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DESPEJO DE ESGOTO NO RIO PARAÍBA DO SUL PELO CENTRO URBANO DA CIDADE DE CAMPOS DOS GOYTACAZES Karla Aguiar Kury 1 1 Karla Aguiar Kury, Advogada Especialista em Direito Ambiental e Mestranda em Engenharia Ambiental pelo CEFET - Campos, Rua Heloisa Monteiro da Paixão, 48, 28030-107, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil, [email protected] Abstract In the International Year of Sanitation and Sanitary Sewerage one researches data about the sistem of sanitary drainage in Campos dos Goytacazes Municipality, furnished by Águas do Paraíba facility, based on the 2000 nationed reseach of basic sanitation, viewing to make a current diagnosis. The results displayed that 50% of the sewage produced by the urban center in thrown direct or indirectly in the Paraíba do Sul River in natura – one of the most important Brazilian Secondary Basins – that besides being on an alluvial plain and where this river passage has little declivity, cause continuous environmetal changes compromising environmental and population health. This paper may still awaken the population for the socio- environmental issue caused by the lack of picking-up, treatment and disposal of sewage and alert them about how important it is planinning and considering physical limitation of the environmental, fundamental in the sanitation. Index Terms Campos dos Goytacazes, Domestic Sewage, Paraíba do Sul River, Water Quality. INTRODUÇÃO A bacia do Rio Paraíba Sul é uma das mais importantes bacias secundárias do Brasil, possuindo uma área de 57.000 km², ela está localizada entre as latitudes 20°26’ e 23°39’S e longitudes 41° e 46°30’W. O rio Paraíba do Sul nasce na Serra da Bocaina, no Estado de São Paulo, percorrendo 1.120 km até a sua foz, em Atafona, no Norte Fluminense [1] . As águas do Paraíba do Sul são utilizadas principalmente para o abastecimento doméstico, irrigação e geração de energia hidroelétrica. Entretanto, o mesmo é um corpo receptor de efluentes industriais e domésticos que são lançados com ausência ou sem tratamento adequado. Considerando apenas o Estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba possui uma extensão de 500 km, percorrendo 53 Municípios e possuindo importância inestimável para a população fluminense, visto que o mesmo é a única fonte de abastecimento de água para mais de 12 milhões de pessoas, por meio de captação direta para as localidades ou indiretamente através do rio Guandu, que recebe o desvio das águas do rio Paraíba para aproveitamento hidrelétrico [2] . No seu trecho fluminense ele atravessa municípios com forte diversidade industrial, tais como Resende, Barra Mansa e Volta Redonda, onde estão localizadas indústrias siderúrgicas, químicas e alimentícias. Entretanto, a principal fonte de poluição da bacia hidrográfica são os efluentes domésticos e os resíduos sólidos oriundos das cidades de médio e grande porte localizadas às margens do rio [3] . Segundo o Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), o lançamento de efluentes agrícolas, esgotos domésticos e resíduos industriais têm provocado mudanças ambientais contínuas e comprometem a saúde do meio ambiente e da população, que faz uso direto e/ou indireto dessas águas [4] . O Município de Campos dos Goytacazes é o mais populoso do interior fluminense, possuindo 429.667 habitantes e ocupando uma área total de 4.031,910 km² [5] . O centro urbano do município abriga 76,65% da população e se encontra sobre uma planície aluvial do período quaternário, constituída predominantemente por solos aluviais e uma pequena porção de solo podzólico, além de apresentar lençol freático superficial [6] . O centro urbano se desenvolveu as margens do Paraíba do Sul, que ocupa 1313 km² e abrange cerca de 32% do total territorial do Município [7] . Esses foram os principais motivos que fizeram com que essa região específica fosse a escolhida para a realização desse estudo. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou, em sua sessão plenária de 20 de dezembro de 2006, o ano de 2008 como o Ano Internacional do Saneamento e Esgotamento Sanitário, com ênfase para a necessidade de implantação de serviço de esgoto sanitário [8] . No Brasil, foi publicada em janeiro de 2007 a Lei Federal 11.445 [9] , que determina as diretrizes nacionais para o saneamento básico e da política nacional de saneamento básico. Nessa lei, no seu art. 3º, o saneamento básico é definido como o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejos de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Dentro desse contexto, o presente estudo teve como objetivo elaborar um diagnóstico da situação do esgoto produzido pelo centro urbano do Município de Campos dos Goytacazes, esgoto que é lançado no Rio Paraíba do Sul e que pode gerar sérios agravos à Saúde Pública e Ambiental da região. MÉTODO Em primeiro lugar, foi realizado um levantamento de dados secundários da região urbana de Campos dos Goytacazes, onde percorre o Rio Paraíba do Sul, com o intuito de ter um panorama das condições físicas e sanitárias do município, © 2008 SHEWC July 20 - 23, 2008, Rio de Janeiro, BRAZIL Safety, Health and Environmental World Congress 471

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DESPEJO DE ESGOTO NO RIO PARAÍBA DO SUL PELO CENTRO URBANO DA CIDADE DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

Karla Aguiar Kury1

1Karla Aguiar Kury, Advogada Especialista em Direito Ambiental e Mestranda em Engenharia Ambiental pelo CEFET - Campos, Rua Heloisa Monteiro da Paixão, 48, 28030-107, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil, [email protected]

Abstract In the International Year of Sanitation and Sanitary Sewerage one researches data about the sistem of sanitary drainage in Campos dos Goytacazes Municipality, furnished by Águas do Paraíba facility, based on the 2000 nationed reseach of basic sanitation, viewing to make a current diagnosis. The results displayed that 50% of the sewage produced by the urban center in thrown direct or indirectly in the Paraíba do Sul River in natura – one of the most important Brazilian Secondary Basins – that besides being on an alluvial plain and where this river passage has little declivity, cause continuous environmetal changes compromising environmental and population health. This paper may still awaken the population for the socio-environmental issue caused by the lack of picking-up, treatment and disposal of sewage and alert them about how important it is planinning and considering physical limitation of the environmental, fundamental in the sanitation. Index Terms Campos dos Goytacazes, Domestic Sewage, Paraíba do Sul River, Water Quality.

INTRODUÇÃO

A bacia do Rio Paraíba Sul é uma das mais importantes bacias secundárias do Brasil, possuindo uma área de 57.000 km², ela está localizada entre as latitudes 20°26’ e 23°39’S e longitudes 41° e 46°30’W. O rio Paraíba do Sul nasce na Serra da Bocaina, no Estado de São Paulo, percorrendo 1.120 km até a sua foz, em Atafona, no Norte Fluminense [1].

As águas do Paraíba do Sul são utilizadas principalmente para o abastecimento doméstico, irrigação e geração de energia hidroelétrica. Entretanto, o mesmo é um corpo receptor de efluentes industriais e domésticos que são lançados com ausência ou sem tratamento adequado. Considerando apenas o Estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba possui uma extensão de 500 km, percorrendo 53 Municípios e possuindo importância inestimável para a população fluminense, visto que o mesmo é a única fonte de abastecimento de água para mais de 12 milhões de pessoas, por meio de captação direta para as localidades ou indiretamente através do rio Guandu, que recebe o desvio das águas do rio Paraíba para aproveitamento hidrelétrico [2]. No seu trecho fluminense ele atravessa municípios com forte diversidade industrial, tais como Resende, Barra Mansa e Volta Redonda, onde estão localizadas indústrias siderúrgicas, químicas e alimentícias. Entretanto, a principal

fonte de poluição da bacia hidrográfica são os efluentes domésticos e os resíduos sólidos oriundos das cidades de médio e grande porte localizadas às margens do rio [3]. Segundo o Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), o lançamento de efluentes agrícolas, esgotos domésticos e resíduos industriais têm provocado mudanças ambientais contínuas e comprometem a saúde do meio ambiente e da população, que faz uso direto e/ou indireto dessas águas [4].

O Município de Campos dos Goytacazes é o mais populoso do interior fluminense, possuindo 429.667 habitantes e ocupando uma área total de 4.031,910 km² [5]. O centro urbano do município abriga 76,65% da população e se encontra sobre uma planície aluvial do período quaternário, constituída predominantemente por solos aluviais e uma pequena porção de solo podzólico, além de apresentar lençol freático superficial [6]. O centro urbano se desenvolveu as margens do Paraíba do Sul, que ocupa 1313 km² e abrange cerca de 32% do total territorial do Município [7]. Esses foram os principais motivos que fizeram com que essa região específica fosse a escolhida para a realização desse estudo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou, em sua sessão plenária de 20 de dezembro de 2006, o ano de 2008 como o Ano Internacional do Saneamento e Esgotamento Sanitário, com ênfase para a necessidade de implantação de serviço de esgoto sanitário [8]. No Brasil, foi publicada em janeiro de 2007 a Lei Federal 11.445 [9], que determina as diretrizes nacionais para o saneamento básico e da política nacional de saneamento básico. Nessa lei, no seu art. 3º, o saneamento básico é definido como o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejos de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Dentro desse contexto, o presente estudo teve como objetivo elaborar um diagnóstico da situação do esgoto produzido pelo centro urbano do Município de Campos dos Goytacazes, esgoto que é lançado no Rio Paraíba do Sul e que pode gerar sérios agravos à Saúde Pública e Ambiental da região.

MÉTODO

Em primeiro lugar, foi realizado um levantamento de dados secundários da região urbana de Campos dos Goytacazes, onde percorre o Rio Paraíba do Sul, com o intuito de ter um panorama das condições físicas e sanitárias do município,

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com base num levantamento do histórico do desenvolvimento do processo de saneamento da cidade.

Uma segunda etapa consistiu em pesquisas de campo nas margens do rio para localizar e realizar o registro, através de fotografias, de pontos de lançamento de esgoto in natura no rio existentes no centro urbano do município. Posteriormente, foram realizadas entrevistas dirigidas, através de questionários, a representantes da concessionária Águas do Paraíba e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais – IBAMA, para identificar os diferentes procedimentos desses órgãos, que permitem que suas finalidades sejam concretizadas na melhoria e fiscalização do sistema de saneamento básico municipal.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Em 1885, foi construído o primeiro sistema de abastecimento de água e coleta de esgoto do município de Campos dos Goytacazes. Em 1913 a CEDAE tinha uma rede de abastecimento de água que cobria 90% dos domicílios existentes, em contraste com uma rede de esgoto que cobria apenas 35% dos domicílios da região [10].

Devido ao crescimento populacional ocorrido no município na década de 70, houve uma ocupação desordenada do solo, sem nenhum planejamento urbano e infra-estrutura compatível com as necessidades sanitárias, expondo a urbe ao aparecimento de várias epidemias [11].

No inicio da década de 90, segundo informações dadas pela Gerente Regional do IBAMA, Rosa Maria Cordeiro Wikid Castelo Branco, o IBAMA autuou a Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro - CEDAE, uma vez que durante um período superior a 20 anos essa empresa não tratava do esgoto sanitário da cidade, sendo o efluente jogado in natura no rio Paraíba do Sul. Tal situação originou o processo administrativo que culminou, em 2004, com a transferência da concessão dos serviços de saneamento para a empresa Águas do Paraíba.

Atualmente, segundo dados fornecidos pelo Gerente Operacional da Águas do Paraíba, Juscélio Azevedo, 60% da população de Campos dos Goytavazes tem esgoto coletado, o que corresponde a 27.163 pontos de ligação de esgoto, e 50% tem seu esgoto tratado. Dos 104 bairros existentes no município, 40 possuem sistema de coleta de esgoto, e são eles: São Clemente, XV de Novembro, São Salvador, Alberto Torres, Rosário, Parque Leopoldina, Caju, Sumaré, Parque São Caetano, Parque Santo Amaro, Parque Dom Bosco, Parque Tamadaré, Jardim Maria de Queiroz, Parque Conselheiro Thomás Coelho, Pelinca, Centro, Lapa, Parque Oliveira Botelho, Parque Riachuelo, Parque Califórnia, Parque Salo Brand, Parque Flamboyant I e II, Parque Truf Club, Chácara João Ferreira, Parque Fazendinha, Fazenda Grande, Parque João Maria, Parque João Seixas, Parque Alpha Ville, Parque Aurora, I.P.S., Parque Dr. Beda, Parque São Benedito, Horto, Condomínio Recanto das Palmeiras

(Parque das Palmeiras), Parque Santo Antônio, Parque Jardim Carioca, Parque Vicente Gonçalves Dias.

Esgoto que é tratado nas Estações de Tratamento em funcionamento no Município, localizadas nos bairro da Chatuba (Figura 1) e Guarús.

FIGURA 1

COMPLEXO DE TRATAMENTO DE ESGOTO DA ETE CHATUBA

Por outro lado, 40% do esgoto produzido no centro

urbano da cidade não é coletado e pelo menos 10% do esgoto coletado não é tratado. Desse modo, 50% de esgoto produzido pelo centro urbano de Campos dos Goytacazes é jogado direta ou indiretamente no Rio Paraíba do Sul sem tratamento, como os casos da Ilha do Cunha (Figura 2) e do Matadouro (Figura 3) registrados na pesquisa de campo.

FIGURA 2

ESGOTO JOGADO IN NATURA DIRETAMENTE NO RPS, ILHA DO CUNHA

O quadro do saneamento básico apresentado não é exclusividade de Campos, visto que 90% dos Municípios da bacia não possuem estações de tratamento de esgotos. Podemos, então, afirmar que o quadro de degradação da qualidade ambiental da bacia do Paraíba é crítico e pode se agravar, pois aproximadamente 1 bilhão de litros de esgotos

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domésticos, sem tratamento ou com tratamento inadequado, são despejados diariamente nos seus rios. O Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul [12] estima que diariamente a bacia do Paraíba do Sul receba uma carga de matéria orgânica que produz uma Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) de 300 toneladas, sendo que 55% desse total derivam de efluentes domésticos. Outra informação relevante é a que consta na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostrando que no Estado do Rio de Janeiro existem 211 distritos que possuem coleta de esgoto sanitário e, desse total, apenas 43 possuem unidades de tratamento do efluente coletado, sendo que 27 distritos possuem rios como corpos receptores, 02 têm o mar, 03 utilizam lagos ou lagoas, 07 para baía e 05 são despejados em outros locais [13].

FIGURA 3 LIXO E ESGOTO JOGADOS IN NATURA NO RPS, MATADOURO

As informações apresentadas no parágrafo anterior nos fazem um alerta na medida que se sabe que quando um corpo hídrico é utilizado como receptor, tanto de efluentes domésticos como industriais, suas águas sofrem alterações em características físicas, químicas e biológicas. Assim, a poluição do corpo hídrico impede ou onera o seu uso para outros fins, tais como: abastecimento humano e industrial, recreação, equilíbrio do ecossistema, agricultura, piscicultura, e também acelera a deterioração das estruturas e equipamentos hidráulicos [14]. Um dos problemas que podemos citar para exemplificar tais fenômenos é a eutrofização, que provoca o crescimento descontrolado de plantas e algas aquáticas, incluindo cianobactérias capazes de liberar substâncias tóxicas à vida aquática e humana [15].

Ressalta-se que o esgoto doméstico, além de favorecer o processo de eutrofização pelo enriquecimento em nutrientes das águas do seu corpo receptor, aumenta o consumo do oxigênio dissolvido da água, comprometendo a vida existente nesses ecossistemas. Ademais, há o aumento do

risco de doenças causadas por microorganismos patogênicos, tais como: amebíase, cólera e hepatite [16].

A falta de fiscalização e controle sanitário dos recursos hídricos aumentam o risco de agravos à Saúde Pública. Segundo Bustos [17], diversos estudos epidemiológicos que revelam a importância das condições sanitárias para levantar o perfil saúde/doença das populações as quais demonstram a forte associação entre um conjunto de características sanitárias. Entre essas características destacam-se, principalmente, a quantidade e qualidade da água, que garantem a higiene pessoal, as condições disponíveis no domicílio para o consumo da água, as instalações existentes para a disposição das águas residuais e esgotos, bem como a incidência de doenças de veiculação hídrica.

Entretanto, como constatado nas entrevistas e comprovado pela pesquisa de campo, pelo menos metade do esgoto do município ainda não recebe tratamento e tem como destinação final o Rio Paraíba do Sul. O comportamento condescendente da população e do Poder Público para tal situação explica-se, também, pelo fato de que, embora o problema seja antigo, as medidas legais coibidoras são relativamente recentes, visto que apesar da legislação começar a tratar da água no Código Civil de 1916 e da sua poluição no Código de Águas de 1934, eles tinham apenas um caráter patrimonial do bem. Apenas em 1967, com a promulgação o Decreto Federal 61.160, que criou o Fundo de Financiamento para o Saneamento (FISANE) e deu início à Política Nacional de Saneamento, direcionada quase que imediatamente ao funcionamento de sistemas de água e esgotos nos centros urbanos [18], é que se passou a haver uma preocupação efetiva com a qualidade da água.

A partir de então, começou-se a verificar um avanço tanto institucional quanto legislativo na área de saneamento, mas só em 1997 a Lei 9.433 [19] estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), determinando os princípios básicos para gestão dos recursos hídricos no país, instituindo a outorga de direito de uso de desses recursos também para qualquer uso que altere o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo hídrico, como o lançamento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final. Criou ainda a cobrança da água, provocando um maior rigor sobre os efluentes despejados nos rios, visto que o preço cobrado pelo uso da água varia conforme o grau de poluição desta ao ser devolvida. Como o exemplo do CEIVAP que determinou que “o valor a ser pago pela captação da água sem devolução é de R$ 28,00 para cada mil metros cúbicos retirados do rio. Se a empresa que captou a água a devolver limpa, pagará R$ 8,00 por mil metros cúbicos” [20].

Para compelir ao cumprimento das normas, além das infrações e penalidades administrativas que são encontradas no Código de Águas e Recursos Hídricos, a Lei de Crimes Ambientais [21] pune, com reclusão que pode chegar a cinco anos, os crimes de poluição.

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No caso específico de Campos dos Goytacazes, após Conferência Municipal ocorrida em 2003 as resoluções sobre o Saneamento ambiental eram, entre outras: “- Contemplar até 2004 o tratamento dos esgotos sanitários já coletados em cerca de 1/3 dos domicílios do município de após; - Coletar e tratar o esgoto de 2/3 dos municípios <sic> até 2007; - Coletar e tratar o esgoto sanitário da totalidade dos domicílios do município de Campos até 2010” [22].

Ainda o Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes [23] contempla o saneamento básico na seção III, dentre outras, as ações e medidas de gerenciamento relativas à Água, Esgoto e Drenagem: “Publicização de informações à população sobre a qualidade da água e riscos associados à saúde; (...) Fiscalização da utilização clandestina das galerias pluviais utilizadas para lançamento de efluentes em logradouros providos de rede de esgoto; Coibição do lançamento de efluentes domésticos nos cursos d’água; Implantação das Estações de Tratamento de Águas – ETA’s e Estações de Tratamento de Esgoto – ETE’s, que se fizerem necessárias”.

Por fim, apenas em janeiro de 2007, foi publicada a Lei Federal 11.445 [24] que institui as diretrizes nacionais para o saneamento básico e da política nacional de saneamento básico. Dentre as prioridades de extrema importância esta a do município ter um sistema de coleta de esgotamento sanitário que atenda a 100% das residências, emissários e interceptores devidamente executados e ainda um sistema de tratamento de esgoto para todos os efluentes coletados [25]. Agora sim, busca-se atuar de maneira harmônica com a Lei de consórcios e convênios, na medida em que se cria instrumentos para que os entes federados possam exercer a gestão associada [26].

Além do exposto, não se pode esquecer que as características físicas do ambiente são fatores limitantes que devem ser levados em consideração para o estudo da gravidade dos problemas em tela e para a aplicação de possíveis soluções. Com base na pesquisa bibliográfica faz-se fundamental destacar que o aspecto do relevo local tem marcantes influências nas condições hídricas e térmicas dos solos, a dinâmica da água, a área em estudo, por exemplo, é de planície aluvial. Este fato indica que, apesar de ser o centro urbano do município, trata-se de uma área com pouco ou nenhum potencial para o desenvolvimento urbano estando sujeita a problemas com recalques nas construções; apresentando solos mal drenados; e níveis freáticos elevados, o que tem influência importante na possibilidade de contaminação do aqüifero tanto pelo esgoto quanto pelo escoamento dos rejeitos depositados, propositalmente ou não, na superficie e sujeição a inundações [27] e [28]. Além disso, a declividade do Rio Paraíba do Sul nesta área é baixa, cerca de 22cm/Km [29], o que acarreta em maior dificuldade de dispersão e transporte dos efluentes lançados nos local.

Tais resultados impelem que algo seja feito para que se altere esse quadro danoso à saúde da população e do ambiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O descaso e a ausência de investimentos no setor de saneamento no Brasil, em especial nas áreas urbanas, comprometeu a Saúde do Meio Ambiente, colocando em risco a saúde da população. Doenças como diarréias, dengue, febre tifóide e hepatite resultam em altas taxas de morbidade e mortalidade, inclusive infantil, através da contaminação da água por meio de esgotos domésticos, dejetos animais e lixo.

Há obrigações a serem executadas pelos atores sociais responsáveis pelo aprimoramento das condições de saneamento básico do Município de Campos dos Goytacazes. Assim, frentes de atuação concomitantes são necessárias para mitigar os impactos sobre o meio ambiente e a Saúde Pública da região, incluindo aqueles causados pela emissão de esgoto não tratado do Rio Paraíba do Sul que percorre o Município. Sem dúvida alguma, um importante passo em direção a resolução dos graves problemas já apresentados seria, a partir da regulamentação da Lei 11.445/07, a articulação entre os órgãos competentes pela preservação e recuperação da Saúde Ambiental da região, o que envolve ações voltadas ao Saneamento Básico, garantindo a sustentabilidade ambiental do uso das águas do Rio Paraíba do Sul, bem como de outras riquezas, tais como o solo do Município e as águas subterrâneas. Importante evidenciarmos que entraves burocráticos, fruto dessa desarticulação entre os órgãos competentes pela qualidade ambiental da região, impedem uma aplicação eficiente e rápida de recursos em obras de Saneamento Básico, construção de Estações de Tratamento de Esgoto, obras de melhoria e reparação das redes coletoras existentes, além de investimentos em outras atividades, tais como programas de educação ambiental.

O investimento em saneamento básico é previsto em Leis Federais, Estaduais e Municipais. A intervenção dos órgãos competentes precisa ser conjunta, respeitando a atribuição peculiar de cada uma delas, mas lembrando que se um órgão for omisso um outro pode agir usando as ferramentas legais previstas. Nesse sentido, a fim de exemplificarmos, podemos citar a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938/81), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97), a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei 3239/99) e o Plano Diretor Participativo, que é um instrumento que norteia a política de desenvolvimento municipal.

Embora as metas acordadas na Conferência Municipal de 2003 não tenham sido alcançadas, não se pode deixar de se destacar que avanços foram alcançados por meio da ação da Concessionária Águas do Paraíba. Além disso, vale ressaltar que estão em construção outras três estações de tratamento de esgoto, nos bairros Codin, Imperial e Matadouro. A previsão é que todo o esgoto municipal coletado seja tratado até o final de 2008 e que as redes de coleta abranjam ainda o Residencial Vila Alice (no

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bairro Parque Vicente Gonçalves Dias), e nos bairros Residencial da Lapa I e II e Imperial.

Outro avanço alcançado é a aplicação na agricultura do lodo de esgoto (biosólido) produzido no processo do tratamento do esgoto nas ETEs do Município. Assim, ocorre a diminuição do risco de contaminação das águas do Paraíba do Sul, pois está sendo solucionado o grave problema de se encontrar formas adequadas de disposição desse resíduo sólido. Importante lembrar que um manejo inadequado do lodo das ETEs pode vir a se tornar um problema grave de Saúde Pública, devido ao risco de contaminação das águas e do solo da região em estudo e de áreas circunvizinhas.

A Sociedade Civil também deve se organizar para cobrar do Poder Público suas atribuições e, ao mesmo tempo, assumir sua cota de responsabilidade no processo, atuando na preservação do Patrimônio Público, tais como as redes pluviais, redes de esgoto, de água e auxiliando na fiscalização quando possível, como nos casos em que é possível denunciar a presença de ligações clandestinas de esgoto nas galerias pluviais. Portanto, o desenvolvimento de programas de Educação Ambiental é um dos caminhos a serem trilhados, favorecendo a quebra de paradigmas e de mudanças de hábitos da população que prejudicam as condições de Saúde Ambiental e de qualidade de vida da comunidade de Campos dos Goytacazes e, assim, esse trabalho pode ser útil como instrumento a ser utilizado em algum desses programas, à medida que ele pode sem empregado para despertar a população para o problema sócio-ambiental causado pela falta de coleta, tratamento e disposição de rejeitos, além de alertá-la sobre a importância do planejamento e gestão ambiental, o que inclui todos os aspectos ligados ao Saneamento Básico.

Concluindo, as ações de planejamento e a gestão do sistema de saneamento básico são complexas, sendo necessário um olhar holístico, equipes multidisciplinares, articulação entre diversas esferas de poder, iniciativa privada, ação da sociedade e vontade política para se cumprir metas, leis e que ocorra uma fiscalização séria e comprometida com a qualidade das águas do Rio Paraíba do Sul, do Meio Ambiente e da Saúde Pública no Município de Campos dos Goytacazes.

REFERÊNCIAS

[1] e [29] Ministério dos Transportes. Disponível em: http://www.transportes.gov.br/bit/hidro/detrioparaibadosul.htm, data de acesso: 30 de outubro de 2007.

[2] Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA. Disponível em: http://www.feema.rj.gov.br/bacia-rio-paraiba-sul.asp?cat=75, data de acesso: 01 de novembro de 2007.

[3] Fernandes, A.T.; Sampaio, C.M.F.G.; Carvalho, F.De. Avaliação dos impactos ambientais, sofridos pelos pescadores, em virtude do acidente provocado pela Cataguazes de Papel na Bacia do Rio Paraíba do Sul. Monografia de Pós-Graduação. Campos dos Goytacazes: CEFET Campos: 2005.

[4] e [12] Comitê de Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Disponível em http: http://ceivap.org.br/bacia_1_2.php e http://ceivap.org.br/bacia_1_5.php acessado em 30 de outubro de 2007.

[5] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em : <http: // www.ibge.gov.br>, data de acesso: 31 de outubro de 2007.

[6] Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes. Campos dos Goytacazes: Perfil 2005. Campos dos Goytacazes: Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, Instituto Superior de Ensino do CENSA, FUNDENOR, 2006.

[7] e [27] Ramalho, R.S. Diagnóstico do Meio Físico como Contribuição ao Planejamento do Uso da Terra do Município de Campos dos Goytacazes. Tese de Doutorado. Campos dos Goytacazes: UENF, 2005.

[8] Fundação Natureza. 2007. Disponível em: http://fundacaonatureza.org.br/ano_saneamento.htm, data de acesso: 30 de outubro de 2007.

[9] e [24] Brasil. Lei 11.445, de 08 de janeiro de 2007.

[10] Rodrigues, W.O. “Os cortiços de ontem e as favelas de hoje; Análises jus-urbanistas da reforma urbana de Saturnino de Brito e o Plano Diretor de Campos dos Goytacazes – 1903-2003”. Anais do Seminário Saturnino de Brito, UENF: outubro/2003. Pp. 113-122.

[11] Pinto, J.R.P. Um Pedaço de Terra Chamado Campos. Sua geografia e seu Progresso. 1ª ed., Rio de Janeiro: 1987.

[13] Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística - IBGE, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

[14] e [16] Santos, M.O.R.M. O impacto da cobrança pelo uso da água no comportamento do usuário. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.

[15] Weber, W. (coord.). Ambiente das Águas no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SEMADS, 2001.

[17] e [18] Bustos, M.R.L. A educação ambiental sob a ótica da gestão de recursos hídricos. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC-SP, 2003.

[19] Brasil, Lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997.

[20] Instituto Socioambiental. “Uma Lei em conta gotas”, in: Água: Risco de Escassez. Mar/2005. Disponível em: http://www.socioambiental.org/esp/agua/pgn/otrechosulemananciais.html, data de acesso: 04 de novembro de 2007.

[21] Brasil. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

[22] Pessanha, R.M. (org.). Campos dos Goytacazes “Uma Cidade para todos” - Análises e resoluções da 1ª Conferência Municipal em 2003 – Subsídios para a 2ª Conferência em 2005. Campos dos Goytacazes: CEFET-Campos, 2005.

[23] Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes. Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes/RJ. Produto 6 – Propostas Finais. Campos dos Goytacazes: IBAM, 2006.

[25] Souza, L.C.De. “O saneamento básico e a vida: Breves comentários à Lei 11.445/2007”. Anais do Congresso Internacional de Direito Ambiental : Meio Ambiente e Acesso à Justiça – Flora, Reserva Legal e APP. Vol..1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.pp. 437/451.

[26] Costa, S.S.Da. A visão da ASSEMAE sobre a promulgação da Lei 11.445/07. 2007. Disponível em: http://www.assemae.org.br/, data de acesso: 03 de janeiro de 2008.

[28] Cunha, S.B.Da; Guerra, A.J.T. (orgs.). Geomorfologia e Meio Ambiente. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

© 2008 SHEWC July 20 - 23, 2008, Rio de Janeiro, BRAZILSafety, Health and Environmental World Congress

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