Difícil Tolerância_yves Charles Zarka

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  • Resenha

    Difcil tolerncia, de Yves Charles Zarka

    Diffi cult tolerance, by Yves Charles Zarka

    ZARKA, Y.C. 2013. Difcil tolerncia: a coexistncia de culturas em regimes democrticos. So Leopoldo, Editora Unisinos, 192 p.

    Anderson Vichinkeski Teixeira1Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    [email protected]

    1 Doutor em Teoria e Histria do Direito pela Universit degli Studi di Firenze (IT), com estgio de pesquisa doutoral junto Faculdade de Filosofi a da Universit Paris Descartes-Sorbonne. Estgio ps-doutoral junto Universit degli Studi di Firenze. Mestre em Direito do Estado pela PUC/RS. Professor do Programa de Ps-Graduao em Direito (Mestrado/Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, 93022-000, So Leopoldo, RS, Brasil. Advogado e consultor jurdico. Outros textos em: www.andersonteixeira.com

    Um dos principais fi lsofos polticos franceses da atualidade, o Professor Yves Charles Zarka, catedrtico dessa matria na Sorbonne, Universidade Paris Descar-tes, iniciou as pesquisas que deram origem a este trata-do sobre a tolerncia logo aps os atentados do 11 de setembro de 2001. Publicada originalmente em 2004, a obra agora est traduzida ao portugus, em uma edio brasileira. O objeto central de estudo do livro o con-ceito de tolerncia, este que, no seu sentido moderno, foi formado nos sculos XVI e XVII ainda no perodo das guerras de religio. Todavia, inquestionvel a atu-alidade do debate acerca da tolerncia no sculo XXI, onde o confronto no se limita mais somente s reli-gies hegemnicas, mas tambm se d em um sentido mais amplo: o confronto entre as culturas que formam as sociedades democrticas.

    A democracia enfrenta hoje um problema que era inexistente em outras pocas: ter que acolher po-pulaes que no so culturalmente homogneas, pois se constituram em contextos sociais notadamente mul-ticulturais, ou so originrias de imigraes vindas de pases antigamente colonizados, de regies do mundo em confl ito ou de locais marcados pela chaga da mi-sria. O elemento novel no reside na imigrao, nem na coexistncia em si das culturas, mas sim em ter que reconhecer direitos ditos direitos culturais de popula-es que pretendem conservar suas culturas de origem e modos de vida que, muitas vezes, terminam por coli-dir frontalmente com os valores bsicos das sociedades

    democrticas. Zarka inicia a obra questionando at que ponto se pode ser tolerante. Como tolerar uma cultura que nega a democracia e, contemporaneamente, pre-tende ter os seus direitos culturais reconhecidos pelas instituies pblicas desse mesmo regime democrtico por ela negado? A questo passa a ser ento discutir um outro conceito: o reconhecimento.

    A Teoria do Reconhecimento remonta a Hegel, passando pelas fases da Escola de Frankfurt que culmi-naram na obra de Axel Honneth que se encontra em pleno desenvolvimento, assim como a de Zarka. Embora sejam de singular valor as contribuies da Teoria Crti-ca do Reconhecimento de matriz alem, impe-se como tarefa obrigatria do estudioso desse tema aprofundar suas pesquisas tambm na matriz francesa, to bem re-presentada pela contribuio de Zarka, em especial pelo seu Difcil tolerncia. Recorde-se que foi Paul Ricoeur, em seu Parcours de la reconnaissance que me permito de-fi nir como seu opus magnum , quem promoveu uma primeira aproximao dessas duas matrizes e desen-volve as bases do pensamento atual da Teoria Crtica do Reconhecimento, que tem em Zarka um dos seus principais expoentes.

    Tolerncia e reconhecimento so objetos de es-tudo caractersticos da Filosofi a Poltica, mas ao Direito possuem inestimvel valor. As sociedades democrti-cas contemporneas, caracterizadas pela diversidade cultural, pela formao de microculturas intolerantes, pela judicializao da poltica e do mundo da vida em

    Revista de Estudos Constitucionais, Hermenutica e Teoria do Direito (RECHTD)5(2):204-205, julho-dezembro 2013 2013 by Unisinos - doi: 10.4013/rechtd.2013.52.12

  • Teixeira | Difcil tolerncia, de Yves Charles Zarka

    Revista de Estudos Constitucionais, Hermenutica e Teoria do Direito (RECHTD), 5(2):204-205 205

    geral, necessitam repensar os vnculos intersubjetivos que conectam os indivduos que as compem. Ou ento continuaremos a ver os rumos das sociedades demo-crticas sendo ditados por tribunais e por juzes cuja le-gitimidade democrtica escassa ou inexistente, pois assumiram seus postos no Judicirio mediante concur-sos pblicos ou indicaes personalistas, como no caso brasileiro das cortes especiais (por exemplo, TST, STJ, STF). Como decidir polticas pblicas e, indiretamente, os rumos da comunidade poltica e de toda a democra-cia, nos autos de um processo? Repensar a poltica e os fundamentos dos vnculos intersubjetivos que apro-ximam os indivduos parece ser um passo fundamental para que as sociedades democrticas possam efetivar o valor em si da democracia. A desjudicializao da pol-tica depende, inevitavelmente, de uma profunda e ampla refl exo sobre a poltica.

    Na obra em comento, o autor examina esses dois objetos centrais (tolerncia e reconhecimento) de modo preciso e crtico, passando pelas respostas trazidas pelos pensadores liberais, como John Rawls, pelos defensores da cidadania multicultural, como Will Kymlicka ou mesmo Charles Taylor, um dos grandes nomes do comunitarismo. Nesse sentido, o conceito de reconhecimento sem re-conciliao introduzido por Zarka como uma tentativa de pensar a coexistncia de culturas em um mundo des-pedaado, isto , em um mundo marcado pela heteroge-neidade cultural. Tal conceito abre espao para diversas re-fl exes nos mais variados mbitos do pensamento jurdico.

    Assim, pode-se defi nir a obra, antes de tudo, como provocativa. Instiga-nos a pensar sobre temas cada vez mais presentes no nosso cotidiano e que so comuns a todas as sociedades democrticas. Instiga-nos, enfi m, a pensar se realmente sabemos o que ser tolerante.