Diário de Rafinha - perse.com.br filever, reside basicamente nas nuances do amor e nas variações...
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Prefácio
As poesias de Léo Dragone eu já conhecia, por ocasião das
Antologias que costumo organizar regularmente. Eram
poemas de intensa sensibilidade, que se destacaram
imediatamente aos meus olhos. O que eu não imaginava era
que este jovem e talentoso escritor também se dedicava à
complexa arte de escrever romances. Desta forma,
surpreendi-me quando Léo me chegou com esta obra nas
mãos, para que eu a avaliasse e desse minha opinião. Dizia
ele que não tinha a pretensão de publicá-la – pelo menos
não naquela ocasião. Era o “primeiro filho” de sua “gestação
literária”, na categoria “romance”. Um “filho” cujo pai
ainda não se via pronto para dividi-lo com o mundo. Coisas
de início de carreira de jovens escritores, que logo acabam
tendo seu talento reconhecido, quando são realmente bons.
No mesmo dia, comecei a ler As Duas Faces do Amor – de
cara já me deixei atrair pelo título. E neste mesmo dia
cheguei à última página, pois a trama envolveu-me a tal
ponto, que não consegui interromper a leitura. Uma trama
cativante, daquelas que prendem o leitor desde o primeiro
momento, movendo sua curiosidade sempre em direção à
próxima página. Quando dei por mim, já estava todo dentro
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do livro, havia me transportado para a ficção, sem perceber.
Deparei-me com uma série de elementos, com grande força
de atração e distribuídos entre personagens muito bem
marcados, a maioria composta por adolescentes e jovens.
Paixão, conflitos, emoções, aventuras, encantos,
desencantos, raiva, desejos e sonhos que se desenrolam e se
confundem na adolescência – este preâmbulo da vida
propriamente dita, onde a história de cada um começa a se
inscrever de fato. Tudo desencadeado a partir do nosso
polêmico protagonista Rafael, personagem que carrega em
si uma extensa matiz onde estão presentes todas as cores do
processo existencial: o mal e o bem, mentira e verdade,
possível e impossível, sonhos e pesadelos, a máscara e a
pele, sombra e luz, força e fraqueza. De uma forma ou de
outra, estou certo, Rafael irá atingir o leitor.
O amor e a diversidade sexual são tratados aqui com
sutileza única, desencadeando questões contundentes e
inevitáveis, cuja resposta ficará por conta do próprio leitor,
como por exemplo: “O amor está acima do bem e do mal?”;
“Os fins justificam os meios?”; “Até onde o remorso
redime?”; “Que tênue linha divide o desejo ardente do amor
verdadeiro?”; “Seria a culpa o mais destrutivo dos
sentimentos?”, “A eternidade é possível?”, entre tantas
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outras. O surpreendente final nos leva a uma reflexão
profunda e, certamente, despertará em cada leitor as mais
diferentes sensações: aceitação, indignação, compaixão ou
dúvida. Diferentes histórias e personagens se entrelaçaram
para isto, para dar corpo à real essência da obra, que, a meu
ver, reside basicamente nas nuances do amor e nas
variações que ele assume, dependendo de cada olhar.
Ao terminar a leitura, procurei o autor para dar-lhe o
feedback que ele tanto queria. Sem meias palavras, disse-
lhe que engavetar este romance seria um ato de profundo
egoísmo. Insisti para que publicasse este “primeiro filho” e
me dispus a ajudá-lo no que fosse preciso. A princípio, Léo
questionou, resistiu, mas acabou concordando e se
apaixonando ainda mais por esse mágico universo dos
romances, onde o autor é o único responsável pelo destino
de seus personagens.
Neste momento, Léo já deve ter outros “filhos” no forno,
que serão ou não publicados, não importa. Deixemo-los
para o futuro e para a sua hora. O que sei agora é que As
Duas Faces do Amor terá sempre um significado especial na
vida de Léo Dragone. Não apenas por ser o primeiro, mas
porque é raro um livro primeiro despertar no leitor tantas e
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diferentes emoções. Pelo menos, foi o que aconteceu
comigo.
Valdeck Almeida de Jesus
Escritor, Poeta e Jornalista
www.galinhapulando.com
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A rua amanheceu alagada, mais uma vez, após uma
chuva de verão, que caiu durante toda a noite. A
situação estava se complicando a cada ano. Sempre a
mesma coisa, a prefeitura prometendo construir a rede
pluvial, a imprensa noticiando o mesmo blá, blá, blá...
Naquele dia, mais uma vez, Rafael não poderia ir à
escola, por causa do alagamento.
Rafael é um jovem de 17 anos, vindo de família pobre e
de um mundo de fantasias. Um adolescente que sempre
esteve longe de ser o queridinho da família. Muito pelo
contrário, era a ovelha negra. O seu modo de agir e as
atitudes que tomava eram bem típicas de um menor
inconsequente. Agia por impulsos e pra conseguir o que
queria passava por cima de qualquer um, independente
de quem fosse.
Rafinha morava em uma casa humilde, de um bairro
pobre da cidade de Salvador. Seu pai, o Senhor
Osvaldo, após dar duro por muitos anos em uma oficina
mecânica, aposentou-se, mas ainda fazia bicos para
complementar a renda e sustentar dona Zélia, sua
esposa, e seus dois filhos Raíssa e Rafael.
Raíssa, 20 anos, irmã de Rafael, era o oposto dele. Não
era vaidosa, não se importava de continuar com aquela
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vida que seus pais podiam lhe proporcionar. Apesar da
sua simplicidade, gostava de baladas, como quase todo
adolescente. E foi assim que tudo começou, quando
Raíssa convidou o irmão pra ir a uma balada, que
aconteceria ali próximo á casa deles.
- Maninho vamos à balada hoje, comigo? Quero que
conheça o meu novo namorado.
- Vamos nessa, já perdi o dia de aula, mesmo. Pelo
menos me esqueço um pouco de tudo isso que você
chama de vida. Também estou a fim de conhecer o cara.
Ao chegaram à festa, eles encontraram a galera do
colégio e logo se formou aquela roda, a galera estava
toda reunida! Não demorou muito e o namorado de
Raissa chegou. Era um moreno jambo, alto e estiloso,
usava um corte de cabelo meio careta para sua idade,
mas isso não disfarçava sua beleza, tipo Tom Cruise.
Sua roupa combinava com sua juventude e seu jeito
simples e carismático: uma calça jeans e uma camiseta
branca, que deixava a mostra os seus braços fortes e o
seu físico sarado.
Raíssa se distanciou da galera e foi curtir a noite com
seu namorado. Mesmo assim, não se viu livre dos
comentários das meninas espevitadas do colégio.
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- “Onde foi que ela achou esse, foi num filme de
Hollywood?”
Rafael permanece neutro dentre os comentários e
percebe uma pitada de inveja nos comentários das
garotas... Bem que elas tinham razão, o Tom era,
realmente, um pedaço e tanto de mau caminho! Logo,
sua irmã retorna para o grupinho, já de mãos dadas com
seu gato. Ela estava radiante e feliz, queria tanto
apresentar Tom ao seu irmão. Sabia que Rafinha era
uma pessoa muito sincera e espontânea. Iria colocar
defeitos ou elogiar o cara, e essa era a característica que
Raíssa mais gostava no irmão.
- Tom, este é meu irmão Rafinha. Rafinha, esse é o Tom,
meu namorado.
Rafinha, que estava sentado com as meninas da escola,
levantou-se e apertou forte a mão do cunhado.
- Beleza cara, a Raíssa me falou muito sobre você
durante esta semana.
A garota fica meio sem graça e dá um beliscão no seu
irmão, que sorri descaradamente.
- Que bom, responde o cunhado, sorridente.
Os três se distanciam do grupo, sentam numa mesa um
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pouco recuada e logo estavam no maior papo. Os
garotos levam horas conversando sobre viagens,
esportes, festas etc., e nem percebem que deixam a
garota de fora dos assuntos. Raíssa cochila, debruçada
no ombro de Tom que, ao perceber, apressa-se em ir
embora.
- É, acho que ‘tá’ na hora de ir - disse o rapaz, fazendo
sinal pro garçom.
Conta paga, levantaram e foram embora.
Uma semana se passou. Raíssa cada vez mais
empolgada com o namoro. Eles sempre saíam juntos
com Rafinha, para um programa a três, após as aulas.
Mais um dia de aula e Rafinha se dirigia a sua sala,
quando ouviu alguém o chamar.
- Rafinha!
O rapaz se aproxima e diz ao garoto, com a voz
ofegante.
- Precisamos conversar cara.
Era Patrick, um ex-namorado de sua irmã por quem
Raíssa era realmente apaixonada mas, por infidelidade
dele, eles haviam terminado.
- Cara, na boa, me ajuda aí. Você sabe que é de mim
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que sua irmã realmente gosta, me dá essa força aí,
parceiro.
- Não sei não Patrick, minha irmã ‘tá’ bem agora. Você já
fez ela sofrer demais, cara... Além do mais, o Tom é meu
amigão. Eu não posso fazer isso com ele.
- O que você quer? Me diz só o que você quer, que eu te
ajudo. Quanto você quer? Eu te dou grana, cara.
Dinheiro não é problema, eu posso...
- Olha Patrick, eu não quero nada. Só preciso pensar,
‘tá’? - disse Rafinha, e se dirigiu a sala de aula.
Na saída do colégio, Rafinha encontrou Tom que,
esperava Raíssa.
- E aí Cunhadinho, a Raíssa vai demorar, hein? Ela
ainda tem aula de biologia.
- E... Então nem vai dar pra esperar ela. Tenho que levar
o carro do meu pai pra revisão. Quer ir comigo?
- Só se depois que você me ensinar a dirigir!
- Claro que sim, moleque. Respondeu Tom, super
empolgado.
Os dois passaram a tarde toda num terreno próximo dali,
dando voltas de carro.
Nem bem entrou em casa e Raíssa já ouvia a cantarola
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do irmão “vou pedir aos céus, você aqui comigo, vou
jogar no mar flores pra te encontrar”...
- E aí, maninho, apaixonado é? - pergunta a irmã,
sorridente.
- ‘Tá’ doida, Raíssa. Eu? Apaixonado? Quem dera.
- Está sim, quando te pego assim cantando. Já sei, tem
menina na parada. Hã?
- Raíssa, me poupe! Quando eu estiver apaixonado te
aviso, ta? - responde o garoto, sorrindo.
Vai ao quarto, pega a toalha, entra no banheiro e toma
um refrescante banho. Ainda no chuveiro, lembra de uma
vez no colégio, quando estava ele e um amigo de sala
nos fundos da escola:
- Já beijou um homem?
- Não! Responde o amigo, com cara de assustado.
- Tem curiosidade? Pergunta Rafael, se aproximando do
garoto. Um enorme silêncio toma conta do lugar. Os dois
se aproximam de repente!
Um beijo, logo depois vem a imagem com Tom no carro,
os dois se divertindo, depois a cena dele entrando em
casa e Raíssa perguntando se ele estava apaixonado.
Voltou em si, ficou embaixo do chuveiro.
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Saiu do banho, foi até a cozinha, onde D. Zélia
preparava uma sopa bem apetitosa.
- Ligou um tal de Patrick pra você. Fala a mãe.
- Valeu mãe, depois ligo pra ele.
À noite, sentado na janela do seu quarto, vê quando
Raíssa e Tom saem juntos, entram no carro e vão
embora. O garoto sai da janela, vai até o quarto da irmã,
pega uma caixa e encontra fotos, vê uma de Tom, sai do
quarto e leva a foto consigo. Deita na cama, olha pra foto
e chora.
- Por que, Tom? Logo você? Isso não pode estar
acontecendo comigo - diz o garoto, em voz baixa.
Em alguns minutos cochila... Mais tarde, ouve o barulho
do carro, corre pra janela: os dois saem do carro, se
beijam e se abraçam. Raíssa entra em casa e Tom entra
no carro e vai embora. O garoto fica ali, olhando pra Lua.
De manhã conversa com a irmã, na ida pra escola.
- Raíssa, você ainda sente alguma coisa pelo Patrick? -
indaga o garoto.
- Não. O que é isso! Aquele traste já me fez sofrer
demais.
- Raíssa, pode se abrir comigo, eu sou seu irmão e só
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quero te ajudar. Pode se abrir comigo.
- ‘Tá’ bom, gosto sim. Ainda gosto muito dele, mas vou
esquecer. Agora que estou começando a gostar do Tom,
fica tudo mais fácil. Você vai ver: logo, logo estarei bem -
diz a irmã, dando um sorrisinho bem sem graça.
Na saída do colégio Tom espera Raíssa, os dois se
abraçam e dão um beijo bem apaixonado. Patrick vê e
fica com raiva. Rafinha se aproxima. Patrick pergunta:
- E aí, vai me ajudar ou não?
- Fica na sua, eu vou te ajudar. Quando for a hora eu te
aviso.
Rafinha continua andando, Raíssa o chama.
- Vamos ao shopping com a gente?
- Vamos nessa, responde o garoto.
No shopping, Raíssa encontra umas amigas do colégio e
engatam em uma conversa interminável. Os garotos
ficam a sós e Rafael começa uma conversa.
- ‘Cunha’, você e a Raíssa já namoram a algum tempo e
eu não sei nada sobre você.
- Hã? Eu não tenho muito coisa de interessante pra
contar, não.
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- Você mora com alguém? Tem alguém da sua família
por aqui? - Pergunta o garoto, curioso!
- Não, não... Meus pais moram na Chapada Diamantina.
Eu vim pra cá por causa da faculdade. ‘Tô’ fazendo
faculdade de música, meu pai ‘tá’ passando um tempo
por aqui, mas já vai embora na semana que vem.
- Que legal morar sozinho, ‘né’? Não vejo a hora de ter
minha própria casa - diz Rafinha, super empolgado.
- Tom, quantos anos você tem?
- Vinte e três - responde o jovem.
Raíssa chega, senta à mesa e pede um suco ao garçom.
A noite Rafael se tranca no quarto e fica pensativo,
pensa na irmã, pensa na proposta de Patrick, pensa em
Tom, vai até a janela, olha a rua lá embaixo, vê uma
menina no portão da casa vizinha. Talvez seja uma nova
moradora, não parece ser da cidade, usa vestido de
menina da roça, saia nos joelhos, blusa sem decote...
Parece bem comportada. A menina entra! O garoto fica
ali, pensando e olhando pra Lua.
Na manhã seguinte procura Patrick.
- Patrick, assim que bater o intervalo vá pros fundos do
colégio. Raíssa vai estar lá. Mostre que está
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arrependido, se declare pra ela e quando ouvir seu
celular tocar, beije ela.
- O que você está dizendo? Me explique isso direito -
pergunta o jovem, confuso.
- Faça exatamente o que eu disse, e o resto é por minha
conta - diz Rafinha, e sai andando apressado.
Raíssa abre o armário do colégio e encontra um bilhete
dizendo o seguinte... “Oi! Preciso conversar com você,
me encontre no intervalo nos fundos do colégio! Por
favor, não falte. É do seu máximo interesse, anônimo”. A
garota sai com o bilhete na mão.
No meio da aula, Rafinha sai da sala, liga pra Tom e vai
pra frente do colégio.
O sinal toca, Raíssa vai pro fundo do colégio. Logo
depois Patrick chega, a garota pergunta, com uma cara
de brava...
- É você?
- Raíssa, por favor, vamos conversar como duas
pessoas civilizadas.
- Eu não vou ouvir as besteiras que você tem pra me
falar, já sofri muito por acreditar em você. Não vou cair
no seu jogo outra vez - diz a garota.