Diagnóstico Da Medicalização Do Processo

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DIAGNÓSTICO DA MEDICALIZAÇÃO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM Cecília Azevedo Lima Collares Maria Aparecida Affonso Moysés Prof. Ms. Edimar Sartoro e-mail. [email protected]

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diagnostico da medicalização

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  • DIAGNSTICO DA
    MEDICALIZAO DO
    PROCESSO
    ENSINO-APRENDIZAGEM

    Ceclia Azevedo Lima Collares

    Maria Aparecida Affonso Moyss

    Prof. Ms. Edimar Sartoro

    e-mail. [email protected]

  • A pesquisa

    Participaram da pesquisa:40 professaras;8 diretoras;19 profissionais da Rede de sade mdicos, psiclogos e fonoaudilogos.75 crianas;Objetivo: apreender as concepes dos profissionais da educao e da sade sobre a escola, processo ensino-aprendizagem, fracasso escolar, papel dos profissionais e das instituies de educao e saudade.Cidade: Campinas SP.
  • Por Que as Crianas no Aprendem?

    Esta anlise feita inicialmente em cinco categorias fundamentais: 1) causas centradas na criana; 2) causas centradas na famlia; 3) causas centradas no professor; 4) causas centradas na escola; 5) causas centradas no sistema escolar.
  • Para todas as diretoras e professoras o fracasso escolar motivado por questes referentes criana e sua famlia. No existem dvidas, no existem opinies divergentes. Trata-se de uma certeza absoluta.Quando perguntadas sobre fatores internos instituio escolar, a unanimidade existe apenas quando diretores referem-se a problemas centrados na figura do professor. J as professoras no compartilham deste consenso, apenas 35% concordam que a causa pode estar no professor.
  • A pesquisa revela baixos ndices relativos a problemas na escola: 7,5% dos professores - j os diretores no identificam possveis causas de fracasso escolar. Mesmo em relao ao sistema educacional, a crtica bem pequena e apenas 37,5% dos diretores e 22,5% dos professores se referem a causas nele localizadas.
  • Um ponto fundamental o fato de que, embora 35% das professoras apontem problemas do professor como causa de mau rendimento escolar, ao se pedir que listassem as crianas que seriam reprovadas e o respectivo motivo, no foi apontado nenhum aluno por problema de ordem pedaggica.Em todos, as causas eram localizadas na criana e/ou na famlia. Em outras palavras, se, enquanto discurso, apenas 35% admitem problemas na instituio escolar, no cotidiano da sala de aula a possibilidade de problemas pedaggicos nem sequer se coloca.
  • Nesta pesquisa, todos os professores e diretores consideram que a presena de doenas prejudica a aprendizagem.Para praticamente todos os segmentos que compem a sociedade brasileira, problemas de sade constituem uma barreira para a aprendizagem e, logicamente, uma das principais causas de fracasso escolar.Para os profissionais da Sade e da Educao, a doena impede a aprendizagem:Porm, que tipo de doena, em que gravidade? Aparentemente, estas questes no se colocam. Estar doente, no importa a gravidade nem a poca da vida em que se esteve doente, nem o tempo (se dura dias ou a vida toda) um estado absoluto. A doena, nesse imaginrio, no admite modulaes.O processo Sade/Doena transformado em Sade Total ou Doena Total.
  • Entre os 19 profissionais de sade, a opinio tambm unnime: todos se referem a causas centradas na criana; alm disso, para eles, os problemas de sade so a causa mais importante do fracasso escolar.
  • Quando as Famlias So as Culpadas...

  • Todos os diretores e professores acreditam que problemas referentes exclusivamente famlia impedem, ou pelo menos dificultam, o processo de aprendizado escolar.Concepo idealizada de famlia - abstrata.
  • Em uma sociedade que prega a igualdade entre os homens e que se funda na desigualdade, crer em mitos e preconceitos que coloquem nas pessoas a responsabilidade por sua desigualdade essencial para a manuteno desse sistema.
  • Quando os Professores So os Culpados...

    O professor tem alguma parcela de responsabilidade sobre o processo de aprendizagem de seus alunos? responsvel, mesmo que parcialmente, pelo desempenho da escola, por seu fracasso como instituio?Pela primeira vez, nesta pesquisa, aparece uma clara divergncia entre diretores e professsores.Oito diretores (100%) apontam o professor como uma das causas do fracasso escolar. Apenas 14 professores (35%) tm a mesma opinio.A diferena no apenas quantitativa; mais que isto, o teor das opinies muito diverso, o que justifica que sejam apresentadas em separado.
  • Todos os diretores consideram que a figura do professor responsvel pelo mau desempenho escolar de seus alunos. O tom das falas no pode ser considerado como decorrente de uma viso crtica da escola e de seus elementos; colocam o professor no exatamente como responsvel, ou co-responsvel, mas como culpado. So falas acusatrias, que revelam a absoluta falta de identidade entre o diretor e o professor, o que estranho, se se considerar que o diretor , por lei, um professor.
  • Para os diretores, os professores so incompetentes, desinteressados, mal formados etc... Existe, aqui, o mesmo processo de individualizao de um problema coletivo. A criana a culpada. A famlia a culpada. Agora, o professor o culpado. Em um raciocnio fundado na individualizao do coletivo, sobram incoerncias:Como podem todos serem culpados, individualmente? Se todos tm culpas, o problema torna-se, conceitualmente, coletivo.
  • Para ser realmente apreendido em sua dimenso coletiva, o professor teria que ser visto como um elemento de uma instituio social, de forma que esta dimenso abrangesse, obrigatoriamente, a instituio.Se no for assim, no se resgata o carter coletivo do aprender/noaprender.O professor apontado como culpado enquanto indivduo (isolado), responsvel por seus atos e erros; descontextualizado de sua insero profissional e institucional.
  • Discurso fraturado: Crianas que, em um momento so incapazes, imaturas, deficientes, em outro so apresentadas como normais, vtimas da ineficincia do professor.
  • De como o Sistema Escolar no Responsvel

    Apenas trs diretores (37,5%) atribuem falhas ao sistema educacional. Tres professores (7,5%) detectam problemas no funcionamento da escola em que esto trabalhando e nove (22,5%) apontam distores no sistema educacional.So as taxas mais baixas encontradas em toda a pesquisa.
  • E o "sistema"? Ningum o acusa de nada?

    Em toda esta pesquisa, em que oito diretores e 40 professores discorreram livremente sobre as causas do fracasso escolar, surge um componente que, embora estrutural, foi o grande poupado pelos entrevistados: o sistema escolar.
  • Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento que, na verdade, vtima, seja a criana, a famlia, ou o professor, nada constri, nada muda. Imobilizante, constitui um empecilho ao avano das discusses, da busca de propostas possveis, imediatas e a longo prazo, de transformaes da instituio escolar e do fazer pedaggico.O que deveria ser objeto de reflexo e mudana - o processo pedaggico - fica mascarado, escamoteado, pelo diagnosticar e tratar singularizados.
  • Localizar o fracasso, o problema, o "mal" na criana significa perpetuar a situao, pela culpabilizao da vtima. (Ryan, 1976)Por outro lado, leva estigmatizao de crianas inicialmente sadias, que incorporam o rtulo, sentem-se doentes, agem como doentes. Tornam-se doentes. Compromete-se sua auto-estima, seu autoconceito e a, sim, reduzem-se suas chances de aprender.
  • Est compreenso crtica de educao busca compreender as multideterminaes presentes no encontro do sujeito humano com a educao.
  • Concluso

    Este trabalho no apresenta concluses, o que no significa que seja inconclusivo; apenas esta histria ainda no chegou ao seu final.O que vimos apontando em todo o trabalho exatamente a necessidade uma ruptura epistemolgica, que nos permita tecer novas formas de olhar o mundo e as pessoas, em um olhar que se proponha a e consiga enxerg-las, em toda sua individualidade e sua totalidade, como sujeitos histricos que tm direitos a serem respeitados e que no podem ser afrontados em nenhuma circunstncia. Um sujeito que se constitui e constitudo por seu tempo, seus semelhantes, seu ambiente natural e social.
  • COLLARES, CECLIA, A. L. MOYSS, MARIA, A. Preconceitos no cotidianoescolar: ensino e medicalizao. So Paulo: Contez, 1996.MOYSS, M. A. A. A institucionalizao invisvel: crianas que no-aprendem-naescola. Campinas, SP: Mercado das Letras / So Paulo: FAPESP 2001.PATTO, M. H. S. A produo do fracasso escolar: histrias de submisso e rebeldia. 2. ed. So Paulo: Casa do Psiclogo, 1999.