Deus Ao Encontro Do Homem

22
DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM 50. Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas próprias forças: a da Revelação divina (1). Por uma vontade absolutamente livre, Deus revela- Se e dá-Se ao homem. E fá-lo revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo. ARTIGO 1 A REVELAÇÃO DE DEUS I. Deus revela o seu «desígnio benevolente» 51. «Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tomam participantes da natureza divina»(2). 52. Deus, que «habita numa luz inacessível» (1 Tm 6, 16), quer comunicar a sua própria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adoptivos (3). Revelando-Se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de O conhecerem e de O amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por si próprios. 53. O desígnio divino da Revelação realiza-se, ao mesmo tempo, «por meio de acções e palavras, intrinsecamente relacionadas entre si» (4) e esclarecendo-se

description

Deus Ao Encontro Do Homem...

Transcript of Deus Ao Encontro Do Homem

DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM50.Pela razo natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas prprias foras: a da Revelao divina (1). Por uma vontade absolutamente livre, Deus revela-Se e d-Se ao homem. E f-lo revelando o seu mistrio, o desgnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desgnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Esprito Santo.ARTIGO 1A REVELAO DE DEUSI. Deus revela o seu desgnio benevolente51.Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistrio da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, tm acesso ao Pai no Esprito Santo e se tomam participantes da natureza divina(2).52.Deus, que habita numa luz inacessvel(1 Tm 6,16), quer comunicar a sua prpria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho nico, filhos adoptivos (3). Revelando-Se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de O conhecerem e de O amarem, muito para alm de tudo o que seriam capazes por si prprios.53.O desgnio divino da Revelao realiza-se, ao mesmo tempo, por meio de aces e palavras, intrinsecamente relacionadas entre si (4) e esclarecendo-se mutuamente. Comporta uma particular pedagogia divina: Deus comunica-Se gradualmente ao homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelao sobrenatural que faz de Si prprio e que vai culminar na Pessoa e misso do Verbo encarnado, Jesus Cristo.Santo Ireneu de Lio fala vrias vezes desta pedagogia divina, sob a imagem da familiaridade mtua entre Deus e o homem: O Verbo de Deus [...] habitou no homem e fez-Se Filho do Homem, para acostumar o homem a apreender Deus e Deus a habitar no homem, segundo o beneplcito do Pai (5).II. As etapas da RevelaoDESDE A ORIGEM, DEUS D-SE A CONHECER54.Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo nas coisas criadas, e, alm disso, decidindo abrir o caminho da salvao sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princpio, aos nossos primeiros pais (6). Convidou-os a uma comunho ntima consigo, revestindo-os de uma graa e justia resplandecentes.55.Esta Revelao no foi interrompida pelo pecado dos nossos primeiros pais. Com efeito, Deus, depois da sua queda, com a promessa de redeno, deu-lhes a esperana da salvao, e cuidou continuamente do gnero humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prtica das boas obras, procuram a salvao(7).E quando, por desobedincia, perdeu a vossa amizade, no o abandonastes ao poder da morte [...] Repetidas vezes fizestes aliana com os homens (8).A ALIANA COM NO56.Desfeita a unidade do gnero humano pelo pecado, Deus procurou imediatamente, salvar a humanidade intervindo com cada uma das suas partes. A aliana com No, a seguir ao dilvio (9), exprime o princpio da economia divina em relao s naes, quer dizer, em relao aos homens reagrupados por pases e lnguas, por famlias e naes(Gn10, 5) (10).57.Esta ordem, ao mesmo tempo csmica, social e religiosa da pluralidade das naes (11), destinava-se a limitar o orgulho duma humanidade decada, que, unnime na sua perversidade (12), pretendia refazer por si mesma a prpria unidade, maneira de Babel (13). Mas, por causa do pecado (14), quer o politesmo quer a idolatria da nao e do seu chefe so uma contnua ameaa de perverso pag a esta economia provisria.58.A aliana com No permanece em vigor enquanto durar o tempo das naes (15), at proclamao universal do Evangelho. A Bblia venera algumas grandes figuras das naes, como o justo Abel, o rei e sacerdote Melquisedec (16), figura de Cristo (17), ou os justos No, Danel e Job(Ez14, 14). Deste modo, a Escritura exprime o alto grau de santidade que podem atingir os que vivem segundo a aliana de No, na expectativa de que Cristo rena, na unidade, todos os filhos de Deus dispersos(Jo11, 52).DEUS ELEGE ABRAO59.Para reunir a humanidade dispersa, Deus escolhe Abro, chamando-o para deixar a sua terra, a sua famlia e a casa de seu pai(Gn12, 1), para o fazer Abrao, quer dizer, pai de um grande nmero de naes(Gn17, 5): Em ti sero abenoadas todas as naes da Terra (Gn12, 3) (18).60.O povo descendente de Abrao ser o depositrio da promessa feita aos patriarcas, o povo eleito (19), chamado a preparar a reunio, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja (20). Ser o tronco em que sero enxertados os pagos tornados crentes (21).61.Os patriarcas, os profetas e outras personagens do Antigo Testamento foram, e sero sempre, venerados como santos em todas as tradies litrgicas da Igreja.DEUS FORMA O SEU POVO ISRAEL62.Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, salvando-o da escravido do Egipto. Concluiu com ele a aliana do Sinai e deu-lhe, por Moiss, a sua Lei, para que Israel O reconhecesse e O servisse como nico Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e justo Juiz, e vivesse na expectativa do Salvador prometido (22).63.Israel o povo sacerdotal de Deus (23), sobre o qual foi invocado o Nome do Senhor(Dt 28,10). o povo daqueles a quem Deus falou em primeiro lugar(24), o povo dos irmos mais velhos na f de Abrao (25).64.Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperana da salvao, na expectativa duma aliana nova e eterna, destinada a todos os homens (26), e que ser gravada nos coraes (27). Os profetas anunciam uma redeno radical do povo de Deus, a purificao de todas as suas infidelidades (28),uma salvao que abranger todas as naes (29). Sero sobretudo os pobres e os humildes do Senhor (30) os portadores desta esperana. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Mriam, Dbora, Ana, Judite e Ester conservaram viva a esperana da salvao de Israel. Maria a imagem purssima desta esperana (31).III. Jesus Cristo Mediador e plenitude de toda a Revelao(32)NO SEU VERBO, DEUS DISSE TUDO65.Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que so os ltimos, falou-nos pelo seu Filho (Heb1, 1-2). Cristo, Filho de Deus feito homem, a Palavra nica, perfeita e insupervel do Pai.N'Ele, o Pai disse tudo. No haver outra palavra alm dessa. So Joo da Cruz, aps tantos outros, exprime-o de modo luminoso, ao comentarHeb1, 1-2:Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que a sua Palavra e no tem outra (Deus) disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma s vez nesta Palavra nica e j nada mais tem para dizer. [...] Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma viso ou revelao, no s cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por no pr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d'Ele outra realidade ou novidade (33).J NO HAVER OUTRA REVELAO66.Portanto, a economia crist, como nova e definitiva aliana, jamais passar, e j no se h-de esperar nenhuma nova revelao pblica antes da gloriosa manifestao de nosso Senhor Jesus Cristo(34). No entanto, apesar de a Revelao j estar completa, ainda no est plenamente explicitada. E est reservado f crist apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos sculos.67.No decurso dos sculos tem havido revelaes ditas privadas, algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. Todavia, no pertencem ao depsito da f. O seu papel no aperfeioar ou completar a Revelao definitiva de Cristo, mas ajudar a viv-la mais plenamente, numa determinada poca da histria. Guiado pelo Magistrio da Igreja, o sentir dos fiis sabe discernir e guardar o que nestas revelaes constitui um apelo autntico de Cristo ou dos seus santos Igreja.A f crist no pode aceitar revelaes que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelao de que Cristo a plenitude. o caso de certas religies no-crists, e tambm de certas seitas recentes. fundadas sobre tais revelaes.Resumindo:68.Por amor, Deus revelou-Se e deu-Se ao homem. D assim uma resposta definitiva e superabundante s questes que o homem se pe a si prprio sobre o sentido e o fim da sua vida.69.Deus revelou-Se ao homem, comunicando-lhe gradualmente o seu prprio mistrio, por aces e por palavras.70.Alm do testemunho que d de Si mesmo atravs das coisas criadas, Deus manifestou-Se a Si prprio aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda, prometeu-lhes a salvao(35)e ofereceu-lhes a sua aliana.71.Deus concluiu com No uma aliana eterna entre Si e todos os seres vivos(36).Essa aliana durar enquanto durar o mundo.72.Deus escolheu Abrao e concluiu uma aliana com ele e os seus descendentes. Fez deles o seu povo, ao qual revelou a sua Lei pormeio de Moiss. E preparou-o, pelos profetas, a acolher a salvao destinada a toda a humanidade.73.Deus revelou-Se plenamente enviando o seu prprio Filho, no qual estabeleceu a sua aliana para sempre. O Filho a Palavra definitiva do Pai, de modo que, depois d'Ele, no haver outra Revelao.ARTIGO 2A TRANSMISSO DA REVELAO DIVINA74.Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade(1 Tm2,4), quer dizer, de Cristo Jesus (37). Por isso, preciso que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens, e que, assim a Revelao chegue aos confins do mundo:Deus disps amorosamente que permanecesse ntegro e fosse transmitido a todas as geraes tudo quanto tinha revelado para salvao de todos os povos (38).I. A Tradio apostlica75.Cristo Senhor, em quem toda a revelao do Deus altssimo se consuma, tendo cumprido e promulgado pessoalmente o Evangelho antes prometido pelos profetas, mandou aos Apstolos que o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, comunicando-lhes assim os dons divinos (39).A PREGAO APOSTLICA ...76.A transmisso do Evangelho, segundo a ordem do Senhor, fez-se de duas maneiras:oralmente,pelos Apstolos, que, na sua pregao oral, exemplos e instituies, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lbios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspirao do Esprito Santo;por escrito,por aqueles apstolos e vares apostlicos que, sob a inspirao do mesmo Esprito Santo, escreveram a mensagem da salvao (40).... CONTINUADA NA SUCESSO APOSTLICA77.Para que o Evangelho fosse perenemente conservado ntegro e vivo na Igreja, os Apstolos deixaram os bispos como seus sucessores, "entregando-lhes o seu prprio ofcio de magistrio" (41). Com efeito, a pregao apostlica, que se exprime de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se, por uma sucesso ininterrupta, at consumao dos tempos (42).78.Esta transmisso viva, realizada no Esprito Santo, denomina-se Tradio, enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora estreitamente a ela ligada. Pela Tradio, a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as geraes tudo aquilo que ela e tudo em que acredita (43). Afirmaes dos santos Padres testemunham a presena vivificadora desta Tradio, cujas riquezas entram na prtica e na vida da Igreja crente e orante (44).79.Assim, a comunicao que o Pai fez de Si prprio, pelo seu Verbo, no Esprito Santo, continua presente e activa na Igreja: Deus, que outrora falou, dialoga sem interrupo com a esposa do seu amado Filho; e o Esprito Santo por quem ressoa a voz do Evangelho na Igreja, e, pela Igreja, no mundo introduz os crentes na verdade plena e faz com que a palavra de Cristo neles habite em toda a sua riqueza (45).II. A relao entre a Tradio e a Sagrada EscrituraUMA FONTE COMUM...80.A Tradio sagrada e a Sagrada Escritura esto intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa s e tendem ao mesmo fim 16. Uma e outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistrio de Cristo, que prometeu estar com os seus, sempre, at ao fim do mundo(Mt28, 20).... DUAS FORMAS DE TRANSMISSO DISTINTAS81.A Sagrada Escritura a Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspirao do Esprito divino.A sagrada Tradio,por sua vez, conserva a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Esprito Santo aos Apstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores, para que eles, com a luz do Esprito da verdade, fielmente a conservem, exponham e difundam na sua pregao (47).82.Da resulta que a Igreja, a quem est confiada a transmisso e interpretao da Revelao, no tira s da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual esprito de piedade e reverncia (48).TRADIO APOSTLICA E TRADIES ECLESIAIS83.A Tradio de que falamos aqui a que vem dos Apstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Esprito Santo. De facto, a primeira gerao de cristos no tinha ainda um Novo Testamento escrito, e o prprio Novo Testamento testemunha o processo da Tradio viva. preciso distinguir, desta Tradio, as tradies teolgicas, disciplinares, litrgicas ou devocionais, nascidas no decorrer do tempo nas Igrejas locais. Elas constituem formas particulares, sob as quais a grande Tradio recebe expresses adaptadas aos diversos lugares e s diferentes pocas. sua luz que estas podem ser mantidas, modificadas e at abandonadas, sob a direco do Magistrio da Igreja.III. A interpretao da herana da fA HERANA DA F CONFIADA TOTALIDADE DA IGREJA84.O depsito da f(49) (depositum fidei), contido na Tradio sagrada e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apstolos ao conjunto da Igreja. Apoiando-se nele, todo o povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apstolos e na comunho, na fraco do po e na orao, de tal modo que, na conservao, actuao e profisso da f transmitida, haja uma especial concordncia dos pastores e dos fiis (50).O MAGISTRIO DA IGREJA85.O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradio, foi confiado s ao Magistrio vivo da Igreja, cuja autoridade exercida em nome de Jesus Cristo (51), isto , aos bispos em comunho com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma.86.Todavia, este Magistrio no est acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu servio, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistncia do Esprito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expe fielmente, haurindo deste depsito nico da f tudo quanto prope f como divinamente revelado (52).87.Os fiis, lembrando-se da palavra de Cristo aos Apstolos: Quem vos escuta escuta-me a Mim(Lc10, 16) (53), recebem com docilidade os ensinamentos e as directrizes que os seus pastores lhes do, sob diferentes formas.OS DOGMAS DA F88.O Magistrio da Igreja faz pleno uso da autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto , quando prope, dum modo que obriga o povo cristo a uma adeso irrevogvel de f, verdades contidas na Revelao divina ou quando prope, de modo definitivo, verdades que tenham com elas um nexo necessrio.89.Existe uma ligao orgnica entre a nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas so luzes no caminho da nossa f: iluminam-no e tornam-no seguro. Por outro lado, se a nossa vida for recta, a nossa inteligncia e nosso corao estaro abertos para acolher a luz dos dogmas da f (54).90.A interligao e a coerncia dos dogmas podem encontrar-se no conjunto da revelao do mistrio de Cristo (55). Convm lembrar que existe uma ordem ou "hierarquia" das verdades da doutrina catlica, j que o nexo delas com o fundamento da f crist diferente (56).O SENTIDO SOBRENATURAL DA F91.Todos os fiis participam na compreenso e na transmisso da verdade revelada. Todos receberam a uno do Esprito Santo que os instrui (57) e os conduz verdade total (Jo16, 13).92.A totalidade dos fiis [...] no pode enganar-se na f e manifesta esta sua propriedade peculiar por meio do sentir sobrenatural da f do povo todo, quando, "desde os bispos at ao ltimo dos fiis leigos", exprime consenso universal em matria de f e costumes (58).93.Com este sentido da f, que se desperta e sustenta pela aco do Esprito de verdade, o povo de Deus, sob a direco do sagrado Magistrio [...] adere indefectivelmente f, uma vez por todas confiada aos santos; penetra-a mais profundamente com juzo acertado e aplica-a mais totalmente na vida (59).O CRESCIMENTO NA INTELIGNCIA DA F94.Graas assistncia do Esprito Santo, a inteligncia das realidades e das palavras do depsito da f pode crescer na vida da Igreja: Pela contemplao e pelo estudo dos crentes, que as meditam no seu corao (60); e particularmente pela investigao teolgica, que aprofunda o conhecimento da verdade revelada (61). Pela inteligncia interior das coisas espirituais que os crentes experimentam (62);Divina eloquia cum legente crescunt As palavras divinas crescem com quem as l (63). Pela pregao daqueles que receberam, com a sucesso episcopal, um carisma certo da verdade (64).95. claro, portanto, que a sagrada Tradio, a Sagrada Escritura e o Magistrio da Igreja, segundo um sapientssimo desgnio de Deus, esto de tal maneira ligados e conjuntos, que nenhum pode subsistir sem os outros e, todos juntos, cada um a seu modo, sob a aco do mesmo Esprito Santo, contribuem eficazmente para a salvao das almas (65).Resumindo:96.O que Cristo confiou aos Apstolos, estes o transmitiram, pela sua pregao e por escrito, sob a inspirao do Esprito Santo, a todas as geraes, at vinda gloriosa de Cristo.97.A sagrada Tradio e a Sagrada Escritura constituem um nico depsito sagrado da Palavra de Deus(66), no qual, como num espelho, a Igreja peregrina contempla Deus, fonte de todas as suas riquezas.98.Na sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua e transmite a todas as geraes tudo aquilo que ela , tudo aquilo em que acredita(67).99.Graas ao sentido sobrenatural da f, o povo de Deus, no seu todo, no cessa de acolher o dom da Revelao divina, de nele penetrar mais profundamente e de viver dele mais plenamente.100.O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado unicamente ao Magistrio da Igreja, ao Papa e aos bispos em comunho com ele.ARTIGO 3A SAGRADA ESCRITURAI. Cristo Palavra nica da Escritura santa101.Na sua bondade condescendente, para Se revelar aos homens. Deus fala-lhes em palavras humanas: As palavras de Deus, com efeito, expressas por lnguas humanas, tornaram-se semelhantes linguagem humana, tal como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens assumindo a carne da debilidade humana (68).102.Atravs de todas as palavras da Sagrada Escritura. Deus no diz mais que uma s Palavra, o seu Verbo nico, em quem totalmente Se diz (69):Lembrai-vos de que o discurso de Deus que se desenvolve em todas as Escrituras um s e um s o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores sagrados, o qual, sendo no princpio Deus junto de Deus, no tem necessidade de slabas, pois no est sujeito ao tempo (70).103.Por esta razo, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras tal como venera o Corpo do Senhor. Nunca cessa de distribuir aos fiis o Po da vida, tornado mesa quer da Palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo (71).104.Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra continuamente o seu alimento e a sua fora (72), porque nela no recebe apenas uma palavra humana, mas o que ela na realidade: a Palavra de Deus (73). Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que est nos Cus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos, a conversar com eles(74).II. Inspirao e verdade da Sagrada Escritura105.Deus o autor da Sagrada Escritura.A verdade divinamente revelada, que os livros da Sagrada Escritura contm e apresentam, foi registrada neles sob a inspirao do Esprito Santo.Com efeito, a santa Me Igreja, segundo a f apostlica, considera como sagrados e cannicos os livros completos do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspirao do Esprito Santo, tm Deus por autor, e como tais foram confiados prpria Igreja (75).106.Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados. Para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e s aquilo que Ele queria (76).107.Os livros inspirados ensinam a verdade. E assim como tudo o que os autores inspirados ou hagigrafos afirmam, deve ser tido como afirmado pelo Esprito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus quis que fosse consignada nas sagradas Letras em ordem nossa salvao (77).108.No entanto, a f crist no uma religio do Livro. O Cristianismo a religio da Palavra de Deus, no duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo (78). Para que no sejam letra morta, preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo, pelo Esprito Santo, nos abra o esprito inteligncia das Escrituras (79).III. O Esprito Santo, intrprete da Escritura109.Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem maneira dos homens. Portanto, para bem interpretar a Escritura, necessrio prestar ateno ao que os autores humanos realmente quiseram dizer, e quilo que aprouve a Deus manifestar-nos pelas palavras deles (80).110.Para descobrira inteno dos autores sagrados, preciso ter em conta as condies do seu tempo e da sua cultura, os gneros literrios em uso na respectiva poca, os modos de sentir, falar e narrar correntes naquele tempo. Porque a verdade proposta e expressa de modos diversos, em textos histricos de vria ndole, ou profticos, ou poticos ou de outros gneros de expresso(81).111.Mas, uma vez que a Sagrada Escritura inspirada, existe outro princpio de interpretao recta, no menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura seria letra morta: A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo esprito com que foi escrita (82).O II Conclio do Vaticano indicatrs critriospara uma interpretao da Escritura conforme ao Esprito que a inspirou (83):112.1. Prestar grande ateno ao contedo e unidade de toda a Escritura.Com efeito, por muito diferentes que sejam os livros que a compem, a Escritura una, em razo da unidade do desgnio de Deus, de que Jesus Cristo o centro e o corao, aberto desde a sua Pscoa (84).Por corao (85) de Cristo entende-se a Sagrada Escritura que nos d a conhecer o corao de Cristo. Este corao estava fechado antes da Paixo, porque a Escritura estava cheia de obscuridades. Mas a Escritura ficou aberta depois da Paixo e assim, aqueles que desde ento a consideram com inteligncia, discernem o modo como as profecias devem ser interpretadas (86).113.2.Ler a Escritura na tradio viva de toda a Igreja.Segundo uma sentena dos Padres,Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta A Sagrada Escritura est escrita no corao da Igreja, mais do que em instrumentos materiais (87). Com efeito, a Igreja conserva na sua Tradio a memria viva da Palavra de Deus, e o Esprito Santo que lhe d a interpretao espiritual da Escritura (... secundum spiritualem sensum quem Spiritus donat Ecclesiae segundo o sentido espiritual que o Esprito Santo d Igreja) (88).114.3.Estar atento analogia daf (89). Por analogia da f entendemos a coeso das verdades da f entre si e no projecto total da Revelao.OS SENTIDOS DA ESCRITURA115.Segundo uma antiga tradio, podemos distinguir doissentidosda Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, subdividindo-se este ltimo em sentido alegrico, moral e anaggico. A concordncia profunda dos quatro sentidos assegura a sua riqueza leitura viva da Escritura na Igreja:116.O sentido literal. o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da recta interpretao. Omnes sensus (sc. Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam no literal (90).117.Osentido espiritual.Graas unidade do desgnio de Deus, no s o texto da Escritura, mas tambm as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser sinais.1. O sentidoalegrico.Podemos adquirir uma compreenso mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a travessia do Mar Vermelho um sinal da vitria de Cristo e, assim, do Baptismo (91).2. O sentidomoral.Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento justo. Foram escritos para nossa instruo(1 Cor10, 11) (92).3. O sentidoanaggico.Podemos ver realidades e acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos conduz (em grego: anagoge) em direco nossa Ptria. Assim, a Igreja terrestre sinal da Jerusalm celeste (93).118.Um dstico medieval resume a significao dos quatro sentidos:Littera gesta docet, quid credas allegoria.Moralis quid agas, quo tendas anagogia.A letraensina-te os factos (passados), aalegoriao que deves crer,a moral oque deves fazer, aanagogiapara onde deves tender (94).119.Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Sagrada Escritura, para que, merc deste estudo, de algum modo preparatrio, amadurea o juzo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito interpretao da Escritura, est sujeito ao juzo ltimo da Igreja, que tem o divino mandato e o ministrio de guardar e interpretar a Palavra de Deus (95):Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas Quanto a mim, no acreditaria no Evangelho se no me movesse a isso a autoridade da Igreja catlica (96).IV. O Cnon das Escrituras120.Foi a Tradio Apostlica que levou a Igreja a discernir quais os escritos que deviam ser contados na lista dos livros sagrados (97). Esta lista integral chamada Cnon das Escrituras. Comporta, para o Antigo Testamento, 46 (45, se se contar Jeremias e as Lamentaes como um s) escritos, e, para o Novo, 27 (95):Para o Antigo Testamento: Gnesis, xodo, Levtico, Nmeros, Deuteronmio, Josu, Juzes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crnicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, Job, os Salmos, os Provrbios, o Eclesiastes (ou Coelet), o Cntico dos Cnticos, a Sabedoria, o livro de Ben-Sir (ou Eclesistico), Isaas, Jeremias, as Lamentaes, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Ams, Abdias, Jonas, Miqueias, Nahum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias;Para o Novo Testamento: Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e Joo; os Actos dos Apstolos; as epstolas de So Paulo: aos Romanos, primeira e segunda aos Corntios, aos Glatas, aos Efsios, aos Filipenses, aos Colossenses, primeira e segunda aos Tessalonicenses, primeira e segunda a Timteo, a Tito, a Filmon: a Epstola aos Hebreus; a Epstola de Tiago, a primeira e segunda de Pedro, as trs epstolas de Joo, a Epstola de Judas e o Apocalipse.O ANTIGO TESTAMENTO121.O Antigo Testamento uma parte da Sagrada Escritura de que no se pode prescindir. Os seus livros so divinamente inspirados e conservam um valor permanente (99), porque a Antiga Aliana nunca foi revogada.122.Efectivamente, a "economia"do Antigo Testamento destinava-se, sobretudo, a preparar [...] o advento de Cristo, redentor universal.Os livros do Antigo Testamento, apesar de conterem tambm coisas imperfeitas e transitrias, do testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvfico de Deus: neles encontram-se sublimes doutrinas a respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da vida humana, bem como admirveis tesouros de preces; neles, em suma, est latente o mistrio da nossa salvao (100).123.Os cristos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja combateu sempre vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento, sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar (Marcionismo).O NOVO TESTAMENTO124.A Palavra de Deus, que fora de Deus para salvao de quem acredita, apresenta-se e manifesta o seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo Testamento(101). Estes escritos transmitem-nos a verdade definitiva da Revelao divina. O seu objecto central Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, os seus actos, os seus ensinamentos, a sua Paixo e glorificao, bem como os primrdios da sua Igreja sob a aco do Esprito Santo (102).125.Osevangelhosso o corao de todas as Escrituras, enquanto so o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador (103).126.Na formao dos evangelhos podemos distinguir trs etapas:1. Avida e os ensinamentos de Jesus.AIgreja sustenta firmemente que os quatro evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitaes, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, realmente operou e ensinou para salvao eterna dos homens, durante a sua vida terrena, at ao dia em que subiu ao Cu.2. Atradio oral.Na verdade, aps a Ascenso do Senhor, os Apstolos transmitiram aos seus ouvintes (com aquela compreenso mais plena de que gozavam, uma vez instrudos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Esprito de verdade) as coisas que Ele tinha dito e feito.3.Os evangelhos escritos.Os autores sagrados, porm, escreveram os quatro evangelhos, escolhendo algumas coisas, entre as muitas transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo outras, segundo o estado das Igrejas, conservando, finalmente, o carcter de pregao, mas sempre de maneira a comunicar-nos coisas verdadeiras e sinceras acerca de Jesus (104).127.O Evangelho quadriforme ocupa na Igreja um lugar nico, de que so testemunhas a venerao de que a Liturgia o rodeia e o atractivo incomparvel que em todos os tempos exerceu sobre os santos:No h doutrina melhor, mais preciosa e esplndida do que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou pelas suas palavras e realizou pelos seus actos (105). sobretudoo Evangelhoque me ocupa durante as minhas oraes. Nele encontro tudo o que necessrio minha pobre alma. Nele descubro sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos (106).A UNIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO128.A Igreja, j nos tempos apostlicos (107), e depois constantemente na sua Tradio, ps em evidncia a unidade, do plano divino nos dois Testamentos, graas tipologia.Esta descobre nas obras de Deus, na Antiga Aliana, prefiguraes do que o mesmo Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa do seu Filho encarnado.129.Os cristos lem, pois, o Antigo Testamento luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipolgica manifesta o contedo inesgotvel do Antigo Testamento. Mas no deve fazer-nos esquecer de que ele mantm o seu valor prprio de Revelao, reafirmado pelo prprio Jesus, nosso Senhor (108). Alis, tambm o Novo Testamento requer ser lido luz do Antigo. A catequese crist primitiva recorreu constantemente a este mtodo (109). Segundo um velho adgio, o Novo Testamento est oculto no Antigo, enquanto o Antigo desvendado no Novo: Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet O Novo est oculto no Antigo, e o Antigo est patente no Novo (110).130.A tipologia significa o dinamismo em ordem ao cumprimento do plano divino, quando Deus for tudo em todos(1 Cor15, 28). Assim, a vocao dos patriarcas e o xodo do Egipto, por exemplo, no perdem o seu valor prprio no plano de Deus pelo facto de, ao mesmo tempo, serem etapas intermdias desse mesmo plano.V. A Sagrada Escritura na vida da Igreja131. to grande a fora e a virtude da Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da f, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual (111). necessrio que os fiis tenham largo acesso Sagrada Escritura (112).132.O estudo das Pginas sagradas deve ser como que a "alma" da sagrada teologia. Tambm o ministrio da Palavra, isto , a pregao pastoral, a catequese, e toda a espcie de instruo crist, na qual a homilia litrgica deve ter um lugar principal, com proveito se alimenta e santamente se revigora com a palavra da Escritura (113).133.A Igreja exorta com ardor e insistncia todos os fiis [...] a que aprendam "a sublime cincia de Jesus Cristo" (Fl. 3, 8) na leitura frequente da Sagrada Escritura. Porque "a ignorncia das Escrituras ignorncia de Cristo" (114).