Dimensionamento de consolos de concreto com o auxílio de modelos de bielas e tirantes

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Dimensionamento de consolos de concreto com o auxlio de modelos de bielas e tirantes - Parte I: fundamentosDaniel Miranda SantosEGT EngenhariaFernando Rebouas StucchiEscola Politcnica da Universidade de So Paulo e EGT EngenhariaO modelo de bielas e tirantes uma ferramenta de clculo baseada no teorema esttico da teoria da plasticidade que permite o dimensionamento de elementos ou regies especiais de estruturas de concreto armado e protendido.Esse metdo teve incio com Ritter, em 1899, que props uma analogia de trelia para analisar as vigas de concreto armado. O seu desenvolvimento teve sequncia, principalmente, na Universidade de Stuttgart com Mrsch (incio do sculo 20), F. Leonhardt e foi generalizado por J. Schlaich e seus colegas (1987).Atualmente, a NBR 6.118:2007 - Projeto de Estruturas de Concreto - Procedimento e a NBR 9.062:2006 - Projeto e Execuo de Estruturas de Concreto Pr-Moldado permitem ou prescrevem o uso de modelo biela-tirante, mas necessitam de regras mais amplas e bem definidas.Fundamentao tericaTeorema esttico ou do limite inferior da teoria da plasticidadeSegundo o teorema esttico da plasticidade, um carregamento (Qs) atuando sobre uma estrutura, que gera um campo de tenses que seja esttica e plasticamente admissvel, um limite inferior do carregamento (QR) que leva a estrutura ao colapso, ou seja:Qs QRPor campo de tenses estaticamente admissvel se entende que as condies de equilbrio esttico so satisfeitas, e por campo de tenses plasticamente admissvel que os critrios de resistncia dos materiais so respeitados.O teorema do limite inferior da plasticidade produz solues seguras desde que as suas hipteses sejam respeitadas.Regies B e D de uma estruturaAs regies B so aquelas em que a hipotse de Bernoulli-Euler, de que a deformao especfica () distribuda linearmente ao longo da seo transversal, vlida. Essas regies so dimensionadas ou verificadas pelo equilbrio da seo transversal, ou seja, os esforos internos podem ser determinados por meio de mtodos seccionais j consagrados.As regies D so aquelas em que as deformaes tm distribuio no linear na seo transversal e os mtodos seccionais no so mais aplicveis. Exemplos de regies D dentro de uma estrutura so mostrados nafigura 1.

Figura 1- Exemplos de regies D: a) geomtricas, b) estticas e c) geomtricas e estticas. Fonte: Schlaich e Schfer (2001)

Definies e princpios de dimensionamento com o auxlio de bielas e tirantesPor modelo de bielas e tirantes se entende uma idealizao estrutural na qual a estrutura real se assemelha a uma trelia equivalente, segundo a qual se calculam, dadas as aes, os esforos axiais de cada elemento. Essa trelia deve satisfazer as hipteses do teorema do limite inferior da plasticidade discutido anteriormente. O clculo dos esforos axiais nos elementos permite dimensionar as armaduras necessrias e verificar a capacidade das bielas e dos ns.Em modelos de bielas e tirantes, as bielas representam os campos de tenses de compresso, os campos de tenses de trao so representados por uma ou mais camadas de armadura ou por tirantes de concreto, e os ns so os volumes de concreto em que as foras que agem nas bielas e nos tirantes se encontram e se equilibram.A resistncia trao do concreto, normalmente, desprezada, mas em algumas situaes a capacidade portante dos elementos s pode ser explicada pela resistncia trao do concreto (como, por exemplo, no caso de lajes sem estribo e ancoragens de barras).O teorema do limite inferior assume que qualquer equilbrio uma soluo desde que a deformao plstica infinita seja possvel. No entanto, o ao e especialmente o concreto permitem apenas deformaes plsticas limitadas, sendo necessrio adotar modelos adequados que produzam deformaes reduzidas e no violem a capacidade de rotao plstica em nenhum ponto da estrutura.Como a compatibilidade no precisa ser respeitada, podemos analisar o comportamento estrutural de um elemento por analogia de trelia. Alm do equilbrio, que primordial, os elementos da trelia (bielas, tirantes e ns) devem ter resistncia suficiente para suportar os esforos solicitantes. Alm disso, fundamental detalhar a estrutura de acordo com o modelo de bielas e tirantes adotado.

Figura 2- Exemplo de MBT baseado na trajetria das tenses principais em soluo elstica. Fonte: adaptado de Schlaich e Schfer (1991)

Figura 3- Campos de tenso de compresso bsicos: (a) prisma, (b) leque e (c) garrafa

A aplicao da teoria da plasticidade para o dimensionamento de estruturas de concreto implica a inexistncia de apenas um modelo possvel de ser adotado (ao contrrio da teoria da elasticidade, em que a soluo nica) e muito comum o mesmo problema ser resolvido de maneiras diferentes. Logo, a primeira e mais importante tarefa de um engenheiro de estruturas encontrar um modelo para uma determinada geometria e conjunto de cargas que seja adequado ao concreto estrutural. Para isso, Schlaich et al. (1987) apresentaram diversas propostas de modelagem de uma regio D.Em Schlaich et al. (1987), recomendado que, para garantir os requisitos de ductilidade, os modelos de bielas e tirantes sejam baseados nas direes das tenses principais determinadas por uma soluo elstica (figura 2).Adicionalmente, sugerida a adaptao de exemplos normatizados usando a geometria e as foras de uma dada regio D. Atualmente, existe um catlogo muito grande de modelos de bielas e tirantes que auxiliam o engenheiro na escolha daquele a ser adotado - veja Schlaich et al. (1987), Schlaich e Schfer (2001; 1991), Bosc (2008), FIP (1999) e Reineck (2005).Por fim, pode-se aplicar o mtodo da trajetria de foras, que no ser tratado neste artigo.Resistncia de bielas, ns e tirantes

Figura 4- Tipos de ns:a)CCC,b)CCT ec)CTT

BielasExistem trs tipos de configuraes de bielas: prismticas, em leque e em formato de garrafa (figura 3). Para bielas no fissuradas cujas deformaes ao longo da largura so uniformemente distribudas, a resistncia reconhecidamente:fcd,bie= c fcdA NBR 6.118 assume c= 0,85. Esse parmetro tem por objetivo levar em considerao a perda da resistncia do concreto sobre carga mantida (efeito Rsch), o ganho de resistncia do concreto ao longo do tempo e o efeito da diferena de formato entre o corpo de prova cilndrico e o elemento na estrutura.Se a deformao no for uniforme e o "bloco retangular" de tenses, na seo integral da biela, for utilizado em vez de uma relao tenso-deformao mais realista, um fator de efetividade deve ser utilizado, ou seja:fcd,bie= 0,85 v2 fcdO fator v2, normalmente, conservador e recomendado para utilizao em regies B ou interface entre esta e a regio de descontinuidade.Para bielas com trao transversal ao seu eixo, a resistncia reduzida, uma vez que existe um campo de trao e de fissurao que atravessa o campo de compresses.A NBR 6.118 no prescreve explicitamente as resistncias de bielas (e ns), embora permita ou prescreva o mtodo de bielas e tirantes. Os autores, aps anlise dos limites de diversas normas e cdigos internacionais para a resistncia da biela, propem para as normas brasileiras os valores databela 1.O valor de menor para concretos de alta resistncia (at 90 MPa) devido maior fragilidade do material. A definio de fcd2 consistente com a expresso de VRd2(item 17.4.2.3 da NBR 6.118) para resistncia de elementos ao esforo cortante.Foi proposto apenas um limite de resistncia da biela com trao transversal, pois (exceto em alguns casos bem especficos) difcil garantir a ortogonalidade da trao em todo o comprimento da biela.

Figura 5-a)trajetria das tenses principais em domnio elsticob)modelo de bielas e tirantes para consolo curto

NsA anlise dos ns fundamental nos modelos de bielas e tirantes. Esses elementos possuem estados de tenses diferentes e precisam ser verificados separadamente.Existem diversos tipos de ns e os mais importantes esto resumidos nafigura 4.Os ns CCC so aqueles em que apenas foras de compresso so equilibradas. Exemplos: apoio interno de uma viga contnua e quinas de consolos.Os ns CCT so aqueles que ancoram barras tracionadas em apenas uma direo. Exemplos: apoio extremo de vigas e regio de aplicao da carga direta em consolos.Os ns CTT so aqueles que ancoram barras tracionadas em duas direes. Esse tipo muito comum em ns de prticos e consolos submetidos a cargas indiretas.Os ns TTT so aqueles em que apenas tirantes confluem para o n. Deve-se prestar especial ateno ancoragem da armadura, e o confinamento do n com o auxlio de estribos ou quadros recomendado.A anlise da segurana de ns tipo CCT ser discutida com um pouco mais de detalhes nos exemplos da segunda parte deste artigo, que ser publicada na prxima edio deTchne.De forma similar resistncia da biela, so propostos os limites para a resistncia dos ns indicados natabela 2.Sugere-se, tambm, adotar as recomendaes do Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, que permite aumentar a resistncia do n CCT em 10% (fcd2-2= 0,8 v2 fcd), caso pelo menos uma das seguintes condies seja verificada: assegurada uma compresso triaxial;Todos os ngulos entre as bielas e os tirantes esto entre 55 e 68 (1,43 tg 2,5);As tenses introduzidas pelos apoios ou placas so uniformes e o n costurado por armaduras transversais;A armadura est disposta em mltiplas camadas.A justificativa para o aumento da resistncia do n CCT pode ser vista em Schfer (2010).No caso de n exclusivamente comprimido e com estado triaxial de tenso assegurada, pode-se substituir fckpor fck+ 4 1, sendo que 1 a tenso principal mnima.TirantesOs tirantes so elementos encarregados de suportar a trao do modelo de trelia e, normalmente, so representados por barras de ao (passivo ou ativo).A resistncia dos tirantes, desde que devidamente ancorados, dada pela resistncia do ao (fydou fpyd) e, portanto, deve-se verificar a seguinte inequao:Td/As fydou Td/Ap fpyd(3) extremamente importante, ao analisar uma estrutura pelo Modelo de Bielas e Tirantes (MBT), tentar assegurar que no estado limite ltimo (ELU) a armadura esteja escoando. Isso melhora a ductilidade do concreto estrutural.Aplicao em consolos

Figura 6- Modelo principal para a determinao da armadura do tirante

Modelo principalUm modelo de bielas e tirantes aplicado a consolo muito simples de definir e pode ser derivado das trajetrias de tenses principais em domnio elstico, conformefigura 5. Por simplicidade, podemos analisar o consolo (propriamente dito) isolado, assumindo o modelo indicado na figura 6. A partir das equaes de equilbrio, conclui-se que a fora vertical equilibrada na base do consolo e que, como mostra afigura 6:

e - excentricidade da fora vertical Fd devido fora horizontal Hdem relao ao eixo do tirante (figura 6).Por simplificao, a espessura do aparelho de apoio foi desprezada no clculo da excentricidadee.Assumindo que o n A hidrosttico e que a tenso solicitante igual tenso resistente, podemos determinar a1como sendo:

Na equao 9, b a largura do consolo. Alm disso, por semelhana de tringulos temos que:

Resolvendo a equao do 2 grau derivada da equao 10, temos:y = d - (d2 - 2 a1 a) (11) interessante observar que as equaes 4 e 5 so idnticas ao equacionamento de uma seo retangular submetida a uma flexotrao de grande excentricidade, cujo momento solicitante Msd= Fd. a e a fora normal Nsd= Hd. O dimensionamento da armadura principal pelas rotinas j conhecidas da teoria da FCN ser idntico ao modelo da figura 6 se for substituda a resistncia mxima de compresso fcdpor fcd1(tabela 2).Segundo o EC2, o modelo principal vlido para consolo curto (0,5 < cotg 1) e para consolo muito curto (0,4 cotg < 0,5), mas podemos aplic-lo at cotg = 2, desde que armadura vertical adequada seja dimensionada.Reineck (2005) prope uma verificao da capacidade de rotao do consolo por uma expresso similar da NBR 6.118:

Essa verificao extremamente importante, pois o intuito evitar que uma possvel ruptura do elemento seja provocada pelas tenses de compresso no n A sem que deformaes plsticas ocorram, ou seja, a finalidade inibir a ruptura frgil.

Figura 7- Modelo refinado para determinao das armaduras secundrias:(a)a/z < 0,5 e (b) a/z 0,5

Figura 8- Modelo de bielas e tirantes para carga concentrada prxima ao apoio extremoFigura 9- Modelo refinado baseado em Bosc (2008)

Modelos refinados e determinao das armaduras secundriasAfigura 7mostra dois modelos de bielas e tirantes distintos: o primeiro baseado no Model Code 1990 (MC90) e no EC 2; o segundo baseado em FIP (1999), Reineck (2005), MC90 e Schlaich e Schfer (2001).I) Segundo o MC90, a fora horizontal no caso de consolo muito curto (a/z < 0,5) determinada pela expresso (figura 7a):

Com o auxlio da equao 13 e utilizando o intervalo em que o modelo principal aplicvel para consolo muito curto (0,4 az < 0,5), chega- se concluso que:II) Segundo a FIP (1999), Reineck (2005), e MC90, no caso de consolo curto, a fora vertical que deve ser resistida por estribos verticais fechados :Onde:0,5 a/z 2Os estribos calculados com o auxlio da equao 15 devem ser distribudos em um comprimento aw, conformefigura 8. No entanto, pode-se estimar esse valor por aw = 0,85 a - z/4.III) Um modelo bem interessante para a determinao das armaduras transversais proposto por Bosc (2008), apresentado nafigura 9.Nele, a biela principal considerada com a forma de garrafa e a trao transversal determinada utilizando as expresses de bloco parcialmente carregado em zona de descontinuidade parcial ou total. Bosc se baseia nas equaes 16 e 17 do EC2, que determinam a trao transversal de bielas que tendem a "abrir", conforme afigura 10.No caso de regies de descontinuidade parcial (b H/2), a trao transversal do bloco parcialmente carregado (figura 10a) bastante conhecida:T = 0,25 F (1 - a/b) (16)No caso de regies de descontinuidade total (b > H/2), o EC 2 define a trao transversal como sendo:T = 0,25 F (1 - 0,7 a/h) (17)Como as espessuras da bielas nos ns so diferentes, no caso usual de zona de descontinuidade total, Bosc (2008) prope que seja considerada uma espessura mdia, ou seja:

Na equao 18, ab A ie e ab B ie so as espessuras das bielas nos ns A e B, repectivamente. Logo:

Uma vez que a trao ortogonal ao eixo da biela principal, Bosc (2008) determina as foras horizontais e verticais secundrias como sendo:Fwhd= 2 Fwd senFwvd= 2 Fwd cos - (20)As armaduras verticais e horizontais so calculadas pelas equaes:

A verificao da biela pode ser feita determinando a tenso de compresso mdia (figura 11), considerando considerando uma seo prxima da regio de trao transversal mxima. Por simplificao, podemos considerar a seo mdia (Bosc, 2008), ou seja:

E a verificao da segurana dada por:c,bie fcd2(23)ConclusesO artigo revisa resumidamente o modelo de bielas e tirantes aplicado a estruturas de concreto e mostra que esse mtodo aplicado a consolos de concreto simples, claro e intuitivo. Os modelos propostos neste trabalho servem de diretrizes para o adequado projeto de consolos de concreto.A determinao da armadura do tirante simples e considera o equilbrio dos esforos internos com as foras aplicadas. Alm disso, mostram-se critrios para a determinao das armaduras de costura e dos estribos necessrios. Por fim, proposto um critrio de verificao da resistncia compresso de bielas e ns que consistente com o modelo de bielas e tirantes adotado.

Figura 10- Parmetros para a determinao das foras de trao transversais num campo de tenses de compresso com armaduras distribudas. Fonte: adaptado de EC 2

Figura 11- Detalhes do modelo de bielas e tirantes de regio de descontinuidade total:(a)modelo,(b)tenses transversais e(c) tenses na direo da fora aplicada. Fonte: adaptado de Bosc (2008)

REFERNCIAS BIBLIOGRFICASCEB-FIP Model Code 1990. Comit Euro-internacional du Bton. CEB Bulletin 213/214, Thomas UK: Telford Ltd., 1993.Design and Detailing of Structural Concrete Using Strut-and-tie Models.Schlaich, J.; Schfer, K. The Structural Engineer, v. 69, n. 6, 1991, p. 113-125.Dimensionnement des Constructions Selon l'eurocode 2 l'aide des Modles Bielles et Tirants: Principes et Applications. Bosc, J. L. Paris: Presses de l'cole Nationale des Ponts et Chausses, 2008, 194p.Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings. European Committee for Standardization. EN 1992-1-1, Brussels, 2004.FIP Recommendations: Pratical Design of Structural Concrete. Fdration Internationale de la Prcontrainte. London: SETO, 1999.Konstruieren im Stahlbeton. Schlaich, J.; Schfer, K. Beton Kalender, Teil II. Berlin: Ernst & Sohn, 2001, p. 311-492.Model Code 2010. 2v. Fdration Internationale du Bton (fib). FIB Bulletin, n. 65 e 66, 2012.Modellierung der D-bereich von Fertigteilen.Reineck, K. H. Beton Kalender, Teil II. Berlin: Ernst & Sohn, 2005, p. 243-296.NBR 6.118 - Projeto de Estruturas de Concreto - Procedimento. Associao Brasileira de Normas Tcnicas. Rio de Janeiro, 2007.NBR 9.062 - Projeto e Execuo de Estruturas de Concreto Pr-moldado. Associao Brasileira de Normas Tcnicas. Rio de Janeiro, 2006.Nodes. Schfer, K. In: Structural Concrete - Textbook on Behavior, Design and Performance, 2a ed, v.2. FIB Buletltin, n. 52, 2010, p.281-300.Toward a Consistent Design of Structural Concrete. Schlaich, J.; Schfer, K.; Jennewein, M. PCI Journal, v. 32, n. 3, 1987; p.75-150.