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    emancipaoREFLEXES SOBRE OS FUNDAMENTOSDO SERVIO SOCIAL: TRABALHO, SER

    SOCIAL, RELAES DE (RE)PRODUO EDESAFIOS CONTEMPORNEOS

    THE THOUGHTS ABOUT THE PRINCIPLES

    OF THE SOCIAL SERVICE: WORK, SOCIALBEING AND RELATIONS OF (RE)

    PRODUCTION AND CONTEMPORARYCHALLENGES

    Maria Angelina Baa de Carvalho *

    RESUMO: Discorrer sobre o Servio Social exige conectar essa discusso ao movi-mento real da sociedade burguesa e sua vinculao histrico-social com a profisso.Este artigo desenvolve reflexes introdutrias sobre o complexo social do ser social

    burgus que estruturam as condies necessrias para o nascimento e desenvolvi-mento da profisso, e por esta mesma razo instauram as condies objetivas para oServio Social se reproduzir como especializao do trabalho, interferindo no conjuntodas relaes sociais capitalistas e respondendo, historicamente, s demandas que lheso socialmente apresentadas.

    PALAVRAS-CHAVES: Ser social burgus, Servio Social e Desafios Contemporne-os.

    ABSTRACT:To discuss Social Service is required to connect the real movement of thebourgeois society and its social-historic link with the profession. This article developintroductory reflections about the social complex of the social bourgeois being thatstructures the necessary conditions for the arising and development of the profession.And for this same reason they establish the objective conditions for the Social Servicereproduce itself as a specialization of work, interfering in the group of capitalists socialrelations and answering, historically, to the needs that are socially introduced.

    KEYWORDS:Social bourgeois being, Social Service, Contemporary Challenge

    *Professora do Curso de Graduao em Servio Social das Faculdades Doctum campus TefiloOtoni - MG. Assistente Social Graduada pela Universidade da Amaznia (UNAMA). Mestre emServio Social pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP). E-mail:[email protected].

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    A SOCIEDADE BURGUESA: NOTAS INTRODUTRIAS PARA AANLISE

    Refletir sobre o Servio Social significa considerar que se tratade uma profisso detentora de uma especializao do trabalho da soci-edade, inscrita na diviso social

    1e tcnica do trabalho(IAMAMOTO,

    2006, p.168, grifos originais), que participa do processo de produo ereproduo das relaes sociais tpicas da sociedade burguesa.

    Considerar essa premissa por ponto de partida exige que sejaadotada uma breve anlise da sociedade burguesa e do seu complexosocial, isto , do conjunto das relaes sociais que se distinguem dasoutras relaes pela funo social (LESSA, 1999) que o trabalho repre-senta no marco do ser social.

    No modo de produo capitalista, o trabalho uma categoriaontolgica que funda a sociabilidade burguesa e, portanto, o mundo doshomens (LESSA, 1999) e o modo de ser dos homens e da sociedade(NETTO; BRAZ, 2006).

    Por esta razo que o trabalho, para MARX, o fundamentoontolgico-social do ser social, sendo o ponto de partida para compre-endermos as relaes estabelecidas entre os homens. Estas relaes

    esto assentadas, inicialmente, nas suas necessidades mais imedia-tas, permitindo o aparecimento de novas necessidades, sempredirecionadas a um fim, atravs da transformao da natureza enquantouma ao fundamentalmente humana.

    Para a autora, o trabalho implica um dado conhecimento da na-tureza e a valorizao dos objetos necessrios ao seu desenvolvimento:a dada a gnese da conscincia humana como capacidade racional evalorativa (BARROCO, 2001, p. 27), em que o individuo ao construir ummundo objetivo, atravs da transformao da natureza, tambm se trans-forma, adquirindo novos conhecimentos e habilidades (LESSA, 1999),num movimento fundamentalmente dialtico, o que envolve aprvia ideao

    1 Os fundamentos da diviso social e tcnica do trabalho da sociedade burguesa s podem ser

    encontradas, a partir do momento em que a mercadoria torna-se o elemento das relaes sociais, naproduo mercantil simples, especificando suas particularidades na produo manufatureira e nagrande industria capitalista (IAMAMOTO, 1997, p. 54). Desse modo, a diviso do trabalho nasociedade determina a vinculao de indivduos em rbitas profissionais especficas, to logo otrabalho assume um carter social, executado na sociedade e atravs dela (IAMAMOTO, 1997, p. 55).

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    e/ou a dimenso teleolgica2em que o homem projeta antecipadamente,

    de uma forma consciente, o produto de sua ao.

    O trabalho implica mais que a relao sociedade/natureza: implicauma interao no marco da prpria sociedade, afetando os seussujeitos e a sua organizao. O trabalho, atravs do qual o sujeitotransforma a natureza (e, na medida em que uma transformaoque se realiza materialmente, trata-se de uma transformaoprtica), transforma tambm o seu sujeito: foi atravs do trabalhoque, de grupos de primatas, surgiram os primeiros grupos humanos

    numa espcie de salto que fez emergir um novo tipo de ser, distinto

    do ser natural (orgnico e inorgnico): o ser social (NETTO; BRAZ,2006, p. 34, grifos originais).

    Para os autores, a partir do trabalho que a humanidade seconstituiu e se desenvolveu como tal, emergindo o processo histricopelo qual surgiu o ser desses homens, oser social (NETTO; BRAZ,2006) enquanto uma totalidade organizada(BARROCO, 2001), que ex-pressa o processo de produo e reproduo da dinmica da sociedadeburguesa.

    Por outro lado, o ser social no se reduz ao trabalho (NETTO;BRAZ, 2006), na medida em que o prprio desenvolvimento do sersocial que impe novas objetivaes e ideaes, sempre apresentadashistoricamente pelo real movimento da sociedade e de seus membros(NETTO; BRAZ, 2006), sendo vitais para o seu processo de reproduosocial

    3, que se manifesta no apenas nas dimenses econmicas e

    polticas, mas transcendem, portanto, para outras esferas do ser social,seja na arte, na msica, na ideologia, na cincia, na filosofia, etc.

    O que elucida que o ser social mais que trabalho, abrangendouma dimenso terica mais ampla a prxis (NETTO; BRAZ, 2006).

    Para os autores a prxis envolve o trabalho, que, na verdade,

    2Em LESSA (1999, p. 25), encontramos que a prvia ideao s pode ser prvia ideao se for

    objetiva, ou seja, realizada na prtica. Ao ser levada prtica, a prvia-ideao se materializa numobjeto se objetiva. O processo que articula a converso do idealizado em objeto sempre com atransformao de um setor da realidade, o que para o autor denominado por Lukcs de objetivao.Desse modo a objetivao a transformao do que foi previamente idealizado em um objetopertencente realidade externa ao sujeito. Transformao da realidade no sentido da prvia ideao(LESSA, 1999, p. 22).

    3A reproduo social diz respeito a reproduo material e social do ser social, mediatizada pelo

    trabalho humano, que comporta tambm uma relao de poder e denominao nas sociedadesdividas em classes (isto , naquelas sem que uma classe social explora o trabalho de outra), otrabalho apenas pode se realizar se houver um poder que obrigue os indivduos a produzirem eentregarem o fruto do seu trabalho outra classe (LESSA, 1999, p. 25).

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    o seu modelo mas muito mais do que ele: inclui todas as objetivaeshumanas (NETTO; BRAZ, 2006, p. 43, grifos originais), porque articulatodos os movimentos do ser social, na medida em que permite revelarao homem a sua dimenso criativa e auto-produtiva, ao mesmo tempoem que a prxis pode no revelar ao homem o produto das suasobjetivaes que compe o seu processo de trabalho

    4.

    O conceito de prxis em VZQUEZ5(apud BARROCO, 2001, p.

    26) a ao do homem sobre a matria e a criao atravs dela denova realidade humanizada. Assim, o trabalho se constitui no principal

    elemento da prxis, enquanto condio essencial do ser social que sematerializa atravs do resultado do trabalho humano.

    Para BARROCO (2001), as escolhas de projetos e alternativasno interior do ser social burgus so indissociveis da prxis - so antesde tudo objetivadas e histricas.

    Os valores, institudos pela interveno primria do homem nanatureza, estabelecem mediaes entre o homem e o objeto.Quando o homem cria uma obra de arte, se auto-reconhece noproduto de sua ao como sujeito criador. O objeto criado valoradopara ele porque expressa sua capacidade teleolgica e prtica. Aomesmo tempo esse objeto passa a existir independentemente doindividuo que o criou; como objeto artstico, cria valores queinterferem no gosto esttico da humanidade, propiciando aconscincia da genericidade humana (BARROCO, 2001, p.30-31).

    Desse modo, existem determinaes ontolgicas em que o pro-duto da prxis, o objeto transformado, a expresso concreta e real domovimento dialtico operado subjetivamente e objetivamente na rela-o sujeito e o objeto, entre os indivduos e o gnero humano (BARRO-CO, 2001, p. 31), ao mesmo tempo em que os sujeitos podem atribuirdiferentes significados aos processos objetivados.

    4O processo de trabalho envolve trs elementos que so fundamentais a atividade adequada a

    um fim, isto o prprio trabalho; a matria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; os meiosde trabalho, o instrumento de trabalho (MARX, 2004, p. 212). Esse conjunto de elementos asforas produtivas, do qual depende de forma vital os meios de produo, que a fora de trabalhoviabiliza, que a capacidade do homem produzir mercadorias com valor de uso e valor de troca,local em que reside a riqueza de todas a sociedades onde rege a produo capitalista configura-seem imensa acumulao de mercadorias [...]. A mercadoria a forma elementar dessa riqueza [...], antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz asnecessidades humanas; seja qual for a natureza, a origem delas, provem do estmago ou dafantasia. No importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente,como meio de substncia, objeto de consumo, ou diretamente, como meio de produo (MARX,2004, p. 57).5VZQUZ, A.S. Filosofia da Prxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

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    Isto significa afirmar que a prxis, enquanto categoria terica,se nutre na teoria marxiana, em que o mtodo no um elemento inde-pendente da teoria social, logo o que ela busca compreender o movi-mento real no seu movimento e nas suas contradies, onde o homem,como sujeito cognoscente e intervieniente na natureza e na sociedade, tambm objeto (PONTES, 2000, p. 58).

    Esta linha de compreenso nos ensina que

    da prxis no resultam somente produtos, obras e valores quepermitem aos homens se reconhecerem como autoprodutores e

    criativos. Conforme as condies histrico-sociais em que se realiza(vale dizer: conforme as estruturas sociais em que se insere a atividadedos homens), a prxis pode produzir objetivaes que se apresentamaos homens no como obras suas, como sua criao, mas, aocontrrio, como algo em que eles no reconhecem, como algo quelhes estranho e opressivo. Em determinadas condies histrico-sociais, os produtos do trabalho e da imaginao humanas deixamde se mostrar como objetivaes que expressam a humanidade doshomens aparecem mesmo como algo que, escapando ao seucontrole, passa a control-los como um poder que lhes superior.Nesses condies, as objetivaes, ao invs de se revelarem aoshomens como a expresso de suas foras sociais vitais, impem-sea eles como exterior e transcendentes (NETTO, BRAZ, 2006, p. 44).

    Nesse universo, cabe considerar que o trabalho e seu produto,a cultura, fundam a histria, a autoconstruo dos prprios homens, emrelao recproca com a natureza (BARROCO, 2001, p. 28), o que per-mite ao indivduo realizar escolhas e construir sua prpria histria, aomesmo tempo em que lhe permite, diante da lgica privada da apropria-o de riquezas, que o trabalho se realize de modo a negar as suaspotencialidades emancipadoras (BARROCO, 2001, p.33, grifos nossos).

    Trata-se do processo de alienao6do homem diante da diviso

    social e tcnica do trabalho e da dinmica da propriedade privada dosmeios de produo, mediante a acumulao do capital, enquanto umarelao social que conduz o prprio desenvolvimento das foras produti-vas e das relaes de produo, que atravs da fora de trabalho

    7reve-

    lam-se de maneira privilegiada: o crescimento da produtividade do tra-

    6Para LESSA (1999, p. 28), a alienao um processo pelo qual a humanidade no seu processo de

    reproduo, produz sua prpria desumanidade, sua prpria negao, enquanto ser humano. Essacategoria em ANTUNES (2002), denominada de estranhamento para expressar o processo dealienao, enquanto um fenmeno histrico e social, ambos os termos para designar o termoEntfremdung utilizado por Marx e Lukcs (apud LESSA, 1999).

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    balho (isto , a obteno de um produto maior com o emprego da mes-ma magnitude de trabalho (NETTO; BRAZ, 2006, p. 58, grifos originais).

    A lgica tpica da sociabilidade burguesa inverte o verdadeirosignificado ontolgico do trabalho e, conseqentemente, faz com que otrabalhador presencie um processo de estranhamentodiante do seuprprio processo de trabalho, resultando da que o indivduo no se reco-nhece mais, enquanto sujeito, transformando-se num individuo estranhoao processo social. Portanto aqui que ocorre a prpria desumanizaodo homem, sua negao enquanto ser humano (LESSA, 1999).

    A sociedade no simplesmente o agregado dos homens emulheres que a constituem, no um somatrio deles, nem algoque praia acima deles; por outro lado, os membros da sociedadeno so tomos, nem mnadas, que reproduziriam a sociedadeem miniatura. No se pode separar sociedade dos seus membros:no h sociedade em que estejam em interao os seus membros

    singulares, assim como no h seres sociais singulares (homens emulheres), isolados, fora do sistema de relaes que a sociedade

    (NETTO; BRAZ, 2006, p. 37, grifos originais).

    Para os autores, a sociedade justamente o modo de existir ede (re)produo do ser social; desse modo, a sociedade e seus mem-bros so a existncia real do ser social atravs do trabalho, enquantouma relao social e materialmente (re)produzida. daqui que derivamas condies objetivas e subjetivas (GUERRA, 2000) que permeiam ocotidiano de interveno do profissional de Servio Social.

    Capitalismo monopolis ta, questo social, poltica social e Servi-o Social.

    A origem do Servio Social encontra-se na sociedade burguesae vinculada s demandas histrico-sociais, mediada pelo enfretamentodas expresses da questo social

    8, via poltica social pblica, no capita-

    lismo, justa mente aquela em que a fase concorrencial precede a fasemonopolista, em que as caractersticas so singulares, marcadas por

    7 A fora de trabalho a energia humana empregada no processo de trabalho, no deve ser

    confundida como trabalho realizado, que o produto da aplicao da fora de trabalho (NETTO;BRAZ, 2006, p. 58, grifos originais).8A questo social a expresso das desigualdades sociais estabelecidas entre as classes, mediada

    pela produo social de riqueza, baseado na relao capital-trabalho, com uma apropriao privadae monopolizada (IAMAMOTO, 2006a) pela classe burguesa. Esta categoria e a sua relao com osfundamentos da profisso sero tratas nas pginas que se seguem.

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    caracteres em nvel econmico-social e histrico-poltico distinto,[em que], a idade do monoplio altera significativamente a dinmicainteira da sociedade burguesa: ao mesmo tempo em quepotencializa as contradies fundamentais do capitalismo jexplicitadas no estgio concorrencial e as combina com novascontradies e antagonismos (NETTO, 2005a, p. 19-20).

    Neste sentido, importante compreendermos o funcionamentoda fase monopolista do capitalismo que

    caracteriza-se por um intenso processo de monopolizao do

    capital, pela interveno do Estado na economia e no livremovimento do mercado, constituindo-se oligoplios privados(empresas) e estatais (empresas e fundaes pblicas), eexpandindo-se aps a crise de 1929-1932, sobretudo, aps aSegunda Guerra Mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 82-83).

    Essa dinmica indica mudanas profundas e largas no interiorda sociedade burguesa, isto porque de acordo com NETTO (2005a),ingressam nesse cenrio fenmenos que alteraram o conjunto da vidasocial, sustentado pelo padro de acumulao fordista-taylorista

    9 e

    alicerado pela perspectiva keynesiana10

    , assentada na cultura do bem-estar

    11(ABREU, 2002, grifos nossos), a qual foi organizada, sobretudo,

    9O fordismo-taylorismo, refere-se s exigncia da produo, associado, sobretudo, a perspectiva

    de Ford de combinar a produo em massa ao consumo em massa, o que conduz a um novo processode reproduo da fora de trabalho. Trata-se, portanto, de uma nova poltica de controle e gerenciamentodo trabalho, uma nova esttica e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedadedemocrtica, racionalizada, modernizada e populista (HARVEY, 2004, p.121).10

    O keynesianismo estrutura um conjunto de estratgias administrativas cientficas e poderesestatais que estabilizassem o capitalismo, ao mesmo tempo que se evitavam as evidentes repres-ses e irracionalidades, toda beligerncia e todo o nacionalismo estreito que as solues nacional-socialista implicavam (HARVEY, 2004, p.124). Desse modo, o keynesianismo garante uma base deinterveno social estatal, na medida que agregou-se ao pacto fordista (BEHRING; BOSCHETTI,2006, grifos originais), estabelecendo as bases essenciais para que o capitalismo seja administradoestrategicamente, na sua primeira grande crise estrutural, tendo o seu pice entre 1929 e 1932, emescala mundial.1De acordo com ABREU (2002), a cultura do bem-estar, estrutura-se a partir dos anos 30 e 40, ou

    seja, no marco das redefinies do capital diante da crise mundial vivida pelo capital nos anos de1929, marcada por uma ampla recesso econmica e baixo crescimento, com a acentuada elevaodas taxas de desemprego e das disparidades sociais entre as classes - expresso inerente aoprocesso de acumulao. Esta crise, sem sombra de dvida, ps na ordem do dia trs elementos

    o papel de regulao social atribudo ao Estado, nas suas funcionalidades econmicas e sociais; oavano significativo do movimento operrio; e a estrutura de uma cultura poltica, consagrada nocontexto ps-guerra, atravs do aparecimento de agncias internacionais que instituem estrategica-mente a base da cultura do bem-estar , cujo fundamento administrar as contradies inerentes efundamentais da relao capital-trabalho, quando estas assumem desdobramentos scio-polticos(NETTO, 2005a), contudo, sem tocar na estrutura fundamental da ordem burguesa. Trata-se de aesque transitam desde a concesso dos direitos de cidadania, mediante um conjunto generalizado demedidas de proteo social, institucionalizado jurdico e politicamente atravs do Estado de Bem-Estarou Welfare State, at medidas autoritrias e reacionrias como o nazismo e o fascismo.

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    a partir do contexto ps II Guerra Mundial.

    Dentre os fenmenos que ingressam na dinmica do capitalis-mo monopolista, podemos destacar, de acordo com NETTO (2005a), aelevao do preo das mercadorias e servios, que agora tendem acrescer com o envio direto dos lucros para o grande capital. Conseqen-temente, as taxas de lucros so mais altas nos setores monopolizados,na medida em que a taxa de acumulao se eleva, acentuando as taxasmdias de lucro com a tendncia cada vez mais acentuada aosubconsumo, embora exista um aumento do contingente de consumi-

    dores, sobretudo, a partir do pacto fordista-keynesiano, o que tambmestrutura as modalidades interventivas, via poltica social pblica, nasexpresses mais imediatas da questo social. Toda essa dinmicaalicera as protoformas da gnese da profisso, (IAMAMOTO; CARVA-LHO, 1998), (NETTO, 2005a) permitindo uma especializao do traba-lho coletivo, o que afirma a centralidade do trabalho na conformao daquesto social (IAMAMOTO, 2006) e nos processos sociais em que seinsere a profisso no movimento das classes sociais, e desta com oEstado, e finalmente deste com a sociedade.

    possvel considerar que essas determinaes sejam universais,mas que s existam pela mediao de suas formas histricasparticulares. Essa considerao permite que visualizem

    determinadas tendncias [tico-poltica, terico-metodolgica,tcnicas-operativas] no Servio Social, em nvel mundial, mas que seconfiguram, de modos especficos em cada contexto e momentohistrico, dentre elas o conservadorismo moral (BARROCO, 2001,p.73).

    Desse modo, a origem da profisso s pode ser encontrada nadinmica do capitalismo monopolista, atravs do enfretamento moral(BARROCO, 2001, grifos nossos) das expresses mais imediatas daquesto social. Trata-se de

    uma forma de resposta a processos objetivamente construdos na(re)produo do capital e do trabalho, significando a despolitizaode seus fundamentos objetivos, ou seja, do seu significado scio-econmico e deo-poltico. Em suas determinaes tico-polticas,

    uma forma de moralismo, sustentada ideologicamente peloconservadorismo moral (BARROCO, 2001, p. 74).

    Por outro lado, isto significa afirmar que essas mudanas noafetam apenas a economia e a poltica, elas tambm incidem direta-mente em outras esferas da vida social, na medida em que so acentu-adas as contradies entre as classes sociais, intensificando o

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    pauperismo e a explorao da classe trabalhadora, o que ao mesmotempo assume, na dinmica do capitalismo monopolista, desdobramentosscio-polticos (NETTO, 2005a), sobretudo, a partir do amadurecimentoda classe trabalhadora quando esta atinge a condio de classe para si(MARX, apud NETTO, 2005a, grifos nossos), consolidando as vsperasda Primeira Guerra Mundial [...] os dois principais instrumentos de inter-veno scio-poltica o sindicato e o partido proletrio (NETTO, 2005a,p. 55, grifos originais).

    Essa dinmica introduzida pelo capitalismo, na sua fase

    monopolista, demanda o redirecionamento da funo do Estado na so-ciedade burguesa, transformando-se num vetor extra-econmico (NETTO,2005a), apto a consagrar aos objetivos do monoplio o acrscimo dolucro atravs do controle de mercados (NETTO, 2005a, p. 20) exigidopelo prprio padro de acumulao capitalista.

    O Estado passa a desempenhar, de acordo com o autor, umaao contnua e sistemtica na dinmica do monoplio, realizando fun-es diretas, indiretas e estratgicas, conjugando funes econmicase polticas, garantindo um eixo de interveno com grande relevo nasexpresses da questo social, via poltica social pblica

    12.

    As polticas sociais do Estado burgus so estrategicamenteutilizadas para garantir a preservao da fora de trabalho (NETTO,

    2005a), ao mesmo tempo que so paradoxalmente um mecanismo deacesso aos direitos sociais de cidadania.

    O prprio desenvolvimento do capitalismo produz automatica-mente as expresses da questo social, sendo produzida e manifesta-da sob diferentes aspectos. Esta categoria inerente ao processo deacumulao, conforme MARX (2003) examinou na Lei Geral da Acumu-lao, no captulo XXIII de O capital,ao afirmar que quanto mais seproduz riqueza mais contradies sociais so geradas. Isso fruto dasrelaes estabelecidas pelo modo de produo capitalista, atravs daapropriao privada dos produtos gerados pelo trabalho humano subme-tido ao poder de dominao da classe burguesa.

    A anlise rica da tradio marxiana e marxista permite que se-jam visualizados todos os componentes que estruturam a dinmica in-

    12As polticas sociais e a formao de padres de proteo social, so desdobramentos e at

    mesmo, respostas e formas de enfretamento em geral setorializadas e fragmentadas sexpresses multifacetadas da questo social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nasrelaes de explorao do capital sobre o trabalho (BEHRING, BOSCHETTI, 2006, p.51), com aodireta do Estado.

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    terna da ordem burguesa, ao mesmo tempo que vislumbram como omodo de produo capitalista gera no apenas modalidades econmi-cas e polticas, mas tambm impem um estilo de produo e reprodu-o da vida em sociedade, alm de alimentar os condicionantes terico-culturais que aliceram os modelos explicativos que tecem a base desustentao ideolgica da ordem burguesa.

    Essa assertiva indica que trata-se de um estilo de pensar asociabilidade burguesa sob o signo e a vanguarda do pensamentoconservador, articulado e manifestado sob vrios aspectos, com espe-

    cial destaque para as suas projees deo-politicas do capital. Assim,o aparecimento e o tratamento dispensado a categoria questo socialtambm se inscreve no marco dessas concepes, sob o comando dopensamento conservador nas suas instncias laica e confessional, sobo iderio reformista

    13no mbito da sociedade (NETTO, 2005a, grifos

    originais).

    Esses pressupostos nutriram os fundamentos da profisso e asua maneira de se relacionar com o seu objeto.

    Entre os pensadores laicos, as manifestaes imediatas daquesto social (forte desigualdade, desemprego, fome, doenas,penria, desamparo ante conjunturas econmicas adversas etc.)so vistas como o desdobramento, na sociedade moderna (leia-

    se: burguesa), de caractersticas ineliminveis de toda e qualquerordem social, que podem no mximo, ser objeto de umainterveno poltica limitada (preferencialmente com suportecientifico), capaz de ameniz-las e reduzi-las atravs de umiderio reformista (aqui, o exemplo mais tpico oferecido porDurkheim e sua escola sociolgica). No caso do pensamentoconservador confessional, se se reconhece a gravitao daquesto social e se se apela para medidas scio-polticas paradiminuir os seus gravames, insiste-se em que somente suaexacerbao contraria a vontade divina ( emblemtica, aqui, alio de Leo XIII, de 1891) (NETTO, 2001, p.155).

    O pensamento conservador, nas suas duas instncias, natura-

    13

    De acordo com NETTO (2005a), o iderio reformista imposto pela ordem burguesa alicerado nasegunda metade do sculo XIX, com o interessantssimo entrecruzamento entre o conservadorismolaico e o conservadorismo confessional, claramente, no caso do segundo, expresso na EncclicaRerum Novarum, de Leo XIII, partindo de pressupostos epistemolgicos completamente distintosdos pressupostos da tradio positivista com a recuperao da doutrina de So Toms de Aquino,posteriormente, conhecida por tomismo ou neotomismo. E no conservadorismo laico, neste mo-mento cuja sua expresso maior j no Comte, e sim Durkheim, que desenvolve a noo dereforma social, o que permite que o conservadorismo confessional incorpore a concepo decidadania, a expresso questo social.

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    liza a questo social transformando-a em objeto de ao moralizadora(NETTO, 2005a). Nos dois casos trata-se de combater as manifesta-es da questo social sem tocar nos fundamentos da sociedade

    burguesa (NETTO, 2005a, p.155, grifos originais), ao mesmo tempoem que projeta a interveno do Estado nesse mbito, estabelecendoa condio primordial para o capitalismo monopolista garantir uma basede consenso entre as classes. Isso vai permitir que as expresses daquesto social, sobretudo, os seus desdobramentos scio-polticosmais imediatos, sejam administrados, estrategicamente, no marco da

    sociedade burguesa madura e consolidada via expanso dos direitosde cidadania14

    .

    necessrio pontuar nessa anlise, que se trata de uma aovital ao capital diante da crise empreendida na dinmica da acumula-o, a partir dos anos de 1929, que afinal acabaram desembocandonum amplo retrocesso na reproduo do capital.

    Trata-se de um perodo histrico-social alicerado por uma aocentralizadora e interventora do Estado no mbito das expresses daquesto social, quando estas assumem desdobramentos mais agu-dos e profundos. Essas expresses so estrategicamente administra-das via polticas sociais pblicas, mediante a prestao de serviosscio-assistenciais atravs de organizaes pblicas e privadas

    (IAMAMOTO, 2006a), o que interfere diretamente no conjunto das rela-es sociais estabelecidas entre as classes.

    Desse modo, para escamotear os verdadeiros fundamentos daordem burguesa, a questo social instrumentalizada pelo pensa-mento conservador apto a consagrar os interesses dominantes, sub-metendo-o lgica da funcionalidade abstrata de cidadania (MARX,2000), em conformao lgica burguesa.

    esse tratamento especfico e prprio da dinmica da ordem

    14A concepo de cidadania ser utilizada no seu sentido reducionista, numa perspectiva de linearidade,

    conforme atestou MARSHALL (apud, NETTO, 2005a), ao se referir a um conjunto de direitos civis,polticos e sociais. O que atesta a funcionalidade da categoria cidadania no marco da sociedade

    burguesa, esvaziada da sua dimenso emancipadora (PORTO, 2001), assume nas palavras deMARX (2000), uma dimenso formal-abstrata, necessrio ao ocultamento das relaes sociaiscapitalistas, se realizando apenas no plano formal, inaugurando a figura do cidado (PORTO, 2001),despossudos de bens e dignas condies de sobrevivncia. nesse contexto que se sobressai ospadres de proteo social como o bismarckiano, o social-democrata, e o beveridgino (PORTO,2001, grifos originais). Assim, so processadas as relaes sociais, econmicas, polticas eculturais tpicas da fase monopolista, em que se insere o Servio Social, enquanto profisso, natrama entre as classes sociais, compondo a esfera de executor das terminais pblicas sociaispblicas (NETTO, 2005a, grifos nossos).

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    burguesa que demanda a estruturao da profisso - indissocivel dalgica monopolista, local onde reside suas protoformas e suas moda-lidades interventivas enquanto profisso especializada na diviso soci-al e tcnica do trabalho.

    Esse processo no um fenmeno que foi historicamente con-templado no interior da profisso, uma vez que para a reflexo dosseus fundamentos e do seu processo de institucionalizao foi muitocomum a assertiva, na literatura especializada, que o Servio Socialtenha emergindo como profisso apenas quando esta atinge um ama-

    durecimento tcnico-cientfico (NETTO, 2005a), ou nas palavras deIAMAMOTO quando processa uma tecnificao da filantropia (2006a,p.172, grifos originais).

    claro que essa tnica do discurso dos pioneiros15

    , como nosafirma a autora, est entrelaada com as artimanhas do pensamentoconservador amplamente consumido pela profisso, o que obscureceuno somente as suas protoformas, mas tambm o seu significado e oseu objeto, estruturando no seu interior a ilusria tese que o ServioSocial dispunha de base cientfica e, portanto, seria capaz de estruturaruma teoria prpria e capaz de aplicar essa teoria na prtica, a partirda criao de mtodos prprios ou de processos e procedimentosmetodolgicos como o caso, grupo e comunidade, diluindo aqui a pers-

    pectiva da prxis transformadora.Na verdade, trata-se de uma base terico-metodolgica de or-

    dem sincrtica16

    (NETTO, 2005a, grifos nossos) e amplamente sus-tentada no prprio desenvolvimento das cincias sociais, sobretudo nasociologia, enquanto disciplina autnoma, de insumos positivistas

    17e

    15

    Dentre os autores podemos destacar (apud MONTAO, 1998), Herman Kruse, Natlio Kisnerman,Ezequiel Ander-Egg, Boris Alexis Lima, Norberto Alayn, Jos Lucenas Dantas, Balbina OttoniVieira, Garca Salord.16

    Para NETTO o sincretismo nos parece ser o fio condutor da afirmao e do desenvolvimento doServio Social como profisso, seu ncleo organizativo e sua norma de atuao. Expressa-se emtodas as manifestaes da prtica profissional e revela-se em todas as intervenes do agenteprofissional como tal. O sincretismo foi um principio constitutivo do Servio Social (2005a, p.92,grifos originais).17

    O positivismo enquanto concepo terica, encontra-se dentro dos pressupostos do racionalismoformal-abstrato do legado de Comte, que considera que a sociologia, enquanto cincia autnoma eque tem por objeto os fatos sociais entendidos, de acordo com GUERRA (2002, p.52), enquantocoisa e que, portanto, deve ser submetido observao e experimentao por meio de um duplomovimento: de abstrao do real, no intuito de elaborar conceitos e teorias. A autora acrescentaque em Durkheim, os fatos sociais tm ressonncia social, independente dos indivduos enquantotal, mas que exera sobre eles determinados graus de influncia (GUERRA, 2002, p.58).

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    seus desdobramentos, entrelaado, no caso do Servio Social euro-peu, com o pensamento doutrinrio da Igreja Catlica

    18.

    claro que essa orientao deo-poltica que marca o plonascedouro e, tambm, o desenvolvimento da profisso ser alterado nodecorrer das mudanas macro-societrias empreendidas pela sociedadeburguesa.

    assim que a profisso vai sofrendo mudanas histricas im-portantes que atestam momentos de continuidade e ruptura com o pas-sado profissional, o qual permite ao mesmo tempo que o Servio Socialresponda estrategicamente as suas demandas profissionais, e que emalguns momentos

    no conseguiu superar seus paradigmas de interveno social (oreformismo conservador), preservando no trabalho profissionaltraos caractersticos e referencias bsicos de uma perspectivano Servio Social mais impermevel s mudanas(VASCONCELOS, 2007, p. 110, grifos originais).

    As primeiras tentativas de romper com esses insumos, no casoda Amrica Latina, foi iniciada com o movimento de reconceituao

    19,

    18

    Cabe destacar que a rica anlise empreendida por NETTO (2005a), sobre a estrutura sincrtica doServio Social, foi adjetivada pelo autor de Servio Social como sincretismo ideolgico, para ilustraro modelo de Servio Social desenvolvido na Europa, com presena macia do aporte doutrinrio daIgreja Catlica, sob a perspectiva do conservadorismo laico e confessional e com ressonncia,tambm, no Servio Social latino-americano. E de Servio Social como sincretismo cientfico,para denominar o Servio Social desenvolvido nos E.U.A. e parte do Canad, sob o comando dasCincias Sociais do meio acadmico norte-americano, com grande influncia da psicologia, psica-nlise, da perspectiva terica e ideolgica do funcionalismo, com expresso de autores norte-americanos como Merton e Parsons. Ancorado na concepo de cientifica desenvolvida pelascincias sociais (cf. NETTO, 2005a), descolada, aparentemente, da relao dialtica entre cinciae ideologia, apregoada a concepo de neutralidade e na dicotomia entre sujeito e objeto; e, teoriae prtica, cuja suas maiores expresses no interior da profisso so as formulaes formal-abstratas (NETTO, 2005a), caso, grupo e comunidade que marcam presena no interior no ServioSocial latino-americano, a partir dos anos de 1940.19

    No nosso interesse aqui, realizar uma anlise mais profunda do movimento de reconceituao,at mesmo porque j existe uma literatura ampla que discorre sobre o assunto (cf. NETTO, 1998;2005b; IAMAMOTO, 1997; FALEIROS, 1987; 2005), o que cabe reiterar aqui que trata-se de ummovimento que envolve os pases do Cone Sul (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai), que denuncia oServio Social tradicional que compreende a prtica empirista, reiterativa, paliativa, burocrata(NETTO, 2005b). De acordo com o autor esse movimento se constitui em 1965 e marca profunda-mente a histria do Servio Social latino-americano, com caracterstica heterognea e contraditria,assumindo caractersticas muito particulares em cada pas do continente. No Brasil, esse movi-mento analisado por NETTO (1998) recebe a denominao de movimento de renovao, assumindotrs perspectivas modernizadora (funcional-estrutural), de reatualizao do conservadorismo(fenomenologia) e de inteno de ruptura (marxismo); todas envolvidas por diferentes inflexesterico-metodolgicas, reiterando o ecletismo no interior do Servio Social.

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    que reflete a crise do Servio Social tradicional.

    Para NETTO (2005b, p. 7), as condies que proporcionam acrtica e o profundo desgaste progressivo e lento do Servio Social tra-dicional foram tomados da crise da ordem capitalista, que desencade-ado pelos reflexos da tenso causada pela quebra do padro de acumu-lao capitalista em curso, iniciado em 1929, favoreceu, para as reascentrais e perifricas do capitalismo, o aparecimento da mobilizaodas classes subalternas em defesa de seus interesses mais imediatos.

    O autor acrescenta que esse cenrio proporciona a reviso crti-ca operada nas fronteiras das cincias sociais, levando a deslegitimaodo que operava como fundamentao cientifica do Servio Social, so-bretudo, no campo da sociologia e da psicologia acadmica, ou seja, odeslocamento sociopoltico de instituies com vinculaes com o Ser-vio Social como o giro da Igreja Catlica e o movimento estudantil, osquais foram decisivos na crtica ao tradicionalismo que at ento opera-va a profisso (NETTO, 2005b, p. 7-8).

    No movimento de renovao do Servio Social, no Brasil, deve-se destacar a perspectiva crtica

    20que esse movimento foi capaz de

    gestar sob o ciclo autocrtico burgus (NETTO, 1998), embora essatendncia tenha amadurecido somente no decorrer do alargamento dasprticas democrticas da sociedade brasileira.

    Em 1982 essa tendncia ganha flego e requer da categoriaprofissional, atravs da ABESS e demais instncias representativas, areviso curricular, expresso que a conjuntura scio-poltica favorecia noprocesso.

    A reviso curricular de 1982, embora promova mudanas impor-tantes em relao ao passado profissional, ainda assim se constituicomo n grdioa ser desatado (VASCONCELOS, 2007, p. 120, grifosoriginais).

    Esse n grdio sser desatado com mais clareza e subs-tncia nos anos de 1990, quando a profisso afina sua interlocuo coma tradio marxiana e marxista, mergulhando na pesquisa enquanto pro-

    20A linha crtica do movimento - a inteno de ruptura, refere-se a interlocuo do Servio Social

    com a tradio marxista, inicialmente na tendncia da militncia poltica-partidria e afastada docontato direto com a obra de Marx e sua tradio deo-poltica. O que vai ter seu incio e, sobretudo,seu amadurecimento no interior da profisso no decorrer dos anos de 1980 e 1990, o que possibilitoucompreender o significado social da profisso, iluminando a interveno profissional e dinamizandoas suas elaboraes tericas.

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    onde somente se aplicava a teoria prtica.

    Todas essas mudanas conduziram a profisso para o caminhoe estruturao de um projeto profissional (tico-poltico)

    22, com expres-

    so coletiva, envolvendo sujeitos individuais em torno da valorizaotica (BRAZ, 2001) ao qual esto vinculados a um projeto societrio detransformao da sociedade. Esses indivduos devem estar atentos smudanas contemporneas marcadas pela lgica internacional do capi-talismo, sob o signo do projeto neoliberal e da acumulao flexvel decapital.

    No toa que esse projeto est expresso nas DiretrizesCurriculares, na Lei de Regulamentao da Profisso (8662/1990) e noCdigo de tica de 1993.

    A compresso dos fundamentos da profisso histricos, tericos emetodolgicos do Servio Social que informa a reviso curricularparte da premissa que decifrar a profisso exige aprend-la sobum duplo ngulo. Em primeiro lugar, abordar o Servio Social comouma profisso socialmente determinada na histria brasileira. Emoutros termos, analisar como se formou e desenvolveu no marcodas foras societrias, como uma especializao do trabalho nasociedade. Mas pensar a profisso tambm pens-la como frutodos sujeitos que a constroem e a vivenciam. Sujeitos que acumulamsaberes, efetuam sistematizaes de sua prtica e contribuem

    na criao de uma cultura profissional, historicamente, osmodosde atuar e pensar que foram por seus agentes incorporados,atribuindo visibilidade s bases tericas assumidas pelo ServioSocial na leitura da sociedade e na construo de respostas questo social (IAMAMOTO, 2006b, p. 57-58, grifos originais).

    Essa percepo sobre a profisso e a sua conseqente inser-o nas relaes sociais capitalistas, elege a categoria trabalho comoeixo central no interior do Servio Social, justamente por se constituir,segundo LUKCS

    23(apud LESSA, 1997), na protoforma originria e pri-

    mria do agir humano. O trabalho uma atividade prtico-concreta, emque incide a ao humana sob um objeto a ser transformado, e que ao

    22O projeto tico-poltico tem em seu ncleo o reconhecimento da liberdade como valor tico central

    a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concre-tas; da um compromisso com a autonomia, a emancipao e a plena expanso dos indivduossociais. Conseqentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societrio que impe aconstruo de uma nova ordem, sem dominao e/ou explorao de classe, etnia e gnero(NETTO, 1999, p. 104-5 apud BRAZ, 2001, p. 387).23

    LUKCS, G. Per uma Ontologia dell Essere Sociale. E. Riuniti, Roma, 1976-81.

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    ser transformado tambm modifica o sujeito que o produz, levando a umresultado que no s material, mas que tambm social e cultural namedida que cria rebatimentos no interior das relaes sociais.

    Considerar essa premissa significa considerar que o ServioSocial no se realiza mediante uma prtica qualquer, simplesmente,tecnificada e teorizada, sem efeito real, alheia e isenta dos proces-sos sociais.

    Privilegiar essa anlise romper com a viso de dentro e pordentro das fronteiras do Servio Social, como se ele fosse fruto de umaevoluo interna e autnoma dos sujeitos que a ele se dedicam(IAMAMOTO, 2006a, p. 172).

    Por outro lado, possvel levantarmos, por hiptese, que essatnica no se expressa materialmente na realizao do cotidiano profis-sional, na medida em que a profisso, diante das profundas transforma-es societrias, vive um processo de estranhamentodiante do produtoque gerado pelo seu prprio trabalho.

    Em pesquisa recente VASCONCELOS (2007) pergunta

    por que o debate profi ssional realizadopela perspectiva de intenoruptura ainda que produzido na academia que empreendeu asreformas curriculares, tendo como base as propostas produzidas

    no interior da ABESS no atingiu e no est atingindo a formaoem nvel da graduao e da prtica profissional da formanecessria? Na proporo em que esse debate vem, em grandemedida, se realimentando das suas prprias produes, manteve-se e continua se mantendo afastado da realidade social(VASCONCELOS, 2007, p. 119, grifos originais).

    Esse processo incide diretamente no perfil profissional e nasaes do profissional, intensificando-se diante de uma conjunturamarcada por amplo retrocesso dos direitos sociais e desafiando ampla-mente o projeto profissional que deve contemplar uma dupla dimenso

    a) as condies macro-societrias que tecem o terreno scio-histrico em que se exerce a profisso, seus limites epossibilidades que vo alm da vontade do sujeito individual; b) e,

    de outro lado, as respostas de carter tico-poltico e tcnico-operativo apoiadas em fundamentos tericos e metodolgicos de parte dos agentes profissionais a esse contexto (IAMAMOTO,2006a, p. 171).

    O certo que o cenrio contemporneo da ordem burguesa fortemente alicerado pela cultura neoconservadora, introduzida pelo

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    estgio atual do capital. A ps-modernidade a expresso do patrimnioterico-cultural desse estgio, que alicera as teses: a crise do Esta-do, a crise do trabalho, a crise e o fim do legado marxiano e marxis-ta e que, portanto, se ope

    s teorias sociais que, apoiadas nas categorias da razo moderna[...]. Assim, questiona, nivelando, os paradigmas positivistas emarxistas e dilacera projetos e utopias. Reitera, em contrapartida, aimportncia do fragmento, do efmero, do intuitivo e do microsocial(IAMAMOTO, 2006a, p. 164).

    Refletir sobre o projeto profissional significa, portanto, conside-rar esses elementos, seja atravs da academia ou do cotidiano profissi-onal, pois aqui que reside o solo de adeso e manifestao desseprojeto.

    As demandas dirigidas ao Servio Social exigem cada vez mais umprofissional qualificado. Est aqui o desafio a partir de umordenamento social com regras democrticas, afirmar ahegemonia de uma direo social estratgica para a profisso,comprometida com a ruptura com prticas conservadoras, s serpossvel a partir da formao de um (VASCONCELOS, 2007, p. 131)

    tcnico qualificado, com perfil de intelectualque, habilitado para operarnuma rea particular, compreende o sentido social da operao e a

    significncia da rea no conjunto da problemtica social (NETTO, 1996,125-126, grifos originais).

    O certo que existe uma tendncia muito grande a sedicotomizar o processo social, diluindo esse componente e, conseqen-temente, desprezando a anlise que o Servio Social vem construindoem torno da categoria trabalho. Isto dilui a anlise dos processos soci-ais e a compreenso do trabalho no seu sentido ontolgico, no atingin-do assim a dimenso da prxis, enquanto base terica fundamental dotrabalho.

    Pensar como e porqu essas tendncias se instalam no interiorda profisso um desafio para a categoria profissional, num contextoamplamente marcado pelos insumos da ps-modernidade que cele-

    bram o fim do trabalho e o aparecimento de uma equivocada novaquesto social

    24, as quais esvaziam o homem da dimenso da prxis.

    24Dentre os defensores dessa tese destaca-se com grande relevncia os pensadores Castel e

    Rosanvallon (apud PASTORINI, 2004).

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    O que estamos assistindo neste momento so novas e vrias formasde engendramento [do] modo de organizao da produo dasrelaes sociais. uma crise diferente, na qual no se vislumbraque o prprio capitalismo possa ter expanso produtiva. Grave,tambm o fato (e parecem capitular frente a essas sofisticadasexpresses da alienao e da reificao. Em grande medida,assiste-se a um processo de abastardamento do pensamentoterico. Por exemplo, com a moda da ps-modernidade que, naverdade, uma reflexo terica que no serve para desvendar eenfrentar as contradies, mas que apenas legitima o existente(BORGIANNI, 2004, p. 46)

    Todos sabemos que so tempos de crises profundas e de mu-danas bruscas e que criam impactos em tempo record. No vislumbraras possibilidades reais e a viabilidade do projeto tico-poltico condu-zir a profisso a lgica do tecnicismo e da reconduo da psicologizaodas expresses da questo social(NETTO, 2005a, grifos nossos).

    Assim, a

    dura realidade social que se apresenta aos nossos olhos inquietos[que] desafiante, seja pela sua crescente complexidade, seja pelasamargas contradies que se traduzem, em sntese, nadesigualdade que a desumaniza. Diante disso, duas grandesveredas se apresentam aos sujeitos sociais (profissionais ou no):

    o enfrentamento ou indiferena (to em voga sob a capa da liberdadeindividual). No caso dos assistentes sociais esse dilema parecesoar mais contundente, pois que no podem protestar ignorncia,

    j que a real idade com que cotidianamente trabalham os estpressionando a tomar um posicionamento (PONTES, 2000, p. 49).

    De acordo com BRAZ (2001), ainda existe um relativo desco-nhecimento do projeto tico-poltico no conjunto da categoria profissio-nal. O que atesta

    uma viso a-histrica e focalista[que] tende a subestimar o rigorterico-metodolgico para a anlise da sociedade e da profisso desqualificado como teoricismo em favor das vises empiristas,pragmticas e descritivas da sociedade e do exerccio profissional,enraizadas em um positivismo camuflado sob o discurso

    progressista de esquerda (IAMAMOTO, 2006a, p. 168, grifos nossos).

    Sob essa perspectiva cabe para a profisso, hoje, apenas apri-morar, no mbito da formao profissional, um conjunto de

    estratgias, tcnicas e formao de habilidades centrado nocomo fazer a partir da justificativa que o Servio Social uma

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    profisso voltada interveno no social. Esse caminho estfadado a criar um profissional que aparentemente sabe fazer,mas no consegue explicar as razes, o contedo, a direosocial e os efeitos de seu trabalho na sociedade. (IAMAMOTO,2006a, p. 168-169, grifos nossos).

    Desse modo, o profissional se v incapaz de reconhecer a suacapacidade de projetar e de transformar o mundo e a si mesmo, corren-do o perigo do assistente social ser reduzido a um mero tcnico, dele-gando a outros cientistas sociais, filsofos, historiadores, economistas

    etc a tarefa de pensar a sociedade.(IAMAMOTO, 2006a, p. 169).Essa dinmica conduz a uma ao mais imediata do seu obje-

    to, sobretudo, pelo julgamento moral (BARROCO, 2001), o que nos per-mite afirmar, de acordo com BORGIANNI (2004), que o conservadorismono um tributo exclusivo do Servio Social, mas tem se manifestadono cotidiano profissional em grande parte das vezes levado pela omis-so, limitando-se o profissional ao preenchimento [dos] mesmos rela-trios e registros de ponto [porque] nada vai acontecer, alis, sua fichafuncional no vai ser lesada [nem alterada] por isso (BORGIANNI, 2004,p. 58).

    A conjuntura contempornea tambm fortemente atravessadapela lgica da cultura despolitizadae refilantropizada (YAZBEK, 2004,

    grifos originais)no trato das expresses da questo social.Esta lgica, que subordinou polticas sociais aos ajusteseconmicos e s regras do mercado, moldou para a AssistnciaSocial brasileira, na esfera pblica estatal, um perfil focalizado,despolitizado, privatizado e refilantropizado, (YAZBEK, 2004, p. 25,grifos originais).

    que desafiam intensamente os profissionais da rea, os quais devemultrapassar a condio de mero executores terminais das polticas soci-ais (NETTO, 2005a) para assumirem com competncia tcnica-intelec-tual nas instncias da gesto e implementao das polticas sociaispblicas - local onde se processa o verdadeiro trabalho dos AssistentesSociais, marcadas pela processualidade

    25histrica e contraditria da

    realidade social em que cotidianamente se confronta o profissional.Em sntese, a profisso ao se reproduzir como especializao

    25De acordo com PONTES (2000, P. 49) trata-se da dinmica contraditria, histrica e movente que

    caracteriza uma determinada totalidade social.

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    do trabalho coletivo, visa produzir servios (mediante a gesto de polti-cas sociais pblicas e privadas) que no geram valor de uso (IAMAMOTO,2006a), mas que criam uma significao, na medida que participam daproduo e reproduo material e social da sociedade burguesa, interfe-rindo diretamente nas relaes estabelecidas entre as classes sociais.Portanto, o seu trabalho no resulta apenas em servios teis, mas eletem um efeito na produo ou na redistribuio do valor e/ou damais-valia e nas relaes de poder poltico e ideolgico (IAMAMOTO,2006a, p. 181).

    Compreender esse movimento um desafio para acontemporaneidade, na medida em que o profissional, na maior partedas vezes, no consegue realizar esse movimento, muito em decorrn-cia de uma apropriao inadequada (ou ausncia) da teoria social crti-ca, que permita que verdadeiramente seja ultrapassado o mundo daimediaticidade

    26dos fatos sociais e que assim possa ser conduzido a

    legalidade social, ou seja, s leis de tendncias histricas (PONTES,2000).

    Nesse caso, nos parece oportuno reiterar a importncia da com-preenso dos fundamentos da profisso, do ser social burgus e dacentralidade da categoria trabalho no seu sentido ontolgico, bem comoda prxis enquanto elemento terico indispensvel vida humana e s

    suas formas de conhecimento da prpria totalidade histrico-social.Embora exista uma slida bibliografia acumulada pela profisso

    sobre os seus fundamentos27

    e o seu significado, dentre outros aspec-tos, ainda se apresenta de uma forma residual, estudos que apontampara as implicaes quotidianas

    28, no interior do Servio Social, da sua

    no compreenso como trabalho.

    Afinal como e por que o profissional tem mistificado o seu traba-lho? Como a academia vem respondendo ao seu papel, diante do curr-culo de 1996? Como as disciplinas vm alicerando esse processo econtribuindo para que seja nutrida a perspectiva de totalidade da ordemburguesa?

    26Categoria intelectiva que corresponde a apreenso de uma dimenso abstrata do real, ou seja,

    no ultrapassa o nvel dos fatos (PONTES, 2000, P. 41).27

    Cf. as obras, por exemplo, de Marilda Villela Iamamoto (1997,1998, 2006a, 2006b) e Jos PauloNetto (1996, 1996, 2005a, 2005b).28

    Salvo engano, a obra recente de VASCONCELOS (2007), realiza uma riqussima anlise sobre ocotidiano profissional, a partir da rea da sade, no municpio do Rio de Janeiro.

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