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LETRAS JURÍDICAS | V. 3| N.2 | 2O SEMESTRE DE 2015 | ISSN 2358-2685 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA171

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Isadora Corradi Machado1

Carlos Augusto Teixeira Magalães2

RESUMO: O presente artigo objetiva avaliar, sob o viés do sistema prisional, a proteção ao preso à luz da Constituição Federal vigente, além das leis infraconstitucionais, abordando os pontos mais relevantes que envolvem esta questão na tentativa de demonstrar como o Brasil ainda apresenta sinais de escassez no tratamento digno à pessoa em privação de liberdade. Inicialmente, a fim de compreender o fenômeno social do tratamento com os apenados e seus reflexos negativos nas relações sociais, o presente estudo discorrerá sobre o contexto histórico no qual este fenômeno está inserido, bem como apontará os temas mais polêmicos quanto ao tratamento nas instituições carcerárias no país. Por fim, a partir do entendimento doutrinário, bem como mediante informações fornecidas por instituições oficiais do Estado, buscará demonstrar como a dignidade da pessoa humana é crucial para que o preso seja reinserido no contexto social sem maiores máculas causadas pelo sistema.

ABSTRACT: This article aims to evaluate, under the bias of the prison system to protect the prisoner, in the light of the current Federal Constitution, in addition to infra laws by addressing the most relevant issues surrounding this matter in an attempt to demonstrate how Brazil still has shortage of signs the fair treatment to the person deprived of liberty. Initially, in order to understand the social phenomenon of treatment with convicts and their negative effects on social relationships, this study will discourse about the historical context in which this phenomenon is in and appoint the most controversial points regarding the treatment in prison institutions in the country. Finally, from the doctrinal understanding as well as by information provided by official state institutions, it seeks to demonstrate how human dignity is crucial in order to reinsert the prisoner in the social context without major blemishes caused by system.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Penas. Sistema Prisional. Privação de liberdade. Direitos Humanos. Direito Constitucional. Direito Penal. Sociologia do Direito.

KEYWORDS: Dignity of human person. Prison sentences. Prison system. Deprivation of liberty. Human rights. Constitutional law. Criminal law. Sociology of Law.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Dignidade da Pessoa Humana aplicada a privação de liberdade: evolução histórica e conceito; 3 Realidade do Sis-tema Prisional Brasileiro; 4 Crítica e Possíveis Consequências; 5 Considerações Finais; Referências.

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende desenvolver o debate quanto a

eficácia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em face do sistema prisional vigente. Para tanto, iremos trazer à tona os direitos do apenado; como é o sistema prisional atual e como este deveria ser; discorreremos sobre os objetivos da pena privativa de liberdade e a eficácia ao fim deste tratamento institucional prisional.

Sobretudo, observamos que a custódia do preso pelo Estado é amplamente falha, constatados diariamente cenários de violência dentro dos presídios, atingindo os presos provisórios e também os já condenados definitivamente pelo Judiciário. Outro ponto preocupante e explorado é o tribunal do júri dos próprios detentos, ambiente em que novas sentenças e penalidades são aplicadas sem observância do mínimo de dignidade moral e física.

A dignidade da pessoa humana é por muitas vezes direito re-chaçado e mal visto pela, acreditando-se ser direito exclusivo dos de-tentos e ainda, repleto de regalias e benefícios sem motivação.

De fato, a visão social dos presídios e a forma como as penas são efetivamente cumpridas, por diversas vezes realizadas de forma mais gravosas do que a lei permite, é um constante conflito e a reali-dade necessita ser modificada.

O presente artigo, portanto, tem por escopo analisar criticamen-te, sob o viés da proteção digna ao ser humano elencada na Consti-tuição de 1988, na Lei de Execuções Penais e na Declaração Univer-sal de Direitos Humanos, a fim de destacar que todos somos iguais

perante a lei e tratamento humanizado deve ser abarcado para todos e qualquer um.

Primeiramente, o presente estudo discorrerá sobre o contexto histórico no qual este fenômeno está inserido, abordando sobre a evolução histórica das penas, bem como seus reflexos e como a lei pode ser efetivada.

Posteriormente, analisaremos em números as consequências do tratamento penitenciário brasileiro, demonstrando como a eficácia da legislação vigente é atitude benéfica para toda a sociedade.

2. AS PENAS: EvOlUÇÃO hISTóRIcA E cONcEITO

2.1. histórico mundial Para dar início ao estudo sobre a ineficácia da lei de execuções

penais e seus efeitos precarizantes nas condições de ressocialização do apenado, importante compreender o seu significado, bem como o contexto histórico em que este fenômeno social está inserido.

As civilizações mais antigas como Grécia, Babilônia, Egito e Pérsia guardam relatos da prisão utilizada apenas como método de contenção e sua finalidade se baseava na custódia e tortura dos con-siderados culpados.

Em Roma se estabeleceu o primeiro ambiente prisional na an-tiguidade, o Hospício de San Michel, também denominado Casa de Correção, utilizado para encarcerar e corrigir crianças indisciplinadas.

Até meados de 337 a.c., na Antiguidade, a prisão era reconhe-

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cida somente como instituto para aguardar o julgamento do acusado, ou seja, o cárcere era utilizado unicamente para proteger as pessoas. Sendo assim, as condenações não tinham como penalidade a prisão, mas sim castigos cruéis ou condenação à morte.

O aprisionamento da Idade Média até a Idade Moderna passou por diversas mudanças, sempre buscando a humanização das penas.

A Idade Média revolucionou ao trazer a prisão como uma mo-dalidade de apenar. Apesar de esporádicos, os aprisionamentos tor-naram-se sanções para os casos em que a mutilação era demasiada para aplicar em determinados casos.

O período de Inquisição da Igreja Católica Apostólica Romana, no período medieval, utilizava as penas de morte e o cárcere privado para punir os hereges a fim de alcançar uma correção aos valores espirituais, os monteiros iniciaram tal penalidade a fim de punir pri-meiramente os monges e clérigos, com o objetivo de aproximar-lhes mais de Deus.

A Idade Moderna, período compreendido basicamente entre os séculos XV ao XVIII, por sua vez, apresentou uma real diminui-ção das penas de morte e um significativo aumento das penas de privação de liberdade em decorrência da ineficiência para conter os índices criminais.

A House of Correction, construída na Inglaterra em meados de 1550, foi a primeira instituição carcerária com o intuito de punir os criminosos a partir de seu recolhimento, encarceramento.

A busca pelas penas mais brandas para o corpo reflete o cres-cente ideal de punir-se e não vingar-se do apenado, como explica Michael Foucault:

A prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão, a inter-dição de domicílios, a deportação- são penas “físicas”, mas a relação castigo-corpo não é idêntica ao que era nos suplícios. O corpo encontrava-se ai como instrumento. Segundo essa pe-nalidade o corpo é colocado em um sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo, não são mais elementos constitutivos da pena. (FOUCAULT, Michel- Vigiar e Punir, Editora Vozes, página 14).

Apesar do avanço das penas de privação de liberdade, ainda havia muita barbárie nas cadeias, considerando que não havia dis-tinção entre os detentos. Homens, mulheres, idosos, crianças, defi-cientes mentais e físicos dividiam celas e não havia nenhum critério de separação destes, além da permanência de algumas punições físicas- flagelo e açoite de membros.

A confluência de pensadores e de movimentos, sobretudo as obras de Beccaria e Howard, além do Iluminismo, foram cruciais para colocar um basta neste tratamento indigno aos humanos e fez surgir em vários lugares da Europa a supressão das penas capitais e injurio-sas, dado lugar as penas privativas de liberdade e aos institutos pri-sionais com intuito de ressocialização e reintegração dos presidiários.

Mister salientar que a humanização penal foi variável segundo cada ambiente, considerando a cultura de cada localidade, sobretudo porque todo processo é progressivo e único.

Com os castigos físicos desumanos e degradantes restou evi-dente que não era a gravidade destes que diminuiriam os índices de criminalidade. Sendo assim, cresceu no século XIX o questionamento sobre qual era a real pretensão das penas e, ainda hoje, a resposta permanece a mesma, conforme a Escola Positivista: prevenir a inci-dência de novos delitos.

Grandes estudiosos como Enrico Ferri, César Lombroso e Ra-fael Garófalo analisaram o criminoso de forma positivista, interligando áreas como psicologia, antropologia, sociologia e até mesmo medici-na a fim de construir um diagnóstico do criminoso.

As teorias por muitas vezes falhas dos positivistas cederam to-talmente após o início da Segunda Guerra Mundial.

2.2. histórico brasileiro No século XIX iniciou o surgimento das penas privativas de li-

berdade no Brasil. As prisões apresentavam celas individuais e ofici-nas de trabalhos, além da arquitetura característica próxima ao que temos hoje.

O Código Penal de 1890 abarcou novas penas de prisão, além de abolir as penas perpétuas, estipulando como tempo máximo de encarceramento 30 anos, tempo este estabelecido até hoje. Ainda, extinguiu-se as penas coletivas, acatando as penas restritivas de li-berdade individual. As opções de encarceramento eram prisão celular, prisão disciplinar, reclusão e trabalho obrigatório.

O Brasil se aproxima do Sistema Penitenciário Progressivo, tam-bém denominado de inglês ou irlandês. Criado na Inglaterra em mea-dos do século XIX, este sistema tem como escopo o comportamento e aproveitamento do encarcerado, analisando individualmente suas condutas e esforço despendido com trabalho, dividindo sua estadia na prisão em estágios, com a finalidade de propiciar liberdade condi-cional se passar por todas as fases com um rendimento satisfatório. Sendo assim, tal sistema induz o aprisionamento para uma recupera-ção do indivíduo, propiciando o bem maior individual e posteriormen-te, coletivo.

A legitimação social propiciou ao país um melhoramento da divi-são prisional, adotando parâmetros conforme a qualificação individual de cada preso. Desse modo, estes eram separados dentre os asilos de contraventores, estabelecimento que abrigava ébrios, mendigos, pessoas a margem da sociedade; os asilos de menores, por sua vez, acompanhava crianças marginalizadas que careciam de apoio coer-citivo contra a delinquência; as prisão ou ala de processados, presos que eram considerados inocentes ou com menor potencial ofensivo, distintos dos outros presos para preserva-lhe a integridade física e moral; manicômios criminais recebiam doentes mentais que haviam transgredido a lei e careciam de tratamento clínico constante; por fim, as mulheres eram separadas em ala carcerária específica.

A distribuição dos apenados é um aspecto que deve ser levado em consideração não só como poder de controle, mas, talvez princi-palmente, para preservação e recuperação do apenado. A racionali-zação do ambiente inovou na separação dos apenados em relação aos crimes, considerando o grau da infração e o a periculosidade do acusado. A separação dos encarcerados por sexo, idade e tipo de de-lito colabora para um maior entendimento e controle dessa categoria de indivíduo, aprimorando a forma de recuperação.

Atualmente, adotamos três tipos de pena vigentes, elencadas no Código Penal, sendo a pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa.

3. A DIGNIDADE DA PESSOA hUMANA EM PRIvAÇAO DE lIBERDADE

Expressamente elencado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana é um marco à Carta Magna elaborada em busca da defesa e realização de direi-tos fundamentais da coletividade e do indivíduo. Instituindo o Estado Democrático de Direito e destinando-se ao bem-estar, ao desenvolvi-mento, à igualdade e à justiça social, adotando uma linha de constitu-cionalismo contemporâneo.

A Constituição pretende assegurar, sobretudo, a integridade física e moral dos indivíduos, tornando-se o âmago dos direitos fun-damentais, a fonte jurídico-positiva dos demais ramos do direito, es-sencial ético, conferindo valores e idealismo para a prática do sistema

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dos direitos humanos embasados pela dignidade no sentindo mais amplo do ser, vejamos nas palavras de Wolfgang:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade in-trínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de di-reitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais míni-mas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da pró-pria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Hu-mana e Direitos Fundamentais - 2012, p. 62)

Mister ressaltar que o Brasil também incorporou demais tratados internacionais que visam os direitos humanos como proteção precí-pua. Sendo assim, o país é signatário dos mais solenes tratados, tan-to na Organização das Nações Unidas (ONU), quanto na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Alguns tratados internacionais como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamento ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degra-dantes; a Convenção Americana de Direitos Humanos; a Convenção sobre os Direitos das Crianças; a Convenção Americana sobre Direi-tos Humanos referentes à Abolição da Pena de Morte e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, além de serem as me-didas adotadas pela legislação infraconstitucional, são os principais norteadores da Carta Magna.

A Constituição vigente é o texto mais completo e humanitário para abarcar direitos a todos os cidadãos, sobretudo os apenados.

Demais artigos do texto constitucional, principalmente o artigo 5 º, referem-se ao tratamento digno e humano de forma generali-zada, mas há incisos que são claramente abarcados pelo devido processo legal penal.

Quando o artigo 5º da CRFB/1988 afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, afirma que qual-quer pessoa julgada e condenada deverá receber a pena equivalente a seu crime, sem auferir prejuízo ou regalias a ninguém. Mas a realida-de dos presídios é muito distante disso, como veremos logo a frente.

O inciso III do referido artigo 5º afirma que ninguém será sub-metido a tortura ou tratamento desumano ou degradante. Entretanto, mais um inciso é desrespeitado nos presídios e delegacias do país, sendo centenas os casos de abusos cometidos contra os presos pro-visórios e definitivos, além da violência ser física, sexual e psicológica.

O inciso X expõe que são invioláveis a intimidade, a vida priva-da, a honra e a imagem das pessoas, também abarcando os presos. Porém, tal inciso se faz inexistente em várias instituições prisionais. No presídio de Pedrinhas, localizado no Estado do Maranhão, a visita íntima dos detentos ocorre em ambiente aberto, no meio dos outros detentos, sem observar conceitos mínimos de higiene, intimidade e preservação do indivíduo.

Quando o inciso XXXVII afirma que não haverá tribunal de ex-ceção, não podemos fechar os olhos para a situação dos presos que são estuprados e aniquilados dentro das instituições prisionais em decorrência, comumente, de terem cometido crimes sexuais e/ou considerados inaceitáveis pela comunidade carcerária. Ainda, tem os crimes de tortura e homicídio praticados entre grupos rivais que ocupam o mesmo presídio. Apesar da tentativa de preservação dos presos, o Estado é sim ineficiente quando analisamos em números. Assim como o inciso LIII é ineficaz, uma vez que há presente dentro dos presídios um Tribunal paralelo, impondo penas e executando-as,

de forma livre e arbitrária.O princípio da anterioridade aplicado a lei penal, abarcado pelo

inciso XXXIX é um dos poucos que são seguidos, aparentemente, pelo judiciário brasileiro e não ocasionando reflexos negativos no sis-tema carcerário. Porém, quanto as penas sem prévia cominação legal não são seguidas pelos presos e pelo próprio Estado, aplicando-se penas físicas- como estupro, homicídio, tortura- além do próprio tra-tamento desumano das celas superlotadas, do abuso aos familiares dos presos quando das visitas ao parente preso, dentre tantos outros.

Assim, remetemos a outro inciso do artigo 5º, o XLV preleciona que a pena será personalíssima, não podendo passar da pessoa do condenado. Mas, quando analisamos os casos desses familiares que visitam os presos e são obrigados a passar por situações vexatórias e, ainda mais gravoso, os filhos de mulheres encarceradas que nascem nas prisões, que podem acompanhar essas mães por até sete anos de idade e sofrem com possíveis sequelas e carregam um estigma forte por terem sido colocados, mesmo que por meio de um direito do convívio materno, no ambiente prisional.

O inciso XLVII expõe que não haverá pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Infelizmente, o texto constitucional é composto por um dever ser que não é aplica-do no ambiente prisional vigente, muito pelo contrário, as penas de mortes e cruéis são realidade nos presídios do Brasil.

O inciso XLVIII traz outra preocupação, os presos devem cum-prir a pena em estabelecimento diferenciados, separando-os por na-tureza do crime, idade e sexo. Claro que não ocorre como na idade média, onde não havia nenhum tipo de distinção. Mas a separação dos apenados por tipo de crime é realidade pouco palpável, dada a dificuldade de separá-los em decorrência do escasso espaço livre nas penitenciárias, sempre superlotadas, assim como o critério de idade. O sexo é realmente o grande divisor, apesar de ainda apresentarmos casos como o ocorrido em Belém, onde uma jovem de 15 anos foi presa em uma cela com outros 30 homens por mais de 26 dias, co-locada a toda sorte- situação comprovadamente desumana e degra-dante, inadmissível.

Ainda, o inciso XLIX que afirma que os presos terão assegura-do respeito à integridade física e moral é mais um corriqueiramente desrespeitado dada a atualidade do sistema prisional e todos os seus problemas de superlotação e desdobramentos.

4. A INEFIcÁcIA DO SISTEMA PRISIONAl BRASIlEIRO O estudo mais recente sobre a realidade do sistema prisional

é o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, demonstra nu-mericamente todo o contexto que as instituições prisionais refletem e reúne dados de várias fontes oficiais.

No Brasil há 574.207 pessoas encarceradas, dentre essas 215.639 são presos provisórios, ou seja, ainda aguardando julgamen-to e já enfrentando as mazelas das prisões. Há atualmente uma média de 220.057 vagas faltantes no sistema, tornando a vida dos encarce-rados cada dia mais desumana.

Os dados mais recentes de despesas realizadas com a Fun-ção de Direitos da Cidadania e Subfunção de Custódia e Reintegra-ção Social foi de R$4.887.636.603,53 em 2013, em detrimento de R$2.385.972.802,73 em 2012. Estimasse que 0,1 do PIB é gasto com prisões e unidades de medidas socioeducativas, enquanto 1,26 é in-vestido em segurança pública e 3,97 é o custo social da violência.

Outro dado relevante é que a maioria dos presos tem faixa etária entre 15 e 29 anos, a etapa mais crucial de desenvolvimento edu-cacional e produtivo, representando 54,8% da totalidade dos presos. Espantoso também é que 93,9% dos encarcerados são homens, au-sentes nos ambientes de educacionais, escolares e familiares.

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Em 2013 o Brasil gastou R$258 bilhões em segurança pública e somente R$4,9 bilhões foram investidos em prisões e instituições socioeducativas. O maior gasto foi designado aos custos sociais da violência, decorrentes de perdas humanas, segurança privada, siste-ma de saúde e seguros.

Ao menos houve uma diminuição do número de policiais civis e militares mortos em serviço entre 2012 e 2013, enquanto no primeiro tivemos 160 perdas, em 2013 foram 121 mortos. Em contraste com o número de policiais mortos foram do de serviço, que em 2012 foram 287 e em 2013 foram 369 policiais vitimados. Números que, certamen-te, merecem ser repensados.

Mister salientar que o número de mortes de policiais se torna inexpressivo quando analisamos a quantidade de pessoas mortas pela instituição policial. Em 2012 2.332 pessoas foram mortas por po-liciais e em 2013 o número foi praticamente similar, com 2.212 perdas. Comparando a letalidade policial do Brasil com os Estados Unidos da América, observa-se que no nosso país, em apenas cinco anos (2009-2013) foram 11.197 mortes ocasionadas por policias, enquanto nos EUA, no interregno de 29 anos (1983-2012), o número de mortes chega a um total de 11.090. Resta evidente o despreparo do policia-mento e segurança brasileiros.

Vivenciamos uma crescente crise na segurança pública no Bra-sil. Em 2014 presenciamos rebeliões, mortes em prisões, linchamen-tos, greves do efetivo policial, manifestações contra a Copa do Mundo com fortes confrontos entre black-blocs, policiais e exército, marcadas por mortes e ferimentos de manifestantes. De fato, a pesquisa mostra limpidamente como é caótico a segurança pública no país, apresen-tando taxas em níveis surreais e absurdos que deixam a população cética e encarando os acontecimentos com normalidade.

4.1 O retorno à penalidade física e degradanteO Conselho Nacional do Ministério Público computou, no inter-

regno de 2012 a 2013,769 óbitos de encarcerados. Dentre estas mor-tes, foram classificados 110 homicídios e 83 suicídios, não havendo classificação para as demais 576 perdas humanas. Outros números que chamam a atenção da degradante penalidade física dos encar-cerados é o registro de 3.443 detentos feridos e outros 2.772 com lesões corporais.

O artigo 40 da Lei 7.210/1984, Lei de Execuções Penais (LEP), estabelece em seu caput que todas as autoridades estão sujeitas ao respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Ainda, o artigo 45 do mesmo título, em seu § 1º, afirma que não poderão haver sanções que coloquem em risco a integridade física e moral do condenado. Por fim, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos referentes à Abolição da Pena de Morte e a Con-venção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura também repudia todo e qualquer tipo de tratamento degradante a qualquer pessoa em privação de liberdade, sobretudo atos que levem a seu óbito.

É de responsabilidade do Estado a manutenção da integridade física do preso, devendo protege-lo de si mesmo e obviamente, dos demais encarcerados que possam fazer-lhe algum mal. O artigo 84, § 4º, da LEP, afirma que o preso que tiver sua integridade física, moral e psicológica ameaçada pela convivência com os demais detentos fica-rá segregado em local distinto, para permanência de sua segurança.

Sendo assim, flagrante é o descaso das instituições carcerárias com os presos condenados e os provisórios, permitindo que um gran-de número de mortes ocorram, sem ao menos investigar e dar con-tinuidade aos inquéritos, forçando uma “higienização” nas cadeias.

O descaso com a integridade física dos presos é flagrante e sabido por toda a sociedade. A penalidade física dos apenados se faz presente além das lesões corporais e das mortes ocorridas dentro

do sistema penitenciário. Os presídios apresentam uma superlotação que se apresenta sub-humana, não existindo condições mínimas de saúde e higiene, tornando o tempo no presídio um martírio para o corpo e a mente.

Em 2007 o Pará presenciou um caso de degradação física, psicológica e moral que chega a ser irracional de tão absurdo. Uma adolescente de 15 anos foi presa provisoriamente por 26 dias em uma cela com cerca de 30 homens. A jovem sofreu todos os tipos de vio-lência imagináveis, tornando-se um marco da violação dos direitos humanos. Vislumbramos a concreta violação de toda a legislação pe-nal vigente em nosso ordenamento.

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado no Mara-nhão, é uma das instituições prisionais mais degradantes e com ine-rente desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana em privação de liberdade. O Conselho Nacional do Ministério Público es-teve na instituição em 23 de outubro de 2013 e constatou situações flagrantes de descaso com o ser humano, localizando uma cela pe-quena onde havia 13 detentos amontoados, sem nenhuma condição de higiene. Nesta mesma cela encontrava-se um preso com uma bol-sa de colostomia, sem receber qualquer tipo de tratamento médico.

Outro exemplo flagrante de penalidade física é o inesquecível massacre do Carandiru, acontecido em 1992, onde foram executados 111 presos por policiais militares. É nítido perceber que os abusos e agressões realizados por agentes penitenciários são mais comuns em casos de rebeliões e fugas, o uso da força é uma espécie de “correição”, utilizado para conter os detentos como um castigo. Mas nada impede que os presos sofram fisicamente por uma atitude muito menor, sofrendo excesso e abuso de poder dos agentes públicos, demonstrando apenas a desqualificação e despreparo desses.

Mister ressaltar que o artigo 88, da LEP, estabelece como será o alojamento dos condenados, método que claramente é vigente e não eficaz:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que con-terá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Diante de todo o exposto, resta cristalino que as penas físicas apesar de não estarem positivadas no ordenamento brasileiro, estão presentes diariamente nos presídios.

4.2 Da custódia do preso provisoriamenteOutra comum realidade observada no sistema prisional é a in-

segurança dos presos provisórios. Aproximadamente 35% da popu-lação carcerária brasileira está em situação de prisão provisória, um número considerado elevado.

A Constituição Federal de 1988 elenca o Princípio da presunção de inocência, garantindo que o acusado de um delito aguarda em liberdade o desfecho de seu processo criminal, até a comprovação definitiva da culpa. Entretanto, o acusado poderá ser privado de sua liberdade temporariamente, em situações excepcionais, desde que a liberdade deste comprometa a conveniência da instrução criminal, a garantia da ordem pública, a garantia da aplicação da lei penal e a garantia da ordem econômica.

Elencada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, a prisão provisória deverá ser aplicada pelo Juiz e a decisão deverá ser motivada. E a revogação da prisão se dará quando a motivação deixar de existir ou for provado que a mesma nunca ocorreu, podendo ser

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decretada a revogação de ofício ou solicitada pela parte.A exceção no Brasil torna-se a regra, vislumbramos diversas pri-

sões cautelares com a finalidade distorcida, inclusive para crimes em que a pena ao fim do processo não seria, provavelmente, a de prisão, considerando a natureza do delito.

O que mais chama a atenção no numeroso quadro de pre-sos provisórios é que a assistência jurídica é severamente precária e pouco acessível aos presos de baixa renda, assolando a maioria dos presos. Em 2011, no Rio de Janeiro, a Associação para Reforma Prisional (ARP) realizou um experimento controlado de prestação de assistência jurídica aos presos provisórios mantidos em delegacias. O trabalho conseguiu assistir 130 presos provisórios e concluiu que 2/3 dos presos provisórios estavam encarcerados ilegalmente, uma vez que os tipos de condutas criminosas praticadas no caso em tela facultavam a liberdade durante o processo.

Há poucos dados sobre as prisões irregulares e ilegais, mas é flagrante a insegurança que o preso provisório sofre no encarceramen-to, sobretudo porque pode dividir cela com presos condenados e com periculosidade muito acima dos delitos supostamente cometidos, po-dendo também sofrer agressões e torturas por parte dos policiais e car-cereiros, a fim de confessar o crime e ainda, poderá ser vítima do tribu-nal de justiça paralelo que existe dentro das instituições penitenciárias.

O potencial de violação de direitos desse tipo de prisão pode causar danos irreparáveis. Um exemplo de prisão preventiva que se desdobrou no caso criminal mais célere do país é a condenação dos irmãos Naves. Em 1937, na cidade de Araguari/MG, José Naves e Jo-aquim Rosa Naves foram acusados de latrocínio de seu primo e sócio, Benedito Pereira Caetano. Após o interrogatório repleto de agressões e torturas, os irmãos foram presos cautelarmente e sofreram por me-ses até confessarem o crime. A mãe dos acusados e suas esposas também foram presas, humilhadas, espancadas e estupradas pelos soldados, mesmo não sendo acusadas de participação no crime. Fo-ram mais de oito anos de prisão até que os irmãos conseguissem liberdade condicional, devido a seu exemplar comportamento. Entre-tanto, somente em 1952 a história real veio à tona, o primo dos acusa-dos retornou à cidade, não estava morto, apenas fugido. Neste caso é flagrante o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência.

Sem uma proteção e espaço adequado, o preso provisório sofre o risco de ser esquecido com os demais, simplesmente é encarcera-do e não se observa o limite de prazo jurisprudencialmente estabele-cido de 81 dias de prisão provisória. Com a superlotação e a falta de acesso ao judiciário para ter seus direitos observados, os presos mais pobres e com pouca instrução são colocados à disposição e a mercê da justiça, um quadro de completa insegurança jurídica, física, moral e psicológica. Constata-se que o dever de custódia do preso pelo Estado é falho e fere o princípio da dignidade da pessoa humana.

4.3 O TRIBUNAl DO JúRI DO SISTEMA PRISIONAl O sistema prisional brasileiro também traz um fato de conhecimento público e notório, mas que parece não incomodar as autoridades competentes para tanto. O denominado “Tribunal do Júri do Sistema Prisional” também engloba os dados elencados no item mencionado acima, alertando sobre o grande índice de mortes e lesões corporais sofridos pelos tutelados do Estado.

Há crimes que os presos consideram como hediondos assim como nos termos jurídicos, mas estes auferem penas distintas. O crime de estupro, por exemplo, é totalmente rechaçado no ambiente prisional. Os presos têm ojeriza e um ódio exacerbado pelos detentos que incidem como estupradores. Sobretudo, os crimes sexuais come-tidos contra crianças são ainda mais rechaçados, sendo praticamente

inadmissíveis pelos demais detentos.De fato, há poucos ou inexistentes relatos sobre mortes de es-

tupradores no sistema prisional. Como já ressaltado, as mortes não são muito investigadas e as demais agressões físicas não mencionam crimes sexuais ocorridos dentro dos presídios.

Entretanto, há um trabalho realizado em 2007 pelo acadêmico Gessé Marques Junior que aborda avaliações e representações de Ju-ízes e Promotores diante da violência no cárcere que ilustra claramente como funciona o tribunal do júri prisional, sobretudo a lei de “quem en-tra com estupro é estuprado”. Há um relato que chama a atenção, é o “Juiz B” que, ao ser entrevistado, menciona um processo criminal que envolve abuso entre detentos, sendo que a vítima era um preso acusa-do de crime de estupro que sofreu violências físicas, vejamos:

[...] o acusado de estupro sofreu tortura e agressões graves por companheiros de cela, tais como sufocamento, lesão na cabeça e quase teve o pênis decepado. No Boletim de Ocor-rência, há uma informação fundamental que envolve a discri-ção dos fatos e conhecimento compartilhado pelos operado-res de justiça[...]. Os mesmos policiais informaram os presos que o declarante estava sendo recolhido pelo crime de estu-pro, isto já com o intuito de prejudicá-lo, uma vez que é fato sa-bido que qualquer pessoa que dê entrada na Cadeia por esse motivo é vítima de agressão dos companheiros de cela, como veio de fato a ocorrer. (JUNIOR, Gesse Marques. “Quem entra com estupro é estuprado”: avaliações e representações de ju-ízes e promotores frente à violência no cárcere.2007, p.102.)

O cárcere cria regras, coerções e punições distintas das ju-ridicamente estabelecidas, impondo limites morais e norteadores para a comunidade presidiária, conforme preleciona Boaventura de Sousa Santos:

Sendo embora o direito estatal o modo de juridicidade domi-nante, ele coexiste na sociedade com outros modos de juri-dicidade, outros direitos que com ele se articulam de modos diversos. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à so-ciologia da administração da justiça. Revista crítica de ciências sociais, n. 21, 1986. p. 27.)

Outro relato que comprova que há um “Tribunal do Júri” em que muitas vezes o Juiz é também o algoz é o fato ocorrido na cidade de Teresina, Piauí. No dia 27 de maio de 2015, quatro adolescentes e um adulto foram acusados de cometer o estupro de outras quatro adoles-centes. Um dos acusados confessou o crime à polícia e foi internado com mais dois coautores do estupro no Centro Educacional Masculi-no(CEM). Dividindo a mesma cela, o réu confesso foi espancado até a morte pelos outros dois acusados do crime. Obviamente que aqui a pena aplicada pelo tribunal paralelo não foi em decorrência da ojeriza do crime de estupro, mas sim pela confissão do ato criminoso e por ter delatado os demais autores.

Um crime também ocorrido no Complexo Penitenciário de Pe-drinhas foi denunciado recentemente pelo Promotor Gilberto Câmara Júnior, da 12ª Promotoria de Substituição Plena. Foi aberto um inqué-rito para investigar a prática de crime de canibalismo ocorrido em 2013, dentro do Presídio São Luiz II. Segundo a promotoria o crime foi cometido com requintes de crueldade, a vítima teve seu corpo dece-pado em 59 pedaços. A motivação do crime seria desentendimento entre membros de uma facção criminosa, sendo que o líder do grupo ordenou que a vítima deveria morrer. Além de passar por horas de tortura antes de morrer, o corpo da vítima foi esquartejado e ocultado dos agentes penitenciários por dias, para disfarçar a morte. Antes de se livrar dos restos mortais, três suspeitos do crime teriam ingerido o

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fígado da vítima, assado na própria cela. É surreal perceber que du-rante anos um crime tão bárbaro ficou desconhecido das autoridades. Mas o Promotor do caso alerta que impera nas penitenciárias a “Lei do Silêncio”. Os presos e até mesmo os agentes penitenciários ficam receosos de denunciar e serem testemunhas dos acontecimentos pri-sionais, uma vez que a represália das facções é, muitas vezes, mortal.

Desse modo, é nítido que há um tribunal paralelo dentro dos presídios, em que outros detentos estipulam penalidades aos demais, como se a justiça do Juiz togado não fosse suficiente, não se bastas-se. Segundo Dimitri Dimoulis:

[...]não devemos confundir a validade do direito com a sua avaliação nem a validade com seu grau de eficácia social. (DI-MOULIS, Dimitri. Op. Cit. 2006, p. 194.)

5. cONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do estudo realizado neste trabalho, verificasse que as

garantias legalmente estabelecidas para a execução das penas, bem como os direitos humanos das pessoas em privação de liberdade, têm previsão legal em diversos regimentos legais, em âmbito nacional e internacional.

Inclusive o ordenamento executivo-penal do Brasil é conside-rado como um dos mais modernos e democráticos atualmente. Ba-seando-se no princípio da dignidade humana, as penas privativas de liberdade devem ser apartadas de punições desnecessárias, desu-manas, degradantes e cruéis.

Entretanto, a realidade é completamente distorcida do princípio da legalidade, ocorrendo a maçante violação dos direitos dos ape-nados e recorrente inobservância das garantias legalmente previstas a fim de assegurar a execução das penas demonstrando a inércia e despreparo do Estado face à custódia do preso.

Dessa forma, observasse que o preso é subjugado à tutela do Estado, perdendo não apenas seu direito de liberdade, mas tantos outros direitos fundamentais que não deveriam ser atacados pela sen-tença, sofrendo vários tipos de punições, propiciando a degradação da personalidade, individualismo e dignidade, desfavorecendo o re-torno ideal do indivíduo à sociedade. Demonstramos que no ambien-te prisional o preso sofre com torturas, agressões físicas e verbais, abalando a saúde física e mental. Inclusive, destaca-se que os presos provisórios são recolhidos junto aos presos condenados, sem nenhu-ma distinção prévia em decorrência do pouco espaço disponibilizado, situação que tem diversos desdobramentos, sobretudo a insegurança deste preso que pode ser inocente e é tratado como condenado.

Ademais, nota-se que há um sistema penal paralelo que rege suas próprias legislações não positivadas dentro das instituições carce-rárias. Os atos violentos e a impunidade ocorrem de forma exacerbada e natural nos presídios, onde há a presença de facções, grupos e até mesmo lideranças isoladas que exercem um domínio sobre os demais, criando um ambiente hostil e com grande insegurança jurídica, tornas-se a lei da hierarquia criminal eficaz. Conforme analisamos, a maioria dos detentores desse poder não são denunciados pela prática de cri-mes cometidos dentro das prisões em decorrência da “lei do silêncio”. Com base nos casos mencionados, percebesse que a legislação penal é vigente, mas eficaz é a lei criada pelos próprios detentos.

Deste modo, nota-se que o Brasil necessita buscar meios de humanizar as penas e fazer eficaz a legislação. Para tanto, deve-se melhorar as instalações em que as instituições prisionais funcio-nam. No Brasil, 36% das unidades prisionais não foram concebi-das para serem estabelecimentos penais, somente adaptadas para esta finalidade, elas demonstram aparatos muito menores dos que os ambientes planejados para receber apenados. Em 49% das pri-sões planejadas, quase metade, há módulos de saúde, o que deli-

mita muito o atendimento médico e emergencial, podendo ser um dos motivos do grande número de mortes, dado ao precário ou ine-xistente tratamento médico, diferente das não planejadas que em apenas 22% tem atendimento à saúde. Quanto à educação, 58% das instituições carcerárias planejadas tem módulo de educação, enquanto as não planejadas têm 40%, mas nem todos os presos demonstram interesse em realizar designada tarefa, mesmo com a possibilidade de acrescentar conhecimento e diminuir a pena gradativamente. E 30% dos ambientes planejados para alojar pre-sidiários tem módulos de trabalhos, em face de 17% de incidência de ambientes propícios para o trabalho nas instituições adaptadas para o cárcere.

Outro problema que merece destaque é o grande e crescente número da população carcerária. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. A população carcerária tão alta de homens jovens negros também demonstra que o país necessita de adoção de políticas públicas para que esta realidade seja modificada. A oportunidade de trabalho e es-tudo dessa parcela da população deve ser observada com cuidado, buscando apoio para que os indivíduos não abandonem os estudos e que tenham boas vagas de emprego, para não abrir espaço para a criminalidade. A falta de oportunidade pode ser o grande vilão da grande taxa de criminalidade, é papel do Estado em conjunto com a sociedade diminuir as diferenças de classes e gerar meios de produzir um país melhor para todos.

Além desse cenário, unido a pouca ou inexistente oportunida-de, é a reincidência criminal no país, alçamos um patamar de aproxi-madamente 47,4% entre os homens em 2013, um número que alcan-ça praticamente a metade da população carcerária. Sendo assim, deve-se observar por quê a pena não cumpri sua função? Por quê os presos continuam retornando ao ambiente hostil e degradante? As instituições prisionais de fato promovem o trabalho e o ensino durante o processo de execução da pena? De fato, a resposta está no sistema prisional vigente, a escola da criminalidade torna o preso que cometeu um crime de furto, um pequeno roubo, em um gran-de traficante. Uma vez que não há a distinção legal dos apenados em decorrência do tipo de delito, reincidência, idade e até mesmo uma análise criteriosa psicológica, é difícil controlar como será a for-mação desse indivíduo, que na maioria esmagadora veio de família pobre, humilde, sem instrução e que sairá ainda mais revoltado por tudo que vivenciou no cárcere.

Portanto, entende-se ineficaz a Lei de Execuções Penais, sobre-tudo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, após análise cri-teriosa do cárcere brasileiro, sistema hostil, degradante e desumano que não demonstra o mínimo de preparo para abarcar a quantidade grande da população carcerária da maneira legalmente positivada. Esperasse que haja uma recuperação do sistema prisional e que esse possa alcançar seu objetivo precípuo, recuperar e ensinar humana-mente a postura socialmente adequada, nas palavras brilhantes do grande Jurista Francesco Carnelutti:

Basta tratar o delinquente como um ser humano, e não como uma besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar.

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NOTAS DE FIM1Acadêmica da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

2Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.