Quando o tratado prever;

- Nos acordos para cumprimento ou interpretação de tratado já devidamente ratificado;

- Nos acordos sobre assuntos meramente administrativos que prevejam eventuais modificações;

- Nos tratados sobre meio ambiente (umbrella-treaties), quando eventualmente seja permitida dispensa de ratificação de alguns protocolos;

- No modus vivendi que tem a finalidade de deixar as coisas no estado em que se encontram ou estabelecer bases para negociações futuras.

No rumo do entendimento de Accioly e Celso Mello, nos acordos executivos há restrição em razão da maté-ria.

Segundo o entendimento de Charles Rousseau, a verdadeira diferença entre os tratados em sentido estrito e os acordos em forma simplificada é que nestes últimos não existe a ratificação. Entretanto, nada impede que um acordo executivo seja ratificado e nem por isto, em função da matéria que trata, deixaria de ser acordo em forma simplificada. Todavia, um grande número de acordos bilaterais internacionais entra em vigor sem que haja ratifica-ção.

O que caracteriza ainda estes acordos é o fato de não serem apreciados pelo Congresso. O tratamento a ser dado a estes acordos varia com o sistema constitucional em que se manifestam.

Classificação segundo Celso Mello

Segundo Celso Mello o acordos em forma simplificada podem ser classificados em:

. Militares: concluídos pelos comandantes militares;

. Técnicos: assinados pelos altos chefes da administração

74 Tem-se como base o direito americano.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

39

Pressupostos constitucionais do consentimento

O consentimento no tratado é sempre ato de governo e este deve sempre proceder em conformidade com os ditames da ordem interna. O ato de consentimento – assinatura, ratificação, adesão – deve estar sempre em con-formidade com a ordem constitucional do Estado contratante.

A verificação da compatibilidade do tratado com a ordem interna é de competência do Poder Legislativo, com raríssimas exceções (quando não há manifestação do Legislativo, mas tão somente do Executivo).

A grande questão que envolve os acordos em forma simplificada é a de que quando um tratado se torna obrigatório apenas com a assinatura e assim com o consentimento apenas do P. Executivo, não há a aprovação do Poder Legislativo, o que poderia levar a obrigação do Estado a cumprir disposições contrárias aos ditames de sua ordem interna.

A Convenção de Viena sobre Tratados prevê em seu artigo 46 que:

“(...) Um Estado não pode invocar o fato de seu consentimento em obrigar-se por um tratado ter sido manifestado em violação de uma disposição do seu direito interno sobre competência para concluir tratados, como causa de nulidade de seu consentimento, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental.

Em ainda em seu inciso3:

“(...) Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado ou qualquer organização internacional que procede, na matéria, em conformidade com a prática normal dos Estados e, se for o caso, das organizações internacionais e da boa-fé.

Assim, a regra geral é a de que os Estado não pode invocar como causa de nulidade do tratado celebrado que seu consentimento foi exarado em manifesta violação ao seu direito interno, SALVO quando a violação diga respeito a uma regra interna de natureza fundamental.

Efeitos

Os mesmos efeitos dos tratados em devida forma.

Obrigatoriedade

Três correntes dividem o entendimento sobre o fundamento da obrigatoriedade dos tratados:

a. São válidos porque se fundamentam em uma competência própria dos que o concluíram;

b. São válidos já que a obrigatoriedade decorre do direito público do Estado, havendo uma delegação tácita de competência feita pelo chefe de Estado;

c. Existe um costume neste sentido (Celso Mello).

DIREITO INTERNCIONAL E DIREITO INTERNO

O Tratado é instrumento de direito internacional, passando a obrigar internacionalmente as partes contratan-tes após completa sua fase de elaboração, vale dizer, após sua assinatura pelos plenipotenciários e posterior ratifica-ção75.

75 Levando-se em conta o que foi abordado sobre os acordos em forma simplificada.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

40

- Efeito direto e aplicabilidade imediata - Tratados auto-executáveis (selft-executing) e que dependem de regulamentação (non self-executing)

1) Tratados self-executing: produz efeitos no plano interno independentemente de qualquer lei complementar, podendo ser aplicado diretamente pelo Juiz.76 Cria, no plano interno, direitos e obrigações aos particulares.77

a - Capaz de produzir efeitos no plano interno sem que haja necessidade de lei complemen-tar, podendo ser aplicado diretamente pelo juiz.

b – Cria direitos e obrigações para os indivíduos e podem ser aplicados pelos Tribunais do Estado.

Na prática é a definição da Corte Suprema dos EUA que vigora. Segundo a Corte, são tra-tados que operam por si mesmos, mas que podem, em alguns casos, necessitar de implementação pela lei interna.

2) Tratados non self-executing: só produz efeitos após a prática de determinados atos exigidos pela ordem in-terna (Brasil). Necessária a implementação de legislação.

O sistema adotado pelo Brasil não consagra o princípio do efeito direito do Tratado e nem o da apli-cabilidade imediata (self-executing). O primeiro seria o da aptidão da norma internacional repercutir, desde logo, na esfera jurídica dos particulares, gerando direitos e obrigações. O segundo seria o da vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna.

No Brasil, no entanto, enquanto não se completa o ciclo de transposição da norma internacional para o di-reito interno, não pode esta ser invocada desde logo em benefício dos particulares, com vistas a gerar os direitos e obrigações nela fundados, bem como também não poderá ser aplicada de imediato no Brasil .

A Constituição brasileira é omissa no que diz respeito ao conflito de norma interna e internacional, dispondo apenas sobre as competências em seus artigos 84, VIII e 49, I.

Conflito entre Tratado Internacional e lei interna

Duas teorias eternizam a problemática que envolve a questão do conflito entre fontes do D.I., mais especifi-camente no que diz respeito ao conflito entre leis e Tratados.

Segundo Celso Mello, o primeiro estudo sistemático a respeito do tema foi feito por Heinrich Triepel, em 1899, partindo da concepção de que a o DI e o Di, são “noções diferentes”. São independentes e não possuem qual-quer área comum. Deste entendimento nasce a corrente dualista.

1. Teoria Dualista:

Preconizada por Heinrich Triepel e Dionisio Anzilotti, séc. XIX, a teoria dualista foi o resultado do primeiro estudo realizado sobre a existência de um conflito entre normas de D.I.

A teoria foi desenvolvida a partir de uma análise detalhada das características peculiares ao direito interno e ao direito internacional, concluindo, a final, tratar-se de ordens jurídicas distintas e independentes e que apenas tan-genciam-se, “posto que as relações que regem são diversas.”

Segundo Triepel, os sistemas jurídicos internacional e interno são esferas diferentes , separadas , tratando-se uma ordem dual, onde as duas ordem são ”noções diferentes” do direito.

76 Duynstee, Tammes, Evans e outros.. 77 Rigaux, Sorensen.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

41

DI Di D.Internacional

D. interno

Para Triepel, a primeira diferença entre as ordens é quanto às “relações sociais”. Na ordem internacional o Estado é o único sujeito de direito, enquanto que na ordem interna surge o homem.

A segunda diferença seria quanto aos fundamentos das duas ordens. O Direito interno teria origem na von-tade dos Estados e no DI, o direito teria origem na vontade coletiva dos Estados.78

A terceira e última diferença diz respeito a estrutura das duas ordens: a interna baseia-se em um sistema hie-rárquico, de subordinação e o internacional, na cooperação.

Triepel divide ainda o sistema jurídico em duas ordens diferentes, segundo dois elementos presentes em am-bos, o conteúdo e a forma.

Esta teoria leva a teoria da incorporação. As normas internacionais só serão aplicadas na ordem interna se forem transformadas em norma interna, integrando-a ao direito interno.

Os dualistas entendem que a ratificação só irradia efeitos no plano internacional, sendo necessária a edição de ato jurídico interno para que o tratado passe a irradiar efeitos no Direito interno.

2. Teoria Monista

Esta teoria tem como precursor Hans Kelsen. Os monistas preconizam não ser admissível a existência con-temporânea de dois sistemas jurídicos válidos, o interno e o internacional, sendo um dependente do outro. Vale dizer que os que defendem esta teoria não admitem que a ordem interna e internacional sejam ordens independentes, mas, pelo contrário, que a ordem jurídica interna e a internacional se superpõe, gravitando uma dentro dos limites da ou-tra.

Para os monistas, não existe diferenças fundamentais entre as normas de DI e as de Di e a própria noção de soberania é relativizada79 e dependente de certa forma do DI.

D.Internacional

D. interno

Muito embora Kelsen preconizasse a superioridade da ordem internacional (monismo radical), pela consa-gração do princípio do pacta sunt servanda, reconhecia que na prática a internalização da norma internacional ficaria na dependência do direito interno de cada país, podendo surgir conflitos entre as normas (monismo moderado). Desta forma, a teoria monista ramificou-se em três outras:

A) A que defende a primazia do direito internacional sobre o direito interno (hegelianismo). . O Estado teria soberania absoluta, não se sujeitando a nenhum sistema jurídico que não emane de sua vontade; . Jellinek: “o direito internacional é um direito estatal externo” . Nega a existência de um DI autônomo.

78 Corrente positivista-voluntarista. 79 Celso Mello.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

42

B) A que defende a primazia do direito interno sobre o internacional. . Defendida pela escola de Viena (Kelsen, Vendross...) . A norma fundamental (grundnorm) seria de DI; . A norma fundamental seria a costumeira: pacta sunt servanda; C) A que defende a equiparação entre o direito internacional e o interno (monismo moderado).

No contexto das três correntes que diversificaram os entendimentos, Hans Kelsen optou pela que procla-mava a primazia do direito internacional sobre o direito interno.

KELSEN ENTENDIA QUE HAVIA UM DIREITO INTERNACIONAL NATURAL, TAMBÉM CHAMADO DE

TEÓRICO E NÃO-VOLUNTÁRIO, QUE PODIA SER ENTENDIDO COMO “UM COMPLEXO DE NORMAS INTERNA-CIONAIS QUE EXISTEM INDEPENDENTEMENTE DA VONTADE DOS ESTADOS E DENTRE ELAS VIGE, PRINCIPAL-MENTE, A MÁXIMA PACTA SUNT SERVANTA”. ESTE DIREITO NATURAL SE SOBREPORIA A VONTADE DOS ESTA-

DOS. ESTA SERIA A BASE PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA DA PRIMAZIA DO D.INTERNACIONAL SOBRE

O DIREITO INTERNO. NO ENTANTO, KELSEN ADMITIA QUE NA PRÁTICA A PREVALÊNCIA DE UMA SOBRE A

OUTRA DEPENDERIA DAS REGRAS DEFINIDAS EM CADA ESTADO.

No Brasil, a doutrina tendeu para o monismo absoluto (radical), no que se refere ao conflito entre tratado e lei interna (Haroldo Valladão, Oscar Tenório, Celso Albuquerque e etc...) - com algumas exceções (Amilcar de Cas-tro). .

Quando abordamos a questão do conflito entre norma interna e internacional, algumas questões se fazem indispensáveis ao debate.

Primeiramente, devemos ressaltar que só poderá haver conflito entre normas devidamente concluídas.

Em segundo lugar, existem normas de direito internacional que não entram em conflito com o direito inter-no, seja em função de sua finalidade ou conteúdo, como aquelas que dependerem de suas próprias normas internas para serem executadas. Em suma, não podem ser objeto de conflito, os tratados não-executórios, só podendo haver contrariedade entre norma interna e normas internacionais auto-executórias.

Para ser obrigatório internacionalmente, o tratado negociado na esfera diplomática, assinado pelos chefes de Estado ou plenipotenciários, será levado à aprovação do Congresso Nacional, sendo então ratificado pelo Poder Executivo.

A controvérsia existe quanto ao ato que implicará na obrigatoriedade do Tratado na ordem interna. Esta se dá com a publicação do decreto legislativo e com a ratificação pelo Executivo, que avaliará da conveniência e opor-tunidade de que o Tratado vigore, ou se seria imperiosa a promulgação por Decreto do Presidente da República e sua conseqüente publicação.

O consenso jurisprudencial é no sentido de que a resposta encontra-se na Carta Magna de 1988 (vide Agravo Reg em Carta Rogatória nº 9279-4).

O sistema adotado pelo Brasil e consagrado pela Carta Magna, prevê que os tratados internacionais serão recepcionados pela ordem interna, com status de lei ordinária (lei federal), após uma série de atos revestidos de caráter político-jurídico, resultantes da conjugação de duas vontades, senão vejamos:

a) Congresso Nacional, através de decreto legislativo (art. 49, I da CRFB); b) Presidente da República, que tem poderes para celebrar Tratados e de promulgá-los mediante decreto

(art. 84, VIII da CRFB)

Assim, entende a jurisprudência dominante que posteriormente a aprovação congressual e a ratificação com o depósito do instrumento/Troca de notas pelo Executivo, deve ser promulgado o Decreto Presidencial (decreto executivo) que deverá ser publicado no órgão oficial, para então ser conferida a executoriedade necessária ao ato internacional, que passará a vincular e obrigar no plano normativo interno. (ADI nº 1.480-DF )

Assim, segue abaixo o iter procedimental:

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

43

1. Negociação. 2. Assinatura. 3. Ratificação do Tratado pelo chefe de Estado, ou plenipotenciários, com o competente depósito do

instrumento/Troca de instrumentos (obriga internacionalmente). 4. Aprovação pelo Congresso Nacional, através de Decreto Legislativo, atestando que o conteúdo do

tratado não fere nosso ordenamento jurídico (art. 49, I da CRFB). O Processo de tramitação é quase o mesmo das leis, com algumas diferenças.

5. Promulgação pelo Presidente da República, através de Decreto Presidencial. 6. Publicação oficial do texto em Português.

Como lição, nos ensina Charles Rousseau in Principes généraux du droit internacional public, “O tratado é obrigatório, em virtude da ratificação; executório, em face da promulgação e aplicável em conseqüência da publicação.”

Uma vez publicado o decreto presidencial, o Tratado incorporado a ordem normativa pátria, passa a ter força de lei ordinária federal (STJ / Resp nº 263.551-PR)). Deve-se entender que a promulgação do decreto e sua publicação não transformam o Tratado em lei interna – que, segundo a corrente dualista radical, seria necessário para a obrigatoriedade do tratado na ordem interna - mas somente lhe conferem força executória e o tornam obrigatório internamente. Uma vez obrigatório, deve ser aplicado. Deste fato, depreende-se que poderá haver conflito entre o decreto e a lei interna que dispuser contrariamente a ele. Como se resolve este conflito?

Primeiramente, há de se destacar e reiterar que se verifica uma verdadeira ausência de dispositivos consti-tucionais que disponham sobre a solução ao conflito entre Tratado e norma interna. Assim, a doutrina e a jurispru-dência traçam o rumo da matéria.

Doutrináriamente, entre dualistas e monistas ,várias correntes disputam o assunto:

- A primeira equipara a norma convencional (Tratado), promulgada por decreto, à norma legal, posto que a própria Constituição quanto determina a competência do STJ para conhecer do Recurso Extraordinário, não estabe-lece hierarquia entre Tratado e lei. Assim, o tratado promulgado por decreto estaria em igualdade hierárquica com a lei. A regra para esta hipótese de conflito seria a lex posteriori derrogat priori. Neste caso, admite-se a responsabi-lidade internacional do Estado pela violação ao Tratado ratificado, ao qual ele obrigou-se. Há quem não admita tal posição, diante da incoerência por parte do Estado, uma vez que comprometeu-se internacionalmente, para, em seguida, editar lei contrária ao que convencionou. Esta seria a corrente monista moderada, trilhada por Campos Batalha.

- A segunda corrente, defendida por Hildebrando Accioly, Haroldo Valladão e outros, entende que o Trata-do é norma especial e a lei, norma comum. Neste sentido, a contrario senso do que prevê o princípio de que a lei especial derroga a geral, o direito especial não pode ser derrogado pelo direito geral, não podendo o Tratado ser re-vogado por lei., bem como este revogaria lei comum anteriormente editada que o contrariasse. Seria esta a corrente monista radical com primazia da ordem internacional e que têm como lastro o Art. 98 do CTN..

- Uma terceira corrente, dualista, admite que o Poder Judiciário estaria obrigado a aplicar o Tratado e a lei vigente, de acordo com o que determina a Constituição. Não se admitiria a revogação do Tratado pela lei ou vice-versa, posto que ambas normas em questão teriam sido constituídas por processos legislativos diversos.

A tendência jurisprudencial em nosso País , a princípio, era simpática a corrente monista radical com prima-zia da ordem internacional. A partir de 77, no RE. Nº 80.004-SE, a Jurisprudência do STF passou a tender para a corrente do monismo com primazia da ordem interna, exceto em matéria tributária, na qual a tendência tem sido em primar pela aplicação dos Tratados.

Por fim, é de se concluir que será a jurisprudência nacional quem irá definir o rumo de nosso direito quanto a solução dos conflitos entre normas internas e internacionais. Ora tenderá para um monismo radical (com primazia do D.I.), segundo o qual os tratados devem prevalecer sobre as leis internas, ora para um monismo moderado, en-tendendo pela aplicação da norma interna, afastando a internacional quando contraditória.

Tratado internacional e Constituição

Sob o enfoque dualista não existe conflito entre Tratado e Constituição, posto não haver conflito entre a or-dem internacional e a interna, devendo o Tratado ser transposto para ordem interna através de ato complexo. Mas, é no campo do monismo que estes podem surgir. No entanto, eram raríssimos os julgados nos quais se tenha discutido

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

44

o conflito entre Tratado e Constituição, mas, tão somente, quanto a tratados anteriores a Constituição. O entendi-mento em nosso país era no sentido de não permitir a aplicação de Tratados sobre matéria em geral posterior contrá-rio a Constituição, nada se resolvendo no que diz respeito àqueles anteriores a Carta Magna.

Tratados sobre Direitos Humanos

A moderna doutrina do Direito Internacional dos Direitos Humanos (Flavia Piovesan, Nadia de Araújo e outros) já vinha entendendo no sentido de aceitar a aplicação imediata dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos (DDHH) na ordem interna, segundo previsto no § 1º do ar. 5º da CRFB, defendendo, inclusive, sua natu-reza materialmente constitucional, com fundamento no § 2º do mesmo art. 5º da CRFB (cláusula aberta80) e ainda forte no princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Segundo Flavia Piovesan, os Tratados sobre Direitos Humanos têm hierarquia constitucional conferida pela conjugação do disposto nos artigos 4º, II, 5º, § 2º e 1º, III , todos da C.R.F.B. Em contrário, a jurisprudência do STF ( HC 72.131-RJ e RHC 79.785-RJ) entende pela natureza infraconstitucional das normas internacionais de DDHH.

A Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 08 de dezembro de 2004, trouxe a previsão de que os tra-tados e convenções internacionais que tratem de direitos humanos serão equiparados às emendas constitucionais, desde que haja a aprovação, em dois turnos, de três quintos dos votos dos membros das duas casas legislativas. Sem sobra de dúvidas esta inovação despertou muita discussão na doutrina jurídica pátria.

Para os que defendem a natureza materialmente constitucional dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, o § 3º do art. 5º da CRFB, inserido pela E.C. nº 45, vem a interpretar o § 2º do mesmo artigo, já que prevê que as normas internacionais que forem votadas pelas duas casas, em dois turno, por 3/5 de seus membros, equiva-lerão à emenda constitucionais, introduzindo a natureza formalmente constitucional destas normas. Neste rumo, os tratados já ratificados e que passem pelo processo previsto no § 3, serão material e formalmente constitucionais81

O que vem se defende em sede de direito internacional dos DDHH é que todos os tratados que versem so-bre esta categoria de direitos (fundamentais) são materialmente constitucionais, por força do que reza o § 2º do art. 5º da CRFB, que deve nortear a hermenêutica constitucional. Este entendimento escora-se no fundamento de que os § 2º e § 3º do art. 5º devem dialogar, até porque o novo parágrafo não revogou o anterior, servindo-lhe como norma interpretativa, e também de que não devem ocorrer anacronismos, como um protocolo adicional a tratado apenas materialmente constitucional, ser introduzido no ordenamento jurídico como norma material e formalmente consti-tucional, com status de emenda constitucional.

Moderna doutrina:

Art 5º, § 1º da CRFB: incorporação automática (monismo);

Art 5º, § 2 da CRFB: materialmente constitucional;

Art 5º, § 3º da CRFB: formalmente constitucional.

Em suma , a moderna doutrina do Direito Internacional defende a perfeita integração entre o direito inter-nacional e o direito constitucional, afirmando que a “abertura internacional passa a ser elemento caracterizador da ordem constitucional contemporânea82

Por fim, concluindo, no mundo crescem as tendências ao monismo, ou seja, a imediata aplicação de tratados ratificados, o que por si só geraria direitos aos particulares, não havendo necessidade da interferência do poder legis-lativo. No Brasil, vigora um sistema misto, aquele dos tratados tradicionais (não de direitos humanos), segundo o qual a internalização da norma internacional depende da conjunção de duas vontades (política e jurídica) e aquele dos tratados sobre DDHH, do qual se tratou nos parágrafos acima.

80 Bloco de Constitucionalidade: constituído por normas e princípios não positivados. Vai além do que o simples texto positiva-do na Constituição. Os direitos previstos em tratados sobre DDHH, dos quais o Brasil faça parte (ratificação), comporiam a categoria dos direitos constitucionais expressos , ao lado daqueles previstos nos incisos I a LXXVII da Constituição e daqueles classificados como implícitos, que seriam os subtendidos nas garantias previstas no art. 5º bem como os decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição (Flavia Piovesan). 81 Neste sentido, Flavia Piovesan, Agustín Gordillo, Hildebrando Accily, Marrota Rangel dentre outros. 82 Antonio Augusto Cançado Trindade.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

45

UUnniiddaaddee 77

Teoria das Organizações Internacionais • O Estado, a sociedade internacional e as organizações internacionais • Conceito e definição de organização internacional • Elementos constitutivos das organizações internacionais • Origem histórica e evolução das organizações internacionais • A proliferação das organizações internacionais • Inventário classificatório das organizações internacionais • Personalidade Jurídica das organizações internacionais • A questão da soberania estatal e as organizações internacionais

TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS Na sociedade internacional contemporânea é nítida a interdependência dos Estados, que necessitam coope-rar entre si na busca da solução das questões internacionais a serem enfrentadas. Neste contexto, é indispensável à compreensão acerca do que vem ser organização internacional, sujeito de Direito Internacional Público característico do século XX, e que vem ganhando cada dia mais importância no cenário internacional, dadas às necessidades im-postas pelas realidades e os deveres de cooperação entre os Estados, já que são mais eficazes na defesa de interesses comuns. Hoje há cerca de 238 83 O.I.I. (Organizações Intergovernentais Internacionais). As Organizações Internacionais foram criadas e integradas por Estados soberanos, e por eles dotadas de personalidade própria em direito das gentes.84 As OI´s contribuem para a “cooperação entre os Estados-membros, envolvendo a criação de um espaço social e até físico, no qual as negociações de curta, média e longa duração podem ser realizadas, além de uma máquina administrativa que traduz essas decisões em realidade.”85 É fato que as OI´s contribuem para a criação de normas de DI e ainda “fornecem mecanismos para garantir a aquiescência a essas nor-mas, além de possuírem diversos mecanismos de monitoramento dos Estados. Este ambiente é propício à expectati-va de reciprocidade, e o próprio auto-interesse dos Estados pode levá-los a se comportarem em conformidade com normas.”86

Origem histórica

A maior parte das OI´s que conhecemos hoje surgiu na segunda metade do século XX, mas a história nos mostra que já no século XIX elas demonstram sinais de sua existência.

O concerto Europeu, sistema de conferências iniciado pelo Congresso de Viena de 1815, criado após o fim das guerras napoleônicas, é reconhecido pela doutrina como sendo o marco das modernas OI´s. As conferências de Viena eram importantes fóruns de debates entras as grandes potências da época (Prússia, Áustria, Rússia, Grã-Bretanha e depois a França). Nestas conferências se consolidaram as regras da diplomacia, distribuiu-se sobre o poder no sistema de Estados, decidiu-se sobre às regras do imperialismo, formulou-se uma legislação internacional para a manutenção da paz entre os Estados, dentre outros temas. Este sistema de conferências teve como base a concepção de que as potências tinham responsabilidades e direitos especiais.

No final do século XIX, outro importante marco: a conferência sobre desarmamento convocada pelo Czar russo Nicolas II, o chamado sistema de Haia (1899 e 1907). Esta conferência foi de vital importância para a socieda-de internacional, pois buscou criar regras racionais para lidar com os conflitos internacionais e ainda plantou as se-mentes para a criação no futuro, da Liga das Nações e da ONU.

83 CAN, ICAO, IAEA, ITU, UPU, MERCOSUL, OEA, OCDE, OMC, OIT, OMS, OPEP, OTAN, ONU ... 84 F. Rezek. 85 HERTZ, Mônica e HOFFMANN, Andréa. Organizações Internacionais – história e práticas. Ed. Campus. 86 Idem

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

46

No mesmo período, a União dos Estados Americanos foi pioneira na criação de uma organização regional com tradição institucional. Tinha como membros os Estados americanos e visava uma cooperação no sentido de limitar a autonomia dos EUA para intervir nas Américas.

Ambas as iniciativas forma interrompidas pela 1ª guerra mundial.

Sob um outro aspecto, o século XIX ainda foi marcante. Com o desenvolvimento econômico e tecnológico vivido àquela época (barco a vapor, estradas de ferro, telégrafo e etc.) vislumbrou-se um número razoável de organi-zações funcionais, como a União Telegráfica Internacional (1865) e a União Postal Universal (1874).

Foi a criação da Liga das Nações, no final da 1ª grande guerra, o evento impulsionador das OI´s, muito em-bora estivesse fadada ao fracasso. A Liga das Nações será tratada em unidade específica.

É após o final da segunda guerra, com a crença nas formas pacíficas de solução de conflitos que as organiza-ções internacionais assumem papel relevante e tomam força na condução dos problemas internacionais.

O século XX é marcado pelo forte desenvolvimento das forças econômicas, por grandes avanços tecnológi-cos e científicos e pelo aumento significativo no número de Estados e esta realidade torna-se propícia a proliferação das Organizações Internacionais, que hoje atingem diversos campos da vida internacional.

É neste período que surge a mais importante das OI´s universais, a ONU, em 1945 e a OEA em 1948. Surge ainda neste início de século, a OTAN, buscando um contrapeso na ofensiva soviética. No entanto, outras importan-tes organizações encerraram suas atividades, como o Pacto de Varsóvia, com o fim da guerra-fria. Criou-se, em 1994, a OMC e em 1946, a OIT, dentre várias outras. Em 1992, consolida-se a primeira verdadeira união entre os Estados, a União Européia e em 1994, o Mercosul ganha personalidade jurídica internacional.

Conceitos e Definições

- Sereni: “organização internacional é a associação voluntária de sujeitos de Direito Internacional, constituída por um ato internacional e disciplinada nas relações entre ás partes por normas de Direito Internacional, que se reali-za em um ente de aspecto estável que possui um ordenamento jurídico interno próprio e é dotado de órgãos e insti-tutos próprios, por meio dos quais realiza as finalidades comuns de seus membros, mediante funções particulares e o exercício de poderes que lhe foram conferidos.”

- Ricardo Seitenfus: “É associação voluntária entre Estados, constituída através de um tratado que prevê um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que a compõe, com o objetivo de buscar interesses em comum, através da cooperação entre seus membros..”87

- Guido Fernando da Silva Soares: “As Organizações intergovernamentais, resultam de um ato de vontade dos Estados, consubstanciado num tratado internacional, bilateral, ou como regra, multilateral, estritamente regido pelo Direito Internacional.”

- Art. 2º da CVT: definição simplista

Características

Segundo Ricardo Seitenfus:

a) Multilateralidade:

Pode ser caracterizada pelo regionalismo ou universalismo. Nas palavras de Ricardo Seitenfus, o re-gionalismo impõe espaço físico delimitado, onde a contigüidade geográfica é umas das principais, mas não decisiva, característica. As Organizações Internacionais universalistas não fazem discriminação de origem, de organização política ou de localização de seus membros.88

Deve haver uma congruência com relação aos compromissos assumidos pelos Estados, de forma que aqueles de âmbito regional não podem confrontar-se com os de âmbito universal.

b) Permanência:

As OI´s devem ter por objetivo duração indefinida. Isto não significa que não possam desaparecer, ou que um de seus membros não possa retirar-se ou ainda que não possam ser reformadas, mas pressupõe que de-vam ter duração por tempo indeterminado, ou seja, não deve haver qualquer limite temporal à sua atuação.

87 Manual das Organizações Internacionais, 2ª edição. Livraria do Advogado. 2000. 88 Manual das Organizações Internacionais.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

47

Esta característica se expressa também na criação de um Secretariado, “com sede fixa, dotada de personalidade jurídica internacional”.89

c) Institucionalização:

O grau de institucionalização das OI´s ainda não alcançou seu limite máximo, de modo que as rela-ções entre os Estados ainda não se fez substituir pelas relações entre as OI´s.

Segundo Seitenfus, são três os elementos da institucionalização:

1) Previsibilidade de situações (visa à estabilidade do sistema internacional): as OI´s em seus tratados constitutivos prevêem “fatos e condutas que virão a materializar-se na realizada e atribuir-lhe conseqüências, inclusi-ve, entre elas, sanções internacionais. Cria-se um verdadeiro espaço institucional de solução de conflitos e de relacio-namento estatal”.

2) Soberania: a participação de um Estado em uma OI pode levá-lo a reavaliar a intensidade de sua soberania.

A possibilidade de visualização da característica institucionalização, se faz de forma mais simples a-través da existência de um secretariado geral e na sua forma mais complexa na delegação de competência dos Esta-dos membros para um órgão supranacional. (Ex. Comissão Européia na UE)

Outros autores tratam de outras características, como ter personalidade internacional desde sua efe-tiva entrada em funcionamento (Celso Mello e parecer da CIJ de 1949).

Elementos constitutivos

- Constitui-se por uma associação livre (voluntária);

- É interestatal e assim o Estado é seu membro constitutivo. No entanto, nada impede que tenha membros que não os Estados, como a OMC que tem como parte signatária a União Européia (Comunidades Européias à épo-ca – 1994);

- Pressupõe interesses comuns entre seus membros;

- Constitui-se por um tratado internacional (tratado-constituição);

- Devem ser estabelecidos órgãos permanentes;

Classificações

Segundo Celso Mello e R. Seitenfus, as OI´s classificam-se quanto à natureza em:

1) Políticas: tratam de questões conflitivas, agindo para a manutenção da paz (ONU e OEA);

2) Técnicas: são organizações especializadas, têm sua atuação relacionada à cooperação técnica em áreas específicas e descartam, em princípio, questões políticas. As atuações são delineadas pela natu-reza dos problemas a serem enfrentados coletivamente;90

Quanto à sua composição, podem ser de:

1) Alcance universal: buscam o maior número possível de membros, sem restrições geográficas, culturais, econômicas ou qualquer outra (ONU);

2) Alcance regional: Os membros identificam-se seja no aspecto geográfico, cultural ou econômi-co (OUA, OEA, UE e MERCOSUL);

Segundo R. Seitenfus, as OI´s classificam-se ainda:

1) Segundo suas funções:

89 Idem 90 BIRD, FMI, OMPI, FAO, ONUDI, OMC, OIT, OMS, UNESCO, UPU,UIT, OACI, OMI, OMM, AIEA, OMT

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

48

- OI´s de concertação: não recebem delegação de competência. Atuam através de 4 for-mas distintas:

- Visam aproximar posições dos países membros, utilizando-se de diplomacia par-lamentar (OCDE). Atuam através da opinião pública, procurando ajustar posições e tomar decisões compatíveis com os interesses de todos.

- Visam congregar esforços para adotar normas comuns (Human Watch, OIT e outros);

- Visam ações operacionais, quando há urgência em solucionar crises nacionais ou internacionais oriundas de catástrofes naturais, conflitos internacionais, guerras ci-vis e pesquisas conjuntas em áreas de interesse dos membros;

- OI`s de gestão, que prestam serviços aos Estados-membros, principalmente no campo da cooperação financeira e de desenvolvimento (FMI, BIRD E BID).

2) Segundo a estrutura da poder. Esta classificação leva em contra as regras para tomada decisões, que pode ser:

a) Unanimidade e consenso:

A unanimidade stricto sensu, vem sendo substituída por outras modalidades, dada à dificuldade e lentidão para ser alcançada.

- Unanimidade stricto sensu: Manifesta-se pelo voto de todos; - Unanimidade formal: é a busca pelo consenso, que é como um não-voto, ausên-cia de objeção;

- Consenso menos um: garante a um dos membros a possibilidade de não executar uma decisão de princípio, não aceita por ele em seu território;

- Consenso menos dois: garante que na hipótese de conflito entre dois Estados-partes, estando ambos inconformados com a decisão, a mesma alcançara sua eficá-cia.

b) Maioria:

- qualitativa: atribui-se a cada membro um coeficiente;

- quantitativo: cada membro representa um voto.

c) Voto ponderado: introduzido pelas OI´s de concertação, cooperação e financiamento econômico. É calculado com base nas cotas que cada membro possui.

d) Sistema tripartite da OIT: sui generis. Cada país tem direito a 4 votos, dois do governo, um patronal e um dos trabalhadores.

Personalidade Jurídica: As OI´s são uma nova entidade, “algo externo e distinto em ralação aos Estados”91, e embora gozem de certa autonomia, suas ações ainda estão atreladas às atitudes individuais ou de grupos de Estados. Para garantir as OI´s direitos e deveres da vida internacional, transformando-as em sujeitos de direitos, é imprescindível demarcar as características desta personalidade jurídica internacional. Para Reuter92, “a personalidade jurídica de direitos das gentes não é a fonte da competência das organiza-ções, mas seu resultado”. Assim, seria só através da constatação de que o tratado constitutivo de determinada OI lhe tenha definido órgãos com competências próprias, o que indicaria autonomia da organização em relação à individua-lidade dos Estados, é que se poderia afirmar que o tratado lhe tenha efetivamente garantido personalidade jurídica.

91 Ricardo Seitenfus 92 Paul Reuter in F. Rezek.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

49

É possível afirmar, com base na doutrina, que os tratados constitutivos das OI´s nunca manifestaram a pre-ocupação dos Estados sobre sua personalidade jurídica, já que na verdade ao constituírem-na já estariam outorgando a ela parcela de sua soberania, permitindo que expressasse a vontade comum de seus membros. A controvérsia acerca da existência da personalidade jurídica das organizações, no caso específico da ONU, findou com o parecer de 11 de abril de 1949 da Corte Internacional de Justiça:

“...A Corte anuncia em seguida algumas observações preliminares sobre a questão que lhe é colocada. Ela se destina a definir certos termos da demanda de consulta. Após ela analisa o conte-údo da formula “qualidade para apresentar uma reclamação internacional”. Esta qualidade perten-ce certamente a um Estado. Pertence ela também à Organização? Isto equivale a perguntar se a or-ganização se reveste de personalidade internacional. Para responder a esta questão que não está re-solvida expressamente pela Carta das Nações Unidas, a Corte considera em seguida as caracterís-ticas que a Carta entendeu à Organização. A este respeito, a Corte constata que a Carta confere à Organização os direitos e obrigações distintas de seus membros. A Corte sublinha, por isso, a alta missão política da Organização: de manter a paz e a segurança internacionais. Ela conclui que a Organização, sendo titular de direitos e obrigações, possui uma larga medida de personalidade in-ternacional e que ela tem capacidade de agir no plano internacional mesmo não sendo ela certa-mente um super-Estado...”

A Corte conclui que a ONU, como organização internacional, tem personalidade jurídica, mesmo que distin-ta daquela de seus membros, já que são estabelecidos no documento constitutivo da Organização, direitos e deveres. No entanto, a Corte admite que os direitos e deveres atribuídos à Organização por seu ato constitutivo devem depender de seus objetivos e funções, enquanto que os Estados possuem a totalidade dos direitos e deveres inter-nacionais reconhecidos pelo Direito Internacional. Neste sentido, tomando como base a ONU, a Corte estendeu a todas as organizações personalidade e capa-cidade jurídicas, desde que sejam estas orientadas para alcançar os objetivos contidos em seus tratados constitutivos. Pode-se então concluir que:

A) As OI´s, por possuírem direitos e deveres estabelecidos em seu ato internacional constitutivo têm personalidade jurídica internacional e capacidade para exercê-los, nos limites dos objetivos delineados em seu documento constitutivo e que devem ser por elas alcançados;

B) A plenitude dos direitos e deveres reconhecidos pelo DI é atribuída aos Estados.

Sobre esta questão conclui Seitenfus que “as organizações internacionais são sujeitos mediatos ou secundá-rios do direito internacional, porque dependem da vontade dos seus membros para a sua existência e para a concre-tude e eficácia dos objetivos por ela perseguidos.”.

Para Rezek, o direito de convenção – direito de celebrar tratados – atribuídos às OI´s em seu próprio nome seria o mais expressivo elemento indicativo da personalidade. Criação das OI´s As Organizações surgem, via de regra, de um tratado multilateral negociado em uma conferência internacio-nal e dependem, para sua entrada em vigor, de um determinado número de ratificações, estabelecido no próprio tratado. Diferentemente dos Estados, as OI´s não têm território ou população93 e assim devem firmar acordos de sede, para que seja estabelecido um Estado anfitrião, no qual centralizará suas atividades.94

93 Vide Seitenfus. Hoje já se questiona esta característica, já que a União Européia sujeita os cidadãos dos Estados- partes à sua jurisdição supranacional. Obviamente, nos limites da parcela das competências atribuídas a ela. 94 Nada impede que seja estabelecidos diversos lugares.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

50

Competências São aquelas estabelecidas nos tratados constitutivos e que segundo Seitenfuns95 se dividem em normativa, operacional e impositiva. Analisaremos apenas a competência normativa, dada sua relevância. - Competência normativa Podem ser dirigidas ao exterior (a Estados não membros e a outras OI´s) e ao interior da própria organiza-ção. a) Com relação ao exterior (normas originárias), as OI´s têm as seguintes competências: - Celebrar convenções . Tratados firmados com Estados, membros ou não, ou com outras OI´s; b) Com relação ao interior (normas derivadas): - Editar regulamentos . Destinam-se aos Estados membros, com a função de coordenação, buscando

uniformizar condutas em situações comuns. (Ex: EU 96, regulamentos sanitários da OMS e outros);

- Editar recomendações . São apresentadas como simples resoluções e sua relevância jurídica é discutível

(soft law).

95 Vide Manual das Organizações Internacionais, pg. 57/74. 96 Tratado de Maastricht: “Artigo 249.o (ex-artigo 189): “Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tra-tado, o Parlamento Europeu em conjunto com o Conselho, o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, to-mam decisões e formulam recomendações ou pareceres. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros. A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar. As recomendações e os pareceres não são vinculativos.”

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

51

QUADRO DAS OI´S

Especializadas Cooperação econômica Organização americana Organizações não americanas O. Universal

FMI ALADI OEA UNIÃO EUROPÉIA ONU OMPI BID OCDE FAO SELA CONSELHO DE EUROPA ONUDI ODECA OTAN OMC MCCA OSCE OIT CARICOM G7 UNESCO PACTO ANDINO G-2297 OMS NAFTA *98 OUA UPU MERCOSUL UIT OACI OMI OMM AIEA OMT

UUnniiddaaddee 88

Da liga das Nações à Organização das Nações Unidas • Liga das Nações • Origem

97 Grupo formado por 22 países com o objetivo de pleitear junto à OMC a redução dos subsídios agrícolas que os países desen-volvidos - especialmente os Estados Unidos da América (EUA) e a União Européia (UE) - concedem a seus produtores, bem como a eliminação de suas barreiras tarifárias e não tarifárias, que dificultam o acesso àqueles mercados pelos países em desen-volvimento. 98 Acordo de Cooperação. Não constitui OI´s nos moldes clássicos.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

52

• Tratado constitutivo • Características • Os Estados membros • Objetivos • Estrutura organizacional • A crise da Liga das Nações • A Organização das Nações Unidas • Origem • Tratado Constitutivo • Os Estados membros • Objetivos • A estrutura organizacional • A universalização • Contribuições para o desenvolvimento do Direito Internacional • Tentativa de unificação ideológica • As Nações Unidas como instrumento de desenvolvimento e de pacificação entre os Estados no âmbito da Socie-dade Internacional • Organismos Especializados A LIGA NAS NAÇÔES

Origem

Várias teorias surgem no intuito de explicar e fornecer soluções para os conflitos de âmbito internacional, dentre elas o idealismo moderno, que tem como precursor Woodrow Wilson (1856-1924), presidente americano, que desde 1913 queria acabar com as diplomacias de guerra. Contudo, apesar de ter ganhado o Prêmio Nobel da Paz, não conseguiu ratificar seus projetos para um acordo de Paz.

O presidente Wilson envia para as duas câmaras do congresso americano uma carta com 14 pontos que re-presentam hoje o discurso idealista das Relações Internacionais. Dentre os 14 pontos, o último é de especial inte-resse, pois era a idéia de Wilson a “Criação de uma Sociedade das Nações, que assegure a independência política e a integridade dos Estados grandes e pequenos.”

Esta idéia originou a Liga das Nações, fundada em 1919, que embora tenha fracassado no seu objetivo prin-cipal de manutenção da paz mundial, foi a primeira concretização de uma organização internacional dedicada à paz.

O idealismo político moderno era a teoria dominante na década de 20 e em parte na década de 30. Esta teori-a, criada com a Liga, pregava que a paz poderia ser alcançada por meio de um fórum comunitário que reunisse as nações em torno da convivência baseada no respeito às normas e regras do Direito internacional.

Este entendimento prevê que o reconhecimento prático dos direitos e obrigações cria uma comunidade, que por sua vez, não é criada por vontade própria, mas sim por necessidade de auto-proteção. Neste sentido, o pacto Liga das Nações é apenas um tratado entre os países signatários, contudo, um país não o tenha assinado também estaria a ela sujeito, visto que não exclui a participação deste na comunidade de nações, o que caracterizava seu u-niversalismo.

A sobrevivência do Estado, de acordo com esta teoria, depende exclusivamente da boa convivência, sendo a não observância das regras internacionais uma ameaça existencial. Consequentemente, esta não observância das regras leva ao conflito, pois resulta numa falha da convivência, e como não haveria alternativa para assegurar a paz, a não ser a força coercitiva, o paradoxo da sociedade das nações foi o primeiro sinal de fracasso.

Contexto

- Multipolaridade: vários pólos de poder

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

53

Tratado constitutivo

A criação da Liga das nações foi estabelecida no fim da 1ª guerra mundial, constando nos primeiros artigos do Tratado de Versalhes, que pos fim à 1ª geurra. O pacto que deu origem a Liga constituía a expressão dos interes-ses dos países soberanos de manter o seu status quo ao mesmo tempo com o projeto de administrar a ordem interna-cional de forma mais democrática e pacífica.

O pacto passou a vigorar em 1920, e suas primeiras conferências foram presididas pelas 5 grandes potências – Grã-Bretanha, Eua, Itália, França e Japão.

Estrutura organizacional

A estrutura organizacional da Liga contemplou um poder executivo, um judiciário e um legislativo. O Con-selho era o órgão executivo, formado pelos 4 membros permanentes – Grã- Bretanha, França, Itália e Japão. Na assembléia todos os membros estavam representados, com direitos a votos. As decisões eram tomadas por unanimi-dade, expressando assim a proteção ao direito de soberania.

Além dos órgãos administrativos, a Liga possuía uma Corte permanente de Justiça Internacional, com 11 juizes e com papel preponderante na ordem internacional e respeito as normas de direito internacional.

Crise da Liga

O contexto político em que a Liga das Nações funcionou não favoreceu o seu sucesso, diante do ambiente hostil no qual os derrotados da primeira guerra mundial haviam sido humilhados, tanto por sanções econômicas, devoluções de territórios anexados e a não participação efetiva na organização. Enquanto a França queria um exérci-to para a Liga, os ingleses e americanos eram contra. O entra e sai dos países membros da Liga também foi funda-mental para o seu fracasso. Os Estados Unidos tiveram sua participação vetada pelo Congresso. A Alemanha entrou em 1926 e saiu em 1933, o mesmo ocorrendo com o Japão e com a URSS. Finalmente, a Liga não conseguiu ajudar a China, quando da invasão japonesa da Manchúria, e por fim, as bases ideológicas idealistas estavam sendo abando-nadas por um nacionalismo crescente, dando origem a uma explosão do nacional socialismo na Alemanha e na Itália – Nazismo/ Fascismo, e por fim com a eclosão da segunda guerra mundial.

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - Origem Após o fracasso na Liga das Nações, o tema segurança coletiva ainda era pauta para a sociedade internacio-nal. Durante a segunda guerra, a preocupação com os princípios que deveriam reger as relações internacionais após o seu fim era constante. Em janeiro de 1942, com a entrada dos EUA e da URSS na guerra, já se prevendo a vitória eminente contra o Eixo (Alemanha), realizou-se a Conferência de Washington, na qual os Estados (China, URSS, EUA e Reino Uni-do) reiteraram (Declaração de 1942) os princípios contidos na Carta do Atlântico, acordando ainda a criação de uma organização internacional, na qual os Estados soberanos vencedores estariam unidos fazendo frente ao Eixo. Ficou estabelecido na conferência que a Alemanha, Itália e Japão estariam impedidos de participar da OI. Ainda durante a 2ª guerra, em outubro de 1943, realizou-se a Conferência de Moscou durante a qual os alia-dos (EUA e Reino Unido e outros) reiteraram seu interesse na criação de uma OI baseada na igualdade entre os Es-tados soberanos, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais. Um texto contendo os principais dispositivos da futura carta da OI foi submetido à Conferência de Durbar-ton Oaks em 1944 que deveria ser aprovado pelas grandes potências, o que iniciou grande debate, já que a OI pre-tendia ser universal e assim não poderia deixar de ter seu texto também aprovado por outros Estados. Diferentemente da Liga das Nações, na qual reinava o espírito da verdadeira igualdade entre os Estados na condução dos objetivos que pretendia alcançar, a nova OI teria suas decisões originadas de um pequeno e seleto

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

54

grupo de Estados, as potências vitoriosas que teriam as condições necessárias (capacidade militar)- a manutenção da paz e da segurança internacionais, além do fato de que as potências realmente desejavam manter uma posição privi-legiada na OI. Tratado constitutivo Em 25 de junho de 1945, 51 países assinaram a Carta de São Francisco, tratado que constituiu a Organiza-ção das Nações Unidas, dentre os quais alguns países da Ásia, poucos da África, já que vários ainda não haviam se tornado independentes. O Brasil aprovou a Carta da ONU em 4 de setembro de 1945, pelo Decreto-lei 7.935 e a promulgou em 22/10/1945, através do Decreto 19.841, quando passou a ser membro. A ONU passou a funcionar a partir de 24 de outubro de 1945, quando ratificada pela maioria dos signatá-rios. Definição A ONU é organização internacional, sendo a arena mais universal para a negociação de normas internacio-nais, mas que também assume posições e produz idéias dentro dos limites estabelecidos pelos Estados que a consti-tuíram. Estados membros A ONU conta até o presente momento com 19699 países membros, tendo sido Montenegro a última adesão em 28/06/2006. Os Estados membros dividem-se em: - Originários: art. 3º da Carta. . Os 50 membros signatários que participaram da Conferência de São Francisco ou que

assinaram previamente a Declaração de 1942. - Todos os demais amantes da paz: art. 4º (cláusula aberta) . Por decisão favorável da Assembléia geral e recomendação do Conselho de Segurança100.

Objetivos (propósitos e princípios)

- Motivos que levaram à criação da ONU . Preâmbulo: “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser

humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas...” (...) “ e para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, e unir nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais e a garantir que a força armada não será usada a a não ser no interesse comum...”

- Consagra a ilegalidade do uso unilateral da força, exceto quando utilizado individual ou coletiva-mente para defender um interesse comum.

- Objetivos: art. 1º da Carta da ONU . Paz e segurança internacionais: “a idéia essencial consiste na possibilidade de existirem ações pre-

ventivas por parte das nações unidas. Por conseguinte a ONU não pretende agir somente de forma a restaurar a paz, mas igualmente tomar iniciativas que impeçam sua ruptura. Neste caso o inimigo a combater não será apenas a guer-ra, mas a ameaça de guerra.”101

99 Em junho de 2006, existem 201. Liechtenstein e Mônaco não são parte da ONU. 100 Serão estudados adiante. 101 Ricardo Seitenfus.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

55

. Igualdade de direitos e autodeterminação dos povos: a busca pelo desenvolvimento de relações a-mistosas entre os Estados tem como base o respeito aos princípios da igualdade jurídica entre eles e no da autode-terminação dos povos. Com relação à preservação do princípio da autodeterminação dos povos, a ONU estabeleceu um sistema de tutela visando proteger os territórios ainda sob dominação e leva-los a alcançar a independência e ao desenvolvimento. O art. 83 da Carta, excepciona a atuação do sistema de tutela quando tratar-se de zona estratégica, ficando a aprovação das condições da tutela subordinada ao Conselho de Segurança.

. Cooperação para resolver problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou hu-manitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos (...)102: Para alcançar este objetivo, a Carta, em seu art. 61, prevê a criação do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), “que é o órgão principal de coordenação das atividades econômicas e sociais da ONU e de seus organismos e instituições especializadas – que constituem o que chamamos de sistema (ou a família) das Nações Unidas”103

. A ONU deve funcionar como um ponto de encontro de todos os Estados da Sociedade Interna-cional, cujo objetivo é o de orientar e harmonizar as suas atividades particulares no sentido de um objetivo comum.

- Princípios gerais: Art. 2º da Carta da ONU A universalidade dos princípios consagrados na Carta da ONU, assegura o intento da organização de que se-

jam aplicáveis à toda sociedade internacional, constituindo um verdadeiro tratado-constituição, já que contem princí-pios fundamentais a ela.

1) Igualdade soberana dos Estados: Trata-se em verdade de igualdade jurídica e não econômica,

política ou social. É princípio geral do DI, segundo o.qual, todos os Estados devem gozar dos mesmos direitos e deveres. Sofre contradição, já que se reflete na estrutura da Assembléia Geral, na qual cada Estado tem direito a um voto, mas perde significado com o Conselho de Segurança, cujos membros permanentes (big five) possuem poder de veto que representa a própria concepção aristocrática inicial da Organização;

2) Boa-fé nas relações nas relações entre os membros da ONU e no cumprimento das obrigações

que delas resultam. A Convenção de Viena sobre tratados estabelece em seu art. 26 que os Estados devem cumprir as obrigações oriundas de um tratado em vigor, de boa-fé.

- Discute-se a possibilidade da ONU fazer exigência do cumprimento deste princípio aos Estados que não são parte da ONU. O item 6 do artigo 2º da Carta expressa o ideal da ONU de fazer com que os Estados não membros ajam de acordo com princípios por ela consagrados, inclusive o da boa-fé nas obrigações assumidas. No entanto, como exigir de um Estado que não ratificou a Carta da ONU (art. 26 da CVT) a obediência aos seus princípios? Há quem entenda que o princípio da exigência de cumprimento pelos Estados não membros pode ser aplicado se no intuito de alcançar a paz e a segurança internacionais, mas é inegável que diante da soberania estatal só se poderia exigir dos Estados não membros a obediência a este princípio quando partisse de uma delibera-ção dos próprios. (v. artigo 35, 2);

3) Solução pacífica dos conflitos entre Estados: capítulo VI; 4) Vedação à guerra da conquista. Este princípio consagra o respeito à integridade territorial e ao

governo (independência política). Importa ainda em renuncia ao uso da força, o que remete ao item anterior; 5) Assistência à ONU em qualquer ação a que ela recorrer (assistência positiva) e abstenção

de auxílio ao Estado contra o qual a ONU agir de modo preventivo ou coercitivo (assistência negativa). Neste sentido, confirmasse o entendimento de que um Estados neutro (Suíça) não deve integrar a ONU, já que as-

102 Vide quadro de estrutura da ONU. 103 Trecho retirado do site da ONU (un.org) na página do ECOSOC.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

56

sim fosse estaria ele obrigado a prestar assistência, inclusive com envio de forças armadas. Os Estados neutros de-vem abster-se de discussões bélicas;

6) Fazer com que os Estados não membros cumpram os princípios previstos na Carta. Já

abordamos as questões relativas a este princípio no item 2. É princípio universalista e deve estar vinculado ao objeti-vo de manutenção da paz e segurança internacionais;

7) Não intervenção. Este princípio visa garantir a autodeterminação e a soberania estatal. No en-

tanto, este princípio encontra sua exceção no disposto no capítulo VII que trata das ações relativas a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão. Estas medidas são deferidas pelo Conselho de Segurança na hipótese de existência de ameaça à paz ou de sua ruptura, ou ainda de atos de agressão por parte de um ou mais Estados (atos que extrava-sem a jurisdição estatal), que poderá decidir pela aplicação do emprego das forças armadas ou de interrupção, com-pleta ou parcial, das relações econômicas. A intervenção permitida pelos artigos 39 e seguintes da Carta é de exclusi-va competência das Nações Unidas como um todo e não de um só Estado.

- O princípio do domínio reservado, analisado no item acima, encontra fundamento no res-peito a assuntos que dependam essencialmente (melhor exclusivamente) da jurisdição estatal. Quais seriam, segundo a doutrina, os assuntos essencialmente internos?

. Critério jurídico: não constitui assunto de jurisdição interna aquele objeto de trata-do internacional (bilateral ou multilateral) firmado pelo Estado. Quando firmam tratados “os Estados assumem obri-gações internacionais que limitam o que seria o seu direito soberano de decidir por si próprios”104

. Critério político: há questões que, em princípio, são de relevância interna, mas que podem se tornar de relevância internacional quando a sua existência afete as relações internacionais, mais concreta-mente, afete a paz e a segurança internacionais.” Este critério sofre a crítica de ser menos preciso, apoiando-se na eventual repercussão internacional de questões internas. Estrutura organizacional (vide quadro abaixo) Órgãos principais: capítulo III da Carta.

1) Assembléia geral: capítulo IV da Carta das N.U. . Membros: todos os Estados-Membros, com direito a um voto, estão representados na Assembléia Geral. Cada membro é representado por no máximo 5 delegados e 5 suplantes; . Funções: - Discutir e fazer recomendações sobre qualquer assunto/questão dentro das finalidades da ONU, em especial as que afetem a paz e a segurança internacionais, exceto quando uma questão estiver sen-do apreciada pelo Conselho de Segurança; - Examinar e fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação para a manu-tenção da paz e segurança internacionais, inclusive sobre desarmamento e regulamentação de armamentos; - Elaborar recomendações sobre a solução pacífica de qualquer litígio internacional; - Iniciar estudos e formular recomendações visando promover a cooperação política inter-nacional, o desenvolvimento do direito internacional e a sua codificação, o reconhecimento dos direitos hu-manos e das liberdades fundamentais para todos, bem como a colaboração econômica, social, cultural, edu-cacional e na saúde; - Receber e apreciar os relatórios do Conselho de Segurança e dos demais órgãos; - Formular recomendações para o acerto pacífico de toda a situação, qualquer que seja a sua origem, que possa prejudicar as relações amistosas entre as nações;

104 Pareceres de 30-05/50 e de 18/7-50 da CIJ (tratado de paz entre Bulgária e Romênia).

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

57

- Controlar, através do Conselho de Tutela, a execução dos acordos de tutela, exceto quan-do as regiões forem consideradas estratégicas (art. 83); - Eleger os 10 membros não permanentes do Conselho de segurança, os 54 membros do ECOSOC e os membros do Conselho de Tutela; participar com o Conselho de Segurança na eleição dos juí-zes da CIJ; e, por recomendação do C.S., nomear o Secretário-Geral; - Aprovar o orçamento da ONU da ONU; - Agir de acordo com a resolução Acheson (“Unidos para a Paz”), segundo a qual quando o Conselho de Segurança deixar de agir em face de uma aparente ameaça à paz, ruptura da paz e ou ato de a-gressão por falta de unanimidade entre seus 5 membros permanentes, a A.G. pode avocar para si a questão.

. Votação: art. 18 e 19 da Carta. - A A.G. vota em assuntos importantes por maioria de 2/3 em outras por maioria simples; - Cada membro tem um voto. . Manifestação: por resolução (são recomendações); . Sessões: anuais e especiais. A última ocorrem por exigência das circunstâncias;

2) Conselho de Segurança: capítulo 23 da Carta. A grande controvérsia que se estabelece é quanto a diferença de status entre os membros do C.S. . Membros - 15 membros divididos em: . 5 permanentes: EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China: art. 23 . 10 não permanentes, eleitos pela A.G: Argentina (até 2006), Grécia (até 2006), Qa-tar (até 2007). Republica do Congo (até 2007), Japão (até 2006), Eslovaquia (até 2007), Dinamarca (até 2006), Perú (até 2007), República Unida de Tanzanía (até 2006) e Ghana (até 2007). O membros têm mandato de até 2 anos. . Manifestação: decisão (art. 25) . Todos os Estados-membros devem submeter-se às decisões do C.S. - Os membros permanentes reúnem-se previamente. Os EUA, França e Inglaterra reúnem-se primeiramente, consolidando a posição ocidental (Instância P3), e depois reúnem-se a Rússia e a China (Instância P5). Este modo de atuação, pode resultar em um bloqueio da atuação coletiva; . Votação: - Cada membro terá um voto: art. 27. - Membros permanentes: unanimidade, o que consubstancia um verdadeiro poder de veto; . Questões processuais: voto de 9 membros; . Outros assuntos: voto de 9 membros, incluindo os 5 votos dos membros perma-nentes; . Regulamento interno: adotado pelo próprio Conselho. . Participação nas discussões do C.S. de membros que não sejam do Conselho ou de Estados não membros: participação sem direito a voto (art. 31) . Funções: - Principal responsabilidade: manutenção da paz e da segurança internacionais, de acordo com os propósitos e princípios da Carta: art. 24 da Carta; - Examinar qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos internacionais; - Recomendar métodos para o acerto de tais controvérsias ou as condições para a solução;

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Prof.ª Ana Luiza Gama e Souza 2006.2

58

Corte Internacional de Justiça . Sede: Haia; . Art. 7º e 33, II e 92 e sgts da Carta das N.U; . Estatuto da CIJ: membros eleitos pela A.G e C.S. da ONU.* . Jurisdição: Estados que são partes do Estatuto. Outros só com a aprovação do C.S; . Reconhecimento da jurisdição: art. 36, II* . Competência: art. 36 (v. art. 36,II, c e d); . Fontes: art. 38 . Sentença: efeito inter-partes (art. 59). É decisão definitiva e inapelável. Cabível apenas pedido de revisão (art. 61).