Dez idéias (mal) feitas sobre educação inclusiva

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    in: (2006) David Rodrigues (org.) Incluso e Educao: doze olhares sobre a Educao Inclusiva, S. Paulo. Summus Editorial.

    Dez ideias (mal) feitas sobre a Educao Inclusiva

    David Rodrigues

    A normalidade causou-me sempre um grande pavor, exactamente porque

    destruidora.

    Miguel Torga, Dirio IV, 1948, pp.128.

    Introduo:

    Neste incio do sculo XXI parece que nunca a desigualdade entre os homens foi to grande e

    no encontramos soluo plausvel nem previsvel para injustias e conflitos que proliferam e

    preenchem o nosso quotidiano de informao. Tal como aponta Wallerstein no seu livro

    Historical Capitalism (1983) parece haver agravamentos sensveis dos conflitos medida que

    nos aproximamos do tempo presente e cada sculo fez mais vitimas devido a guerras que o

    sculo anterior.

    No que respeita justia social a questo igualmente difcil: o fosso entre ricos e pobres

    continua a aumentar escala nacional e internacional, os pases ricos comeam a muralhar-se

    contra a previsvel entrada de estrangeiros (mais pobres) nas suas fronteiras, as periferias das

    grandes cidades so pungentes exemplos de excluso. As instituies sociais defrontam-se com

    novas questes de excluso social ao nvel da cidadania, do trabalho, da educao, do territrio e

    da identidade. (Stoer, Magalhes e Rodrigues, 2004)

    neste terreno controverso, desigual e crescentemente complexo que a Incluso (seja social ou

    educativa) procura prevalecer. Neste aspecto, poder-se-ia dizer que quanto mais a excluso

    social efectivamente cresce, mais se fala em Incluso. O termo Incluso tem sido to

    intensamente usado que se banalizou de forma que encontramos o seu uso indiscriminado no

    discurso poltico nacional e sectorial, nos programas de lazer, de sade, de educao etc.

    Recentemente at o sistema bancrio tem vindo a usar o termo: no Brasil uma instituio

    bancria lanou uma campanha sobre um sistema bancrio inclusivo que busca captar contas

    de clientes iletrados.

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    No se sabe bem o que todos estes discursos querem dizer com Incluso e legtimo pensar que

    muitos significados se ocultam por detrs de uma palavra-chave que todos usam e se tornou

    aparentemente to bvia que parece no admitir qualquer polissemia. No discurso dos media e

    do quotidiano, o conceito de Incluso est relacionado antes de mais com no ser excludo isto

    com a capacidade de pertencer ou de se relacionar com uma comunidade. Claro que existe uma

    normalizao implcita neste conceito: o conceito da comunidade onde a pessoa se deve integrar

    o de uma comunidade benigna, positiva, diversa e prspera. No se espera que se possa

    considerar includa uma pessoa que pertence e comunica com uma comunidade fundamentalista

    religiosa ou com uma comunidade que faz do seu modo de vida a venda e trfico de

    estupefacientes. H assim um implcito politicamente correcto quando se fala de Incluso.

    Sabemos, no entanto, que no assim. As comunidades, as famlias so elas prprias estruturas

    complexas e que no devem ser abordadas de forma normalizada. Pensar de imediato em

    comunidades receptivas ou em famlias com uma estrutura tradicional muitas vezes um mau

    princpio para dinamizar um processo de incluso.

    Podemo-nos perguntar: Que ento estar includo? Como se articula a necessidade imperiosa de

    ter uma identidade numa comunidade restrita de pertena com a incluso em grupos mais latos?

    Como se relaciona a Incluso com a mobilidade da pessoa em diferentes grupos e contextos

    sociais? De que forma estar fortemente integrado num determinado contexto identitrio pode ser

    impeditivo da pessoa participar ou se relacionar com outros contextos? A Incluso necessria?

    E essencial? Para quem?

    E a Incluso na Educao?

    O conceito de Incluso no mbito especfico da Educao, implica, antes de mais, rejeitar, por

    princpio, a excluso (presencial ou acadmica) de qualquer aluno da comunidade escolar. Para

    isso, a escola que pretende seguir uma poltica de Educao Inclusiva (EI) desenvolve polticas,

    culturas e prticas que valorizam o contributo activo de cada aluno para a construo de um

    conhecimento construdo e partilhado e desta forma atingir a qualidade acadmica e scio

    cultural sem discriminao.

    Os sistemas educativos de numerosos pases mundiais tm na ltima dcada usado o termo

    Incluso nos seus textos legais de Educao (como o tinham usado antes relacionado com as

    estruturas sociais). O que estes sistemas entendem por Incluso sero talvez coisas diferentes.

    Recentemente Wilson (2000) analisando documentos sobre a incluso em particular provenientes

    do Center for Studies on Inclusive Education, indicou que o que se entende por uma Escola

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    Inclusiva pressupe uma escola centrada na comunidade, livre de barreiras (desde as

    arquitectnicas s curriculares), promotora de colaborao e de equidade.

    Por outro lado, Hegarty (2003) ao confrontar os objectivos ambiciosos da EI defende que o

    debate incluso/segregao tem recebido um interesse excessivo e que sobretudo necessrio

    investir uma verdadeira Educao para Todos.

    A EI tornou-se assim um campo polmico por vrias razes. Uma das principais sem dvida a

    contradio entre a letra da legislao e a prtica das escolas. O discurso da incluso ou a

    ideologia da Incluso (Correia, 2003) no tem frequentemente uma expresso emprica e por

    vezes fala-se mais da EI como um mero programa poltico ou como uma quimera inatingvel do

    que como uma possibilidade concreta de opo numa escola regular. Tanto a legislao como o

    discurso dos professores se tornaram rapidamente inclusivos enquanto as prticas na escola s

    muito discretamente tendem a ser mais inclusivas. Recentemente afirmamos que preciso no

    invocar o nome da Incluso em vo tentando mapear esta distncia entre os discursos e as

    prticas.

    A investigao e a realizao de projectos sobre EI permitem delinear algumas das bases sobre

    as quais se podem construir projectos credveis.

    a luz desta investigao e da produo emprica de conhecimento sobre a EI que vamos

    seguidamente analisar algumas ideias comuns (a que chamamos ideias feitas) disseminadas

    entre os professores e entre as comunidades educativas em geral. Estas afirmaes podem ser

    organizadas, na nossa opinio, em cinco grupos conforme a sua temtica: valores, formao de

    professores, recursos, currculo e gesto da sala de aula.

    1. Valores

    A Incluso a evoluo natural do sistema integrativo

    Muito se tem escrito sobre as diferenas entre Integrao e Incluso (Correia, 2001,

    Rodrigues 2001, 2003). Afigura-se consensual que a integrao pressupe um participao

    tutelada numa estrutura com valores prprios e aos quais o aluno integrado se tem que

    adaptar. Diferentemente, a EI pressupe uma participao plena numa estrutura em que os

    valores e prticas so delineados tendo em conta todas as caractersticas, interesses,

    objectivos e direitos de todos os participantes no acto educativo.

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    Pelo facto de o movimento inclusivo se ter desenvolvido aps o movimento integrativo e

    usando frequentemente os mesmos agentes e recursos, diz-se que a Incluso uma evoluo

    ou mesmo um novo nome da Integrao. A Integrao ou como agora se diz a Incluso

    uma frase comummente ouvida.

    A Incluso no , a nosso ver, uma evoluo da Integrao. Isto por trs razes principais:

    Em primeiro lugar a Integrao deixou intocveis os valores menos inclusivos da escola. No

    foi por causa da Integrao que o insucesso ou o abandono escolares diminuram ou que

    novos modelos de gesto da sala de aula surgiram. A Integrao criou frequentemente uma

    escola especial paralela escola regular em que os alunos que tinham a categoria de

    deficientes tinham condies especiais de frequncia: aulas suplementares, apoio

    educativo, possibilidade de estender o plano escolar de um ano em vrios, condies

    especiais de avaliao, etc.

    Em segundo lugar, a escola Integrativa separava os alunos em dois tipos: os normais e os

    deficientes. Para os alunos normais era mantida a sua lgica curricular, os mesmos

    valores e prticas; para os deficientes seleccionava condies especiais de apoio ainda que

    os aspectos centrais do currculo continuassem inalterados. A escola Integrativa via a

    diferena s quando ela assumia o carcter de uma deficincia e neste aspecto encontrava-se

    bem longe de uma concepo inclusiva

    Em terceiro lugar, o papel do aluno deficiente na escola integrativa foi sempre

    condicionado. Era implcito ao processo que o aluno s se poderia manter na escola enquanto

    o seu comportamento e aproveitamento fossem adequados. Caso contrrio poderia sempre

    ser devolvido escola especial. Assim o aluno com dificuldades no era um membro de

    pleno direito da escola mas to s uma benesse que a escola condicionalmente lhe outorgava.

    Assim, quando se fala de escola Integrativa trata-se de uma escola que em tudo semelhante a

    uma escola tradicional em que os alunos com deficincia (os alunos com outros tipos de

    dificuldades eram ignorados) recebiam um tratamento especial. A perspectiva da EI sim

    bem oposta da escola tradicional e integrativa ao promover uma escola de sucesso para

    todos ao encarar os alunos como todos diferentes e necessitados de uma pedagogia

    diferenciada (Perrenoud, 1996) e cumprindo o direito plena participao de todos os alunos

    na escola regular.

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    A Educao Inclusiva para alunos diferentes

    A noo de diferena tem baseado muito do discurso moderno sobre a diferenciao

    pedaggica . Perrenoud (1996) fala mesmo dos alunos com pequenas e grandes

    diferenas. Apesar do termo alunos diferentesser abundantemente usado, isso no significa

    que ele tenha um entendimento claro. Frequentemente o termo diferente usado como um

    alter nomine de deficiente (sinalizao de um qualquer problema num aluno). Tal como

    no perodo integrativo existiam os deficientes e os normais encontramos agora os

    diferentes e os normais. Mas o que afinal ser diferente? E diferente de qu?

    conhecida a dificuldade de traar uma fronteira clara entre a deficincia e a normalidade.

    Em casos de pessoas com deficincia intelectual muito difcil diferenciar uma pessoa com

    deficincia intelectual com um alto funcionamento de uma outra sem deficincia intelectual

    com um baixo funcionamento cognitivo. O que parece obvio que as capacidades humanas

    (sejam cognitivas, afectivas, motoras ou outras) se distribuem num continuum no qual so

    apostas fronteiras e critrios que so socialmente determinados. Um exemplo do carcter

    aleatrio destas fronteiras a variedade de classificaes da deficincia intelectual nos

    diversos estados dos Estados Unidos que pode levar que o mesmo indivduo seja considerado

    como tendo deficincia num estado e sem deficincia num estado vizinho. Ser diferente

    assim, na acepo comum viver numa sociedade que cujos valores consideraram

    determinadas caractersticas da pessoa como merecedoras de serem classificadas como

    deficincia ou dificuldade.

    Mas o certo que a diferena no estruturalmente dicotmica isto no existe um critrio

    generalizado e objectivo que permita classificar algum como diferente. A diferena antes

    de mais uma construo social historicamente e culturalmente situada. Por outro lado,

    classificar algum como diferente parte do principio que o classificador considera existir

    outra categoria que a de normal na que ele naturalmente se insere.

    Quando dizemos que a EI se dirige aos alunos diferentes, acabamos por encarar todas estas

    questes. Sabemos que no so s diferentes os alunos com uma condio de deficincia:

    muitos outros alunos sem condio de deficincia identificada no aprendem se no tiverem

    uma ateno particular ao seu processo de aprendizagem. Heward (2003) afirma que o facto

    dos alunos serem todos diferentes no implica que cada um tenha que aprender segundo uma

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    metodologia diferente; isto levar-nos-ia a uma escola impossvel de funcionar nas condies

    actuais. Significa, no entanto, que se no proporcionarmos abordagens diferentes ao processo

    de aprendizagem estamos a criar desigualdade para muitos alunos.

    O certo que no s os alunos so diferentes mas os professores so tambm diferentes e ser

    diferente uma caracterstica humana e comum e no um atributo (negativo) de alguns. A EI

    dirige-se assim aos diferentes isto a todos os alunos. E ministrada por diferentes

    isto todos os professores.

    2. Formao de Professores

    A formao para a EI durante o perodo da formao inicial

    Em muitos pases a comearam a ser integrados no currculo de formao inicial de

    professores e educadores disciplinas respeitantes s Necessidades Educativas Especiais ou

    designaes afins. Esta inovao (recordo a ttulo de exemplo a prtica em Portugal onde

    esta formao obrigatria por lei desde 1987) sem dvida importante por poder vir a

    familiarizar o futuro professor com o conhecimento de situaes provveis que, face

    crescente incluso de alunos com NEE nas escolas regulares, ele poder vir a enfrentar. Se

    esta formao j to frequente porque continuamos a escutar queixas de professores sobre a

    sua falta de formao para atender alunos com dificuldades nas suas aulas?

    Levantam-se duas questes neste mbito:

    Uma ligada s caractersticas complexas da profisso de professor. Um professor no um

    tcnico (no sentido de aplicar tcnicas relativamente normalizadas e previamente conhecidas)

    nem um funcionrio (isto , uma pessoa que executa funes enquadrado por uma cadeia

    hierrquica perfeitamente definida). A profisso de professor exige uma grande versatilidade

    dado que se lhe pede que aja com uma grande autonomia e seja capaz de delinear e

    desenvolver planos de interveno em condies muito diferentes. Para desenvolver esta

    competncia to criativa e complexa no basta uma formao acadmica; necessria

    tambm uma formao profissional (Campos, 2002).

    No podemos esquecer quais foram os interesses que esse conhecimento serviu: o

    conhecimento antropolgico da organizao e forma de viver das tribos africanas serviu para

    informar a desgraada partilha de Africa entre as potencias coloniais, cujos efeitos perversos

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    que ainda hoje se fazem sentir. O conhecimento da diferena no sempre positivo;

    podemos conhecer para melhor segregar.

    Regressando ao domnio da Educao constatamos que, se a nfase na formao de

    professores for dada na diferena e nos casos mais profundos, acabamos por proporcionar

    (ainda que com boas intenes) um argumento para que o jovem professor avalie a sua

    futura tarefa como quase inultrapassvel e at a rejeitar a incluso de alunos com

    dificuldades devido exactamente ao conhecimento que tem das reais dificuldades que esses

    alunos tm.

    Pensamos que a formao deve ser feita em termos das deficincias mais ligeiras (a

    esmagadora maioria dos casos que surgem nas escolas regulares) e que todo o conhecimento

    da diferena seja integrado numa compreenso da diversidade humana que vai das altas

    habilidades at deficincia e dando a noo que os casos muito difceis so uma minoria e

    que na grande maioria as dificuldades so discretas e leves.

    Assim, conhecer as diferenas sim mas para promover a incluso e no para justificar a

    segregao. Conhecer as diferenas mais comuns que so certamente as mais numerosas.

    Enfim no dar a conhecer a diferena como se se tratasse de uma situao mdica mas fazer

    acompanhar cada caracterizao de indicaes pedaggicas que contribuam para que o futuro

    professor possua um esboo de entendimento que lhe permita iniciar o seu processo de

    pesquisa.

    3. Recursos

    Os recursos so secundrios. O importante a atitude da escola e do professor

    Como Wilson (op.cit.) faz notar, a EI encontra-se impregnada de valores ticos e de morais.

    Correia (2000), na mesma linha, refere-se ideologia da Incluso querendo realar a forte

    carga ideolgica que atribuda aos projectos de EI. Ao examinarmos mais de perto as suas

    premissas, verificamos que existe uma energia bondosa na EI que poderia ser sintetizada

    na frase: Queremos que todas as crianas sejam educadas juntas, sem discriminao numa

    escola livre de barreiras e ligada comunidade. Perante um idealismo que associa a incluso

    aos direitos humanos e justia social compreensvel que a fora fundamental da promoo

    de um tal programa repouse nas atitudes, na vontade e na tica dos professores. Para muitos

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    professores atitude o aspecto fundamental para que a EI se possa desenvolver. Se hiper

    valorizarmos as atitudes, outros factores, como por exemplo os recursos, podem ser menos

    valorizadas. Relatamos num artigo anterior (Rodrigues 2003) a opinio de um consultor de

    uma organizao educativa internacional que me dizia que tinha visto em Africa verdadeira

    incluso: escolas comunitrias sem quaisquer meios, com classes muito numerosas mas onde

    todas as crianas da comunidade comungavam do mesmo espao mesmo que fosse debaixo

    de uma rvore. Era o exemplo da subalternizao dos recursos.

    A questo a incluso, tal como a entendemos em sociedades modernas pode ser promovida

    em escolas e sistemas educativos desprovidos de recursos? Na nossa opinio no. A Incluso

    tem de constituir uma resposta de qualidade para poder, por exemplo, constituir uma

    alternativa sria s escolas especiais. Uma escola inclusiva que atenda por exemplo alunos

    com deficincia mental tem que ser capaz de proporcionar, pelo menos, o mesmo tipo de

    servios da escola especial. Se no, porque iro os pais preferir a incluso, se isso pode ter

    um efeito devastador na sua qualidade de vida? Promover a Incluso criar servios de

    qualidade e no democratizar para todos as carncias. Por isso no pensamos que seja

    defensvel um sistema de EI que repouse inteiramente nas atitudes mais ou menos idealistas

    e ticas do professor. Sem mais recursos a chegar escola ser muito difcil que a escola seja

    capaz de aumentar o seu leque de respostas. As escolas funcionam em regra muito perto do

    seu limite mximo de resposta mesmo quando no adoptam modelos inclusivos. Se vamos

    pedir s escolas para diversificar a sua resposta e para criarem servios adaptados a

    populaes que antes nunca l estiveram essencial que mais recursos humanos e materiais

    devam ser adstritos escola. A EI pressupe uma escola com uma forte confiana e

    convico que possui os recursos necessrios para fazer face aos problemas.

    A EI um sistema barato para educar todos os estudantes

    Um determinado sub sistema educativo tomou a deciso de encerrar as escolas especiais da

    regio e enviar os alunos que antes frequentavam esta escola para a escola regular. Esta

    deciso foi muito aplaudida: poupou recursos porque a escola especial absorvia uma fatia

    importante do oramento da regio, permitiu que alguns professores que estavam colocados

    na escola especial pudessem regressar ao sistema regular de ensino (um factor adicional de

    poupana) e ainda proporcionou uma imagem de incluso. Esta deciso deu, em suma,

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    uma aura de modernidade porque, pelo menos aparentemente, deu passos significativos em

    direco moderna EI.

    Esta situao, aqui relatada como ficcional, muito comum. Sem dvida que o facto de

    situar o esforo educativo de todas as crianas de uma dada comunidade num dado espao

    fsico e pedaggico parece poder apresentar vantagens ao nvel econmico. Num estudo que

    estamos em vias de completar em que so comparados dois modelos de atendimento, um de

    incluso e outro de escola especial, constatamos que as verbas dispendidas pelo modelo

    inclusivo so significativamente inferiores aos dispendidos pela escola especial. Apesar de

    este poder ser um dos resultados colaterais da incluso, ela no deve ser pensada nestes

    termos. A escola regular se quiser ser capaz de responder com competncia e com rigor

    diversidade de todos os seus alunos necessita de recrutar pessoal mais especializado

    (terapeutas, psiclogos, trabalhadores sociais, etc.) e necessita de dispor de equipamentos e

    recursos materiais mais diferenciados. Enfim, necessita ser uma organizao diferenciada de

    aprendizagem que oferea a garantia s famlias e encarregados de educao que os mesmos

    servios que eram proporcionados pela escola especial podem continuar a estar disponveis.

    S desta forma a escola regular se torna verdadeiramente concorrente e uma alternativa

    escola especial porque alm de proporcionar um elenco de recursos humanos semelhante e

    um conjunto de recursos materiais equivalente, d acesso a uma experincia de educao

    integrada com jovens sem deficincia e em ambientes mais ricos e diversificados.

    Talvez a EI seja um sistema mais barato mas no por a que as opes devem ser feitas.

    Encerrar escolas especiais no pode significar lanar jovens com necessidades especiais

    para uma escola regular que foi criada e desenvolvida na perspectiva da ignorncia da

    diferena. Neste aspecto a EI no uma educao em saldo pelo contrrio, um sistema

    exigente, qualificado, profissional e competente. Estas caractersticas fazem da EI um

    sistema caro. Mas se a EI cara, melhor no querermos saber o preo da excluso

    4. Currculo

    A diferenciao do currculo tarefa do professor

    A proposta pedaggica da EI passa claramente pela oferta de oportunidades de aprendizagem

    diversificadas para os alunos. Se a diferena comum a todos e assumimos a classe como

    heterognea importante responder a essa heterogeneidade em termos de estratgias de

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    ensino e aprendizagem. Por outro lado, sabemos que o processo de aprendizagem no uma

    simples transmisso de informao mas antes uma transio entre diferentes paradigmas de

    conhecimento. Podemos assim dizer que uma escola que no diferencia o seu currculo no

    usa modelos inclusivos e forosamente no promove a igualdade de oportunidades entre os

    seus alunos. Cabe aqui notar que a diferenciao a que nos referimos no mbito de uma

    escola comum a todos os alunos e no a perspectiva histrica de diferenciao curricular que,

    como nota Roldo (2003), era uma forma de sancionar a estratificao social atravs do

    currculo escolar.

    Quando se aborda a necessidade da diferenciao curricular comum atribuir essa

    responsabilidade ao professor. Os professores inclusivos fazem-na e os professores

    tradicionais mantm-se em modelos no diferenciados. Mas ser que uma responsabilidade

    to decisiva pode ser exclusivamente atribuda a um professor individual? Parece-nos que

    no por duas razes:

    Em primeiro lugar a escola uma estrutura com uma inrcia organizacional de dimenso

    considervel. Comecemos pela realidade classe. Os alunos so agrupados aleatoriamente

    em grupos (turmas ou classes) que permanecem estveis ao longo de vrios anos. Este

    agrupamento classe se no for desmembrado em funo das actividades, do nvel dos

    alunos, dos projectos, etc. torna-se um constrangimento e uma limitao dado que um

    grupo artificial e aleatrio de aprendizagem. Por vezes, o maior ou menor sucesso dos alunos

    na escola depende deste mecanismo puramente aleatrio: se estivesse numa outra classe o

    sucesso do aluno poderia ser completamente diferente. Por outro lado, horrios, espaos,

    equipamentos, materiais, etc. representam importantes constrangimentos para realizar uma

    diferenciao curricular e que no so possveis de remover por uma vontade solitria.

    Em segundo lugar a diferenciao do currculo uma tarefa da escola no seu todo. a

    coeso do colectivo escola que pode incentivar a confiana para desenvolver projectos

    inovadores e que permite ao professor assumir riscos. indubitvel que a dinmica da EI

    repousa muito sobre a iniciativa, os valores e a prticas de inovao do professor; mas no

    parece correcto afirmar que pela sua nica vontade que a diferenciao do currculo se pode

    realizar. Ben-Peretz (2001) afirma que a tarefa do professor num mundo em mudana

    praticamente impossvel devido s dimenses dos desafios que lhe so colocados: o trabalho

    multidisciplinar, a globalizao a profissionalidade, etc. A misso impossvel do professor

    antes de mais impossvel se ele estiver sozinho. A diferenciao do currculo uma tarefa

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    do colectivo da escola e engloba mais do que a gesto da sala de aula: implica uma abertura

    para uma nova organizao do modelo de escola.

    A EI valoriza o currculo social

    Historicamente os alunos com necessidades educativas especiais que frequentavam escolas

    especiais tinham um currculo essencialmente baseado nas suas reas de dificuldade no que

    poderamos designar por um currculo teraputico ou habilitativo. Esta concentrao no

    modelo do dfice originou uma concepo restrita e estreita do currculo e tem sido

    apontada como responsvel por privar os alunos de oportunidades de aprendizagem que os

    poderiam capacitar assumir uma maior autonomia. A excessiva centrao nas capacidades

    em dfice retirou o enfoque s reas que poderiam ter sido mais trabalhadas para a

    autonomia.

    A EI incentivou a adopo de outros modelos curriculares menos centrados no dfice e que

    proporcionassem uma abordagem mais flexvel e que pudesse abranger todos os alunos

    (Costa e Rodrigues, 1999). Este modelo curricular alargado, com enfoque na incluso social,

    na interaco entre os alunos e no desenvolvimento da autonomia, (que por vezes

    designado por modelo guarda-chuva) tem sido desenvolvido no esprito da incluso e tem

    recolhido aprovao de pais e professores.

    Estes dois modelos tm sido apresentados como opostos quando, na nossa opinio, no o so.

    Parece indubitvel que necessrio planear e desenvolver tipos de interveno especficos

    face a problemas concretos de aprendizagem. Foram desenvolvidas ao longo de muitos anos

    estratgias e metodologias de interveno destinadas a problemas especficos de

    aprendizagem que seria insensato pura e simplesmente deitar fora em nome da Incluso.

    Metodologias como a anlise de tarefas, a modificao cognitiva do comportamento, a

    modificao do comportamento, os diversos mtodos de reeducao da leitura, etc. so

    instrumentos fundamentais para que o aluno com determinados tipos de necessidades possa

    encontrar respostas pedaggicas adequadas.

    Assim, ainda que o desenvolvimento de projectos de EI tenha dado realce a um currculo

    mais social, temos que ter presente que no podemos desperdiar o conhecimento que se

    veio a acumular e que est constantemente a ser produzido e que nos informa sobre

    intervenes mais especializadas e que podem em muitos casos permitir a aprendizagem.

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    Estas duas componentes curriculares devem ser consideradas de modo a que no s a

    interaco com os outros e o desenvolvimento de competncias sociais seja realizado mas

    tambm que o conhecimento que dispomos sobre a aprendizagem em certos tipos de

    dificuldades seja usado a favor de um processos de aprendizagem bem sucedido.

    5. Gesto da sala de aula

    No possvel desenvolver prticas inclusivas em classes com 25 ou mais estudantes

    O nmero de alunos por turma recorrentemente enunciado como um obstculo ao

    desenvolvimento de prticas inclusivas. Se a regra levarmos em conta a diferena do aluno

    e adaptarmos o ensino as possibilidades, modalidades e ritmos de cada um, ento como ser

    possvel que um nico professor desenvolva este trabalho para, por exemplo, 25 alunos?

    Posto desta maneira parece uma barreira intransponvel.

    Bom, mas qual o conceito que se tem de atender especificamente as necessidades de cada

    aluno? Frequentemente uma perspectiva de ensino individual. Nesta perspectiva, um

    professor s pode atender as necessidades de um aluno se estiver sozinho com ele. Esta ideia

    apesar de muito disseminada errada. O ensino pode ser individual e no levar em conta as

    especificidades do aluno e pode ser em grupo e considerar essas especificidades. Em textos

    anteriores (Rodrigues 1986,2001) defendemos que a gesto de uma sala de aula inclusiva

    pressupe que os alunos possam ter acesso a vrios tipos de grupos de aprendizagem: grande

    grupo (que pode determinar o contrato, os fundamentos e a misso da aprendizagem) grupos

    de projecto, grupos de nvel, trabalho em pares e trabalho individual. Todos estes

    enquadramentos permitem, que as situaes de aprendizagem sejam adequadas s diferentes

    caractersticas do aluno e do trabalho. Desenvolver uma gesto de sala de aula inclusiva no

    pressupe, pois, um trabalho individual mas sim o planeamento e a execuo de um

    programa em que os alunos possam compartilhar vrios tipos de interaco e de identidade.

    Ainda sobre este aspecto, h tambm tendncia para fazer crer que, quando um aluno com

    graves dificuldades includo numa turma regular, ele que o cerne dos problemas para

    o professor. Tenho uma turma de 22 alunos e um deles tem Trissomia 21. Que hei-de

    fazer?. A questo que se continua a encarar os 22 alunos como normais isto como

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    iguais uns aos outros como uma fotocpia e s h um diferente o aluno com T21.

    importante incentivar os professores a olharem para toda a turma (neste caso para os 23

    alunos) como alunos diferentes e pensar que o aluno com T21 pode muito bem compartilhar

    sesses de aprendizagem com colegas em qualquer um dos enquadramentos que citamos

    acima. Esta aproximao poder beneficiar, sem dvida, alunos com dificuldades escolares

    mas que pelo facto de no terem uma condio de deficincia identificada no dispem de

    uma pedagogia apropriada s suas dificuldades.

    mais fcil encontrar qualidade nas classes homogneas.

    O debate sobre a qualidade em Educao extremamente actual. Em nome da qualidade da

    educao tomam-se decises, anulam-se outras, criam-se e extinguem-se servios. A

    qualidade surge como um conceito inquestionvel e que tem o mesmo significado para todos.

    Mas, em Educao, no podemos esquecer que existem interesses (frequentemente)

    conflituais e que ambos os lados podem desfraldar a bandeira da qualidade para se auto-

    justificarem. Por exemplo, o que qualidade para um professor pode no o ser para os pais

    dos alunos ou ainda para a gesto da escola. Falar em qualidade no resolve o problema:

    levanta pela complexidade do conceito outros problemas. Frequentemente preciso

    optar por investimentos em determinadas reas da Educao que consideramos serem mais

    importantes para a sua qualidade. Por exemplo para os pais de um aluno com uma condio

    de deficincia pode ser considerada uma prtica de qualidade elevada um programa que lhe

    permita interagir e brincar com colegas do seu filho sem deficincia. Para os professores um

    programa semelhante pode no ter qualquer relevncia porque o aluno continua em dominar

    os contedos acadmicos bsicos.

    A EI, como vimos antes, assume que os alunos so diferentes e heterogneos.

    A questo que, se entendermos qualidade enquanto preparao para enfrentar com

    conhecimento e sucesso as situaes sociais, que tipo de programas poderamos incentivar?

    Parece que aqueles com que o aluno tem desde a fase escolar um contacto maior com

    situaes heterogneas, contraditrias e mesmo conflituais em que necessrio desenvolver

    aptides de negociao, estabelecer plataformas de acordo e usar aptides sociais. So estes

    ambientes escolares inclusivos que parecem mais semelhantes como os ambientes sociais

  • 14

    cada vez mais controversos e conflituais que o aluno vai encontrar na sua vida pessoal e

    profissional.

    Assim a qualidade na educao encontra-se mais facilmente ligada a classes heterogneas do

    que a classes homogneas na medida em que estas, pela suas maiores diferenas aparentes,

    so mais isomorfas com as situao sociais complexas. Se a educao de qualidade a que

    melhor prepara para lidar com as situaes sociais ecologicamente vlidas ento a EI que

    melhor permite que o aluno tenha acesso a esse patrimnio de experincia.

    Sntese:

    Falar de inovao no campo da Educao um assunto bem complexo.

    A escola pblica foi criada com objectivos de proporcionar aos alunos uma formao final

    com um nveis semelhante e usando estratgias uniformes.

    Considerar as diferenas intra-individuais dos alunos foi tambm sempre estranho escola

    tradicional. Por isso parecem to radicais e estranhas as propostas de inovao da escola

    feitas pela EI. A EI, questiona alguns dos fundamentos e das prticas mais arreigadas da

    escola tradicional: questiona o carcter selectivo da escola, a homogeneidade dos seus

    mtodos de ensino e ainda o facto de no ser sensvel aos que os alunos so e querem.

    Perante uma to grande distncia entre o que a escola e o que por determinao legal se

    pretende que ela seja, natural que se tenham desenvolvido discursos e axiomas que

    procuram simplificar ou explicar o que deve ser feito para construir uma Educao mais

    Inclusiva. So por vezes essas as ideias (mal) feitas que contribuem para sedimentar valores e

    prticas que no se aproximam da Educao Inclusiva.

    Mas se estas so algumas das ideias (mal) feitas o que sero ento ideias (bem) feitas?

    Apesar do tom opinativo e afirmativo deste texto, ns prprios temos muitas dvidas sobre se

    existe um caminho inequivocamente certo. Talvez o mais adequado seja pensarmos que as

    ideias bem feitas devero provir de prticas corajosas, reflectidas e apoiadas. Talvez estas

    ideias e prticas, por mais bem pensadas e feitas que sejam, no nos conduzam

  • 15

    inexoravelmente a uma EI. Mas por certo nos vo ajudar a v-la cada vez mais perto e desta

    forma promover a justia e os direitos para todos os alunos.

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