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Universidade Federal do Amap/UNIFAP
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria/EMBRAPA-AP
Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Amap/IEPA
Conservao Internacional - CI
Programa de Ps-Graduao em Biodiversidade Tropical - PPGBio
David Figueiredo de Almeida
MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS? VIRO O BICHO!: Antropocentrismo, Ecocentrismo e Educao Ambiental em Serra do Navio
(Amap)
MACAP-AP
2010
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David Figueiredo de Almeida
MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS? VIRO O BICHO!:
Antropocentrismo, Ecocentrismo e Educao Ambiental em Serra do Navio (Amap)
Orientadora: Profa. Dra. Dominique Tilkin Gallois.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Biodiver-
sidade Tropical da Universidade Federal do Amap como requisito
parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Biodiversidade Tropi-
cal.
Linha de Pesquisa: Gesto e Conservao da Biodiversidade.
MACAP-AP
2010
-
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal do Amap
Almeida,David Figueiredo
Maus-tratos contra animais? viro o bicho!:antropocentrismo, ecocentrismo e educao ambiental em Serra do Navio (Amap) / David Figueiredo de Almeida; orientador Dominique Tilkin Gallois. - Macap, 2010.
126 f. Dissertao (Mestrado) Fundao Universidade Federal do Amap.
Programa de Ps-Graduao em Biodiversidade Tropical. 1.tica ambiental. 2.Educao ambiental. 3.Fauna Amapaense.
I.Gallois,Dominique Tilkin. orient. II. Fundao Universidade Federal do Amap. III. Ttulo.
CDD 20.ed.: 574.5098116
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David Figueiredo de Almeida
MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS? VIRO O BICHO!: Antropocentrismo, Ecocentrismo e Educao Ambiental em Serra do Navio
(Amap)
Banca examinadora Titulares
____________________________________________ Profa. Dra. Dominique Tilkin Gallois (Orientadora)
Universidade de So Paulo
____________________________________________ Prof. Dr. Arley Jos Silveira da Costa
Universidade Federal do Amap (PPGBio)
____________________________________________ Profa. Dra. Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha
Universidade Federal do Amap (PPGBio)
____________________________________________ Prof. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto
Universidade Estadual de Feira de Santana
Aprovado em 18 de outubro de 2010
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ronan R. de Almeida e Solange F. de Almeida, e minha sobrinha, Beatriz
Martins Figueiredo, pelo apoio em todas as etapas deste trabalho.
minha orientadora, Profa. Dra. Dominique T. Gallois, qualquer coisa que eu escreva ser,
para mim, insuficiente para expressar meus sinceros agradecimentos pela orientao, corre-
es, sugestes, puxes de orelha, incentivos, tolerncia, que possibilitaram a realizao
deste trabalho.
Ao Programa de Ps-graduao em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do
Amap (PPGBio/UNIFAP), pela oportunidade de crescimento intelectual, profissional e pes-
soal.
Aos professores que participaram da minha banca de qualificao, pelas correes: Dra. Eu-
gnia L. Foster, Dr. Fabiano Cesarino e Dra. Helenilza F. A. Cunha. Tambm agradeo ao
Prof. Dr. Arley Jos S. da Costa que, mesmo no participando da banca, recebeu-me gentil-
mente em seu laboratrio para discutir o trabalho.
Aos professores que se disponibilizaram a estar na banca da defesa final: Dr. Arley Jos S. da
Costa, Dr. Eraldo M. Costa Neto e Dra. Helenilza F. A. Cunha.
colega Lorena dos Santos Maniva, pela companhia e ajuda durante minhas viagens iniciais
Serra do Navio.
carismtica Rejane Peixoto, secretria do PPGBio, pela competncia e agilidade que, segu-
ramente, tiveram sua parcela de contribuio neste trabalho.
Profa. Maria Silvanda M. Duarte (SEED/AP), pelo apoio.
Ao Sr. Paulo Guedes (In memorian), pela ajuda prestada durante minhas viagens iniciais
Serra do Navio.
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Ao Analista Ambiental Paulo Roberto Russo, por seu tremendo e inspirador profissionalismo,
ao viabilizar minhas estadias no alojamento do PNMT. Meus respeitos.
Analista Ambiental Marcela Marins, pelas informaes pacientemente fornecidas.
Aos diretores, supervisores e professores de todas as escolas visitadas, pela recepo e aten-
o estimulantes.
Agradeo especialmente a todos os alunos que participaram deste trabalho, pela pacincia,
interesse, conhecimentos compartilhados e pela alegria com que receberam a proposta.
OBRIGADO!
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RESUMO
Em tempos de crise ambiental, duas correntes principais de valorizao da biodiversidade
coexistem como direcionadoras das relaes do homem com os demais seres vivos. Para o
Antropocentrismo, a proteo da biodiversidade apenas se justifica se tal medida trouxer be-
nefcios diretos ao homem, j que nesta viso a biodiversidade possui apenas valor instrumen-
tal. O Ecocentrismo, por sua vez, considera que a biodiversidade dotada de um valor intrn-
seco ou de existncia, razo suficiente para que seja protegida, independente de interesses
humanos. Certamente, a maneira como a biodiversidade valorizada pelo homem traz impli-
caes conservacionistas diversas, razo pela qual estudos com esta temtica so no somente
importantes, como urgentes. Assim, o objetivo deste trabalho foi estudar atitudes antropocn-
tricas e ecocntricas de alunos do ensino mdio em relao fauna de Serra do Navio (Ama-
p), no entorno do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Questionrios foram apli-
cados em trs escolas de ensino mdio da regio, totalizando 200 alunos participantes. Na
primeira etapa do trabalho, os nveis de atitudes ecocntricas, antropocntricas e de Apatia
Ambiental (Neutralidade), numa escala de 1 a 5 foram, respectivamente: 4,0 (Alpha de Cron-
bach= 0,776), 3,3 (Alpha de Cronbach= 0,790) e 2,2 (Alpha de Cronbach= 0,786). Na segun-
da etapa, porm, foram citados 123 animais, com predominncia de valorizao antropocn-
trica. No geral, apenas a valorizao negativista de alguns animais (cobras, ratos, sapos, ara-
nhas, mosquitos, baratas, formigas, morcegos, quatis) condicionou atitudes antiprotecionistas
nos alunos, por razes antropocntricas. Os dados levantados apontam para a necessidade de
intervenes educativas no sentido de reduzir a viso antropocntrica dos alunos, levando-os a
justificar a proteo da biodiversidade cada vez mais com base em argumentos pr-
ambientais, sobretudo nos casos em que os animais so valorizados negativamente.
Palavras-chave: tica Ambiental. Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Ensino M-dio.
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ABSTRACT
Anthropocentrism and Ecocentrism are ways of thought that justify the environmental protec-
tion by different means. The first is focused on human needs, attributing to nature an instru-
mental value only, justifying the environment conservation only if it brings direct benefits to
man. Ecocentrism, on the other hand, considers nature as the owner of an intrinsic or existen-
tial value. In this case, the environment conservation is justified even if it does not bring di-
rect benefits to man. Aiming to assess anthropocentric and ecocentric attitudes around biodi-
versity on high school, close questionnaires were applied to all students (N=200) from three
schools in Serra do Navio, a city located in around the Tumucumaque National Park (Amap,
Brazil). In the first stage of work, the ecocentric, anthropocentric and of environmental apathy
attitude levels were, respectively (on a scale from 1 to 5): 4.0 (Cronbachs alpha=0.776), 3.3
(Cronbachs alpha = 0.790) and 2.2 (Cronbachs alpha = 0.786). In the second stage, however,
123 animals were cited, most valued by anthropocentric reasons. In general, only the negativ-
istic values of some animals (snakes, rats, frogs, spiders, mosquitoes, cockroaches, ants, bats,
coatis) conditioned anti-protectionist attitudes in the students. This results indicate the need
for educational interventions to increase the ecocentric view of the students and to reduce the
anthropocentrical arguments, making them justify the protection of the biodiversity based
more frequently in pro-environmental arguments.
Keywords: Environmental Ethic. Tumucumaque National Park. High School.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Conseqncias do atual modelo de desenvolvimento .......................................... 15
Figura 2: Mapa de localizao do Municpio de Serra do Navio em relao ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque...............................................................
38
Figura 3: Relao entre os valores antropocntricos dos animais e atitudes de proteo... 90 Figura 4: Relao entre os valores ecocntricos dos animais e atitudes de proteo......... 95
Figura 5: Diagrama de Valorizao Prioritria Ideal (DVPI) dos animais para Serra do Navio....................................................................................................................
97
Figura 6: Diagrama de Valorizao Prioritria Real (DVPR) das araras e sentidos da Educao Ambiental............................................................................................
99
Figura 7: Diagrama de Valorizao Prioritria Real (DVPR) dos macacos e sentidos da Educao Ambiental............................................................................................
100
Figura 8: Diagrama de Valorizao Prioritria Real (DVPR) dos peixes e sentidos da Educao Ambiental............................................................................................
101
Figura 9: Diagrama de Valorizao Prioritria Real (DVPR) da ona-pintada e sentidos da Educao Ambiental........................................................................................
102
Figura 10: Diagrama de Valorizao Prioritria Real (DVPR) das cobras e sentidos da Educao Ambiental............................................................................................
103
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Comunidades rurais de Serra do Navio............................................................ 39 Quadro 2: Pontuaes mdias e Kruskal-Wallis para os itens de Apatia Ambiental......... 50 Quadro 3: Pontuaes mdias e Kruskal-Wallis para os itens de Antropocentrismo........ 58 Quadro 4: Pontuaes mdias e Kruskal-Wallis para os itens de Ecocentrismo............... 68
Quadro 5:
Freqncia absoluta (n de citaes) dos valores atribudos aos 123 animais citados pelos alunos de ensino mdio de Serra do Navio (N= 200), segundo categorias de Kellert (1996), e das atitudes dos alunos quando questionados se os animais citados deveriam ser protegidos ou no.
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SUMRIO
1. INTRODUO................................................................................................... 12 1.1 Apresentao.................................................................................... 12 1.2 Ambientalismos............................................................................................ 13 1.2.1 O Antropocentrismo.............................................................................. 14 1.2.2. O Ecocentrismo........ 17 1.2.3 Estudos de Atitudes Antropocntricas e Ecocntricas.......................... 20 1.3 Mecanismos Para a Proteo da Fauna......... 23 1.3.1 Legislao Ambiental.... 24 1.3.2 Criao de reas Protegidas................................................................. 28 1.3.3 Educao Ambiental............................................................................. 32 1.4 Objetivos e Hipteses................................................................................... 36
1.4.1 Objetivo Geral...................................................................................... 36
1.4.2 Objetivos Especficos............................................................................ 36 2. MATERIAL E MTODOS............................................................................... 38 2.1 Caracterizao da rea de Estudo............................................................. 38 2.1.1 Localizao........................................................................................... 38 2.1.2 Aspectos Geogrficos............................................................................ 39 2.1.3 Aspectos Biolgicos.............................................................................. 40 2.1.3.1 Flora............................................................................................ 40 2.1.3.2 Fauna........................................................................................... 40 2.1.4 Aspectos Socioeconmicos.................................................................... 41 2.2 Caracterizao dos Procedimentos Metodolgicos................................... 42 2.2.1 Tipo de Pesquisa................................................................................... 42 2.2.2 Populao.............................................................................................. 43 2.2.3 Aspectos ticos..................................................................................... 45 2.2.4 Tcnica de Coleta de Dados............................................................................ 45 2.2.5 Anlise de Dados............................................................................................. 47 3. RESULTADOS E DISCUSSO....................................................................... 49 3.1 Atitudes dos Alunos Diante de Questes Relacionadas Fauna............. 49 3.1.1 Aspectos Gerais dos Dados................................................................... 49 3.1.2 Apatia Ambiental.................................................................................. 49 3.1.3 Antropocentrismo.................................................................................. 57 3.1.4 Ecocentrismo......................................................................................... 67 3.2 Valores e Proteo da Fauna de Serra do Navio...................................... 75 3.2.1 Aspectos Gerais dos Dados................................................................... 75 3.2.2 Valores Antropocntricos...................................................................... 81 3.2.2.1 Categoria utilitarista...................................................................... 81 3.2.2.2 Categoria negativista..................................................................... 85 3.2.2.3 Categoria dominadora................................................,.................. 89 3.2.3 Valores Ecocntricos............................................................................. 90 3.2.3.1 Categoria ecologista...................................................................... 90 3.2.3.2 Categoria moralista....................................................................... 92 3.2.3.3 Categoria naturalista...................................................................... 94 3.2.4 Sentidos da Educao Ambiental........................................................... 95 4. CONCLUSES E SUGESTES................................................................... 105 REFERNCIAS.............................................................................................. 107 APNDICES................................................................................................... 118
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1 INTRODUO
1.1 Apresentao
Esta dissertao segue uma linha de discusso que considera as implicaes conserva-
cionistas das principais correntes de valorizao da natureza e as possibilidades de construo
de novos valores, que conduzam a aes que evitem novas perdas de biodiversidade. Englo-
bando os conceitos de Antropocentrismo, Ecocentrismo e Educao Ambiental (EA), buscou-
se estudar atitudes de alunos de ensino mdio, no entorno da maior rea protegida em floresta
tropical do mundo, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), alertando a
situaes relevantes que requerem intervenes educativas, o que pode trazer contribuies
considerveis proteo da biodiversidade local, especialmente os animais, principais focos
de discusso do trabalho.
Mas, o que Antropocentrismo? O que Ecocentrismo? O que a Educao Ambiental
tem a ver com tudo isso? Sem a pretenso de, neste momento, aprofundar os pressupostos
tericos que direcionaram o trabalho, este texto inicial traz alguns esclarecimentos gerais que
conduziro o leitor melhor compreenso da proposta apresentada.
Para introduzir estes conceitos, seguem-se dois exemplos. No primeiro, tendo como
cenrio o desflorestamento dos trpicos, o Antropocentrismo e Ecocentrismo avaliariam a
situao com argumentos diferentes. Para o Antropocentrismo, tal prtica seria considerada
imprpria porque as florestas tropicais so potenciais para a cura de enfermidades humanas. O
Ecocentrismo, por seu turno, consideraria um equvoco a reduo destas florestas, j que isto
poderia causar a extino de milhares de espcies de animais e plantas (Kortencamp e Moore,
2001). Em outra situao, imagina-se um indivduo andando na praia, escalando montanhas,
mergulhando em um recife de corais, maravilhando-se com a majestade das montanhas ou
cachoeiras, apreciando o colorido da primavera em algum lugar da floresta, etc. O hipottico
indivduo poderia fazer tudo isso por razes estticas ou recreativas. Estas seriam justificati-
vas cruciais, antropocntricas, para a proteo da vida selvagem (Ott, 2003).
Nos dois exemplos, o Antropocentrismo apenas apia a proteo ambiental porque tal
medida satisfaz necessidades humanas. O Ecocentrismo, no entanto, considera que os valores
da natureza esto alm dos interesses humanos. Em outras palavras, o ponto de partida antro-
pocntrico est nos interesses e necessidades humanas (Hoffman e Sandelands, 2005), en-
quanto que o ecocntrico est nos interesses dos ecossistemas (Barbosa e Drummond, 1994).
Alguns estudos, pautados posteriormente, tm demonstrado que valores antropocntri-
cos tendem a desencadear atitudes negativas em relao a grupos animais diversos, ao passo
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que valores ecocntricos tendem a desencadear atitudes positivas. Grandes carnvoros, prima-
tas, roedores, aves de rapina, por exemplo, constantemente entram em conflito com as pessoas
quando representam ameaa sua propriedade, segurana ou sade (Sillero-Zubiri et al.,
2007). Em outras ocasies, os animais so capazes de provocar averso extrema nas pessoas,
como os insetos (Costa-Neto e Pacheco, 2004). Valores ecocntricos, ao contrrio, correlacio-
nam-se a atitudes pr-ambientais, isto , que previnem a degradao ambiental. Amrigo e
Gonzalez (1999), por exemplo, encontraram correlaes positivas entre valores ecocntricos e
tendncias participao em programas ambientais, tendncia oposta verificada em pessoas
que expressaram valores antropocntricos. Em outro exemplo, Bjerke e Kaltenborn (1999)
verificaram que atitudes ecocntricas esto correlacionadas oposio contra maus-tratos
envolvendo animais.
Em meio a este complexo relacional onde a valorizao da biodiversidade pode lhe dar
destinos diferentes, surge a Educao, instrumento de direcionamento social, capaz de pro-
mover a liberdade ou a opresso, no sendo possvel pensar e exercitar a mudana social (e
ecolgica, diga-se de passagem), sem integrar a dimenso educacional. Assim, a Educao
Ambiental, uma das mais poderosas estratgias para a resoluo da atual crise ecolgica
(Camponogara et al., 2007), centra-se principalmente nas mudanas de atitudes em relao ao
meio (Jacobi, 2004), mas isto exige que, antes estas atitudes sejam conhecidas, estudadas. Ou
seja, estudos de atitudes humanas em relao ao meio so no apenas necessrios como ur-
gentes, principalmente quando desenvolvidos no entorno de reas protegidas, pelo prprio
contexto conservacionista que estas representam.
1.2 Ambientalismos
As aes sociais ou individuais com respeito ao meio ambiente so denominadas, por
vezes, de ambientalismos ou paradigmas ambientais (Luckett, 2004). Estas diferentes for-
mas de relacionamento do homem com a natureza so ditadas por diferentes cosmovises ou
modos de enxergar o mundo que o cerca (Milar e Coimbra, 2004), afinal, as posturas ambi-
entais humanas variam conforme os grupos socioeconmicos considerados (Bjerke e Kalten-
born, 1999). Antropocentrismo e Ecocentrismo coexistem como atitudes humanas frente ao
crescimento econmico, ao paradigma ocidental de progresso sem precedentes e ao contexto
de degradao ambiental (Hoffman e Sandelands, 2005).
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1.2.1 O Antropocentrismo
Antropocentrismo um vocbulo hbrido de composio greco-latina, surgido na ln-
gua francesa em 1907, do grego: anthropos, o homem, e do latim: centrum ou centricum,
que quer dizer centro ou centrado (Milar e Coimbra, 2004). Conforme Kortenkamp e
Moore (2001), porm, o termo surgiu em 1860 em meio polmica da Teoria da Evoluo de
Darwin, a qual retirou o homem do pedestal em que se encontrava e o transformou num lon-
gnquo primo dos macacos (Milar e Coimbra, 2004).
Seja qual for a origem etimolgica do Antropocentrismo, j no livro do Gnesis, da
Bblia Sagrada, h a descrio literal de um homem fixado acima de todos os animais, numa
relao de dominao, atravs de sua criao imagem e semelhana divina (Ashley, 2006).
Faamos o homem nossa imagem e semelhana, o qual presida aos peixes do mar, sobre as aves dos cus, as bestas e a todos os rpteis, que se movem sobre a terra, e domine sobre toda a terra (Bblia, 2006, grifo nosso).
Numa passagem posterior, algumas determinaes so feitas ao homem:
Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra, e sujeitai-a [...]. Eis que vos dei todas as ervas, que do as suas sementes sobre a terra; e todas as rvores, que tm em si mesmas a semente do seu gnero, para vos ser-virem de sustento a vos [...]. E a todos os animais da terra, a todas as aves do cu, e a tudo que tem movimento sobre a terra, e em que h alma vivente, para que tenham que comer (Bblia, 2006, grifo nosso).
Nas transcries acima, observa-se a existncia de verbos imperativos oriundos de
presidir, dominar e sujeitar, que do ao homem direitos sobre todo o mundo natural,
especialmente aos animais. Para Campos (2001), por ler as escrituras sagradas literalmente,
adaptando-as aos seus interesses imediatos, que o homem passou a destruir aquilo que deve-
ria proteger. Algumas interpretaes atuais da Bblia tm tentado minimizar seu teor antropo-
cntrico, como apresentado por Morais (2008).
Assim, embora o sentimento humano de se pr acima das demais espcies seja to ou
mais antigo quanto s prprias escrituras sagradas, apenas recentemente cunhou-se o termo
Antropocentrismo, para expressar a idia de que o homem a espcie mais importante den-
tre os seres vivos, e as demais formas de vida apenas so importantes na medida em que inter-
firam nos interesses humanos, positiva ou negativamente (Kortencamp e Moore, 2001).
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Para o Antropocentrismo, se X humano, ento X tem um valor moral ou intrnseco.
Logo, se X no humano, X no tm valor moral ou intrnseco, uma vez que, no sendo hu-
mano, X no dotado de razo (Lucket, 2004). Assim, o pensamento antropocntrico dissocia
o homem dos demais elementos naturais e lhe atribui poderes excepcionais para dominar a
natureza e us-la para seus prprios fins (Cunha, 2004), j que, no sendo dotada de razo, a
natureza possui apenas os valores instrumentalistas, concedidos pelo homem (Larrre e Lar-
rre, 2008).
Oliveira Jnior e Sato (2006) acreditam que este afastamento do homem em relao
natureza levou-o a aderir aos modelos consumistas, que do valor acumulao de bens,
competio excessiva e ao individualismo, numa relao hierrquica com o mundo natural,
causando sua destruio (Arajo, 2004) (Figura 1).
Figura 1: Conseqncias do atual modelo de desenvolvimento (Rede Ambiente apud De Fio-ri, 2002).
A anlise temporal das relaes entre este modelo de desenvolvimento, capitalista,
evidencia que, desde a Revoluo Industrial, quando o modelo agrcola-arteso foi substitudo
pelo modelo urbano-industrial, as atividades interventoras do homem na natureza vm se tor-
nando cada vez mais destrutivas (Campos, 2000).
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Com os grandes descobrimentos e, por ocasio deles, a formao do mercado mundial,
teve incio o maior processo de globalizao da histria recente. Neste cenrio, o que era de
todos ou estava disposio de todos (gua, florestas, praias, ambientes naturais, etc.) passou
a ter dono. Enquanto a gua gerava energia e ambas eram comercializadas, as florestas e os
cerrados davam lugar monocultura da soja e pecuria (Campos, 2001), e com esta ativida-
de, espcies tiveram seus habitats devastados.
Ao longo deste sculo, centenas de fbricas poluam o ar das cidades industriais, espe-
cialmente na Gr-Bretanha. Porm, isso no era visto como um problema ambiental. Nem
mesmo a extino de animais como ursos e lobos era problema, mas um objetivo a ser atingi-
do, j que estes animais sempre representaram srios riscos aos interesses econmicos huma-
nos (Cabral et al., 2004).
No sculo XX, a situao se agravou. Surgiram novos implementos, mquinas, inseti-
cidas, fungicidas, usados como defensivos agrcolas. Grandes empresas mundiais surgiram
para modernizar a agricultura. O extrativismo passou a ser retratado como sinnimo de
atraso econmico e cultural. Com o desenvolvimento do cultivo veio a degradao e o homem
passou a destruir o que julgava desnecessrio, esquecendo que a natureza funciona ciclica-
mente, isto , nada se perde, e qualquer agresso pode gerar um desequilbrio (Dallazen e
Santos, 2007).
Antes de metade da dcada de 80, os problemas ambientais eram nacionais, regionais
ou locais e se relacionavam contaminao de rios, ao desmatamento e poluio ambiental
urbana, depredao de espcies animais e vegetais, aos efeitos dos produtos qumicos sobre
a sade, etc. A partir de meados dos anos 80, a mudana climtica passou a ser foco principal
da problemtica ambiental, visto que o clima incide sobre a biodiversidade, tem impactos so-
bre as florestas, afeta a produtividade humana e ajuda na propagao de doenas (Foladori e
Taks, 2004).
Segundo Hoffman e Sandelands (2005), como resultado de todo este processo predat-
rio sobre a natureza, fundamentado por argumentos antropocntricos, tem-se que mais de 11
mil espcies de animais e plantas esto ameaados atualmente, 25% dos ecossistemas mari-
nhos empobrecidos e 44% vulnerveis depleo. Questes como a extino das espcies,
poluio industrial, desmatamento, sobrepesca, esgotamento das reservas de gua doce so
problemas que fazem parte do mundo contemporneo.
Na Amaznia, a perda da biodiversidade a principal conseqncia do desfloresta-
mento e, , ao mesmo tempo, completamente irreversvel, visto que possvel evitar a eroso
do solo e recuperar corpos dgua e ciclagem de nutrientes, mas impossvel trazer de volta
-
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espcies extintas. Trata-se de uma grande ameaa a milhares de espcies, algumas das quais j
listadas como ameaadas de extino pelo governo federal, como aves e primatas (Vieira et
al., 2005).
Por todas estas situaes, o Antropocentrismo tem sido alvo de crtica dos ambientalis-
tas desde meados do sculo XX, quando eclodiu o movimento ecocntrico. No entanto, desde
ento, defensores do pensamento antropocntrico tm negado incumbncia moral diante de
problemas ambientais e transferido-os para o campo da tcnica, assegurando que a nica con-
siderao moral pertinente o bem-estar do homem e a garantia de seus direitos (Fras, 2006).
Segundo Fras (2006), um dos primeiros a defender este enfoque foi o filsofo australiano
John Passmore (1914-2004). Passmore acreditava que os danos causados ao meio impactavam
inevitavelmente o bem-estar humano no presente e futuro, o que tornava, para ele, outras con-
cepes ticas desnecessrias. Fras (2006) contesta, exemplificando que, certamente, fen-
menos como a destruio da camada de oznio afetam a todos, mas outras interferncias natu-
rais no afetam o bem-estar humano, como a hipottica extino de uma espcie rara da natu-
reza que logo substituda por outra. Da a necessidade de se ampliar a noo de recursos
para alm dos benefcios que a natureza proporciona ao homem (Larrre e Larrre, 2008).
1.2.2 O Ecocentrismo
Ecocentrismo, do grego Oikos, que quer dizer casa e Kentron, que remete a centro
(Milar e Coimbra, 2004; Arajo, 2004), um paradigma que defende valores no utilitaristas
dos ecossistemas e da prpria biosfera e, diante das condies biolgicas e ecolgicas do ho-
mem, considera-o parte da natureza, ao contrrio da dual tpica do Antropocentrismo (Al-
meida, 2008).
Para o Ecocentrismo, se X um organismo vivo, uma comunidade ou um ecossistema,
ento X tem um valor moral ou de existncia (Luckett, 2008). Esta linha de raciocnio de
Luckett tambm confere valores de existncia ao homem, j que este tambm um organismo
vivo. No entanto, se homens e bactrias, por exemplo, so organismos vivos, ambos detm
valores de existncia, devendo os primeiros viver nas mesmas limitaes que os demais orga-
nismos vivos (Primack e Rodrigues, 2001).
Reconhecer que os outros seres vivos tambm possuem direitos de existncia uma
idia que se baseia num sistema representacional de linhagem nitidamente identificvel, pre-
cursor do Ecocentrismo (Barbosa e Drummond, 1994): o Liberalismo. Originalmente, direitos
eram atribudos a grupos limitados de seres humanos (como homens proprietrios de bens e
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riquezas), enquanto que grupos minoritrios (negros, indgenas, mulheres, jovens, etc.) eram
sumariamente excludos. Em 1863, decidiu-se, no mundo anglo-saxo, que seres humanos
no poderiam mais ser propriedades de outros seres humanos, e verificou-se a abolio da
escravatura. No incio do sculo XX, as fronteiras sexuais so abaladas, com o movimento das
sufragistas e, na dcada de 1970, das feministas. Movimentos de afirmao de direitos civis
de ndios e negros, ainda correntes, representam outras etapas deste processo liberalista (Bar-
bosa e Drummond, 1994).
Por fim, passou-se a defender que a vida no-humana (inicialmente os animais) possu-
a status moral que tambm a tornava elegvel dos mesmos direitos de qualquer grupo huma-
no, o que Tavolaro (2000) chama de Liberao Animal. Assim, no sculo XVIII, surgiram na
Inglaterra regulamentos e leis que procuravam defender animais de abusos e crueldades hu-
manas, sendo a origem, possivelmente, das primeiras Sociedades Protetoras dos Animais,
porm, domsticos, a princpio, o que afasta um pouco essas leis do real Ecocentrismo, que
advoga valores intrnsecos aos animais selvagens e, principalmente, os considerados feios,
inteis ou nojentos (Primack e Rodrigues, 2001).
Perlo (2007) menciona que o movimento vegetarianista, surgido possivelmente na
Inglaterra do sculo XIX, um dos resultados da Liberao Animal, j que defende a absti-
nncia do consumo da carne como medida para reduzir o sofrimento dos animais, aos quais
so atribudos valores intrnsecos. Embora tenha contrariado o consumo de animais como
alimento, o movimento vegetarianista trazia implcita a noo de superioridade humana, de-
fendendo a proteo animal e apoiando a devorao dos vegetais, para os quais o Ecocentris-
mo tambm confere valores intrnsecos. Alm disso, a opo pela alimentao vegetariana
poderia provocar o aumento dos campos cultivveis e diminuio dos ambientes naturais, o
que tambm traria prejuzo aos animais (Taylor, 1989). O nivelamento dos valores intrnsecos
do homem exigiria, neste sentido, aes igualitrias do homem em relao a todos os orga-
nismos, respeitando as necessidades biolgicas e ecolgicas de todas as partes (homem, ani-
mais no-humanos, vegetais, etc.).
Em meados do sculo XX, aps a Segunda Guerra Mundial, a sociedade passou a per-
ceber que a degradao dos recursos traria srias conseqncias sade e sobrevivncia hu-
manas. Foi quando os movimentos ecocntricos se impulsionaram no mundo todo (Frias,
2006) e foram assinados vrios acordos internacionais, abordados posteriormente. Neste mo-
mento, cabe enfatizar que as razes do movimento ecocentrista so antropocntricas, pois ini-
cialmente se passou a reconhecer valores intrnsecos de outros grupos humanos, mas que pos-
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teriormente foram ampliados para animais domsticos, em seguida selvagens e assim por di-
ante.
Neste perodo ps-guerra, os direitos de existncia dos seres no-humanos foram for-
temente defendidos por Aldo Leopold (1887-1948), no ensaio A Sand County Almanac, em
1949. Leopold, graduado em Cincias Florestais em 1907, converteu-se em administrador de
parques nacionais em 1909, e professor de Manejo da Vida Silvestre a partir de 1933 na Uni-
versidade de Wisconsin, beneficiando-se dos avanos da ecologia como cincia, principal-
mente da noo de ecossistema, criada por Arthur George Tansley (1871-1955), em 1935 (Di-
egues, 2005).
Em seu ensaio, Leopold concluiu que se o ser humano abriu mo da escravatura, deve,
agora, dar um passo alm, levando a natureza a srio e dotando-lhe de um valor intrnseco,
como sujeito de direito (Campos, 2001). A questo central que se instalou no debate levanta-
do por Leopold pode ser resumida da seguinte maneira, segundo Campos (2001):
Trata-se, apenas de cuidar dos nossos lugares de vida porque sua dete-riorao [da natureza] ameaaria nos atingir ou, pelo contrrio, de pro-teger a natureza como tal, porque descobrimos que ela no uma sim-ples matria bruta, mas sim um sistema harmonioso e frgil, mais ad-mirvel em si mesmo do que essa parcela nfima, em suma, que nela constitui a vida humana?
Leopold dizia que a maior descoberta do sculo XX no havia sido nem o rdio, nem a
televiso, mas a complexidade e correlaes encontradas nos organismos da Terra (Notario,
2005). A partir da publicao de A Sand County Almanac, o movimento ecocentrista ga-
nhou fora principalmente nos Estados Unidos. A principal idia de Leopold que inspirou este
movimento foi a tica da Terra ou Land Ethic, segundo a qual algo correto quando
tende a preservar a integridade, estabilidade e beleza da comunidade bitica. incorreto
quando tende ao contrrio (Fras, 2006).
Segundo esta linha de pensamento de Leopold, por exemplo, poder-se-ia pensar a po-
pulao humana, superior aos seis bilhes de habitantes, como uma ameaa integridade,
estabilidade e beleza da comunidade bitica. Neste caso, porque no se procede frente a esta
exploso populacional da mesma forma quando uma populao de veados cresce alm do
habitual? Estes so imediatamente controlados, mediante estabilizao populacional (Fras,
2006). Alis, o prprio Leopold, acompanhado de uma espingarda e cachorros, explorava suas
propriedades (bosques) em busca de caa e pesca, com o intuito de controlar populaes de
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animais e, deste modo, segundo acreditava, prestar um benefcio queles ecossistemas (Larr-
re e Larrre, 2008).
Em sua obra, Leopold estendeu os valores intrnsecos, inicialmente reconhecidos ape-
nas em alguns elementos naturais, para todos os componentes dos ecossistemas: microorga-
nismos, ar, gua, solo, pedras (Amemiya e Macer, 1999; Rowe, 2003). Esta viso holstica do
mundo natural, onde tudo est interligado, tambm serviu de inspirao para que James Love-
lock (1919) elaborasse a chamada Hiptese de Gaia. Nesta hiptese, proposta inicialmente em
1960, Lovelock compara a Terra com um superoganismo, um sistema adaptativo controlado,
capaz de manter suas caractersticas fsico-qumicas em homeostase (Nunes Neto e El-Hani,
2006). Desta forma, todo o planeta passa a ser elegvel de direito, j que tambm possuiria
valor intrnseco.
Desta forma, o Ecocentrismo surgiu com a inteno de substituir o conceito de indiv-
duos autnomos pelo de indivduos ecolgicos, substituindo tambm a noo consumista e
desenfreada de desenvolvimento pela noo de sustentabilidade, onde tomadas de deciso
exigem que se faam perguntas do tipo, bom para a Terra?, o que facilitaria a soluo de
dilemas ambientais, como as taxas de crescimento populacional (Rowe, 2003). Estudos tm
demonstrado que vises de mundo mais ecocntricas tendem a levar a atitudes menos destru-
tivas em relao ao meio. Alguns destes estudos sero comentados a seguir.
1.2.3 Estudos de atitudes antropocntricas e ecocntricas
Pesquisas que enfocam atitudes antropocntricas e ecocntricas no que tange ao meio
natural, incluindo-se a a fauna, so escassas (Kortenkamp e Moore, 2001). Assim, parado-
xal o confronto desta escassez de estudos com a importncia da temtica para medidas con-
servacionistas, em tempos de crise ambiental. Entretanto, possvel que tal situao seja ex-
plicada pela recente emergncia de discusses acerca dos paradigmas em questo (Antropo-
centrismo e Ecocentrismo).
Thompson e Barton (1994) desenvolveram uma metodologia para avaliar atitudes an-
tropocntricas e ecocntricas rumo ao ambiente que tem inspirado muitos trabalhos com este
enfoque, alguns dos quais sero comentados ao longo do texto. Como a tcnica desenvolvida
por Thompson e Barton (1994) tambm foi empregada nos estudos desta dissertao, haver
uma maior explicao sobre isso no momento oportuno (Material e Mtodos). Numa escala de
1 a 5, Thompson e Barton (1994) registraram, em cidados norte-americanos, mdias de 2,8
para atitudes antropocntricas, 4,0 para atitudes ecocntricas e 1,9 para atitudes que demons-
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trassem Apatia Ambiental, esta ltima representando indiferenas frente aos problemas ambi-
entais. Os autores encontraram que os indivduos mais antropocntricos expressaram menos
pensamentos de proteo ambiental, ao passo que aqueles mais ecocntricos se demonstraram
mais preocupados com esta questo.
Kellert (1993, 1996) tambm tem estudado atitudes da sociedade norte-americana, em
relao vida selvagem. Destes estudos, resultou uma tipologia de valores, que posteriormen-
te se mostraram correlacionados aos paradigmas antropocntrico e ecocntrico:
Utilitarista: prioriza os valores de uso das espcies, cuja subordinao objetiva benefcios
diretos ao homem. Ex.: valorizao de animais principalmente porque a pele pode ser usada
para fabricao de casaco de pele (Bjerke et al., 1998); explorao de ovinos, caprinos, su-
nos, etc. (Echegaray, 2004); o uso de jardins zoolgicos e parques afins (Almeida, 2008); va-
lorizao de aves por seus aspectos alimentares, medicinais ou simblicos (Oliveira Jnior e
Sato, 2006), etc.
Negativista: expresso de medo ou indiferena em relao s espcies. Ex.: averso aos
insetos (Kellert, 1996; Costa-Neto, 2004; Modro et al., 2009), aos anfbios (Ceraco, 2010;
Barros, 2005), s serpentes (Almeida et al., 2010) e grandes carnvoros (Kaltenborn e
Strumse, 1998; Bjerke e Kaltenborn, 1999; Skogen, 2001; Cunha e Almeida, 2002; Rowe,
2006).
Dominadora (ou Dominao): abrange situaes onde predominam o interesse na busca
de desafios fsicos e mentais na natureza, afiando competncias que permitam ao sujeito sub-
jugar e controlar a natureza. Ex.: atividades esportivas envolvendo animais (Bjerke et al.,
1998).
Ecologista: nesta categoria, o maior valor das espcies o ecolgico, suas relaes com o
meio ambiente, propondo uma abordagem integrada da natureza (Kellert, 1996).
Moralista: implica discusses acerca de aspectos ticos de proteo da biodiversidade,
sentimentos de altrusmo, solidariedade, oposio a maus-tratos e crueldades contra os seres
vivos (Kellert, 1996; Bjerke e Kaltenborn, 1999; Schwarz et al., 2008).
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Naturalista: a categoria naturalista se caracteriza pela satisfao das pessoas em experin-
cias diretas com a vida selvagem (Ceraco, 2010), ao ar livre (Bjerke et al., 1998). Assim, a
partir deste conceito, percebe-se que, para que a vida selvagem seja dotada de valor naturalis-
ta, sua maior importncia deve ser sua presena em seus habitats naturais, estando em segun-
do plano aspectos estticos, utilitaristas.
Bjerke e Kaltenborn (1999), em pesquisa realizada na Noruega, verificaram que as ca-
tegorias utilitarista, dominadora e negativista estiveram relacionadas a atitudes anti-
ambientais (atitudes que tendem a desrespeitar o equilbrio dos ecossistemas) e ao paradigma
antropocntrico, enquanto que as categorias ecologista, moralista e naturalista se mostraram
relacionadas ao paradigma ecocntrico e, sendo assim, com maiores tendncias para atitudes
pr-ambientais (ou seja, atitudes ecologicamente responsveis em relao ao ambiente). Neste
estudo, cujo eixo de discusso foi o conflito entre grupos de interesse em virtude de ataques a
ovelhas (Ovis aries) por lobos (Canis lupus lupus), os ovinocultores se mostraram mais antro-
pocntricos e com maiores tendncias a atitudes negativas em relao aos lobos, ao passo que
bilogos e gestores ambientais endossaram mais argumentos ecocntricos, expressando atitu-
des pr-ambientais. Ainda tendo como foco principal o mesmo conflito, Virtteso et al. (1998)
encontraram as mesmas correlaes.
Bjerke et al. (1998) fizeram uma avaliao com 562 crianas e adolescentes noruegue-
ses, porm, enfocando especificamente os animais. Neste estudo, as declaraes dos investi-
gados foram classificadas nas categorias definidas por Kellert (1996). Os dados do trabalho
indicam que crianas com atitudes mais utilitaristas e negativistas gostam menos de animais,
ao passo que crianas com atitudes mais ecologistas e naturalistas demonstraram gostar mais
de animais.
Em outro estudo, atitudes antropocntricas estiveram correlacionadas com prefern-
cias por ambientes modificados, como reas agrcolas, e atitudes mais ecocntricas se correla-
cionaram com preferncias por reas naturais, silvestres (Bjerke e Kaltenborn, 2001). Para os
autores, este tipo de preferncia deve ser levado adiante em projetos desenvolvimentistas que
tenham como resultado a transformao de paisagens naturais, j que as pessoas que vivem
nestas reas se demonstraram mais sensveis frente aos argumentos ecocntricos e mais favo-
rveis proteo ambiental. Consideraes acerca das preferncias por paisagens e gesto
foram feitas por Karjalainen (2006), mas sem abordar especificamente os conceitos de Antro-
pocentrismo e Ecocentrismo.
Vrios outros estudos, como Amrigo e Gonzlez (1999), Amrigo et al. (2005), Am-
rigo (2006) e Pinheiro e Pinheiro (2007), tambm demonstram correlaes positivas entre o
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paradigma ecocntrico e atitudes pr-ambientais e correlaes negativas entre a aceitao
antropocntrica e atitudes pr-ambientais.
No campo educacional, Almeida e Costa (2010) adaptaram a tcnica desenvolvida por
Thompson e Barton (1994) e trouxeram-na para uma escola de Macap, na Amaznia brasi-
leira. Neste trabalho, que envolveu profissionais de ensino fundamental, professores de cin-
cias se demonstraram mais ambientalmente apticos e os gestores escolares foram os que me-
nos manifestaram atitudes ecocntricas. Por outro lado, professores polivalentes (1 a 4 s-
ries) se mostraram mais ecocntricos.
Embora no tenham discutido especificamente os conceitos de Antropocentrismo e
Ecocentrismo, Schwarz et al. (2008) classificaram os valores atribudos Mata Atlntica por
alunos de Joinville (Santa Catarina), nas categorias de Kellert (1996). Em algumas ocasies,
quando os alunos eram mais velhos, este bioma foi mais valorizado por razes estticas. Nu-
ma publicao posterior, Schwarz (2010) verificou que as plantas, sobretudo ornamentais,
apresentaram grande significado para os alunos, por razes estticas. Animais tambm foram
muito valorizados, principalmente os domsticos, como o cachorro (Canis lupus familiaris).
Todos estes valores so, aparentemente, antropocntricos, pois se sabe que, ao contrrio do
Antropocentrismo, o Ecocentrismo valoriza os ambientes no por sua beleza fsica, mas por
critrios ecolgicos.
1.3 Mecanismos Para a Proteo da Fauna
Desde tempos antigos, os animais tm estado sujeitos a prticas humanas de uso e ma-
nejo que determinam seu estado de conservao, em razo dos valores a eles atribudos (San-
tos-Fita et al., 2009). Dentre os mecanismos mais defendidos para garantir a proteo, no s
da fauna, mas da natureza como um todo, garantindo um desenvolvimento humano funda-
mentado na sustentabilidade, sero comentados aqui: Legislao Ambiental, Unidades de
Conservao e Educao Ambiental (Primack e Rodrigues, 2001; Gil-Perez, 2003). No mbi-
to dos propsitos deste trabalho, a Educao Ambiental tida como uma poderosa ferramenta
que contribui para a proteo dos animais, de forma complementar s demais estratgias pro-
tecionistas.
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1.3.1 Legislao Ambiental
As legislaes ambientais do Brasil raramente so voltadas para grupos particulares de
seres vivos, enfocando-se mais nos ecossistemas (Primack e Rodrigues, 2001), mas tendo
como ponto de partida, muitas vezes, a qualidade de vida e interesses humanos, como bem
exemplifica a expresso patrimnio da humanidade, consagrado no direito ambiental (Mila-
r e Coimbra, 2004).
A Constituio Federal de 1988 (Brasil, 2004), em seu artigo 5, j dispe o direito de
qualquer cidado a propor ao popular para anular atos lesivos ao meio ambiente. O artigo
23, por sua vez, determina como competncia da Unio, dos Estados e dos Municpios a pro-
teo do meio ambiente e o combate s formas de poluio, alm da preservao de florestas,
fauna e flora. O artigo 170 advoga acerca da ordem econmica, cujo objetivo assegurar a
existncia digna, nos moldes da justia social, com a ressalva de que sejam observados os
princpios de defesa do meio ambiente. A mesma condio determinada no artigo 174, o
qual trata especificamente de garimpos. Contudo, o primeiro ar de superioridade antropo-
cntrica surge no artigo 216, que determina como patrimnios brasileiros os bens materiais e
imateriais dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira. Dentre estes bens, encon-
tram-se os conjuntos de valor paleontolgico e ecolgico. O artigo 225, embora posterior-
mente ressalve a importncia de manuteno de processos ecolgicos, de prticas sustentveis
e aes que no sejam cruis contra animais e plantas, defende um meio ambiente cuja maior
importncia utilitarista:
Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impon-do-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e pre-serv-lo para as presentes e futuras geraes. (BRASIL, 2004, grifos nossos).
A disposio acima se refere ao conceito de Equidade Intergeracional, onde h a exi-
gncia da satisfao das necessidades humanas atuais sem comprometer a capacidade de satis-
fao de geraes futuras. Este conceito consagrado no Desenvolvimento Sustentvel e,
embora concilie desenvolvimentos humano e ecolgico, o ponto de partida so as necessida-
des humanas atuais e futuras. Para Bishop e Donnelly (2007), o Antropocentrismo na legisla-
o algo justificvel, j que lei uma instituio social, para o melhor desenvolvimento hu-
mano.
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O Cdigo Florestal (Lei N 4775/1965) foi promulgado em 1965 com o objetivo de
combater o desmatamento, o que logicamente, trouxe implicaes proteo dos animais. J
no artigo 1, declara-se: As florestas existentes no territrio nacional e as demais formas de
vegetao, reconhecidas de utilidades s terras que revestem, so bens de interesse comum a
todos os habitantes do pas [...] (Brasil, 1965). Recentemente, a possibilidade de mudanas
no Cdigo Florestal do Brasil tem gerado discusses no mundo todo. Dentre as mudanas,
objetos de votao no Congresso Nacional, uma das principais a reduo dos limites de flo-
restas de proteo permanentes de cursos dgua de 30 para 15 metros, no mnimo. Segundo
Michalski et al. (2010), caso isso ocorra, problemas ambientais como fragmentao, efeito de
borda e eroso dos solos podero levar perda irreversvel da biodiversidade. Complemen-
tando Michalski et al. (2010), para quem as mudanas no Cdigo Florestal atendem a interes-
ses de poderosos grupos econmicos, fazendeiros e polticos influentes, evidente que esta
tomada de deciso tem como plataforma argumentos antropocntricos, onde os aspectos
econmicos das alteraes esto acima de quaisquer valores intrnsecos que biodiversidade
poderiam ser atribudos.
A Lei de Proteo Fauna (Lei N 5197/1967), em seu artigo 1, estabelece:
Os animais de quaisquer espcies, em qualquer fase do seu desenvol-vimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais so propriedades do Estado, sendo proibida sua utilizao, persegui-o, caa ou apanha [...]. Se peculiaridades regionais comportarem o exerccio da caa, a permisso ser concedida em ato regulamentador do Poder Pblico Federal (Brasil, 1967, grifo nosso).
A partir da determinao da fauna silvestre como propriedade do Estado, a lei probe:
o exerccio da caa profissional (artigo 2); o comrcio de exemplares da fauna silvestre, exce-
to quando provenientes de criadouros legalizados (artigo 3); o abate de animais silvestres
atravs de mtodos que maltratem a caa (artigo 10); a pesca em perodo de piracema (artigo
27). Outros destaques da lei incluem a inafianabilidade dos crimes a previstos (artigo 34) e
a incluso de textos sobre proteo da fauna em livros e escolares e pelo menos duas aulas
anuais sobre o tema nos ensinos fundamental e mdio (artigo 35).
A Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei N 6838/1981) tem como objetivo:
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a preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental propcia vida [...], visando assegurar, no Pas, condies ao desenvolvimento socioeconmico, aos interesses da segurana nacional e proteo da dignidade vida humana (Brasil, 1981, grifo nosso).
Seguindo esta linha, a lei conceitua poluio, em seu artigo 3, como a degradao
do meio ambiente atravs de atividades que:
a- prejudiquem a sade, o bem-estar e a segurana da populao; b- criem condies adversas s atividades sociais e econmicas; c- afe-tem desfavoravelmente a biota; d- afetem as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente; e- lancem matria ou energia em desa-cordo com os padres ambientais estabelecidos (Brasil, 1981, grifos nossos).
Dos trs requisitos que fundamentam poluio, para a lei, trs so argumentaes que
se aproximam do pensamento antropocntrico, j que apenas um dos requisitos (c) leva em
conta os interesses da biota, enquanto o requisito e no deixa muito claro o tipo de interesse
ao qual se centraliza.
O artigo 2, inciso X, reconhece a importncia da Educao Ambiental em todos os
nveis de ensino, inclusive a educao da comunidade, objetivando capacit-la para a partici-
pao ativa na defesa do meio ambiente (Brasil, 1981). A Educao Ambiental ser objeto
de discusso do prximo tpico.
A lei define ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), estruturado
pelos rgos superior (Conselho do Governo), consultivo e deliberativo (Conselho Nacional
do Meio Ambiente), central (Secretaria do Meio Ambiente), executor (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis-IBAMA), locais (rgos municipais),
etc. (artigo 6).
A Lei dos Crimes Ambientais, ou Lei da Natureza (Lei n 9605/1998) surgiu com a
inteno de ser um instrumento sociedade e aos rgos ambientais para agilizar e tornar efi-
caz a punio de infratores do meio ambiente. Alguns dos destaques da lei (Brasil, 1998a):
atenuao da pena do infrator que, espontaneamente, fizer a reparao do dano causado (arti-
go 14), mediante laudo que comprove a reparao (artigo 17); agravamento das penas quando
so empregados mtodos cruis para captura e abate de animais (artigo 15); deteno de at
um ano para quem praticar abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilao de animais silvestres,
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domsticos, etc., mesmo que para fins cientficos ou didticos, quando existirem outras alter-
nativas (artigo 32); matar animais continua sendo crime, exceto quando para saciar a fome do
agente e sua famlia, em estado de necessidade, para proteger lavouras, ou pela nocividade do
animal (o artigo no deixa claro qual deve ser o alvo da nocividade do animal, se os interesses
humanos ou ecossistmicos, ou ambos), desde que assim caracterizado pelo rgo competente
(artigo 37); criminaliza o comrcio, aprisionamento e transporte de animais silvestre e nativos
em rota migratria (artigo 29); dispe acerca da destruio de florestas em reas de preserva-
o permanente (artigos 38 e 39) e incndios (artigo 41); deteno para quem causar quais-
quer danos contra plantas ornamentais (apenas) em logradouros pblicos ou privados (artigo
48).
Alm destas leis, diversos acordos internacionais tm contribudo grandemente para a
proteo da fauna, direta ou indiretamente, como a Conveno da Diversidade Biolgica
(CDB), a Agenda 21 e o Protocolo de Kyoto, dos quais o Brasil signatrio.
A CDB, ratificada por 188 pases, um dos mais importantes resultados da Confern-
cias das Naes Unidas Para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92). Trata-se do
principal frum mundial na definio do marco poltico e legal para a biodiversidade. Dentre
estes marcos, destacam-se: regras ao acesso de recursos vegetais e repartio dos benefcios;
combate biopirataria; incentivo ao turismo sustentvel; preveno, controle e erradicao de
espcies exticas e invasoras; iniciativas a programas em reas protegidas; conservao das
plantas; conservao e uso sustentvel de polinizadores; proteo aos conhecimentos tradicio-
nais sobre a biodiversidade; incentivo educao e sensibilizao pblica, etc. (CDB, 2010).
A Agenda 21, tambm elaborada durante a Rio-92, constitui um plano de ao desti-
nado a garantir a sustentabilidade ambiental do planeta (Barbieri, 1996, p. 25). As aes da
Agenda 21 aumentaram a conscincia sobre os perigos que o atual modelo de desenvolvi-
mento socioeconmico e as transformaes do meio ambiente, ignorados durante dcadas,
entrando no discurso da maioria dos governos do mundo todo (Barbieri, 1996, p. 25). A
Agenda 21 destaca a idia de desenvolvimento sustentvel como forma de garantir o equil-
brio ambiental (Campos, 2000). O captulo 36 ressalta a importncia da Educao Ambiental
para a construo de sociedades sustentveis.
O Protocolo de Kyoto tambm trouxe oportunidades de se proteger a vida na Terra, j
que partiu da premissa de que o aquecimento global, provocado por gases bloqueadores de
radiao de ondas longas, poderia ser controlado mediante o compromisso internacional em
reduzir estes gases, protegendo desta forma a natureza (Conti, 2005). O Protocolo de Kyoto
foi assinado em 1997 por 189 pases e, diante da recusa dos Estados Unidos, representou um
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duro golpe aos proponentes do Desenvolvimento Sustentvel, segundo Aledo (2004). Para
este autor, no apenas este protocolo, mas a maioria dos acordos internacionais firmados na
Rio-92 tiveram um baixssimo nvel de aplicao ou simplesmente tm sido esquecidos.
1.3.2 Criao de reas Protegidas
A criao de reas Protegidas uma estratgia chave para proteger a biodiversidade
(Budhathoki, 2001) e tem crescido explosivamente nas ltimas dcadas (Rylands e Brandon,
2005).
O Romantismo do sculo XIX teve forte influncia na criao das primeiras reas
Protegidas, vislumbradas como ilhas de grande beleza, valor esttico, que conduziam o ho-
mem meditao sobre as maravilhas da natureza intocada (Diegues, 2005). Esta viso, pu-
ramente antropocntrica, beneficiava as populaes urbanas e valorizava motivaes estticas,
religiosas e culturais, o que demonstra que a vida selvagem no foi levada em conta por seus
valores prprios (Rodman apud Diegues, 2005). Com estes argumentos se criou o primeiro
parque nacional do mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, Estados Unidos, em meados
do sculo XIX. O modelo de parque de Yellowstone, com nfase em valores estticos e na
excluso de povos tradicionais, considerados destruidores, foi exportado para o mundo todo,
gerando conflitos principalmente no Terceiro Mundo, onde grande parte das florestas habi-
tada por populaes tradicionais (Diegues, 2005). Neste modelo de parque, os homens eram
aceitos apenas como visitantes (Melo, 2007).
No incio do sculo XX, indagaes acerca de como valorizar a natureza vieram a p-
blico graas polmica em torno da criao da barragem Hetch-Hecthy, nos penhascos do
mais belo parque nacional daqueles tempos, o Yosemite, evidenciando a oposio entre An-
tropocentrismo e Ecocentrismo (Hoffman, 2002). A construo da barragem foi fortemente
criticada por ambientalistas da poca, como John Muir (1838-1914), um dos responsveis
pela criao do parque. Ainda que defendendo os valores estticos do parque, uma viso limi-
tada da importncia do mesmo (se considerado o referencial atual), Muir no pde evitar que,
em 1913, O Congresso Americano aprovasse a construo da barragem. Hoje, os vales de
Yosemite esto submersos, mas o lado positivo disso que este evento teve repercusses nos
valores morais para a proteo ambiental da poca (Hoffman e Sandelands, 2005).
No Brasil, a primeira rea Protegida foi o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Ja-
neiro, criado em 1937, graas aos esforos do engenheiro e poltico Andr Rebouas (1838-
1898). Dois anos mais tarde, criou-se o Parque Nacional do Iguau, no Paran e o Parque Na-
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cional da Serra dos rgos, no Rio de Janeiro (Obara e Silva, 2001). Em 1944, o decreto-lei
n 16.667, incube ao Servio Florestal as funes de orientar, coordenar, fiscalizar e elaborar
programas estratgicos aos parques nacionais. O mesmo decreto estabelece os objetivos dos
parques: educativos, estticos e recreativos (Esteves, 2006). At meados da dcada de 1970, a
criao de parques nacionais se dava quase que exclusivamente a partir de critrios estticos
(Obara e Silva, 2001).
Em 2000, estabeleceu-se, no Brasil, legal e formalmente, um sistema unificado para as
reas protegidas federais, estaduais e municipais: o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
vao (SNUC). A funo do SNUC definir e regulamentar as categorias de Unidades de
Conservao nas instncias municipal, estadual e federal, separando-as em dois grupos: de
proteo integral e de uso sustentvel. Apenas o segundo tipo permite vrias formas de utili-
zao dos recursos naturais. Em 2005, havia 478 unidades de proteo integral e 436 de uso
sustentvel (Rylands e Brandon, 2005).
No total, o SNUC reconhece 12 categorias de Unidades de Conservao, cada uma das
quais com objetivos e restries especficos (Brasil, 2000): Estao Ecolgica, Reserva Bio-
lgica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refgio da Vida Silvestre, como unidades de
proteo integral; rea de Proteo Ambiental, rea de Relevante Interesse Ecolgico, Flo-
resta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Susten-
tvel, Reserva Particular do Patrimnio Natural, como unidades de desenvolvimento sustent-
vel.
Para os Parques Nacionais, categoria de maior interesse no mbito desta dissertao, o
SNUC estabelece como objetivo:
a preservao de ecossistemas naturais e de grande relevncia ecol-gica e beleza cnica, possibilitando a realizao de pesquisas cientfi-cas e o desenvolvimento de atividades de educao e interpretao ambiental, na recreao em contato com a natureza e de turismo eco-lgico (Brasil, 2000, grifos nossos).
Embora o objetivo de parques nacionais englobe aspectos ecolgicos e estticos, no
parece claro qual critrio prevalece na hora de se decidir pela criao de um parque, ou se
ambos os critrios so igualmente relevantes, excluindo-se assim ambientes que, embora te-
nham grande relevncia ecolgica, como pntanos, so de pouca beleza cnica, conside-
rando o ponto de vista ocidental de valores estticos (Rodman apud Diegues, 2005).
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Sem dvida, esta valorizao esttica da natureza traz grandes contribuies para a
proteo de ecossistemas inteiros. Algumas espcies, como a baleia, o mico-leo-dourado, o
logo-guar e vrios pssaros, causam empatia nas pessoas e por isso so chamados de fauna
carismtica (Primack e Rodrigues, 2001). Em muitas situaes, por exemplo, com o objetivo
de proteger ecossistemas, as autoridades apiam-se em argumentos antropocntricos, ou seja,
usam a chamada fauna carismtica para levantar fundos para proteger tambm outras esp-
cies menos carismticas, mas no menos importantes. Como dito antes, o problema deste pen-
samento excluir outros ambientes onde, hipoteticamente, no ocorrem as espcies carismti-
cas.
O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), criado em 23 de agosto de
2002, aps estudos do Projeto Radar da Amaznia, na dcada de 1970 (Gallois, 2008), a
maior rea protegida em floresta tropical do mundo, abrangendo seis municpios: Caloene,
Laranjal do Jar, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, Serra do Navio, no Estado Amap, e
Almeirim, no Par, totalizando 3.867.000 hectares, o que representa, no Amap, 27% de sua
rea total e 0,49% de toda a rea do Brasil (Figueiredo, 2006).
Embora algumas campanhas publicitrias valorizem exacerbadamente os aspectos
estticos do parque, que possui algumas regies de notvel beleza cnica, estudos indicam sua
elevada riqueza de fauna e flora. No total j foram identificadas 207 espcies de peixes, 70
espcies de anfbios, 86 de rpteis, 366 de aves e 105 de mamferos, sendo 57 de mamferos
no-voadores, alm de pelo menos 147 famlias e 643 gneros de plantas (Bernard, 2008).
O PNMT, sendo uma unidade de conservao de proteo integral, incorpora a con-
cepo preservacionista, mantendo-se extremamente restritivo em relao presena de popu-
laes humanas em seu interior, j que este modelo de parque segue o pressuposto de que
populaes humanas so potenciais destruidores de ambientes naturais (Melo, 2007). Sem
estradas e isolado de grandes centros urbanos, o parque est praticamente intocado, a no ser
pelo ncleo populacional de Vila Brasil (Irving, 2007). Moradores das regies centrais do
Amap, como Pedra Branca e Serra do Navio, sentiram a limitao das possibilidades de ca-
ar e pescar no interior do parque, que desde ento se tornou uma terra proibida, mesmo
que na prtica a maior parte da populao nunca tenha se aventurado at seu interior (Sch-
midt, 2009).
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Ainda assim, a preservao do PNMT tem sido ameaada por atividades como garim-
po, turismo informal, pesca, caa e extrao ilegal de madeira (ICMBio, 2008). Bernard
(2008) menciona que, em regies prximas Serra do Navio, a caa e a pesca representam
srias ameaas ao PNMT, embora a dimenso da problemtica ainda seja desconhecida. Silva
(2007), discorrendo acerca da mesma temtica, afirmam que as formas de controle das autori-
dades ainda so escassas.
Visando minimizar os provveis impactos, as Unidades de Conservao contam com
uma Zona de Amortecimento (entendida como uma faixa de proteo, no entorno do parque,
onde a interferncia humana tem algumas restries). No caso do PNMT, tambm no inclui
nenhuma rea ou assentamento urbano (ICMBio, 2008).
Embora os impactos antrpicos ao PNMT se resumam, possivelmente, a focos isola-
dos, como o garimpo (Irving, 2004; Melo, 2007), previsvel que as restries impostas ao
uso dos recursos em seu interior levem depredao do seu entorno (Budhathoki, 2001). Em
outras palavras, a proteo legal da biodiversidade do parque e sua zona de amortecimento
no significa dizer que isto justifique o descaso para com a proteo dos recursos de outras
regies prximas. A situao parece preocupante quando se verifica que, mesmo no interior
do parque os impactos se evidenciam, conforme a bibliografia j citada.
Deste modo, o estudo de atitudes e valores atribudos natureza, no contexto do en-
torno de uma rea Protegida, se justifica mediante as possibilidades de traar estratgias que
visem minimizao dos provveis impactos exercidos pela populao biodiversidade do
interior da unidade, da zona de amortecimento e de outras regies prximas, j que estas lti-
mas esto menos protegidas legalmente.
Aps esta breve descrio da legislao e da criao de reas Protegidas, como meca-
nismos de proteo da fauna, reafirma-se o defendido no incio desta discusso, valendo-se
agora de Guadiano (2002) e Eschenhagen (2005): nos dias atuais, ainda se acredita que restri-
es jurdicas ou econmicas sejam suficientes para assegurar a conservao da biodiversida-
de. Muitos setores e grupos implicados em estratgias para a biodiversidade ainda no com-
preenderam o importante papel que a Educao pode desempenhar na mudana social. Assim,
a seguir, o tema central da discusso ser a Educao Ambiental, a qual no representa neces-
sariamente a salvao do mundo, mas uma ferramenta complementar a todas as demais estra-
tgias para a conservao da fauna, estratgias estas que ficam debilitadas frente dimenso
educacional da biodiversidade.
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1.3.3 Educao Ambiental
A Educao Ambiental (EA) surgiu nos anos 1970 (Garcia, 2005) em resposta crise
ambiental, assim como os movimentos ecocntricos e o aumento significativo de reas prote-
gidas, discutidos anteriormente. Surgiu, portanto, como uma das formas de desencadear aes
e estratgias para a resoluo da atual crise ecolgica (Camponogara et al., 2007), sendo uma
de suas finalidades, a proteo da biodiversidade (Primack et al., 2001).
Em 1977, realizou-se a Conferncia Intergorvenamental de Tbilisi (na antiga Unio
Sovitica), um dos marcos da EA no mundo. Neste evento, definiram-se seus conceitos e ob-
jetivos (Segundo Telles e Braga, 2004):
Educao Ambiental um processo de reconhecimento de valores e clarificao de conceitos, objetivando o desenvolvimento de habilida-des e modificando as atitudes em relao ao meio, para aprender e apreciar as inter-relaes entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofsicos. A Educao Ambiental tambm est relacionada com a prtica de tomada de decises e a tica que conduzem a melho-ria da qualidade de vida.
Ainda durante a conferncia de Tbilisi (1977), estabeleceu-se que a Educao Ambi-
ental para a biodiversidade deve, segundo Guadiano (2002, grifos nossos):
propiciar a compreenso da natureza complexa da biodiversidade, re-sultante da interao de seus aspectos biolgicos, fsicos, sociais e cul-turais; promover uma utilizao reflexiva e prudente da biodiversidade para a satisfao das necessidades humanas; favorecer em todos os n-veis uma participao responsvel e eficaz da populao na concepo e aplicao das decises que pem em jogo a conservao da biodi-versidade em suas relaes com a qualidade do meio natural, social e cultural; difundir informaes acerca das modalidades de desenvolvi-mento que no repercutam negativamente na biodiversidade; facilitar ao indivduo e s coletividades os meios de interpretar a interdepen-dncia dos diversos elementos econmicos, sociais, culturais, biolgi-cos, fsicos, no espao e no tempo.
Assim, a Educao Ambiental aponta para propostas centradas na conscientizao,
mudanas de comportamento, desenvolvimento de competncias, capacidade de avaliao e
participao dos educandos, tendo uma funo cada vez mais transformadora, onde o educa-
dor funciona como um mediador na construo de referenciais ambientais e deve saber us-
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los como instrumentos para o desenvolvimento de uma prtica social centrada no conceito de
natureza (Jacobi, 2004).
Neste sentido, o papel da EA para a conservao tem sido muito importante no que
tange gesto ambiental, sobretudo para fomentar mudanas de atitudes humanas relaciona-
das ao ambiente (Morales, 2006). Para Zent (1998), a mudana dos atuais quadros ambientais
exige a rejeio da perspectiva antropocntrica e sua substituio pela ecocntrica, criando
novas atitudes e comportamentos individuais e coletivos (Jacobi, 2003). Para Reigota (1994),
a soluo est em acabar com o Antropocentrismo. Uma soluo menos drstica seria a pro-
posta por Larrre e Larrre (2008), comentada anteriormente, que consistiria em ampliar a
concepo popular de recurso para alm dos servios diretos prestados pela natureza, o que
um dos papis da EA, conforme Morales (2006).
Porm, como responder aos problemas ambientais, incluindo-se a a tal mudana de
atitudes, frente extino das espcies, por exemplo, depende da percepo que se tem da
relao do homem com a natureza (Kortenkamp e Moore, 2001). Antes de mudar atitudes,
necessrio investigar conhecimentos, crenas e cosmovises, que so as plataformas instru-
mentais que justificam e legitimam as aes humanas frente ao meio (Eschenhagen, 2005).
Antunes (2007) considera que a verdadeira aprendizagem um processo que exige o
confronto entre a realidade objetiva e os diferentes significados que cada pessoa constri
acerca desta realidade, considerando as experincias individuais e coletivas. O autor define
ainda os conceitos de informao e conhecimento. Informao compe-se de um ou mais
fatos, pr-organizados, produzidos fora do espao escolar, completos e acabados. Conheci-
mento, por sua vez, surge a partir da interao entre o indivduo (aluno), a informao que lhe
exterior e que chega trazida pelo professor ou outras fontes, e o significado que este indiv-
duo lhe atribui. Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais Para o Ensino Mdio (Brasil,
2006), se a realidade dos alunos, seus conhecimentos e vivncias prvias forem considerados
como ponto de partida, o ensino ter sentido para o aluno e a compreenso de processos e
fenmenos ser mais efetiva. Tudo isso concorda com a concepo de Paulo Freire de Educar:
transformar pela teoria em confronto com a prtica e vice-versa (prxis), com conscincia
adquirida na relao entre o eu e o outro, ns (sociedade) e o mundo (Loureira, 2004).
Desta forma, direcionando para a EA, a significativa aprendizagem ou mudana com-
portamental em relao ao ambiente requer levantamentos prvios acerca de atitudes dos alu-
nos para, a partir do confronto entre as informaes trazidas pelo educador ambiental e a
realidade dos alunos, construir-se o conhecimento que poder levar s mudanas de atitudes,
por exemplo, antropocntricas para atitudes mais ecocntricas.
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Embora documentos oficias da Educao Bsica (Brasil, 1998; Brasil, 2006) reconhe-
am a importncia da EA em todos os nveis de ensino, no ensino mdio, ltima etapa da
Educao Bsica, possvel que os alunos j tenham atingido dado desenvolvimento cogniti-
vo, que determinadas atitudes, formadas em etapas anteriores (em idades menos avanadas),
tendem a ser permanentes (Bjerke et al., 1998), na ausncia de intervenes que visem formar
novas atitudes. Segundo Sato (1997), a partir de uma abordagem cognitivista da Educao,
conhecimentos (entenda-se por conhecimento como algo abrangido por atitudes, segundo
Braghirolli, 2007) procedem de construes sucessivas com elaboraes constantes de novas
estruturas ao aluno, segundo a teoria piagetiana. Em etapas anteriores (operaes concretas), o
indivduo est preso sua prpria natureza e, apenas na etapa de operaes formais capaz de
se preocupar com questes mais abstratas (Biaggio et al., 1999), o que segundo a teoria piage-
tiana ocorre a partir dos 11 anos de idade, at a fase adulta. Desta forma, possvel que o es-
tgio de desenvolvimento cognitivo de alunos do ensino mdio esteja mais bem definido. Lo-
go, estudos de atitudes de alunos do ensino mdio, em relao a problemas ambientais, tam-
bm podem trazer indicativos acerca de processos educacionais anteriores que, em seu con-
junto, configuram a complexidade de atitudes deste pblico, que est saindo do ensino bsico.
Entretanto, cabe ressaltar que, seja qual for o nvel de ensino considerado, levantamen-
tos de dados prvios podem ser usados como importantes ferramentas anlise da compreen-
so do sistema ambiental e posterior elaborao de materiais tcnico-pedaggicos sensibili-
zao de grupos sociais acerca dos problemas ambientais, sendo teis a Programas de Educa-
o Ambiental (Santos et al., 2000).
Em Unidades de Conservao, a EA se justifica a partir da observao das presses
humanas por comunidades do entorno, que se expressam em aes como desmatamentos,
extrao de produtos naturais, caa e pesca predatrias, atividades agrcolas, comprometendo
a conservao dos recursos culturais e naturais das prprias comunidades (Milano apud Maro-
ti, 2002), o que tambm parece acontecer no entorno do PNMT, como j pautado.
O SNUC estabelece, como um dos objetivos das Unidades de Conservao (Brasil,
2000):
a conduo de atividades de educao ambiental formal, no formal, turstica ou de informao comunidade com o objetivo de desen-volver uma conscincia pblica voltada para a conservao do meio ambiente e dos recursos naturais.
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Trabalhos de EA, desenvolvidos em Unidades de Conservao ou em seu entorno,
podem ter diferentes concepes metodolgicas que sero influenciadas pelas concepes
paradigmticas que se tem de meio ambiente. Sauv (1996) desenvolveu uma tipologia que
correlaciona o paradigma de ambiente e os objetivos da Educao Ambiental:
a- O ambiente como natureza que devemos apreciar e respeitar: implica a idia de pre-
servao, partindo do problema da dissociao do homem com a natureza; a EA tem
como objetivo a renovao dos laos com a natureza, tornando-nos parte dela.
b- O ambiente como recursos que devemos gerir: refere-se concepo de ambiente
como recurso; a EA visa tomada de decises corretas para assegurar os recursos para
atuais e futuras geraes.
c- O ambiente como problemas que devemos solucionar: o uso irracional dos recursos
ameaa a vida por meio de queimadas, poluio e outros danos; neste caso, a EA tam-
bm objetiva o desenvolvimento de competncias que levem tomada de decises
responsveis.
d- O ambiente como lugar para viver: este o dia-a-dia do meio ambiente, na escola,
em casa, no bairro, no trabalho, no lazer; o nosso ambiente, que devemos aprender a
apreciar para que desenvolvamos o sentimento de pertena. Ex.: projetos de jardina-
gem.
e- O ambiente como biosfera: parte do problema de que os seres humanos so habitantes
do ambiente, mas sem o sentimento de pertencimento; a Terra vista como uma espa-
onave, Gaia, valorizando-se a interdependncia entre os seres vivos e inanimados;
a EA visa desenvolver, desta forma, uma viso global da natureza.
f- O ambiente como projeto comunitrio: valoriza a solidariedade, a democracia e o en-
volvimento pessoal e coletivo; critica o individualismo e v a natureza com foco na
anlise crtica, na participao poltica da comunidade; a EA objetiva desenvolver o
esprito crtico, o exerccio da democracia e trabalho coletivo.
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Desta maneira, o tipo de EA a ser desenvolvida depende das concepes prvias do
pblico-alvo para que, a partir da, suas estratgias terico-metodolgicas sejam definidas.
Logicamente, em um trabalho desenvolvido com animais, por exemplo, onde cada grupo des-
perta significados e valores diferentes, distintas abordagens em EA so necessrias, de forma
complementar. Ademais, mudanas nas concepes de ambiente levariam, inevitavelmente, s
mudanas das concepes de EA, ou seja, a existncia de uma alternativa educativa para con-
ciliar a viso utilitarista da natureza no quer dizer que esta deva ser reforada e muito menos
perpetuada, mas uma forma de minimizar os impactos negativos na biodiversidade decor-
rentes desta concepo, j que um dos objetivos da Educao a sustentabilidade do uso dos
recursos (Gadotti, 2008).
1.4 Objetivos e Hipteses
1.4.1 Objetivo Geral
A partir dos pressupostos tericos j desenvolvidos, este trabalho teve como objetivo
geral: estudar atitudes antropocntricas e ecocntricas de estudantes de ensino mdio do mu-
nicpio de Serra do Navio (Amap, Brasil), em relao fauna, contribuindo assim com da-
dos prvios para intervenes em Educao Ambiental, haja vista que a rea estudada se situa
num contexto que levanta intensas discusses conservacionistas, j que a maior parte do mu-
nicpio pertence a um parque nacional.
1.4.2 Objetivos Especficos
Verificar os nveis de concordncia dos alunos diante de itens formulados previamen-
te, com argumentos antropocntricos, ecocntricos e neutros (apatia ambiental). Integrando
um contexto sciodemogrfico marcado pelo modelo de desenvolvimento ocidentalmente
dominante, a primeira hiptese levantada foi a de que os alunos apresentariam nveis mais
elevados de concordncia nos itens de argumentos antropocntricos.
Classificar, segundo as categorias de Kellert (1996), os valores atribudos aos ani-
mais citados pelos alunos. A segunda hiptese levantada foi de que os alunos atribuiriam
mais valores antropocntricos (utilitarista, negativista e dominadora) aos animais. Esta hipte-
se foi levantada pelas mesmas razes da hiptese anterior.
Verificar relaes entre os valores de categorias antropocntricas (utilitarista, nega-
tivista e dominadora) e ecocntricas (ecologista, moralista e naturalista) com atitudes prote-
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cionistas. Considerando que a literatura tem demonstrado que a valorizao antropocntrica
dos seres condiciona as atitudes negativas, o contrrio ocorrendo com a valorizao ecocntri-
ca, a terceira hiptese considerada foi a de que as categorias antropocntricas levariam os
alunos a atitudes antiprotecionistas em relao aos animais, e as categorias ecocntricas leva-
riam a atitudes protecionistas.
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2. MATERIAL E MTODOS
2.1 Caracterizao da rea de Estudo
2.1.1 Localizao
O municpio de Serra do Navio (0 53 0 N, 52 0 0 W) est localizado na regio
central do Estado do Amap (Figura 2), com acesso via terrestre, pela Rodovia Perimetral
Norte (BR210), distando cerca de 200 Km da capital, Macap, um trajeto que compreende at
cinco horas de viagem. Seus limites so: a sul, Municpio de Pedra Branca do Amapari; a nor-
te: Municpio de Oiapoque; a leste, Municpios de Caloene, Pracuba e Ferreira Gomes; a
oeste, Municpio de Pedra Branca do Amapari. A distncia mnima entre a sede de Serra do
Navio e os limites do PNMT de 52 km (Melo, 2007).
Figura 2: Mapa de localizao do Municpio de Serra do Navio em Relao ao Parque Naci-onal Montanhas do Tumucumaque. Adaptado de WWF (2009).
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2.1.2 Aspectos Geogrficos
A rea territorial de Serra do Navio 7.757 km (IBGE cidades, 2010) dos quais 72%
foram cedidos ao parque (Silva, 2007). Em 2007, a populao do municpio era de 3.982 habi-
tantes (IBGE Cidades, 2010), o que resulta numa densidade demogrfica de 0,51hab./km.
Alm da sede, Vila de Serra do Navio, h doze comunidades rurais, das quais cinco
so ribeirinhas, com acesso fluvial (Quadro 1). Em um levantamento histrico-cultural dos
municpios do entorno do PNMT, entretanto, Gallois (2008) registrou a possibilidade de exis-
tncia de um nmero superior (15) de comunidades rurais vinculadas Serra do Navio.
Quadro 1: Comunidades rurais de Serra do Navio. Fonte: RURAP (In: Silva, 2007).
Todas estas regies pertencem a uma zona climtica tropical chuvosa, com duas esta-
es bem delimitadas ao longo do ano: a primeira (de julho a dezembro) de estiagem; a se-
gunda (de janeiro a junho) de chuva. Durante o dia, as temperaturas ultrapassam os 30C e,
durante a noite, caem consideravelmente para 18C, em mdia. No inverno o municpio fica
coberto de neblina que, em alguns momentos, fica to densa que a visualizao num raio de
seis metros praticamente impossvel (Silva, 2007).
O municpio de Serra do Navio possui uma fisiografia de conjuntura geomorfolgica
caracterizada por relevos colinos, e tem a contribuio integral da Bacia Hidrogrfica do Rio
Araguari. A esse respeito, o municpio possui quatro rios: Anacu (77,5 km de extenso), Mu-
Comunidade Famlias Distncia da sede
gua Branca 600 9 km
Araguari 04 28 km
Cachao 110 8 km
Escondido 26 18 km
PA Serra do Navio 94 13 km
Perptuo Socorro 16 14 km
So Jos 22 22 km
Pedra Preta 15 5 km; 1h (motor)
Estefnio 04 3h30min (motor)
Capivara 11 2h (motor)
Anta 05 4h (motor)
Sucuriju 08 4h (motor)
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rur (102,5 km), Amapari (202,5 km) e Araguari (210 km). H o predomnio de floresta densa
de terra firme (Silva, 2007).
2.1.3 Aspectos Biolgicos
Existe uma ausncia de informaes cientficas para a regio do PARNA Montanhas
do Tumucumaque, incluindo-se a a Serra do Navio, j que a maior parte do municpio o
prprio parque. Tal escassez de conhecimento se deve, possivelmente, localizao remota da
rea que foi recentemente transformada em parque, em relao aos centros urbanos maiores
(Bernard, 2008). Porm, sabe-se que seu interior e entorno se caracterizam pela elevada ri-
queza de fauna e flora (Irving, 2004).
2.1.3.1 Flora
Em expedio realizada na confluncia entre os rios Amapari e Anacu, em Serra do
Navio, j foram identificadas 32 famlias e 46 espcies vegetais, sendo maiores os nmeros de
espcies para: Leguminosae (8), Lecythidaceae (6), Lauraceae (5), Apocynaceae (5), Annona-
ceae (4) e Arecaceae (4). Para as espcies de rvores, as mais abundantes so: Teobroma su-
bincanum (cupuauzeiro), Protium paraense (breu), Pouteria sp. (maaranduba) e Euterpe
oleraceae (aaizeiro). As famlias de arbusto com maior representatividade foram Araliaceae,
Piperaceae, Polypodiaceae e Poaceae. Neste ltimo caso, com predominncia de Lasiacis li-
gulata (Bernard, 2008), conhecida vernaculamente como taquari.
2.1.3.2 Fauna
A regio de Serra do Navio, inserida dentro do contexto do Brasil megadiverso, conta
com uma ampla variedade de espcies de animais. Durante visitas preliminares ao municpio,
um antigo caador da regio chegou a afirmar que ali s no existiam lees e girafas, o que j
d uma idia da riqueza faunstica do local.
No grupo dos peixes, 83 espcies de 19 famlias foram registradas na confluncia
Amapari/Anacu, sendo as mais apreciadas pela populao, conforme Bernard (2008): Lepo-
rinus melanosticus (ara), Ageneiosus inermis (mandub) Hoplias malabaricus (trara), Cal-
lichthys callichthys (tamuat) e Mylleus sp. (curupet). Encontra-se a tambm a espcie Elec-
trophorus electricus (poraqu).
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41
Nesta mesma regio, so conhecidas 14 famlias e 25 espcies de anfbios, como Rhi-
nela marina (sapo-cururu) e Rhinatrema bivittatum (cobra-cega). Para rpteis, so 19 fam-
lias e 40 espcies, com destaque para Iguana iguana (iguana), Tupinambis teguixin (jacuraru),
Boa constrictor (jibia), Corallus caninus (cobra-papagaio), Eunectes murinus (sucuri), Geo-
chelone denticulata (jabuti) e Paleosuchus palpebrosus (jacar-ano) (Bernard, 2008).
Ainda na confluncia, Bernard (2008) expe a ocorrncia de 133 espcies de aves de
41 famlias, sendo as mais especiosas: Thamnophilidae (20), Tyrannidae (10), Psittacidae (9)
e Trochilidade (9). Desta ltima famlia, destaca-se a espcie Topaza pella (beija-flor-brilho-
de-fogo), considerada smbolo de Serra do Navio.
Por fim, a regio conta com 44 espcies de mamferos no-voadores registradas, das
quais podem ser exemplificadas: Bradypus tridactylus (preguia), Tamandua tetradactyla
(tamandu), Panthera onca (ona), Leopardus pardalis (jaguatirica) , Tapirus terrestris (an-
ta), Lontra longicaudis (lontra), Alouatta maconnelli (guariba), etc.. Alm disso, so 4 fam-
lias de morcegos, com 29 espcies, sendo a mais abundante Artibeus planirostris (falso vam-
piro) (Bernard, 2008).
2.1.4 Aspectos Scio-econmicos
O municpio de Serra do Navio surgiu na dcada de 1960, para abrigar os funcionrios
da ICOMI (Indstria e Comrcio de Minrios S.A.), o que no resultou na construo de um
perfil social homogneo na regio, j que chegavam a pessoas de diferentes regies do Ama-
p e do Brasil (Monteiro, 2003; Gallois, 2008).
Segundo Monteiro (2003), indcios corroboram que a descoberta de mangans em Ser-
ra do Navio se deu na dcada de 1940, em razo das demandas por ferro aps a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Em 4 de dezembro de 1947, o presidente do Brasil, Eurico
Gaspar Dutra (1883-1974), assinou um decreto autorizando o governo territorial do Amap a
consolidar contrato de prospeco com a ICOMI. Para abrigar os trabalhadores da minerado-
ra, foram construdas 334 residncias, de diferentes modelos, para contemplar os diferentes
segmentos da hierarquia da empresa (Monteiro, 2003). Concomitantemente, foram surgindo
no entorno algumas vilas de pequenos agricultores, que abasteciam estes moradores da sede
(Gallois, 2008). Embora o fluxo maior de imigrantes tenha ocorrido neste perodo, a regio foi
desbravada muito antes, na dcada de 1930, por crioulos em busca de ouro, que perc