Diálogos sobre Lilith final -...

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LILITH EM DIÁLOGO Eu sempre fico receosa de publicar esses textos sobre Lilith porque eles são de outra ordem, não estão num registro literário. Queria que você ouvisse o que eu ouvi quando conversei com seu texto. A Lilith pra mim sempre foi, mesmo antes de estudar Astrologia, uma coisa de uma proximidade muito maior com o que vem de dentro. Só havia um jeito de me comunicar com isso: ouvir, me ouvir, deixar que a Lilith falasse. Você não tem que ter receio de escrever, se não tem registro, lugar algum, tire o lugar algum e faça um lugar, um registro seu. Afinal estamos falando do nosso feminino, do nosso brotar, da nossa fêmea, entende? Sabe que eu tenho pensado nos últimos tempos que esse lugar de Lilith é um nãolugar, não é um território: é uma fresta, uma abertura, é na fenda que acontece, na sombra. Esse lugar não vai estar sob a luz, num território reconhecível. Eu fiquei pensando isso porque é sempre um malestar pensar que a Lilith não tem lugar pra existir no mundo e a gente fica carregando esse mal estar. Mas nos últimos tempos tenho achado que a Lilith, mesmo no mundo primitivo, mesmo numa sociedade matriarcal, não vai acontecer no mundo de fato. Porque ela é esse lugar de fresta, de abertura, lugar onde a gente sonda o mistério, sonda a sombra. Sinto que eu fico nesse malestar com esses textos de Lilith que escrevo por causa disso, porque é realmente sem registro e sem território. Pra mim, é um pouco como criar um registro do nãoregistro; o texto é apenas uma pista, um rastro, um vestígio de Lilith. E talvez Lilith seja o próprio rastro, talvez não exista um algo total para se achar. Podemos viver esse nãolugar como angústia, como nãoexistência, pensar que a Lilith não tem espaço pra ser no mundo e que estamos totalmente abafadas. Mas esse nãolugar pode ser muito libertador. Porque ele sempre vai ser um lugar de abertura, que não pode ser medido, dominado, mensurado, nomeado ou colocado na enciclopédia. Então eu sinto que a Lilith acontece em encontros, em espaços, em momentos, mas nunca vai ser algo plenamente estabelecido. Sinto que a partir do momento que você tenta instituir a Lilith, ela já não está lá. Ela vai sempre rodear na margem das coisas. É bem isso que você falou; Lilith é esse lugar femininofêmea, que permite o nosso brotar interno. Acho que a Lilith nunca vai ser um lugar de plenitude, ela sempre vai causar um estranhamento. Com ela, a gente não fica no conforto, numa harmonia, comungando com nossas “irmãs bruxas”. É outra coisa, que pode ser muito prazerosa também, mas não é esse lugar de plenitude, comunhão ou nada desse tipo. Uma vez você me falou uma coisa que tem muito a ver com Lilith; que quando está um clima de muita harmonia e de entendimento entre as pessoas, quando se instaura aquela aura de tranquilidade e comunhão, você já suspeita, fica com o pé atrás, já não se sente confortável e se afasta. Acho que isso é porque Lilith é um lugar de eterna resistência a qualquer tipo de cooptação, ela não pode ser capturada. É muito complicado. Pra mim, sempre que penso na Lilith, nos meus aspectos com Lilith, nunca consigo separar a intuição do instinto. Fico pensando que quando a intuição e o instinto são aflorados por ela, neste choque, Lilith se manifesta. Aí que acontece essa fresta, aí que se dá a fresta, aí que se dá essa passagem nossa por esta fenda. Ela usa uma roupagem selvagem porque estamos falando de algo que desconhecemos. Ela não diz respeito a uma consciência feminina, a essa consciência aprendida, mas à consciência daquela que ouve a chuva pela primeira vez e que não sabe que é a chuva. Quando ela sai, se molha e percebe que aquilo também é dela, que aquilo se faz ela. É o nascimento dessa fertilidade, desse acontecimento que antecede tudo aquilo que é pensado sobre o feminino. Imagino que a Lilith é o nãopensado feminino, porque se tirarmos tudo que sabemos a respeito da feminilidade, esta fresta se abre e a Lilith, nos conduz a um caminho de passagem. Sabe, às vezes eu tenho uns ápices, esse é um testemunho bem pessoal, uns ápices de raiva e eu fico tentando analisar “foi por causa disso, por causa daquilo”. Mas no final, essas artimanhas explicatórias não convencem, porque esse ápice é muito primitivo. Vem de um lugar que não é maligno, é um lugar que parece que conheço o terreno, que conheço o princípio do que está acontecendo e de alguma forma eu não tenho voz pra chegar ali e isso explode. Nessa explosão eu sirvo de receptáculo para aquele sentido que me acomete. Pra mim é muito complexo.

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LILITH  EM  DIÁLOGO    

    -­‐  Eu  sempre  fico  receosa  de  publicar  esses  textos  sobre  Lilith  porque  eles  são  de  outra  ordem,  não  estão  num  registro  literário.       -­‐  Queria  que  você  ouvisse  o  que  eu  ouvi  quando  conversei  com  seu  texto.  A  Lilith  pra  mim  sempre  foi,  mesmo  antes  de  estudar  Astrologia,  uma  coisa  de  uma  proximidade  muito  maior  com  o  que  vem  de  dentro.  Só  havia  um  jeito  de  me  comunicar  com  isso:  ouvir,  me   ouvir,   deixar   que   a   Lilith   falasse.   Você   não   tem   que   ter   receio   de   escrever,   se   não   tem  registro,  lugar  algum,  tire  o  lugar  algum  e  faça  um  lugar,  um  registro  seu.  Afinal  estamos  falando  do  nosso  feminino,  do  nosso  brotar,  da  nossa  fêmea,  entende?       -­‐  Sabe  que  eu  tenho  pensado  nos  últimos  tempos  que  esse  lugar  de  Lilith  é  um  não-­‐lugar,  não  é  um  território:  é  uma  fresta,  uma  abertura,  é  na  fenda  que  acontece,  na  sombra.  Esse  lugar  não  vai  estar  sob  a  luz,  num  território  reconhecível.  Eu  fiquei  pensando  isso  porque  é  sempre  um  mal-­‐estar  pensar  que  a  Lilith  não  tem  lugar  pra  existir  no  mundo  e  a  gente  fica  carregando  esse  mal   estar.   Mas   nos   últimos   tempos   tenho   achado   que   a   Lilith,   mesmo   no   mundo   primitivo,  mesmo  numa  sociedade  matriarcal,  não  vai  acontecer  no  mundo  de  fato.  Porque  ela  é  esse  lugar  de  fresta,  de  abertura,  lugar  onde  a  gente  sonda  o  mistério,  sonda  a  sombra.       Sinto  que  eu  fico  nesse  mal-­‐estar  com  esses  textos  de  Lilith  que  escrevo  por  causa  disso,  porque   é   realmente   sem   registro   e   sem   território.   Pra   mim,   é   um   pouco   como   criar   um  registro  do  não-­‐registro;   o   texto   é   apenas  uma  pista,   um   rastro,   um  vestígio   de   Lilith.   E  talvez  Lilith  seja  o  próprio  rastro,  talvez  não  exista  um  algo  total  para  se  achar.  Podemos  viver  esse  não-­‐lugar  como  angústia,  como  não-­‐existência,  pensar  que  a  Lilith  não  tem  espaço  pra  ser  no  mundo  e  que  estamos  totalmente  abafadas.  Mas  esse  não-­‐lugar  pode  ser  muito  libertador.  Porque   ele   sempre   vai   ser   um   lugar   de   abertura,   que   não   pode   ser   medido,   dominado,  mensurado,  nomeado  ou  colocado  na  enciclopédia.       Então   eu   sinto   que   a   Lilith   acontece   em   encontros,   em   espaços,   em   momentos,   mas  nunca  vai  ser  algo  plenamente  estabelecido.  Sinto  que   a   partir   do  momento  que   você   tenta  instituir  a  Lilith,  ela  já  não  está  lá.  Ela  vai  sempre  rodear  na  margem  das  coisas.  É  bem  isso  que  você  falou;  Lilith  é  esse  lugar  feminino-­‐fêmea,  que  permite  o  nosso  brotar  interno.     Acho   que   a   Lilith   nunca   vai   ser   um   lugar   de   plenitude,   ela   sempre   vai   causar   um  estranhamento.  Com  ela,  a  gente  não  fica  no  conforto,  numa  harmonia,  comungando  com  nossas  “irmãs  bruxas”.  É  outra   coisa,   que  pode   ser  muito  prazerosa   também,  mas  não  é   esse   lugar  de  plenitude,  comunhão  ou  nada  desse  tipo.  Uma  vez  você  me  falou  uma  coisa  que  tem  muito  a  ver  com  Lilith;  que  quando  está  um  clima  de  muita  harmonia  e  de  entendimento  entre  as  pessoas,  quando   se   instaura   aquela   aura   de   tranquilidade   e   comunhão,   você   já   suspeita,   fica   com   o   pé  atrás,  já  não  se  sente  confortável  e  se  afasta.  Acho  que  isso  é  porque  Lilith  é  um  lugar  de  eterna  resistência  a  qualquer  tipo  de  cooptação,  ela  não  pode  ser  capturada.         -­‐   É   muito   complicado.   Pra   mim,   sempre   que   penso   na   Lilith,   nos   meus   aspectos   com  Lilith,   nunca   consigo   separar   a   intuição  do   instinto.   Fico   pensando     que   quando   a   intuição   e   o  instinto   são  aflorados  por  ela,  neste   choque,  Lilith   se  manifesta.  Aí  que  acontece  essa   fresta,   aí  que   se   dá   a   fresta,   aí   que   se   dá   essa   passagem   nossa   por   esta   fenda.   Ela   usa   uma   roupagem  selvagem   porque   estamos   falando   de   algo   que   desconhecemos.    Ela   não   diz   respeito   a   uma  consciência  feminina,  a  essa  consciência  aprendida,  mas  à  consciência  daquela  que  ouve  a  chuva  pela  primeira  vez  e  que  não  sabe  que  é  a  chuva.  Quando  ela  sai,  se  molha  e  percebe  que  aquilo   também  é  dela,  que  aquilo  se   faz  ela.  É  o  nascimento  dessa   fertilidade,  desse  acontecimento  que  antecede  tudo  aquilo  que  é  pensado  sobre  o  feminino.  Imagino    que  a  Lilith   é   o   não-­‐pensado   feminino,   porque   se   tirarmos   tudo   que   sabemos   a   respeito     da  feminilidade,    esta  fresta  se  abre  e  a  Lilith,  nos  conduz  a  um  caminho  de  passagem.       Sabe,   às   vezes   eu   tenho  uns   ápices,   esse   é  um   testemunho  bem  pessoal,   uns   ápices  de  raiva   e   eu   fico   tentando   analisar   “foi   por   causa   disso,   por   causa   daquilo”.   Mas   no   final,   essas  artimanhas  explicatórias  não  convencem,  porque  esse  ápice  é  muito  primitivo.  Vem  de  um  lugar  que  não  é  maligno,  é  um  lugar  que  parece  que  conheço  o  terreno,  que  conheço  o  princípio  do  que  está   acontecendo   e   de   alguma   forma   eu   não   tenho   voz   pra   chegar   ali   e   isso   explode.   Nessa  explosão   eu   sirvo   de   receptáculo   para   aquele   sentido   que   me   acomete.   Pra   mim   é   muito  complexo.  

    -­‐  O  não-­‐pensado  feminino...  Que  lindo  isso!  Acho  que  é  bem  por  aí  mesmo,  eu  sempre  fico  incomodada   com   qualquer   tipo   de   categorização   do   que   é   o   feminino,   sabe?   “O   feminino  sagrado”,  “a  grande  mãe”,  “as  deusas”,  essas  coisas...  E  eu  acho  que  essa  explosão  que  você  falou,  vem   desse   lugar   muito   primitivo   e   que   ainda   não   aprendeu   a   falar,   porque   essa   lingua   que  falamos  não  é  a  lingua  dela,  ela  não  vai  falar  através  de  nenhum  idioma  culturalmente  entendível.  Por  isso  é  tão  difícil  falar  de  Lilith  na  Astrologia,  Lilith  nos  signos,  Lilith  nos  elementos,  nas  casas,  etc.  Porquê  ela  não  se  rende  a  essas   tipificações  que  os  astrólogos  costumam  fazer.  A  partir  do  momento  que  você  enumera  adjetivos  e  características,  você  já  a  perdeu,  ela  não  está  mais  lá...     Fico  pensando  que  a  Lilith  é  um   lugar  nosso  que  precisa   ter  voz,  mas  é  uma  voz  que   parte   da   não-­‐palavra,   do   que   é   anterior   ao   verbo,   anterior   ao   pensar.   E   até   ela  encontrar  essa  voz,  que  é  muito  própria,  que  é  muito  desconhecida  e  que  só  se  dá  na  fresta,  ela  acaba  aparecendo  sempre  como  erupção,  como  explosão,  como  alguma  coisa  que  explode  e  rasga  a  gente.       Mas  acredito  que  existam  outros  modos  da  Lilith  falar,  que  não  precisam  ser  violentos.  Sinto  que  Lilith  fala  muito  comigo  através  do  corpo  -­‐  como  você  mesma  disse;  ver  a  chuva  pela  primeira  vez,  sentir  a  chuva,  se  molhar  na  chuva  e  existir  um  entendimento  aí.  Acho  que  Lilith  é  esse   lugar   de   compreensão   primária   das   coisas   antes   delas   serem   capturadas   pela   linguagem,  pela  inteligência,  pela  cultura.  Lilith  é  um  lugar  de  experiência.  No  meu  caso,  não  sei  se  é  porquê  tenho  Lilith  num  signo  de  terra,  sinto  que  ela  chega  primeiro  pelo  corpo.       -­‐  Não  sei  dos   seus  aspectos   com  Lilith,  mas  entendo   isso  que  você   fala.  Uma  coisa  que  sempre  me   incomodou  muito  é  essa  deusificação  da  Lilith,  colocá-­‐la    como  entidade;   “ó  grande  deusa   ,   mãe   wicca”.   Pra   mim   esse   é   um   completo   desencontro.   Estamos   falando   de   um  sentimento,  de  um  sentir  do   feminino.  Você  não  pode   invocar  a  presença  de  algo  que  você  não  sabe  de  onde  veio  ou  porquê  veio  ou  pra  quê  veio.  Lilith  é  uma  manifestação-­‐fenômeno  que  nos  acomete.  Estamos  falando,   talvez,  de  um  fenômeno  que  se  oculta.   Interessante  que  a  primeira   coisa   que   penso   quando   imagino   Lilith   é   o   fogo.  O   fogo   vem  do   atrito,   vem  do  desconhecido  e  por  mais  que  a  gente  aprenda  a  fazer  fogo,  a  gente  não  sabe  como  o  fogo  nos  aprende.       Pra  mim  a  Lilith  está  muito  distante  das  coisas  que  li.  Não  tem  como  categorizar,  estamos  falando  de  algo  que  antecede  essa   categorização  humana.  E   também  não  acho  que   “dança   com  lobos  é  a  Lilith”.  Não  gente,  peraí!  Estamos    falando  de  uma  relação  com  a  natureza  e  não  só  os  animais   tem   relação   com   a   natureza,   nós   humanos   também   temos,   somos   parte   da   natureza,  somos   a   natureza   em   si.   Tem   sempre   uma   pedra   no   caminho   pra   chegar   nessa   pequena  compreensão,  nesse  caminho  dela  pra  chegar  até  a  gente,  porquê  sempre  colocamos  a  natureza  como  algo  externo.       A   Lilith   pra  mim   é   uma   coisa  muito...   Como   posso   dizer?   Penso   nela   como...   Nossa,   é  complicado,  porquê  não   tem  como   trazer  a  presença  dela,   “vamos   fazer  um  culto  a  Lilith”.  Não  tem  como  chamar,  fazer  uma  evocação.  Tem  situações  pra  que  essa  fresta  se  abra,  isso  é  uma  das  coisas  que  mais  me  cativa.  Como  ela  vem?  Por  onde  ela  passa?  Não  tem  um  canal  específico,  mas  acho  que  essa  integração  nossa  com  a  terra,  o  fogo,  a  água  e  o  ar  se  dá  pela  Lilith,  passa  por  ela  também.  Acho  que  nós  só  conseguimos  acessar  o  bruto  desses  elementos  através  da  Lilith.         A  Lilith  seria  uma  fresta,  uma  passagem  pela  qual  chegamos  no  bruto  das  coisas,  sabe?  Sentimos  o  frescor  da  água,  a  quentura  da  água  ou  o  fogo  queimar  a  pele,  queimar  um  graveto,  a  gente  sente  o  ar,  o  ar  gelado...  Acho  que  tudo  isso  vem  da  Lilith.  Aquele  momento  em  que  pisamos  na   terra   e   sentimos   que   pisoteamos   uma   pedra.   Esse   reconhecimento   de   terreno,   exatamente  como  você  falou,  aí  que  está  uma  pequena  parte  do  que  ela  representa,  pra  mim,  pelo  menos.       -­‐  Reconhecimento  de   terreno  é  uma   imagem  muito  boa  pra  pensar   em  Lilith!  Tem  um    trecho  de  um  livro  do  Castañeda  que  sempre  me  ajuda  a  compreender  Lilith  no  mapa  astral  das  pessoas.  Acho  que  está  no  livro  “Viagem  a  Ixtlan”:      

“(...)  um  caminho  não  passa  de  um  caminho  e  não  há  afronta,  nem  para  si  nem  para  os  outros,  em  largá-­‐lo  se  é   isto  que  seu  coração  o  manda  fazer.  Mas  sua  decisão  de  continuar  no  caminho  ou  largá-­‐lo  deve  ser  isenta  de   medo   e   de   ambição.   (...)   Experimente   tantas   vezes   quanto   achar  necessário.   Depois   pergunte-­‐se,   e   só   a   si,   uma   coisa.   Esta   pergunta   é   uma  que  só  os  muito  velhos  fazem.  Meu  benfeitor  certa  vez  me  contou  a  respeito  

quando  eu  era  jovem,  mas  meu  sangue  era  forte  demais  para  poder  entendê-­‐la.  Agora  eu  a  entendo.  Dir-­‐lhe-­‐ei  qual  é:  esse  caminho  tem  coração?    

  Todos   os   caminhos   são   os   mesmos,   não   conduzem   a   lugar  algum.   São   caminhos   que   atravessam  o  mato   ou   que   entram  no  mato.   Em  minha  vida  posso  dizer  que   já  passei  por  caminhos  compridos,   compridos,  mas  não  estou  em  lugar  algum.  A  pergunta  de  meu  benfeitor  agora  tem  um  significado.  Este  caminho  tem  um  coração?  Se  tiver  o  caminho  é  bom,  se  não  tiver  não  presta.  Ambos  os  caminhos  não  conduzem  a  parte  alguma,  mas  um  tem   coração   e   o   outro   não.   Um   torna   a   viagem   alegre,   enquanto   você   o  seguir,  será  um  com  ele.  O  outro  o  fará  maldizer  sua  vida.  Um  o  torna  forte,  o  outro  o  enfraquece.  

  (...)   Como   saberei   ao   certo   se   o   caminho   tem   ou   não   tem  coração?   Qualquer   pessoa   sabe   disto.   O   problema   é   que   ninguém   faz   a  pergunta,  e  quando  afinal  o  homem  descobre  que   tomou  um  caminho  sem  coração   o   caminho   está   pronto   para   matá-­‐lo.   Neste   ponto   muito   poucos  homens  conseguem  parar  para  pensar  e  deixar  o  caminho.”      

  Eu   sempre   falo   do   caminho   do   coração   quando   estou   conversando   com   alguém   sobre  Lilith  no  mapa  astral.  A  Lilith,  pra  mim,  é  uma  bússola  interna  que  aponta  pro  caminho  com  coração,  que  fareja  o  que  tem  ressonância  no  nosso  espírito  e  o  que  não  tem.  Essas  imagens  que  você  deu  sobre  reconhecimento  de   terreno  vão  ao  encontro  dessa   ideia.  É  Lilith  dentro  da  gente  que  pergunta  se  um  caminho  tem  coração  ou  não.  Ela  nos  avisa  que  se  continuarmos  por  um   caminho   sem   coração   vamos   definhar   até   morrer,   mas   na   maioria   das   vezes   não   damos  ouvidos  a   ela.  Queremos   colocar  as   coisas  na  balança,   ver  os  prós  e  os   contras,   encontrar  uma  razão   lógica  para  seguir  por  esse  ou  aquele  caminho.  Enquanto   isso  vamos  adoecendo,   ficando  fracas,   sem   alegria...   E   muitas   vezes   quando   finalmente   saímos   do   caminho   sem   coração,   as  pessoas  dizem  que  estamos  loucas,  que  não  faz  sentido,  que  era  melhor  isso  ou  aquilo...     Um  caminho  com  coração  é  um  caminho  onde  a  gente  é  nutrido  a  todo  momento,  onde  a  gente  ganha  forças,  é   fácil  saber  quando  estamos  longe  dele.  E  o  mesmo  caminho  que  tem  coração  pra  você,  pode  não  ter  coração  pra  mim.  Por  isso  essa  pergunta  é  muito  íntima  e  muito  funda,  ela  não  pode  ser  respondida  à  luz  da  razão,  mas  apenas  na  caverna  escura  onde  Lilith  habita  dentro  de  nós.         -­‐  Nossa,  amei  esse  teu  entendimento.  Muitas  vezes  percebo  que  algumas  mulheres  têm  uma  vida  que,  não  vou  dizer  que  é  totalmente  desgraçada,  mas  uma  vida  que  não  é  fortificante.  Sinto,   percebo   que   algumas   vivem   uma   vida   infeliz   como   se   buscassem   algo   mais,   como   se  estivessem  deixando  de  viver,  de  aprender  alguma  coisa....       -­‐   Sabe   que   hoje   senti   que   a   Lilith   apareceu   pra   gente?  Não   evocamos,  mas   ela   veio!   É  muito  bom  ouvir  você   falar,   sinto  que  você  pesca  as  coisas,   faz  uma  pesca  milagrosa,   como  diz  Clarice.      Obrigada  pela  troca.        

     

Julia  Francisca  e  Viviane  Gonçalves,    outubro  de  2015.  

                 

                 

 Foto:  Francesca  Woodman,    Sem  título,  1975-­‐80