Destaque Fonte Dos Que Dormem

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VIAGEM A ANDARA oO LIVRO INVISÍVEL VICENTE FRANZ CECIM FONTE DOS QUE DORMEM

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fonte dos que dormemVicente Franz Cecim

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  • VIAGEM A ANDARA oO LIVRO INVISVEL

    VICENTE FRANZ CECIM

    FONTE DOS QUE DORMEM

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    A colheita das paisagens Para descer o cu terra num antro mais cheio de murmrios aquilO que morre nas flores canta um Rumor de luz Eu escuto, na Residncia da Semente Branca daqueles que tiveram o p esquerdo devorado por ovelhas Eu nutro: os caminhos apagados Eu nutro: a mais antiga, a Viso que veio ao encontro dos que vo em busca da espera de Si mesmos Eu no sou a semente de uma intensidade nua de espinhos, eu no sou Eu no sou Fonte das constelaes Sem semear ossos no fim da tarde e vindo ao encontro dos teus olhos nos Caminhos das espreitas, eu busco o segredo luminoso da Tua gua Soprando as cinzas, mais humano que o Limo Este o Passo de Sombras Esta a Noite em que o cu vir beber nosso rumor de terra Aqui Eu espero Como uma Construo erguida para baixo

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    rio em Silncio, e serpentes: A Palavra interminvel mente calada mente de Aves Profundas e um Carrilho de Luz soando na Penumbra dos Seus Olhos, dAquilo que escurece as manhs de cinzas as pedras dos dedos da Orao quando o mais Alto se ergue e depe o Muro Branco das Idades como Transparncia no deserto Inundado dos Teus sonhos: Clio da Carne, e Rumor de Bosque Escuro Curva dos Lbios que no dizem - Rio l, onde a gua Escura de um Abismo Aquele que teve os olhos Selados j no aguarda a Aurora das Virtudes: o Guardio de Sombras Aurora das virtudes Quando a terra se abre aos nossos ps, quando a terra se abriu aos nossos ps e vindo a ausncia da Ausente, veio a Ausncia do ausente e A que devorvamos na Sombra estava atrasada, e vindo a que espervamos estava atrasada Caminho lento

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    que a terra ainda no abrira aos nossos ps ainda Tantas vezes O teu silncio e a Plpebra que no quis nos ver Tantas vezes o Conselho: Solua sem espreitas Tu me nutriste de Escombros, como uma construo erguida para baixo no era os passos Vocao de Olhos mais Escuros quando a mo se abriu para tocar O cu No eram os Passos dos que vieram antes Sim Quando a rvore sem trguas descer do cu como saber: Se um homem vem por degraus no corao da nave submersa nos Seus Olhos, antes que a Inquietante fale as Palavras mas no aps o silncio das Virtudes indo ao Encontro das lpides Flutuantes e das guas se erguendo para a Sede e na penumbra oh na Penumbra de um Encanto e da Esfera tombada no Caminho por Onde ainda Passam os que passaram antes Na penumbra oh na Penumbra, enquanto espera a tempestade, a: Tempestade nos Repousos dos

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    Teus Passos Lodo das espcies As Catedrais de Luzes j foram semeadas no Centeio Negro e no te voltas para colher a Sombra O Que Ora est ausente onde murmura Silncio a Serpente Agora aquele que aguardou a Alvura despertou na nvoa e sem olhos Agora, Aquilo se lanou nas guas e sem guelras Nenhum Clio desvia o P de um homem das Vises do Florescer ao Fenecer da vida, indo tu sers o Escombro de Lgrimas Canto Mais Impuro O cantando Se um Oceano de pedras descesse uma palavra No te espera Reino que Se curva Quando a Mente, sem espinhos, torturou Teu Sangue veio a lgrima e O orvalho te doou O Lago

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    Na Solido se tinge o Lodo Ainda a carne a Submersa na pedra que o teu Dom adormece Estao das seivas No era a Infncia ainda, pois foi antes Instante sem tempo, O cancelado instante de Ressurreies do P enteNoite ente de murmrios: uma semente, apenas Uma bastaria, Escura Se no Silncio de Seivas em que nasceste o teu Luar acolhesse a serpente Corpo nu da Demanda profunda aquele que Tomba, quando vir Tona coberto de Cinzas quando dar s Fontes suas mos de Encantos em runas at Seca folha lgrima Raiz da Desfolhada no nascida quando dir ao outroO nascendo do seu Lado Esquerdo com a ferrugem das Catedrais partidas - Busca O ourO Escuro para onde, para onde Ir indo, indo

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    com sua imortalidade de lenis de Alvura: O naufragado em terra, caminhando sobre guas brancas que no v P de despedidas de reencontros de Trevas murmurantes Pedra de Queda como um fruto: o Fruto O que alcana a outra margem: Oo Fervor de Limo Levanta vo para baixo Quando obter a recusa da Envolvente? e o No lhe ser um Dom de Indiferena que poupar, por Desprezo que poupar, pelo silncio

    Respirando face a Face

    Quando a Me se ergue na Alvorada, quanta Espessura no sutil quanta Presena no vazio que contm a mo dentro de Si, oculta de si mesma

    Oco e Noite Esfera da Espcie

    Uma estrela desliza nos teus Olhos buscando a Origem da Luz na luz do Dia

    De Rastros, animais imensos mais antigos te dizem que j foste e ests Aqui, escuro Purificaes da imagem maculada

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    nenhuma Ausncia mais ser sentida aquela que Devora consolando foi embora

    Passo em sonho

    A Construo de Carne est nas Trevas

    e um Silncio Branco

    ressoa em toda parte: o Ausente permanece o que deixam seus Ossos com sons de flauta para a Msica e o Vento da Vida

    Ns no somos um cortejo de Runas ns no somos Ns no somos os que vieram atrs do Manto revestido de algas celebrando o Encanto e o Musgo que a gua dos Olhos no lava Ns no permanecemos indistintos

    na Paisagem dos Crepsculos Ns no

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    tememos a nossa Fome das Auroras nossa embriagus de Vinho Plido enquanto passamos, e passamos, exatamente Agora

    Iluso das Sedes

    agora, diante de ti est o Muro que no existe Construo mental que esmaga Mas teus cabelos, Antro de Musgo que te sonha, ainda sentem falta das ramagens longas, das Ascenses e da Floresta, onde os teus Passos percorrendo insetos, mas te apoiando com Ternura nas Sementes, te dizem: que logo vir o Limo sobre a Pedra cravada nos teus Olhos Pois continuas l, e a Fonte e o Fruto, ainda L,

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    Agora no dizerSim infinito o que est Dentro in terno? Pois no magoas esta Paisagem Paraso que sem rancor acolhes sob os Clios, ex terna na Pedra da Meditao em que Te dormes e te v um Horizonte todo em torno de Miragens, sobre a Terra Para abolir os lances de dados

    unes com a Asa o Vento e a rvore

    e Agora ds adeus a ti, no Escuro

    H gua e Fogo e Terra e Ar e a Msica a Voz que fala o que nenhum homem ainda Se disse

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    oO Eu criou a Si e ao seu redor a Esfera o Crculo a Vida e a Multido da Semente Ests na Aurora do teu pensamento oO d eu s tem muitos eus nossa habitada Constelao de Ser seu Fruto e Cinzas a Tua Criana Invisvel Mais simples que o sono da pedra

    agora vem Aquele

    que lana para Ti tua mo cheia de ervas, e no h Eras entre dois homens de limo

    Agora, te ouve em Teus Ouvidos te fala nos Teus Lbios E j Sabias o que te diz com gestos de aprendiz de Vinho e Sangue Est te olhando dos Teus Olhos Contempla: a Paisagem das Espcies onde se faz a Colheita dos Dons

    nenhum Espelho Nenhum espelho O Semeado

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    Agora, ests onde S tu Te Esperas

    O que passou na Noite e no foi visto

    Nada, e Mais Alm Uma Esperana de Murmrios

    Residncia Profunda

    s tens a ti e um Gesto se desfaz no Ar Fala da Ponte Onde a Palavra, oca, simula madeira Para onde te voltes, no ests E Ningum

    que seja Algum espera, Se no existes Dizer: Espelho de miragens E Despertar dos Sentimentos de Ausncia,

    abandonar os ps: j no se movam nem te mantenham em ti

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    E no entanto uma Ave canta A Tarde j foi Manh e h Leitos com promessas de Ternuras noite, acolhe a Tua Penumbra

    Tu lembras o Nome vago que no dizes Teu Alento ergue o p at Teus Olhos Um animal antigo ainda teu irmo H Luta preenchendo o intervalo dos seres Um pensamento Deserto se nutre de areia H ondas de Lgrimas nos Oceanos, longe Cinzas retornando ao Fogo, com branduras Ossos de Flautas, ouves, se Incineram E no entanto, uma Ave canta e s aqutico como: No Princpio Era o Verbo, sobre as guas Silncio Silncio Na Tarde houve uma Manh

    S tens um Ti, e um Gesto desfaz se no ar

    Lua das idades

    Sob o Clio submerso

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    Onde um sol jamais ilumina E no ar mais Elevado, vendo a Ave respirando o P da Terra Onde no houve o que Ver, do que passou na Noite E depois das Lentides e Cantos E Antigo como um homem de Madeira na janela, se abrindo flutuante aos Oceanos E no fundo de Ti Silncio dos nomes

    Indiferente e lento mas como um movimento Adormecido E no Deserto Verde Diante de uma Casa de Penumbra Quem saberia O que dizer desta Paisagem onde um homem semeado Diante de uma casa em um deserto verde espera Indiferente e Lento Mas com um movimento Adormecido

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    Antes da Aurora E a Vida, num Sussurro, ainda no nasceu em parte alguma

    para subir montanhas Murmurantes

    Ali, onde em cada corpo humano h um s homem L onde se renem para as Festas do Medo passa uma Ave que nos v: Espelhos ocultos em espelhos Cinzas dos Campos de Silncio semeados de Vida Ausente cada um em si E Odor vindo do Crculo do Horizonte guiar os Passos a no dar, pois ests A, Fantasma da Amizade Ponte que sonha a Alucinao dos Gestos

    Para alegrar uma esquina deserta

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    Assim que tu habitas uma Meditao Peixes de Estrelas e rvores e se apagando ao teu redor no teu Rosto de Terra Onde No todos choram juntos no Todos riem juntos, e No se sabe at Saber: que uma Lgrima Meditao de Tudo E o Riso: Meditao de Tudo e Esses so os Dons da Semente Una Oca Escuta: O Eco, aqui O sermos como Aves de Dois Cantos enquanto, L, O sorrindo chora O chorando ri Enquanto passa uma Nau de Silncio

    Asa dos olhos

    Quando um Lago for lanado num Crculo fora do tempo por mos vazias antes do gesto Quem

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    estar na Margem para receber, sem mos, as Doaes do Centro adormecido que Se amplia despertado em gratides gratides gratides em Cinzas Cinzas Cinzas Quando descerem em Ti escuro e sol

    A ltima gota de gua acaba de subir aos Cus e a Terra no mais a Esfera de Miragens

    Agora, esses seres de Lgrimas banidos dos Teus Olhos buscam Refgio na Tua Mo de P

    E no s o Lago

    O Uivo em Tua em Memria no a Pedra que lanaste voltando tona

    Um homem Sua Curva s por ter nascido

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    Ests entre a Aurora e o Crepsculo como uma Ddiva

    que se oculta antes do Gesto

    Deita no Centro do leito da Serpente

    Se confundires os perdes escuros com a Lentido da Tua Estrela,

    ests perdido

    Tudo Caverna e ecoa Consulta os Clamores da Vida Se o Adormecido leva um Gesto aos lbios

    no Falar para no nascer do Seu Ouvido em Rumor O no dito, lentamente no

    Ouvir para no nascer no meu ouvido em Ramagens A

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    no dita, lentamente no para no assustar as Ramagens do Rumor indo e vindo entre ns

    Asa no Ar

    Exalado pelo Alento: por que veio o Homem de Vento Inalado pelo Alento, para Onde voltar? E a O Que Quem pergunta aqui na Breve Residncia onde Asa de Sombra dO sido e dO no ser Um passo antes das Cinzas

    Bastante silencioso e Ausente

    mas caminhando atravs de Onde em si h Ningum Um olhar mais fechado, para ser Amplo para acolher a Constelao que no cabe nos olhos para no esquecer que algum onde no h ningum

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    E a Gotejante, ouam: Est chamando, a cada um pelo seu Nome a Cada nenhum nome que no Diz Ali,

    onde a Fonte mais transforma Luz em Sombras

    visto no Vazio

    E ento entendes: que tudo que Passa se sonha um Eu, e toda neblina quer Ser E essa a Origem da Lgrima

    Fonte dos que dormem como se fosse uma centelha: } a Transparente com som de guas at o afogamento e Asas cristalinas de Pudor e O sangue se desfazendo em lgrima a Gota onde um relmpago de patas mais selvagens e a desabrochando: } a Constelao suas figuras de Musgo suas serpentes de espinho e O Jamais se acabar [ Suas Serpentes de Espinhos

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    de chegar dAquele que Sempre passar como o Cordo dO Tempo nos Teus Olhos }

    VICENTE FRANZ CECIM nasceu e vive em Belm do Par, na Amaznia, Brasil. Desde que iniciou em 1979 a inveno de Viagem a Andara oO livro invisvel, se devota unicamente a essa obra imaginria, que chama de literatura fantasma e diz escrever com tinta invisvel. Os livros visveis que escreve emergem dessa Viagem, ou, segundo o autor, no-livro, ambientados no territrio metafsico e fsico de Andara, transfigurao da Amaznia em regio-metfora da vida. Em 1980, recebeu o prmio Revelao de Autor da APCA Associao Paulista de Crticos de Arte, por sua segunda obra, Os animais da terra. Ao longo dos sete primeiros livros de Andara prosseguiu abolindo as fronteiras entre prosa e poesia. Publicados inicialmente pela Iluminuras no volume Viagem a Andara, receberam, em 1988, o Grande Prmio da Crtica da APCA, nessa dcada somente atribudo tambm a Hilda Hilst, Cora Coralina, Mario Quintana e, na seguinte, a Manoel de Barros. Em novas verses, transcriados pelo autor e reunidos nos volumes A asa e a serpente e Terra da sombra e do no, foram reeditados em edio comemorativa, pela Cejup, em 2004. Em 1994, Silencioso como o Paraso, lanado pela Iluminuras com mais quatro livros de Andara, em que o autor reafirma sua disposio de converter a literatura em pura escritura, foi aclamado por Leo Gilson Ribeiro como um dos mais perfeitos livros surgidos no Brasil nos ltimos dez anos. Desde ento, suas novas obras passaram a ser publicados apenas em Portugal. Em 2001, a man lanou Serdespanto, livro duplo, em que a palavra cada vez mais aprofunda o seu dialogo com o silncio, aqui reeditado em 2006 pela Bertrand Brasil. Apontado pela crtica portuguesa, no jornal Pblico, como o segundo melhor lanamento do ano, Cecim foi saudado por Eduardo Prado Coelho como Uma revelao extraordinria! K O escuro da semente, que saiu em Portugal pela Ver o Verso em 2005 e tem lanamento previsto, no Brasil, pela Bertrand, inaugurou uma outra fase em sua linguagem, que o autor denomina Iconescritura. Fase que se prolonga em seu livro mais recente, lanado em 2008 pela Tessitura, de

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    Minas Gerais: o: Desnutrir a pedra. Nesta obra, o autor aprofunda sua demanda de uma nova escritura, mesclando palavra, silncio da pgina em branco e imagem. Diz que durante esses anos todos, Andara lhe desvelou que o natural sobrenatural, o sobrenatural natural. Em 2009, a inveno de Andara atingiu 30 anos de criao.