Diferentes Dimensões da Energia em Debate

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FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO ENERGIA DIFERENTES DIMENSÕES DA ENERGIA EM DEBATE CADERNO DE ESTÍMULO PARA INICIATIVAS AUTOGESTIONADAS De 7 a 10 de Agosto de 2014, Brasília DF

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Caderno de Estímulo para Iniciativas Autogestionadas - Fórum Social Temático ENERGIA

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FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO

ENERGIA

DIFERENTES DIMENSÕES DA ENERGIA EM DEBATE

CADERNO DE ESTÍMULO PARA INICIATIVAS AUTOGESTIONADAS

De 7 a 10 de Agosto de 2014, Brasília DF

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FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO

ENERGIAPara quê? Para quem?

Como?De 7 a 10 de Agosto de 2014, Brasília DF

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DIFERENTES DIMENSÕES DA ENERGIA EM DEBATE

CADERNO DE ESTÍMULO PARA INICIATIVAS AUTOGESTIONADAS

BRASÍLIA, JUNHO DE 2014

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Índice

Apresentação ...............................................................................................................................................

Dimensões da Temática ....................................................................................................................................

O Vilão é o modelo mercantil do setor elétrico .............................................................................................

Matriz energética e elétrica brasileira .............................................................................................................

Um olhar de quem ajudou a construir o setor elétrico .................................................................................

Agrocombustíveis: a energia líquida ...............................................................................................................

A mineração na transição energética ..............................................................................................................

Hidrelétricas e o mito da energia limpa ..........................................................................................................

Desafio da energia eólica empresarial .............................................................................................................

Eficiência energética: utilizando melhor a energia que produzimos ..........................................................

Energia descentralizada e a favor da vida .......................................................................................................

Fracking: o Brasil dá um passo no escuro ......................................................................................................

Energia e transporte ..........................................................................................................................................

Quando prevalecem os interesses econômicos: o caso da energia nuclear no Brasil ...............................

Energia nuclear: uma opção carregada de dúvidas .......................................................................................

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Apresentação Este Caderno tem a finalidade específica de apresentar, de forma simples e provocativa, algumas das dimensões da temática do Fórum Social sobre Energia. Não se deseja que os participantes se limitem a elas; pelo contrário, que se sintam estimulados à máxima criatividade, tanto em relação aos conteúdos, ou seja na forma de dinamização das atividades autogestionadas. O Caderno indica que Energia pode e deve ser debatida sob diferentes dimensões. Antes dos textos provocadores de debates sobre essas dimensões, segue algo sobre a temática e sobre a metodologia do Fórum Social Temático Energia.

Energia: um desafio a ser enfrentado

O Brasil e o mundo precisam de uma discussão ampla e urgente sobre as matrizes energéticas utilizadas, como as hidroelétricas, as termolétricas, a energia nuclear, os combustíveis fósseis, e seu contraponto: a eficiência energética e a energia gerada a partir de fontes mais limpas, ecológica e socialmente sustentáveis, como o sol e os ventos. A temática tem tudo a ver com o enfrentamento das mudanças climáticas, que geram sofrimento e morte de um número crescente de pessoas, e com a urgência de compromissos internacionais que deveriam avançar na COP 20 em Lima, Peru, em dezembro deste ano. A metodologia deste Fórum é a mesma do Fórum Social Mundial (FSM). Ela busca fortalecer as articulações entre movimentos sociais que lutam por novas formas de convivência entre as pessoas e com a natureza, na perspectiva da justiça social e ambiental. Uma de suas principais dimensões é a descentralização do poder, na mesma lógica da descentralização da produção e uso de energia, valorizando as fontes disponíveis em cada localidade e a participação das famílias, comunidades e povos. Segundo essa a metodologia, as atividades são autogestionadas, isto é, organizadas pelos seus próprios participantes, que definem seus temas, suas necessidades de espaço, tempo e método. Ao Coletivo de Facilitação do Fórum compete unicamente preparar a infraestrutura para a realização das mesmas, sem nelas interferir, dando a todas a mesma importância. O FST-Energia respeita a Carta de Princípios do FSM, que o define como uma iniciativa da sociedade civil, autônoma em relação a governos, partidos e empresas. Assim, fará parte do processo do FSM, que, neste ano de 2014, realiza mais de 40 Fóruns Sociais Nacionais, Regionais ou Temáticos em diferentes países.

O FST – Energia é um encontro internacional de pessoas e entidades interessadas em discutir a questão da Energia, no Brasil e no mundo, a partir da pergunta: “Energia: para quê? para quem? como?”, e apresentar propostas para as políticas públicas e para a ação da sociedade em torno desse tema.

Por que o FST –Energia?

O FST-Energia atende a uma necessidade evidente: de um lado a urgênc ia de refletir, de forma ampla, sobre os problemas que vem sendo criados pelas matrizes energéticas utilizadas, em todos os

países, tanto do ponto de vista social como econômico e ambiental; de outro lado, a urgência da sociedade civil se mobilizar para uma mudança efetiva dessas matrizes. A construção de grandes hidroelétricas e de usinas nucleares, assim como o uso de termelétricas com combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, atende mais às necessidades da mineração e da indústria que da população. Ao mesmo tempo é lenta a adoção de fontes mais limpas, ecológica e socialmente sustentáveis, como o sol e os ventos, assim como a busca de eficiência na utilização da energia elétrica produzida e a descentralização dessa

O que é o Fórum Social Temático sobre Energia (FST- Energia)?

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produção, valorizando as fontes disponíveis em cada localidade e a participação das famílias, comunidades e povos. O tema tem vinculação direta com o enfrentamento das mudanças climáticas, que geram sofrimento e morte de um número crescente de pessoas, e com a urgência de avançar nos compromissos internacionais que serão discutidos na COP 20 em Lima, Peru, em dezembro deste ano.

Quem organiza o FST-Energia?

Organizações da sociedade civil brasileira vinculadas ao tema e autônomas em relação a governos, partidos e empresas. A proposta inicial partiu das seguintes organizações: Amazon Watch, Articulação Antinuclear Brasileira, Cáritas Brasileira, Cidade Verde UNB, Coalizão por um Brasil livre de Usinas Nucleares, Conselho Indigenista Missionário, Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Comitê em Defesa de Territórios Frente à Mineração, Conselho Pastoral dos Pescadores, Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, IBASE, Internacional Rivers, Marcha Mundial do Clima, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento Paulo Jackson, Movimento Tapajós Vivo, Movimento Xingu Vivo para Sempre, Pastorais Sociais da CNBB, Secretaria do Meio Ambiente da CUT Nacional, Rede Jubileu Sul Brasil, SOS Clima Terra. Destas, várias compõem o Grupo Executivo. Há também um coletivo de facilitação do FST Energia, que reúne todas as entidades interessadas na temática e que queiram garantir o sucesso do evento.

Quando e onde e será realizado?

O FST – Energia será realizado de 7 a 10 de agosto de 2014, em Brasília. Dos dias 7 a 9 acontecerá no campus da Universidade de Brasília, em parceria com o Decanato de Extensão da UnB. No dia 10, um domingo, acontecerá no Parque da Cidade, onde serão apresentados à população os resultados das Assembleias de Convergência do último dia de trabalho e experiências de obtenção descentralizada

de energia pelas organizações que as desenvolvem e que participaram do Fórum.

Objetivo geral do FST-Energia

Contribuir para a redefinição das políticas energéticas brasileira e mundial, na busca de outras fontes de energia possíveis e menos nocivas ao ambiente e à humanidade, na perspectiva de enfrentar o desequilíbrio provocada pelo aquecimento global que provoca mudanças climáticas.

Objetivos específicos

1. Estabelecer um espaço aberto de diálogo, controvérsia e denúncias sobre as grandes matrizes energéticas predominantes nas políticas de governos atuais, garantindo expressiva participação de organizações populares, movimentos sociais e redes de articulação da sociedade civil, brasileiras e internacionais.

2. Promover debates sobre diversos subtemas relacionados à energia, como: consequências sociais e ambientais da hidroeletricidade, da termoeletricidade, das usinas nucleares, da energia solar, eólica, biomassa, eficiência energética, entre outros.

3. Estimular o intercâmbio de experiências, lutas e vivências, entre as diversas entidades participantes, possibilitando maior conhecimento de alternativas energéticas.

Inscrições

No site do Fórum Social Temático Energia – www.fst-energia.org – as entidades e pessoas interessadas encontram informações, materiais de consulta, espaços para fóruns de debate. É no site que devem ser feitas as inscrições para atividades e para a participação no FST-Energia.

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Dimensões da Temática

A cada dia que passa, mais e mais a humanidade depende de energia. De modo particular, como viver nas cidades atuais sem energia, especialmente a elétrica e a motriz? Por isso, as inciativas autogestionadas do FST-Energia podem abordar desafios ligados à energia a partir de diferentes aspectos da vida social. A possibilidade de fontes de energia e de seu uso também é diversificada, ligando-se com as condições que a vida encontra em cada bioma e com a necessidade de cuidados para que não se agravem as mudanças climáticas. Apenas para indicar, na forma de provocações, possibilidades familiares e comunitárias de energia rural: sol, vento, biogás, biomassa, movimento natural de águas; energia, relação com os solos e produção de alimentos saudáveis; usos da água e energia; energia e vida num bairro urbano: sol, ventos, transporte; energia solar e eólica numa cidade: possível autonomia?; iluminação pública: sol, vento?; transporte urbano com eletricidade: de onde virá a energia?; potencialidade da produção de energia solar descentralizada no Brasil e no mundo; potencialidade da produção de energia eólica descentralizada no Brasil e no mundo; potencialidade da produção de energia a partir das ondas do mar para comunidades e cidades próximas às praias; arquitetura, engenharia e energia: eficiência energética e produção de energia; como diminuir o consumo de energia?; como avançar ao máximo na eficiência energética?; repotenciação de turbinas em hidrelétricas; alternativas para transporte para diminuir uso de combustíveis fósseis; hidrelétricas na Amazônia: viáveis? necessárias?; geradores eólicos como estratégia de conquista de terras e venda de energia; potencialidade de aerogeradores de médio e pequeno porte; comunidades com Bem Viver e energia; agroecologia e energia... Será ótimo que cada dimensão assumida seja abordada com debates, mas também com troca de experiências, buscando sempre novas possibilidades de práticas alternativas. E alternativas que enfrentem o domínio do mercado, a transformação da energia em mercadoria, a especulação de seu preço. Vale lembrar que haverá, no dia 10 de agosto, uma feira de materiais e de práticas ligadas à temática da energia. Seguem, agora, alguns textos que apresentam dados e desafios sobre algumas das dimensões da temática energia. Referem-se ao Brasil, mas podem servir como provocação para reflexão crítica sobre dados e desafios da produção e uso de energia em todos os demais países do mundo.

Bom proveito! Sintam-se convocados a enviar outros textos e notícias, para que possam ser socializadas através do site.

O vilão é o modelo mercantil do setor elétrico

Tentar entender o que se passa com o setor elétrico brasileiro significa conhecer melhor um passado recente em que decisões errôneas foram tomadas, resultando atualmente em tarifas caras, fornecimento e abastecimento precários, e risco crescente de racionamento de energia. Além de um setor sem credibilidade, sem democracia, sem competência. Em fevereiro de 1995, teve início o que ficou conhecido como a Reestruturação do Setor Elétrico, com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 8987, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

Iniciou assim um modelo “de mercado”. Ou seja: a reestruturação foi baseada no preceito de que a ação empresarial “concorrencional”, motivada pela perspectiva do lucro econômico, aportaria ao setor elétrico eficiência e qualidade dos serviços prestados e tarifas módicas. A ideia que está por trás desta suposta lógica é que o lucro seria um sinal suficiente para garantir os investimentos. Essa assertiva não é inteiramente verdadeira, pois as empresas do setor andam ganhando “rios de dinheiro” sim (basta acompanhar os balancetes anuais), mas seus investimentos ficam somente nos discursos, já que o BNDES (leia-se: o tesouro nacional, o dinheiro dos impostos) tem sido o “Papai Noel” fora de época para as empresas do setor elétrico. Com o racionamento de energia elétrica ocorrido em 2001/2002, com a deterioração da qualidade do abastecimento causado por dezenas (e centenas) de apagões e apaguinhos (interrupções no fornecimento de energia elétrica) ao longo daquele

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período e com a explosão tarifária, chega-se à conclusão, sem precisar ser um grande especialista, que o modelo não funcionou. Desde aquele episódio do (longo) racionamento de energia elétrica, sem dúvida uma consequência direta das transformações impostas ao setor elétrico, a sociedade brasileira teve a oportunidade de um grande debate sobe o tema, para rever a política do Governo Federal para o setor. Técnico e especialistas que se opunham ao modelo mercantil se uniram em torno do partido político à época, o atual gestor do Estado brasileiro, e chegaram à conclusão de que o modelo implantado deveria ser totalmente reformulado, inclusive defenestrando os gestores daquele modelo, com comportamentos (a)éticos que comprometiam as mudanças pretendidas. Este programa de energia foi lançado no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro em 30 de abril de 2002. As mudanças substantivas propostas naquele programa, pugnavam inclusive pela transformação das empresas estatais de serviços públicos, em empresas públicas e cidadãs (empresas que não seriam nem estatais, nem privadas, mas sim sujeitas a instrumentos e mecanismos autônomos de controle da sociedade) não ocorreram. Chegando ao poder, como é de práxis no Brasil, a história foi diferente. Acabou prevalecendo para o setor a continuidade do modelo mercantil. Eufemisticamente, este novo-velho modelo remendado foi chamado na época de “modelo híbrido”. Inclusive acabou prevalecendo a permanência daqueles que defendiam a continuidade do modelo mercantil, com a justificativa de atender às necessidades fisiológicas das alianças partidárias, ou seja: a tal da “governabilidade”. Portanto, “tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes”. Com a manutenção do modelo

mercantil, houve a criação de inúmeros encargos, uns com caráter compensatórios, outros como subsídios, e a maioria decorrentes de custos para “alimentar” o próprio modelo. Além da privatização das empresas do setor (100% das distribuidoras, 50% das transmissoras e 20% das geradoras). O que se constatou ao longo desses anos todos é que, com tais encargos, houve uma significativa evolução para cima das tarifas de energia elétrica. Ou seja: os “encargos de mercado” do modelo mercantil contribuíram significativamente para a explosão tarifária. Outra questão pertinente, e mal resolvida pelos gestores do setor elétrico nos últimos 12 anos, foi à falta de incentivos à diversificação da matriz energética, que baseia 80% da geração elétrica via hidroelétricas, e 20% via termoelétricas. Ambas formas de geração centralizada através de grandes, mega-centrais, sendo necessário “exportar” esta energia, através das linhas de transmissão, até os centros consumidores. A culpa pela situação a que chegou o setor elétrico brasileiro hoje, não é de São Pedro. É sim dos homens, da ganância, da dominação do homem sobre ele mesmo. Temos condições de promover as mudanças necessárias no modelo elétrico, que beneficie a maioria da população, de promover as novas fontes de energia (sol e vento), de incentivar o uso racional de energia, diminuindo assim o desperdício, de fortalecer a inovação com o uso de iluminação e de motores mais eficientes, de regionalizar o planejamento energético, democratizando as tomadas de decisões? São escolhas, como foram as que nos levaram para os riscos atuais cada vez maiores de racionamento de energia.

Heitor Scalambrini CostaProfessor da Universidade Federal de Pernambuco

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Matriz energética e elétrica brasileira

Segundo dados oficiais1 a oferta interna de energia no Brasil no ano de 2012 chegou a 283,6 milhões de toneladas equivalentes de petróleo², o que representou um crescimento de 4,1%, bem acima da variação do PIB, que foi de apenas 2,3% neste ano. Observa-se que ainda há uma forte participação de fontes não renováveis na composição da matriz energética brasileira (cerca de 58%), com o petróleo e seus derivados respondendo por cerca de 40% de toda a matriz. Vale dizer que o gás natural, o petróleo e seus derivados vêm tendo um forte aumento em sua participação na matriz energética, o que consequentemente faz com que o setor energético aumente significativamente sua contribuição na emissão de gases de efeito estufa, que em 2012 ficou na casa dos 429 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, representando 29,4% do total de 2,07 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente ³ emitidas pelo Brasil neste ano. No que diz respeito ao consumo de energia, a figura 1 ilustra a repartição ao longo do ano de 2012.

Fig.1: Consumo final de energia por fonte (EPE, 2012).

Já em relação à energia elétrica especificamente, a tabela abaixo demonstra sinteticamente o balanço entre a oferta e o consumo no ano de 2012, constatando o enorme índice de perdas (cerca de 16%) de energia elétrica no Brasil, o que em parte é decorrência do crescimento relativo da oferta (4,4%), superior ao crescimento relativo do consumo (3,8%), tomando como referência os valores de 2011. Em que medida tal

1 - Empresa de Pesquisa Energética – Balanço Energético Nacional 2013 – Relatório Síntese.2 - A tonelada equivalente de petróleo (tep) é a unidade padrão de energia utilizada nos balanços energéticos.3 - Quando se calcula a quantidade de dióxido de carbono, de metano, de óxido nitroso e de outros gases de efeito estufa emitidos para a atmosfera como se todos fossem dióxido de carbono, chega-se à quantidade de “dióxido de carbono equivalente”.

diferença poderia ser justificada mais pela segurança energética do que pela ineficiência no planejamento e no uso da eletricidade em nosso país?

Energia Elétrica no Brasil em 2012 (Valores em TWh ⁴)

Oferta Interna de Energia: 592,8Consumo Final: 498,4Perdas (técnicas e comerciais): 94,4

Quanto à capacidade de geração de energia elétrica, informações da Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)⁵ indicam que o Brasil possui um total de 3.159 empreendimentos em operação, totalizando cerca de 128,3 mil MW de potência instalada, distribuídos como ilustrado na figura 2.

Fig.2: Matriz de Energia Elétrica no Brasil (Banco de Informações de Geração (08/05/2014).

Da composição da matriz elétrica brasileira, entre tantas questões, gostaríamos de chamar atenção para três em especial:

1) Participação considerável de fontes térmicas (cerca de 28%). Aqui não podemos deixar de dizer que o aumento do uso ⁶ (e da contratação) de capacidade instalada de fontes térmicas contribui, por um lado, para tornar a matriz elétrica mais poluente – com um aumento de 30% nas emissões de gases de efeito estufa entre 2006 e 2013 -, e por outro lado,

4 - 1 TWh equivale a 1 bilhão de kWh.5 - Banco de Informações de Geração (http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/ca-pacidadebrasil/capacidadebrasil.cfm). Atualizado até 08/05/2014. 6 - Entre 2011 e 2013 a participação das térmicas na produção de energia pas-sou de 8,4% para 19,8%, ou seja, mais que dobrou.7 - Recentemente o governo federal adotou várias medidas que ajudaram a pos-tergar ou até mesmo a “camuflar” tal repasse, como uso mais intensivo da Conta de Desenvolvimento Energético e até aporte direto de recursos do Tesouro Nacional para “cobrir” o rombo causado pelo uso contínuo das térmicas.8 - Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa nº 482, de 17 de

abril de 2012.

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para um encarecimento do custo da energia gerada,

que acaba sendo repassado ao consumidor₇.5

Uma vez que não falta ao Brasil alternativas de geração mais sustentáveis, limpas e baratas: por que aumentar a poluição e os custos da energia gerada ao mesmo tempo? 2) A ainda irrisória participação da energia solar fotovoltaica, que, com seus menos de 10 MW de capacidade instalada, nem chega a ser relacionada no gráfico. A partir desta subutilização, não podemos deixar de perguntar: porque o planejamento energético brasileiro continua “fechando os olhos” para o enorme potencial de geração de energia que o sol oferece ao Brasil? Por que tal “cegueira” é maior

7 - Recentemente o governo federal adotou várias medidas que ajudaram a pos-tergar ou até mesmo a “camuflar” tal repasse, como uso mais intensivo da Conta de Desenvolvimento Energético e até aporte direto de recursos do Tesouro8 - Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa nº 482, de 17 de abril de 2012.

ainda em relação ao potencial que a força das marés e do oceano oferece ao Brasil (estimado em mais de 100 mil MW)? 3) A participação da mini e micro geração distribuída de energia solar, com 94 empreendimentos listados, com uma potência instalada total de 1.662,93 kW. Apesar de tal participação também ainda ser irrisória na composição da matriz elétrica, a mesma pode ser considerada positiva se levarmos em conta que estamos apenas a dois anos da regulamentação desta forma de geração pela ANEEL⁸. Você sabia que já pode tornar-se um “gerador” de energia elétrica e não apenas diminuir os gastos com sua conta, mas também contribuir com a matriz e consequentemente com o suprimento de energia no Brasil?

Joilson José Costa - Engº Eletricista

UM OLHAR DE QUEM AJUDOU A CONSTRUIR O SETOR ELÉTRICO

Das muitas fontes de energia elétrica tecnologicamente possíveis, predomina no Brasil a matriz hidrelétrica. A partir de grandes obras de engenharia para represamento de rios, constituiu-se um grande parque gerador, que viabilizou o desenvolvimento industrial brasileiro e, de quebra, fornece luz para iluminar nossas cidades e casas. A que custo financeiro e ambiental foram construídas as grandes usinas? Valeu a pena arcar com as consequências ambientais e sociais provocadas pela formação dos grandes lagos artificiais? A tecnologia de geração por fio d’água reduziu esses impactos? A geração de energia por termelétricas deve ser ampliada? Especialistas e estudiosos já alertaram: concentrar em uma só fonte é arriscado econômica e ambientalmente. Alterações no ciclo hidrológico dos últimos anos tem demonstrado isso. Porque

o Estado brasileiro investe tão pouco em fontes alternativas como energia solar, eólica e da biomassa? Quais interesses econômicos travam esse desenvolvimento? O incentivo à construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas é uma alternativa? A prática nos mostra que mesmo nos pequenos e médios empreendimentos os impactos territoriais são significativos, com a expulsão de pequenos agricultores e quebra da cultura local. No setor elétrico, o modelo de gestão adotado no País levou a uma crescente privatização da energia elétrica. De serviço público passou a gerador de dividendos para acionistas nacionais e estrangeiros. A regulação do setor, coordenada pela Aneel, foi cooptada pelos interesses privados e o lucro se impõe com o objetivo maior do “negócio”. Inverter essa lógica é possível? Como conquistar a participação da sociedade no planejamento do setor energético? Como vencer o desafio de fortalecer o papel estratégico das empresas estatais? O consumidor também sai no prejuízo, com tarifas caras e queda na qualidade do atendimento, devido, dentre outras

coisas, à falta de manutenção das redes de distribuição. E quem trabalha no setor elétrico brasileiro? Dos cerca de 250 mil eletricitários, mais da metade são terceirizados, com baixa remuneração e piores condições de trabalho, o que tem levado inclusive ao aumento de acidentes graves e mortes no trabalho. A terceirização de atividades-fim foi uma “inovação” do governo FHC, incluída na lei das concessões de 1995. Temos força para pressionar o governo federal e o Congresso Nacional a mudar a lei? Não é incomum a existência de trabalho análogo ao escravo nas empresas de energia elétrica, como encontrado por fiscalização do Ministério do Trabalho, em 2013, em empreiteiras da Cemig, em Belo Horizonte. Iniciativas como o Pacto de Saúde e Segurança, conquistado pelo Sindieletro-MG, abrem um caminho para mudar o processo de trabalho. Conseguiremos?

Sindicato dos Trabalhadores na Industria Energética de MG

Federação Nacional dos Urbanitários

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AGROCOMBUSTÍVEIS: A ENERGIA LÍQUIDA.

A energia que move carros e aviões é líquida. Hoje, em grande parte, ainda derivada de combustíveis fósseis. O Brasil, desde a década de 70 do século passado, quis ousar uma fonte diferente de combustível líquido, derivado da cana, o etanol. A criação do Proálcool tinha como objetivo livrar o Brasil da dependência do petróleo, que acabava de ter sua primeira grande crise global. Os preços tinham se tornado exorbitantes, o limite da era do petróleo se tornava visível pela primeira vez, e o regime militar decidiu cultivar cana para produzir um outro combustível líquido para a indústria automobilística. Um dos homens que deu contribuição decisiva nessa linha foi Bautista Vidal, falecido em junho de 2013. Acontece que os preços do petróleo acabaram recuando. Então, muitas vezes a gasolina se tornara mais barata que o álcool combustível. O modelo não se sustentou. Quando Lula chega ao poder, incentiva novamente a produção de álcool para combustível. O argumento da “energia verde” pululava em todo marketing governamental. O alerta global que o espaço agrícola, antes destinado à produção de alimentos, se tornaria espaço para produção de etanol, não surtia efeitos. O governo estava seguro que tínhamos espaço para cultivar ambos. O discurso governamental se sustentou até a descoberta do Pré-sal. Então, passou-se a dizer que os recursos do Pré-sal serão destinados “à educação, meio ambiente”, enfim, aquele discurso pronto.

Portanto, o discurso muda rapidamente conforme as conveniências, seja em favor do etanol, seja em favor do petróleo. O fato é que estamos numa faca “de dois legumes”, como se diz aqui pelo sertão. Nos últimos anos o Brasil precisou importar arroz e feijão. Quando se mira as áreas antes ocupadas por essas culturas, vê-se claramente que perderam espaço para a cana e soja, sobretudo no interior de S. Paulo. Aqui no Vale do São Francisco, quando a produção de frutas começa a fracassar, se fala na expansão da cana irrigada para produzir álcool e açúcar. Vamos repetir a tragédia social e ambiental do litoral em pleno sertão do século XXI. O governo também não quer ver as consequências de prosseguir na exploração do petróleo. É melhor fechar os olhos para as mudanças climáticas, mesmo que elas possam simplesmente eliminar áreas inteiras do território nacional aptas para a agricultura. A Europa – que não é modelo a ser seguido em tudo que faz -, manteve seu transporte público de trens com muita eficiência. No Brasil, falta-nos uma visão sistêmica e estratégica da realidade. Temos todas as condições para sair em direção das novas tecnologias, transportes coletivos e novas energias – vento, sol, etc. -, mas preferimos continuar em linha reta. As contradições brasileiras crescem, mas prevalece o interesse da indústria automobilística. Este é um caminho seguido apenas no Brasil? Ou, e até com incentivo brasileiro, está avançando pelas Américas, pela África e Ásia? Será possível e como enfrentar este desafio?

Roberto Malvezzi (Gogó) - Comissão Pastoral da Terra (CPT)

A mineração na transição energética Desde o início dos anos 2000, a demanda por recursos minerais teve um forte crescimento em todo mundo. A convergência de fatores econômicos, sociais, políticos e geopolíticos fizeram com que houvesse uma grande ampliação das encomendas desses recursos, impactando diretamente os países que se destacam por sua produção. No Brasil, nos últimos dez anos, ocorreu um boom na extração de minérios, especialmente aqueles vinculados às demandas exportadoras. O país tornou-se o maior produtor de minérios

da América Latina em termos absolutos. A produção total brasileira é superior à soma do conjunto de outros países do continente. A participação das Indústrias Extrativas no PIB, entre os anos 2001 e 2011, cresceu 156% e a expansão da mineração nos dez primeiros anos da década atingiu a impressionante cifra de 550%. Os interesses da mineração se analisados sob a ótica dos requerimentos minerários seja para pesquisa, a lavra ou o garimpo já representam 26,2% do território nacional. A soma das áreas dos polígonos dos processos minerários alcança a vultosa cifra de 2.229.679,26 Km², uma área maior do que a soma das áreas dos estados do Amazonas, São Paulo, Rio de janeiro, Rio Grande do Sul e Paraíba. Trata-se de uma

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atividade absolutamente material, que demanda não apenas enormes quantidades de bens minerais, como também energia e água em volumes gigantescos.Se somarmos as demandas dos setores de cimento, ferro-gusa e aço, ferro-ligas, mineração e pelotização, não-ferrosos e cerâmica, temos a significativa cifra de 15,2% do total da demanda nacional de energia advindo da cadeia minerária. Se olharmos a participação desses segmentos dentro da indústria, ele é o responsável por nada menos que 43,4% do consumo do setor industrial. Sua demanda de 38.635.000 de toneladas equivalentes de petróleo (tep) foi bastante superior ao consumo residencial das cerca de 50 milhões de famílias que vivem no Brasil, que somaram o montante de 23.761.000 tep. Fica evidente que a mineração tem um papel destacado na expansão do setor energético e que sua fronteira estratégica de ocupação da Amazônia

é um dos vetores de influência sobre as decisões governamentais para a construção das megabarragens nas bacias hidrográficas do Xingu, Tapajós e Madeira. Não à toa a Vale detém 9% das ações da Hidrelétrica de Belo Monte. A construção de uma transição energética necessariamente deve levar em conta a escala e a forma com as quais se faz mineração no Brasil. Portanto, não se trata apenas de uma transição de matriz, mas também uma transição na demanda. Em um cenário onde está planejado um crescimento vultoso para o setor mineral – apenas a entrada em operação do projeto S11D em Carajás agregará mais 90 milhões de toneladas anuais de ferro na produção nacional – como pensar e construir um plano de transição alternativo ao modelo expansivista atual?

IBASE

Hidrelétricas e o mito da “energia limpa” Atualmente, existem muitas tentativas de governos e empresas, no sentido de caracterizar hidrelétricas como fonte de “energia limpa”, essencial para mitigar emissões de gases de efeito estufa e, ainda, impulsionar uma nova “Economia Verde”. No caso do Brasil, os defensores das barragens argumentam que, junto com a construção de uma quantidade sem precedentes de hidrelétricas na Amazônia, a exemplo de Belo Monte, vai ser preciso voltar ao uso de grandes reservatórios, a exemplo da hidrelétrica de Tucuruí, construída durante o regime militar, em resposta às estiagens cada vez mais intensas relacionadas às mudanças climáticas. Segundo o Ministério de Minas e Energia, a alternativa é a construção de mais usinas térmicas que utilizam combustíveis

fosseis sujas, ou ainda, mais usinas nucleares. Os argumentos sobre barragens como fonte de “energia limpa” têm ganhado fôlego em fóruns internacionais, inclusive na Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), onde o Protocolo de Quioto tem permitido a inclusão, nos esquemas de mercado de carbono, de barragens como Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira. As tentativas de “esverdeamento” de hidrelétricas contrastam com as graves consequências sociais e ambientais das barragens. O represamento de rios, especialmente nos trópicos de baixa altitude, interrompe fluxos ambientais como inundações sazonais das zonas úmidas, provocando perdas significativas de habitats e da biodiversidade (incluindo espécies endêmicas e ameaçadas). Em seu bojo, há graves consequências para ecossistemas de água doce e comunidades que dependem de rios saudáveis para a sua sustentação. Em contraste com a propaganda de barragens como “energia limpa”, as barragens nos

trópicos tipicamente envolvem significativas emissões de metano e CO2 a partir de reservatórios e vertedouros, enquanto o desmatamento e as queimadas - associados à migração e especulação de terras estimulada pela construção de barragens – contribuem ainda mais para a sua pegada de carbono. As consequências da construção de barragens para populações indígenas e outras comunidades locais tem incluído o deslocamento compulsório, a intensificação de conflitos pelo controle da terra, a perda de recursos pesqueiros (particularmente entre as espécies migratórias, como os grandes bagres), a perda de agricultura de várzea, diminuição da qualidade e quantidade da água, aumentos de doenças de veiculação hídrica, tais como a malária, a poluição por mercúrio, a interrupção do transporte de pequenas embarcações, a desintegração das comunidades e a perda de sítios de insubstituível importância cultural, religioso e histórico. Uma característica preocupante do planejamento

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de hidrelétricas tem sido a falta de transparência e acesso à informação, e de participação efetiva da sociedade civil. Um dos exemplos mais graves refere-se ao descumprimento da Convenção 169 da OIT, que asseguram aos povos indígenas o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e esclarecido sobre grandes empreendimentos que afetam seus territórios e suas vidas. A fase de implantação de grandes hidrelétricas tem sido acompanhada por problemas crônicos, como os procedimentos de indenização e reassentamento de atingidos, que ignoram as especificidades dos meios de vida das populações amazônicas, contribuindo para a desestruturação social, econômica e cultural de famílias e comunidades. Outro problema crônico refere-se à falta de monitoramento efetivo de impactos socioambientais dos empreendimentos, e de fiscalização rigorosa do cumprimento de condicionantes das licenças ambientais. No âmbito internacional, existem fortes tendências de rebaixamento de salvaguardas sociais e ambientais, incluindo o

abandono de princípios e diretrizes baseados em direitos humanos, e a sua substituição por “boas práticas” voluntárias definidas pelo setor privado. É importante observar que a expansão acelerada de barragens no Brasil e em outros países da América Latina, África e Ásia tem ocorrido em situações em que o planejamento energético tem sido realizado de forma centralizada, desconsiderando outras opções de investimento, como a eficiência energética (na geração, transmissão e usos industriais, comerciais e domésticos de energia elétrica) e fontes renováveis (eólica, solar, biomassa). A caracterização das barragens como “energia limpa” para uma economia verde parece fazer parte de uma tendência de priorizar “soluções de mercado” para problemas ambientais globais, onde a relevância dos direitos humanos, políticas públicas e das instituições democráticas tem sido menosprezada, cada vez mais. Além disso, questões fundamentais sobre as promessas não-cumpridas das barragens como motores do “crescimento sustentado” e a

vulnerabilidade de barragens em relação às mudanças climáticas globais (estiagens e enchentes) têm sido negligenciadas.

Perguntas para discussão:

1) Como se explica a insistência de muitos governos e empresas em tentar caracterizar barragens como fonte de “energia limpa”?2) A construção de mais barragens com grandes reservatórios é a melhor forma de adaptar às mudanças climáticas? 3)Por que alternativas como a eficiência energética e fontes renováveis não convencionais (eólica, solar, biomassa) não recebem mais atenção?4) O que precisa ser melhorado no planejamento de hidrelétricas, inclusive em termos de avaliação de alternativas, e na sua implementação?

Brent Millikan – International Rivers

Desafios da energia eólica empresarial

Há um acelerado processo de expansão da indústria de Parques de Energia Eólica no Brasil, com a justificativa de atender à demanda de produção de energia elétrica. Denomina-se parque de energia eólica um conjunto de unidades aerogeradoras e seus sistemas associados, com o objetivo de gerar eletricidade. De acordo com a ANEEL, a primeira turbina eólica foi instalada na Dinamarca em 1975, e atualmente existem mais de 30 mil aerogeradores espalhados pelo mundo. O Brasil, por suas condições climáticas, possui um grande potencial eólico porque a velocidade média dos ventos é propícia a esse tipo de atividade. A diversificação das fontes renováveis de energia vem se ampliando no país, sobretudo após a ocorrência de apagões em diversas regiões. O governo brasileiro apegou-se a este discurso para justificar as medidas adotadas na Politica Energética Brasileira. Com o objetivo de ampliar a oferta de energia elétrica obtida através da força dos ventos, criou-se uma política de incentivos, acompanhada de aparato jurídico e político, para facilitar a expansão dos parques eólicos. Pode-se destacar o PROINFA - Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica -, que, entre outras coisas, visa a ampliação da produção de energia elétrica eólica. A expectativa é que, em 2016, a fonte eólica represente cerca de 5,5% da matriz elétrica brasileira.

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Na contramão dos números astronômicos, um novo tema permeia esse debate. No Brasil, as principais áreas onde estão sendo implantados os parques eólicos são territórios ocupados, historicamente, por povos e comunidades tradicionais. Sabe-se que, quanto mais alto o local de instalação, maior a velocidade dos ventos; por isso, é importante perceber porque a maioria dos parques estão instalados na zona costeira do nordeste, locais ricos em ecossistemas de dunas, que são propícios para a produção de energia. Nos últimos cinco anos, a chegada desses empreendimentos, sobretudo no Nordeste, foi marcada por graves impactos ambientais e sociais. Agudizou a grilagem de terra, a degradação ambiental, a limitação do acesso às comunidades. A instalação dos parques se dá através de processos de licenciamento ambiental simplificado, o que não permite um olhar profundo sobre as características ambientais, sociais, culturais e econômicas dos territórios. O direito à consulta das comunidades não é efetivado, pois a maioria dos empreendimentos não realiza sequer audiências públicas para apresentação dos projetos às comunidades, ou quando o realizam, não são viabilizadas as condições de participação desses grupos. Verifica-se no Nordeste Brasileiro avançado processo de descaracterização social provocado pela implantação de centenas de aerogeradores nos territórios de uso tradicional dessas comunidades; muitas delas tiveram seu direito de acesso negado. Verifica-se ainda, sobretudo nas áreas de campos de dunas, a privatização desses espaços utilizados para a reprodução social das comunidades e um avançado processo de degradação ambiental provocado pela fixação dos aerogeradores. Outro debate importante refere-se à forma em que se dão os leilões e, principalmente, os contratos de comodato entre as empresas e os proprietários, com o estabelecimento de multas abusivas e de pouca transparência nos processos de leilões. A maioria das empresas são multinacionais, mas há também a presença de consórcios de grandes empresas brasileiras. No entanto é comum, no decorrer das obras, mudar o nome do grupo/empresa ou consórcio responsável.

Dentre os principais impactos destacamos:

- grilagem de terras com o apoio do Estado;- desmatamento da vegetação costeira e ribeirinha;- impedimento do acesso das comunidades ao seu território, inclusive aos espaços de trabalho: mar, lagoas, rios;- alteração do modo de vida da comunidades, devido à grande circulação de veículos pesados, negando o direito de ir e vir da população local;- rebaixamento e salinização do lençol freático com o uso intensivo das águas das lagoas, influindo diretamente na agricultura e na reprodução das espécies marinhas;- privatização dos Territórios Tradicionais.

Intensificaram-se os conflitos entre os empreendimentos eólicos e os povos e comunidades tradicionais, por causa da opção do governo de viabilizar o projeto do capital internacional através das multinacionais, aliadas aos interesses das elites brasileiras. De costas para a diversidade étnica e cultural do seu povo e sem a devida responsabilidade com a biodiversidade e os recursos naturais, esse processo não leva em consideração a responsabilidade com as gerações futuras nem respeita a soberania do povo brasileiro. Desta forma, põe em risco o futuro do país ao sustentar um modelo de desenvolvimento degradador, concentrador e excludente. A discussão da energia eólica coloca para nós um grande desafio, junto com a tarefa de aprofundar o debate sobre a energia. É preciso refletir sobre o “para quê?” e o “ para quem?”, mas também é de fundamental importância discutir o “como”. A reflexão crítica sobre a relação entre produção de energia e o modelo de desenvolvimentista e excludente alia-se à importância de examinar a forma de produção. Não é apenas uma questão de matriz, pois a energia eólica empresarial, apresentada como energia limpa, carrega um passivo de degradação ambiental, de desterritorialização e de negação de direitos, principalmente o de os povos e comunidades tradicionais continuarem a se reproduzir social e culturalmente. Nesse sentido, gerar “energia limpa” de forma concentrada, por grandes empresas, através da expulsão das comunidades, não é solução para o povo brasileiro, e é preciso enfrentar este tema com o peso e a importância que ele tem no cenário.

Conselho Pastoral dos Pescadores

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Eficiência energética: utilizando melhor a energia que produzimos

O mundo é movido a energia e praticamente tudo o que fazemos envolve algum tipo de transformação energética, o que necessariamente implica em consumo de alguma forma de energia. No entanto, quando o consumo (ou demanda) cresce sempre mais do que a oferta, temos um problema, e uma das formas de lidarmos com ele é compreendermos e assumirmos a eficiência energética como uma alternativa. A eficiência energética pode ser entendida como o empenho feito para se utilizar da melhor maneira possível as fontes de energia em um nível adequado ao funcionamento de máquinas e equipamentos e sem comprometer o conforto humano. Isso pode ser traduzido também em uma utilização mais racional ou em uma “conservação” da energia. No que diz respeito ao uso da energia elétrica, o Brasil possui, desde 1985, o PROCEL1 que, segundo seu relatório de resultados referentes a 2012, neste ano contribuiu para uma economia de cerca de 9 mil GWh, o que equivale a 2% do consumo total de energia elétrica no período. Além do PROCEL¹ há também o Programa Brasileiro de Etiquetagem, que classifica equipamentos de acordo com sua eficiência, e o Programa de Eficiência Energética, que atua principalmente através da troca e melhoria de instalações e equipamentos e mudança de hábitos de consumo. No entanto, mesmo com estes programas, você sabia que, segundo a ABESCO2, o Brasil desperdiçou cerca 46,4 mil GWh só no ano de 2013? E que isto equivale quase à metade de toda a geração da usina de Itaipu no mesmo período (98,6 mil Gwh), ou seja, que “jogamos fora” cerca de metade da maior usina em geração elétrica do mundo? Como podemos verificar, o desperdício de energia elétrica ainda é muito alto no País, o que deixa claro a necessidade de uma discussão mais ampla desta alternativa pela sociedade brasileira. A eficiência energética pode trazer muitos benefícios, entre os quais a diminuição da demanda de energia com a consequente postergação de investimentos para a expansão do sistema de oferta de energia, o que já ajudaria a alterar a forma como o planejamento energético brasileiro é feito: a oferta (que no planejamento se traduz como “necessidade” de construção de usinas) tem sempre que “correr atrás” da demanda (que está sempre aumentando). Vale dizer ainda que, além do desperdício no consumo, o sistema elétrico brasileiro sofre com um enorme índice de perdas, que se aproxima dos 18% 3e que acaba tornando o nosso sistema ainda mais ineficiente. Você não acha que está na hora do Brasil utilizar melhor a energia que produz?

Joilson José Costa - Engº Eletricista

1- Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica: www.procelinfo.com.br.2 - Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Conservação de Energia: www.abesco.com.br.3 - Empresa de Pesquisa Energética – Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2013: www.epe.gov.br.

Energia descentralizada e a favor da vida

A fontes de energia deixaram de ser bens da natureza ou bens comuns, condições de vida para todos os seres vivos. Foram privatizados. Tornaram-se propriedade privada das famílias ou grupos econômicos com poder de compra em processos promovidos por Estados autoritários, autocráticos, oligárquicos ou relativamente democráticos. E quando mantidos como algo administrado pelo Estado,

tomaram a forma empresarial, com gestão voltada para a geração de lucros, sejam eles destinados a novas iniciativas de crescimento econômico ou distribuídos a acionistas, quando passaram a ser empresas mistas. O decisivo, para nosso debate, é dar-se conta que as fontes de energia foram apropriadas privadamente e exploradas de forma capitalista. A principal consequência desse processo é que o produto – a energia – tomou a forma de mercadoria, a ser vendida pelos mesmos proprietários para todos que têm necessidade dela. Como foi se tornando bem “de vida ou morte” para tudo que se faz e para todas as condições de vida, especialmente com a criação de grandes concentrações urbanas, os donos dessa mercadoria passam a ter um poder perigoso para a

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democracia e para a vida. Esse breve resumo descritivo de um longo processo nos dá a imagem do que significa o “sistema centralizado de energia”: a energia é produzida em grandes unidades de produção, e distribuída e vendida para os que se dispõem pagar por ela, por mais longe que se encontrem do local de produção. Junto com o poder de determinação de preços, está montado um sistema de desperdício: seja com perdas no transporte da energia, seja no interesse de que o consumo seja o mais alto possível, pois isso se trona fonte de lucros. Considerando que o IPCC nos revela, com dados seguros, que o sistema hegemônico de energia é responsável por mais de 60% dos gases de efeito estufa, pode a humanidade aceitar e submeter-se a ele? Quando e de que maneira serão assumidas e promovidas as propostas do IPCC para avançar na direção de outras formas de produzir e consumir a energia necessária para a vida sem agredir o meio ambiente da vida?Já existem práticas e, no caso brasileiro, está sendo lançada campanha em favor de mudanças na Política Energética governamental, propondo que se passe de fontes muito poluentes para fontes mais limpas e do sistema centralizado para a “produção e uso descentralizado de energia”. Em que consiste isso? Trata-se de retomar que as fontes e a energia

são bens comuns, e devem estar a serviço da vida das pessoas e da Terra. Por isso, em cada território em que comunidades vivem, a energia deverá ser produzida a partir das fontes disponíveis, privilegiando as que manos agridem a atmosfera e todo o ambiente da vida. A mais universal das fontes de energia é, óbvio, o sol, mas ele pode ser complementado por ventos, biogás, movimento natural de águas. O decisivo é que seja produzido nos telhados das casas, nos espaços comuns, sempre com participação e total controle das famílias de cada comunidade. Com isso, cai o desperdício, uma vez que o consumo se dá no espaço da produção. E todos poderão rever os usos, cuidando da eficiência energética. E essa reeducação os levará a agir como cidadãos, forçando a eficiência energética também nas empresas, nos espaços públicos... chegando ao ponto de colocar em questão se devem ou não ser mantidas atividades que exigem muita energia, como a mineração e setores industriais eletrointensivos... Vale perguntar-se: a descentralização da produção e uso da energia não será um dos elementos centrais da vida nos territórios do futuro, centrados na vida, na convivência, no cuidado do ambiente da vida?

Ivo Poletto – Fórum MCJS

Fracking: o Brasil dá um passo no escuro

O fracking é uma das principais técnicas de extração de gás xisto que se dá através da injeção de enorme quantidade de água, que pode conter areia e cerca de 650 outras substâncias químicas nocivas ao meio ambiente. Essa injeção, por sua vez, é responsável pelo fraturamento ou pulverização das rochas nas quais está o gás. Assim, sinteticamente, o fracking é uma técnica de fraturamento hidráulico que permite a exploração do gás contido numa dada formação geológica. A técnica é relativamente nova, sua exploração em grande escala foi levada a cabo nos EUA e, por conta de seus graves impactos, há muita polêmica e pouco conhecimento em relação às possíveis consequências ambientais dessa forma de exploração. Já são conhecidos casos de moratórias, temporárias ou permanentes, em algumas localidades, como, por exemplo, na França, no Canadá e na Holanda e, adicionalmente, há diversos municípios na Argentina, Itália, Suíça, Espanha e em outros países que também decidiram colocar fim a essa técnica de exploração. Isso porque, em primeiro lugar, há um consenso mais ou menos estabelecido de que o fracking é substancialmente mais danoso ao meio socioambiental do que as técnicas tradicionais; além disso, por já existirem artigos científicos que associam essa forma de exploração a diferentes impactos ambientais como, por exemplo, poluição e esgotamento de recursos hídricos, contaminação do solo e ar; por fim, a técnica pode até mesmo estar associada a ocorrência de abalos sísmicos. No Brasil, as discussões começaram a se dar em razão da ANP ter colocado a exploração de gás xisto em sua 12a rodada de licitações. Não deixa de ser curioso que, em sua nota técnica sobre o fracking, a agência faça citações sobre os casos de moratória e, simultaneamente, reconheça que há riscos e que as consequências ainda são pouco conhecidas, mas, mesmo assim, continue a incluí-lo na rodada de licitações. No mês de abril

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de 2014 a ANP publicou a resolução que regula o uso da tecnologia de fraturamento hidráulico para exploração de recursos não-convencionais (gás de xisto) no Brasil. A situação é ainda mais alarmante quando lembramos que dois dos locais onde se pretende realizar as explorações no caso brasileiro seriam o Aquífero Guarani e o Aquífero Parnaíba, conhecidos por serem das maiores reservas de água subterrânea do Cone Sul. Ainda que as consequências negativas do fraking sejam diversas, a relação da técnica com o esgotamento e a poluição de recursos hídricos é o que se tem verificado com maior frequência. Inclusive, a Justiça Federal deferiu o pedido de liminar do Ministério Público Federal no Piauí, em ação civil pública ajuizada pelo procurador da República Antônio Marcos Martins Manvailer, em novembro de 2013, determinando a imediata suspensão de todos os atos decorrentes da arrematação do bloco PN-T-597 pertencente à bacia do Parnaíba, no Piauí, no que se refere à exploração do gás xisto (gás não convencional). No entanto, mesmo considerando todos esses fatores, o governo parece querer realizar a qualquer custo seus planos de aumento de produção de gás em território brasileiro. Enquanto diversas organizações da sociedade civil demandam uma maior discussão e entidades científicas, como, por exemplo, a Academia Brasileiras de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, protestam publicamente contra a realização da licitação sem que sejam devidamente conhecidos os impactos socioambientais da exploração, o governo parece continuar pouco disposto ao diálogo.

IBASE

Energia e Transporte Energia e Transporte caminham próximos desde os primórdios da humanidade. Energia (gr. en, dentro e érgon, trabalho, ação) e transporte (lat. trans, a outro lado, e portare, levar, carregar) compartilham o essencial movimento da vida. E vêm evoluindo, graças a inteligências iluminadas, para “aliviar a canseira dos homens”, no dizer de Galileu. Nesse percurso, o Sol teve sempre papel crucial. De início, assegurando luz durante o dia – até que o homem descobrisse o fogo para iluminar também à noite. O sol, acionando o vento, permitiu a construção das primeiras velas, de modo a facilitar a travessia dos rios. Estudos mostram que transporte por barcos, com remos e velas antecedeu o transporte sobre rodas. Do fogo, o homem dominou recursos finitos, poluentes e caros, como o carvão, o petróleo, o

urânio. Mudanças no clima, altos custos, saúde, qualidade de vida, levam à busca de energia limpa, renovável, sustentável e menor custo. Assim, ao lado do vento, o Sol, benefício limpo, inesgotável, volta a brilhar, como alternativa, para que a energia – bem essencial – possa ser democratizada. Na mobilidade, igualmente, o engenho humano não cessa de evoluir: de início apenas a pé, depois se apoiando em animais - cavalos, bois, camelos, cachorros na neve; com a revolução industrial, tem início a ferrovia, depois os veículos automotivos, o aeroplano. Domínio do transporte em terra, nas águas, no ar. Na era atual, felizmente, graças ao esforço de muitos países, a pesquisa não cessa de evoluir, projetos inovadores são estimulados, legislação e políticas públicas implementadas, por estadistas com visão do progresso para o bem comum. Neste pequeno texto buscar-se-á defender a necessidade e a urgência de que políticas públicas, no Brasil, avancem em

direção ao futuro, promovendo transição para tecnologias verdes, sustentáveis: tanto na esfera da energia quanto na do transporte. Na energia renovável, a fotovoltaica é hoje cada vez mais competitiva, eficiente, com baixo custo, e permite prover energia abundante, praticamente gratuita. Em especial, eletricidade para as moradias, de modo descentralizado, conforme a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, sobre microgeração distribuída. No Brasil, 30% da energia consumida é residencial. Fomentar a energia solar nos domicílios permitirá diminuir demanda por novas hidrelétricas - cada vez com maior custo para o contribuinte e com impacto negativo para a vida de ribeirinhos e da Natureza. E sem mencionar os dramáticos óbices da energia nuclear. Mas, até o momento, o ministério da área ignora a existência da energia solar descentralizada. No transporte, tanto os trilhos quanto os veículos elétricos permanecem ignorados como política estratégica em nosso

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país, enquanto em nações mais avançadas, tanto por conta do caro e poluente combustível fóssil, que leva a restrições crescentes ligadas a emissões de carbono, quanto por razão econômica, é forte o fomento governamental no fortalecimento das ferrovias e metropolitanos (subterrâneos e de superfície), bem como no veículo elétrico automotivo – ônibus, utilitário, automóvel, motoneta. Especialistas, movimentos sociais, e setor produtivo buscam sensibilizar autoridades para que o Brasil não permaneça a reboque das tecnologias produzidas além mar! Vale assinalar que todos ganham com a virada energética, a transição para o novo: ar mais limpo, cidades mais silenciosas e saudáveis para todos, incluindo os que hoje lucram com transporte e energia poluentes e caros. O petróleo, produto finito, ao invés de ser queimado diariamente, envenenando nossa paisagem, continuará a ter valor agregado com as inovações da indústria petroquímica, presente em diferentes produtos. Entre os protagonistas dessa mudança pode-se citar a China, Alemanha, Japão, Estados Unidos. A China, graças a sua formidável revolução técnico-científica e pela necessidade de diminuir poluição, garantir trabalho, qualidade de vida, avança espetacularmente nas energias renováveis, o transporte sobre trilhos, o veículo elétrico: mais de 30 mil km de ferrovias nos últimos anos e seus ônibus elétricos estão atendendo centenas de cidades. Ainda neste mês de maio, a China Railway fez acordo para construção de uma High-speed railway na Nigéria, como início de uma estrada de ferro atravessando e unindo os países da África. A ferrovia, de alta velocidade, terá mais de 1000 km a um valor de 13 bilhões de dólares. Na energia,

o XII Plano Quinquenal prevê produção de 30GW para 2020. Hoje, a China conta com mais de 400 empresas de energia fotovoltaica e de energia solar concentrada/CSP, tendo mesmo criado o Vale Solar (China’s Solar Valley), localizado na província de Shandong: engenharia que inova em termos sociais, econômicos e ecológicos. Nesse contexto, a Comunidade Europeia vem apoiando o projeto do Veículo Elétrico Europeu. Em dezembro de 2014 realiza-se, em Bruxelas, o 3o. Congresso Europeu de Veículos Elétricos, tendo como eixo “Visão e Plano de Ação Europeu”. O Congresso objetiva fortalecer sinergias no campo da Mobilidade Elétrica. Em 1990, a Alemanha lançou o Programa 1000 Telhados, que deu início à instalação de painéis solares nas residências. A virada energética alemã se fortalece com a Lei das Energias Renováveis/EEG, no ano 2000. Em 2011 entra em funcionamento o grande parque solar ao sul de Brandemburgo. Atualmente as renováveis asseguram 25% da eletricidade alemã, prevendo-se chegar a 45% em 2025. A virada energética alemã é bem sucedida e já inspirou cerca de 80 países. Como exemplo, no norte da África, proliferam iniciativas. Em Abu Dhabi foi inaugurada, em 2013, a Shams 1, uma das maiores usinas de energia solar concentrada do mundo. O governo Obama aprofunda a política verde iniciada por Clinton: “Não podemos deixar a energia do sol e do vento apenas nas mãos da China e da Alemanha…”. Hoje, os Estados Unidos detêm forte protagonismo na P&D de parques solares e painéis solares residenciais. Em 2008, ao lançar o novo programa, o governo

local chamou o Arizona de “Golfo Persa da energia solar”. A estação solar Solana provê, sozinha, 5% da energia consumida no estado. Para o Departamento de Energia dos Estados Unidos, “o tremendo crescimento da indústria solar no país está ajudando a pavimentar o caminho para um futuro energético limpo e sustentável. Graças a redução nos custos - cerca de 75% nos últimos anos – mais famílias puderam ter acesso a esta energia farta e limpa”. Em fevereiro de 2014 o governo inaugurou, na Califórnia, o Ivanpah Solar Electric, considerado o maior parque de energia solar concentrada/CSP do mundo, capaz de atender 100 mil residências. Para Obama, produzirr energia limpa cria empregos, diminui emissões de carbono e avança a inovação no país. Projetos de energia solar se multiplicam, como os dos estados do Arizona, Califórnia, Nevada e Flórida. Fica a pergunta: Brasil, até quando esperar? O transporte público é entregue a operadores, pelas prefeituras, como negócio e não com remuneração justa pelo serviço público prestado. E, apesar dos fortes subsídios, os operadores, sem fiscalização, para maximizar lucros, não têm interesse em inovar, melhorar a qualidade, a eficiência, garantir real integração das linhas e da tarifa. Dificulta-se e até se impede mais metrôs, trens urbanos, Vlts. Ignora-se a possibilidade de desenvolvimento de veículo, de ônibus elétrico nacional, para melhorar o conforto e ajudar na migração do carro individual para o transporte público. Daí, o caos na imobilidade urbana, o carro lotando as ruas, ônibus quebrados, incendiados, paradas abarrotadas, revolta, sofrimento diário. Apartheid no transporte público planejado para o pobre. Da mesma forma, também

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na energia o modelo adotado busca maximizar o lucro: mais retorno para o operador quanto maior o consumo de energia. Então ficam as dúvidas: porque não se faz campanha em favor da eficiência energética? Porque não baratear lâmpadas de baixo consumo, como as LED? Porque não se promove energia solar descentralizada nas residências?

O Brasil espera que entidades sociais e empreendedores com visão despertem, sensibilizem as lideranças políticas para a urgência em colocar o país junto às nações que lideram a revolução verde no planeta em prol do progresso sustentável e da justiça social.Ciência, conhecimento, inovação para mais democracia, mais

equidade, mais tempo livre para si, para a família, amigos, a cultura – este é o caminho que deixa na distância o reino da necessidade e aproxima a todos do reino da liberdade.

Maria Rosa Ravelli Abreu. Cidade Verde/FE/DEX/UnB

Quando prevalecem os interesses econômicos: o caso da energia

nuclear no Brasil Em artigo na seção Debates do Jornal Folha de S. Paulo (14/01/2014), com o sugestivo título “Uma saída para o aquecimento”, o diretor do Instituto de Segurança Nuclear da Academia Russa de Ciências, Leonid Bolshov, aconselha o Brasil a construir usinas nucleares em seu território, para atender à crescente demanda por energia elétrica, devido ao crescimento econômico. O Dr. Bolshov partiu de uma premissa polêmica, controversa e, para alguns, falsa: a ideia de que usinas nucleares não produzem gases de efeito estufa e, portanto, contribuem para refrear o aquecimento global. Ele comete um “deslize” técnico ao não considerar que uma usina nuclear, para funcionar, precisa do elemento combustível. E, para se chegar a esse elemento combustível, o minério de urânio passa por um conjunto de processos industriais, do momento em que é encontrado em estado natural até a sua utilização em uma usina. É nesse ciclo do combustível nuclear que ocorre a emissão de gases de efeito estufa, em particular de CO2 (gás carbônico). Estudos internacionais mostram que é elevada a emissão desses gases por kWh produzido em uma usina nuclear. O que nos chama mais a atenção nesse artigo de opinião do Dr. Bolshov é a “coincidência” desse “aconselhamento técnico” acontecer poucos meses após a visita ao Brasil, em junho de 2013, de representantes da Rosatom – a corporação estatal do setor nuclear russo. A Rosatom engloba mais de 250 empresas e instituições científicas, incluindo todas as empresas civis nucleares da Rússia, as instalações do complexo de armas nucleares, organizações de pesquisa e a única frota de propulsão nuclear do mundo. E ocupa posição de liderança no mercado mundial de tecnologias nucleares. No Brasil, em junho de 2013, a Rosatom, realizou um seminário sobre a sua experiência global no desenvolvimento e aplicação de tecnologias nucleares, que contou com a presença de executivos da Rosatom e de grandes empresas brasileiras, de autoridades da área nuclear, de representantes dos Ministérios das Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia do Brasil, entre outros. A mensagem da empresa foi clara: caso haja interesse por parte do governo brasileiro, a Rosatom está disposta a construir, operar e financiar investimentos em usinas atômicas no país, através de acordos do tipo BOO (sigla do inglês “construa, seja o dono e opere”, cuja pronúncia é “búu” – seria um alerta?). Por esses acordos, a empresa russa receberia ações da companhia dona das usinas, proveria expertise técnica e a maior parte do financiamento, construiria as unidades e operaria as instalações. Claro, desde que haja mudanças na Constituição Federal de 1988, pois os art. 21, inciso XXIII, e 177 garantem o monopólio da União para toda a cadeia do urânio – da mineração à geração de energia elétrica. A cooperação russo-brasileira na esfera nuclear é regulada pelo Acordo Bilateral, assinado em 1994, entre o Governo da Federação da Rússia e o Governo da República Federativa do Brasil, o qual prevê uma parceria para usos pacíficos da energia nuclear. Em julho de 2009, os dois países concluíram um memorando de entendimentos para cooperação nuclear. E, em dezembro de 2011, a Rosatom Overseas, subsidiária da

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Rosatom, aderiu à Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan). Bem, está-se falando aqui de negócios bilionários, pois cada usina de 1.000 MW custa a bagatela de cinco bilhões de dólares (e o Plano Nacional de Energia 2030 prevê a construção de quatro dessas usinas). Cabe perguntar: será apenas coincidência a proximidade do artigo do Dr. Bolshov e a visita de negócios da Rosatom ao Brasil? Ou, mais uma vez, a “ciência” se subordina a interesses econômicos (e políticos)?

Heitor Scalambrini CostaProfessor da Universidade Federal de Pernambuco

Energia nuclear: uma opção carregada de dúvidas

Os defensores da energia nuclear afirmam categoricamente que ela é a fonte “mais limpa, mais barata e mais segura” com que se pode contar para atender às necessidades energéticas brasileiras. Esta afirmação é no entanto passível de grandes questionamentos. É o que se espera que aconteça no Fórum Social Temático Energia. Dizem que é limpa porque não contribui para poluir a atmosfera com o dióxido de carbono, que leva ao aquecimento global. Mas as atividades de mineração de urânio não contribuem? E a própria construção das usinas, que em condições normais exige uma dezena de anos? Pior do que isso: ela deixa um legado de “lixo atômico” para a nossa e para muitas futuras gerações. Há subprodutos das usinas que levarão milhares e mesmo milhões de anos para perderem sua radioatividade, e até hoje busca-se saber onde é mais seguro guarda-los, pela eternidade... Dizer que é a mais “barata” é outra inverdade. Se contarmos somente o custo da montagem e operação das usinas pode-se chegar eventualmente a um preço relativamente modesto, para o quilowatt a ser vendido. Mas se contarmos nesse preço o que custará o desmonte das usinas (o chamado “descomissionamento”), quando terminar o “prazo de validade” da usina, os preços dobram... E se contamos os gastos provocados pelos acidentes os valores disparam. Custa muito a evacuação de milhares de pessoas atingidas pelos desastres e o atendimento posterior de suas necessidades. A descontaminação dos locais se eleva a valores astronômicos. Veja que está acontecendo hoje em Fukushima (acidente de 2011) e mesmo em Chernobyl (acidente de 1986), onde está sendo construído um segundo “sarcófago” para “segurar” a radioatividade que ainda escapa do reator acidentado. Quem paga tudo isso não são as empresas construtoras e operadoras que vendem a energia produzida mas o poder público... Nem falemos dos acréscimos de custos na construção e operação, determinados pelas normas mais severas que a Agência Internacional de Energia Atômica vai definindo, após cada grande acidente que ocorre... Como também não falemos dos imensos territórios que tem que ser interditados para o uso humano durante gerações, após cada acidente. Mas o pior mesmo é a segurança. Não se está falando em segurança no sentido de continuidade de produção, porque essas usinas não dependem de ventos, de agua ou mesmo de sol. O problema da segurança é o dos acidentes. Não há obra humana 100% segura. E um acidente nuclear é algo assustador, pela dispersão de partículas radioativas que provoca e que se depositam em extensos territórios e nos rios e mares, por muitas gerações, contaminando todos os seres vivos que neles existam e que não podem se transformar em alimento ou nem mesmo serem tocados. A questão da insegurança das usinas nucleares é tão sério que ela se transforma de problema técnico em problema ético: que direito tem nossos dirigentes políticos de nos impor esses riscos? Há esses e muitos outros aspectos dessa opção energética que poderão ser discutidos no FST-Energia. Como por exemplo todos os problemas que atingem a população das áreas de mineração do urânio. Essa discussão é importante porque o que mais caracteriza essa opção é a desinformação que existe a seu respeito. Difundem-se muitas inverdades e a realidade é guardada a sete chaves, como um segredo militar – setor da atividade humana do qual a energia nuclear surgiu, como herdeira da tecnologia da bomba atômica. Espera-se que o FST-Energia contribua para diminuir um pouco essa desinformação.

Chico Whitaker, da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares e da Articulação Antinuclear Brasileira.

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