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NÃO À CRIMINALIZAÇÃO DO MOVIMENTO POPULAR Um outro projeto de desenvolvimento para o país UNIFICAÇÃO Um avanço na reorganização dos trabalhadores Num ataque orquestrado contra os movimentos sociais, são diversas as tentativas de criminalização daqueles que lutam pela democratização das propriedades rurais. PAG.5 As eleições de 2010 serão um importante espaço para a defesa de um novo projeto de desenvolvimento, globalmente distinto e que tenha como eixo fundamental o enfrentamento da grave questão social brasileira. HONDURAS RECHAÇAMOS AS ELEIÇÕES CONVOCADAS PELOS GOLPISTAS! PAG.4 PERSEGUIÇÃO POLÍTICA HELOÍSA HELENA SOFRE PROCESSO NA CÂMARA DE VEREADORES DE MACEIÓ PAG.10 ENTREVISTA GILMAR MAURO PAG.5 RIO DE JANEIRO MILÍCIA: MAIS DO QUE UM CASO DE POLÍCIA, UM CASO DE POLÍTICA PAG.8 DEZ/09 - JAN/10 R$ 1,00 CIRCULAÇÃO NACIONAL WWW.PSOL.ORG.BR Organizações de trabalhadores apostam na unidade e decidem realizar um Congresso Nacional da Classe Trabalhadora em 2010 para criação de uma nova central. CONJUNTURA PAG.2 PAG.4 Nem partilha, nem concessão. Plebiscito PRÉ-SAL PAG.11 por Ildo Sauer ENTREVISTA LEDA PAULANI PAG.7 DÍVIDA PÚBLICA A URGÊNCIA DA CONTINUIDADE DA CPI PAG.6 FORA YEDA O PSOL NO OLHO DO FURACÃO PAG.10 VERENA GLASS JOÃO ZINCLAIR PEDRO EKMAN FÁBIO NASSIF

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NÃO À CRIMINALIZAÇÃO DO MOVIMENTO POPULAR

Um outro projeto de desenvolvimento para o país

UNIFICAÇÃO Um avanço na reorganização dos trabalhadores

Num ataque orquestrado contra os movimentos sociais, são diversas as tentativas de criminalização daqueles que lutam pela democratização das propriedades rurais. PAG.5

As eleições de 2010 serão um importante espaço para a defesa de um novo projeto de desenvolvimento, globalmente distinto e que tenha como eixo fundamental o enfrentamento da grave questão social brasileira.

HONDURASRechaçamos as eleições convocadas pelos golpistas!PAG.4

PeRSeGUIÇÃO POlítICAheloísa helena sofRe pRocesso na câmaRa de veReadoRes de maceió PAG.10

eNtReVIStAgilmaR maURoPAG.5

RIO De JANeIROmilícia: mais do qUe Um caso de polícia, Um caso de políticaPAG.8

DEZ/09 - JAN/10R$ 1,00

CIRCULAÇÃO NACIONALWWW.PSOL.ORG.BR

Organizações de trabalhadores apostam na unidade e decidem realizar um Congresso Nacional da Classe Trabalhadora em 2010 para criação de uma nova central.

CONJUNTURA

PAG.2

PAG.4

Nem partilha, nem concessão. Plebiscito

PRÉ-SAL

PAG.11

por Ildo Sauer

eNtReVIStAleda paUlani PAG.7

DíVIDA PÚBlICAa URgência da continUidade da cpi PAG.6

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Trechos da resolução aprovada pela Executiva Nacional do PSOL em 12 de novembro de 2009

A antecipação da disputa eleitoral de 2010 é uma forte marca da situação política nacional. O governo e a oposição de direita movimentam-se para consolidar suas pré-candidaturas e alianças para 2010 e pretendem reeditar a falsa bipolarização. Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, Lula não será candidato; na América Latina os movimentos sociais e os governos não alinhados com os interesses norte-americanos na região continuam em resistência; a questão ambiental terá presença marcante no debate eleitoral; o enfraquecimento da doutrina neoliberal, deslegitimada pela recente crise econômica e financeira, permitirá o retorno ao debate nacional de temas estratégicos, como o tamanho e o papel do Estado, a forma de conduzir o país no contexto da crise econômica e financeira mundial e o caráter do projeto de desenvolvimento que deve ser assumido pelo Brasil nos próximos anos.

Neste debate não podemos desconsiderar os impactos da crise sobre o Brasil. Dados do próprio Banco Central apontam que a produção industrial no período de janeiro-agosto de 2009, comparada a do mesmo período do ano anterior, caiu 12,1%. A queda na arrecadação tributária da União foi da ordem de 7%. Já o Fundo de Participação dos Municípios teve redução de 24%.Dados da Fundação SEADE também apontam forte impacto negativo no nível de ocupação na Região Metropolitana de São Paulo.

Os dados acima estão longe de permitir que se conclua que a crise passou longe do Brasil e que tampouco a mesma já foi superada. Se, por um lado, a crise econômica e financeira mundial não se transformou em crise política aberta, não devemos, por outro lado, deixar de reconhecer que o ônus da crise está sendo socializado ao conjunto da população e tem no Estado seu principal desaguadouro, com quedas de arrecadações, políticas de socorro a bancos e empresas quebradas, desindustrialização da economia etc.

Este debate que se abre deve considerar a extrema desigualdade social e a pobreza que persiste no país, os limites impostos pela crise climática e ambiental à lógica de acumulação e ao padrão de consumo capitalista, a inserção do país na geopolítica mundial nesta nova conjuntura inaugurada pela crise internacional, bem como a maneira de tratá-la.

Na conjuntura que transcorreram as eleições de 2006, o tema corrupção ocupou importante espaço na disputa. Já na conjuntura que transcorrerão as eleições de 2010, tende a prevalecer um contexto de maior complexidade política.

Diante desta situação paradoxal, onde duas alternativas confiáveis do capital disputam ardilosamente o voto do “centro”, o governo tem

Um outro projeto de desenvolvimento para o paísdesenvolvido uma política ofensiva buscando associar a candidatura de Dilma (PT/PMDB) a um perfil mais “popular/desenvolvimentista”. A força de Lula também tem exercido forte poder de atração dos partidos que integram a base de sustentação do governo em favor da candidatura de Dilma. Soma-se a isto o peso da máquina governamental; o apoio da maioria dos prefeitos, governadores e parlamentares, além de vultosos recursos financeiros do empresariado.

Tudo indica, portanto, que caminhamos para a reedição da bipolarização conservadora na disputa eleitoral entre Dilma e Serra, com uma forte tendência de que o governo consiga equilibrar a disputa já no primeiro turno das eleições. Esta situação bipolar que tende a se confirmar exige do PSOL não uma postura passiva, mas uma ação firme no sentido de buscar quebrar a bipolaridade.

Devemos apresentar ao povo brasileiro uma alternativa política que represente um outro projeto de desenvolvimento para o país, socialmente justo, ambientalmente sustentável e radicalmente democrático, onde a defesa de reformas estruturais seja parte de uma plataforma política mais global, que tenha como eixo o enfrentamento da grave situação social do país e a defesa de um modo de produzir e consumir compatível com os limites ambientais, além de estar comprometido com as demandas populares hoje sintetizadas nas reivindicações dos principais movimentos sociais, populares e sindicais.

É preciso analisar ainda o sentido contraditório da pré-candidatura de Marina Silva (PV). Num momento em que a agenda ambiental ganha força no debate nacional e internacional, a saída da ministra do governo representa um incômodo na disputa presidencial. O governo tem um enorme passivo ambiental resultante de um modelo de desenvolvimento produtivista que tem privilegiado o agronegócio e a indústria automobilística sem qualquer compromisso com as questões ambientais.

No entanto, o discurso político que vem sendo adotado pela pré-candidatura de Marina tem indicado sérias limitações para o enfrentamento desta polarização. Sua plataforma sócio-ambiental não está apoiada em uma crítica mais global da política de desenvolvimento do atual governo e não contém uma crítica da política econômica iniciada por FHC e continuada por Lula. A defesa de uma plataforma sócio-ambiental que não esteja vinculada com a necessidade de mudança da política macroeconômica levará à cristalização de uma imagem pública de que se trata apenas de

CONJUNTURA

EDITORIALApesar dos índices de popularidade do governo Lula, o que se vê não são

rosas no duro caminho do povo brasileiro e dos trabalhadores. Apesar da aparente calmaria, o Brasil real é diferente do país apresentado pelo governo e pelos jornalões de plantão. Não passa uma semana sem que as camadas populares sejam vilipendiadas nos seus direitos básicos: a criminalização da pobreza, a explosão da violência, o desmanche dos direitos de educação e saúde são a prova de que nem tudo vai bem. Enquanto isso, também se criminaliza aqueles que lutam, num agravamento do processo de perseguição de ativistas dos movimentos sociais, do qual a CPMI do MST e a prisão de dirigentes do MTL dão provas cabais.

O governo diz que a crise acabou e não passou de uma marolinha. Não é isso que nos diz Leda Paulani em entrevista exclusiva. A crise é estrutural e a saída escolhida foi pela mesma porta de entrada que a gerou. A professora alerta que o país, pelas características do sistema financeiro, não será protagonista de uma crise, mas poderá ser abalado por crises que vêm de fora.

O pré-sal e a retomada do papel do Estado é tema de Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobrás. Ildo nos mostra como o governo tem agido de forma lesiva aos interesses nacionais e defende que o assunto é importante demais para ficar nas mãos dos deputados. Defende um plebiscito popular para decidir sobre o melhor modelo. Ele nos alerta que 70% dos países produtores de petróleo utilizam o modelo da exploração 100% estatal. O Brasil, no entanto, escolheu o caminho das concessões privadas, o que denota as opções desse governo.

Do meio sindical chegou uma boa notícia. Trata-se do calendário de unificação dos sindicatos combativos em um instrumento de luta que junte Intersindical e Conlutas e potencialize a ação dos trabalhadores numa entidade mais ampla. O CONCLAT (Congresso da Classe Trabalhadora) foi marcado para julho do ano quem vem. Trata-se de uma iniciativa importantíssima, na qual o PSOL esteve envolvido desde o começo e é peça fundamental da construção da unidade mais ampla da classe trabalhadora.

Apesar do discurso, o governo Lula é um desastre em termos ambientais. E na toada de atender aos interesses do agronegócio e dos setores anti-ambientais, continua na insistência de levar à frente o projeto de Belo Monte. Um desastre ambiental à vista denunciado pelo nosso senador José Nery. A Conferência do clima em Copenhague também é tema importante e é analisada no artigo de José Correa Leite.

A luta contra a corrupção continua um dos motes do PSOL. E nossa intervenção no Rio Grande do Sul para apurar as denúncias do governo Yeda quase levou ao impeachment da governadora. Infelizmente, outros setores não levaram essa perspectiva à frente, preferindo se concentrar numa oposição parlamentar e não nas ruas. Mas o PSOL continua na luta, mostrando os podres poderes que estão por trás da preservação de Yeda no poder.

Em Alagoas Heloísa Helena é perseguida pelas oligarquias do Estado. Depois de abrir mão de seus vencimentos e denunciar que vereadores da Câmara de Maceió recebiam R$ 27 mil na boca do caixa, Heloísa passou a ser perseguida, com o risco até mesmo de perda do mandato. Trata-se de uma tentativa que visa retirar a presidente do nosso partido da disputa eleitoral em benefício das oligarquias locais, braço de interesses nacionais. O PSOL não aceitará isso calado.

Por fim, publicamos de forma resumida a resolução de conjuntura aprovada na reunião da Executiva Nacional do PSOL no dia 12 de novembro, buscando contribuir para o aprofundamento do debate político entre todos os militantes do partido sobre os desafios do PSOL no momento atual.

Em relação ao debate sobre a tática eleitoral, o PSOL abre conversas com a pré-candidatura de Marina Silva, com o objetivo de identificar a existência de pontos programáticos comuns, ao mesmo tempo em que se discute candidatura própria do partido. Trata-se de um tema polêmico, que tem despertado um intenso debate na militância do PSOL e que culminará na realização da conferência eleitoral de março de 2010, momento em que chegaremos a uma posição conclusiva sobre a melhor forma de enfrentar a polarização entre a candidatura do governo e da oposição de direita.

EXPEDIENTE: Esta é uma publicação da Secretaria de Comunicação do PSOL. Secretário de Comunicação: Edson Miagusko. 2.º Secretário de Comunicação: Fabiano Garrido. Redação e edição: Bia Barbosa e Denise Simeão. Projeto Gráfico e diagramação: Cláudio Zamboni. Colaboração: João Zinclair, Marcelo Aguirre, Maurício Matos, Nelson Egídio, Pedro Ekman e Verena Glass (fotos). Executiva Nacional do PSOL: Presidência: Heloísa Helena; Secretário Geral: Afrânio Tadeu Boppré; Tesoureiro: Franscisvaldo Mendes; Secretário de Comunicação: Edson Miagusko; Secretário de Organização: Mário Agra; Secretário de Relações Internacionais: Pedro Fuentes; Secretário de Movimentos Sociais: Fernando Silva (Tostão); Secretário de Formação: Jeferson Moura; Secretário de Assuntos Institucionais: João Batista Oliveira de Araújo (Babá); 2.º Secretário de Relações Internacionais: Rodrigo Pereira; 2.º Tesoureiro: Randolfe Rodrigues; 2.º Secretário de Comunicação: Fabiano Garrido; 2.º Secretário de Organização: Elias Vaz; 2.º Secretário de Movimentos Sociais: Leandro Recife; 2.º Secretário de Formação: Roberto Robaina; 2.º Secretário geral: Edilson Silva; 2.º Secretário Assuntos Institucionais: Érico Corrêa. Dezembro de 2009.

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Um outro projeto de desenvolvimento para o país

uma divergência temática, sem maiores conseqüências com relação à política mais global do governo, e que inclusive pode ser absorvida pela candidatura oficial. Não é à toa que Dilma foi escalada por Lula para chefiar a delegação brasileira na Conferência do Clima em Copenhague.

Soma-se aos limites de seu discurso o ecletismo do PV quanto à política de alianças. De concreto podemos dizer que Marina surge no cenário como um fator imprevisto e que precisa ser debatido amplamente pelo partido assim como a opção de candidatura própria.

Uma política para enfrentar a polarização

Ainda que o governo goze de uma grande popularidade e tenha conseguido construir um espaço político de diferenciação com a direita mais conservadora, não houve nos últimos oito anos qualquer mudança qualitativa na estrutura social brasileira e muito menos nos mecanismos de poder. A força do lulismo apóia-se, em grande medida, na grande redução de expectativas da maioria da população na possibilidade de um projeto de transformação social. Neste sentido, a derrota histórica mais importante do ciclo iniciado nos anos 80 está justamente no conformismo social decorrente da adesão do governo à administração do capitalismo brasileiro, associado ao fato de que neste processo não tenha surgido uma alternativa social e política com força suficiente para contrapor-se a esta lógica.

A questão crucial para a formação de uma consciência crítica e para o fortalecimento do PSOL está no enfrentamento desta nova agenda política aberta pela crise econômica e pelos limites que a mesma aponta sobre o modelo de civilização capitalista. Em primeiro lugar, é necessário identificarmos quais as forças sociais e os interesses que dão sustentação ao projeto hegemônico do lulismo. Nosso ponto de partida para esta análise é que a burguesia brasileira identificou no lulismo uma força política capaz de coordenar os interesses capitalistas nacionais em suas pretensões de ocupar uma maior fatia do mercado latino-americano e mesmo mundial.

Mas aqui há uma diferença de estratégia entre Lula e FHC, construída na transição entre o neoliberalismo

Fortalecer o PSOL

Estes elementos devem servir de base para que o PSOL faça a análise da correlação de forças entre as classes sociais em luta, especialmente sobre a força da burguesia brasileira e do lulismo, para chegar a uma definição sobre qual política deve ser adotada neste período. As eleições de 2010 serão um importante espaço para a defesa de um novo projeto de desenvolvimento, globalmente distinto e que tenha como eixo fundamental o enfrentamento da grave questão social brasileira, a partir de uma forte política de distribuição de renda, compatível com os limites ambientais e sintonizado com um projeto de integração regional sobre bases solidárias e soberanas.

A defesa deste programa, baseado em um outro projeto de desenvolvimento e comprometido com a defesa das reivindicações concretas dos movimentos sociais, é o que pode dar base política para o estabelecimento de alianças com outros setores que não se sentem representados nem pela alternativa petista e nem pela tucana.

E esta identificação do PSOL com a defesa de um projeto de mudança social só será possível fortalecendo nossa inserção social e nossa organização partidária, ao mesmo tempo em que agitemos um programa e uma política alternativa. Desenvolver este debate junto ao conjunto da militância e dos setores sociais que colocam-se na condição de aliados, considerando a necessidade de buscar um ponto de equilíbrio e de unidade, será a principal tarefa do partido no próximo período.

mais engajado e o social-liberalismo praticado pelo petista. A estratégia lulista pressupõe seu fortalecimento político enquanto gestor de um Estado com um pouco mais de capacidade de coordenação da atividade econômica, da manutenção da presença estatal em algumas áreas estratégicas e da ampliação de uma rede de políticas sociais através dos programas de distribuição de renda. É esta força que dá ao lulismo o poder de interlocução e de coordenação dos interesses capitalistas nacionais, ao mesmo tempo em que garante a um custo muito pequeno, se comparado com os gastos financeiros ou com os investimentos do governo, uma larga rede de assistência social através dos programas de transferência de renda.

Esta gestão dos interesses capitalistas nacionais é parte de uma estratégia que busca consolidar o Brasil enquanto um país subimperialista na região, em um cenário em que o país poderá ocupar a posição de 5ª economia do mundo até 2014.

A estas contradições, soma-se a incapacidade do governo em contribuir com o esforço para deter a grave crise ambiental. Na verdade, apesar do jogo de cena que antecede a Conferência do Clima em Copenhague, o governo tem contribuído para que o Brasil se torne cada vez mais responsável pela emissão dos gases formadores do efeito estufa, seja por sua leniência em relação ao desmatamento na Amazônia e pela complacência ao ataque dos ruralistas contra a legislação ambiental, seja por vincular seu modelo de desenvolvimento à utilização, sem preocupações ambientais, do petróleo do pré-sal.

Devemos apresentar ao povo brasileiro uma alternativa política que represente um outro projeto de desenvolvimento para o país, socialmente justo, ambientalmente sustentável e radicalmente democrático, onde a defesa de reformas estruturais seja parte de uma plataforma política mais global, que tenha como eixo o enfrentamento da grave situação social do país (...)

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A Executiva Nacional do PSOL aprovou resolução estabelecendo uma agenda de debates com setores da sociedade civil, dos movimentos sociais, entidades sindicais e populares, partidos políticos que compuseram o arco de alianças da nossa candidatura em 2006 (PSTU e PCB), com os nomes apresentados no interior do partido e com a pré-candidatura de Marina Silva à Presidência da República.

O objetivo desta agenda é debater os pontos que constituem os eixos de uma elaboração programática e política capaz de oferecer uma alternativa à falsa polarização representada pelas candidaturas do governo e da oposição conservadora, onde o PSOL pretende ser parte de um movimento que represente uma alternativa popular contra o neoliberalismo.

Até agora não existe nenhuma decisão sobre o tema, que será tomada definitivamente na Conferência Eleitoral, em março de 2010, onde o PSOL debaterá sua tática eleitoral, candidaturas, programa e política de alianças. O Diretório Nacional em dezembro também será um momento em que o partido discutirá o tema.

No decorrer do processo de debates, o próximo número do Página 50 publicará textos e artigos para subsidiar a militância no debate da Conferência Eleitoral.

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MOVIMENTO SINDICAL

Um avanço na reorganização dos trabalhadores

Seminário de reorganização aprovou realização de um Congresso da Classe Trabalhadora, em junho de 2010, para a fundação de nova central

As eleições do dia 29 de novembro em Honduras não têm nenhuma legitimidade. Não podem haver eleições livres e democráticas em um regime gestado num golpe de Estado que tirou do governo o presidente Zelaya, que continua cercado na embaixada do Brasil.

Um regime que se mantém no poder graças à repressão, com o exército nas ruas, que já conta com mais de 20 assassinatos políticos, que censura e fecha os meios de comunicação independentes e tem milhares de denúncias pela sua violação de direitos fundamentais. Um golpe que se apóia na minoritária oligarquia hondurenha, que está levando o país a uma crise global da qual não tem saída sem uma Assembléia Constituinte soberana, como defende certeiramente a Frente Nacional de Resistência.

Uma parte importante e majoritária dos governos latino-americanos tem assumido a correta postura de não reconhecer o governo nascido destas eleições. Em contrapartida, o governo dos EUA tirou sua máscara de “democrata” ao apoiar estas eleições nascidas do golpe. Tem sua lógica, já que desde o começo os golpistas contaram com a colaboração e participação dos militares yankees e da sua inteligência para desenrolar sua ação.

A Frente Nacional de Resistência e o legítimo presidente Zelaya já anunciaram que não irão às urnas e que boicotarão a farsa eleitoral. O PSOL se soma a todos os que rechaçam estas eleições e se solidariza com a Resistência, que exige a restituição incondicional do Presidente Manuel Zelaya Rosales à Presidência de República de Honduras.

da República condenando a luta do funcionalismo.

Um fato interessante é que houve casos em que as bases de sindicatos da CUT e CTB rebelaram-se ao tomar conhecimento dos acordos superiores assinados nas bases dirigidas pelos setores combativos. São experiências que abrem a possibilidade de diálogo com um número maior de trabalhadores sobre a importância de uma alternativa classista que unifique e potencialize as lutas.

Rechaçamos as eleições convocadas pelos golpistas!Abaixo, posição oficial do partido aprovada em consulta à Executiva Nacional. Em setembro, o então secretário de Relações Internacionais do PSOL, Pedro Fuentes, e o deputado federal Ivan Valente estiveram em Tegucigalpa prestando solidariedade à luta do povo hondurenho contra o golpe de Estado.

O Seminário de Reorganização realizado nos dias 1° e 2 de novembro, que reuniu mais de mil pessoas em São Paulo, aprovou um Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT) para junho de 2010, quando será fundada uma nova central. Foi um passo decisivo na construção de um instrumento unitário para as lutas da classe trabalhadora.

O caráter dessa central será votado no CONCLAT. Intersindical, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Movimento Terra e Liberdade, Pastoral Operária e setores da Conlutas coincidem na proposta de uma central de trabalhadores. Muitos abrindo mão, inclusive, da formulação inicial de central sindical para garantir a unidade. Já o setor majoritário da Conlutas, especialmente o PSTU, defende a incorporação do movimento estudantil, de movimentos contra as opressões e associações de moradores.

A polêmica em torno deste ponto chegou a colocar em dúvida a possibilidade da construção da central. Mas a responsabilidade com a luta dos trabalhadores, a necessidade de construir uma alternativa às centrais governistas e os pontos de acordo entre os vários setores falaram mais alto.

O processo vem amadurecendo desde o seminário realizado durante o Fórum Social Mundial de Belém, em janeiro deste ano, passando por dois dias nacionais de manifestações em março e agosto e pela realização de debates regionais.

O seminário nacional também aprovou um plano de ação que trata, entre outras coisas, da luta contra a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, da defesa da Petrobras 100% estatal e do combate ao fator previdenciário.

O PSOL tem apoiado esse processo, respeitando a autonomia e a independência das entidades. O tema teve destaque no II Congresso do partido com a aprovação de uma resolução que defende uma nova central que organize os trabalhadores. No Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em janeiro de 2010, será realizada uma plenária nacional para avançar no regimento e nas regras de participação no CONCLAT.

Campanhas salariais marcadas por greves e paralisações

As campanhas salariais em 2009 mostraram que, apesar das dificuldades, os trabalhadores estão resistindo e lutando. Houve um bom número de paralisações

ou greves, como nos bancários, químicos, metalúrgicos, petroleiros e serviços públicos, mesmo com os obstáculos criados pelos patrões, governo e a Justiça para restringir o direito de greve.

Na previdência, onde a esquerda tem peso na direção sindical, particularmente a militância do PSOL, o governo utilizou multas, interditos proibitórios e tentou tornar ilegal o direito de greve. Já nos Correios, a direção lulista tentou desmontar a greve, com o próprio Presidente

“O acontecimento mais importante para a esquerda brasileira no 2º semestre de 2009, a confirmar-se em junho de 2010, foi a decisão tomada no Seminário Nacional de Reorganização de criação de uma central que, certamente, será ampla, plural, classista, democrática, solidária e internacionalista. Terá a unidade da classe como valor estratégico e desenvolverá suas ações e lutas de forma autônoma e independente, sempre numa perspectiva socialista”.Lujan Miranda - Intersindical/APS

“Em 2010, está colocado para a esquerda combativa um grande desafio: unir em um único projeto todos aqueles que não capitularam à traição da CUT. Construir uma ferramenta unitária, democrática, com autonomia e independência frente aos governos e patrões é uma necessidade dos trabalhadores. Precisamos de uma organização que lute por salário, emprego, terra, moradia e demais reivindicações da classe sempre associada à luta pelo socialismo.”Neida Oliveira – CPERS/Sindicato – Conlutas/Bloco Resistência Socialista

“As organizações conseguiram secundarizar as diferenças, debater com a nossa base social e construir uma política que nos levará à fundação de uma nova central combativa, autônoma, democrática, anticapitalista e de oposição aos governos lacaios da burguesia. Neste momento difícil, urge a nossa unificação. Assistimos a grosseiros ataques aos nossos direitos e a um violento processo de criminalização da pobreza, com repressão às nossas lutas e dirigentes.” Janira Rocha – Sindsprev/RJ – MTL

“A construção de uma nova central combativa, classista, autônoma e extremamente democrática é uma necessidade da classe trabalhadora brasileira. E ela só tem sentido de existir se for para disputar a direção das massas trabalhadoras com as centrais sindicais burocráticas, governistas e patronais, cujos maiores expoentes hoje são a CUT e a Força Sindical. Essa tarefa é o maior desafio que Conlutas e Intersindical têm a obrigação histórica de realizar.”Wellington Luiz Cabral - Sind. Químicos SJC – Conlutas/Unidos pra Lutar

“A decisão do seminário foi um acerto. Dos muitos desafios que temos, destaco três: construir uma central independente do Estado, governos, patrões e partidos, com enraizamento nos locais de trabalho e amplitude para enfrentar os ataques; realizar um grande CONCLAT que decida por uma central de trabalhadores e avance no debate de organização, inclusive dos precarizados; e impulsionar um Fórum Nacional de Mobilizações que articule calendários e lutas comuns entre os movimentos e abra o debate estratégico das nossas ações em defesa dos direitos e da transformação social.”Edson Carneiro Índio – Bancários/SP – Intersindical/Enlace

“A decisão de fundar uma central que represente formais e precarizados é a mais importante desde a perda do referencial classista, da independência da autonomia da CUT, em especial após a chegada de Lula ao governo. Os ataques ao direito de greve e a criminalização do movimento sindical e popular são parte da política do capital para impor medidas aos setores que não são cooptáveis à política patronal e governamental. Não temos tempo a perder. Construamos um instrumento que honre nossos mártires e represente com dignidade a luta de nossa classe.”Jorge Luís Martins – Intersindical/CSOL

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MOVIMENTOS SOCIAIS

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ENTREVISTA COM GILMAR MAURO, DIRIGENTE DO MST“Há um processo de criminalização de todos os movimentos sociais”

CPI do MSt visa impedir revisão da produtividade no campoOligarquias brasileiras buscam isolar e criminalizar movimentos sociais. O objetivo é evitar atualização de parâmetros que mostrem a baixa eficiência do latifúndio.

GILbERTO MARINGONI

Há um ataque orquestrado contra os movimentos populares em nosso país. Sua face mais evidente tem sido as diversas tentativas de criminalização dos movimentos sociais que lutam pela democratização das propriedades rurais. Na mira da direita brasileira, estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) e o Movimento Terra e Liberdade (MTL). Todos têm sido vítimas nos últimos meses de ataques que vão de ações judiciais, cercos policiais, intimidações armadas, expulsão de acampamentos, prisões e até assasinatos. O ápice se dá agora com a instalação da chamada CPI do MST no Congresso Nacional.

A escalada reacionária tenta institucionalizar as agressões, através do uso incontido dos grandes meios de comunicação, com ações orquestradas envolvendo a Justiça e as polícias militares.

O melhor exemplo se deu em setembro último, quando as grandes redes de televisão exibiram seguidas vezes, em horário nobre, imagens da ocupação realizada por integrantes do MST em uma área supostamente de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. As reportagens, em tom de julgamentos sumários, classificaram a ação como ato criminoso de vandalismo.

Para a grande mídia, vale a máxima atribuída a Joseph Goebbels (1897-1945), o chefe de propaganda do Partido Nazista: uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Para montar seu teatro, a Rede Globo e suas congêneres deixaram de informar que a titularidade das terras da Cutrale é contestada pelo Incra e pela Justiça. Parte delas é formada por uma área pública de 10 mil hectares e 15 mil são terras improdutivas, passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.

A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, de acordo

com o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%.

Índices de produtividade

Há dois objetivos por trás da campanha desinformativa. O primeiro é impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola. Os parâmetros atuais foram delineados a partir do censo agropecuário de 1975. De acordo com eles, boa parte das imensas propriedades brasileiras cumpre plenamente sua função social e econômica. No entanto, caso os índices sejam revistos – levando-se em conta os avanços tecnológicos das últimas décadas – a situação muda de figura.

A revisão mostraria que a produtividade é baixa. Boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos

alegam. Elas estariam, assim, disponíveis para a reforma agrária.

O segundo objetivo da direita é criar condições políticas para um ataque frontal ao MST e a outros movimentos de luta pela terra. A tática é convocar uma CPI no Congresso Nacional, que justifique pautas na imprensa de todo o país e culmine com uma ofensiva militar de amplo espectro. Ou seja, o foco do debate, ao invés de estar centrado na extrema concentração fundiária do país, passaria a ser o das supostas ilegalidades cometidas pelo MST e congêneres. Com isso, estaria desmoralizada a luta pela reforma agrária e acabaria por se impor um modelo de agronegócio exportador e predador do meio ambiente.

No entanto, a história não caminha nos estreitos trilhos desejados pela elite. A perspectiva de uma derrota eleitoral das classes dominantes, aninhadas na coligação PSDB-DEM, mostra que o isolamento social está do outro lado. A CPI não tem terreno para prosperar.

Página 50: Para que fato o MST queria chamar a atenção quando fez a ação na Cutrale?

Gilmar Mauro: Primeiro, são terras públicas da União e que foram adquiridas em 1909 para o assentamento de famílias de europeus que estavam chegando no Brasil. Aquilo não ocorreu. Essas terras públicas foram sendo apropriadas por várias empresas que grilaram as terras, utilizaram e destruíram todos os recursos naturais que existiam e desenvolveram a monocultura de eucaliptos, pinos, pecuária extensiva e, ultimamente, laranja. A própria área da Cutrale nós ocupamos há muito tempo, e quando a Cutrale comprou de outro grileiro a área, nós tínhamos um acampamento que já estava há dois anos produzindo. Foram colocados tratores da empresa, houve o despejo e foi tombado tudo que havia em cima: mandiocal, barracos. Engraçado que não saiu uma linha em nenhum jornal deste país sobre aquela ação promovida pelo Estado e pelos fazendeiros. Então a idéia de ocupar a área da Cutrale era colocar em questão o grilo da região e a possibilidade de arrecadação de terras para a reforma agrária. Nós temos na região famílias que são acampadas há dois, quatro, seis e oito anos, que já poderiam estar assentadas. Uma região que tem terra improdutiva, que tem terra pública e a inoperância e a incompetência do Estado impedem que isso seja realizado. Então foi quase uma ação de desespero. Não imaginávamos que teria o impacto que teve e que se aproveitassem daquela situação para, por exemplo, montar uma CPMI contra o MST e esse processo de criminalização.

Página 50: Sempre houve um ataque da direita aos movimentos de luta pela terra, mas parece que neste momento há uma articulação maior através da mídia, Justiça e do aparato repressivo. A que se deve isso?

Gilmar Mauro: São várias razões. Primeiro porque estamos às vésperas de uma eleição, e o MST é sempre um bom bode expiatório para setores da direita se aproveitarem para fazer o seu palco. E há um processo de criminalização por parte do Poder Judiciário e do Estado brasileiro a todos os movimentos sociais. O MAB, que é o movimento dos atingidos por barragens, está vivendo isso. O próprio movimento sindical quando faz greve tem processos de criminalização intensos. E eu acho que o MST é uma espécie de referencial ainda das grandes massas nas periferias das cidades. E estigmatizá-lo é fundamental para a direita brasileira. Isso não é novo na história. Se você pegar Canudos, Contestado, etc, antes de haver uma intervenção coercitiva sempre há um período de construção de um consenso na sociedade através de mentiras, através de difamação. Pegando o caso de Canudos, dizia-se que era um movimento pró- monarquia. Primeiro se destrói a imagem para junto utilizar intervenções jurídicas, de criminalização. Nós temos muitos militantes processados, com inquéritos. Não é algo novo, mas estamos vivendo

um momento de intensificação disso.

Página 50: Essa criminalização dos movimentos seria então algo preventivo a algum processo de luta mais intenso que esteja sendo visualizado?

Gilmar Mauro: Eu acho que é. Precisamente porque a crise econômica e social se agravou. Embora o Brasil ainda tenha gás e fôlego, o desemprego é grande. Dificilmente o capitalismo vai conseguir crescer como se deu no século passado; há uma dificuldade grande de incorporação da força de trabalho no processo produtivo. E as periferias são grandes bombas. Há uma guerra civil instaurada em vários lugares. E o Estado vem cumprindo esse papel repressivo, mas ao mesmo tempo de geração de consensos na sociedade para justificar a repressão. O caso do helicóptero que foi derrubado no Rio de Janeiro foi utilizado para justificar a limpeza que está se fazendo nas favelas para preparar as condições para Copa do Mundo, Olimpíadas, etc. Os pretextos são os mais variados, mas há uma intervenção muito grande do Estado, da parte coercitiva, de precauções contra possíveis levantes populares.

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POR RAUL MARCELO, DEPUTADO ESTADUAL PSOL/SP

Em setembro deste ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o projeto de lei complementar 62/2008, do governador José Serra (PSDB), que permite entregar a gestão de qualquer unidade de saúde às chamadas organizações sociais (OSs). A proposta foi defendida pelos partidos que dão sustentação ao governo - entre os quais o Estadão, a Folha, a Globo, a Editora Abril etc – com o argumento da necessidade de melhorar a “gestão” dos hospitais e dotá-los de maior “eficiência”.

Vejamos: no ano passado, 31% do orçamento executado da União foram gastos com a rolagem da dívida, enquanto míseros 4,8% foram para a saúde. A Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira todos os anos 20% das contribuições destinadas às áreas sociais, completa o quadro de subfinanciamento do SUS. No Estado de São Paulo, o orçamento do governo Serra prevê para este ano um gasto de R$ 12 bilhões com toda a saúde pública

de Estado da Saúde é um ato exclusivo do Secretário, está dada a abertura para todo tipo de obscuridade. A ausência de licitação, somada ao fato de setores do Capital terem muito interesse no “negócio saúde”, abre os mais diferentes caminhos para o favorecimento de interesses particulares.

As terceirizações nos hospitais administrados pelas OSs ganham novo significado. Empresas que prestam serviços hospitalares são convidadas a atuar dentro dos hospitais públicos e subcontratam outras. E assim por diante, gerando todo tipo de favorecimentos, acordos, e - por que não? – de relações com partidos e parlamentares, financiamento de campanhas etc. Os serviços de saúde privados já estão entre os principais doadores das campanhas eleitorais.

Já os trabalhadores das OSs são terceirizados. Portanto, não têm nenhum tipo de estabilidade. É esse o instrumental utilizado pelos administradores para fazer cumprir as metas, que muitas vezes não são condizentes com as necessidades de saúde da população. A superexploração é combinada com o assédio moral,

estadual e R$ 8,8 bilhões com a rolagem dos títulos da dívida pública.

A não contratação de trabalhadores por concurso público, como manda a Constituição, e sim por meio da contratação destas organizações sociais, sem licitação, transferiu recursos da rubrica orçamentária “Gastos com Pessoal” para a rubrica “Outras Despesas Correntes”. De 1998 até agora, esta forma de contratação só tem feito crescer o repasse do Estado para essas entidades privadas. Segundo o relatório de execução orçamentária do Governo, em 2004 o Estado despendeu R$ 600 milhões com as OSs. Para este ano estão previstos gastos de R$ 1,8 bilhão.

Quando terminamos nosso sub-relatório na CPI sobre a Remuneração dos Serviços Médicos-Hospitalares, em junho de 2008, eram 13 os hospitais sob essa modalidade de contrato. Hoje, segundo a Secretaria da Saúde, já são 25. E há a previsão de chegarmos ao final do governo Serra com 40 hospitais sendo administrados pelas OSs. Ou seja, todo o sistema público de saúde está sendo privatizado.

Como a habilitação para a celebração do contrato entre uma OS e a Secretaria

favorecido pela frágil representação sindical dos trabalhadores terceirizados.

Para os milhões de trabalhadores na informalidade, que dependem exclusivamente do SUS para ter acesso a algum serviço de saúde, as filas e as peregrinações para conseguir um atendimento tendem a se intensificar porque as OSs funcionam de “porta fechada” em muitos casos, o que inclusive tem gerado ações por parte do Ministério Público, para garantir a internação e o atendimento dos pacientes.

Por sua vez, o governo Lula copiou a proposta de São Paulo, enviando ao Congresso o Projeto de Lei 92/2007 (que cria em âmbito federal as fundações estatais de direito privado para administrar os hospitais públicos federais).

A grande questão colocada não é de gestão, mas sim a necessidade de aumentar os gastos públicos com saúde no Brasil. Na atual quadra da história, a defesa do SUS e da consequente universalização da saúde só terá êxito se vier acompanhada da denúncia do regime político hegemônico implementado no Brasil.

A saúde sob fogo cerradoSAÚDE

POR IVAN VALENTE, DEPUTADO fEDERAL PSOL/SP

Depois de muita pressão social, a Câmara dos Deputados instalou, em agosto passado, a Comissão Parlamentar de Inquérito, proposta pelo nosso mandato, para investigar a dívida pública da União, estados e municípios, o pagamento de juros e amortizações, os beneficiários destes pagamentos e seu impacto nas políticas sociais do País. A CPI é uma vitória dos movimentos sociais e seus meses iniciais de funcionamento mostram que o Brasil precisa investigar com profundidade este mecanismo, que é o principal gargalo do desenvolvimento do país.

Tomando como referência apenas os governos dos dois últimos presidentes, a dívida interna brasileira aumentou 17 vezes. No começo de governo Fernando

A urgência da continuidade da CPIHenrique, ela era de

R$ 61,8 bilhões. Em janeiro deste ano, atingiu a cifra de R$1,68 trilhões. Em 2008, considerando

apenas os recursos da União, o país

desembolsou 30% de seu orçamento somente com juros e amortizações. Se for computado o valor emitido em títulos públicos para a

rolagem da dívida, o total de recursos em um ano é de 47%

do orçamento. Em 2009, o valor gasto com a dívida equivale a 7 vezes

os gastos com saúde, 13 vezes os gastos com educação ou 192 vezes os gastos com a reforma agrária. Portanto, ao contrário do que afirma a grande imprensa, este é o verdadeiro vilão das contas públicas.

Mas, em três meses de CPI, ficou claro quem quer e quem não quer investigar de verdade a dívida. De um lado, PSDB e DEM criam obstáculos para a aprovação de requerimentos essenciais para o andamento dos trabalhos, assim como para a convocação de personagens centrais na história da dívida, como o economista Pedro Malan,negociador responsável pela reestruturação da dívida externa durante o governo Collor e ministro da Fazenda nos dois mandatos de FHC. Do outro lado, o PT e os aliados da base governista, que detêm a maioria da comissão, omitem-se da investigação por conta da opção do governo Lula em dar continuidade à política econômica de FHC.

Outro obstáculo enfrentado é a

tentativa de se impedir a investigação da dívida no período anterior a 1989, colocando uma pedra sobre a origem do endividamento externo agressivo ocorrido durante a ditadura militar. As CPIs anteriores realizadas no Congresso não investigaram, por exemplo, a emissão de títulos da dívida externa no exterior, por meio de instituições financeiras privadas na década de 70. É fundamental conhecer o valor líquido apurado pelo Brasil em tais operações, o valor das comissões cobradas pelas instituições financeiras intermediárias e demais condições não detalhadas nos decretos. Afinal, a dívida pública atual é fruto de sucessivas conversões e renegociações de dívidas anteriores, e a ausência da análise de seu ponto de partida e seus antecedentes prejudicará os trabalhos de investigação a que se propôs a atual CPI.

Um aspecto de ilegalidade que também dever ser aprofundado é o impacto da forte elevação das taxas de juros (juros flutuantes) por decisão unilateral do Federal Reserve Bank norte-americano, assim como a atuação de um Comitê Assessor, formado por 14 bancos, liderados pelo Citibank, que passou a funcionar como instância, por onde passaria todo o trâmite para a renegociação das dívidas externas brasileiras, pública e privada.

É importante ressaltar ainda que as respostas apresentadas pelo Banco Central à CPI até o momento revelam graves deficiências de controle interno do BC. Desde a ausência de contratos de negociação da dívida externa com bancos privados até contratos de negociação sem assinatura. Sem contar que muitas das informações solicitadas ao Ministério

da Fazenda e ao Banco Central não foram enviadas satisfatoriamente, como informações sobre os credores da dívida interna e os fluxos de pagamentos, recebimentos e saldos anuais das dívidas externa e interna.

Apesar disso, as respostas e os depoimentos obtidos revelaram informações vitais até hoje bloqueadas aos movimentos, que comprovam que o Brasil poderia ter feito outra escolha política ao longo das décadas. Poderia, por exemplo, ter contido a explosão da dívida interna, resultado das políticas aplicadas desde o governo FHC, com a aplicação religiosa do receituário neoliberal, com câmbio flutuante, nenhum controle de capitais e juros exorbitantes, para atrair o capital especulativo e ganhar a confiança do mercado.

Já no governo Lula, a dívida pública seguiu crescente, sobretudo em função da opção de acumular reservas internacionais via emissão de títulos públicos, pagando para isso os maiores juros do mundo – enquanto recebe juros negativos pelas reservas internacionais. Diferentemente de muitos outros países, que possuem taxas de juros próximas a 1% ao ano, o Brasil pratica juros de 9%, remunerando o capital especulativo e fazendo a dívida explodir.

Tudo isso comprova a necessidade de prorrogação da CPI para além dos quatro meses de duração previstos no regimento. Esta é uma investigação urgente, que precisa ser aprofundada para mostrar os brutais impactos de sua centralidade na política econômica brasileira no desenvolvimento das políticas sociais, ambientais e na infraestrutura do país.

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“Um regime de acumulação movido pelas crises”Apesar de haver sinais de que a economia está saindo da crise financeira detonada em 2008, o regime de acumulação financeira do capitalismo levará a outras crises. Essa é a avaliação da professora do Departamento de Economia da USP Leda Paulani que, em entrevista ao Página 50, também analisa os fatores que amenizaram a crise no Brasil e considera que a taxa de investimento ainda é baixa. Leda Paulani é autora de “Brasil Delivery”, em que aponta a entrega do país a interesses do setor financeiro.

Página 50: A crise financeira recente chegou a ser comparada por muitos à crise de 1929. Um ano depois, especialistas, governos e mídia dizem que tudo está se normalizando. As avaliações eram muito alarmistas? A crise passou? Leda Paulani: São contextos diferentes, mas fundamentalmente o que aconteceu é que em função do aprendizado da “crise de 29”, dessa vez os Estados agiram rapidamente, injetando liquidez nas economias, e isso conteve os efeitos deletérios da crise. Num certo sentido, a crise pode ser menos intensa justamente porque os Estados sabem pilotar os remédios para evitar as conseqüências mais catastróficas e pontuais. Mas em outro, ela é mais importante, pois é mais profunda. O capitalismo hoje está envolvido numa armadilha que é o processo de acumulação de capital sendo comandado pela valorização financeira e por intermédio daquilo que o Marx chamou de capital fictício. Esse remédio que aparentemente amaina os efeitos da crise joga para frente os mesmos problemas. Eu costumo dizer que a gente saiu ou está saindo da crise pela mesma porta que entramos. Essa forma de resolver a crise já está recriando novamente as mesmas armadilhas. Página 50: Em sua opinião, essa crise financeira é uma conseqüência da crise do capitalismo?

Leda Paulani: É uma crise estrutural. Existe uma escola teórica de orientação marxista que desdobra o conceito de modo de produção do Marx em dois outros conceitos: modo de regulação e regime de acumulação. Eles dizem que o capitalismo vive hoje um regime de acumulação com dominância da acumulação financeira. Esse regime de acumulação vive desse jeito, de crise em crise. Desde o começo dos anos 80, não passamos mais do que quatro ou cinco anos sem uma grande crise financeira. De 1994 para cá, tivemos a crise mexicana; depois a crise asiática em 1997; depois a russa, brasileira e que desdobrou na crise argentina um pouco depois. Aí, veio a crise das empresas.com, da bolsa de 2000/2001, a hipervalorização das bolsas americanas por conta da febre com as empresas de internet. E, finalmente, agora a gente tem essa crise. Nesse regime, as crises não são um fator excepcional, como alguém que é plenamente são e fica doente. Ele é estruturalmente doente. E essa crise, pela profundidade que teve, mostra que as contradições com esse regime de acumulação estão se aprofundando.

Página 50: Então você não acredita que possamos estar diante de um novo ciclo na condução da economia em nível mundial, como na questão da regulação, por exemplo?

Leda Paulani: Já me perguntaram várias vezes se não estariam sendo criadas as mesmas condições do pós-Segunda Guerra para a criação de um sistema tipo Bretton Woods, mais regulado, com intervenção do Estado e controle do fluxo de capitais. Eu acho que de modo algum essas condições existem. Primeiro que, naquele momento, o mundo vinha de um período muito conturbado, muito instável na economia, com colapso do padrão ouro, e hoje a gente não tem isso. A gente tem um regime que é movido pelas crises. Não temos aquele ambiente que obrigou os grandes líderes mundiais a sentar e ver o que fazer. E naquele momento você tinha uma suposta ameaça ao sistema capitalista por parte de outro suposto modo de produção no mundo soviético. A outra coisa diferente é que, depois de 30 anos de vigência desse regime de acumulação, você tem uma riqueza financeira muito grande. Isso é a base para a manifestação de interesses materiais específicos e determinados, que não querem ver a sua possibilidade de valorização controlada, com intervenção do Estado. E tem um terceiro fator que é o abraço de afogados que une as duas grandes economias, Estados Unidos e China. Se os Estados Unidos afundam, a China vai junto. Então, existe um fator de inércia a manter essa situação no sistema monetário internacional. Para resolver as enormes contradições dentro do sistema, essas inércias precisariam ser vencidas.

Página 50: Apesar dos Estados terem agido rapidamente para amenizar os efeitos da crise, alguém pagou essa conta...

Leda Paulani: Certamente os trabalhadores pagaram uma parte importante da conta, porque o desemprego aumentou no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Nos Estados Unidos, há um desemprego altíssimo para a economia americana, de cerca de 10%. E a retomada disso é lenta. Até no Brasil, que está sendo considerado o país que mais rapidamente saiu da crise, o nível de emprego não se recuperou. Pelos últimos dados de desemprego, a gente percebe que ele caiu, mas ainda não está no nível de antes da crise em 2008. Outros que pagaram: todos aqueles que, de alguma maneira, sofreram desvalorização nos seus ativos, particularmente os fundos de pensão, muitos deles europeus, que

compraram aqueles papéis americanos tóxicos, como se diz. Em parte, uma ou outra cabeça do sistema financeiro rolou. Mas como classe, os trabalhadores foram os que mais perderam, porque perderam seus empregos.

Página 50: E o caso do Brasil? Quais foram as condições que amenizaram os impactos da crise, pelo menos aparentemente?

Leda Paulani: Foi uma combinação de elementos. Primeiro, o governo brasileiro já estava num movimento de retomada dos investimentos. O governo Lula decidiu que, em sua segunda gestão, iria se preocupar mais com o crescimento e menos com a inflação. Então, quando a crise veio não pegou uma economia deprimida. Fora isso, o Brasil tem um sistema financeiro e bancário diferente dos Estados Unidos, dos países europeus e mesmo do Japão, o que fez com que ele não fosse muito contaminado por essa crise. No início a crise bateu aqui principalmente porque o crédito congelou. E também bateu no setor privado, em empresas que, dominadas por essa lógica financeira, estavam fazendo jogatinas no mercado financeiro. O governo soltou o compulsório dos bancos, mas os bancos não emprestaram, recolheram tudo no Banco Central em títulos. Aí o governo se deu conta de que tinha que usar as suas instituições estatais, como o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Isso também fez uma diferença, porque o Brasil conseguiu salvar da ira da privatização essas instituições, que são instrumentos que o governo tem a mais nas mãos para lidar com situações como essa. Macroeconomicamente, tem outro fator importante, que é o fato do Brasil ter uma grande quantidade de reservas. Página 50: Mas isso não garante uma situação tranqüila no longo prazo...

Leda Paulani: O Brasil, pelas características que o sistema financeiro tem, não será protagonista de uma crise. Mas ele pode ser abalado por crises que vêm de fora. Se a nossa forma de crescimento é sustentável ou não já é outra discussão. Do ponto de vista capitalista, o que torna sustentável o crescimento de qualquer economia é um crescimento forte do investimento. Isso não está acontecendo no Brasil. Quer dizer: a retomada está se dando muito mais pelo consumo. O Brasil tem um mercado interno grande, houve uma pequena distribuição de renda por conta do aumento do salário mínimo. Só que nenhum crescimento puxado pelo consumo é sustentável. É como um cachorro mordendo o rabo. Os trabalhadores precisam consumir para gerar renda e precisam de renda para consumir. Tem que ter um fator de fora, e esse fator é o investimento. E quando você tem o consumo puxado pelo crédito, é pior ainda. Porque lá na frente a pessoa vai ter que gastar menos.

Página 50: Esse fôlego do governo brasileiro em relação à crise enfraquece os críticos à política econômica?

Leda Paulani: Eu acho que não. Porque a crítica feita nesse período se referiu ao que se deixou de ganhar. Desde o ano de 2000, o mundo engatou um crescimento por causa do fenômeno da China e o próprio crescimento da economia americana embalado nessa coisa financeira. E o Brasil ficou sistematicamente para trás. Cresceu menos que os países da América Latina e que os países emergentes. E mais: se o Brasil tem essa quantidade de capitais agora, é muito mais por conta dos fatores externos do que pelos fatores internos. É verdade que a política monetária atrai capital, porque as taxas de juros são elevadas, mas isso também mata o crescimento.

ENTREVISTA COM LEDA PAULANI

“Certamente os trabalhadores pagaram uma parte importante da conta, porque o desemprego aumentou no mundo inteiro, inclusive no brasil.”

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POR MARCELO fREIxO, DEPUTADO ESTADUAL PSOL/Rj

Milícia não é só um caso de polícia. Discutir milícia é discutir segurança pública e a privatização da segurança no espaço urbano. Mais do que isso: envolve uma histórica relação do Estado com as favelas e periferias, um modelo de substituição do papel do Estado em determinados territórios urbanos, em caráter muito mais grave do que já ocorria e que ainda ocorre, paralelamente, em relação ao tráfico de drogas. Mas a milícia é bem mais sofisticada do que o varejo do tráfico. Milícia é máfia. E, como tal, está organizada nas entranhas do próprio Estado com um projeto de poder sustentado pela corrupção e pela opressão das classes trabalhadoras.

Em 2006, havia a estimativa da existência de 90 comunidades no Rio de Janeiro sob o controle armado de milícias, formadas, a partir da cúpula, por policiais militares e civis, agentes penitenciários, bombeiros, militares das Forças Armadas e civis. Ao fim dos seis meses de trabalho, a CPI das Milícias realizada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, presidida pelo nosso mandato, ofereceu incômodo diagnóstico da leniência do poder público que permitiu o avanço desses grupos. Essa quantidade quase dobrou,

para 170 comunidades. Desde então, as áreas de milícias não pararam de aumentar e já passam de 200.

E o poderio miliciano não se ampliou só no que se refere ao espectro geográfico. Na esfera política, conquistou braços próprios de representação no Poder Legislativo por meio do terror e do clientelismo utilizados na manutenção de currais eleitorais. Prova disso é que, ao fim da CPI das Milícias, um deputado estadual e um vereador, notoriamente ligados a essas máfias, perderam os seus mandatos.

No campo econômico, expandiu-se por meio da exploração de negócios como transporte alternativo clandestino, ligação de TV a cabo, taxas de segurança, gás, grilagem, agiotagem, transações imobiliárias, entretenimento, prostituição (inclusive a infantil). Claro que o poder de cada grupo miliciano se mede pelos resultados da disputa armada que rege a concorrência nada saudável nesse mercado criminoso. Os serviços não são ofertados, mas impostos aos moradores dos territórios explorados sob pena de expulsão, espancamento, morte.

Nas áreas dominadas, ocorre uma relação estreita das organizações criminosas com o poder público, justamente por intermédio de seus próprios líderes e de seu duplo papel — funcionários públicos em atividade, com carteira funcional, distintivo, arma oficial que se apresentam como agentes do Estado. Desse modo, tiram proveito de seu status oficial para promover uma imagem de apelo moral, de controle da ordem.

A milícia se consolidou como fenômeno diante da irresponsabilidade política de alguns governos, que a olharam como um “mal menor”. A proliferação das áreas em poder dos grupos milicianos se deu em um contexto de absurda fragilidade da estrutura de segurança pública, das ouvidorias, das corregedorias, da precariedade da formação e das condições salariais do policial. Esse

modelo de crime organizado cresceu onde não havia controle social da segurança pública.

Tanto o governo estadual quanto o municipal primaram pelo fortalecimento das condições de sustentação da ação miliciana. O primeiro forneceu a mão-de-obra, oriunda da categoria policial desvalorizada. O segundo, o espaço livre para a exploração miliciana de atividades econômicas tão lucrativas como clandestinas. Em determinado momento, as milícias passam a entregar o projeto de grupos políticos com grande expressão nos governos estadual e municipal.

Sem dúvida as milícias se derivaram de uma política de segurança pública equivocada, calcada na lógica da guerra. O Estado que tem uma polícia que mata e morre em índices inaceitáveis, que trabalha em condições aviltantes, fomentou a formação de grupos milicianos atuantes dentro da máquina pública, operados por agentes dessa mesma máquina.

Um indicador da atitude do poder público em relação a essas máfias é o número de prisões de líderes e envolvidos. Em 2006, apenas cinco milicianos foram presos. Em 2007, 24. No ano passado, 78. Neste ano, 229. E tal aumento significativo no número de prisões de milicianos não se deu por acaso. Ocorreu após uma quebra de paradigma na percepção da sociedade sobre a gravidade do problema no Rio de Janeiro.

A conjuntura mudou depois que uma equipe do jornal O Dia, disfarçada de moradores da favela do Batan, na Zona Oeste, foi flagrada por milicianos. Mantida em cárcere privado, a equipe sofreu espancamento, tortura e ameaças de morte durante seis horas no ano passado. A notícia da violência contra jornalistas no Batan mobilizou a opinião pública de tal forma que isso forçou a Alerj a abrir uma CPI, e a Segurança Pública, a atuar no enfrentamento dos grupos paramilitares.

O pedido de CPI para apurar a atuação das milícias no estado havia sido proposto pelo nosso mandato em 2007. Denúncias de assassinatos e de outros tipos de violência e opressão exercidos pelas milícias contra moradores de favelas e periferias haviam motivado o pedido. Mas só depois do episódio do Batan o Legislativo abriu o devido espaço para uma apuração mais completa sobre o poderio desses grupos paramilitares.

O principal resultado da CPI, além do indiciamento de 225 acusados de liderar

ou de participar de grupos paramilitares no Rio, foi a construção de um conjunto de 58 propostas concretas para o enfrentamento das milícias. Se o trabalho na comissão se encerrou em dezembro do ano passado, teve início desde então uma maratona, ainda sem fim previsível, de apresentação do relatório com as propostas a autoridades de todas as esferas do poder público, no Rio de Janeiro e em Brasília.

A maratona em busca de apoio político para a realização das propostas da CPI já levou o nosso mandato a, até mesmo, atravessar o Atlântico. Neste segundo semestre, entre outubro e novembro, a Anistia Internacional organizou viagem de 35 dias por 13 cidades de seis países para a divulgação na Europa do trabalho realizado pela Comissão. Diplomatas e autoridades do Executivo da Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha, França e Itália assumiram o compromisso de enviar cartas às autoridades brasileiras para alertar sobre a importância do enfrentamento das milícias, já que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais de garantia dos direitos humanos, assim como da defesa da vida daqueles que têm convivido, como nós do mandato, com ameaças de morte por conta do papel direto no enfrentamento dessas máfias.

O problema é que o Estado não se apresenta por meio de políticas públicas que promovam e garantam os direitos humanos dos cidadãos nas favelas e periferias. A começar pela má qualidade do ensino, da saúde e do transporte, além da falta de oportunidades de trabalho. Não que caiba garantir que as milícias estejam instaladas onde o Estado não se mostra presente de alguma forma. Até porque o Estado se faz bastante presente nessas localidades, sim, embora quase que exclusivamente com o seu braço policial.

O que se pode afirmar é que o conceito das milícias casa muito bem com um modelo de segurança pública que não existe para toda a sociedade. Só para alguns. E existe cada vez mais privatizada. Trata-se de uma segurança pública a serviço da criminalização da pobreza. Reflete diretamente uma estrutura política da sociedade na qual jamais será possível haver uma política de segurança pública justa, equilibrada e coerente, que não passe só pela ação policial, pela eleição de inimigos a serem eliminados ou tornados invisíveis e confinados em guetos urbanos.

Milícia: mais do que um caso de polícia, um caso de política

O Estado não se apresenta por meio de políticas públicas que garantam os direitos humanos, a começar pela má qualidade da moradia, do ensino e da educação.

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EDUCAÇÃO

A doença da insegurançaPOR ChICO ALENCAR, DEPUTADO fEDERAL PSOL/Rj

As décadas de repressão e ditadura militar que a esquerda brasileira viveu, mais recentemente, nos afastaram de um debate decisivo: o da segurança pública e da percepção dos policiais como servidores numa ordem ao menos formalmente democrática, como a nossa. Segurança, de que tanto carecem os grandes centros urbanos do Brasil de hoje, é um direito social a ser garantido por políticas públicas. Políticas no plural mesmo: segurança pública é uma questão grave demais para ser apenas caso de polícia. Envolve educação, cultura, moradia digna, emprego decente, humanização da vida.

No Rio de Janeiro, estado no qual a violência mais reverbera e ceifa vidas, a política de segurança pública adotada pelo governo Sergio Cabral, baseada no confronto, não difere muito das adotadas por seus antecessores, ocupantes do Palácio Guanabara. As intervenções implementadas por Moreira Franco (1987-1991), que prometera acabar com a violência em seis meses, e também por Marcelo Alencar (1995-1999), que instituiu a gratificação faroeste, são exemplos robustos de políticas equivocadas. Os autos de resistência – utilizados como forma de justificar as ditas mortes nem sempre em confronto –, criados na ditadura militar e reeditados em 1996, reforçam esta análise.

A truculência e a débil utilização dos aparatos de inteligência policial são marcas características dessas políticas, baseadas em operações espetaculosas, geralmente concebidas como forma de dar algum tipo de resposta à sociedade amedrontada. Os cidadãos têm muitas razões para sentir esses temores.

Em todas essas gestões – com raras exceções – os Direitos Humanos foram secundarizados. A pretexto de coibir o varejo do tráfico de entorpecentes nas favelas – cada vez mais armado e letal –, as forças de segurança cometem muitas atrocidades. Espancamentos de moradores, intimidação de trabalhadores, achaques a comerciantes e morte de inocentes são práticas disseminadas.

Claro que esses abusos não acontecem somente contra os mais pobres. Os verdadeiros barões das drogas e os senhores das armas não estão refugiados nesses locais. É visível o despreparo de nossos policiais, mal pagos, pessimamente treinados e comandados por autoridades que têm pouca ou nenhuma sensibilidade humanitária. Ainda herança da ditadura?

Não fosse a CPI das Milícias, presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ), esse “embrião de máfia”, inoculado no cerne do poder estatal, ainda seria tratado como um grupo de “autodefesa comunitária”. Foi dessa forma que o ex-prefeito carioca Cesar Maia os denominou. Hoje, graças à inércia do Poder Judiciário e à conivência governamental, essa verdadeira face do crime organizado se mostra atuante e poderosa. Formadas em sua grande maioria por policiais militares, bombeiros e agentes penitenciários, as milícias disputam o controle de territórios com o poder despótico do tráfico e os lucros advindos de atividades ilegais. Em meio a isso tudo, como ostra entre o rochedo e o mar, fica o povo atônito.

A “guerra contra o narcotráfico” mascara a violência segregacionista contra as populações pobres, presentes em afirmações como a do governador Cabral, para quem a “favela é fábrica de marginais”.

Uma política de segurança que mira invariavelmente os de baixo, jogando sobre eles toda a culpa pelos malfeitos de uma sociedade desigual, tem nome e sobrenome: criminalização da pobreza. Sai governo, entra governo, erros se repetem e multiplicam.

Não há exemplo mais emblemático do que o ocorrido recentemente no Morro dos Macacos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma facção criminosa invadiu a comunidade durante a noite, para ocupar o lugar dos rivais no “movimento”. Bandidos de ambos os lados foram mortos e os moradores ficaram aterrorizados. Pela

manhã, a polícia cerca a comunidade e mata diversas pessoas, supostamente traficantes. Um helicóptero da Corporação, inadequado para esse tipo de operação, foi atingido por um tiro de armamento antiaéreo, pegou fogo, caiu e três policiais foram carbonizados.

Paradoxal. A própria polícia, antecipadamente, teve ciência de que boa parte dos homens que invadiram o Morro dos Macacos sairia do conjunto de favelas do Alemão, Zona da Leopoldina. Há poucos meses, esse mesmo conjunto de favelas foi palco de uma mega operação, onde foram mortas diversas pessoas, supostamente traficantes e também não identificadas. Dezenas de homens da Força de Segurança Nacional ocuparam a comunidade, juntamente com as Polícias Civil e Militar. Como é sabido, o tráfico varejista de entorpecentes continua por lá, a todo vapor, bem como permanece no Morro dos Macacos. Podemos concluir que esse modelo não serve.

Cabe também verificar os propalados avanços do Pronasci (Programa de Segurança Pública com Cidadania), que já aplicou R$ 450 milhões no Rio de Janeiro, e suas iniciativas sociais em áreas pobres. Destaque-se que no Grande Rio cerca de 100 mil jovens, entre 15 e 19 anos, estão fora da rede regular de ensino.

Quais os resultados das ações de combate ao contrabando de armas, da integração com as Forças Armadas nessa tarefa e o efetivo desarmamento dos traficantes, que mostram poderio bélico cada vez maior? É igualmente urgente aferir a dimensão e os efeitos do combate às milícias, também fortemente armadas. E avaliar os resultados e os projetos de ampliação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que até o momento, com pouquíssimas experiências modelo, são objeto de interesse turístico, espécies de “favelas cenográficas”.

A saúde cidadã de uma sociedade tem nos índices de criminalidade e na prática de desvios policiais um de seus termômetros. O Brasil está febril e o estado do paciente é grave.

em defesa da escola pública e da verdadePOR CARLOS GIANNAZI, DEPUTADO ESTADUAL PSOL/SP

Nosso mandato na Assembleia Legislativa tem se pautado pela defesa intransigente da educação pública de boa qualidade, inclusiva, laica e estatal, com o predomínio da valorização do magistério representada pela exigência de melhores salários, formação continuada e condições adequadas de trabalho.

Para isso, temos feito projetos de lei, indicações,

pronunciamentos, representações ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, bem como levado à imprensa e à sociedade a denúncia acerca da política de sucateamento e degradação da escola pública em São Paulo, colocada em marcha pela gestão do governador José Serra. Tal política é marcada pela criminalização dos professores e falta de investimento na área. Nesse quesito, o governo não tem medido esforços para enganar a população,

como referendar projetos apologistas da meritocracia, que tentam

responsabilizar os docentes pela má qualidade de ensino no estado.

Nossas prioridades têm sido o combate ao discurso fantasioso e a pressão pela imediata aprovação do Plano

Estadual de Educação - construído pelo Fórum Paulista em Defesa da Escola Pública - , sem contar as lutas contra a superlotação de salas, a violência escolar e a busca pela gestão democrática da escola pública.

Estamos montando um dossiê sobre o sucateamento da escola pública, onde fotografamos, filmamos e elaboramos relatórios daquilo que precisa de reformas e que está abandonado pelo governo. São unidades de ensino sem quadras, ou feitas de lata, sem refeitório, desprovidas de salas de informática e de bibliotecas. Essa é uma parte da triste realidade da rede estadual de ensino que precisa ser mudada.

Quase que diariamente fazemos diligências em escolas da rede estadual verificando esses fatos. Nos próximos meses, entregaremos esse dossiê ao Ministério Público, à UNESCO e ao UNICEF, a fim de

que o governo tucano seja pressionado a tomar providências, reformando e mantendo a estrutura básica de funcionamento das escolas.

Em outra frente de atuação, o nosso mandato, que participa de forma oficial da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de São Paulo, busca aprovar a CPI da Educação, para fazer uma verdadeira devassa nos desvios de verbas do orçamento do setor, caracterizados, segundo denúncias e aferições preliminares, pelo superfaturamento de reformas, construções e compra de material para escolas. Dinheiro este desviado para o ralo profundo da corrupção, que só beneficia as empreiteiras e empresas que vendem insumos para a Secretaria Estadual de Educação.

Milícia: mais do que um caso de polícia, um caso de política

a “guerra contra o narcotráfico” mascara a violência segregacionista contra as populações pobres, presentes em afirmações como a do governador Cabral, para quem a “favela é fábrica de marginais”.

GuILLERMO OSSA / SXC

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O “Embaixador” do governo gaúcho em Brasília, Marcelo Cavalcanti, morto pouco antes do carnaval, havia sido demitido pela governadora Yeda Crusius meses antes, no bojo do escândalo que estourou com a operação Rodin da Polícia Federal, que descobriu uma fraude milionária no DETRAN gaúcho. A situação foi deflagrada pelas declarações de Lair Ferst - acusado de ser o mentor das fraudes -, segundo as quais ele havia enviado uma carta à Yeda contando todo o esquema (na verdade, queixando-se de ter sido excluído dele) através de Marcelo, que acabou demitido. Lair foi processado pelo Ministério Público.

Junto com Pedro Ruas e Roberto Robaina, tive acesso privilegiado ao depoimento e a provas que Lair havia entregado ao MP em troca da delação premiada. O PSOL já havia pedido o impeachment de Yeda muito antes. As evidências surgidas em uma CPI na

CORRUPÇÃO NO RS

PSOl no olho do furacãoPOR LUCIANA GENRO, DEPUTADA fEDERAL PSOL/RS

Assembléia já eram bastante contundentes. Havia declarações do vice-governador Paulo

Feijó, que denunciou a existência de caixa dois e o uso de recursos da campanha para a compra de uma mansão adquirida por Yeda após a campanha eleitoral.

Soubemos que Marcelo também estaria negociando uma delação premiada com a Justiça, através da qual revelaria a verdadeira participação de Yeda no esquema e a entrega da carta de Lair a ela. Seu depoimento, marcado para logo depois do carnaval, era fundamental para incriminar Yeda e seu marido. Aguardávamos o depoimento dele ao MP para revelar o que sabíamos sobre o depoimento de Lair.

Tratada como suicídio, a morte suspeita de Marcelo caiu como uma bomba. A situação levava à suspeita de que sua morte poderia ter sido uma queima de arquivo. Decidimos então revelar tudo o que sabíamos numa coletiva de imprensa, e afirmamos que o suposto suicídio de Marcelo precisava ser melhor investigado. Revelamos que Lair havia entregado ao MP áudios e vídeos altamente incriminadores de Yeda, seu marido, secretários de Estado e empresários. Fomos bombardeados e processados por fazer denúncias “sem provas”.

Mas não nos intimidamos e mantivemos as afirmações. Depois de vários meses e muitos embates, finalmente os procuradores vieram a público e confirmaram tudo o que havíamos dito, e passaram a ser acusados de irresponsáveis

por pedir o indiciamento da governadora, do seu marido e de outras tantas ilustres figuras freqüentadoras do Palácio Piratini. Desde então, a história ficou muito parecida com tantas outras: cumplicidade da mídia com o governo, falta de agilidade da Justiça, advogados pagos a peso de outro para livrar corruptos.

O PSOL lançou a campanha “Fora Yeda”, o CPERS/Sindicato e o Fórum dos Servidores compraram a briga e somaram com mais um pedido de impeachment. Mais uma CPI foi aberta. Entretanto, são tantos os implicados, e de praticamente todos os partidos da base, que a base do governo voltou a se unificar para garantir o esvaziamento da CPI. O PT, maior partido de oposição a Yeda no Estado, não colaborou. Seus líderes não se pronunciaram pela saída da governadora e o partido não apostou na mobilização social. Limitou-se a uma oposição parlamentar. Claramente queriam o desgaste de Yeda, mas não a sua queda.

Esta luta contra a corrupção teve uma incidência direta na correlação de forças entre as classes no Estado, mais particularmente no embate de Yeda e seu projeto neoliberal com o CPERS/Sindicato, o mais mobilizado do Rio Grande do Sul. Antes da coletiva do PSOL, que reabriu com toda força a crise que havia sido fechada depois do encerramento da CPI do DETRAN, Yeda estava na ofensiva contra os trabalhadores em educação e prestes a enviar um projeto para acabar com o plano de carreira dos professores, sua maior conquista histórica. Com a crise reaberta, o governo foi obrigado a recuar e a Secretária de Educação caiu.

Agora, depois da votação que enterrou

o impeachment, Yeda voltou à ofensiva. Isto demonstra como a luta contra a corrupção é importante para as lutas da classe como um todo. Ela pode enfraquecer o inimigo e permitir que passemos à ofensiva. Esta história ainda não terminou, e novos desdobramentos podem acontecer a qualquer momento. Sabemos que os crimes cometidos por Yeda e sua gangue seguem acontecendo.

Mesmo que já não haja condições de derrubar a governadora, o PSOL vai seguir cumprindo o seu papel de denúncia. Mas também cumprirá seu papel de oferecer uma alternativa ao povo gaúcho. Nas eleições de 2010 apresentaremos a nossa proposta para governar o Rio Grande do Sul. Pedro Ruas, que ficou conhecido como “Dr. Impeachment” pela obstinação com que lutou e segue lutando contra a gangue do Piratini, será o nosso candidato.

Através dele vamos mostrar que é possível governar sem se vender, sem roubar e sem trair os compromissos assumidos. Vamos mostrar também que há recursos sim para melhorar a vida dos gaúchos. Esses recursos virão do combate à corrupção (só no escândalo do DETRAN foram R$ 40 milhões desviados, e há muito mais sendo investigado) e também através do fim da sangria da dívida pública, que consome mais de 20% da receita do Estado.

Ao contrário do PT, que tem que explicar o mensalão, o apoio a Renan Calheiros, Sarney, a amizade com Collor de Mello e a negativa de seu governo em aliviar as contas do Estado com a renegociação da dívida, o PSOL, com Pedro Ruas, terá toda a autoridade para mostrar que existe outro caminho.

O PSOL lançou a campanha “Fora Yeda”, o CPERS/Sindicato e o Fórum dos Servidores compraram a briga e somaram com mais um pedido de impeachment.

CORRUPÇÃO NO RS

VALTER CAMPANATO / Abr

A vereadora Heloísa Helena está na Comissão de Ética da Câmara Municipal de Maceió por ter feito referência à vereadora Tereza Nelma (PSB) como “porca trapaceira”, ao ser acusada, por ela, em plenário, de “plagiadora de projetos” e de “mentirosa”. É a primeira vez em Maceió que um vereador responde a um processo por quebra de decoro parlamentar, apesar de já ter havido sérios bate-bocas e denúncias de corrupção nas últimas legislaturas.

A motivação do processo contra Heloísa Helena tem caráter político. A preferência do eleitorado por sua candidatura ao Senado da República em 2010 é constatada nas pesquisas de opinião pública feitas em todo o Estado. Há fortes interesses para que Heloísa tenha o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por oito anos, sob a justificativa de “quebrar o decoro” como vereadora.

Em 2008, Heloísa candidatou-se a

vereadora de Maceió pelo PSOL, sem nenhuma coligação partidária, e elegeu-se com 29.516 votos, ultrapassando o coeficiente eleitoral de quase 19 mil votos. Com ela, o partido conseguiu fazer mais outro vereador, Ricardo Barbosa. Heloísa fez uma campanha solitária e sem estrutura; esteve nos pontos de ônibus e sinais de trânsito fazendo panfletagem, conversando com as pessoas; visitou a pé grande parte da periferia da cidade e, sem tempo suficiente para debater no horário eleitoral, buscou o eleitor nas ruas e mostrou a importância de se levar para a Câmara de Vereadores “o debate do bem, da ética e do compromisso público”.

Ao assumir o mandato, Heloísa Helena descobriu que a verba de gabinete para cada vereador estava sendo disponibilizada de forma ilegal. Os R$ 27 mil correspondentes ao limite de despesas para cada gabinete eram pagos em cheque nominal (ao vereador), na boca do caixa. A vereadora, que se

negou a receber a verba, questionou o pagamento junto ao Ministério Público Estadual, que até hoje investiga o caso. Mas não há nenhum vereador na Comissão de Ética da Casa por receber na boca do caixa da agência do banco R$ 27 mil de recursos públicos.

Em relação ao processo que está sofrendo, o relator do caso na Comissão de Ética, vereador Galba Novaes, já ouviu as duas vereadoras em sessões separadas, mas tem dito à imprensa que “quer ouvir outras pessoas”. Os vereadores negam que haja pressão pela cassação do mandato de Heloísa, mas há quem assegure que realmente está se tramando um golpe para tirá-la das próximas eleições em Alagoas, a partir da votação secreta do caso em plenário.

PERSEGUIÇÃO POLÍTICA

MAR

CEL

O A

Gu

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Heloísa Helena sofre processo na Câmara de Vereadores de Maceió

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O povo deveria ser chamado a decidir, em plebiscito, ainda

em 2010, as duas questões fundamentais:

a) a retomada do monopólio estatal sobre

o petróleo e a sua produção apenas

para financiar um novo projeto de

desenvolvimento econômico e social;

b) a re-estatização da Petrobras e delegação a ela

para executar o monopólio.

A forma como o governo federal vem conduzindo as decisões relacionadas ao pré-sal está sacrificando, em nome da disputa imediata pelo poder, a chance de se administrar o país a longo prazo, além de reproduzir um modelo a favor do grande capital, que tem levado a humanidade a crises constantes e à degradação ambiental.

O petróleo continua exercendo um papel essencial para que o sistema de produção capitalista, hegemônico, permaneça, e a estratégia da Petrobras em acelerar os investimentos, tendo em vista a perspectiva de exaustão definitiva dos recursos de petróleo convencional no mundo, foi totalmente acertada. A companhia foi essencial para o país no sentido de descoberta e exploração do petróleo e no desenvolvimento de tecnologias que garantiram a auto-suficiência do Brasil em 2006 e que recentemente levaram à descoberta do pré-sal. Este é resultado de um trabalho histórico.

Agora, sua posição e importância precisam ser preservadas e é justo que ela mantenha o seu papel central neste processo. A Petrobras é a empresa que tem a melhor tecnologia do mundo para o pré-sal.

Não há necessidade de criar a Petro-Sal. Ela é um instrumento para compartilhar um pouco mais para o governo do dinheiro do petróleo e para que as multinacionais façam a administração disso. O mais corajoso seria a realização de um plebiscito nacional para que o povo pudesse de fato decidir sobre a reestatização da Petrobras e o monopólio do petróleo brasileiro. Hoje, 77% do petróleo estão na mão de estados nacionais que usam de empresas 100% estatais para desenvolvê-lo. Este é o modelo hegemônico. Se isso for feito, não precisa mais da Petro-Sal, da partilha, de nada.

Em todos os governos a Petrobras tem sofrido pressões. A força de resistência vem de sua cultura e da sua história. Seus defeitos, quase todos, estão vinculados aos processos de partilha de cargos, que às vezes procuram transformar dirigentes em despachantes. Numa nova empresa este risco político será muito maior.

Concessão e partilhaAtualmente, vale no Brasil o regime de concessão, no qual o governo leiloa licenças para exploração e produção de petróleo em áreas determinadas. Os vencedores (concessionários) pagam bônus (quantia pela assinatura dos contratos), royalties (taxas de 5 a 10% por produção até certo volume) e participações especiais (taxas adicionais, até o máximo cumulativo de 40%, para áreas muito produtivas).As petroleiras não querem a mudança do regime de concessões para o da partilha – projetado pelo governo para as reservas do pré-sal – e suas razões podem ser resumidas em três pontos:

Nem partilha, nem concessão. PlebiscitoPOR ILDO SAUER, PROfESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE ELETROTéCNICA E ENERGIA DA USP E Ex-DIRETOR DE GáS E ENERGIA DA PETRObRAS (2003-2007)

1. Elas não querem a Petrobras como única operadora dos novos campos. De modo geral, quem ganha os direitos de um campo de petróleo, seja por concessão ou partilha, escolhe a operadora que fará a exploração e a produção. A escolha da Petrobras como operadora tem a ver com a necessidade de elevar o conteúdo nacional da operação de exploração e de produção de petróleo no País. As petroleiras internacionais não têm esse compromisso.

2. Elas lutam pela manutenção das concessões porque querem continuar na posse do petróleo. Nas concessões, o óleo descoberto é do concessionário, que o vende como, quando, onde e a quem quiser. No sistema de partilha, o óleo é do governo. Produzido, ele é levado, na área licitada, a um ponto determinado em contrato, onde é feita a divisão.

3. As petroleiras querem celebrar o mais rapidamente possível contratos que lhes assegurem direitos sobre reservas de petróleo, uma vez que as suas estão se esgotando. Elas lutam pela sobrevivência: as reservas mundiais estão nas mãos de empresas nacionais.

O que de melhor está contido nos projetos de lei do governo é a possibilidade de controle do ritmo de produção e comercialização do petróleo fabricado no País. Pela lei atual, o concessionário da área de exploração pode vender o petróleo do pré-sal no exterior, diretamente.

O pior aspecto dos projetos encaminhados pelo governo ao Congresso é a ambiguidade. Isto porque a Petrobras pode ser: (a) a comercializadora do petróleo; (b) a contratada para fazer a exploração prévia das áreas a serem licitadas; e (c) responsável pela exploração e produção sem licitação. Mas quem decidirá se ela efetivamente fará tudo isso? O palácio decidirá. Uma empresa nova, a Petro-Sal, com direção apontada pelo ministro de Minas e Energia, indicará os gestores dos novos contratos.

No setor de energia elétrica descobri, depois de um tempo, um sistema de

contratos perfeitamente

válidos, mas “imorais”, segundo

a qualificação de muitos, que levaram cerca de 10 bilhões

de dólares das estatais e dos programas do governo para os cofres

de um punhado de grandes empresas.Em 2008 e 2007 as receitas da Petrobras,

foram de R$ 315 bilhões e R$ 246 bilhões. Abatidos os insumos adquiridos de terceiros, as depreciações e amortizações, o valor adicionado líquido gerado pelas operações foi de R$ 141 bilhões e R$ 127 bilhões assim distribuídos, em 2008 e 2007, entre os stakeholders da Petrobras, respectivamente: a) pessoal: R$ 14,5 bilhões e R$ 14,2 bilhões; b) bancos (juros e aluguéis): R$ 11 bilhões e R$ 16 bilhões; c) acionistas (lucros e dividendos): R$ 30,1 bilhões e R$ 23,3 bilhões. Mais de 60% do valor adicionado das operações foi destinado à União, estados e municípios, sob a forma de impostos, taxas, contribuições, royalties, participações especiais e

outras: R$ 85

bilhões em 2008 e R$ 74 bilhões em 2007.Portanto, mesmo no superado

modelo atual de concessão, a maior parte do excedente econômico já vai para os governos. Mas sem foco estrutural

e estratégico quanto à destinação final. Não vai para os acionistas e,

embora esta questão deva ser revista, mediante o aumento da participação do governo na Petrobras, ela não é central.

O caminho mais correto para o país, que mais atenderia aos

interesses nacionais, seria, primeiro, contratar a Petrobras para que ela

conclua a exploração, isto é, a definição do volume de petróleo, onde ele está e quanto é. Há um modelo geológico feito que não foi testado até o fim. Assim, um conjunto de perguntas sobre o pré-sal ainda precisa ser respondido e algumas decisões urgentes serem tomadas. O petróleo do pré-sal é uma jazida gigante única ou um arquipélago de grandes poços? Sem esse conhecimento, o risco de conflito aumenta. Um concessionário pode sugar o petróleo de outro e mesmo degradar a operação otimizada dos reservatórios. Dependendo do volume de petróleo, podemos fazer um plano nacional de desenvolvimento econômico social e ambiental; definir quanto vai ser investido na alteração da matriz energética no investimento de fontes renováveis de energia, de maneira econômica.

O segundo passo seria definir as prioridades nacionais em investimentos de saúde, educação, no desenvolvimento científico e tecnológico, infra-estrutura, etc. O Estado deveria recuperar sua capacidade de planejamento, de estabelecer que país nós queremos para as próximas décadas, ver quanto custa isso e depois determinar o ritmo de produção de petróleo somente para financiar essas coisas. O restante poderia ficar embaixo da terra, porque há uma tendência de que ele se valorize mais ficando lá do que o convertendo em dinheiro.

Mas o que estamos vendo é um processo – que exclui a população – de aceleração da definição de um modelo que permita ao governo, ainda no ano que vem, no meio do tumulto eleitoral, leiloar alguns blocos que provavelmente vão atender às demandas de grupos econômicos internacionais, que, por sua vez, têm vínculos diretos no processo eleitoral.

O pré-sal poderá, conforme estimativas divulgadas, produzir um excedente econômico anual superior a 250 bilhões de dólares, disponível para financiar o desenvolvimento da economia, a distribuição de renda e a construção nacional, além de dar condições do país criar um novo paradigma mundial na área ambiental, uma transição energética para fontes renováveis, sustentáveis para qual o Brasil também tenha hegemonia. O povo deveria ser chamado a decidir, em plebiscito, ainda em 2010, as duas questões fundamentais: a) a retomada do monopólio estatal sobre o petróleo e a sua produção apenas para financiar um novo projeto de desenvolvimento econômico e social; b) a re-estatização da Petrobras e delegação a ela para executar o monopólio.

PRÉ-SAL

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POR jOSé CORREA LEITE

Com a aproximação da Conferência de Copenhague, de 8 a 18 de dezembro – que negociará o novo Protocolo sobre Mudanças Climáticas (pós-Kyoto, para após 2012) – a crise climática se torna, ao lado da gestão da crise econômica, o tema mais espinhoso, candente e duradouro da agenda mundial.

Economistas marxistas insistem que as duas crises têm a mesma raiz: a forma que adquiriu o capitalismo globalizado e financeirizado. Seu modelo de civilização consumista e predador necessita de uma infinita expansão da acumulação e apóia-se cada vez mais no capital financeiro e suas “bolhas”, gerando não só crises econômicas, mas também uma pressão crescente sobre a biosfera planetária e os recursos naturais.

Sob os auspícios do governo Obama, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou uma nova política energética para o país, com ações de promoção da energia limpa, programas voltados à eficiência energética e a criação de mecanismos de transição para uma desejada “economia de energia limpa”.

A política cria fortes subsídios a setores da economia local para que se adaptem a este cenário e define tarifas sobre as importações de outros países que tenham regras ambientais menos rígidas.

Se as metas propostas nos EUA – os tímidos 17% de cortes de emissão em 2020 – são completamente insatisfatórias para conter o aquecimento global, a nova lei já provoca um frenesi no mundo empresarial. A possibilidade de o principal mercado importador do mundo criar uma taxa sobre mercadorias provenientes de nações que não tiverem uma clara política de corte de emissões já assusta muitos setores do capital.

Se não é possível negociar um acordo climático global efetivo sem que isso envolva também barreiras à exportação dos poluidores, isso significa uma revisão geral dos acordos sobre livre comércio. E aí está a grande dificuldade de Copenhague. Os governos de todas as potências terão que formular suas propostas, definir quem vai pagar o que da conta. E se o governo Lula entrou no jogo com desenvoltura (metas de até 39%), é porque os grandes traders brasileiros precisarão que seus produtos

não venham a ser sobretaxados no mercado norte-americano.

Os compromissos de Copenhague afetarão o conjunto da economia brasileira. Mas como o governo Lula e a burguesia brasileira não têm qualquer sensibilidade ou veleidade ambiental, o debate chegou ao Brasil não pela discussão responsável da contribuição que o país precisa dar ao combate ao aquecimento global, mas pela pressão internacional (e as ambições de Lula neste terreno) e pelo anúncio da candidatura de Marina Silva à Presidência da República – o que forçou que a questão ambiental entrasse na agenda de Serra e Dilma/Lula.

A crise ambiental é anunciada há décadas, mas apenas nos últimos anos os cientistas atingiram um relativo consenso em torno das idéias de que o processo de mudança climática tem origem humana, está se acelerando e trará, rapidamente, conseqüências desastrosas. Isso não significa que um acordo seja atingido em Copenhague, mas que é impossível não discuti-lo. E todos tentarão pagar o menor preço possível pelos grandes ajustes necessários.

M E I O A M B I E N T E

Belo Monte: recuar antes que seja tardePOR jOSé NERy AZEVEDO, SENADOR PSOL/PA

No dia 22 de junho, no Palácio do Planalto, o Presidente Lula recebeu uma comissão representativa dos movimentos sociais contrários à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Segundo relatos dos participantes, entre os quais o bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Dom Erwin Kräutler, o Presidente assumiu o compromisso de realizar um amplo debate sobre essa polêmica obra, que “não seria enfiada goela abaixo”.

Passados apenas quatro meses da promessa presidencial, é justamente isso que está acontecendo, sob o olhar indignado de amplos setores do povo paraense e de boa parte da comunidade científica nacional. O governo federal deslanchou, de forma açodada e autoritária, o processo de licenciamento ambiental do projeto, realizando no mês de setembro simulacros de audiências públicas. De forma frenética, impõe um cronograma que deve, nos próximos dias, resultar na concessão pelo IBAMA da licença prévia a fim de viabilizar a realização do bilionário leilão ainda em 2009.

Por várias vezes ocupei a tribuna do Senado para denunciar a farsa das audiências públicas e me contrapor à construção da hidrelétrica. Fiz coro à corajosa postura dos

procuradores do Ministério Público Federal no Pará, que têm interposto diversas medidas visando à imediata suspensão deste atropelado e antidemocrático processo.

As audiências, em número de apenas quatro, não serviram, de fato, para ouvir o clamor das populações que serão duramente atingidas pelo projeto. Foram espaços marcados pela

falta de transparência e, ainda por cima, ostensivamente controlados por tropas da Força Nacional de Segurança, em aberto constrangimento aos que pretendiam criticar, de viva voz, as muitas falhas e omissões constantes nos 35 volumes, com mais de 2 mil páginas, do processo de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), produzido pelo consórcio de grandes empreiteiras e chancelado pelo IBAMA, sob evidente pressão da Presidência da República.

Não se trata de uma rejeição ideológica e apriorística ao aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu. Trata-se, isto sim, de clamar para que não se repita, em escala ampliada, o desastre socioambiental da Usina de Balbina, no Amazonas, de tão triste e lamentável memória.

O projeto de Belo Monte compreende três grandes barragens de concreto, vários canais concretados, de 12 km e 500 metros de largura, cinco represas nas terras firmes, com 28 diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, o que resultará numa movimentação de terra da ordem de 200 milhões de metros cúbicos. O volume é semelhante às escavações realizadas no princípio do século passado na construção do Canal do Panamá. Para criar uma potência

instalada de 11200 MW e uma energia firme de cerca de 4.400 MW, o governo pretende gastar algo entre R$ 11 e 30 bilhões, pois não há sequer acordo sobre o custo total da obra.

Entretanto, o custo maior será social e ambiental. Belo Monte pretende ser construída ao preço da destruição de um extraordinário monumento da biodiversidade – a Volta Grande do Xingu – um dos locais mais maravilhosos do país, com seus 100 quilômetros de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas milenarmente e outras riquezas arqueológicas.

O impacto humano será sem precedentes e atingirá uma área superior a 1000 Km2. Mais de 20 mil pessoas sofrerão deslocamento forçado – ribeirinhos, em sua grande maioria; populações indígenas de diversas etnias serão afetadas fortemente, e o caos social se instalará causado pela imigração de mais de 100 mil pessoas, atraídas, como sempre, pela enganosa promessa de emprego e renda.

Além disso, é enorme a chance de que várias espécies – sobretudo de peixes e da fauna aquática – sejam extintas, em meio a uma catástrofe marcada ainda pela insegurança hídrica e alimentar, além da emissão de gases de efeito estufa em enormes quantidades.

Cabe perguntar: para beneficiar quem Belo Monte pretende ser construída? Já está claro que não haverá a anunciada interligação com os grandes mercados consumidores do Sudeste. As linhas de transmissão seriam onerosas em excesso. Então, a energia produzida a esse custo tão elevado seria destinada, quase que unicamente, às indústrias eletro intensivas do alumínio. Notadamente, o complexo Albrás-Alunorte (Vale), em Barcarena, no Pará, e a Usina da Alcoa, no Maranhão. Juntas, estas empresas já respondem hoje pelo consumo de 3%

de toda a energia produzida no Brasil. Um escândalo sem precedentes, que desmoraliza o discurso de que Belo Monte se justifica para impedir a repetição de um hipotético novo “apagão elétrico”.

Um dado a mais, somente para desmistificar o discurso que justifica a obra sob a alegação de que seriam criados milhares de empregos. De fato, no período das obras civis, que se estenderão por alguns poucos anos, milhares de postos de trabalho mal remunerados, especialmente na construção civil, servirão para atrair uma legião de incontáveis trabalhadores, com pouca ou nenhuma qualificação. Depois de construída, a usina deverá empregar algo como 700 empregados. Isso mesmo: R$ 30 bilhões para criar apenas e tão somente 700 empregos permanentes!

E não se alegue que na indústria do alumínio os prometidos empregos serão gerados, justificando as perdas e danos. Este setor eletro intensivo emprega apenas 2,7 pessoas para cada GWh de energia consumida, um saldo indecente que perde apenas para as usinas de ferro-liga, que geram apenas 1,1 empregos por GWh. Como se sabe, esse ramo de commodity de exportação gera muitos empregos, sim. Mas no exterior, principalmente na China, enquanto a tragédia socioambiental continua sendo imposta aos habitantes de nosso país.

É preciso que se diga, com a consciência da extrema gravidade do momento que vivemos, que nem tudo está perdido. Ainda há tempo para que o governo Lula tenha a sensatez de mandar sustar esse processo, abrindo um efetivo, urgente e indispensável debate com a sociedade brasileira. Ainda há tempo, antes que se consolide, de maneira irremediável, um dos maiores crimes contra os povos da Amazônia e contra o futuro de todo o povo brasileiro.

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O que está em jogo em Copenhague?

E se o governo Lula entrou no jogo com desenvoltura

(metas de até 39%), é porque os grandes traders brasileiros precisarão que seus produtos não venham

a ser sobretaxados no mercado norte-americano