Desigualdade Social e Educação - A Ausência Da Perspectiva Histórica

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Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007 Desigualdade social e educação: a ausência da perspectiva histórica Ruth Pavan * Resumo: Considerando a dimensão histórica da desigualdade social, o trabalho tem como objetivo analisar a reflexão que as professoras de educação de jovens e adultos fazem a respeito da desigualdade social. O que mais chama a atenção nas explicações das professoras é que elas não fazem nenhuma menção a fatores históricos responsáveis pela desigualdade. A desigualdade aparece como sendo de responsabilidade de cada indivíduo, ou seja, a explicação da desigualdade é marcada pela concepção individualista e meritocrática, estando, portanto, relacionada com uma concepção neoliberal de sociedade, que teve sua entrada na América Latina na década de 1970 e que a partir da década de 1990 se torna cada vez mais evidente. Palavras-chave: Educação, perspectiva histórica, desigualdade social. Abstract Considering the historical dimension of social inequality, the study in hand aims at analysing the reflection which the teachers of young people and adults make regarding social inequality. What also calls the attention in the explanations of the teachers is that they do not make mention of the historical factors responsible for inequality. Inequality appears as being the responsibility of each individual, that is, the explanation of inequality is marked by the individualistic and meritorious concept, being therefore related to a neoliberal conception of society which entered Latin America in the 1970s and which, as of the 1990s, becomes more and more evident. Key words: Education, historical perspective, social inequality. No trabalho de pesquisa, embora trabalhasse com a desigualdade, optei por utilizar o termo exclusão como forma de tratar a questão da desigualdade, enfatizando as explicações sobre a pobreza. Num primeiro momento trago uma historicização do entendimento de pobreza. Em seguida apresento a reflexão das professoras pesquisadas acerca da exclusão (utilizo a denominação professoras, no feminino, pois todos os sujeitos da pesquisa eram mulheres). Por fim, contextualizo esta reflexão no sentido de compreender as razões que levam as professoras a explicar a exclusão de uma determinada forma. Destaco que o campo empírico são professoras de Educação de Jovens e Adultos – EJA do Ensino Fundamental. Foram um total de oito professoras entrevistadas e as respostas das professoras não citadas neste texto seguem a mesma lógica das que são citadas. Iniciamos lembrando com Martins (1997) que “[...] a palavra exclusão nos fala, possivelmente, de um lado, da necessidade prática de uma compreensão nova daquilo que, * Professora do Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco. Doutora em Educação.

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Educação e a desigualdade

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  • Associao Nacional de Histria ANPUH

    XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA - 2007

    Desigualdade social e educao: a ausncia da perspectiva histrica

    Ruth Pavan*

    Resumo:Considerando a dimenso histrica da desigualdade social, o trabalho tem como objetivo analisar a reflexo que as professoras de educao de jovens e adultos fazem a respeito da desigualdade social. O que mais chama a ateno nas explicaes das professoras que elas no fazem nenhuma meno a fatores histricos responsveis pela desigualdade. A desigualdade aparece como sendo de responsabilidade de cada indivduo, ou seja, a explicao da desigualdade marcada pela concepo individualista e meritocrtica, estando, portanto, relacionada com uma concepo neoliberal de sociedade, que teve sua entrada na Amrica Latina na dcada de 1970 e que a partir da dcada de 1990 se torna cada vez mais evidente. Palavras-chave: Educao, perspectiva histrica, desigualdade social.

    AbstractConsidering the historical dimension of social inequality, the study in hand aims at analysing the reflection which the teachers of young people and adults make regarding social inequality. What also calls the attention in the explanations of the teachers is that they do not make mention of the historical factors responsible for inequality. Inequality appears as being the responsibility of each individual, that is, the explanation of inequality is marked by the individualistic and meritorious concept, being therefore related to a neoliberal conception of society which entered Latin America in the 1970s and which, as of the 1990s, becomes more and more evident.Key words: Education, historical perspective, social inequality.

    No trabalho de pesquisa, embora trabalhasse com a desigualdade, optei por utilizar

    o termo excluso como forma de tratar a questo da desigualdade, enfatizando as explicaes

    sobre a pobreza. Num primeiro momento trago uma historicizao do entendimento de

    pobreza. Em seguida apresento a reflexo das professoras pesquisadas acerca da excluso

    (utilizo a denominao professoras, no feminino, pois todos os sujeitos da pesquisa eram

    mulheres). Por fim, contextualizo esta reflexo no sentido de compreender as razes que

    levam as professoras a explicar a excluso de uma determinada forma. Destaco que o campo

    emprico so professoras de Educao de Jovens e Adultos EJA do Ensino Fundamental.

    Foram um total de oito professoras entrevistadas e as respostas das professoras no citadas

    neste texto seguem a mesma lgica das que so citadas.

    Iniciamos lembrando com Martins (1997) que [...] a palavra excluso nos fala,

    possivelmente, de um lado, da necessidade prtica de uma compreenso nova daquilo que, * Professora do Mestrado em Educao da Universidade Catlica Dom Bosco. Doutora em Educao.

  • no faz muito, todos chamvamos de pobreza (p. 28), ou seja, [...] a palavra nos revela

    coisas que j estavam l e no ramos capazes de perceber, coisas que agora somos capazes

    de perceber (MARTINS, 1997, p. 28). Assim, trago as formas como a pobreza foi vista ao

    longo da histria, reconhecendo que a pobreza no a nica forma de excluso; a excluso

    um fenmeno complexo, ainda que por via de regra esteja atravessada pela pobreza.

    Para tanto utilizo-me de Escorel (1999), que busca na Reforma Protestante uma

    espcie de ruptura no conceito de pobreza. claro que esse no o nico sentido da Reforma,

    mas o que nos interessa neste trabalho.Com a reforma protestante os sofrimentos oriundos da pobreza perderam seus sentidos religioso e de redeno. Ao contrrio do catolicismo, que acenava para os pobres com sua primazia na entrada do reino de Deus, a tica protestante considerava a riqueza no mundo terreno um sinal divino e uma obrigao espiritual. Nessa passagem h a perda do valor espiritual superior concedido pobreza, o qual fazia dela o modo de vida dos bem-aventurados, eleitos ou bons, [...]. (ESCOREL, 1999, p. 33).

    Com isso mudou a orientao da forma de caridade da poca, e de maneira

    bastante evidente at os dias atuais. A noo de pobreza, que inspirava inclusive a criao de

    ordens mendicantes, foi substituda por outra mais mundana que orientava a caridade segundo

    a capacidade e aptido dos homens no trabalho. (ESCOREL, 1999, p. 33).

    Segundo a autora, essa mudana propicia uma classificao entre a populao

    pobre que merece ajuda e a que no merece. Os invlidos e incapazes so merecedores de

    ajuda, isto , dignos de caridade e proteo, enquanto aqueles que preferiam no trabalhar,

    sem ter nenhum tipo de doena, no mereciam ajuda de espcie alguma. Vale lembrar que isto

    j ocorria antes mesmo da Revoluo Industrial.

    Com o advento da Revoluo Industrial e a predominncia do modo de produo

    capitalista, a pobreza comea a ser vista como um castigo. A pobreza era considerada como

    um castigo natural da preguia na medida em que existiam necessidades crescentes de mo-

    de-obra, e a recusa em integrar a fora de trabalho explorada extensivamente deveria ser

    penalizada [...]. (ESCOREL, 1999, p. 34). A preocupao era, sobretudo, de que essas

    pessoas que tinham preguia fossem punidas para que servissem de exemplo para toda a

    populao. Nesta poca a pobreza apresentava a seguinte caracterstica: por um lado, o

    pauperismo e a miserabilidade da classe trabalhadora urbana e, por outro, a configurao do

    que Marx denominou lumpemproletariado (ESCOREL, 1999, p. 34). Como sabemos, para

    Marx e Engels(1989), o lumpemproletariado, por meio da passiva putrefao [...] dos

    estratos mais baixos da velha sociedade, pode, aqui e ali, ser arrastado ao movimento por uma

    2ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • revoluo proletria; no entanto, suas condies de existncia o predispem bem mais a se

    deixar comprar por tramas reacionrias (p. 76).

    Na edio inglesa do Manifesto Comunista, de 1888, o termo

    lumpemproletariado substitudo por classe perigosa, escria social, mas continua a

    significar os desempregados, pessoas sem condies de trabalhar, criminosos, vagabundos,

    subempregados. Com os inmeros movimentos de trabalhadores, motivados pela condio de

    miserabilidade da classe e pelo prprio Manifesto Comunista, que via nesta classe a

    possibilidade revolucionria de construir uma sociedade socialista, j no sculo XIX, os

    governos capitalistas foram forados a oferecer algumas protees classe trabalhadora.

    Conforme Escorel:As lutas sociais da segunda metade do sculo XIX na Europa e a organizao dos movimentos de trabalhadores promoveram o surgimento no cenrio poltico das questes das condies de vida e de trabalho, pressionando os governos a adotarem legislaes protetoras. A pobreza seria superada pela insero no mundo do trabalho, agora mais cauteloso em sua explorao. As aes pblicas de proteo social foram dirigidas especificamente aos trabalhadores inseridos, destinando a assistncia social aos comprovadamente invlidos. A evoluo posterior, principalmente aps a II Guerra Mundial, com a configurao de Estados de Bem Estar Social, sedimentou a passagem de uma concepo de responsabilidade individual da pobreza para uma responsabilidade de carter coletivo e social (cidadania). (1999, p. 34).

    Os que ficavam fora das relaes de trabalho predominantes no eram muitos,

    segundo Escorel (1999), porm os que estavam fora eram classificados como invlidos,

    pobres merecedores de uma ateno especial, ou portadores de deficincias morais, na

    medida em que, sendo capazes e tendo possibilidades de trabalhar, no cumpriam com sua

    obrigao (ESCOREL, 1999, p. 34). Ainda segundo a mesma autora, esta forma de ver e

    lidar com a pobreza foi predominante at a dcada de 70 do sculo XX, quando a crise

    econmica, a acumulao do capital e as transformaes da estrutura produtiva colocaram em

    xeque esta forma de ver a pobreza.

    A autora chama a ateno para o fato de que embora haja mudanas na forma de

    representar a pobreza e o lugar que ocupa nas hierarquias simblicas da sociedade, h uma

    continuidade: a naturalizao da pobreza (ESCOREL, 1999, p. 37).

    J na dcada de 1960 e 1980 podemos perceber diferentes denominaes para a

    situao de pobreza: [...] o agravamento das desigualdades sociais foi denominado de

    diferentes formas: a marginalidade na Amrica Latina, a underclass nos Estados Unidos, at o

    surgimento da nova pobreza e da excluso social na Frana. (ESCOREL, 1999, p. 38).

    3ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • No contexto atual, no s estas diferentes denominaes esto presentes, (embora

    possa se observar uma predominncia da denominao de excluso), mas tambm as

    discusses que Escorel (1999) apresenta como tendo sua origem no protestantismo se os

    pobres mereciam ou no ajuda continuam muito fortes, sobretudo por influncia

    estadunidense, como podemos perceber por meio de Kowarick (2003), que sintetiza esta

    discusso dizendo que se trata de culpar ou no culpar o excludo, afirmando que nos EUA

    criou-se um pensamento consensual sobre a culpabilizao do excludo.

    Feita a historicizao da pobreza, trago as falas das professoras sobre a excluso:

    [...] mas eu no saberia te explicar por que eles chegaram a esse ponto. Se foi falta de oportunidades... ou no... s sei que eles, eles se auto se excluem, eles mesmos, entendeu? Quando eles chegam aqui eles sentem, eles sentem vergonha de chegar perto da gente. (Prof. Mara, grifo meu).

    importante ressaltar que, mesmo que a professora reconhea que no sabe

    explicar por que eles chegaram a este ponto, ela sabe que se auto-excluem. Ou seja, o que

    est implcito que no percebe as razes histricas, mas sabe com base no iderio

    neoliberal, que se auto excluem, afirmando que a responsabilidade do prprio excludo.

    De modo mais enftico ainda, a professora Roberta aponta que o prprio indivduo que se

    exclui, sobretudo porque no se esfora:A excluso... eu vou dizer pra voc, a pior excluso que pode existir. A sua prpria, voc se excluir, no h excluso da sociedade, mas a pessoa se exclui. Ela, ela, a partir do momento que ela deixa de buscar, de melhorar, ela t se excluindo. No a sociedade que exclui, o prprio indivduo que se exclui. Se ele vem e faz a matrcula, no freqenta, no se esfora, busca, ele t excluindo-se. (Prof. Roberta, grifos meus).

    Assim, a fala de Roberta, alm de dizer que a excluso de responsabilidade do

    prprio indivduo1, afirmando categoricamente que a sociedade no exclui, segue outros

    argumentos utilizados pelos neoliberais, que so exatamente a falta de esforo, de vontade de

    buscar uma condio melhor. Mesmo questionada se observava a excluso de grupos, a lgica

    continua a mesma: H, sim, um processo de excluso. [...] No sentido assim, que so grupos,

    que geralmente eles, eles se excluem sozinho. [...] Porque no h excluso, agora o prprio

    indivduo se exclui. (Prof. Roberta). A mesma professora tambm atribui ao prprio 1 Bauman (2003), ao analisar o individualismo da sociedade de hoje, observa que ele atinge a todos, inclusive os excludos: Compartilhar o estigma e a humilhao pblica no faz irmos os sofredores; antes alimenta o escrnio, o desprezo e o dio. Uma pessoa estigmatizada pode gostar ou no de outra portadora do estigma, os indivduos estigmatizados podem viver em paz ou em guerra entre si mas algo que provavelmente no acontecer que desenvolvam respeito mtuo. Os outros como eu significa os outros to indignos como eu tenho repetidamente afirmado e mostrado ser; parecer mais com eles significa ser mais indigno do que j sou. (p. 110).

    4ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • indivduo a responsabilidade por sair dessa excluso: Todos podem ter as perspectivas desde

    que busquem, porque , uma busca individual, no uma busca coletiva. (Idem, grifo

    meu).

    Apresentadas as explicaes das professoras e lembrando que as professoras no

    citadas seguem a mesma lgica sobre a explicao da excluso social, a questo agora

    entender as razes destas explicaes. Estas razes, no esto nas professoras enquanto

    sujeitos individuais, mas esto no contexto em que so produzidas, um contexto que no tem

    nada de natural, mas produzido historicamente.

    O processo de individualizao no um fenmeno recente. Seguindo Varela

    (2002), pode-se dizer que desde o sculo XVI est em curso na histria um processo atravs

    do qual se procura individualizar o ser humano. Segundo a autora, a partir deste tempo o ser

    humano ter que [...] converter-se em ser civilizado, em ser cada vez mais individualizado,

    o qual, com o passar dos sculos, se transformar no tomo fictcio de uma sociedade

    formada por indivduos (p. 80).

    Ainda segundo Varela (2002), a prpria escola um espao privilegiado de

    formao de indivduos, sobretudo pela prtica regular dos exames: Os exames avaliam as

    aprendizagens, a formao que recebem os escolares, como tambm conferem a cada

    estudante uma natureza especfica: convertem-no em um sujeito individual. (p. 86, grifo

    meu).

    As reflexes de Vras (2002) tambm contribuem para entender as falas das

    professoras. Segundo a autora, na dcada de 40 e 50 do sculo XX predominava uma

    explicao naturalizada da excluso social no Brasil, inspirada em processos de organismos

    vivos: devido s constantes migraes provocadas pelo processo de industrializao, supunha-

    se que os indivduos estivessem passando por um perodo de adaptao, no qual, assim como

    na natureza, haveria uma seleo dos mais fortes, que ocupariam os melhores espaos, e, em

    conseqncia, os mais fracos ficariam margem ou acabariam por desaparecer:

    Como se estivssemos em uma arena naturalizada, onde competidores teriam as

    mesmas chances na luta pelo espao, os mais aptos ganhariam melhores posies nesse

    ambiente construdo, e disso resultariam zonas segregadas, [...] os mais pobres excluir-se-

    iam dos anis urbanos e imediatamente passariam para o prximo e, gradativamente, os

    melhores lugares estariam ocupados pelos vencedores. (VRAS, 2002, p. 28).

    Ainda neste perodo, segundo a mesma autora, existiam explicaes que

    apresentavam a pobreza urbana como sendo a expresso de uma cultura especfica, a cultura

    da pobreza. Segundo esta explicao, as pessoas ainda estariam passando por um processo de

    5ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • adaptao. Observa-se, pois, que tanto na primeira como na segunda explicao h uma forte

    influncia do funcionalismo, pois em nenhum momento h um questionamento das estruturas

    da sociedade. H o entendimento de que os indivduos ou grupos ainda no conseguiram se

    adaptar nova realidade: a realidade urbana.

    Na dcada de 1960 e 1970, ainda que continuassem sendo produzidas anlises

    funcionalistas, sobretudo vinculadas ao conservadorismo militar, surgiu uma outra explicao:

    uma explicao crtica que vincula a pobreza s contradies da sociedade capitalista, no caso

    brasileiro, ao quadro de um capitalismo produzido por uma industrializao dependente.

    Assim, os pobres, ao invs de serem vistos como culturalmente atrasados ou como

    naturalmente mais fracos ou como no-adaptados, comeam a aparecer neste contexto terico

    como [...] conseqncia da acumulao capitalista, um exrcito industrial de reserva

    singular (VRAS, 2002, p. 30). Os pobres so as vtimas de uma sociedade injusta e

    opressora, porque, despojados de condies mnimas de vida digna, so subcidados. So

    excludos no porque ainda no tenham se adaptado, mas porque as relaes econmicas da

    sociedade capitalista produzem necessariamente um grande contingente de excludos. a

    prpria lgica do capitalismo que impede que todos possam usufruir dos benefcios da vida

    urbana. Alm de significar uma outra forma de anlise, h nesta explicao um profundo

    questionamento e crtica da explicao funcionalista, sobretudo porque ela [...] no captava

    os vnculos estruturais da economia e da sociedade dependentes da Amrica Latina (VRAS,

    2002, p. 31).

    Na dcada de 1980, os estudos crticos sobre a excluso continuaram, focando

    novos processos de excluso. Motivado pelo processo de redemocratizao, surgiu um debate

    produtivo sobre os limites e a necessidade de ampliao da cidadania e, em conseqncia, da

    ampliao dos direitos polticos, civis e sociais. So produzidas vrias crticas no sentido de

    apontar que a questo da cidadania est cada vez mais atrelada ao consumo, o que faz com

    que a maioria viva como no-cidado. Discute-se tambm a ocupao do espao, seja rural ou

    urbano, como questo de cidadania, e esse tambm o incio da discusso dos grupos

    excludos, como os meninos de rua, pequenos agricultores, etc.

    Para Vras (2002), na dcada de 1990 que o conceito de excluso se

    complexifica no Brasil, deixando de significar apenas pobreza enquanto condies precrias

    de vida. Sob a influncia de Paugam, segundo a mesma autora, chega-se ao conceito de

    excluso, entendendo-se, entre outras coisas, que ele multidimensional, pois, alm do

    desemprego, h outras dimenses [...] de precariedade econmica e social, instabilidade

    conjugal, vida social e familiar inadequadas, baixo nvel de participao nas atividades sociais

    6ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • etc., em uma espiral viciosa de produo da excluso (VRAS, 2002, p. 35). Todos estes

    processos de excluso so vistos como sendo o resultado das contradies da sociedade

    capitalista, no como provenientes ou causadas pelas vtimas: os pobres de toda espcie.

    Cabe destacar tambm que na dcada de 1990 que a retrica neoliberal

    enfatizada no Brasil, caracterizando-se como um pensamento conservador em que os

    excludos passam a ser vistos como uma conseqncia inevitvel de ajustes econmicos.Atualmente, criou-se at o neologismo inempregveis para referir-se aos contingentes que, na nova ordem globalizada em que se insere o Brasil, no tero nenhuma vez, numa viso fatalstica de que a chamada reestruturao produtiva dividir os grupos entre assimilveis (empregveis) e largo grupo excludo. (VRAS, 2002, p. 43).

    Este apartheid social visto como natural e necessrio, e contra ele no se faz

    nada simplesmente porque se acredita que no h o que possa ser feito. Nem as polticas

    pblicas assistencialistas so utilizadas, porque no h necessidade de incluir o pobre nem na

    produo, nem na cidadania, nem no consumo: Pretendem, sim, segregar, confinar, em

    verdadeiro apartheid entre classes, num crescente distanciamento e incomunicabilidade, trao

    construdo socialmente (VRAS, 2002, p. 43).

    Junto com esta retrica neoliberal, desenvolve-se um processo de culpabilizao

    do excludo, ou seja, [...] os pobres comeam a desconfiar de si prprios, numa culpabilidade

    popular (VRAS, 2002, p. 43).

    Pelo que foi exposto podemos concluir que as professoras seguem a lgica

    neoliberal sobre a excluso e no fazem nenhuma referncia a perspectiva histrica da

    desigualdade, pobreza e excluso. Destacamos que expor os elementos histricos da excluso

    seria imprescindvel, pois pela histria que compreendemos o processo de produo da

    excluso, evitando as tendncias naturalizadoras ou culpabilizadoras do excludo e do pobre,

    como postula a lgica neoliberal.

    Referncias:

    BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

    ESCOREL, Sarah. Vidas ao lu: trajetrias de excluso social. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.KOWARICK, Lcio. Sobre a vulnerabilidade socioeconmica e civil: Estados Unidos, Frana

    e Brasil. Revista Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo, v. 18, n. 51, p. 61-85, 2003.MARTINS, Jos de Souza. Excluso social e a nova desigualdade. So Paulo: Paulus, 1997.MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrpolis: Vozes,

    1989.

    7ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • VARELA, Jlia. Categorias espao-temporais e socializao escolar: do individualismo ao narcisismo. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Escola bsica na virada do sculo: cultura, poltica e currculo. So Paulo: Cortez, 2002. p. 73-106.

    VRAS, Maura. Excluso social um problema brasileiro de 500 anos (notas preliminares). In: SAWAIA, Bader (Org.). Artimanhas da excluso: anlise psicossocial e tica da desigualdade social. 4. ed. Petrpolis/RJ: Vozes, 2002. p. 27-50.

    8ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.