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O CORVO Edgar Allan Poe e outras historias

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projeto gráfico de livro ficticio

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O CORVO

Edgar Allan Poe

e outras historias

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O CORVO

Edgar Allan Poe

e outras historias

Tradução: Fernando Pessoa Aguinaldo Záckia

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Texto de acordo com a nova ortografia.

Titulo original: The Raven & others stories

Primeira edição na coleção Âncora Primeira edição; abril de 2009Esta impressão: março de 2013

Tradução: Fernando Pessoa; Aguinaldo ZáckiaProjeto editoral: Felipe Pereira

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P743a Edgar Allan Poe, 1809 - 1849. O corvo e outras historias/ Edgar Allan Poe; Belo Horizonte 2013 160 P ; 23cm ISBN 978-53-851-4582-0 Ficção norte americana-contos policiais. I. Título. II. Série CDD 872.945 CDU 845(41)-281.9________________________________________________________

© Todos os direitos estão reservados a Âncora editora. Rua da Bahia, 830 - Lourdes - 31180-250

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Impresso no Brasil

Verão de 2013

catalogação aelaborada por Luiz carlos Alvez, cBR 10/385

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Sumario

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A ciência ainda não nos ensinou se a loucura é ou não, o mais sublime da inteligência.

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Suportei o melhor que pude mil e uma injúrias de Fortunato; mas quando começou a entrar pelo insulto, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza da minha índole, não ireis supor que me limitei a ameaçar. Acabaria por vingar-me; isto era ponto definitiva-mente assente, e a própria determinação com que o decidi afastava toda e qualquer idéia de risco. Devia não só castigar, mas castigar ficando impune. Um agravo não é vingado quando a vingança surpreende o vingador. E fica igualmente por vingar quando o vingador não con-segue fazer-se reconhecer como tal àquele que o ofendeu. Deve com-preender-se que nem por palavras, nem por atos, dei motivos a Fortu-nato para duvidar da minha afeição. Continuei, como era meu desejo, a rir-me para ele, que não compreendia que o meu sorriso resultava agora da idéia da sua imolação. Tinha um ponto fraco, este Fortunato sendo embora, sob outros aspectos, homem digno de respeito e mesmo de receio. Orgulhava-se da sua qual-idade de entendido em vinhos. Poucos italianos possuem o verdadeiro es-pírito de virtuosidade. Na sua maior parte, o seu entusiasmo é adaptado às circunstâncias de tempo e de oportunidade para ludibriar milionários britânicos e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunato, à semelhança dos seus concidadãos, era um charlatão, mas na questão de vinhos era entendido. Neste aspecto eu não diferia substancialmente dele: eu próprio era entendido em vinhos de reserva italianos, e compra-va-os em grandes quantidades sempre que podia. Foi ao escurecer, numa tarde de grande loucura da quadra carnavalesca, que encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessivo calor pois bebera demais. Trajava de bufão; um fato justo e parcialmente às tiras, levando na cabeça um chapéu cônico, guarnecido de guizos. Fiquei tão con-

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tente de encontrá-lo, que julguei que jamais estreitaria a sua mão como naquele momento. - Meu caro Fortunato, disse-lhe eu, foi uma sorte encontrá-lo. Mas, que bom aspecto tem você hoje! Recebi um barril como sendo de Amontillado, mas tenho minhas dúvidas. - Como? - disse ele - Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno carnaval! - Tenho minhas dúvidas - repeti - e seria tolo que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto. Não conseguia encontrá-lo em parte alguma, e receava perder um bom negócio. - Amontillado! - Tenho minhas dúvidas. - Amontillado! - E preciso efetuar o pagamento. - Amontillado! - Mas, como você está ocupado, irei a procura de Luchesi. Se existe alguém que conheça o assunto, esse alguém é ele. Ele me dirá... - Luchesi é incapaz de distinguir entre um Amontillado e um Xerez. - Não obstante, há alguns imbecis que acham que o paladar de Luchesi pode competir com o seu. - Vamos, vamos embora. - Para onde? - Para as suas adegas. - Não, meu amigo. não quero abusar de sua bondade. Penso que você deve ter algum compromisso. Luchesi... - Não tenho compromisso algum. Vamos. - Não, meu amigo. Embora você não tenha compromisso algum, vejo que está com muito frio. E as adegas são insuportavelmente úmidas. Estão recobertas de salitre. - Apesar de tudo, vamos. Não importa o frio. Amontillado! Você foi enganado. Quanto a Luchesi, não sabe distinguir entre Xerez e Amontillado. Assim falando, Fortunato tomou-me pelo braço. Pus uma máscara de seda negra e, envolvendo-me bem em meu roquelaire, deixei-me con-duzir ao meu palazzo.Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído par celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arred-

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assem o pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurar o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortuna-to, conduzi-o, curvado, através de uma seqüência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega. Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor.O andar do meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos. - E o barril? - perguntou. - Está mais adiante - respondi - Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas pare-des dessas cavernas.Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez. - Salitre? - perguntou, por fim. - Salitre - respondi. - Há quanto tempo você tem essa tosse? Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder. - Não é nada - disse afinal. - Vamos - disse-lhe com decisão. - Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não importa. Vamos em-bora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi... - Basta - exclamou ele. - Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse. - É verdade, é verdade. - respondi - E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar pre-cauções. Um gole deste medoc nos defenderá da umidade. E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa fila de muitas outras iguais,sobre o chão úmido. - Beba -disse, oferecendo-lhe o vinho... Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam. - Bebo - disse ele - á saúde dos que repousam enterrados em torno de nós. - E eu para que você tenha vida longa... Tomou-me de novo o

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braço e prosseguimos. - Estas cavernas - disse-me - são extensas. - Os Montresor - respondi - formavam uma família grande e numerosa. - Esqueci qual o seu brasão. - Um grande pé de ouro, em campo azul... O pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto. - E a divisa? - Nem me impune lacessit. - Muito bem! - exclamou. O vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. Através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. Detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo. - O salitre! exclamei. - Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse... - Não é nada - respondeu ele - Prossigamos. Mas antes, tomemos outro gole de Medoc. Parti o gargalo de uma garrafa de vinho De Grâve e dei-a a For-tunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com o brilho ardente. Pos-se a rir e atirou a garrafa para o ar, com gesticulação que não compreendi. Olhei-o surpreso. Repetiu o movimento, um movimento grotesco. - Você não compreende? - perguntou. - Não, não compreendo. - respondi. - Então é porque não pertence a irmandade. - - como? - Não pertence a maçonaria. - Sim, sim. Pertenço. - Você? Impossível! Um maçom? - Um maçom.- respondi. - Prove-o - disse ele. - Eis aqui - respondi, tirando debaixo das dobras de meu roque-laire uma colher de pedreiro.

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Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído par celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arredassem o pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurar o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortunato, conduzi-o, curvado, através de uma seqüência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega. Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor.O andar do meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos. - E o barril? - perguntou. - Está mais adiante - respondi - Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas pare-des dessas cavernas. Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez. - Salitre? - perguntou, por fim. - Salitre - respondi. - Há quanto tempo você tem essa tosse? Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder. - Não é nada - disse afinal. - Vamos - disse-lhe com decisão. - Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, ad-mirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não importa. Vamos embora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi... - Basta - exclamou ele. - Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse. - É verdade, é verdade. - respondi - E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar pre-cauções. Um gole deste medoc nos defenderá da umidade. E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa fila de muitas outras iguais, sobre o chão úmido. - Beba -disse, oferecendo-lhe o vinho... Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio.

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Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam. - Bebo - disse ele - á saúde dos que repousam enterrados em torno de nós. - E eu para que você tenha vida longa... Tomou-me de novo o braço e prosseguimos. - Estas cavernas - disse-me - são extensas. - os Montresor - respondi - formavam uma família grande e numerosa. - Esqueci qual o seu brasão. - Um grande pé de ouro, em campo azul... o pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto. - E a divisa? - nem me impune lacessit. - Muito bem! - exclamou. o vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo. - o salitre! exclamei. - Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóba-das. Estamos sob o leito do rio. as gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse... - não é nada - respondeu ele - Prossigamos. Mas antes, tomemos outro gole de Medoc. Parti o gargalo de uma garrafa de vinho de grâve e dei-a a Fortunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com o brilho ardente. Pos-se a rir e atirou a garrafa para o ar, com ges-ticulação que não compreendi. olhei-o surpreso. repetiu o movi-mento, um movimento grotesco. - Você não compreende? - perguntou. - não, não compreendo. - respondi. - Então é porque não pertence a irmandade. - Como? - não pertence a maçonaria.

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- Sim, sim. Pertenço. - Você? Impossível! Um maçom? - Um maçom.- respondi. - Prove-o - disse ele. - Eis aqui - respondi, tirando debaixo das dobras de meu roquelaire uma colher de pedreiro. - Você está gracejando! - exclamou recuando alguns passos. - Mas prossigamos: vamos ao amontillado. - Está bem - disse eu, guardando outra vez a ferramenta debaixo da capa e oferecendo-lhe o braço. apoiou-se pesadamente em mim. Continuamos nosso caminho, em busca do amontillado. Passamos através de uma série de baixas abóbadas, descemos, avançamos ainda, tornamos a descer e chegamos, afinal, a uma profunda cripta, cujo ar, rarefeito, fazia com que nossas velas bruxuleassem, ao invés de arder nor-malmente. na extremidade mais distante da cripta aparecia uma outra, menos espaçosa. despojos humanos empilhavam-se ao longo de seus muros, até o alto das abóbadas, à maneira de todas as das grandiosas catacumbasde Paris. Três do lados dessa cripta eram ainda ador-nados dessa maneira. do quarto, os ossos haviam sido retirados e jaziam espalhados pelo chão, formando, num dos cantos, um mon-te de certa altura. dentro da parede que, com a remoção dos ossos, ficara exposta, via-se ainda outra cripta ou recinto interior, de uns quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. não parecia haver sido construída para qualquer uso determinado, mas construir apenas um intervalo entre os dois enormes pilares que sustinham a cúpula das catacumbas, tendo por fundo uma das paredes circundantes de sólido granito. Foi em vão que Fortunato, erguendo sua vela bruxulante, procurou divisar a profundidade daquele recinto. a luz, fraca, não nos permitia ver o fundo. - Continue - disse-lhe eu. o amontillado está aí dentro.Quanto a luchesi... - É um ignorante - interrompeu o meu amigo, enquanto avançava com passo vacilante, seguido imediatamente por mim. num momento, chegou ao fundo do nicho e, vendo o caminho interrompido pela rocha, deteve-se, estupidamente

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perplexo. Um momento após, eu já o havia acorrentado ao granito, pois que, em sua superfície, havia duas argolas de ferro, separadas uma da outra, horizontalmente, por um espaço de cerca de dois pés. de uma delas pendia uma corrente; da outra, um cadeado. lançar a corrente em torno de sua cintura, para prendê-lo, foi coisa de segundos. Ele estava demasiado atônito para oferecer qualquer resistência. retirando as chaves, recuei alguns passos. - Passe a mão pela parede - disse-lhe eu. - não poderá deixar de sentir o salitre. Está, comefeito, muito úmida. Permita-me, ainda uma vez, que lhe implore para voltar. não? Então positivamente, tenho de deixá-lo. Mas, pri-meiro, devo prestar-lhe todos os pequenos obséquios ao meu alcance. - o amontillado! - exclamou o meu amigo, que ainda não se refizera de seu assombro. - É verdade - respondi - o amontillado. E, dizendo essas palavras, pus-me a trabalhar entre a pilha de ossos a que já me referi. Jogando-os par o lado, deparei logo com uma certa quantidade de pedras de construção e argamassa. Com este material e com a ajuda da minha colher de pedreiro, comecei ativamente a tapar a entrada do nicho. Mal assentara a primeira fileira de minha obra de pedreiro, quando descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande parte, se dissipado. o primeiro indício que tive disso foi um lamentoso grito, vindo do fundo do nicho. não era o grito de um homem embriagado. depois, houve um longo e obstinado silêncio. Coloquei a segun-da, a terceira e a quarta fileiras. ouvi, então, as furiosas sacudidas da corrente. o ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para deleitar-me com ele, interrompi o meu trabalho e sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o ruído cessou, apanhei de novo a colher de pedreiro e acabei de colocar, sem interrupção, a quinta, a sexta e a sétima fileiras. a parede me chegava, agora, até a altura do peito. Fiz uma nova pausa e, segurando a vela por cima da obra que havia executado, dirigi a fraca luz sobre a figura que se achava no interior. Uma sucessão de gritos altos e agudos irrompeu, de repente, da garganta do vulto acorrentado, e pareceu impelir-me violentamente para trás. durante breve instante, hes-

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itei... tremi. Saquei de minha espada e pus-me a desferir golpes no interior do nicho; mas um momento de reflexão bastou par tran-quilizar-me. Coloquei a mão sobre a parde maciça da catacumba e senti-me satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede e respondi aos gritos daqueleque clamava. repeti-os, acompanhei-os e os ven-ci em volume e em força. Fiz isso, e o que gritava acabou por silen-ciar. Já era meia-noite, a minha tarefa chegava ao fim. Completara a oitava, a nona e a décima fileiras. Havia terminado quase toda a décima primeira - e restava apenas uma pedra a ser colocada e re-bocada em seu lugar. Ergui-a com grande esforço, pois que pesava muito, e coloquei-a, em parte, na posição a que se destinava. Mas então, saiu do nicho um riso abafado que me pôs os cabelos em pé. Seguiu-se uma voz triste, que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. a voz dizia: - ah! ah! ah!... é! é! Esta é uma boa piada! Vamos rir muito no palazzo por causa disso. ha! ha! por causa do nosso vinho. - o amontillado! - disse eu. - sim sim... o amontillllado. Mas não está ficando tarde? não estarão nos esperando no palácio... a Sra. Fortunato e os outros? - Vamos embora. - Sim - respondi - vamos embora. - Pelo amor de deus, Montresor! - Sim - respondi - pelo amor de deus! Mas esperei em vão qualquer resposta a estas palavras.Impacientei-me. gritei alto: - Fortunato! nenhuma resposta. Tornei a gritar: - Fortunato! ainda agora, nenhuma resposta. Introduzi uma vela pelo orifício que restava e deixei-a cair dentro do nicho. Chegou até mim, como resposta, apenas um tilintar de guizos. Senti o coração opresso, sem dúvida devido à umidade das cat-acumbas. apressei-me para terminar o meu trabalho. Com esforço, coloquei em seu lugar a última pedra e cobri-a com argamassa. de encontro à nova parede, tornei a erguer a antiga muralha de ossos. durante meio século, mortal algum os perturbou.

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Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de algúem que batia levemente a meus umbrais - Uma visita - eu me disse - está batendo a meus umbrais É só isto, e nada mais. Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais Essa cujo nome sabem as hostes celestiais. Mas sem nome aqui jamais! E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais Essa cujo nome sabem as hostes celestiais Mas sem nome aqui jamais! Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo - É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais É só isto, e nada mais

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E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante - Senhor - eu disse - ou senhora, decerto me desculpais Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais Que mal ouvi... E abri largos, franqueando-os, meus umbrais. Noite, noite e nada mais. A treva enorme fitando, fiquei perdido receando Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita E a única palavra dita foi um nome cheio de ais Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais Isso só e nada mais. Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais - Por certo -, disse eu, - aquela bulha é na minha janela Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais Meu coração se distraía pesquisando estes sinais - É o vento, e nada mais. Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais Foi, pousou, e nada mais. E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura com o solene decoro de seus ares rituais Tens o aspecto tosquiado - disse eu - mas de nobre e ousado Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais Disse o corvo - Nunca mais. Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro Inda que pouco sentido tivessem palavras tais Mas deve ser concedido que ninguém terá havido Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais

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Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais Com o nome “Nunca mais”. Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento Perdido, murmurei lento - Amigo, sonhos mortais Todos, todos já se foram. Amanhã também te vais Disse o corvo - Nunca mais. A alma súbito movida por frase tão bem cabida - Por certo - disse eu - são estas vozes usuais Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais E o bordão de desesp’rança de seu canto cheio de ais Era este “Nunca mais”. Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira Que queria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais Com aquele “nunca mais”. Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo À ave que na minha alma cravava os olhos fatais Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais Reclinar-se-á nunca mais! Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais - Maldito! - a mim disse, - deu-te deus, por anjos concedeu-te O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais! Disse o corvo, “nunca mais”. - Profeta - disse eu - profeta - ou demônio ou ave preta!

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Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais