representações sociais e a construção da consciência histórica
Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE HISTÓRIA
FELIPE MENDES ANDRAOS
DIDÁTICA DA HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS
PARADIGMÁTICAS NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA
GOIÂNIA
2015
FELIPE MENDES ANDRAOS
DIDÁTICA DA HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS
PARADIGMÁTICAS NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA
GOIÂNIA
2015
Monografia apresentada ao curso de graduação em História da Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em História, sob a orientação do Prof. Dr. Rafael Saddi Teixeira.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Monografia de autoria de Felipe Mendes Andraos, intitulada “DIDÁTICA DA
HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS NA
DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA”, apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em História da Universidade Federal de Goiás em 03 de julho
de 2015, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
Professor Dr. Rafael Saddi TeixeiraOrientador
História - UFG
Professor Dr. Roberto Abdala JúniorHistória - UFG
Goiânia2015
Dedicatória:
Dedico este trabalho a toda minha família, que ao
longo de todo o curso me auxiliou e me ajudou a
encontrar o caminho certo diante de tantas
incertezas. Em especial a minha vó pela paciência,
apoio e por toda a sabedoria ensinada durante esta
longa caminhada.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente aos meus pais, Marita Andraos e Mozandir Mendes
Ferreira por todo apoio, amor e compreensão durante toda a jornada do curso de
História.
Aos meus irmãos, Mariana, Manuela e Gabriel Andraos pelas risadas,
conselhos e pelas conversas nas madrugadas de insônia.
Aos meus tios, Georges Andraos, Marina de Carvalho Batista, Cláudio
Andraos, Socorro Martins e Suzana Oliveira por me ensinarem a importância do
amor de família.
Agradeço aos meus tios-avôs, Suzana, Barbara e Leandro Helou por todo
carinho e auxilio que me deram durante a produção da monografia.
A minha tia desencarnada, Lucy Helou, que durante todo meu ensino médio
me recebeu para o almoço e me fez sentir em casa.
Aos meus amigos José Moreira e Victor Augusto que em muitas ocasiões me
salvaram da monotonia da vida de estudante e me levantaram meu astral.
Agradeço aos meus amigos Ary Pimenta e Luiz Pavlik pelas sessões de
cinema, pelos conselhos amorosos e por todas as viagens feitas de madrugada à
Cidade de Goiás e Pirenópolis.
As minhas amigas Jéssica Ribeiro e Rebeca Stephanie, e meu amigo Rock
Hudson pelas festas, baladas e churrascos que em muitas ocasiões me impediram
de surtar e me ajudaram a levar a vida com mais calma.
Aos meus primos, Heitor Andraus, Arthur Andraus, Ricardo Andraus,
Bernando Helou e Bruno Helou pelas risadas e por dividirem comigo momentos
incríveis.
Ao meu grande amigo do curso de História, Diogo Pontes, pelas festas,
conversas na pamonharia, jogos do Vila Nova e por todas as vezes que me ajudou
nas disciplinas do curso e na vida.
Agradeço minha namorada, e futura esposa, Isabelle Pereira, por toda
paciência, amor e companheirismo durante a produção da monografia.
Agradeço especialmente, a minha vó, Nadja Helou, por ser a pessoa que fez
tudo isso se realizar, pelas conversas, pela paciência, pelos seriados de
investigação que me faziam esquecer os problemas, e pelo mais importante, por ter
me ensinado a acreditar em mim mesmo e no próximo.
EPÍGRAFE
“Se queres prever o futuro, estuda o passado”.
Confúcio
RESUMO
A presente monografia busca analisar a mudança paradigmática que a Didática da História brasileira
vem sofrendo nos últimos 10 anos, influenciados por intelectuais alemães da década de 60 e 70.
Tendo consciência da importância do ensino de História para formação de uma identidade coletiva
que inclua todos os grupos da sociedade e garanta uma maior autonomia reflexiva frente às
narrativas históricas feitas pelos meios de comunicação. Para tal foi usados artigos de historiadores
brasileiros que debatem sobre o tema para compreender os aspectos do conceito de consciência
histórica e suas implicações no ensino e aprendizado de História no Brasil.
Palavras-chave: Didática da História; Ensino de História; Consciência Histórica; Identidade; Ensino e
aprendizagem e História.
ABSTRACT
The present work has the aim to analyse the paradigmatic change that the Brazilian didactic of history has been suffering in the last 10 years affected by German intellectuals during the ‘60s and ‘70s. It is essential to be aware about importance of the history teaching for the formation of a collective identity that includes all groups in the society and ensures a bigger reflective autonomy from of historical narratives done by the media. Therefore, for this was used articles of Brazilian historians that discuss about the subject to comprehend the features of the concept of the historical conscience and its implication on teaching and learning History in Brazil.
Words-key: Didactic of History; History teaching; Historic conscience; Identity; Teaching and learning and History.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1. UM NOVO CONCEITO DE DIDÁTICA DA HISTÓRIA NA ALEMANHA OCIDENTAL..........................................................................................................................14
1.1. Uma breve análise da Didática da História na Alemanha Ocidental.....................14
1.2. A mudança de paradigma na Didática da História alemã......................................22
2. A MUDANÇA PARADIGMÁTICA NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA....................................................................................................................29
2.1. Uma breve analise sobre a construção do código disciplinar do ensino de História no Brasil..................................................................................................................30
2.2. Consciência histórica como objeto de pesquisa da Didática da História brasileira..................................................................................................................36
2.3. Campo de investigação de uma Didática da História ampliada..............................40
2.4. Didática da História e Ciência da História..............................................................45
3. CONCLUSÃO...................................................................................................................50
REFERÊNCIAS......................................................................................................................53
10
INTRODUÇÃO
Ao longo de muitos anos a Didática da História teve seu conceito limitado à
seleção e simplificação dos resultados das pesquisas acadêmicas para a
transmissão dentro das salas de aula, ou seja, a Didática da História acabou por se
tornar uma disciplina que se preocupava quase que exclusivamente com a
metodologia de ensino dentro do ambiente escolar, se aproximando, muito mais de
áreas como a pedagogia, e se afastando da Ciência da História. Sua demarcação
especial dentro do recinto escolar também afastava seu caráter prático, uma vez que
o principal objetivo era apenas passar conhecimento dos fatos históricos ocorridos,
sem nenhuma preocupação de como esse conhecimento poderia auxiliar no dia a
dia dos alunos. Resumindo a Didática da História seria apenas “uma ferramenta que
transporta conhecimento histórico dos recipientes cheios de pesquisa acadêmica
para as cabeças vazias dos alunos” (RUSEN, 2006, p.8).
Apesar do difuso conceito de Didática da História existente atualmente, nem
sempre foi assim, antes da transformação da história em ciência no final do século
XIX e começo do XX, o principal objetivo de se ensinar e aprender história era sua
utilização para a vida prática, sendo que a história serviria como exemplo, usando
acontecimentos do passado como guia para o presente e projeção para um futuro
provável. Até a metade do século XIX existiam historiadores como Johann Gustav
Droysen que acreditavam que a história estava ligada inseparavelmente da vida
prática das pessoas (ASSIS, 2014, p.4-5). Aprender história não era apenas um
hobby ou uma curiosidade sem utilidade, mas era antes de tudo um modo de se
orientar diante do mundo e das pessoas.
A partir da década de 60, surge um novo conceito de Didática da História na
Alemanha Ocidental, retomando o caráter prático do ensino e aprendizado de
história anterior à cientifização da história. Neste momento aconteceu o que Rüsen
chamou de “mudança de paradigmas” (2006, p.11), onde diversos intelectuais
começaram a ponderar os limites e funções do ensino e aprendizado de História. A
agente central desta mudança foi o conceito de consciência histórica, discutida por
diversos historiadores durante a segunda metade do século XX, tais como Rüsen
(2001) e Agnes Heller (1993), o que trouxe um olhar mais amplo para Didática da
História.
11
Quando a nova Didática da História insere a consciência histórica como seu
objeto de pesquisa, isso afasta a Didática da História do campo da Pedagogia e a
leva para mais perto da Ciência da História, não se preocupando somente com a
metodologia de ensino de História dentro da sala de aula. Mas estendendo seu
campo de pesquisa a todas as áreas onde a consciência histórica fosse alvo
passível de ações.
Como consequência a Didática da História passou a se preocupar com o
ambiente que vai além do escolar, pois agora qualquer discurso histórico, dentro ou
fora da sala de aula, é essencial para a compreensão da construção da consciência
histórica dos alunos. Assim as produções históricas feitas pelas emissoras de
televisão, jornais, revistas, sites da internet, livros, teatros, filmes, músicas e outros
meios de comunicação acabam entrando na mira dessa nova Didática da História,
na medida em que elas também são influenciadoras da consciência histórica das
pessoas. Nessa perspectiva a Didática da História ganha uma importância
fundamental, pois ela forneceria as ferramentas reflexivas advindas da Ciência da
História para “combater” narrativas históricas esquemáticas, oferecendo orientações
de sentido pautadas cientificamente para um melhor agir na práxis.
Tendo em mente que o novo conceito de Didática da História busca entender
os diversos sentidos da consciência histórica, observando sua importância diante
das narrativas históricas e da orientação de sentido para vida prática, esse trabalho
parte do seguinte problema: de que maneira o conceito de consciência histórica
altera e transforma o caráter da Didática da História no Brasil.
Minha hipótese é: sendo a consciência histórica o objeto de pesquisa de uma
Didática da História ampliada, tanto os objetivos, como o campo e a localização
disciplinar da Didática da História se alteram completamente. Visto que a
consciência histórica é algo inerente a qualquer ser humano, e que, assimila
qualquer exposição histórica no viver cotidiano. É importante entender, que, a
Didática da História, já não pode ser resumida a composições de práticas
metodológicas de ensino e aprendizado da disciplina escolar de História, pois não se
aprende somente dentro das salas de aula. Isso ampliaria seu campo de pesquisa
para todos os elementos da sociedade que fornecem narrativas históricas. Do
mesmo modo, também não se pode enquadrar a Didática da História
academicamente em uma área fora da Ciência da História, pois é apenas ela que
12
possui competências científicas para lidar com os enunciados elaborados fora da
escola.
O objetivo geral deste estudo é entender quais mudanças ocorreram na
Didática da História brasileira com a inserção do conceito de consciência histórica.
Tendo como objetivos específicos definir qual é o objeto central de investigação de
um ensino e aprendizado de História ampliada, assim como identificar seu campo de
atuação como uma disciplina inerente a Ciência da História. Se importando,
também, com as vantagens da expansão desse novo conceito de Didática da
História para a sociedade.
Redefinir os objetos, as funções e o campo de exercício da Didática da
História não é somente necessário pelo fato de garantir aos acadêmicos da História
o direito de pensarem a atividade de sua própria profissão. Muito além disso, trazer
a consciência histórica como objeto do ensino e aprendizado de História faz com
que a Ciência da História, como autoridade científica em narrativas históricas, se
preocupe com o tipo de orientação que a sociedade está recebendo fora das salas
de aula.
Vivemos em um contexto onde a internet e as tecnologias possibilitam uma
grande facilidade no acesso a qualquer tipo de informação, inclusive as históricas.
Isso permite que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, possa escrever e
ler conteúdos de natureza histórica. O que auxilia a propagação de discursos
históricos inventados ou elaborados com intenções unicamente pessoais, sem
qualquer comprometimento com a metodologia do trabalho histórico. Indo além do
mundo digital também é notável a grande quantidade de produções históricas feita
pela grande mídia com características duvidosas, que em muitos casos constrói
narrativas superficiais, não levando em conta o contexto dos acontecimentos ou
sendo superficiais na analise pesquisada.
Com toda essa abundância de possibilidades de comunicação e divulgação
de informações, é importante que a Didática da História investigue que tipos de
consciências históricas estão sendo produzidas na sociedade, e que, juntamente
com a Ciência da História, se preocupe em dar respostas a estas produções
esquemáticas. Neste âmbito a relevância deste trabalho pode ser imprescindível,
uma vez que o novo conceito de Didática da História tenta trazer a História como
Ciência para fora do ambiente escolar, preparando os alunos para lidar com
13
qualquer retórica histórica de maneira racional e questionadora, evitando abusos de
poder pela mídia ou por partidarismo político.
Para tal, adotei neste trabalho uma pesquisa bibliográfica com textos
produzidos pelos autores atinentes aos conceitos de Didática da História e
Consciência Histórica, fazendo um debate entre as ideias dos autores e analisando
o resultado de suas obras para as ampliações no campo da Didática da História.
Para a pesquisa sobre o novo conceito de Didática da História surgida na Alemanha
Ocidental, nas décadas de 60 e 70, usei artigos de historiadores alemães como Jorn
Rusen (2001, 2006, 2007 e 2012), Klaus Bergmann (1989) e Bodo Von Borries
(2012). Já para analisar a Didática da História brasileira e suas particularidades me
prendi aos artigos de historiadores como Rafael Saddi Teixeira (2010 e 2012), Luiz
Fernando Cerri (2001, 2004 e 2010), Oldimar Cardoso (2008), Maria Auxiliadora
Schmidt (2004, 2006 e 2009) e Ana Claudia Urban (2009).
O trabalho foi divido em três capítulos, o primeiro apresenta uma breve
análise da Didática da História na Alemanha Ocidental e apresenta a ideia de alguns
autores alemães sobre o tema. No segundo capítulo discorro sobre a construção do
código disciplinar de História no Brasil durante o último século, assim como faço
uma analise sobre a mudança paradigmática que a Didática da História brasileira
vem passando. Seguindo esta estrutura, tento analisar os temas pertinentes as
transformações ocorridas no objeto de pesquisa, no campo e na localização
disciplinar que estão ocorrendo na concepção de ensino e aprendizado de História,
assim como apontar futuros benefícios que essa ampliação pode trazer ao convívio
social.
14
Capítulo 1 – Um novo conceito de Didática da História na Alemanha
Ocidental
Nos anos 60 e 70, surgiu na Alemanha Ocidental um novo conceito de
Didática da História, ao contrário do tradicional modo de ensino de História que
vinha sendo produzido na época. Esse novo conceito de Didática da História
retomava uma velha característica anterior ao século XIX: a do ensino de História
voltada para orientação da vida prática.
Segundo Koselleck (apud, SADDI, 2010, p. 67), deste da antiguidade clássica
a escrita de História era vista como um “conjunto de exemplos” que serviam para
orientar e instruir as pessoas na vida prática, ou seja, se “escrevia história
esperando que os homens aprendessem algo para a vida” (RÜSEN, 2007a, p.88). A
ausência de uma Didática da História sem preocupação com a vida prática deixaria
aberto uma lacuna, onde o individuo sem condições de se orientar e pensar
historicamente se encontraria a mercê de qualquer produção histórica simplista,
perigosas ou não, que poderiam influenciar negativamente na formação de sua
identidade.
1.1. Uma breve análise da Didática da História na Alemanha
Ocidental
Antes mesmo dos historiadores considerarem seu trabalho um exercício
científico, até o século XVIII, a preocupação com o ensino e aprendizagem em
História rodava em torno de ajudar nas resoluções dos problemas da práxis. A
escrita da História estava intimamente ligada a poder auxiliar os indivíduos a viverem
melhor e se planejarem melhor. Segundo Rüsen (2006, p.8):
O conhecido ditado “historia vitae magistral” (história mestra da vida), que define a tarefa da historiografia ocidental da antiguidade até as últimas décadas do século dezoito, indica que a escrita da história era orientada pela moral e pelos problemas práticos da vida, e não pelos problemas teóricos ou empíricos da cognição metódica.
15
A escrita histórica que até o século XVIII servia como coleção de exemplos
para a vida, foi se tornando vago e sem sentido. Os acontecimentos e as mudanças
a partir do século XIX foram se tornando mais frequentes, passando uma sensação
que o passado já não servia como orientação para o presente. Conforme Koselleck
(apud, SADDI, 2010 p.68):
Até o século XVIII, o emprego de nossa expressão (História Magistra Vitae) permanece como indício inquestionável da constância da natureza humana, cujas histórias são instrumentos recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou políticas. Mas, da mesma forma, a perpetuação de nosso topos aludia a uma constância efetiva das premissas e pressupostos, fato que tornava possível uma semelhança potencial entre os eventos terrenos. E, quando uma transformação social ocorria, era de modo tão lento e em prazo tão longo, que os exemplos do passado continuavam a ser proveitosos. A estrutura temporal da história passada delimitava um espaço contínuo no qual acontecia toda experimentação possível. (KOSELLECK, 2006, p. 43)
A transformação e legitimação da História em ciência a partir do século XIX foi
substituindo a Didática da História pela metodologia científica e afastando cada vez
mais o ensino e aprendizado de história como guia para a vida. A Didática da
História foi relegada a uma área fora da Ciência Histórica, onde sua única
preocupação seria com a transmissão dos conhecimentos produzidos dentro das
universidades.
Apesar de, essa distanciação ser cada vez mais presente no século XIX,
ainda existiam pesquisadores como Johann Gustav Droysen que acreditavam que
metodologia da Ciência Histórica deveria ser combinada ao uso prático na vida. Para
ele o ensino de História voltado para a vida prática traria maiores possibilidades de
reflexão e compreensão do presente, que teria como consequência um maior
desenvolvimento da humanidade. Segundo Arthur Alfaix (2014, p.4), que discorre
sobre Droysen:
Todavia, Droysen julgava que a ciência histórica se revestia, paralelamente, de uma utilidade algo mais prosaico. Seria útil não só à resolução de certas tensões inerentes à religiosidade cristã, mas também a outros planos da vida prática dos seres humanos. Por isso, não é exagero dizer que, para ele, a atividade dos historiadores se liga ao desempenho de uma boa variedade de funções de uma orientação cultural. Para Droysen, a historiografia não deve ser feita como um fim em si mesmo, como uma espécie de arte pela arte, movida pela pura vontade de compreender mais e melhor uma porção do passado. Deve, antes, consistir numa interpretação pragmática do presente, capaz de dotá-lo da autoconsciência necessária para garantir a continuidade da própria história enquanto processo objetivo de desenvolvimento da humanidade.
16
Mesmo existindo ideias como a de Droysen, a Didática da História caiu no
abismo do esquecimento, a legitimação da História como Ciência foi colocada como
prioridade pelos historiadores profissionais e a preocupação com ensino e
aprendizado de História e sua utilidade para a vida, foi esquecida. Deixando de ser
uma disciplina que reflete sobre sua própria atuação, como dito por Rusen (2006,
p.8):
Como os historiadores do século XIX se esforçaram para tornar a história uma ciência, este público foi esquecido ou redefinido para incluir apenas o pequeno grupo de profissionais especialistas treinados. A didática da história não era mais o centro da reflexão dos historiadores sobre sua própria profissão. Ela foi substituída pela metodologia da pesquisa histórica. A “cientifização” da história acarretou um estreitamento consciente de perspectiva, um limitador dos propósitos e das finalidades da história. A esse respeito, a cientifização da história excluiu da competência da reflexão histórica racional aquelas dimensões do pensamento histórico inseparavelmente combinadas com a vida prática. Desse ponto de vista, pode ser dito que a história científica, apesar de seu clamor racionalista, havia conduzido aquilo que eu gostaria de chamar “irracionalização” da história.
Na Alemanha Ocidental, assim como na maioria dos países, foi se moldando
uma Didática da História onde o principal objetivo era a formação de professores.
Tendo, como propósito o treinamento em duas áreas específicas, a primeira
relacionada com a pragmática, que cuidava das metodologias de ensino e
aprendizado em sala de aula, se relacionando com a pedagogia. A segunda era
teórica e importava-se em focar nas condições e nos propósitos do ensino e
aprendizado histórico, associando-se com as disciplinas “que têm relação com os
fenômenos de ensino e aprendizagem” (RÜSEN, 2006, p.9), como a Ciências
Sociais, a Pedagogia e a História.
Com a Didática da História e a Ciência da História em diferentes polos, foi se
criando durante todo século XX a concepção de uma Didática da História que Rusen
(2006, p.10) chama de “didática da cópia”. Esse conceito se refere a uma Didática
da História estreita, que age diretamente, com metodologias de ensino próprias da
Pedagogia, no ensino e aprendizado dos alunos dentro da sala de aula. A Didática
da História se comunica com a Ciência da História, apenas para traduzir a produção
do conhecimento científico em uma linguagem simplificada para o uso em salas de
aula. Por esse motivo também é chamada de “reprodução didática” por Rüsen, pois
17
serve apenas como uma mediadora entre o discurso culto dos profissionais da
História e o ensino para estudantes secundaristas, sendo assim “o currículo primário
e secundário de história consistia em nada mais do que resumos simplificados de
estudos padrão em história”.
Podemos falar que o afastamento da Didática da História da reflexão para a
vida prática e da Ciência da História levou a uma contração tanto de campo de
pesquisa e atuação, como a uma área disciplinar fora da Ciência da História, se
preocupando quase que exclusivamente com as metodologias de ensino e
aprendizagem de História. Assim a Didática da História se pôs como uma disciplina
ligada à Pedagogia, que cuidaria apenas do ensino dentro da sala de aula, sem
nenhum comprometimento com as produções históricas feitas fora das instituições
de ensino ou com nenhuma ligação direta com a Ciência da História. Resumindo
esse conceito dessa Didática da História restrita, Rusen (2007, p.89) discorre:
Em contraste grosseiro com essa terminologia está a difundida noção atual (e não é de hoje), aparentemente indestronável, de que a didática é alguma coisa completamente externa à história como ciência. Ela se ocuparia da aplicação a da intermediação do saber histórico, produzido pela história como ciência, em setores do aprendizado histórico fora da ciência. Os didáticos seriam transportadores, tradutores, encarregados de fornecer ao cliente ou à cliente - comumente chamado de “aluno” ou “aluna” - os produtos científicos. A didática relacionaria-se com o saber histórico produzido cientificamente como o marketing se relaciona com a produção de mercadorias.
Logo a Didática da História foi resumida a metodologias de ensino de História
dentro de sala de aula, e a Ciência Histórica se restringiu às metodologias de
pesquisas. Era necessário um alongamento conceitual para que tanto a Didática da
História percebesse sua conexão com o trabalho dos historiadores, como a Ciência
da História compreendesse sua ligação com a vida prática dos homens. (SADDI,
2010, p.71)
Porém, antes de falar das mudanças ocorridas no ensino de História na
Alemanha Ocidental é preciso entender o contexto que motivou os historiadores
alemães a buscarem uma nova conceituação sobre a Didática da História no país.
Segundo Rafael Saddi (2014), no final da década de 60 o ensino de História
se encontrava em uma crise de legitimidade na Alemanha Ocidental. O período pós-
guerra revelou que os jovens alemães já não se identificavam com a velha geração.
Ficou claro no final da década de 60 que havia um conflito de gerações acontecendo
18
em diversos países do globo, e na Alemanha Ocidental não foi diferente. Os filhos se
recusavam a seguir o caminho dos pais, não se preocupavam com o trabalho ou em
seguir carreira, se voltando mais para a busca de diversões e prazeres pessoais.
É fácil compreender o choque entre as gerações no final da década de 60 e
durante toda década de 70. Os homens e mulheres que viveram as décadas
anteriores passaram por duas grandes guerras, e sobreviveram aos tempos de crise,
onde a privação de bens materiais e alimentícios eram frequentes. Assim, é
compreensível a maior rigidez e a preocupação com a carreira dos filhos, pois, se
guiavam no presente com a imagem que tinham do passado. Como também era
normal o jovem negar o reflexo de seus pais, sua realidade não era a mesma, e eles
já não conseguiam se identificar com as gerações anteriores. Segundo Saddi:
Para usar um termo de Koselleck (2006), o espaço de experiência se rompeu com a grande guerra, de forma que as normas da geração anterior não poderiam servir para o novo tempo. Este ruptura está expressa claramente no surgimento da juventude como um grupo social de conduta peculiar. Os cabelos grandes, o jeans, o rockn’roll, a maconha e o LSD, tudo isto formava parte da criação de um estilo de vida distinto dos pais: “não confio em ninguém com mais de 30”, dizia o lema de 68, “Eu não serei o que meu velho é” (Ich will nicht werden was mein Alter ist), dizia uma das letras da banda de rock alemã Ton Steine Scherben.(2014, p.136)
Todavia, a Alemanha Ocidental tinha uma peculiaridade em relação aos
outros países que participaram da guerra e que também perderam: a experiência
nazista. Mais que negar o modo de vida dos pais, os jovens alemães negavam a
semelhança com a geração anterior que teve participação no holocausto.
Saddi defende que, diante da experiência nazista, as gerações mais novas
começaram a mostrar desejo de debater sobre o nazismo. Porém, a Ciência da
História e do ensino da História ainda continuava com as antigas características dos
tempos de Bismark e Hitler, deixando de suprir uma necessidade evidente na
sociedade das décadas de 60 e 70. (2014, p. 137)
Enquanto a História e o ensino de História não conseguiam mais dar
respostas à sociedade, outras disciplinas como a Sociologia, haviam se modificado e
procuravam analisar a relação entre os saberes científicos e “os interesses da
sociedade”. Como consequência a História foi perdendo sua importância social, pois
não produzia nenhuma orientação temporal capaz de responder as angustias da
sociedade. Nas palavras de Saddi (idem):
19
A história e o ensino de história começaram a perder espaço para as outras disciplinas que eram consideradas mais relevantes. No âmbito da disciplina escolar mesmo, ela começou a ser retirada dos currículos da alguns estados, sendo substituídas pelas disciplinas de Ensino da Sociedade (Gesellschaftchaftslehre), no estado de Hessen, e pela Sociedade/Política (Gesellschaft/Politik), em Nordrhein-Westfalen. (JEISMANN e KORSTHOR, 1979). Os professores de história começavam, assim, a perder cadeiras para os sociólogos e para os cientistas políticos. (JEISMANN, 2000)
Desta forma, a História e o ensino de História se encontravam no que
Sywottek (1974) chama de crise de legitimidade. É nesse contexto que surge uma
preocupação em pensar uma Ciência da História e uma Didática da História que, de
alguma forma, dê retorno à sociedade. Legitimando a importância da História para a
coletividade. (SADDI, 2014, p. 136).
Assim, como resultado de uma crise de legitimidade da História na Alemanha
Ocidental, aparecem as primeiras formulações e alterações no objeto de pesquisa
da Didática da História.
Desta maneira, a partir dos anos 60, a realidade começou a se alterar e um
número cada vez maior de profissionais da História se preocupava com “a tarefa
básica da cognição histórica e da função política dos estudos históricos” (RÜSEN,
2006, p.10), tentando aproximar a História de outras Ciências Sociais.
Agora a preocupação não era somente com o conjunto de métodos e técnicas
que seriam utilizados dentro da sala de aula. Tampouco, se resumia a transmissão
dos saberes dos ambientes profissionais para o escolar. Os historiadores começam
a se questionar se o ensino de História estaria realmente restrito a escola.
Também, era necessário dar uma resposta à sociedade e legitimar sua
existência disciplinar. Pensando nisso a Didática da História começou a se
preocupar com o uso da História fora da esfera escolar. E até que ponto a produção
das narrativas históricas extraclasse poderiam interferir no processo de aprendizado
de História. Assim, a Didática da História ampliou seu campo de “auto-reflexão e do
auto-entendimento histórico”. Ou seja, a Didática da História na Alemanha “passou
por aquilo que poderíamos descrever como uma mudança de paradigma” (Ibidem,
p.11).
Estas ampliações no campo auto-reflexivos e do auto-entendimento histórico
discutido por Rüsen, surgiram em um momento que o sistema universitário alemão
passava por uma expansão. Permitindo que mais historiadores lançassem seus
20
conceitos sobre a Didática da História, e buscassem uma concepção que abarcasse
compreender discursos históricos nos meios sociais.
Outro acontecimento que fortaleceu a ideia de uma mudança em torno do
conceito de Didática da História na Alemanha Ocidental, foi à criação de dois
periódicos. Um fundado em 1975, Geschichte und Gesellschaft, que tinha o objetivo
de divulgar obras de cunho teóricas e metodológicas, vinculando-se com outras
ciências sociais. E o segundo, criado um ano depois, Geschichtsdidaktik, que tinha
Klaus Bergmann como um de seus editores, e que pretendia ser uma nova reflexão
sobre o ensino de História e sua ligação com a vida prática na década de 70.
Ocorreu desta maneira, uma enorme mudança entorno da Didática da História
nesse novo cenário da década de 60. Por um breve momento “a Didática da História
se estabeleceu como uma disciplina específica com suas próprias questões,
concepções teóricas e operações metodológicas” (RÜSEN, 2006, p.11). Mas sua
ligação com a Pedagogia ainda era parte da realidade, pois a reflexão da Didática da
História sobre a vida prática ainda não era a visão predominante entre os
historiadores. Apenas com aproximação do conceito de consciência histórica foi que
algumas alterações começaram aparecer.
Com a inserção da consciência histórica como objeto da Didática da História,
é que surge um novo modo de se pensar Didática da História. Entendendo como
consciência histórica o que Rüsen (2001, p.57) descreve como: “(...) a suma das
operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo”.
Quando a consciência histórica entra, para muitos intelectuais, como objeto
da Didática da História na Alemanha Ocidental, Rüsen (2006) aponta quatro pontos
principais de discussão entorno do ensino e aprendizado de história: as
metodologias de instrução, as funções e os usos da história na vida pública, o
estabelecimento de metas para educação histórica nas escolas e a verificação se
estas têm sido atingidas, e por último, função e importância da consciência histórica.
Os debates em torno das metodologias de instrução aconteceram porque o
ensino de História ainda estava ligado à velha metodologia, feita de modo mecânica.
E tinham como foco buscar compreender como o ensino de História surte efeito na
consciência histórica dos alunos e em sua relação com a vida prática. Segundo
Rüsen, os historiadores da década de 70 ainda tinham poucas ideias de como isso
21
funcionava, porém uma pesquisa empírica realizada em Bochum demonstrou que
“(...) história como coleção de exemplos conduzindo a regras gerais do
comportamento humano – é a forma pela qual a história é apropriada pelos alunos,
sem que os professores se atentem para isso”. Ou seja, “(...) o processo de ensino e
aprendizado na sala de aula é governado por uma estrutura da consciência histórica
não reconhecida pelos próprios participantes”. (2006, p.13).
O segundo problema rondava em torno de definir questões, métodos e
estratégias para pesquisar a função do conhecimento e da explicação histórica na
vida pública. Como na década de 70 esse campo era novo, não havia muitas
aproximações teóricas e metodológicas sobre o tema específico. Mas para Rüsen
(2006), a Didática da História para investigar os meios públicos deveria andar em
plena conexão com as outras ciências que investiga.
Em terceiro lugar, também entre as discussões principais sobre o ensino e
aprendizado de História, era o estabelecimento de objetivos da educação histórica e
descobrir como estes objetivos têm sido alcançados. Apesar de muitos defenderem
a ideia de que o objetivo da Didática da História era a emancipação dos homens e
mulheres através do saber histórico, para outros historiadores como Rüsen, esse
objetivo não era próprio da discussão histórica, pois “ele estava muito ligado a outras
ciências sociais e à educação política geral”. (Ibidem, p.14).
O quarto ponto mais abordado pelos pesquisadores da Didática da História na
Alemanha Ocidental da década de 70 era: a análise da natureza, função e
importância da consciência histórica. O debate girava em torno de estabelecer
funções e objetivos para a consciência histórica dentro do ensino e aprendizado de
História. Apesar de ser um ponto onde a discussão entre os historiadores alemães já
tinha avançado em relação a outros temas, mas que acaba sendo definido segundo
as concepções individuais de cada intelectual.
Outra mudança ocorrida na definição de Didática da História foi a sua
localização disciplinar científica. O ensino de História que era visto como um
conjunto de método e técnicas, que se localizava bem próximo a Pedagogia, foi
ganhando no início das mudanças, uma personalidade interdisciplinar. Muitos
intelectuais como Klaus Bergmann (1989), Rüsen (2006) e Annette Kuhn (1977)
defendiam que a Didática da História não podia ser uma disciplina localizada
somente na Pedagogia ou na Ciência Histórica. Mas sim uma Ciência que usa
elementos tanto da Ciência da História como da Pedagogia.
22
Porém, segundo Saddi (2010, p. 73), na década de 70 a definição de uma
Didática da História como subdisciplina da Ciência Histórica foi se tornando
predominante. Em 1974, essa concepção aparece pela primeira vez em um grupo
de estudo do Encontro de historiadores da Associação dos historiadores e
historiadoras da Alemanha de Braunschweig. Que em 1976, deixou mais explicito
suas preocupações em torno da “Teoria da História, Pesquisa e Didática da
História”.
Contudo, incluir a Didática da História como uma subdisciplina da Ciência da
História, mais do que uma mudança conceitual e metodológica. Também alterava a
responsabilidade da formação do professor de história, que por muitos anos se
concentrou nas áreas de Pedagogia.
Assim, como uma subdisciplina da Didática da História, que investiga a
consciência histórica em toda sociedade. O ensino e aprendizado de História
começaram a ganhar novamente sua relação com a vida prática, por permitir uma
melhor relação dos homens e mulheres com o passado, resultando em um presente
e futuro orientado e planejado reflexivamente. Dando a humanidade o direito de ser
dono de seu próprio futuro.
1.2. A mudança de paradigma na Didática da História alemã
Dois autores que contribuíram de forma significativa para a mudança de
paradigma da Didática da História alemã na década de 60 e 70 foram Klaus
Bergmann (1989) e Jorn Rüsen (2007). Porém, é importante compreender que
estes não foram os únicos autores alemães que trataram sobre o tema do ensino de
História na Alemanha Ocidental, mas sim, um dos poucos que tem suas obras
traduzidas para o português. Assim como Rüsen, também, não foi o “formulador de
uma concepção única e individual” sobre a consciência histórica. Diversos
historiadores auxiliaram na transformação conceitual a respeito da Didática da
História e o conceito de consciência histórica. Entre eles podemos citar alguns:
Pandel, Schörken, Jeismann e vários outros. (SADDI, 2014, p.134-135)
23
Os grupos de historiadores que articulavam em torno da constituição de uma
nova concepção de Didática da História não eram homogêneos e se dividiam por
diferenças políticas. Havia aqueles denominados de esquerda, que acreditavam em
seu caráter emancipatório (“didática da história crítico-comunicativa”), como Annette
Kuhn. Assim como, aqueles mais a direita com posições liberais-conservadoras
(“didática da história teórica da formação”), defendida por Joachim Rohlfes. E
também o movimento de centro, que se organizou em torno do conceito de
consciência histórica, sendo Rüsen um dos representantes desse grupo.
Podemos falar que o conjunto de esquerda, segundo Saddi (2014), era
composto por Pandel, Bergmann e Annette Kuhn. E defendiam uma Didática da
História que tivesse compromisso com a emancipação dos homens e mulheres,
através do ensino de História que derrotasse as condições históricas de opressão.
Já no grupo de direita, perto de Rohfels, se encontrava Jeismann. Rohfels
acreditava que a Didática da História poderia contribuir com desenvolvimento da
sociedade, as reformas seriam feitas cautelosamente e sem a necessidade de
revoluções. O centro, representado por Rüsen, era articulado em volta da
consciência histórica e aprendizagem histórica. Porém, isso não impedia que grupos
de esquerda utilizasse o conceito de consciência histórica para fortalecer o caráter
emancipatório, já que muitos deles abraçavam uma concepção diferente de
consciência histórica.
Bergmann e Pandel, por exemplo, não compartilhavam o conceito de Rüsen
sobre consciência histórica, segundo Saddi (2014, p.139) eles acreditavam que a
consciência histórica era o resultado “(...) da recepção de toda forma da História (...)
na consciência dos indivíduos e coletivos”. Visão que Rüsen discordava por julgar a
consciência histórica uma “reconstrução narrativa do próprio homem”.
Outro ponto de discordância entre Rüsen e Bergmann, era sobre o objeto de
pesquisa da Didática da História. Rüsen defende a ideia de que o objeto de
investigação da Didática da História é o aprendizado histórico, que defini como os
processos de interpretações de experiências relacionadas com o passado e que
resultam em narrativas históricas. Todavia, não deixa de dar importância à
consciência histórica para o ensino e aprendizado de História, pois o “(...)
aprendizado histórico é uma das dimensões e manifestações da consciência
histórica”. (2006, p.16)
24
Deste modo, no momento que o aprendizado histórico passa a ser objeto de
pesquisa da Didática da História, o ensino e aprendizado de História retomam seu
lado reflexivo sobre a vida prática, pois a consciência histórica não se limita
unicamente ao ambiente escolar, ela se amplia a todas as produções históricas
feitas na sociedade, jornais, revistas, programas de televisão, cinema, etc. Assim
como, passa a dialogar com a Ciência da História, primeiro por que usa o conceito
de consciência histórica, que exige análises e estudos científicos relacionados com a
Ciência Histórica, para entender profundamente como se dá o processo de
constituição da aprendizagem histórica. Segundo, por que a História realizada pelos
profissionais também é norteadora de uma consciência histórica.
O aprendizado de história transforma a consciência histórica em tema de didática da história. ⁸ Vale lembrar que os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos aprendizes, nos quais a consciência histórica desempenha um papel. Abre-se assim o objeto do pensamento histórico para o vasto campo da consciência histórica, e a didática da história caiu nas malhas da teoria da história⁹. (RUSEN, 2007, p.91)
O contrário também ocorre, a aproximação da teoria da história com a
Didática da História também é necessário para Rüsen:
Inversamente, a teoria da história aproxima-se forçosamente da didática da história. Quando as carências de orientação, que emergem das situações extremas da vida concreta no tempo, são transformadas em motivos para a obtenção de conhecimento histórico, não se pode evitar que essas carências possam (devam) ser entendidas nas diretrizes curriculares e nos programas de ensino escolar. (Ibidem)
A consciência histórica faz a ligação entre o agir da vida prática com o
aprendizado e ensino da História, cabendo à Didática da História saber como se
constitui o pensamento histórico. E para tal, é extremamente importante saber como
a mídia e os discursos políticos influenciam na consciência histórica, pois sendo o
ensino de história um importante fator de construção de identidade, as
manifestações extraescolares podem acabar preenchendo as carências de
orientação das pessoas com produções históricas simplistas, que impedem uma
auto-reflexão crítica para o convívio social.
25
É nesse momento que a Ciência da História se apresentaria para a Didática
da História, ela ofereceria as bases científicas para um ensino de História mais
racionalizado, que supriria as carências de orientações e permitiria uma maior
reflexão para o dia-a-dia das pessoas. Ao mesmo tempo a Ciência da História teria a
tarefa de preservar as construções históricas dos abusos políticos através da
importância que lhe é atribuída no discurso histórico. (RÜSEN, 2007, p.86).
Para Rüsen (2007) não se pode deixar as perspectivas da Didática da História
tão restrita à metodologia de ensino e aprendizado de história dentro da sala de
aula. Essa concepção de Didática da História afasta o caráter científico e prático do
ensino de historia, assim como traz problemas para a formação histórica das
pessoas, entendendo por formação:
(...) o conjunto das competências de interpretação do mundo e de si próprio, que articula o máximo de orientação do agir com o máximo de autoconhecimento, possibilitando assim o máximo de auto realização ou de esforço identitário. Trata-se de competências simultaneamente relacionadas ao saber, à práxis e à subjetividade. (RUSEN, 2007, p.95)
Já para Bergmann (1989) a Didática da História tem na consciência histórica
seu objeto de pesquisa. Sendo seu objetivo principal, investigar qual tipo de
consciência relacionada com o passado está sendo produzida socialmente. A
consciência histórica é usada como um objeto que pode traduzir o modo como o
coletivo pensa historicamente. Somente assim a Didática da História vai poder
viabilizar uma consciência histórica que certifique uma harmonia entre os diversos
tipos de identidade, essa seria uma das tarefas empíricas da Didática da História
ampliada.
A Didática da História se preocupa, ao mesmo tempo, com o fato de possibilitar uma consciência histórica, constituída de tal maneira que garanta uma identidade ou identificação do individuo com a coletividade na evolução dos tempos, favoreça uma práxis social racionalmente organizada e compreenda a História como um processo, cujos os conteúdos e qualidade humanos podem ser melhorados pela ação e intervenção dos agentes históricos. Com isso, ela pressupões que a consciência histórica esteja condicionada socialmente e leve a ou frutifique efeitos sociais. (BERGMANN, 1990, p.31-32)
Ao fazer esse movimento de analisar e orientar a práxis humana com os
conhecimentos históricos, a Didática da História vai além da simples pesquisa
26
descritiva. E se compromete, também, com a validação de produções históricas
feitas fora da sala de aula. Conforme Bergmann (Idem):
Mesmo nessa tarefa empírica de investigação, a Didática da História nunca está orientada numa dimensão exclusivamente descritiva mas, pelo contrário, investiga esta consciência histórica na intenção de impedir que se transmita ou amplie orientações práticas ou motivações e práticas historicamente superadas. A partir dessas intenções, a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História.
Como afirma Bergmann, a Didática da História possui função de investigar
todo tipo de consciência histórica produzido nas escolas e fora dela. O que inclui
como “objetos, também todos os veículos e meios de comunicação que contribuem
na formação da consciência histórica” (BERGMANN, 1989, p.32), indo de revistas,
museus, livros didáticos, jornais, teatros, cinema, propagandas ou qualquer outro
meio de elaboração de discursos históricos. Somente desta forma é possível a
Didática da História entender qual tipo de consciência histórica é predominante na
sociedade.
Por consequência, fazer da consciência histórica seu objeto de pesquisa faz,
com que a Didática da História ganhe um compromisso com a Ciência da História,
pois somente ela, com seus métodos científicos, possui condições de validar os
diversos discursos históricos produzidos pelos meios de comunicação. A Didática da
História também garante a Ciência da História “se opor ao perigo da Ciência
Histórica se isolar das necessidades legítimas de uma orientação histórica daquela
sociedade que, em ultima análise, a sustenta”. (BERGMANN, 1989, p.34).
Para que a Didática da História tenha sucesso em sua investigação da
consciência histórica e possa oferecer orientações históricas racionalmente
produzidas, Klaus Bergmann defende a necessidade de tarefas que possibilitem
uma reflexão histórico-didática: a tarefa empírica, a tarefa reflexiva e a tarefa
normativa da Didática da História. (BERGMANN, 1989, p.29).
A tarefa empírica da Didática da História teria compromisso em investigar “o
que é apreendido no ensino da História”. (BERGMANN, 1989, p.29). Ou seja, o que
está sendo captado como história, isso inclui qualquer experiência onde a
consciência histórica é influenciada. Assim o cenário de investigação da tarefa
empírica é bastante amplo e não se resume só a mídia ou o ensino de história nas
27
escolas, mas também as experiências não propositais que de algum modo atuam na
consciência histórica.
A segunda tarefa da Didática da História é a reflexiva, ela tem por objetivo
investigar a produção histórica dentro do âmbito científico. Se preocupando em
analisar os resultados das pesquisas históricas feitas pela Ciência da História e o
impacto desses resultados na vida prática das pessoas.
A terceira e última tarefa é a normativa, ela se ocuparia de fundamentar,
através da Didática da História, o ensino de História. Segundo Klaus Bergmann
sobre a tarefa normativa (1989, p.31):
(...) a didática se ocupa sobretudo com a fundamentação da disciplina da História no ensino, no contexto histórico e social, e com a educação e formação intencionais nelas contidas. Trata também, por outro lado, da exposição/representação da História feita pelos mass-media e meios de comunicação de massa, como, p.ex., filmes, televisão, vídeo, rádio e imprensa. A Didática da História procura também explicitar os pressupostos, condições e metas na aprendizagem da disciplina específica da História, os conteúdos a serem transmitidos, os métodos e as categorias e as possibilidades de estruturação dos conteúdos a partir das categorias didaticamente escolhidas na Ciência Histórica e analisa também as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora da escola.
Portanto a Didática da História para Bergmann (1989), assim como para
Rüsen (2007), é inseparável da Ciência da História. Juntas elas oferecem à
sociedade orientações de sentido no agir historicamente da vida prática,
possibilitando uma maior reflexão diante das narrativas produzidas pelos meios de
comunicação. Porém, isso não significa que a Didática da História deva perder sua
preocupação com as problemáticas metodológicas do ensino de História. Em suma,
para Bergmann, a Didática da História nunca deixou de ser uma disciplina
preocupada com a didática, ela somente ampliou seus campos de atuação às áreas
da vida cotidiana e as salas restritas das academias universitárias, e voltou a se
preocupar com seu caráter prático para as pessoas, e na “formação de uma
identidade orientada racionalmente” (BERGMANN, 1989, p.38).
Mesmo defendendo conceitos diferentes de consciência histórica, e
possuindo ideias distintas sobre o objeto da Didática da História. Rüsen e Bergmann
se aproximam quando dão a Didática da História um caráter científico, ao mesmo
tempo em que acreditam na importância dos saberes de outras ciências para o
ensino de História. Localizando a Didática da História em um campo interdisciplinar,
28
entre a Ciência da História e a Pedagogia. Posição defendida, também, por Annette
Kuhn.
Porém uma visão oposta começou a surgir e se tornar predominante na
década de 70. Jeismann (1977), por exemplo, defendia que a uma Didática da
História que têm a consciência histórica como seu objeto de pesquisa, possuía uma
“Função Didática Básica da História”. Que conforme Saddi (2010, p.74), que cita
Jeismann, “quer-se dizer que qualquer afirmação sobre o passado tem um elemento
didático inerente”. Que significa que qualquer discurso histórico, científico ou não,
tem efeito sobre nós no presente, pois qualquer relação com o passado se
transforma em orientação para o presente.
Desta forma, a Didática da História “lidaria com orientação temporal
inerentemente produzida pela história” (Ibidem, p.75). Sendo o meio profissional do
historiador produtor de narrativas históricas, de pensamentos históricos, a Didática
da História por consequência, deveria ser uma subdisciplina da Ciência da História.
É como subdisciplina da Ciência Histórica, que Jeismann acredita que a Didática da
História pode atingir toda sua potencialidade, investigando a consciência histórica
predominante, e proporcionando através da racionalidade da Ciência Histórica, uma
orientação reflexiva para o presente.
De toda forma, independentemente das posições defendidas por cada
intelectual alemão, a Didática da História da década de 70 já não era mais a mesma,
sua funções, objetivos e campo de atuação sofreram uma ampliação. Agora a
investigação da consciência histórica permitia uma preocupação com qualquer tipo
de produção sobre o passado feita extraclasse, o ensino e aprendizagem de História
começam a se questionar sobre a consciência histórica predominante na sociedade.
E a partir disso, usando da Ciência Histórica e suas metodologias, validar estes
discursos públicos, e garantir uma melhor orientação na vida prática.
29
Capítulo 2 – A mudança paradigmática na Didática da História
brasileira
Com tantos meios de aprender história fora da sala de aula, é inadmissível
que a Didática da História, uma disciplina que tem por função o ensino e
aprendizado de História, se negue a refletir sobre sua própria essência. Ainda mais,
em uma realidade onde as tecnologias de comunicação estão largamente difundidas
no cotidiano da sociedade, realidade que só tende a expandir nos próximos anos.
Dentro desta ótica, a Didática da História não pode fugir dos dilemas
relacionados com seu exercício, deve, ao contrário, raciocinar sobre os problemas
que se apresentam e se necessário expandir seus limites e objetos para além das
metodologias do ensino escolar. É nesse movimento que estudiosos brasileiros
como Oldimar Cardoso (2010), Luiz Fernando Cerri (2001, 2004 e 2010), Maria
Auxiliadora Schmidt (2004,2006 e 2009), Ana Claudia Urban (2009) e Rafael Saddi
(2010, 2012 e 2014) começaram a refletir sobre a Didática da História brasileira.
Primeiro é necessário compreender como foi construído o código disciplinar
do ensino de História no Brasil e o processo que resultou na pedagogização da
Didática da História brasileira. Buscando analisar brevemente as mudanças
relacionadas ao ensino e aprendizado de História no Brasil durante todo século XX,
entendendo como o contexto alterou os objetivos do ensino de História e levou sua
aproximação de outras áreas, como a Pedagogia.
Em segundo, é importante entender como surgiu uma preocupação por parte
dos historiadores brasileiros em incluir o conceito de consciência histórica na
Didática da História. Concomitantemente, também é através da consciência
histórica, que o ensino e aprendizado de História sofrem profundas mudanças na
sua estrutura. Esse aspecto foi observado por Luiz Fernando Cerri (2010), que
defende que o Brasil vem passando por uma “mudança paradigmática” na Didática
da História.
Porém, que mudanças estruturais são estas? E que ampliações elas trazem
sobre o conceito de Didática da História? Seria a consciência histórica o objeto da
Didática da História? Se sim, o campo de preocupação da Didática da História
sofreria alguma alteração? E como isso afetaria sua localização como disciplina
científica?
30
Podemos dizer que o conceito de consciência histórica trouxe três
importantes alterações na Didática da História brasileira, todas conectadas entre si.
A primeira mudança é o objeto de pesquisa da Didática da História, a segunda está
relacionada com seu campo de pesquisa e a terceira com a posição que ocupa
dentro do espaço disciplinar científico. Dessa maneira, para entender melhor suas
transformações é necessário discorrer sobre cada uma separadamente.
2.1. Breve análise sobre a construção do código disciplinar
brasileiro
A Didática da História no Brasil estava voltada para instrução das
metodologias de ensino e aprendizado dentro de sala de aula e sem nenhuma
preocupação prática com os discursos históricos no ambiente público. Todavia
estamos vendo nos últimos anos uma reação a essa presente concepção de
Didática da História. Influenciados pela Didática da História alemã, historiadores
brasileiros veem derrubando os muros da antiga definição de Didática da História e
mostrando até onde o ensino e aprendizado de História pode auxiliar na construção
de uma sociedade mais racional.
Em primeiro lugar é importante entender como a Didática da História ganhou
o caráter pedagógico em toda sua trajetória. O atual modelo da Didática da História
se resume a uma tradição de ensino e aprendizado de História no ambiente escolar.
Ou seja, a instrução e formação do ensino de História presente foram construídas
durante décadas de atuação em sala de aula e, suas técnicas, regulamentos e
discursos foram moldados durante o dia a dia dos professores de História dentro da
escola, que no final constrói o que Fernandez Cuesta chama de “código disciplinar”.
Segundo Cuesta (apud SCHMIDT, 2009, p.206).
El código disciplinar de la História es, por tanto, una tradición social que se configura historicamente y que se compone de um conjunto de ideias, valores, suposiciones e rutinas, que legitiman la funcion educativa atribuída a la História y que regulam el orden de la práctica de su enseñanza. Alberga, pues, las especulaciones y retóricas discursivas sobre su valor educativo, los contenidos de sua enseñanza y los arquétipos de práctiva docente, que se suceden en el tempo y que se consideran, dentro de la cultura dominante, valioso e legitimo. En suma, el código disciplinar
31
compreende lo que se dice acerca del valor educativo de la Historia, lo que se regula expressamente como conocimiento histórico y lo que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones, prácticas y contenxtos escolares impregnam la acción institucionalizada de los sujetos profesionales (los profesores) y de los destinatários sociales (los alumnos) que viven y reviven, en sua acción cotidiana, los usos de educación histórica de cada época. Usos que, naturalmente, no son ajenos, todo lo contrario, a la lógica de producción y distribución del conocimiento [...]. (FERNÁNDES CUESTA, 1998, p.8-9).
Cuesta usou o conceito de código disciplinar para investigar as disciplinas que
eram ligadas ao ensino e aprendizagem em História e chegou à conclusão que,
historicamente, o código disciplinar da Didática da História poderia ser estudado
através de “textos visíveis”, como currículos, legislações sobre a educação, manuais
e pelos programas escolares. Como também por “textos invisíveis”, como, por
exemplo, as experiências pessoais dos professores dentro da sala de aula (URBAN,
2009, p.31).
É seguindo o conceito de código disciplinar de Fernándes Cuesta, que alguns
pesquisadores da área de História, como Maria Auxiliadora Schmidt e Claudia
Urban, começaram a usar documentos (“textos visíveis”, como currículos, manuais
de professores) para investigar a elaboração do código disciplinar de História no
Brasil. Tais autoras tinham o intuito de entender as etapas de construção da Didática
da História, os discursos dominantes presentes no ensino de História e quais eram
os objetivos a serem atingidos com determinado tipo de ensino. Porém, no Brasil o
estudo desses documentos não ficou restrito apenas às disciplinas chamadas de
Didática da História, pois havia várias designações cabíveis ao termo.
No Brasil, essa disciplina tem aparecido, historicamente, com várias denominações, como Didática da História, Metodologia do Ensino de História e Prática de Ensino de História, nos cursos de licenciatura, destinados à formação do professor de História. (SCHMIDT, 2006, p.711)
Segundo Nadai (apud SCHMIDT, 2004, p. 190) o “marco institucional
fundador o Regulamento de 1838 do Colégio D. Pedro II” foi um dos fatores que
“determinou a inserção dos estudos históricos no currículo”. A história aparece
nesse período como uma importante ferramenta de criação de uma nacionalidade.
Através da elaboração de uma “história comum” a todos se desejava formar e definir
uma identidade nacional para o Brasil. É nesse contexto que se começa a elaborar a
história como disciplina escolar e consequentemente o código disciplinar da História.
32
Assim, o processo de construção da História como disciplina escolar inseriu-se, a partir da segunda metade do século XIX, no próprio movimento de construção e consolidação do Estado Nacional, no bojo dos embates entre monarquistas e republicanos e da necessidade de definição de uma identidade nacional. A proclamação da República, em 1889, explicitou a importância da História, principalmente a História do Brasil, para a formação de um determinado tipo de cidadão. Este processo consolidou-se com a Revolução de 1930, no movimento de defesa da importância da educação para a formação do cidadão e o desenvolvimento do país. (SCHMIDT, 2006, p.715)
Foi analisando as obras de um dos maiores educadores de história do
começo do século XX, Jonathas Serrano, que Maria Auxiliadora Schmidt (2004) nota
uma aproximação do ensino de História com a Pedagogia. Em um contexto que
passava por uma crise de identidade cultural, onde vários movimentos como a
Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, a greve de 1917 e a Semana de Arte
Moderna em 1922 contestavam e punham em xeque a criação de uma identidade
única, pensadores acreditavam na educação como maneira de fortalecer as diversas
identidades regionais em apenas uma, a brasileira. A educação passou a
representar, para muitos o remédio para as doenças da sociedade brasileira. Para
isso era necessário reformas que estruturassem e preparassem o Brasil para
mudanças.
Paralelamente à crença no poder regenerador da educação explicita-se a crença de que deveriam ser promovidas mudanças, reformas e reformulações do modelo pedagógico existente, o que foi chamado de “otimismo pedagógico”. Esse movimento esteve fortemente marcado pelo ideário da Escola Nova, inspirando reformas estaduais de escolas primárias, práticas escolares experimentais e a produção de obras pedagógicas que valorizavam principalmente o conhecimento da evolução psicológica do educando e a aplicação dos processos intuitivos do ensino (SCHMIDT, 2004, p.195).
A produção de obras com o intuito de renovar a educação aumentou durante
o início do século XX, e elas se dividiam em duas vertentes principais, segundo
Schmidt: “Em sua maioria apresentam a educação como instrumento de
regeneração social; o segundo conjunto trata de obras de pedagogia em geral,
produzidas por especialistas que procuram realizar análises técnicas e científicas
sobre questões educacionais. (2004, p.195)” Jonathas Serrano se encontrava dentre
os que se preocupavam com as formulações metodológicas do ensino de História,
buscando métodos e tecnologias que serviriam para uma melhor aprendizagem do
aluno. Apesar de ser crente que o ensino de História era uma preparação para a
33
vida do aprendiz, seu objetivo e esforço foram na direção de criar melhores
maneiras de se ensinar História. Conforme Jonathas Serrano, citado por Schmidt
(Ibidem, p.196):
O desconhecimento dos bons methodos não acarreta apenas sensível perda de tempo, prejuízo alías já não despiciendo; traz ainda a fadiga, produz o tedio e quasi sempre gera aversão crescente a matéria mal ensinada. O mau mestre consegue tornar odiosa a sua disciplina. Ao contrario o professor familiarizado com todos os variadíssimos recursos dos modernos processos pedagógicos opera verdadeiras maravilhas, vence as mais obstinadas antipathias e logra fazer, do que seria aridez e cansaço, um esforço agradavel, synonymo quasi de prazer23.
Em 1931, após a Revolução de 30, o ensino de História dá outra guinada
rumo à pedagogização. Agora não haveria apenas a preocupação de construir um
ensino de História mais preocupado com as metodologias, isso já estava sendo feito,
o que ocorre neste momento é a formalização e consolidação do ensino e
aprendizado de História como parte indissociável das metodologias de ensino, ou
seja, houve uma aproximação oficial da História com a Pedagogia. Um dos
principais motores a “... grande novidade da Reforma Francisco Campos, de 1931, à
introdução das Instruções Metodológicas” (SCHMIDT, 2006, p.716). Agora não
haveria saída, a metodologia de ensino de disciplinas era o centro de obsessão dos
estudiosos, que “enfatizavam a renovação metodológica como o caminho para a
construção de um ensino necessário à formação do cidadão mais crítico”.
(SCHMIDT, 2004, p.205)
É a partir da década de 70, segundo Ana Claudia Urban (2009), que cita
Oliveira, que o ensino de História começa a ser aos poucos o objeto de pesquisa de
acadêmicos:
Historicamente, as universidades no Brasil pouco se voltaram para a questão do ensino. Na pesquisa histórica e sobre o ensino de História, não foi diferente. O ensino de História foi visto, até a década de 60, como área de formação, não como objeto de pesquisa.[...]Conseguëncia natural desse distanciamento na formação inicial do professor, o ensino também não se configura como objeto de pesquisa nos programas de pós-graduação. Afinal, a Academia também tem seus temas e objetivos de estudo considerados nobres. Um tema, cujo principal profissional é tão desvalorizado socialmente, não poderia ocupar espaços privilegiados nos projetos de pesquisa.[...]Foi, portanto, pós-década de 70, que as preocupações com a formação do professor, de ensino de história e seus correlatos, passam a fazer parte, como objeto de reflexão, análise e pesquisa, de uma forma mais enfática,
34
no universo dos licenciados, bacharéis e pesquisadores de História, em geral.A ANPUH espelha o encaminhamento dado pela categoria. A partir de 1977, é posta a discussão e, nos dois Simpósios seguintes (1979 e 1981), consolidaram-se todas as ações necessárias para incluir no quadro de sócios da entidade de professores dos outros níveis de ensino, além de professores universitários. (OLIVEIRA, 2003, p. 38, 41 e 48).
Apesar da Didática da História ganhar uma maior visibilidade dos cientistas
históricos, isso não alterou seu status anterior, pois ela ainda fazia da metodologia e
da transmissão dos conhecimentos históricos sua base central.
Em primeiro plano se formalizou o ensino da disciplina de História com a
intenção de criação de uma identidade nacional e construir um cidadão exemplar.
Após a Revolução de 30, com a Reforma Francisco Campos, o que se viu foi uma
educação voltada para formação de pessoas mais críticas, porém sem perder de
vista o civismo, a intenção de criar um cidadão consciente de sua importância na
construção de país mais forte. Com a ditadura militar não foi diferente, o objetivo
ainda era a de formar o cidadão comprometido com os atos cívicos ensinados a ele.
Porém quando a ditadura militar cai, e um processo de redemocratização se inicia, a
Didática da História se encontra em uma nova crise. Segundo Cerri (2010, p.266):
Há uma crise atual no ensino de História que persiste no Cone Sul. Com o fim das ditaduras militares, não se admite mais que o ensino de História continue sustentando na Doutrina da Segurança Nacional, que aliás havia se apropriado muito eficazmente dos esquemas de produção ideológica e afetiva de civismo, dentro da sua versão escola. Superadas as ditaduras, a crise de identidade social que se manifesta no ensino de História pode ser traduzida na seguinte pergunta: qual indivíduo queremos forma, para qual projeto de nação?
Para Luiz Fernando Cerri, reafirmar as posições das décadas anteriores e
usar Didática da História como moldadora de atitudes cívicas, com o objetivo de
construção de uma pátria mais forte, já não produz sentido para nossa realidade,
pois:
Entre vários pesquisadores, Christian Laville duvida que o ensino de História continue tendo essa importância ou sendo capaz de promover a formação sólida dessas atitudes. Parte do motivo está no fato de que até as atitudes cívicas não são mais as que se esperava do cidadão de meados do século XX6. Se a História ensinada não é mais o locus privilegiado da formação do cidadão – (será que um dia já foi?) – aprende-se em outras instâncias e de outras maneiras, que não formalmente e/ou na escola. Essa consciência é um dos fatores que ajudam a descolar o papel e o perfil da Didática da História na contemporaneidade. (CERRI, 2010, p.266)
35
Levando em conta a noção citada por Cerri, o ensino de História não serviria
mais a formação de um cidadão responsável com seus deveres públicos, até por
que não era apenas a escola e os educadores que se encontravam livres das
censuras da ditadura militar. Os meios de comunicação agora também se viam
abertos e prontos para dispararem informações de todo caráter, o que foi
potencializado pela internet e sua possibilidade de livre divulgação de informações,
permitindo que indivíduos apreendam história por outras fontes. E não raro,
podemos encontrar pessoas que tomam atitudes opostas daquelas desejadas pelos
educadores em história das décadas anteriores.
Quem seria o bom cidadão, o modelo ao qual os professores de história, as escolas e os movimentos deveriam dirigir seus esforços? Decerto não é mais aquele que apoia os governos, entendendo-os como encarnação da nacionalidade. Pelo contrário, ir contra os governos não raro é um ato de civismo, mesmo com tantos governos colando sua imagem à ideia da própria nação. (CERRI, 2010, p.267)
Com a difusão de todos os meios de comunicação como internet, tvs, rádios,
jornais, revistas, filmes, músicas, livros, teatros, etc., a história agora não está presa
apenas à sala de aula e às academias universitárias. Qualquer acontecimento
histórico agora é facilmente registrado em um simples acesso pelos celulares
contemporâneos. Construções de conhecimentos históricos aprendidos dentro das
salas de aulas são desconstruídas e negadas por fontes como revistas e jornais, que
também podem ser desconstruídas por uma terceira, quarta ou quinta fonte, vinda
de qualquer direção. O problema não se trata das várias possibilidades de aprender
história, nem das concepções e ideais que estas fontes carregam, mas sim da
validação dessas diante da Ciência da História, que possui a competência de lidar
de modo científico com todo tipo de conhecimento histórico. É nesse contexto que a
Didática da História ampliada aparece como uma solução de orientação às pessoas
diante das produções históricas feitas em qualquer área da sociedade.
36
2.2. Consciência histórica como objeto de pesquisa da Didática da
História brasileira
Segundo Rafael Saddi (2012, p.212) a visão padrão da Didática da História
reduz as questões de ensino e aprendizagem da história à elaboração de
metodologias e técnicas de ensino, se preocupando em como ensinar melhor e
transmitir o conteúdo de uma maneira onde o aluno aprenda mais facilmente. Ou
seja, “ela é a área que se preocupa com o modo como os professores devem
ensinar História na sala de aula”. Assim restringe seus objetivos e funções à criação
de técnicas, métodos e instrumentos para o ensino e aprendizado em História no
ambiente escolar.
Contudo, sabemos que o fato de aprender História nos dias atuais não está
mais relacionado exclusivamente ao recinto escolar. Fato que obriga a Didática da
História a sair de sua toca e procurar investigar também as narrativas históricas
extra classe. É neste momento que o conceito de consciência histórica se apresenta
essencial para o ensino e aprendizado de História, pois permite a compreensão do
que se aprende sobre História fora da escola.
Uma Didática da História que não se preocupe com produções históricas
feitas além-sala de aula, é incompleta em sua tarefa essencial: entender o modo
como a história orienta o agir humano no presente. Deste modo a consciência
histórica deixa de ser apenas um conceito comumente usado na Teoria da História,
para virar o objeto de uma Didática da História ampliada.
(...) a Didática da História tem como objeto este elemento didático de todas as histórias. Isto é, ela analisa a Consciência Histórica predominante em uma sociedade. (JEISMANN, 1977). Ou, para ser mais claro, ela investiga o modo como as interpretações do passado produzem orientações no presente e projeções de futuro. (SADDI, 2010, p.75)
Fica claro que para Saddi (2010), assim como Jeismann, que a consciência
histórica é o objeto da Didática da História, pois ela permite entender como as
produções históricas feitas pela sociedade estão formando orientações de sentido
para o presente e suas projeções de futuro.
Nesse sentido, também seguindo as concepções de Jeismann, Saddi (2012,
p.214) defende que sendo a consciência histórica objeto da nova Didática da
História, ela teria três tarefas essenciais: “morfologia, gênese e função da
37
consciência histórica”. A primeira, chamada ‘Morfologia da consciência histórica’,
teria o objetivo de analisar e compreender como os homens se relacionam com as
narrativas históricas, buscando compreender como a consciência história está
sendo formada no interior da sociedade. Já a ‘gênese’ busca estudar como se
constitui as consciências históricas dominantes. A ‘função da consciência histórica’
por outro lado, importa-se em investigar qual é a importância dessas consciências
históricas para suas orientações no presente.
Oldimar Cardoso (2008), assim como Saddi, acredita que a consciência
histórica é objeto de pesquisa da Didática da História. Porém, ela é compreendida
apenas quando analisada dentro da cultura histórica, que é, segundo Oldimar (2008,
p.158-159), que cita Pandel, “a forma como uma sociedade lida com seu passado e
sua História”, ou ainda para Rüsen, “a cultura histórica é uma forma específica de
experimentar e interpretar o mundo, que descreve e analisa a orientação da prática
de vida (...)” sendo para ele um fenômeno da modernidade. Isto posto, fica evidente
que a cultura histórica também não se resume, para Oldimar, estritamente ao
ambiente escolar, mas a todas as áreas da sociedade que lidam com produção
históricas, isto é, todos os meios por onde se pode aprender história sem forma
científica.
Por conseguinte, para se compreender a consciência histórica, na visão de
Oldimar (2008), seria necessário analisar as produções da cultura históricas feitas
em todos os meios, fora o científico. Assim, “cultura histórica é a forma de expressão
da consciência histórica”. (2008, p.159). Desse modo, o que acontece, ainda é a
investigação da consciência histórica nos ambientes coletivos sem caráter científico.
Outro grande historiador que se preocupa com a investigação da consciência
histórica como objetivo da Didática da História é Luiz Fernando Cerri. Para ele a
consciência histórica é um fenômeno construído socialmente, sofrendo constantes
mudanças diante das experiências da vida, que alteram nossas perspectivas de
orientações históricas. Sendo o ensino de História uma das experiências que mais
intervém na construção dessa consciência história, é finalidade da Didática da
História, através do ensino de História, produzir consciências históricas que
proporcionem a formação de identidades razoáveis e não excludentes. Sobre a
inclusão do conceito de consciência histórica, Cerri discorre sobre as
transformações dos objetivos:
38
A formação da consciência histórica é fenômeno social com múltiplos elementos e variáveis. Ao considerar o conceito, dimensiona-se o efetivo papel da disciplina de história na escola, ou seja, o de um dos fatores intervenientes nesse fenômeno. Assim, a Didática da História passa a exigir um redimensionamento, também, dos objetivos disciplinares, deixando para trás as listas de conteúdo como centro do debate. Esse centro passa a ser a preocupação com a identidade de quem receberá a ação do professor de história. Num contexto de crise de todos os grandes sistemas explicativos do tempo e que têm a pretensão de definir os destinos das pessoas, os objetivos de ensino deslocam-se para promoção de identidades que possam ser refletidas e assumidas seletiva e criticamente pelo sujeito, em vez de impostas deste fora. Em outros termos, os objetivos do ensino deslocam-se para a promoção de identidades com maior autonomia, bem como para a prevenção de identidades não-razoáveis. (2010, p.270-271)
Em conformidade com Cerri (2010), a Didática da História, tem na consciência
histórica objeto de pesquisa, pois ela carrega a chave para compreender e
transformar, através do ensino de História, as identidades dos homens. Isto é, a
Didática da História teria compromisso com a formulação de um ensino de História,
que proporcionaria uma consciência histórica voltada para a constituição de
identidades razoáveis e prevenção de identidades não-razoáveis.
Por identidades razoáveis Cerri (2010) entende que são aquelas identidades
construídas durante complexos processos cognitivos, baseando suas comunicações
e agir em reflexões criticas e racionais. Já as identidades não-razoáveis “seriam
marcadas por uma radicalização do que é, na essência, toda identidade: delimitar e
excluir”. Seriam, portanto, identidades que negam a diversidade existente na
humanidade, ou seja, não reconhece outras identidades, o que muitas vezes pode
causar reações como a exclusão ou a violência.
Outro resultado da consciência histórica para a Didática da História, segundo
Cerri trata-se de relacionar o ensino de História com outras temporalidades além do
passado. Atualmente, o ensino de História tem sido entendido apenas como uma
disciplina que lida com os fatos passados, o que resulta em uma Didática da História
preocupada exclusivamente com a transmissão dos eventos históricos. Porém, se a
consciência histórica passa ser alvo das análises da Didática da História, não só o
passado, mas o presente e o futuro, também, passam a ser fundamentais para o
ensino de História.
Segundo Cerri, somente compreendendo como o passando, presente e futuro
se vinculam é possível construir uma identidade razoável, entendendo que a
humanidade constrói a sociedade historicamente. Isso é importante, pois, só assim
os homens conseguiram entender que os eventos passados tiveram reflexo na
39
nossa realidade, e que nosso futuro depende unicamente das nossas ações no
presente. Constituir uma consciência histórica coletiva que permita a formação de
uma identidade que perceba isso; significa para Cerri (2010, p.272), proporcionar a
sociedade o direito de construir racionalmente o coletivo em um futuro qualquer.
Abreviando: “Interferir sobre a consciência histórica significa interferir sobre as
identidades, e elas não são feitas somente de bases do passado comum, mas
também de pretensões, objetivos e sonhos”.
Sobre a consciência histórica, Maria Auxiliadora (2009) afirma que seu caráter
é o de apontar a subjetividade inserida na internalização dos indivíduos. Ao contrário
dos outros historiadores brasileiros, suas reflexões sobre a consciência histórica
estão localizadas no ambiente escolar, e não nos demais usos da história extra-sala
de aula. A consciência histórica seria um conceito da Ciência da História, usado no
ensino da história em sala de aula, que possibilitaria tanto uma continuidade no
status do agir e pensar historicamente, como também poderia ser instrumento de
intervenção e modificação das ações humanas. Dando ênfase na necessidade de se
criar uma “contraconsciência histórica”, que combata as concepções dominantes,
concedendo a possibilidade uma maior autoeducação.
Assim, se para Jorn Rüsen, a História tem uma função didática de formar a consciência histórica, na perspectiva de fornecer elementos para uma orientação, interpretação (para dentro – construindo identidades, e para fora – fornecendo sentidos para ação na vida prática), podemos, na esteira de Meszaros (2007), falar da importância da História para uma “contra-internalização”, ou uma “contra-consciência histórica”, que não se esgote na pura “negação” ou “consciência crítica” à moda de Rüsen, mas uma “contra-consciência” que abrange a situação objetiva e a reação subjetiva das pessoas envolvidas. Nesse sentido, os princípios orientadores de uma contra-consciência histórica devem ser absolutamente desatados da lógica do capital e da imposição da conformidade, incorporando, também, o pressuposto inegociável de que qualquer aprendizagem é autoeducação e inseparável da prática significativa da auto-gestão, em que os jovens e crianças sejam agentes ativos de sua própria educação. (SCHMIDT, 2009, p.205-206)
Nesse sentido, Schmidt (2009) considera que, sendo a educação histórica
interventora da consciência história, é necessária a criação de uma
“contraconsciência histórica” que combata a lógica da sociedade capitalista. Apesar
de restringir sua concepção de didática ao ensino escolar, ela defende um conceito
de ensino de História vinculado a Ciência da História, superando a pedagogização,
40
Todavia, incluir a consciência histórica como objeto da Didática da História,
garantia a esta última, uma ligação com os princípios da História como ciência, pois
é na Ciência da História, especificamente na Teoria da História, que a consciência
histórica ganha moldes conceituais e funcionais.
A Didática da História, como disciplina que investiga a consciência da história,
já não poderia negar sua estreita ligação com Ciência da História, uma vez que, ela
precisaria recorrer constantemente aos profissionais da história para pensar os
processos de formação da consciência histórica.
Independente do ponto de vista sobre a consciência história, sua função e
objetivos, alguns historiadores na última década vem transformando as estruturas
básicas e fundamentais da Didática da História. Seja uma visão mais ao lado da
educação ou da Ciência da História, a consciência história já não é apenas restrita
às salas das universidades, ela se estende às salas das escolas e a todas as
produções e discursos históricos feitos pela sociedade, inserindo processos
reflexivos da ciência histórica. É nesse sentido, como objeto do ensino e
aprendizado de História, que a Didática da História modifica outra base de sua
estrutura: o seu campo de investigação.
2.3. Campo de investigação de uma Didática da História ampliada
Outra redução da Didática da História presente acontece em seu campo de
investigação. Atualmente ligado ao ambiente escolar, sem nenhum contato com
produções históricas fora de sala de aula. Deste modo todas as narrativas históricas
feitas, por exemplo, por jornais e revistas, ficariam de fora do alvo da Didática da
História. Deixando a consciência histórica produzida no ambiente extraclasse, fora
do campo de pesquisa.
Em segundo lugar, a didática da história reduz-se ao ensino ‘escolar’ da história. Dessa maneira, todo o processo de constituição de consciência histórica na vida pública (pelo Estado, pelos meios de comunicação, pelos museus, pela literatura etc.) é ignorado ou considerado algo que não diz respeito à didática da história. (SADDI, 2012, p.212)
41
Todavia, com a consciência histórica sendo objeto de pesquisa da Didática da
História, agora o ambiente externo ao escolar não poderia ser ignorado, pois
qualquer discurso histórico produzido na sociedade pretende construir uma
orientação de sentido. Seja qual for o meio de produção da narrativa histórica, deve
ser investigado porque produz discursos históricos que podem afetar diretamente o
modo como os homens se orientam na vida prática. Assim, a sala de aula deixa de
ser ambiente exclusivo de preocupação da Didática da História e amplia seu campo
de investigação.
Uma visão ampliada da Didática da História, para Oldimar Cardoso (2008),
não se resume à investigação da consciência histórica dentro do ambiente escolar,
mas se preocupa em conhecer como se dá os processos de cognição históricos em
todas as esferas da sociedade que produzem cultura histórica, sem caráter
científico. Portanto, qualquer profissional ou atividade que tenha relação com
elaboração de cultura histórica, com exceção das academias, passa a ser alvo das
pesquisas da Didática da História, visto que a aprendizagem de história não se limita
ao círculo escolar, e que os meios de comunicação de massa também são fortes
referências para tal. Sobre isso, Oldimar (2008, p.159) discorre:
Os profissionais que trabalham com a cultura histórica são sobretudo os professores de história, mas também pode ser, entre outros, museólogos, jornalistas, escritores, letristas, roteiristas, cineastas, desenhistas, turismólogos, diretores e autores de teatro que utilizam conteúdos históricos em seus produtos e obras. Se todos esses profissionais podem ignorar a presença da História escolar em seu trabalho, o inverso não é verdadeiro para os professores de História. Isso porque tudo que tem relação com a cultura histórica – por exemplo, filmes, programas de televisão, romances históricos, peças de teatro, histórias em quadrinhos, pontos turísticos, museus, comemorações de datas históricas, revistas de divulgação científica e outros textos jornalísticos – chega às aulas de História pelas mãos dos próprios professores ou por meio de referências trazidas pelos alunos.
Se for verdade que a Didática da História empenha-se em conhecer todos os
processos de reflexão da cultura histórica feitas pelo coletivo, sem forma científica, é
falso que sua atividade dentro do ambiente escolar ainda se resuma a metodologias
e técnicas de ensino. Muito mais do que isso, a Didática da História agora não só
seria uma disciplina que elabora metodologias de ensino, como também uma
disciplina que estuda a cultura histórica dentro da própria sala de aula. Percebendo
como o vínculo aluno-professor se relaciona com o conteúdo dado em sala de aula,
e levando em consideração, também, as referências históricas externas, que são
42
trazidas pelos alunos. Uma vez que, “O que ocorre na sala de aula é só uma parte
da cultura histórica, aquela chamada de História escolar, que mantém relações
indissociáveis com outras expressões dessa cultura (...)” (CARDOSO, 2008, p.163).
Em oposição a um aspecto específico da definição de Oldimar Cardoso, se
encontram os historiadores Luiz Fernando Cerri (2001) e Rafael Saddi (2012).
Ambos creem que a Didática da História investiga a consciência histórica em todos
os ambientes da sociedade, ou seja, o ensino e aprendizado de História tem que se
preocupar com todas as produções de caráter histórico produzidos em sala de aula,
na sociedade e dentro das universidades. Portanto, para eles, a Didática da História
também analisa a Ciência da História.
Uma pesquisa estudada por Cerri (2001, p.106), chamada Youth and History,
contendo pesquisadores da Alemanha e Noruega, buscou verificar o grau de
consciência história de alunos por volta dos 15 anos e seus professores. A pesquisa
foi realizada em 26 países, e teve participação de 32.000 entrevistados. Para tal foi
criado um questionário com diversos temas, que pudesse analisar nível de
capacidade desses alunos em relacionar passado, presente e futuro.
Segundo Cerri, os resultados do estudo apontaram que a influência do
professor escolar, assim como dos currículos oficiais, sobre a consciência histórica
dos alunos é limitada. Desse modo, o trabalho prova que os discentes não
aprendiam história apenas no ambiente escolar. Descoberta que reforça a
concepção de que a Didática da História não deveria se restringir ao conjunto de
metodologias de ensino escolar, mas se alargar a todos os meios onde se produz
História.
O primeiro dado é que a influência do professor de história sobre as opiniões históricas do aluno é, no mínimo, limitada, como também é limitada a influência dos currículos oficiais de história sobre o trabalho do professor e seu resultado. A pesquisa permite concluir que os elementos narrativos constantes dos currículos oficiais ou da formação que os professores recebem não passa a salvo para a opinião dos alunos. Assim, é comum encontrar opiniões divergentes sobre a história entre o âmbito oficial, incluindo aí a escola, e os alunos que se relacionam com essas esferas, o que nos conduz para a conclusão de que a formação histórica dos alunos depende apenas em parte da escola, e que precisamos considerar com interesse cada vez maior o papel dos meios de comunicação de massa, da família e do meio imediato em que o aluno vive se quisermos alcançar a relação entre história ensinada e a consciência histórica dos alunos. (CERRI, 2001, p.107)
43
Assim sendo, é importante que a Didática da História se preocupe com essa
formação extraclasse, pois, a consciência histórica é uma ferramenta de
transformação identitária, e, consentir que o ensino e aprendizado de História
aconteça por outros meios não científicos é permitir que a formação da identidade
seja feita pela elite nacional.
Logo, uma Didática da História que se preocupe com a consciência histórica,
busca compreender todos os discursos históricos feitos dentro da coletividade, para
que, em dialogo com a Ciência da História, se estude a dinâmica social das
narrativas extraclasse, e entenda sua importância para a orientação de sentido na
vida prática. Fazendo isso a Didática da História não só retorna ao seu caráter
prático de orientação, como legitima sua atividade diante da sociedade que a
sustenta. (CERRI, 2001, p.109-110)
Muito semelhante à ideia de Cerri, Saddi (2012, p.215) defende que o
conceito de consciência histórica altera e amplia o campo de exercício da Didática
da História, pois ao assumir as tarefas de estabelecer a ‘Morfologia’, ‘Gênese’ e
‘Função’ da consciência histórica, e de servir como uma tarefa normativa,
especificamente, a de atuar como uma ‘Pragmática’, a Didática da História obtém
importância fundamental em três setores de estudo:
a) o ensino escolar de história, em que atua como uma didática do ensino de história; b) o uso público da história, em que se estabelece como uma didática da história pública; e c) a ciência história, em que age como uma didática da ciência histórica ou uma instância de auto-reflexão dos historiadores.
Segundo Saddi (2012), uma Didática da História que tem por objeto uma
consciência histórica se preocupa em investigar, também, o ambiente escolar, pois
tantos os professores como os alunos são formados por uma consciência histórica
gerada na coletividade externa à escola. Desse modo, a Didática da História não
seria apenas a disciplina que elabora o conjunto de metodologias para o ensino de
história, mas uma ciência que interroga essas consciências históricas do ambiente
escolar, com a finalidade de fundamentar e normatizar as funções e objetivos do
ensino de história na escola.
(...) em sua área mais desenvolvida, a didática da história lida com a teoria, a metodologia e a prática do ensino de história, em uma tarefa tanto reflexiva, quanto empírica, como normativa. Reflexiva porque se debruça sobre as condições e os fundamentos do ensino escolar de história;
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empírica porque investiga o modo como tem se dado o ensino da história, bem como as ideias históricas de alunos e professores e a relação dessas ideias sobre o passado com autocompreensão do presente e com a formulação de expectativas de futuro; normativa, porque, além de analisar como se tem dado o ensino de história, apresenta continuamente reformulações sobre o modo como se deve ensinar história (Pragmática). (SADDI, 2012, p.216)
Ao se debruçar sobre a consciência histórica na escola, Saddi dá importância
fundamental à tarefa empírica. Defendendo que, o estudo empírico permitiria um
alargamento e avanço da tarefa reflexiva e normativa, já que, através da
investigação empírica seria possível compreender como se dá o processo de
constituição da consciência histórica dentro das escolas. Resultado que permitiria a
fundamentação e construção teórica do ensino de História, assim como a
elaboração de concepções normativas para Didática da História no ambiente de
“ensino escolar da história”. (SADDI, 2012, p.216).
Já a segunda área de investigação de uma Didática da História ampliada,
seria o que Saddi (2012) chama de “didática da história pública”, que pesquisa a
consciência histórica em todos os meios de comunicação (como por exemplo, sites,
revistas e jornais), em manifestações políticas partidárias e nos meios religiosos. A
importância dessa análise é entender como o meio público produz seu discurso
histórico e qual tipo de orientação ele passa à sociedade, além de apurar qual
consciência histórica predominante, porém, abstendo-se de entendê-la como única.
Ao fazer esse movimento, de pesquisar as narrativas históricas no meio público, a
didática da história pública não só estaria agregando conhecimento sobre a
consciência histórica nesse meio, como estaria prestando um serviço social ao
“propiciar uma ampliação da percepção do passado que libera os homens para a
definição de novas relações sociais”. (SADDI, 2012, p.217).
Por último, e se opondo ao conceito de Oldimar Cardoso, Saddi (2012)
defende a ideia que a Ciência da História também é passível de análise pela
Didática da História, o que ampliaria seu campo ao ambiente profissional do
historiador. A Ciência da História auxilia a Didática da História, quando usando de
suas metodologias e técnicas científicas, dá respostas às carências de orientação
existentes na sociedade. Para isso ela estuda os significados das pesquisas
históricas científicas, revelando características implícitas nas pesquisas, assim como
reflete sobre os resultados desses trabalhos para orientação dos homens na vida
prática.
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A Didática da História acaba fazendo um movimento reflexivo em torno de
toda reprodução histórica na sociedade. Ela busca entender como a consciência
histórica está sendo constituída, e por isso busca tanto na escola, como no meio
público, carências de orientações que possam ser resultado dessas narrativas
históricas “públicas”. Feito isso, em contato com a Ciência da História, busca
compreender os fatores subjetivos das pesquisas científicas para aquelas carências
de orientações da realidade social, raciocinando e selecionando qual é o resultado
da pesquisa que necessita ser transmitida. (SADDI, 2012, p.218)
Desse modo, mesmo existindo historiadores que acreditem que a Didática da
História deva se ausentar da esfera científica, o seu campo de atuação ainda pode
ser considerado mais amplo do que seu conceito atual, o que transforma
violentamente uma das estruturas desse conceito reduzido, sua área de atuação. A
Didática da História não pode se negar a analisar a produção extraclasse
cientificamente, pois, a consciência histórica é um importante fator de construção da
identidade coletiva e individual. Negar os discursos históricos produzidos pelos
meios de comunicação é deixar que políticos, a mídia e as classes dominantes
formem historicamente a identidade dos homens. Reproduzindo uma sociedade que
se orientaria pela manutenção do status quo, guiada pelas determinações políticas e
socioeconômicas da elite.
2.4. Didática da História e Ciência da História
A Didática da História, atualmente, também é restrita em relação a sua
ligação com a ciência histórica, principalmente em duas vertentes. A primeira é a
sua redução a uma disciplina que se apoia em metodologias de outras áreas como,
por exemplo, a Pedagogia. A segunda é sua localização disciplinar fora da Ciência
da História, sendo também, considerada mais uma área pedagógica.
Como vimos, a construção do código disciplinar de História foi construída
durante todo o século XX pautada por uma preocupação cada vez maior de construir
uma identidade nacional, com cidadãos conscientes de seus deveres cívicos. O que
reestruturou todo o sistema educacional brasileiro e fez nascer uma nova
46
preocupação, de elaborar novas metodologias e técnicas de ensino. Como
consequência o ensino de História passou pelo que Schmidt (2009) chama de
“pedagogização do ensino de História”, o que perdurou até hoje.
Contudo, quando a consciência histórica começa a ser vista como objeto de
pesquisa da Didática da História, a Ciência Histórica também passa a ser alvo de
preocupação de um ensino de História ampliado. Uma vez que, a história produzida
pelos profissionais também conduzem a uma orientação de sentido, dentro e fora
das academias.
Em consequência disso, a Didática da História passou por uma transformação
no seu caráter disciplinar científico, deixando de ser uma disciplina com “(...)
ausência de uma epistemologia pensada na própria História”. (URBAN, 2009, p.170)
E começou a se ocupar da sistematização da Ciência da História para gerir suas
atividades, como defende Schmidt (2009, p.210):
Na perspectiva da cognição situada na ciência de referência, a forma pela qual o conhecimento deve ser aprendido pelo aluno deve ter como base a própria racionalidade histórica, e os processos cognitivos devem ser os mesmos da própria epistemologia da ciência da História.
Também, estudiosos como Cerri defendiam uma “(...) didática da história, que
seria uma disciplina interna à ciência da história, tendo uma série de metas (...)”, que
poderiam ser resumida na questão: “(...) sobre o caráter efetivo, possível e
necessário de processos de ensino e aprendizagem e de processos formativos da
História.” O que, segundo Cerri que compartilha da visão de Bergmann, significa que
a Didática da História, como uma disciplina inerente da ciência histórica deveria se
preocupar com a “formação, o conteúdo e os efeitos da consciência histórica”.
(2001, p.109)
Porém em outro artigo seu produzido em 2004, Cerri abraça a ideia que a
Didática da História seria uma área interdisciplinar entre a Educação e a História
como ciência. Pois, ela também estaria preocupada, em como se ensinar história, e
o quê se ensinar, necessitando das técnicas e usos metodológicos da área da
Educação. Sendo a Ciência da História a área que se concentraria nos conceitos
pertinentes à Teria da História. Segundo Cerri:
A Didática da História vem passando, no Brasil, por uma mudança paradigmática, deslocando-se da metodologia do ensino à área interdisciplinar que, sustentada na Teoria da História, articula saberes
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pedagógicos e sócio-antropológicos para debruçar-se sobre o fenômeno da aprendizagem e da circulação social do conhecimento histórico. (2010, p.277)
Sinalizando em direção oposta a Cerri, está Oldimar Cardoso (2008). Em sua
concepção, a Didática da História não é interdisciplinar, mas sim uma disciplina
ligada à Teoria da História, não podendo ser resumida ao método geral de didática
de uma área especifica:
A didática circunscrita pelo conceito de Geschichtsdidaktik pertence à História, é uma parte indissociável dela. A Geschichtsdidaktik abrange mais do que a realidade escolar, ela estuda a “consciência histórica na sociedade”. Essa didática não é apenas mais uma Didaktik der... (didática da...), mas um todo cuja definição numa única palavra – Geschichtsdidaktik – pode não ser casual. (CARDOSO, 2008, p.158)
Assim, para Oldimar, a “(...)Geschichtsdidaktik está para a História escolar
assim como a Teoria da História – Historik – está para a ‘História dos historiadores’”.
Porém, ao contrário de outros estudiosos, como Rafael Saddi, Oldimar Cardoso crê
que: “(...) Geschichtsdidaktik não é uma reflexão apenas sobre a História escolar,
mas sobre todas as ‘elaborações da História sem forma científica (...)”. (Ibidem). Isto
é, a Didática da História pertence à área da História, mas não tem nela objeto de
pesquisa.
Ainda nesta linha, Oldimar Cardoso também reconhece que por mais que a
Didática da História use processos metodológicos da pedagogia, da antropologia ou
da etnografia, ela não pode ser comparada com uma disciplina pedagógica. Por
mais que um dos campos de preocupação seja o mesmo, o escolar, a pesquisa
histórica lida com uma forma mais ampla de compreensão da cultura e da
consciência histórica produzida dentro da escola e na sociedade, enquanto o estudo
pedagógico se limita ao ambiente escolar. A pedagogia assumiria assim, o mesmo
caráter de qualquer outra área fora da História, que só servem como referenciais
teóricos para um trabalho que é histórico.
Se a História escolar não é o objetivo exclusivo da Didática da História conforme definida neste artigo, essa área de estudo não é pedagógica, mas histórica, ao contrário das representações mais comuns sobre ela no Brasil. De acordo com a presente exposição, não cabe pensar em relações entre a didática e a História, como duas disciplinas separadas que se uniriam para que a primeira tornasse a segunda mais palatável, no intuito de torna-la acessível ao público leigo. Assim, não existem relações entre a didática e a História, mais especificamente, uma que se utiliza de referencial teórico
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desta para compreender suas elaborações sem forma científica. (CARDOSO, 2008, p.166)
Outra concepção sobre a localização científica da Didática da História é sua
localização dentro da Ciência da História, como uma subdisciplina autônoma, mas
que ao contrário de Oldimar Cardoso, investiga a consciência histórica em todas as
elaborações históricas produzidas, seja na escola, no meio público ou na ciência
histórica. Ideia que Rafael Saddi defende (2010 e 2012), e que amplia ainda mais
os horizontes do ensino e aprendizado de História.
Segundo Saddi (2010), que usa o conceito de Jeismann, existe uma Função
Didática Básica da História, que significa que qualquer expressão ou narrativa
histórica nos ensina alguma coisa, sendo de personalidade científica ou não. Nós
aprendemos por outras diversas formas além do ensino oficial. Como a consciência
história é constituída através do ensino de História, e nós não aprendemos história
somente nas escolas, então se torna necessário uma Didática da História que
esteja ancorada na Ciência da História, para que se compreenda o processo de
integralização da consciência histórica.
Dessa forma, as tarefas da Didática da História em junção com a Ciência da
História ganha um caráter superior. Entendendo as formações da consciência
históricas produzidas no meio público e escolar, e usando de toda a racionalidade
da ciência histórica para refletir sobre presentes problemas de orientação na
coletividade. Assim, a Ciência da História garante uma maior cognição em relação
a orientações temporais na vida dos homens, possibilitando uma maior liberdade
em suas inter-relações. Sobre isso Saddi pondera:
Faz-se necessário, desta forma, uma disciplina específica, que esteja ancorada no acúmulo reflexivo da Ciência Histórica, para pensar a produção da Consciência Histórica na sociedade. Como sub-disciplina científica, ela aproveita todo acúmulo sistemático da Ciência da Histórica para sua investigação. Descuidar deste vínculo direto com a Ciência da História é, portanto, deixar com que o uso da História na vida pública e nas escolas ocorra sem acúmulo sistemático alcançado por esta Ciência na especialização de pensar e produzir histórias. (SADDI, 2010, p.76).
Em consequência, a Didática da História passa a “(...) fundamentar-se como
disciplina com procedimentos, conceitos próprios e uma área de investigação
definida e peculiar”. (SADDI, 2012, p.2013). No entanto, quando se põe com uma
subdisciplina da Ciência da História, não deixa de se relacionar com referencias
teorias de outras áreas, pois é apenas como uma disciplina ligada à ciência histórica
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“(...) que ela deve se relacionar com as demais ciências”. (SADDI, 2010, p.78).
Assim, a Didática da História pode exercer toda sua capacidade de reflexão
cientifica para compreender, desenvolver e orientar as ações humanas relacionadas
com a história. Concluindo:
A Didática da História quando atua enquanto sub-disciplina da Ciência Histórica, investiga empiricamente todas as formas de produção do passado humano, nas escolas e na vida pública, levando o acréscimo de racionalização próprio da Ciência Histórica. Analisa, assim, as ideias históricas elaboradas, a forma como os documentos são interpretados, a estrutura narrativa destas histórias, sempre visando torná-las mais complexas e evitar o uso abusivo do passado humano. (SADDI, 2010, p.77)
É compreensível o cuidado que todos os intelectuais têm, quando se trata de
redefinir a localização disciplinar científica da Didática da História, pois coloca muito
mais em jogo do que apenas construções conceituais. Mudar sua posição significa
tirar da competência de uma área seu controle pela formação dos professores de
História, alterar toda hegemonia do processo ou ainda deslegitimar todo conjunto de
pesquisa sobre o ensino e aprendizado de História. (CERRI, 2003, s/p). Ou seja, é
algo muito mais profundo, que pode afetar diretamente a funcionalidade de algumas
faculdades. Porém é um trabalho do qual o historiador não pode fugir, porque diz
respeito à essência da atividade da sua profissão: ensinar história para produzir
exemplos, orientações de sentido, para que cada ação seja tomada de forma
reflexiva.
(...) entenderemos que mais do que uma disputa pelas disciplinas existentes, o que está em jogo aqui é a constituição de uma nova disciplina. Uma disciplina sem a qual, os Otelos continuam matando as Desdêmonas, sem poder compreender que o velho lenço de linho perdido não era um indício de traição da esposa, mas de traição do amigo. (SADDI, 2010, p.78).
De qualquer modo, independente de qual seja a localização da disciplina
científica da Didática da História dada pelos historiadores debatidos aqui, ela sofre
uma ampliação em relação a sua atual realidade no Brasil. A Didática da História
não pode excluir sua relação com a ciência histórica, pois, “Se a Didática da História
lida com orientação produzida pelas histórias, e a Ciência Histórica é uma forma
específica de produção do pensamento histórico, a Didática da História é uma
disciplina inerente à Ciência Histórica”. (SADDI, 2010, p.75).
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Conclusão
Em virtude dos fatos mencionados, podemos sim, falar que a Didática da
História no Brasil vem passando por uma mudança paradigmática. Ainda que,
atualmente não seja o conceito predominante no ensino de História, a Didática da
História ampliada vem aos poucos tomando lugar nas pesquisas acadêmicas.
O motor principal para toda essa mudança foi, com certeza, o conceito de
consciência histórica. Sem ele, talvez o ensino de história ainda estivesse preso ao
ambiente escolar, sem se preocupar com a essência da profissão de historiador, que
é fornecer orientações de sentido temporais que nos ajudam a agir no presente e
projetar melhor nosso futuro.
Sendo a consciência histórica moldadora de identidades coletivas e
individuais, e o ensino de história um dos meios de influência sobre essa
consciência, por muitos anos ele se vinculou e foi usado pelos meios
governamentais para formação de uma identidade nacional, que fortalecesse a
união territorial e o controle político por um único poder.
Em primeiro momento, a preocupação foi com a constituição de um cidadão
brasileiro, ciente de seus deveres cívicos e deveres diante da construção de uma
nação. O que levou o ensino de Histórias e seus pesquisadores a adotarem
metodologias que pudessem viabilizar e facilitar o ensino e aprendizagem de
História nas escolas, fator que causou a pedagogização da Didática da História no
Brasil.
Contudo, nos últimos 14 anos o ensino de História no Brasil foi influenciado
por historiadores como Rüsen, Bergmann, Jeismann e vários outros de origem
alemã. Eles traziam elaborações teóricas, como o conceito de consciência histórica
e suas funções para o ensino e aprendizado de História, que resultaram em uma
transformação estrutural sobre o que se entendia como Didática da História nas
décadas anteriores, assim o objeto, campo e sua localização disciplinar sofreram
profundas alterações.
Em primeiro lugar era preciso trazer para a História sua antiga personalidade
prática. A Didática da História não poderia mais ficar presa entre as quatro paredes
das escolas, pois a formação da consciência histórica do aluno já não se limitava ao
ensino escolar. Tampouco, seu objetivo de constituir um cidadão com atitudes
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cívicas para fortalecimento da nação. Desse modo, era preciso achar um objeto de
análise que permitisse entender tanto as produções históricas fora da escola, como
orientar a vida prática dos estudantes e da sociedade. É nesse movimento que a
consciência histórica foi colocada como objeto, trazendo uma ampliação, também,
no campo de pesquisa e constituição disciplinar.
Depois de encontrar um novo objeto de pesquisa para Didática da História, a
consciência histórica, era preciso estudar os efeitos e as transformações que
ocorreriam com o resultado dessa mudança. É nesse momento que surge a
segunda alteração no alicerce do ensino e aprendizado de História, o alargamento
do seu campo de atuação e pesquisa. A Didática da História que anteriormente se
preocupava apenas com os conjuntos de métodos e técnicas de ensino em sala de
aula, passa a buscar na sociedade, nos meios de comunicação principalmente, uma
compreensão de como se aprende História fora das escolas, assim como começar a
se perguntar qual é a importância das pesquisas feitas no ambiente acadêmico.
A mudança de campo da Didática da História também altera seu caráter
disciplinar científico. Se agora as produções feitas fora da sala de aula também são
alvo de investigação, então a Didática da História vai precisar dialogar com a Ciência
da História para dar respostas às carências de orientação da sociedade. O que
altera sua localização disciplinar, tornando-se uma subdisciplina da ciência histórico,
com metodologias, técnicas, teorias e conceitos próprios.
Assim, fica claro que a nova Didática da História brasileira quer entender
como funciona o aprendizado de História em toda sociedade, analisando a
consciência histórica e buscando compreender quais os meios de comunicação tem
maior influência sobre a consciência histórica, e qual é a mensagem dominante no
meio coletivo. Porém, a Didática da História ainda continua sua pesquisa dentro da
escola, pois investigar o que acontece no ambiente escolar também é importante,
permitindo saber qual tipo de consciência histórica o aluno traz para sala de aula.
Também é visível que o novo conceito traz novos objetivos para a Didática da
História. A de combater produções históricas esquematizadas, feitas com função de
perpetuar uma dominação existente e que tem efeito contrário, produzem carências
de orientação.
Sabendo que o aprendizado de História não se limita ao ambiente escolar, a
Didática da História não pode se omitir de investigar as narrativas históricas
produzidas fora da escola. Pois jornais, revistas, sites, rádios e outros meios de
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comunicação podem usar de seus poderosos recursos para reproduzir discursos
históricos conservadores, feito de maneira esquemática, com a finalidade de obter
benefícios ou lucros de qualquer natureza.
Dessa maneira, a população se encontra com uma carência de orientação,
uma dificuldade de refletir mais profundamente, que pode acarretar em distúrbios
violentos contra outros grupos da sociedade, pois produzem uma identidade, que
Cerri (2010) chama de “não-razoáveis” , que divide e exclui uma parcela da
sociedade, negando direitos e acessos a qualidade de vida de grupos
marginalizados historicamente.
Em muitos casos esses discursos conservadores são produzidos por
segmentos dominantes da mídia, por grupos religiosos e por associações militares,
atingindo uma grande parcela da população brasileira.
Assim, uma Didática da História ampliada investigando as narrativas
históricas conservadoras (ou de qualquer outro viés político), pode explicitar os
interesses ideológicos e econômicos presentes nestes discursos. Usando das
metodologias e técnicas da Ciência da História, a Didática da História pode usar
todo sua potencialidade científica para descontruir e expor a fraqueza de tais
narrativas históricas. Desse modo ela cumpre seu dever com a sociedade que a
sustenta, produzindo melhores orientações temporais que permitam o
desenvolvimento cognitivo dos homens e mulheres. Criando uma sociedade
reflexiva e critica capaz de construir seu presente e planejar um futuro melhor e mais
igualitário para a coletividade.
Concluindo, a Didática da História no Brasil está passando por mudanças que
são de grande relevância tanto para os profissionais de história, como para
professores de escolas, alunos e a sociedade de modo geral. Todavia, é preciso ir
além, ainda há ausência de grande parte de historiadores em pensar sobre sua
própria profissão. Os estudos e pesquisas precisam continuar; a Didática da História
não pode fugir de seu caráter prático, ela precisa dar um retorno à sociedade, e
garantir aos homens e mulheres uma maior liberdade reflexiva diante da experiência
humana no tempo.
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