DESPEDINDO-SE DE FÁTIMA (do Jornal Nacional?): vamos ... · iniciando-se pelo portal G1, ......

15
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012 www.compos.org.br 1 DESPEDINDO-SE DE FÁTIMA (do Jornal Nacional?): ...vamos ficar órfão (...) o JN fica sem sentido...1 Antonio Fausto Neto 2 Fabiane Sgorla 3 Resumo: O acontecimento que relata a saída da jornalista Fátima Bernardes do Jornal Nacional é analisado através de discursos construídos pela produção e receptores do sistema midiático Globo, através de processos interacionais desenvolvidos numa “zona de interpretação”, no âmbito dos seus “contratos”. Descreve-se, particularmente, os comentários produzidos pelos receptores segundo corpus aqui denominado pelo “discurso da despedida”. Indicando outras leituras, distintas da estratégias da organização midiática, os receptores, além de lamentar mudanças na “estrutura de mediação”, se auto-qualificam “órfãos” pela saída da apresentadora. Tal anúncio, espécie de desdobramento do acontecimento, simboliza, possivelmente, rupturas e perdas no “contrato de leitura” que envolve produção e recepção do JN. Palavras-Chave: Zonas de Interpenetração. Discurso. Produção. Recepção. Telejornal 1. Apresentação Nos primeiros dias de dezembro de 2011, a Rede Globo de Televisão anunciou através de uma escalada de matérias jornalísticas que circularam em vários dos seus dispositivos - iniciando-se pelo portal G1, passando pelo próprio Jornal Nacional (JN) (site e telejornal), deslocando-se para mídias daquela instituição e, migrando depois para outras mídias - acontecimento que transcenderia as suas rotinas organizacionais e jornalísticas. O acontecimento correspondeu a substituição da jornalista Fátima Bernardes, apresentadora durante 14 anos do seu carro-chefe teleinformativo, Jornal Nacional, ao lado do seu marido e editor William Bonner, pela jornalista Patrícia Poeta. 1 Trabalho apresentado ao “GT Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos” do XXI Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012. Colaboraram as bolsistas Ms.Aline Weschenfelder (CNPq/AT-NS) e Alessandra Fedeski (FAPERGS IC). 2 Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1972), mestre em Comunicação pela UnB (1977), doutor em Sciences de La Comunication et de L'information EHSS - França (1982) e estudos de pós-doutorado na UFRJ. Professor titular da UNISINOS/São Leopoldo/RS. Bolsista Pesquisador 1A CNPq. [email protected]. 3 Doutoranda em Ciências da Comunicação pela UNISINOS/São Leopoldo/RS. [email protected].

Transcript of DESPEDINDO-SE DE FÁTIMA (do Jornal Nacional?): vamos ... · iniciando-se pelo portal G1, ......

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 1

DESPEDINDO-SE DE FÁTIMA (do Jornal Nacional?): “...vamos ficar órfão (...) o JN fica sem sentido...”1

Antonio Fausto Neto 2

Fabiane Sgorla 3

Resumo: O acontecimento que relata a saída da jornalista Fátima Bernardes do

Jornal Nacional é analisado através de discursos construídos pela produção e

receptores do sistema midiático Globo, através de processos interacionais

desenvolvidos numa “zona de interpretação”, no âmbito dos seus “contratos”.

Descreve-se, particularmente, os comentários produzidos pelos receptores segundo

corpus aqui denominado pelo “discurso da despedida”. Indicando outras leituras,

distintas da estratégias da organização midiática, os receptores, além de lamentar

mudanças na “estrutura de mediação”, se auto-qualificam “órfãos” pela saída da

apresentadora. Tal anúncio, espécie de desdobramento do acontecimento,

simboliza, possivelmente, rupturas e perdas no “contrato de leitura” que envolve

produção e recepção do JN.

Palavras-Chave: Zonas de Interpenetração. Discurso. Produção. Recepção.

Telejornal

1. Apresentação

Nos primeiros dias de dezembro de 2011, a Rede Globo de Televisão anunciou através

de uma escalada de matérias jornalísticas que circularam em vários dos seus dispositivos -

iniciando-se pelo portal G1, passando pelo próprio Jornal Nacional (JN) (site e telejornal),

deslocando-se para mídias daquela instituição e, migrando depois para outras mídias -

acontecimento que transcenderia as suas rotinas organizacionais e jornalísticas. O

acontecimento correspondeu a substituição da jornalista Fátima Bernardes, apresentadora

durante 14 anos do seu carro-chefe teleinformativo, Jornal Nacional, ao lado do seu marido e

editor William Bonner, pela jornalista Patrícia Poeta.

1 Trabalho apresentado ao “GT Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos” do XXI

Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012.

Colaboraram as bolsistas Ms.Aline Weschenfelder (CNPq/AT-NS) e Alessandra Fedeski (FAPERGS IC). 2 Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1972), mestre em Comunicação pela

UnB (1977), doutor em Sciences de La Comunication et de L'information – EHSS - França (1982) e estudos de

pós-doutorado na UFRJ. Professor titular da UNISINOS/São Leopoldo/RS. Bolsista Pesquisador 1A CNPq.

[email protected]. 3 Doutoranda em Ciências da Comunicação pela UNISINOS/São Leopoldo/RS. [email protected].

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 2

Este registro foi desencadeado através de complexa estratégia de natureza

autorreferencial que se engendra e é controlada no âmbito da “realidade dos meios”,

alastrando-se para ambientes extra midiáticos, como as diferentes instituições sociais e,

particularmente, os atores sociais, enquanto instância de recepção. O trabalho técnico-

discursivo feito “zona de interpenetração”4 articula o sistema midiático e a recepção, através

da qual os atores sociais interagem com as estratégias postas em cena pelo âmbito televisivo.

Este fato intra-midiático é transformado em acontecimento e dele se ocupam notícias, artigos,

entrevistas, etc, inclusive o dos receptores alçados ao processo de circulação pela seção dos

“comentários” das mídias digitais do sistema Globo.

O acontecimento, de acordo com a lógica e as operações de sua produção, evolui em

um complexo processo de circulação, segundo várias etapas. Momento 1) (01/12 – quinta

feira) reúne vários “microacontecimentos” (fatos): notícias em site oficiais, que antecedem a

saída da jornalista e o anúncio de sua substituta, entrevista coletiva dada pela apresentadora,

Patrícia Poeta, o editor do JN, o diretor de jornalismo da empresa de comunicação e Renata

Ciribelli (substituta de Poeta no Fantástico) e o anúncio oficial das alterações feito na

emissão do JN, quando se culmina, na noite do mesmo dia, a mudança. Momento 2) (05/12 -

segunda-feira) caracterizado pela despedida de Bernardes do JN e a recepção prestada, ao

vivo, a sua substituta. Momento 3) que decorre na terça-feira (06/12) e marca a entrada em

cena da nova apresentadora. Momento 4) caracterizado pelas repercussões do acontecimento,

em suas fases precedentes, especialmente o trabalho de correferência dinamizado pela

instituição Globo através de seus diferentes dispositivos (jornal, rádio, televisão e internet).

Nestes quatro momentos, configurados por um trabalho do nicho produtivo, os receptores se

conectam ao acontecimento através do ingresso ensejado a uma “zona de interpenetração”

instituída pelo dispositivo televisivo. Sob certas condições regulatórias, tal zona possibilita a

4 Resumidamente, o conceito de “zona de interpenetração”, para Luhmann: “não se trata de uma relação geral

entre sistema e meio, mas sim de uma relação entre sistemas que pertencem reciprocamente um ao meio do

outro. (...) Fala-se em penetração, quando um sistema disponibiliza a sua própria complexidade, para que outro

se construa. (...) Assim, existe interpenetração, quando essa situação é recíproca: ou seja, quando ambos os

sistemas mutuamente permitem-se proporcionar sua própria complexidade pré-construída. (...) Em caso de

penetração, o comportamento do sistema penetrador está co-determinado pelo sistema receptor. No caso da

interpenetração, o sistema receptor exerce também uma influência retroativa, sobre a formação de estruturas do

sistema penetrador, intervindo nele, portanto de duas formas: a partir do interior e do exterior. (...) Os sistemas

que interpenetram permanecem como meio um para o outro, significando que a complexidade que mutuamente

disponibilizam é inapreensível, isto é, desordem”. LUHMANN, Niklas, Introdução á Teoria dos Sistemas.

Petrópolis: Vozes, 2009. (p, 267-268).

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 3

emergência do momento 5) - central para esta comunicação - a “celebração da despedida”

também por parte do público do telejornal, enunciada através de inúmeros e singulares

comentários.

Por que o dispositivo televisivo deu a este fato de caráter organizacional-jornalístico,

uma ênfase pública de tal envergadura através de uma sequência de fatos cujas operações

discursivas atravessaram as fronteiras do sistema midiático, irrompendo para o ambiente

social, através de estratégias interacionais? Estudos (SILVERSTONE,1996), (BRUSINI,

1982) e (MORIN, 1969), chamam atenção para a importância que assume as atividades

produtoras de sentidos das mídias, sejam aquelas voltados para a vida dos seus atores,

enquanto “celebridades” ou de “olimpianos”. Também outros que tratam das incidências

sobre a cotidianidade de diferentes atores e suas “práticas sociais”.

Tais atividades têm um traço essencial: o fato do sistema midiático dispor de autonomia

para produzir suas próprias operações, aspecto que leva Luhmann (2005, p.18) a argumentar

que “há, portanto, muito sentido considerar a realidade dos meios de comunicação como as

comunicações que passam com e por eles”. A atividade telejornalística, enquanto “instância

de contato” entre instituições e os atores sociais, tem seus gêneros examinados por estudos,

especialmente as transformações havidas nos modos de enunciar notícias.

A natureza estrutural da mediação tele jornalística vem sendo refletida por pesquisas

que chamam atenção para as instâncias da produção midiática em que se engendram tais

operações, particularmente a performance dos atores, como os apresentadores de telejornais,

voltada para a construção de vínculos com a recepção. Especialmente, as estratégias sobre as

quais se edificam e funcionam os “contratos de leitura” em que repousam padrões e

possibilidades de confiança atribuídos à realidade através da enunciação dos meios. De modo

específico, os apresentadores não são apenas leitores de alguma coisa que lhes ordenam o

script dos telejornais, mas atuam como complexos dispositivos, cujos trabalhos de produção

de sentido se fazem pela atividade do “corpo significante” que opera a gestão e a qualidade

dos vínculos entre os meios e a sociedade (VERÓN, 1983, 2001 ).

Tais angulações constituem-se cada vez mais em objetos de estudos e é em torno da

singularidade do trabalho significante dos apresentadores, enquanto “elos de contatos”, que

se estrutura e funciona a organização da passagem do que “vem das instituições” para as

realidades dos atores sociais receptores. Na cotidianidade de sua atividade, os apresentadores

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 4

além de se constituírem para os atores em espécies de “portas de acesso” ao mundo dos

sistemas, reduzem também para eles a complexidade da realidade que lhes é externa. Mais

que isso, suas presenças instituem um espaço-temporalidade próprio o que favorece vínculos

e o estabelecimento de construções identificatórias entre seu trabalho e os dos atores,

principalmente com o deslocamento destes para a “zona de interpenetração”, onde referencias

simbólicas são instituídas pela atividade interacional das diferentes gramáticas de sentidos,

em produção e em reconhecimento.

A partir destas questões, propomos aqui examinar a partir de um determinado

acontecimento, relações entre produtores e receptores, a partir de uma atividade discursiva

que se realiza numa “zona de interpenetração”, na qual os discursos de produtores e de

receptores se entrelaçam e se co-determinam e também se afastam, segundo atividade de

intensa complexidade, em larga escala inapreensível. Leva-se em conta a autonomia que o

sistema midiático tem para dinamizar o acontecimento em termos de processos e de circuitos

de circulação, a construção do espaço de acesso dos receptores ao referido processo e o

trabalho discursivo dos receptores, através dos comentários.

A metodologia abordada envolve duas operações analíticas: uma breve descrição da

anatomia e processualidade do acontecimento, para chamar atenção sob a ênfase da lógica

autorreferencial sobre a qual o mesmo é estruturado. E a descrição dos discursos da recepção

a partir de estratégias discursivas por ela elaboradas, na “zona de interpenetração”, levando-

se em conta os “constrangimentos estruturais” de um modelo de comunicação que, de alguma

forma se impôs às condições de interação. As análises se baseiam na recuperação de matérias

jornalísticas, produzidas no âmbito digital, tanto por falas enunciadas pelo nicho

institucional, como por aquelas da recepção que se manifestam pelos comentários feitos em

alguns dos dispositivos do sistema Globo. O período observado é do dia 1° de dezembro de

2011 a 17 de janeiro de 2012, levando em conta o “antes”, o “durante” e o “depois”

(repercussões) que envolve a saída de Fátima Bernardes da posição de apresentadora do JN.

2. Breve anatomia descritiva do acontecimento

O acontecimento segue vários passos num ciclo de quatro ou seis dias, através de

informações que circulam dominantemente nas fronteiras do sistema Globo. O anúncio

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 5

oficial e as explicações acerca da saída Bernardes foram feitos pela Globo através de

entrevista coletiva, realizada no dia 1° de dezembro de 2011, quinta-feira. No contexto dos

dispositivos da Globo a alavancada de construção midiática do acontecimento se deu através

de uma notícia publicada às 10h56 deste mesmo dia, “Fátima Bernardes comandará novo

programa e Patrícia Poeta assume JN”, disposta no G1, portal de notícias na web e

congregador dos diversos veículos da Rede Globo.

O fato destacado como novidade na programação da Globo, foi revelado no telejornal

JN pelo editor-chefe e apresentador, Bonner, ao final da edição de 1° de dezembro de 2011.

Nesse momento, Bernardes apresenta reportagem explicando a origem de seu desejo de

comandar um programa só seu, na tentativa de justificar a sua saída do telejornal mais

assistido do país. A última participação de Bernardes na bancada e recepção de sua sucessora

ocorrem 4 dias depois, na edição do JN de 5 de dezembro, segunda-feira, que foi qualificada

por Bonner como “noite especialíssima”.

O ritual escolhido naquela noite foi um “bate-papo” ao vivo, protagonizado por Bonner,

Bernardes e Poeta e o deslocamento de fatos de uma mídia para vários suportes midiáticos,

parece representar (para não dizer constituir) a própria encenação do acontecimento

autorreferencial programado que se desenrola na circunscrição do sistema jornalístico Globo.

As falas roteirizadas dos atores em jogo expõem o uso de estratégias de um discurso auto-

celebrativo que destaca adjetivações sobre as duas jornalistas através da explicitação de

detalhes de suas carreiras. Estas construções marcam o momento em que se produz a

tentativa de desmontagem de uma estrutura enunciativa que funcionou durante longo período,

bem como busca pela instauração de um novo cenário para o JN, sem por em risco o

“contrato de leitura” que funda as relações entre o telejornalismo da Rede e os seus

receptores.

O fluxo do acontecimento desenvolve-se em dez diferentes dispositivos do “Sistema

Globo”, inseridos no portal G1 (www.g1.com) e no site institucional da Rede Globo de

Televisão (www.globo.com), quem compõem a instância de oferta de sentidos, do ponto de

vista institucional (“nicho de sentidos”), acerca do reajuste no Jornal Nacional. Entre os

dispositivos com foco jornalístico ou de entretenimento, encontramos: G1, versão online do

JN, Blog JN Especial, versão online do Fantástico, do jornal O Globo, do jornal Extra,

versão online do programa televisivo de entrevistas Estúdio I, versão online programa Globo

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 6

News em Pauta, versão online do telejornal Globo News Notícias (todos da Globo News),

versão online da Rádio CBN, site institucional Rede Globo, site Ego que retrata a vida das

celebridades e a versão online do programa sobre os bastidores da emissora, o Vídeo Show.

Algumas dos dispositivos citados (ex.: matérias do site Ego e matérias no espaço digital

do Fantástico) apresentam o espaço estrutural “comentários” que supõe a interação no

perímetro exclusivamente regido pela Globo. Outros (ex.: espaços online da Globo News e

espaço online do JN) apresentam links para compartilhar os conteúdos e comentar em lugares

fora do ambiente da instituição de comunicação, tais como as redes sociais, Facebook,

Twitter e Orkut. Destacamos o espaço interacional do Blog JN Especial, coligado ao site do

Jornal Nacional, que compreende o blog de base informativa e institucional do telejornal.

Nele são dispostos todos os vídeos veiculados pelo telejornal sobre a saída de Bernardes e

posse de Poeta, bem como expõem, também através de fotografias, textos e vídeos,

momentos prévios a grande mudança como: as rotinas de produção enfrentadas pelas

jornalistas, enfatizando o último dia de Bernardes, bem como o primeiro dia de JN de Poeta,

a escolha dos respectivos figurinos, a seção de maquiagem e de preparação do cabelo das

apresentadoras, etc.

Os bastidores da encenação do acontecimento também são expressos no Blog JN

Especial através de um vídeo exclusivo que mostra a recepção de Poeta ao estúdio do Jornal

Nacional, por Bernardes e Bonner. Nele, Bernardes apresenta o corredor de entrada para o

estúdio do JN, a bancada oficial do telejornal, o modo de operação de cada câmera revelando

elementos específicos do fazer jornalístico, Poeta faz perguntas e tira dúvidas técnicas. O

momento é qualificado por Bernardes como “momento histórico”. Essa passagem parece

ritualizar e cristalizar o instante da transição dos poderes e a oportunidade que o público tem

de comentar o processo faz dele parte desta transição.

Por já estar legitimado como espaço de interação do Jornal Nacional, e por ser uma

instância que promete revelar detalhes que extrapolam a rotina do telejornal, o Blog JN

Especial se configurou como o dispositivo que obteve maior participação do público. Entre o

dia 1º de dezembro ao dia 17 de janeiro de 2011 foram feitos 1286 comentários da recepção.

Esses dados evidenciam a existência de um sistema específico cuja atividade tecno-

discursiva, da “geração de realidades”, se realiza de modo autônomo e segundo operações

próprias. A exposição midiática dos detalhes da mudança e desmontagem do cenário do

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 7

telejornal (que não é estrutural, mas que afeta, de algum modo, o seu status de mediação, em

termos simbólicos), parece justamente, buscar amenizar a abertura de uma possível fenda no

“contrato de leitura” do dispositivo e relacionamentos em que a engrenagem do Jornal

Nacional, ou mesmo da Globo, está envolvida. Há um trabalho estratégico e explícito, em

tempo real, no sentido de recuperar a estabilidade de um sistema que naquele momento

aparece susceptível de “turbulências”.

Com efeito, observamos que a complexidade desse acontecimento extrapola o âmbito

produtivo das mídias e é ampliada para uma “zona de interpenetração”, enquanto espaço de

interação que envolve as mídias e a ambiência receptora e que permite, em termos

discursivos, a operação que inclui a “recepção no negócio da mudança”. O convite à entrada

em cena dos receptores, através da dinâmica dos comentários, promete uma interação no

próprio espaço controlado pelo nicho institucional produtor. Mas, ao mesmo tempo permite

também que o público recupere (segundo suas lógicas) a narrativa que é proposta pelo nicho

institucional Globo e a atualize através de sua conversação, seja na “zona de interpenetração”

e, ainda em espaço não regulados – caso das redes sociais, aspectos aqui não examinados.

3. Lógicas e operações dos processos de recepção nos “zonas de interpenetração”

Os comentários feitos pelos internautas no âmbito da “zona de interpenetração”

caracterizam a emergência de um amplo “operador de identificação”, “A celebração da

despedida” de Fátima Bernardes. Para fins de nossa análise, restringimos o material dos

receptores em dois subconjuntos temáticos.

De um lado, os registros relacionados ao âmbito pessoal da apresentadora, como uma

espécie de momento celebrativo, sendo constituído por discursos de saudação, cumprimentos,

lamentos, testemunhos, solicitações, votos, despedidas, etc. Esses discursos da recepção

destacam, especialmente, a perda do contato com a apresentadora, aspecto revestido de uma

construção familiar, em função do contato diário que os atores em recepção travam com

Fátima Bernardes. Ou seja, as construções ali enunciadas remetem à problemática de uma

relação propriamente dita entre os atores em recepção e dimensões propriamente, subjetivas

ensejadas pelo seu contato com o telejornal e sua apresentadora.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 8

O outro subconjunto refere-se aos comentários que abordam questões e observações

sobre aspectos tecno-profissionais relacionados com a despedida da jornalista, os quais

apresentam comparações, explicitam críticas, anunciam certo grau de discordância sobre a

saída dela, apresentam sinais de conhecimento que tem das rotinas telejornalísticas, etc. Essas

marcas discursivas lançam pistas sobre o perfil dos atores em recepção mais associados com

a problemática jornalística e do sistema Globo do que, propriamente, com aspectos humanos

e pessoais ligados a Bernardes.

3.1. Despedidas privadas, em tom de afetos

A história do percurso jornalístico da apresentadora, no JN, é associada pelos

internautas, às suas próprias histórias, ao dizerem que “não queria que ela saísse do

programa. Lá se vai um pouco da minha historia”, (Rosilene, 01/12, G1). Ou a dos seus entes

mais queridos, lembrando a natureza do contato que tinham com ela: “nossa, que pena.

Minha filhinha de três aninhos vai sentir muito, pois ela assiste o jornal só para dizer boa

Noite Titia Fátima!!!!”, (Josiani, 05/12, G1).Reações relacionadas com este aspecto,

aparecem em diferentes tons: “Fátima foi difícil segurar as lágrimas quando você anunciou a

saída do JN”, (Daiane de Souza, 04/12, G1).

Elogia o lado profissional de Bernardes: “Fátima é certeza de Ibope em qualquer

programa que comande... é absurdamente carismática”, (Isa, 04/12, G1).

Esboça “ao vivo” pedido aos editores para que reconsiderem a decisão da saída dela:

“Não tire a Fátima do JN, ela é a cara do programa”, para em seguida revelar seu incomodo

com a notícia recebida: “Não aceito, não posso fazer nada, só digo que odiei a notícia e para

mim é uma péssima notícia”, (Aurinete, 05/12, G1).

Internauta desportivo também reage, considerando as afinidades da jornalística com o

tema do futebol: “Fátima como ficará a copa de 2014, sem você espero que você faça um

bico para o JN” (Elaine Cristina, 03/12, G1).

Opina-se, como se fosse um ente próximo, sobre o peso do caráter familiar na decisão

da apresentadora: “A Fátima teve muita coragem de conciliar carreira e família. Que Deus a

abençoe nesta nova fase e curta muito cuidar de seus filhotes e maridão” (Geórgia, 05/12,

G1).

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 9

Sentimentos de despedida são externados: “Como posso me comover tanto assim com

a despedida de alguém que nem sabe da minha existência. Como posso sentir,

antecipadamente, tanta saudade de uma pessoa que eu sequer conheço? Que sensação

estranha e deliciosa” (Everaldo Nunes, 05/12, G1).

Uma fala faz uma espécie de “leitura de conjuntura”, dizendo dos efeitos que a saída

dela do JN tem sobre o país: “O Brasil levou um susto com a notícia da Fátima Bernardes

sair do JN - nunca pensamos que isso aconteceria. A saída da Fátima vai mexer muito com o

Brasil, aliás já está mexendo” (Sonia Boldrini, 03/12, G1).

A desolação da saída se abate sobre o ambiente familiar do internauta, bem como a

impossibilidade da expectativa de segui-lá em seu novo percurso: “não gostei nem um pouco

de saber que nas noites de segunda a sexta não teremos mais Fátima Bernardes em nossa

casa. Lamento não ter TV a cabo para acompanhar teu novo programa” (Shirlen, 02/12,G1).

Fátima e Willian são tomados como modelos: “Fiquei muito triste porque não vou ver

mais Fátima à frente deste grande jornal, pois tomo ela e o William como exemplo, pois um

dia eu quero estar sentado nesta cadeira. Tenho ainda 15 anos mas já sonho em ser um

grande jornalista” (Igler Felipe, 03/12, G1).

Internauta apresenta-se como porta-voz da população brasileira agradece os serviços

por ela prestados, ao país: “Fátima, muito obrigado por todos estes anos de dedicação a nós

brasileiros” (Elaine Oliveira, 06/12, G1).

Vínculos mais estreitos com a jornalista são proclamados: “Fátima, você faz parte de

minha vida durante todos estes anos”, (Claudia Quaresma 06/12, G1).

Aspectos da vida conjugal da apresentadora são destacados como modelo,

relacionando aspectos da vida familiar do internauta: “Este casal me espelha em minha vida

eu e a minha esposa, trabalhamos juntos se for para melhor iremos nos espelhar em vocês,

Fátima” (Reginaldo, 05/12, G1). Ou ainda: “Fátima, vou sentir muuuuuiiiittttooo sua falta

no JN. É o único momento em que eu e minha família reunimos para assistir o jornal. Você

fez parte de nossas vidas nos te adoramos!!” (Elzi Alves, 5.12 G1).

As rotinas do JN, que envolviam a performance do casal-apresentador são evocadas

como parte das perdas: “Vou sentir muito falta do “onde está você Fátima Bernardes?” E

daqueles boas noites cheio de paixão (...)” (Isadora, 05/12, G1)

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 10

3.2.Despedidas públicas, em tom de crítica

Certamente sem levar em conta racionalidades sobre as quais se assentam as decisões

organizacionais jornalísticas, alguns internautas estranham a separação de Fátima e William,

no JN, algo que encaram como um fato inadmissível: “nunca imaginei que Fátima e William

iriam se separar do JN” (Elianay, 06/12, G1). Ou: “Fátima, esperamos você logo, pois o JN

é igual a você e ao Bonner, não devem se separar nunca!” (Rodolfo Soares, 06/12, G1).

Mas a separação é admissível, para outro, desde que Fátima atenda ao pedido do

internauta: “Fátima sentirei saudades de você ao lado William. Quero só de fazer um pedido:

entrevista o William, no seu programa se for de entrevista” (Pollyana, 06/12, G1).

Agradecimentos enfatizam o desempenho profissional da apresentadora, no lugar de

virtudes pessoais: “Fátima obrigada pelo lindo trabalho que sempre invadiu nossas casas de

segunda a sábado com um belo noite, nos trazendo informações tanto boas quanto ruins,

assim é a vida. Receba o nosso muito obrigado” (Veronique Therese, 05/12, G1).

Os méritos atribuídos ao JN são associados à pessoa da jornalista-apresentadora e ao

seu marido-editor, aspecto responsável pela fidelidade do receptor, ao programa. Daí uma

crítica velada à sua substituição: “Eu não gostaria que FB deixasse o JN, só assisto por causa

do casal” (Rosangela, 05/12, G1).

A perda da apresentadora é dramatizada no discurso que reúne, ao mesmo tempo,

desolação, protesto, crítica, testemunha e desabafo: “Eu acho uma injustiça o que vocês

fizeram hoje. Tenho 37 anos de idade e chorei muito vendo a despedida da Fátima. Nós

brasileiros não merecíamos o que aconteceu, vocês que fazem este jornal tem a ideia de

quantos milhares de brasileiros ficaram tristes, com a despedida de Fátima. Gente, vocês

fazem parte das nossas vidas, vocês entram em nossas casas, todas as noites, não façam isso

não” (Altay Pereira, 05/12, G1).

Em tom de desolação a saída é lamentada, confessa a internauta, sugerindo ainda

outra alternativa para contornar este encaminhamento. “recebi i a notícia com tristeza...

deveriam ter feito um plebiscito” (Daniella, 02/12, G1).

Observações mais críticas são feitas sobre o acontecimento, deslocando-se aspectos

que destacam a perda da apresentadora em si, para outros ângulos críticos que envolvem o

formato, as decisões organizacionais, a produção jornalística etc: “Gente eu não entendo,

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 11

aliás eu entendo, tremenda jogada de marketing da Globo, o que tem demais a Fátima

Bernardes? Minha gente, quem não se torna ídolo tendo uma Rede Globo por trás?” (Mara

Campos, 5/12, G1)

Em tom comparativo, o internauta indica outras preferências: “Notícia bombástica,

até triste, pois esperávamos outros nomes como Sandra Anneberg, Renata Vasconcelos, Ana

Paula Araujo, Zileide Silva, Renata Capucci, Glória Maria e até Ana Paula Padrão”,

(Marcus Vinícius, 04/12, G1).

Há discursos que manifestam a orfandade, que se faz através de sentenciamento

formulando crítica a uma decisão que é considerada errada: “Sem querer afetar a sua

substituta (Patrícia), vamos ficar órfãos, o JN demonstrava um exemplo de família, fica sem

sentido o JN, não foi feliz a ideia do diretor indicar Fátima para este programa?” (Erivan,

02/12, G1).

Outro discurso “naturaliza” a decisão e recusa a orfandade: “Me diz, para que todo

este circo para uma simples troca de apresentadora?” (Ronaldo, 05/12, G1).

Outros, de modo mais didático, preferem comparações e justificam porque o JN perde

com a saída: “É uma pena a saída da Fátima. Ela é a cara do JN. A Patrícia é uma super

profissional, mas lá no Fantástico. O JN foi e é sempre de Fátima Bernardes e William

Bonner. O JN jamais será o mesmo”, (Fátima, 04/12, G1). Este aspecto é aprofundado por

discurso-vizinho: “Gosto muito da PP, mas o JN não será o mesmo sem a FB. Acho inclusive

que o JG nunca foi o mesmo depois da saída da Ana Paula Padrão. Uma pena” (Jacks,

04/12, G1).

Na esteira das “reclamações”, persiste o tom de recusa pela mudança, através de

pergunta dirigida, quem sabe à emissora: “não entendi esta mudança, se consideramos

perfeita a apresentadora?” (Nolto S. Santos, 04/12, G1).

Críticas mais “estruturais” superam o tom focado sobre a jornalista: “Não basta

trocar o apresentador. Tem é que mudar o tipo de jornalismo do JN. Um jornal insosso, sem

opinião, sempre em cima do muro, tentando um ridículo “politicamente correto” (...) A

atração é a notícia, não o apresentador” (Marco Provin, Zh.com, Clirbs, 01/12).

Internauta faz sua própria “auto-escolha”: “Se me fosse dado o poder de determinar

quem sairia, certamente operaria pelo “intragável” pai de seus filhos, este tal de Bonner. A

“desculpa” de cansaço não cola (...) Agora Bonner não precisará mais perguntar: aonde

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 12

você está Fátima Bernardes? Se ousar perguntar, vai receber como resposta: “no fogão

William, no fogão preparando o jantar”” (Nicanor Amaro Silva Neto, 01/12, O Globo,

oglobo.com./pais/noblat/post).

4. Considerações finais

É neste espaço de discursos tacitamente entrelaçados, que lógicas distintas - a das

mídias e a dos atores - se encontram. Nele, discursos tratam de diferenciar as estratégias em

produção e recepção. Trata-se de um encontro, em termos simbólicos, necessariamente de

lógicas não convergentes, na medida em que o acesso às estruturas, como as da “zona de

interpretação”, não significa necessariamente a convergência de práticas discursivas e dos

seus processos enunciativos de produção de sentido. Fragmentos discursivos, aqui, reunidos e

analisados, mostram que, por injunção da ambiência da midiatização - onde tecnologias se

convertem em meios - os receptores da mídia jornalística digital vêm participar dos

processos interacionais ofertados, mas este ato não significa necessariamente “jogar o jogo”

,nos termos propostas pelo sistema midiático.

As marcas analisadas mostram que os receptores, sem a “mediação de intermediários”,

falam das estruturas de mediação jornalísticas, de sua relação com a televisão e dos

dispositivos de contatos que dão vida e consistência aos contratos estabelecidos entre eles e o

sistema midiático. Se a lógica industrial-midiática se fixa na “arquitetura” e no

funcionamento dos seus dispositivos e estruturas – como é o caso do âmbito da apresentação

– os receptores singularizam seus vínculos com as mídias, através das pessoas, para não dizer

no trabalho simbólico-indicial por elas investidos, como é o caso da apresentadora, enquanto

um “corpo significante” que ali produz sentidos.

As mensagens constituídas pelo trabalho de recepção revelam posições distintas, não

pondo em questão a importância do lugar e do trabalho da mediação em si. Questiona-se o

modelo estrutural do telejornal, os critérios sobre os quais as mudanças são definidas,

especialmente os protocolos que não levam em conta uma “cultura de contato” que se tece e

se desenvolve no momento em que o telejornal se põe em vínculo com os expectadores. Para

tanto, sob diferentes marcas – de lamentos e de desapontamentos – defendem estes discursos

a permanência do “corpo significante” (da apresentadora) com o qual os receptores mantem

relações de natureza afetivo-identificatória.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 13

A estratégia analisada mostra também que, a despeito do recurso que se faz aos

“contratos de leituras” como “mecanismo de estabilização” das relações entre produtores e

receptores, o trabalho discursivo que se faz na “zona de interpenetração” aponta para efeitos

que não podem ser totalmente previstos e, logo descritos. A despeito das expectativas criadas

pelas racionalidades das estratégias em produção de sentido, nada se pode estimar sobre os

horizontes dos efeitos que elas podem suscitar. Particularmente, o “destino” que a recepção

dá aos mesmos. Sabe-se, contudo, que é nesta “região” que as intencionalidades se contatam,

via textos e suas operações enunciativas. Poder-se-ia mesmo dizer que somente outro tipo de

observação, realizada numa outra temporalidade, seria possível descrever efeitos destes

contatos. É, talvez, prevendo tal desafio, que “estratégias antecipatórias” são postas em ação

pelo nicho institucional, visando o controle dos sentidos.

Em função disso, uma decisão, aparentemente interna às rotinas de um sistema

televisivo, é submetida a uma ação complexa, como foi o caso da saída da apresentadora do

JN, envolvendo, de alguma forma, “certa” instância de “escuta” da voz da recepção,

possibilitada por seu acesso, sob certas condições, ao protocolo interacional. Em outras

palavras, isso significa dizer que discursos, em produção e em recepção, se encontram na

“zona de interpenetração”, mas segundo “táticas em paralelo”. Um aspecto é o acesso ao

processo da circulação das mensagens,por parte da recepção.Outra coisa é saber em que

medida tal protocolo poderia (além do acesso ao circuito de discursos) ensejar outras leituras

que levassem em conta a natureza dos mesmos, uma vez produzidos a partir de lógicas

distintas e divergentes face àquelas do sistema midiático?

As estratégias dos internautas entram de fato no processo de circulação, e podem ser

afetadas pelas lógicas discursivas da produção midiática. Mas, também produzem mensagens

na “contra mão” do discurso da organização midiática-televisiva. Na leitura aqui feita ficou

explícito que outras lógicas e racionalidades pemeiam as mensagem dos receptores,

revelando e edificando as relações que eles estabelecem com as estruturas mediadoras da

televisão. Particularmente, mostra-se aqui dois, dentre outros, horizontes interpretativos,

sobre o afastamento de Fátima Bernardes. No primeiro, o discurso de recepção é marcado

pela despedida em caráter privado, segundo registros nos quais se mostra complexo vínculo

de identificações e de afetos que qualificaram as relações dos receptores com a estrutura,

mas, sobretudo com Fátima Bernardes, como uma instância de mediação e de contato.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 14

Certamente, tais dimensões não comparecem nos estudos sobre as decisões organizacionais

fundadas na “racional choice” que iluminam as pesquisas sobre vínculos entre produtores e

receptores de mensagens.

De outro lado, uma compreensão calcada numa racionalidade crítica que se apoia no

próprio conhecimento que dispõem os receptores da cultura televisiva, pois explicitam

fundamentos contrários ao da mudança na estrutura mediacional do JN. Dentre os

argumentos, mais do que sentimentos, sobressai-se a defesa da mediação e a performance do

trabalho técnico-enunciativo investidos pela jornalista-apresentadora. Sem esta “causa”,

como dizem os receptores, não haveria razões para eles se contatarem com a televisão.

Críticas-pontuais, difusas, mas também estruturais, dizem que a solução por eles desejadas,

era outra, como a mudança no formato do telejornal ou, outras mais complexas. Não sabemos

o que o “aparelho de análise” do sistema midiático fará com estes “restos” de discursos

armazenados numa região pouca estudada, como a “economia-significante da produção de

sentido midiática”. O que se sabe é que Fátima abandona a “mediação” nesta bancada para

servir a uma outra, onde se especificará como seu principal personagem, algo que a

aproximará de uma atividade típica da modalidade emergente do “jornalismo de ator”.

Do lado dos receptores há um discurso que sentencia de modo figurado, as relações

entre televisão e o público. De alguma forma, os receptores se despedem deste “frame”. E

por causa dos efeitos por ele gerados, dizem também, o que lhes resta como saldo, neste

momento de despedidas: “vamos ficar órfão (....) o JN fica sem sentido” (Erivan, 02/12,

G1). Evidente que o plural majestático, sugere mais do que a existência de um expectador

específico, pois o contexto discursivo no qual profere a mensagem indica um grau de relação

mais complexa que envolve o sistema e receptores, no seu conjunto. Ou seja, o discurso

denuncia uma ruptura mais complexa da qual resulta a orfandade de todos, da recepção, mas

também do sistema midiático pela sua impossibilidade de escuta. Nele evidencia-se, além do

lamento pela situação da orfandade, um recado de recusa: “nós brasileiros, não merecíamos o

que aconteceu”. Recado enviado da “zona de interpenetração” que desafia a escuta do staff

midiático. E significa mais do que um mero comentário feito no protocolo interacional.

Aponta, dentre outras coisas, a “não linearidade” da comunicação.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

www.compos.org.br 15

Referências

BRAGA, José Luiz. Circulação. Anotações para um artigo em elaboração (9 fragmentos). Paper. PPGCOM-

UNISINOS, Sâo Leopoldo, 2011.

BRUSINI, Hervê.; JAMES, Francis. Voir la verité Le Journalisme de télévision. Paris: PUF, 1982.

FABBRI, Paolo. Tactica de los signos. Barcelona: Gedisa, 1995.

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Paper apresentado no Colóquio “Mediatización,

sociedad y sentido”. Convênio CAPES/MYNCT, Agosto/2010, Universidade Nacional de Rosário, Argentina.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Olhar escutar ler. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

LUHMANN, Niklas. Essays on self reference. Columbia: Press Universiyt Columbia, 1990.

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.

MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX. Rio de Janeiro: Forense, 1969.

SILVERSTONE, Roger. Televisión y vida cotidiana. Buenos Aires: Amorrortu, 1996.

VERON ,Eliseo. Il est la, je le vois il me parle. Revue Communications. N. 38. Paris: Seuil, 1983.

VERON,Eliseo. Los Públicos entre producción y recepción: problemas para una teoria del

reconociminento. Porto: Cursos de Arrábida, 2001.

VERON, Eliseo. BOUTAUD, Jean Jacques. Semiotique Ouverte itinéraires sémiotiques en communication.

Paris : Lavoisier/Hermes, 2007.