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    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    DEVIDO PROCESSO PENAL SUBSTANCIAL:

    25 ANOS DEPOIS DA CR/88

    DUE PROCESS CRIMINAL SUBSTANTIAL:

    25 YEARS AFTER THE CR/88

    Alexandre Morais da Rosa*

    Resumo: A compreenso autntica do conceito de devido processo

    legal substancial a chave para superao dos dilemas entre siste-mas no processo penal brasileiro.

    Palavras-chave:Sistemas; Devido Processo Legal; Processo PenalBrasileiro.

    Abstract:Te authentic understanding of the concept of substan-

    tive due process is the key to overcoming the dilemmas betweensystems in the Brazilian criminal process.

    Keywords:Systems; Substantive due process; Brazilian criminalprocess.

    * Doutor em Direito (UFPR). Professor de Processo Penal da UFSC e dos Mestrado eoutorado da UNIVALI.

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    Introduo

    At que ponto se justifica, ainda, a discusso sobre a distino

    entre os sistemas acusatrio e inquisitrio, no contexto do processo

    penal brasileiro, em face da possvel acolhida do devido processo

    legal substancial como novo paradigma de compreenso? Para res-

    ponder esse questionamento, parece evidente compreender o mal-

    -estar decorrente do dilema constitucional em face da normativa

    ordinria (CPP e leis extravagantes). Isso porque h, tanto nas re-

    formas parciais, quanto nas propostas de alterao, a eterna discus-so entre o acolhimento de um ou outro modelo. Esse artigo, pois,

    tenciona, propor uma leitura em paralaxe1, ou seja, propor a supe-

    rao desse falso dilema, apontando-se para uma nova maneira de

    compreender o tema, especialmente a partir da noo de presuno

    de inocncia2.

    1. Compreender os princpios

    A leitura (da maioria) dos Manuais de Graduao apresenta

    um conjunto de princpios que poderiam, em tese, fazer funcio-

    nar o processo penal. O contato com processos penais reais deixaevidenciado que: (a) ou quem opera no sabe da existncia dos

    princpios, os quais so invocados ad hoc,ou (b), de outra face,

    sabia-se que no era assim, isto , o elenco de princpios insufi-

    ciente, mas mesmo assim se ensina errado. Os princpios, assim

    postos, serve(ria)m para enganar. Pode parecer forte a afirmao.

    Contudo, a sensao a de que so meras justificaes retricas

    1 ZIZEK, Slavoj. Visin de paralaje.Buenos Aires, Fondo de Cultura Econmica, 2006.2 A pesquisa foi publicada em dimenso maior: MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Com-

    pacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

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    para o decisionismo3e sua faceta de ativismo4punitivista, parecem

    evidentes. Da que preciso ir alm das aparncias. alvez falte uma

    nova maneira de perceber os princpios.

    Logo, o primeiro tema a se enfrentar a prpria noo de

    princpio5. Necessrio superar-se a noo diferenciadora e simplis-

    ta da distino da norma jurdica entre princpios e princpios para

    se demonstrar que os princpios devem fechar as regras do jogo

    processual, ainda que se fundamentem, todos, no devido processo

    legal substancial6.

    3 SRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael omaz de. O que isto as garantias proces-suais penais?Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 10-11: preciso ter presente,desde j, que no contexto do Constitucionalismo Contemporneo os princpios assu-mem uma dimenso normativa de base. Vale dizer: no podem ser tidos como merosinstrumentos para solucionar um problema derivado de uma lacuna na lei ou do orde-namento jurdico. Na verdade, em nosso contexto atual, os princpios constitucionaisapresentam-se como constituidores da normatividade que emerge na concretude doscasos que devem ser resolvidos pelo Judicirio. (...) udo isso, ao fim e ao cabo, querdizer o seguinte: toda e qualquer deciso jurdica s ser correta (ou, na expresso uti-

    lizada em Verdade e Consenso, adequada Constituio) na medida em que dela sejapossvel extrair um princpio. Vale dizer, uma deciso judicial hermeneuticamentecorreta se sustenta em uma comunidade de princpios..

    4 ASSINARI, Clarissa.Jurisdio e Ativismo Judicial:limites da atuao do Judicirio.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

    5 OLIVEIRA, Rafael omaz de. Deciso Judicial e o Conceito de Princpio. Porto Ale-gre; Livraria do Advogado, 2008: Aponta que h confuso na compreenso adequadada noo de princpio, no se percebendo a existncia de trs significados histricospossveis, a saber: a) Princpios Gerais do Direito; b) Princpios jurdico-epistemol-gicos; c) princpios pragmtico-problemticos. A partir da fenomenologia hermenu-

    tica (Heidegger, Gadamer, Stein e Streck) aponta para representao dos princpiosconstitucinais. Em suas palavras: Os princpios representam a introduo do mundoprtico no direito. Neles se manifesta o carter da transcendentalidade. Em toda casocompreendido e interpretado j sempre aconteceram os princpios e no o princpio;toda deciso deve sempre ser justificada na comum-unidade dos princpios, como nosmostra Dworkin. No h regras sem princpios, do mesmo modo que no h princpiossem regras. H entre eles uma diferena, mas seu acontecimento sempre se d numaunidade que a antecipao de sentido. (...) Entre ns, contudo, a situao outra.Simplesmente porque, com a Constituio de 1988 se deu a constitucionalizao detoda uma principiologia que, podemos afirmar sem medo de errar, torna desnecessriaqualquer tipo de leitura moral. A prpria Constituio , em ltima anlise morali-

    zante. Desse modo, reconhecemos novamente razo Lenio Streck quando ressalta anecessidade de respostas adequadamente corretas; nem a nica, nem a melhor, masadequadas.

    6 FERRAJLI, Luigi. Garantismo: Una discusin sobre Derecho y Democracia. Madrid:rotta, 2006.

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    De qualquer forma, os princpios surgem da impossibilidade

    de dizer o todo7. Miranda Coutinho resgata a viso de princpio

    (do latim,principium) como sendo o incio, origem, causa, gnese,

    entendido como motivo conceitual sobre o qual se funda, por meto-

    nmia, a cadeia de significantes.8Ainda que este momento primevo

    seja impossvel, porque a verdade muito no incio era o Verbo ,

    tal regresso se mostra absolutamente necessrio, mesmo que seja

    um mito; mitonecessrio para o mundo da vida9. E o mito, uma vez

    7 MARQUES NEO, Agostinho Ramalho. Sobre os fundamentos da tica: da filosofia psicanlise. In: Cfiso Revista do Centro de Estudos Freudianos de Recife, Recife, n.14, p. 95, 1999: Aquela suposio bsica, aquele fundamento primeiro, aquele primei-ro princpio no pode, todavia, ser ele prprio objeto de conhecimento racional, poisno pode ser demonstrado.

    8 MIRANDA COUINHO, Jacinto Nelson de. Introduo aos princpios gerais do pro-cesso penal brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, n. 30, p.164: Por evidente, falar de motivo conceitual, na aparncia, no dizer nada, dada aausncia de um referencial semntico perceptvel aos sentidos. Mas quem disse que senecessita, sempre, pelos significantes, dar conta dos significados? Ora, nessa impossi-

    bilidade que se aninha a nossa humanidade, no raro despedaada pela arrogncia,sempre imaginria, de ser o homem o senhor absoluto do circundante; e sua razo osummum do seu ser. Ledo engano!; embora no seja, definitivamente, o caso de desis-tir-se de seguir lutando para tentar dar conta, o que, se no servisse para nada, serviriapara justificar o motivo de seguir vivendo, o que no pouco, diga-se en passant..

    9 MIRANDA COUINHO, Jacinto Nelson de. Introduo aos princpios gerais do pro-cesso penal brasileiro...,p. 164-165: De qualquer sorte, no se deve desconhecer quedizer motivo conceitual, aqui, dizer mito, ou seja, no mnimo abrir um campo dediscusso que no pode ser olvidado mas que, agora, no h como desvendar, na es-treiteza desta singela investigao. No obstante, sempre se teve presente que h algo

    que as palavras no expressam; no conseguem dizer, isto , h sempre um antes doprimeiro momento; um lugar que , mas do qual nada se sabe, a no ser depois, quan-do a linguagem comea a fazer sentido. (...) Da o big-bang fsica moderna; Deus teologia; o pai primevo a Freud e psicanlise; a Grundnorm a Kelsen e um mundode juristas, s para ter-se alguns exemplos. O importante, sem embargo, que, seja nacincia, seja na teoria, no principium est um mito; sempre! S isso, por sinal, j seriasuficiente para retirar, dos impertinentes legalistas, a muleta com a qual querem, emgeral, sustentar, a qualquer preo, a segurana jurdica, s possvel no imaginrio, porelementar o lugar do logro, do engano, como disse Lacan; e a est o direito. Para espa-os mal-resolvidos nas pessoas e veja-se que o individual est aqui e, portanto, todos, o melhor continua sendo a terapia, que se h de preferir s investidas marotas que,

    usando por desculpa o jurdico, investem contra uma, algumas, dezenas, milhares,milhes de pessoas. Por outro lado e para ns isso fundamental , depois do mitoh que se pensar, necessariamente, no rito. J se passa para outra dimenso, de vitalimportncia, mormente quando em jogo esto questo referentes ao Direito Proces-sual e, em especial, aquele Processual Penal.

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    instalado, reproduz efeito alienante por parte dos atores jurdicos,

    caso no se o desvele como tal, isto , como uma no-realidade que

    sustenta a realidade. Por outras palavras, no a causa do princpio

    que est ausente, mas sua explicao que se encontra permeada pela

    falta, pelo inexplicvel onticamente10. Da em diante se estabelece

    uma cadeia de conceitos.

    2. O dilema que precisa ser superado

    Assim que o Processo Penal estaria situado numa estrutura

    que possui caractersticas diversas e se divide, historicamente11, nos

    sistemas12Inquisitrio e Acusatrio, surgindo contemporaneamen-

    te modelos que guardam caractersticas de ambos sem que, todavia,

    possam ser indicados, no que se refere estrutura, como sistemas

    mistos13. So mistos ou sincrticos por acolherem caractersticas deambos os sistemas, sendo incongruncia lgica eventual denomi-

    nao de terceiro gnero14. Isto porque a compreenso de sistema

    10 PESSOA, Fernando. Poesias. Trad. Fernando Antonio Nogueira Pessoa. Porto Alegre:L&PM, 1996, p. 8: O mito o nada que tudo.

    11 CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. orino: UE, 1986, p. 17-18.12 MIRANDA COUINHO, Jacinto Nelson de. Crtica Teoria Geral do Direito Pro-

    cessual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 16-17: enho a noo de sistema apartir da verso usual, calcada na noo etimolgica grega (systema-atos), como umconjunto de temas jurdicos que, colocados em relao por um princpio unificador,formam um todo orgnico que se destina a um fim. fundamental, como parece b-

    vio, ser o conjunto orquestrado pelo princpio unificador e voltado para o fim ao qualse destina.

    13 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal.Coimbra: Coimbra Editora, 2004;PRADO, Geraldo. Sistema acusatrio: a conformidade constitucional das leis proces-suais penais. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; HUMS, Gilberto. Sistema pro-cessuais penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006.

    14 MIRANDA COUINHO, Jacinto Nelson de. Crtica Teoria Geral do Direito Proces-sual Penal..., p. 17-18: Salvo os menos avisados, todos sustentam que no temos, hoje,sistemas puros, na forma clssica como foram estruturados. Se assim o , vigoramsempre sistemas mistos, dos quais, no poucas vezes, tem-se uma viso equivocada(ou deturpada), justo porque, na sua inteireza, acaba recepcionado como um terceiro

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    decorre da existncia de um princpio unificador, capaz de derivar

    a cadeia de significantes dele decorrentes, no se podendo admitir

    a coexistncia deprincpios(no plural) na origem do sistema kan-

    tiano. Assim que no Sistema Inquisitrio o Princpio Inquisitivo

    marca a cadeia de significantes, enquanto no Acusatrio o Princ-

    pio Dispositivo que lhe informa. E o critrio identificador , por sua

    vez, o dagesto da prova. Sendo o Processo Penal atividade marca-

    damente recognitiva, de acertamento de significantes, a fixao de

    quem exercer a gesto da prova e com que poderes se mostra indis-

    pensvel, no que j se denominou bricolage de significantes15

    . NoInquisitrio o juiz congrega, em relao gesto da prova, poderes

    de iniciativa e de produo, enquanto no Acusatrio essa respon-

    sabilidade das partes, sem que possa promover sua produo. De

    outra face, no Inquisitrio a liberdade do condutor do feito na sua

    produo praticamente absoluta, no tempo em que no Acusatrio

    a regulamentao precisa, evitando que o juiz se arvore num pa-

    pel que no seu16.Cordero17demonstra os motivos pelos quais o modelo Inqui-

    sitrio se desenvolveu, atendendo aos interesses da Igreja e de quem

    comandava a sociedade, em face da expanso econmica, exigindo

    que o poder repressivo fosse centralizado, com atuao ex officio,

    indepentendemente da manifestao do lesionado. O juiz passa de

    espectador para o papel de protagonista da atividade de resgatar

    sistema, o que no verdadeiro. O dito sistema misto, reformado ou napolenico a conjugao dos outros dois, mas no tem um princpio unificador prprio (...).Por isto, s formalmente podemos consider-lo como um terceiro sistema, mantendo

    viva, sempre, a noo referente a seu princpio unificador, at porque est aqui, qui,o ponto de partida da alienao que se verifica no operador do direito, mormente oprocessual, descompromissando-o diante de um atuar que o sistema est a exigir ou,pior, no o imunizando contra os vcios gerados por ele..

    15 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Deciso Penal: a bricolage de significantes.Rio de Ja-

    neiro: Lumen Juris, 2005.16 ONINI, Paolo.A prova no processo penal italiano.rad. Alexandra Martins. So Pau-

    lo: Revista dos ribunais, 2002, p. 15-16:17 CORDERO, Franco. Procedimento Penal. rad. Jorge Guerrero. Santa F de Bogot:

    emis, 2000, v. 1, p. 16-90.

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    subjetivamente a verdade do investigado (objeto), desprovido de

    contraditrio, publicidade, com marcas indelveis (cartas marca-

    das) no resultado, previamente colonizado.18Assume, para tanto,

    uma postura paranica na gesto da prova, longe dofair play.19

    Barreiros deixa evidenciada as caractersticas de cada um dos

    sistemas. No modelo Inquisitrio: a) o julgador permanente; b)

    no h igualdade de partes, j que o juiz investiga, dirige, acusa

    e julga, em franca situao de superioridade sobre o acusado; c)

    a acusao de ofcio, admitindo a acusao secreta; d) escrito,

    secreto e no contraditrio; e) a prova legalmente tarifada; f) asentena no faz coisa julgada; e g) a priso preventiva a regra. J

    no modeloAcusatrio: a) o julgador uma assembleia ou corpo de

    jurados; b) h igualdade das partes, sendo o juiz um rbitro sem

    iniciativa investigatria; c) nos delitos pblicos, a ao popular

    e nos privados, de iniciativa dos ofendidos; d) o processo oral,

    pblico e contraditrio; e) a anlise da prova se d com base nalivre convico; f) a sentena faz coisa julgada; e g) a liberdade do

    acusado a regra20.

    Dentro dessa diferenciao e considerando a indeclinabilida-

    de da Jurisdio, decorrncia do princpio da legalidade, compete

    ao Estado organizar a maneira pela qual o Processo Penal tendente

    aplicao ou no de alguma sano. A separao das funes

    do juiz em relao s partes se mostra como exigida pelo princ-pio da acusao, no podendo se confundir as figuras, sob pena de

    violao da garantia da igualdade de partese armas. Deve haver pa-

    ridade entre defesa e acusao, violentada flagrantemente pela acei-

    tao dessa confuso entre acusao e rgo jurisdicional, a saber,

    18 EDESCO, Ignacio F. El acusado en el ritual judicial. Ficcin e imagen cultural. Bue-nos Aires; Del Porto, 2007.

    19 CORDERO, Franco. Procedimento Penal..., v. 1, p. 90: Los inquisitores adelantan afa-nosamente luchas contra el diablo..

    20 BARREIROS, Jos Antnio. Processo Penal.Coimbra: Almedina, 1981, p. 11-14.

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    vedada qualquer iniciativa probatria do julgador.21Entendidanesse sentido, a garantia da separao representa, de um lado, umacondio essencial do distanciamento do juiz em relao s partesque a primeira das garantias orgnicas que definem a figura dojuiz, e, de outro, pressuposto da funo da contestao e da provaatribudos acusao, que so as primeiras garantias procedimen-tais da Jurisdio. A assuno do modelo eminentemente acusat-rio, segundo Binder22, no depende do texto constitucional queo acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prtica o negar ,mas sim de uma autntica motivacin e um compromiso interno

    y personal em (re)construir a estrutura processual sobre alicercesdemocrticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa probatria23e pro-move o processo entre partes (acusao e defesa)24.

    Em resumo: como sistemas histricos, atualmente os ordena-mentos nacionais guardam, por contingncias diversas, caracters-ticas de ambos os sistemas, ou seja, inexiste sistema puro. Da que

    se fala equivocadamente de sistemas mistos. Entretanto, falar-sede sistemas mistos no pode se dar na modalidade sistemtica porausncia de um significante. Com essa dupla face instaure-se umadupla legalidade e verdadeira confuso sob aparncia de sistema. impossvel um sistema misto25.

    Se impossvel um sistema misto, qual o sentido em se conti-

    nuar insistindo no dilema acusatrio versusinquistrio? Nenhum.

    21 Fala-se na produo de provas em favor da defesa. Mas se a dvida um dos fundamen-tos da absolvio, constitui-se em paradoxo lgico a produo de provas para defesa.Se at o momento da deciso de produzir provas h dvida, absolvio a respostacorreta (CPP, art. 386, VII)

    22 BINDER, Alberto M. Iniciacin al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: BuenosAires, 2000, p. 7.

    23 LOPES JR, Aury. Processo Penal e sua conformidade constitucional. So Paulo: Saraiva,2012; PRADO, Geraldo. Limite s interceptaes telefnicas e a jurisprudncia do Su-perior ribunal de Justia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

    24 MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Loureno. Para um Proces-so penal democrtico:Crtica metstase do sistema de controle penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2008.

    25 QUEIROZ, Felipe Vaz de.Atividade (ana) Crnica do Juiz no Processo Penal Brasileiro.Porto Alegre; PUC-RS (Cincias Criminais), 2009.

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    rata-se de fantasia a ser desvelada. A confluncia de diversos fato-

    res implica na compreenso de contedo varivel26da prpria noo

    de sistema processual. Da que Aroca27est correto ao afirmar que

    no h sentido em se invocar conceitos do passado para dar sentido

    ao presente, no contexto dos sistemas processuais penais, justamen-

    te porque a estrutura de pensar se modificou em face do monoplio

    jurisdicional e constitucional. Isso implica, assim, na necessidade

    de realinhar a noo a partir da leitura dos documentos de Direitos

    Humanos (Declaraes e Pactos Internacionais) e a Constituio da

    Repblica. Manter-se a noo histrica somente ajuda a obscurecer,confundir e impedir a leitura constitucionalmente adequada dos

    lugares e funes do e no processo penal, especialmente quando

    adotada a teoria dos jogos.

    A prpria noo de Constituio precisa ser revisitada. No se

    trata de documento coeso e produto de um sujeito (coletivo) pen-

    sante. A Constituio da Repblica de 1988 foi o resultado possvelda confluncia de fatores polticos, econmicos e sociais marcado

    no tempo28. Buscar pela leitura isolada dos dispositivos a definio

    de qual sistema (acusatrio ou inquisitrio) teria sido acolhido

    irrelevante ainda que possa ser til para quem no supera o fal-

    so dilema. H caractersticas de ambos os sistemas. O que se deve

    buscar, assim, a diretriz global, cotejando os documentos interna-

    cionais, a jurisprudncia das cortes internacionais29. Para tanto se

    deve buscar guarida e pertinncia formal e substancial no processo

    civilizatrio democrtico advindo das conquistas histricas, em es-

    26 MARINS, Rui Cunha. O Ponto Cego do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.93, fala em democraticidade, ao mesmo tempo contrrio ao inquisitrio e do misto,para alm do acusatrio.

    27 MONERO AROCA, Juan. Principios del proceso penal: una explicacin basada em la

    razn. Valencia: irante lo Blanch, 1997, p. 28.28 PILAI, Adriano.A Constituinte de 1987-1988. Progressistas, Conservadores, Ordem

    Econmica e Regras do Jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.29 ALLARD, Julie; GARAPON, Antoine. Os juzes na Mundializao: a nova revoluo

    do Direito. rad. Rogrio Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 07

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    pecial com o devido processo legal substancial30.

    A Constituio da Repblica embora se apresente como um

    documento nico, apresenta-se como fuso de horizontes diver-

    sos. o resultado histrico. Na Constituio esto representados

    os direitos reciprocamente reconhecidos e os procedimentos elei-

    tos para justificar a interveno na esfera privada por imposio

    pblica. Assim que a funo do Direito de estabilizar expectati-

    vas de comportamento somente acontece mediante o devido pro-

    cesso legal substancial31. Pode-se falar em teso entre o texto cons-

    titucional idealizado e a realidade a partir de Habermas32

    medianteo abandono da teoria do dois mundos (metafsica) e mediado pela

    linguagem, a qual ir operar, ressaltamos noutro lugar33, a partir

    da teoria dos jogos e da noo de guerra.

    3. Devido processo legal substancial: novo paradigma

    Ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o

    devido processo legal (art. 5, LIV, da CR/88). Essa disposio, au-

    sente nas Constituies anteriores, trouxe o significante para o con-

    texto brasileiro. Entretanto, longe de se buscar a vontade da nor-

    ma ou a vontade do legislador (discusso para quem desconhece

    30 Consultar: ARMENA DEU, eresa. Sistemas procesales penales. Madrid: MarcialPons, 2012; KHALED JR, Salah Hassan. O sistema processual penal brasileiro acu-satrio, misto ou inquisitrio? Revista Civitas, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 293, 2010;LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. So Paulo: Saraiva, 2012; COUINHO, Ja-cinto Nelson de Miranda. Sistema acusatrio: cada parte no lugar constitucionalmentedemarcado. In: COUINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis GustavoGrandinetti Castanho de. O novo processo penal luz da Constituio. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010; BADAR, Gustavo. Direito processual penal. omo I. Rio de Ja-neiro: Elsevier, 2008; HUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2006.31 CAONI, Marcelo. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 51.32 HABERMAS, Jrgen. Direito e Faticidade..., vol. II, p. 50-5133 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria

    dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

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    hermenutica34), cabe sublinhar que a histria do significante se-cular e j presente no art. XI, n1, da Declarao Universal dos Di-reitos do Homem35.

    Discute-se sobre o contedo do devido processo legal, pelomenos, desde a Inglaterrade Joo Sem erra (1215)36. Mais: No setrata de significante desprovido de histria e tradio. Logo, pareceabusivo e at ingnuo, como fazem, de regra, os manuais de direi-to constitucional e processo penal, ao apontar simplesmente que odevido processo legal o procedimento estatal para restrio dedireitos. Essa leitura desconsidera toda a discusso histrica e por

    ela, quem sabe, possa se buscar uma chave de interpretao para oprocesso penal brasileiro37.

    verdade que no se trata apenas trazer seus postulados. Pre-cisa-se tropicalizar o instituto. No para se adotar a mesma razoabstrata, nem muito menos para termos a construo havida na In-glaterra medieval, depois transposta o atlntico, e desenvolvida nosEstados Unidos da Amrica. Contudo, h evidente dilogo entre

    tradies e o Direito Continental no pode ser alheio ao que se pas-sou no Direito Anglo-saxo, at porque influencia o direito brasi-leiro38. preciso certa tolerncia para que se perceba a dimenso da

    34 Claro que essa articulao passa pela noo de que o direito no possui um sentidoimanente, mas dialoga no tempo e espao com o contexto de aplicao, ou seja, a her-menutica no platnica. Vincula-se aos mecanismos reais de poder, inseridos numasociedade complexa, via Hermenutica Filosfica.

    35 odo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente atque a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento pblicono qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessrias sua defesa.

    36 Foi um pacto estamental, realizado entre a Burguesia (os Bares Ingleses) e aquele quepela morte de seu irmo Ricardo I, poca rei da Inglaterra, viria a suced-lo na coroabritnica. O novo Rei John de Anjou, chamado de Rei Joo Sem erra, teria recebidoesse nome pelo fato de no ter herdado terras quando da morte de seu pai, Henrique II.Sendo, ento, um Rei sem posses e desprestigiado, se viu pressionado pela burguesia aceder alguns Direitos como condio necessria para permanecer no trono.

    37 Precioso o trabalho de: MAREL, Letcia de Campos Velho. Devido Processo LegalSubstantivo: razo abstrata, Funo e Caractersticas de Aplicabilidade:a linha deci-

    sria da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. No mesmosentido: PARIZ, ngelo Aurlio Gonalves. O Princpio do Devido Processo Legal:Di-reito Fundamental do Cidado. Coimbra: Almedina, 2009.

    38 DELMAS-MARY, Mireille. A impreciso do Direito: do Cdigo Penal aos DireitosHumanos. rad. Denise R. Vieira. Barueri: Manole, 2005; MORAIS DA ROSA, Ale-

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    clusula do devido processo legal, especialmente o qualificado desubstantivo, construda em mais de 800 anos (substantive due pro-cess of law). H trajetria de coernciana sua construo, no sendo

    frmula desprovida de contedo democrtico, nem muito menosmera formalidade procedimental. Hoje em dia em face dos ativis-mos discutidos, bem como as novas formas de controle de constitu-cionalidade, parece alienado desconsiderar essa contribuio39.

    Ainda que rapidamente, cabe dizer que a imposio de cartas

    aos Reis na Inglaterra mesmo no se confundindo com a noo

    moderna de lei foi o nascedouro do reconhecimento de que os di-

    reitos do soberado no eram mais absolutos, a saber, o Rei tambm

    se submetia ao regime universal e seu poder no era mais plenopo-

    tencirio. A erceira Carta Confirmatria de Henrique III preconi-

    zou: Nenhum homem livre ser detido ou aprisionado ou despoja-

    do de seus meios de vida, de suas liberdades, nem de suas usanas

    livres, nem banido ou exilado, nem de modo algum molestado, e ns

    tambm no o atacaremos nem mandaremos algum atac-lo, ex-ceto pelo lcito julgamento de seus pares ou pelo direito da terra.40

    No ano de 1610, durante o reinado de Jaime I, Sir Edward Coke j

    indicava a importncia, na linha de Locke41e sua trade, ou seja,

    da garantia da vida, propriedade e liberdade. Alis, o pensamento

    contratualista de Locke ser fundamental para se compreender que

    o contrato social no significou a alienao dos direitos inerentes ao

    sujeito, mas o contrrio42. H um resto de liberdade pressuposto dainterveno estatal, a qual no foi, nem pode, ser alienada. justa-

    xandre; CARVALHO, Tiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e tica da Vingana.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

    39 BONAO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janei-ro: Lumen Juris, 2003.

    40 MAREL, Letcia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 6.

    41 LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano.rad. Anoar Aiex. So Paulo:Abril, 1973.

    42 Conferir: SRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis Bolzan de. CinciaPoltica e Teoria do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. CRUZ, PauloMrcio.Pollica, Poder, Ideologia & Estado Contemporneo. Curitiba: Juru, 2002.

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    mente a partir dessa trade vida, propriedade e liberdade que se

    deve buscar a matriz do significante.43A doutrina de Coke foi revi-

    gorada com a subscrio da Petition od Right, em 1628, por Carlos I,

    no se podendo mais: (a) aprisionar sem dizer-se as causas (Decor-

    rente do caso dos Five Knights), b) vedar Habeas Corpuscontra atos

    reais; c) aplicao da lei marcial e aquartelamento em propriedades

    privadas. Faltavam, entretanto, instrumentos para sua efetivao.

    incerta na doutrina a recepo do devido processo legal nos

    EUA. De qualquer sorte a supremacia da Constituio noo que

    fundamenta a possibilidade de controle de constitucionalidade. AConstituio de 1791 estabeleceu na 5 Emenda: Nenhuma pessoa

    pode ser obrigada a responder por um crime capital ou infamante,

    salvo por denncia ou pronncia de um Grande Jri, exceto em casos

    que surjam nas foras terrestres ou navais, ou na milcia, quando em

    servio ou em tempo de guerra ou de perigo pblico. Nem se pode su-

    jeitar qualquer pessoa, pelo mesmo crime, a ser submetida duas ve-

    zes a julgamento que lhe possa causar a perda da vida ou dano fsico;nem ser obrigada de forma alguma a depor contra sim mesma, nem

    ser privada de sua vida, liberdade ou propriedade, sem o devido

    processo legal; nem pode uma propriedade privada ser tomada para

    uso pblico sem justa compensao.

    Apressando o passo para os fins desse artigo cabe apontar

    que o trajeto no foi o de acolhimento do mrito do produto legis-lativo. A noo de lei foi revisitada pelo reconhecimento do direito

    43 MAREL, Letcia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 24: O Bo-nham case foi marcado pelo reconhecimento da nulidade do ato que aplicou a multae priso em face do exerccio ilegal da medicina em Londres sem autorizao da Aca-demia Real de Medicina. Os censores no pode ser juzes, ministros e partes; juzespara proferir sentena e julgar; ministros para fazer notificaes ou intimaes e partepara terem metade das multas, quia aliquis non debet esse judex in propria causa, imo

    iniquun este alequem suas rei esse judicem; e ningum pode ser juiz e advogado paraqualquer das partes... e consta dos nossos livros que, em muitos casos, o direito comumcontrolar aos do parlamento, e, s vezes, julg-los- absolutamente nulos, pois quan-do um ato do parlamento vai de encontro ao direito comum e razo, ou inaceitvelou impossvel de executar, o direito comum ir control-lo e julg-lo como nulo..

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    dos ribunais em controlar a razoabilidade dos atos do poder pbli-

    co (legislativo e executivo) quando violadores dos direitos de vida,

    propriedade e liberdade44, com a extenso da 5 Emenda aos Esta-

    dos Membros, pela 14a Emenda: Seo 1. Todas as pessoas nascidas

    ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas sua jurisdio, so

    cidados dos Estados Unidos e do Estado no qual residem. Nenhum

    Estado deve editar ou executar qualquer lei que possa violar os pri-

    vilgios e imunidades dos cidados dos Estados Unidos. Nem pode

    qualquer Estado privar nenhum pessoa da vida, liberdade ou pro-

    priedade sem o devido processo legal; nem recusar a qualquer pessoana sua jurisdio a igual proteo perante a lei. (...) Seo 5. O Con-

    gresso deve ter poderes para reforar, por legislao apropriada, as

    provises deste artigo.Abriu-se, com isso, a possibilidade de inter-

    veno do Judicirio Federal nas legislaes Estaduais. Em 1803 no

    julgamento, j nos EUA, MARBURY v. MADISON, sabe-se, o Juiz

    Marshall apontou a necessidade de conteno do poder Legislativo,a saber, a possibilidade democrtica doJudicial Rewiew. Muito se

    poderia discorrer sobre o devido processo legal substancial. Entre-

    tanto, o que cabe marcar que a tradio exps diversos momentos,

    todos fundados na discusso da garantia da vida, propriedade e li-

    berdade contra as ingerncias do Poder Pblico45.

    Nesse contexto no se pode depois de 05.10.1988 permanecer-

    -se alheio ao devido processo legal substancial, at porque h dispo-sio expressa para seu manejo, consoante desponta, por exemplo,

    do art. 282 do CPP. Na grande maioria dos Manuais e Foros a

    clusula ignorada, como se fosse mero procedimento (aspecto

    formal). Cuida-se da ampliao da tutela da vida, propriedade e

    44 MAREL, Letcia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 63. Sobreo Stamp Act, o juiz Edmundo Pendlton, de Virgnia, afirmou: endo feito o jura-mento de julgar de acordo com a LEI, jamais poderei considerar esta lei como tal, porcarncia de poder no Parlamento para aprov-la.

    45 ORH, John V. Due process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003.

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    liberdade modulados a partir do Garantismo e vinculados tradi-

    o democrtica46.

    O Supremo ribunal Federal manifestou-se sobre sua aplica-

    bilidade ao campo penal: O exame da clusula referente ao due

    process of law permite nela identificar alguns elementos essenciais

    sua configurao como expressiva garantia de ordem constitucional,

    destacando-se, dentre eles, por sua inquestionvel importncia, as

    seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso

    ao Poder Judicirio); (b) direito citao e ao conhecimento prvio

    do teor da acusao; (c) direito a um julgamento pblico e clere,sem dilaes indevidas; (d) direito ao contraditrio e plenitude de

    defesa (direito autodefesa e defesa tcnica); (e) direito de no ser

    processado e julgado com base em leis ex post facto; (f) direito

    igualdade entre as partes; (g) direito de no ser processado com fun-

    damento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefcio da

    gratuidade; (i) direito observncia do princpio do juiz natural; (j)

    direito ao silncio (privilgio contra a auto-incriminao); (l) direito prova; e (m) direito de presena e de participao ativa nos atos

    de interrogatrio judicial dos demais litisconsortes penais passivos,

    quando existentes.47

    A ampliao das garantias contra o arbtrio do Estado48 de-

    corrncia da compreenso autntica do devido processo legal subs-

    tancial49

    . Dialeticamente se analisa, caso a caso, as consequncias

    46 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade.So Paulo: Saraiva, 2004; CASRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal ea Razoabilidade das Leis na Nova Constituio do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

    47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 94.016-SP. Relator: MinistroCelso de Mello.

    48 SARMENO, Daniel. A Ponderao de Interesses na Constituio Federal.Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 2001, p. 95: Enfim, percebe-se que, a partir sobretudo do adventoda Constituio de 1988, o SF vem reconhecendo o princpio da proporcionalidade/

    razoabilidade no direito brasileiro, localizando a sua sede na clusula do devido pro-cesso legal, albergada no art. 5, LIV, do texto fundamenta

    49 CASRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leisna Nova Constituio do Brasil...., p. 10: Como Princpio condicionante do processocriminal, a clusula do due processo of law enfeixava garantias explcitas e impl-

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    da ao Estatal a partir dos efeitos sobre a vida, propriedade e liber-

    dade do sujeito, tanto na perspectiva formal como material50.

    Para operacionalizar o devido processo legal substancial se

    recorre ao princpio da proporcionalidade (razoabilidade)51, o qual

    deve sempre ser aquilatado em face da ampliao das esferas indivi-

    duais da vida, propriedade e liberdade, ou seja, no se pode invocar

    a proporcionalidade contra o sujeito em nome do coletivo, das inter-

    venes desnecessrias e/ou excessivas. No processo penal, diante

    do princpio da legalidade, a aplicao deve ser favorvel ao acusado

    e jamais em nome da coletividade, especialmente em matria pro-batria e de restrio de direitos fundamentais.

    No se pode, todavia, cair-se na armadilha da ponderao de

    princpios, dado que se trata de mero recurso retrico, consoante

    afirma Daniel Sarmento: E a outra face da moeda [do uso desmesu-

    rado dos princpios] o lado do decisiocismo e do oba-oba. Acontece

    que muitos juzes, deslumbrados diante dos princpios e da possibi-

    lidade de, atrves deles, buscarem justia ou o que entendem porjustia -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar a

    racionalmente os seus julgamentos. Esta euforia com os princpios

    citas no sistema de liberdades protegido pela Constituio. Dentre as garantias ado-tadas expressamente no estatuto constitucional norte-americano, menciona-se a proi-bio de edio de Bill of attainder (ato legislativo que importa em considerar algum

    culpado pela prtica de crime sem a precedncia de um processo e julgamento regularem que seja assegurada ampla defesa), leis retroativas, de ser julgado duas vezes pelomesmo fato e a vedao a auto-incriminao forada. Adjunta-se, ainda, as garantiasditadas pela 6 Emenda, a saber, o direito a um julgamento rpido e pblico (speedyand public rial), por jri imparcial e com competncia territorial predeterminada, bemcomo o direito a ser informado acerca da natureza e causa da acusao (fair notice),alm do direito de defesa e contraditrio, consistente na possibilidade de confrontar astestemunhas de acusao, de produzir prova, inclusive de obter compulsoriamente o de-poimento de testemunhas de defesa, como de resto o direito assistncia de advogado.

    50 Sabe-se que a distino entre direito formal e material controversa no campo da Filo-sofia da Linguagem. Aqui se reitera apenas para se facilitar a compreenso.

    51 BARROSO, Luis Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio. So Paulo;Saraiva, 2011, p. 29: indica a existncia de relao de fungibilidade entre o princpioda proporcionalidade e o da razoabilidade. Conferir: BARROS, Suzana de oledo. OPrincpio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivasde direitos fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 2000.

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    abriu um espao muito maior para o decisionismo judicial. Um deci-sionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhosode seus jarges grandiloquentes e com a sua retrica inflamada, massempre um decisionismo. Os princpios constitucionais, neste qua-dro, convertem-se em verdadeiras varinhas de condo: com eles, o

    julgador consegue fazer quase tudo o que quiser.52Assim que autilizao da proporcionalidade, na via do devido processo legalsubstancial, no pode acontecer contra o sujeito53.

    De qualquer maneira, para aplicao do princpio da propor-cionalidade exige-se: necessidade, adequao e proporcionalidade(em sentido estrito). Por necessidade, a partir da interveno mni-ma do Estado na esfera privada, proibindo o excesso e privilegian-do a alternativa menos gravosa, a qual menos violar os DireitosFundamentais do afetado (especialmente liberdade54e intimidade55) epoder gerar efeitos equivalentes56. J adequao significa a relaopositiva (apta) entre o meio e o fim da medida, ou seja, o meio em-

    52 SARMENO, Daniel. Livres e Iguais:Estudo de direito Constitucional. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2006, p. 199-200.

    53 SRECK, Lenio. O que isso decido conforme minha conscincia..., p. 50-52: Porisso, merecem especial cuidado as decises que lanam mo especialmente da ra-zoabilidade (com ou sem ponderao de valores), argumentao que se transformouem autntica pedra filosofal da hermenutica a partir desse carter performativo.Excetuando os casos em que, teleologicamente, decises calcadas na ponderao de

    valores podem ser consideradas corretas ou adequadas Constituio (o que por si sj um problema, porque a interpretao no pode depender dessa loteria de carterfinalstico), a maior parte das sentenas e acrdos acaba utilizando tais argumentospara o exerccio da mais ampla discricionariedade (para no dizer o menos) e o livre

    cometimento de ativismos. (...) Na verdade a ponderao um procedimento queserve para resolver uma coliso em abstrato de princpios constitucionais. Dessa ope-rao resulta uma regra regra de direito fundamental adscripta essa sim, segundoAlexy, apta a resoluo da demanda da qual se originou o conflito de princpios. E umregistro: essa aplicao da regra de ponderao se far por subsuno (por mais para-doxal que isso possa parecer).

    54 O art. 282 do CPP, no inciso II (adequao da medida gravidade do crime, circuns-tncas do fato e condies pessoais do indiciado ou acusado) e seus pargrafos 3o(contraditrio preliminar deciso de priso cautelar) e 6o (A priso preventiva serdeterminada quando no for cabvel sua substituio por outra medida cautelar art.319), indicam a acolhida da proporcionalidade como critrio das medidas cautelares.

    55 No regime da interceptao telefnica, nos termos do art. 2, inc.II, da Lei n 9.296/96,deve ser demonstrado, no pedido e na deciso, a impossibilidade de produo da provapor outros meios, a saber, se houver outro meio menos gravoso, necessariamente, deveprevalecer. A interceptao excepcional por violar a intimidade (Direito Fundamental).

    56 BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamen-tales.Madrid: Centro de Estudos Polticos y Constitucionales, 2003, p. 734.

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    pregado deve facilitar a obteno do fim almejado. No h sentidoem se manter algum preso cautelarmente se a pena a ser aplicada,ao final, no significar a privao da liberdade: o meio no se rela-ciona com o fim. E, proporcionalidade em sentido estrito implicaem juzo acerca do custo-benefcio da medida imposta, isto , quaisos princpios em jogo. No se trata, como j visto, de mera pon-derao. A prevalncia dos Direitos Fundamentais, no campo doprocesso e direito penal, impede juzos em favor da coletividade,dado que invertem a lgica do Estado Democrtico de Direito. As-sim, no se pode em nome da dita Segurana Coletiva, flexionar deforma excessiva e desproporcional, os Direitos Fundamentais.

    Aqui tambm deve-se invocar, desde outra tradio, a duplaface dos Direitos Fundamentais, ou seja, a possibilidade de se ana-lisar, no contexto do devido processo legal substancial, tanto o ex-cesso de proibio, como a proteo deficiente.57

    4. A Presuno de Inocncia ou de no culpabilidade comosignificante mestre da compreenso

    Santo Agostinho narra, em suas Confisses58, algo que pode

    situar o dilogo a partir das desventuras de Alpio: Alpio, pois,

    passeava diante do tribunal, sozinho, com as tbuas e o estilete,

    57 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. rad. Ral Sanz Bur-gos e Jos Luiz Muoz de Baena Simn. Madrid: rotta, 2006; SRECK, Lenio Luiz.Bem jurdico e Constituio: da proibio de excesso (bermassverbot) proibio deproteo deficiente (untermassverbot) ou de como no h blindagem contra normaspenais inconstitucionais. Disponvel em: . Acesso em 25 mar 2011; RUDOLFO, FernandaMambrini. A Dupla Face dos Direitos Fundamentais.Petrpolis: KBR, 2012; SAR-

    LE, Ingo Wolfgan.A eficcia dos Direitos Fundamentais.Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2010; SRECK, Maria Luiza Schfer.A face oculta da proteo dos direitos

    fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.58 SANO AGOSINHO. Confisses. Trad. J. Oliveira Santos. So Paulo: Martin Claret,

    2002, p. 130-131.

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    quando um jovem estudante, o verdadeiro ladro, levando escondi-

    do um machado, sem que Alpio o percebesse, entrou pelas grades

    que rodeiam a rua dos banqueiros, e se ps a cortar o seu chumbo.

    Ao rudo dos golpes, os banqueiros que estavam embaixo alvoraa-

    ram-se, e chamaram gente para prender o ladro, fosse quem fosse.

    Mas este, ouvindo o vozerio, fugiu depressa, abandonando o macha-

    do para no ser preso com ele. Ora, Alpio, que no o vira entrar, viu

    sair e fugir precipitadamente. Curioso, porm, saber a causa, entrou

    no lugar. Encontrou o machado e se ps, admirado, a examin-lo.

    Bem nessa hora chegam os guardas dos banqueiros, e o surpreen-dem sozinho, empunhando o machado, a cujos golpes, alarmados,

    haviam acudido. Prendem-no, levam-no, e gloriam-se diante dos in-

    quilinos do fato por ter apanhado o ladro em flagrante, e j o iam

    entregar aos rigores da justia. Onde fica a presuno de inocncia

    na priso em flagrante? Existe, de fato, processo penal nesses casos?

    udo no passa de um jogo de cena? Enfim, at que ponto a Inocn-

    cia pode ser levada? Como isto funciona depois de mais de 20 anosde Constituio? Articular a resposta parece ser o desafio59.

    Presumir a inocncia, no registro do Cdigo de Processo Pe-

    nal em vigor, tarefa herclea, talvez impossvel, justamente pela

    manuteno da mentalidade inquisitria. A Presuno de Inocn-

    cia, embora com alguns antecedentes histricos, encontrou reco-

    nhecimento na Declarao dos Direitos do Homem, em 1789, seumarco ocidental, segundo o qual se presume a inocncia do acusa-

    do at prova em contrrio reconhecida em sentena condenatria

    definitiva60. Nesse sentido a Constituio da Repblica CR, em

    59 MORAES, Maurcio Zanoide de. Presuno de Inocncia no Processo Penal Brasileiro:anlise de sua estrutura normativa para a elaborao legislativa e para a deciso judi-cial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

    60 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razn. Teora del garantismo penal.rad. Perfecto An-

    drs Ibez et. all. Madrid: rotta, 2001, p. 549-551; SEINER, Sylvia Helena de Fi-gueiredo.A Conveno americana sobre direitos humanos e sua integrao ao processo

    penal brasileiro. So Paulo: Revista dos ibunais, 2000; GRANDINEI, Luis Gusta-vo; CARVALHO, Castanho de. Processo penal e (em face da) constituio: princpiosconstitucionais do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

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    seu art. 5, inciso LVII, disps: Ningum ser considerado culpado

    at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria. Mesmo

    que se possa exclusivamente discutir a compatibilidade deste dispo-

    sitivo com a priso cautelar, no caso, pretende-se seguir outro ca-

    minho no excludente: o de entender qual o motivo porque, desde

    a matriz, o pensamento est condicionado pelo modelo de pensar

    inquisitrio, incompatvel com a Constituio, lendo sua aplicabili-

    dade via teoria dos jogos.

    No que interessa, cabe relevar que o processo penal, como ga-

    rantia, precisa ser levado a srio, sob pena de se continuar a tratara Inocncia como figura decorativo-retrica de uma democracia

    em constante construo e que aplica, ainda, processo penal do me-

    dievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias61. Por isso

    necessrio mudar as coordenadas em que se analisa a lgica do

    processo, o papel do julgador e de cada julgador, especialmente no

    que toca priso cautelar, via teoria dos jogos.

    Dito isso, de se relembrar que o direito ao devido processo le-gal substancial a nica garantia defesa efetiva. E, conforme a

    nova sistemtica processual determina, a priso cautelar apenas se

    mantm em caso de extrema necessidade (CPP, art. 282, 6, CPP),

    de que se pode inferir a prpria exigncia do periculum libertatis.

    Nesse sentido vale destacar: rata-se de habeas corpus contra deci-

    so proferida pelo tribunal a quo que proveu o recurso do MP, revo-gando o relaxamento da priso cautelar por entender que a ausncia

    61 ANDRADE, Ldio Rosa de. Violncia, psicanlise, direito e cultura. Campinas: Mille-nium Editora, 2007; MISSE, Michel. Crime e violncia no brasil contemporneo:estu-dos de sociologia do crime e da violncia urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;BECKER, L.A.; SILVA SANOS, E.L.. Elementos para uma teoria crtica do processo.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de.As presunesno direito processual penal (estudo preliminar do estado de flagrncia na legislao

    brasileira). In: BONAO, Gilson (Org.). Processo penal: leituras constitucionais. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Priso em flagrante: uma abordagemgarantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; SILVEIRA, Marco Aurlio Nu-nes da.A tipicidade e o juzo de admissibilidade da acusao. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2005.

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    de advogado na lavratura do auto de priso em flagrante no enseja

    nulidade do ato. Alegam os impetrantes no haver justificativa para

    a mantena do paciente sob custdia, uma vez que, aps efetuada

    a priso, foi-lhe negado o direito de comunicar-se com seu advo-

    gado, o que geraria sim nulidade na lavratura do auto de priso.

    Alm disso, sustentam inexistirem os pressupostos autorizadores

    da priso preventiva. A urma, ao prosseguir o julgamento, conce-

    deu parcialmente a ordem pelos fundamentos, entre outros, de que

    a jurisprudncia do SF, bem como a do SJ, reiterada no sentido

    de que, sem que se caracterize situao de real necessidade, no selegitima a privao cautelar da liberdade individual do indiciado ou

    do ru. Ausentes razes de necessidade, revela-se incabvel, ante a

    sua excepcionalidade, a decretao ou a subsistncia da priso cau-

    telar. Ressaltou-se que a privao cautelar da liberdade individual

    reveste-se de carter excepcional, sendo, portanto, inadmissvel que

    a finalidade da custdia provisria, independentemente de qual a

    sua modalidade, seja deturpada a ponto de configurar antecipaodo cumprimento da pena. Com efeito, o princpio constitucional

    da presuno de inocncia se, por um lado, no foi violado diante

    da previso no nosso ordenamento jurdico das prises cautelares,

    por outro no permite que o Estado trate como culpado aquele que

    no sofreu condenao penal transitada em julgado. Dessa forma,

    a privao cautelar do direito de locomoo deve-se basear em fun-damento concreto que justifique sua real necessidade. Desse modo,

    no obstante o tribunal de origem ter agido com acerto ao declarar

    a legalidade da priso em flagrante, assim no procedeu ao manter

    a custdia do paciente sem apresentar qualquer motivao sobre a

    presena dos requisitos ensejadores da priso preventiva, mormen-

    te quando suas condies pessoais o favorecem, pois primrio e

    possui ocupao lcita. Precedentes citados do SF: HC 98.821-CE, DJe 16/4/2010; do SJ: HC 22.626-SP, DJ 3/2/2003. (SJ, HC

    155.665, rela. Min. Laurita Vaz,).

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    Conta Warat que se todos acreditassem, piamente, em PapaiNoel, na noite de 24 de dezembro no haveria presentes a se distri-buir. H necessidade de que pelo menos um saiba do embuste, domito, da farsa, para que ele possa fazer sentido. odos menos umprecisa saber que h um furo na totalidade natalina. Para alm dovelho Noel algo rateia. Na presuno de inocncia inautntica doSistema Inquisitrio tambm. No se pode ficar como os mocinhosdos filmes, um segundo antes do tiro fatal, sob pena de se manter,por exemplo, a priso cautelar do curioso Alpio, cuja verso em seuinterrogatrio, por certo, seria considerada fantasiosa. A perguntainocente : fantasia de quem?

    Da que a presuno de inocncia deve ser colocada como osignificante primeiro, pelo qual, independemente de priso em fla-grante, o acusado inicia o jogo absolvido. A derrubada da muralhada inocncia funo do jogador acusador. Aqui descabem presun-es de culpabilidade. O processo, como jogo, dever apontar pelas

    informaes obtidas no seu decorrer, a comprovao da hipteseacusatria, obtida por deciso judicial fundamentada.

    Consideraes finais

    Pelo que foi visto, ento, verifica-se que os dilemas e debatesacerca do acolhimento, pelo processo penal brasileiro, do modeloinquisitrio ou acusatrio, diante do cmbio de paradigma, ou seja,da assuno do devido processo legal substancial, devem ser supe-rados. A nova compreenso do processo penal, pois, faz com que sepossa, enfim, alterar as coordenadas e, quem sabe, situar democra-ticamente o processo penal. Depois de 25 anos de Constituio da

    Repblica, o disposto no art. 5, inciso, LIV, pode, talvez, a partirde uma compreenso autntica, servir de norte para um modelo

    democrtico. O tempo dir.

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