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  • 7/25/2019 Design Interacao Ubiquidade

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    O design de interao em ambientes de ubiqidade computacionalInteraction design in ubiquitous computing environment

    Mauro Pinheiro, Rejane Spitz

    Ubiqidade computacional, mobilidade, design de interao

    A partir da caracterizao dos sistemas computacionais como ferramentas de interao e comunicao,este artigo prope ampliar a discusso do design de interao para alm da interface. Destaca aimportncia de estudar as prticas sociais advindas da utilizao cada vez mais intensa da tecnologiacomputacional, tendo em perspectiva a ubiqidade computacional e a mobilidade como fatoresdeterminantes dos processos de comunicao contemporneos.

    Ubiquitous computing, mobility, interaction design

    From a characterization of computer systems as tools for interaction and communication, this paper seeksto broaden the discussion of designing for interaction beyond the interface. It underlines the importance ofstudying social practices arising from the increasingly intensive use of computer technology, consideringthe all-pervasive presence and mobility of computers as decisive factors in contemporary communicationprocesses.

    IntroduoNa sociedade contempornea cada vez maior o nmero de atividades mediadas por sistemascomputadorizados. A tecnologia computacional tem se infiltrado no dia-a-dia de uma parcela dapopulao urbana de tal forma que muitas vezes passa desapercebida, sendo utilizada semgrande esforo em tarefas cotidianas nas grandes cidades. Em algumas capitais brasileiras,como Rio de Janeiro, So Paulo e Vitria, os passageiros dos nibus coletivos urbanos utilizamcartes magnticos em sensores que controlam as roletas de entrada; estes dispositivosidentificam o tipo de usurio (estudante, idoso, motorista, cobrador etc), perfazem clculossobre a tarifa da passagem, exibem o saldo restante acumulado no carto e liberam ou no apassagem pela roleta. Essa operao, mediada pela tecnologia computacional, muitas vezes

    sequer compreendida plenamente pelos passageiros, o que no impede que utilizem osistema sem maiores complicaes. possvel que muitos sequer tomem conhecimento dosclculos e informaes dispostas pelo aparelho, limitando-se a compreender que o carto liberasua passagem pela roleta.

    A miniaturizao dos componentes dos sistemas computadorizados, a ampliao do uso detecnologias de transmisso de dados atravs de redes sem fio, e o crescimento da Internet,tm colaborado no estabelecimento de um ambiente no qual os computadores fazem parte docotidiano de tal maneira que passam a compor o cenrio das grandes cidades como elementoscamuflados, incorporados a diversos outros artefatos. O computador deixa de ser uma entidadeto evidente para diluir-se no ambiente, mediando atividades do dia-a-dia sem demandaresforo cognitivo para sua utilizao. No campo da cincia da computao, fala-se emubiqidade computacional (ubiquitous computing ou ubicomp ). O conceito foi introduzido nadcada de 80 por Mark Weiser, pesquisador do Xerox Palo Alto Research Center (Xerox-Parc).Weiser vislumbrava um futuro no qual tecnologias computacionais fariam parte do tecido davida cotidiana, ressaltando que as tecnologias mais avanadas seriam aquelas quedesaparecessem no pano de fundo do nosso entorno (WEISER, 1991). A presena datecnologia computacional poderia ser comparada no futuro com a presena da escrita(considerada uma tecnologia de informao) e da eletricidade no cotidiano dos grandescentros urbanos. Ambas seriam exemplos de ubiqidade: esto presentes em diversasinstncias da vida contempornea, sem demandar maior esforo cognitivo para sua utilizao1;

    1 Ressalte-se que a apropriao da escrita como algo que dispensaria esforo cognitivo no diz respeito interpretaoe compreenso de textos, e sim ao ato de leitura em si. Refere-se leitura das informaes que estariam dispostas emdiferentes suportes nos grandes centros urbanos, no restringindo-se a jornais e revistas, mas abrangendo asinalizao urbana, embalagens, letreiros de nibus etc.

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    so tecnologias que desapareceram no ambiente, sendo mais percebidas quando estoausentes da cena do que pela sua presena constante.

    Embora tal estgio de absoro da tecnologia computacional ainda no tenha chegado,percebe-se que os suportes para a utilizao desta tecnologia tm variado ao longo do tempo,implicando no s uma reduo de volume, mas novas formas de utilizao. Doscomputadores de grande porte dos anos 70 (mainframes ), geralmente utilizados ecompartilhados por um grupo de especialistas, passamos aos computadores pessoais nadcada de 80, cuja utilizao em geral era restrita a uma pessoa por computador. No final do

    sculo XX, o uso massivo da Internet e dos computadores em rede pode ser entendido como aformao de um grande computador coletivo e multitarefa, compartilhado simultaneamente pordiversas pessoas de forma descentralizada (LVY, 1996; NEVES, 2004). O futuro pareceapontar para um cenrio no qual fica difcil perceber os limites de apropriao e utilizao dastecnologias computacionais, uma vez que estas se fundem ao ambiente. Os computadoresfazem parte da paisagem; o que conhecemos comopervasive computing 2 .

    Essa difuso das tecnologias computacionais ocorre simultaneamente a uma crescenteutilizao dos sistemas de acesso informao. A Internet talvez seja um dos grandes marcosda passagem da era industrial para a era da informao, sendo um dos temas que demandaateno neste incio de sculo. No nos referimos especificamente estrutura de redes decomputadores conectados remotamente, mas s prticas de acesso informao que vieram areboque da popularizao dessa tecnologia. Nos pases desenvolvidos e nas camadaseconomicamente favorecidas dos pases em desenvolvimento, uma gerao de jovens cresceem um ambiente no qual a grande rede parte corriqueira de suas atividades. Estarconectado, imerso no mar de informaes, ligando-se a sistemas e pessoas atravs deinterfaces computacionais uma experincia cada vez mais fluida, que comea a distanciar-seda imagem de uma pessoa sentada frente de um terminal de computador.

    A mobilidade parece ser a palavra-chave nessa etapa do desenvolvimento dos sistemascomputacionais e, principalmente, a caracterstica que vem alterar a maneira como as pessoasutilizam essa tecnologia e, em igual medida, o que pode afetar as relaes interpessoais,conforme destaca Beiguelman (2006):

    A popularizao dos dispositivos portteis de comunicao sem-fio com possibilidade de conexo Internet e a implantao de hotspots que permitem acesso rede via ondas de rdio (Wi-Fi, wirelessfidelity) apontam para a incorporao de vida nmade e indicam que o corpo humano se transforma,rapidamente, em um conjunto de extenses ligadas a um mundo cbrido, pautado pela interconexode redes e sistemas on e off line.

    Lemos (2006) descreve a sociedade contempornea, tendo o fenmeno da mobilidade e deutilizao de sistemas computadorizados mveis em perspectiva, como inscrita em processosde territorializao, desterritorializao e reterritorializao3. Segundo o autor, a vida socialorganiza-se pela instaurao de territrios, mas sua dinmica s existe de fato se houver apossibilidade de linhas de fuga que permitam desterritorializaes. Na cultura contemporneaas tecnologias computacionais mveis estariam instituindo processos nmades, alterandorelaes de espao e tempo, promovendo simultaneamente novos territrios e perda defronteiras.

    De fato, com a utilizao crescente de sistemas computadorizados no cotidiano, emsituaes cada vez menos dependentes do uso de computadores do tipodesktop e simmediadas por aparelhos que permitem a mobilidade, a possibilidade de acessar, de seracessado, de emitir informaes a qualquer tempo e lugar a partir de diversos dispositivos,diluem-se os limites de nossos territrios. Em meio a uma reunio de negcios, o executivoatende o celular e conversa com seus familiares, sem se preocupar com a intimidade de suaspalavras frente a uma audincia desconhecida; durante o almoo com a famlia, o profissionalautnomo atende seu telefone e resolve problemas com o seu trabalho mais recente. Oshome- offices fundem o espao domstico com o ambiente de trabalho, fazendo com que o horriocomercial deixe de fazer sentido. As grandes corporaes mantmblogs no ciberespao, nosquais questes internas so discutidas publicamente (GUIMARES, 2006). O email, antesprivado, passa a ser pblico nosscrapbooks do site de relacionamentos Orkut, no qualmensagens ntimas so deixadas para serem lidas por qualquer pessoa. Tempo e espao

    2 O termo pervasive computing tem sido utilizado para designar o contexto no qual as tecnologias de informao ecomunicao (TICs) combinam-se com objetos diversos (como celulares, pagers, palmtops, relgios, carros, espaosarquitetnicos) para compor novos dispositivos de mediao. (PARAGUAI e TRAMONTANO, 2006)3 A noo de territrio aqui no se restringe delimitao de um espao fsico; refere-se demarcao de limitesdiversos (polticos, econmicos, simblicos, subjetivos).

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    tornam-se fluidos, relaes hierrquicas deixam de fazer sentido, confunde-se o pblico e oprivado, o lazer e o trabalho, produtores e consumidores, marginal emainstream . (BAUMAN,2001; S, 2004 apud PARAGUAI e TRAMONTANO, 2006; MEYROWITZ, 2004).

    Nesse contexto com limites imprecisos, h muita discusso sobre os reais benefcios deconexo constante, de possibilidade de acesso a quantidades macias de informao, derelacionamentos e interaes mediadas pelos meios computacionais a qualquer tempo, emqualquer lugar, como destaca Meyrowitz (2004, p.29):

    [...] a possibilidade tcnica de conectar-se eletronicamente aqualquer lugar como se fosse um espaolocal pode aumentar o perigo de se perder a habilidade de uma viso ampla, de ver o contexto histrico egeogrfico, de perceber os padres gerais. Ironicamente, o aumento dopotencial de acessar, justapor,comparar, contrastar, e construir narrativas alternativas freqentemente acompanhado da reduo dainclinao psicolgica de se envolver em uma anlise que consome tanto tempo. Paradoxalmente,quanto mais as novas tecnologias ampliam nossa capacidade de realizar coisas em instantes,parecemos estar cada vez com menos tempo (grifo do autor, traduo nossa).

    O cenrio que se descortina a nossa frente pouco claro, mas algumas questes merecemateno. Parece clara a tendncia de se ampliarem as possibilidades de conexo, a qualquertempo, em qualquer situao. Novas formas de transmisso de dados, como as etiquetasRFIDs(radio frequency identifcation tags )4 sugerem que em breve objetos passivos como roupas elivros, transmitiro informaes sobre sua natureza, estado e localizao, tornando cada vez maisprximo o cenrio depervasive computing , a despeito da incerteza quanto s reais implicaesde se viver em um mundo no qual as informaes e interaes mediadas por sistemascomputacionais ocorrem em situaes diversas, reconfigurando os limites das prticas sociais. imperativo acompanhar a evoluo das novas tecnologias com ateno, procurando entendercomo se ocorre sua apropriao e territorializao, assim como as linhas de fuga criadas pelosgrupos sociais que participam dessa cibercultura da mobilidade, de maneira que possamosdesenvolver projetos que visem o bem comum. Nesse sentido, corroboramos a viso deMeyrowitz (2004, p.29) sobre o assunto:

    Ao vagarmos pela savana digital, precisamos alcanar mais do que as pepitas mais visveis deinformao. Precisamos orientar o uso de nossas tecnologias para que seu potencial democratizanteseja alcanado (traduo nossa).

    Design de interao: um olhar para alm da interfaceGui Bonsiepe (1997) define o domnio do design atravs de um diagrama ontolgico querelaciona trs campos heterogneos:

    um usurio ou agente social, que quer realizar uma tarefa efetivauma ao ou tarefa (que pode ser instrumental ou comunicativa) que o usurio quercumprir

    uma ferramenta ou artefato (que pode ser um objeto concreto, ou umsigno/informaes) do qual o usurio precisa para realizar efetivamente a ao

    O relacionamento destes trs campos se daria pelainterface , o espao no qual seestrutura a interao entre corpo, ferramenta (objeto ou signo) e o objetivo da ao(BONSIEPE, 1997, p.12). Na interface estaria o domnio central do design.

    Para uma prtica de design consistente, necessria a compreenso deste domnio emtoda a sua extenso. No cabe simplesmente pensar o artefato sem considerar o seu contextode uso, assim como no cabe analisar simplesmente a ao a ser realizada. A anlise da

    tarefa uma parte necessria, mas parece no dar conta da compreenso do universo noqual o design deve atuar. A abordagem deve ser holstica, demandando a compreenso docontexto de uso, dos agentes sociais envolvidos, das caractersticas do artefato a serdesenhado. Nesse sentido, prticas sociais, significados atribudos, aspectos subjetivos, tmtanta importncia quanto aspectos pragmticos, questes funcionais, tecnolgicas eprodutivas. As prticas sociais levam a utilizaes dos objetos que envolvem tanto questesfuncionais, tcnicas e objetivas quanto emocionais e subjetivas.

    4 RFIDs so sistemas que permitem a transmisso de informaes remotamente, geralmente utilizados em etiquetaspara identificao e localizao de objetos. J existem aplicaes diversas, desde passes-livres para veculos empedgios, at implantes em humanos.

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    Quando pensamos nos sistemas computacionais ubqos como meios de comunicao, necessrio pensar em como ocorrem leitura e escrita nesse meio, a gramtica necessria paraque os usurios utilizem este recurso para dialogarem entre si. S (2004, apud PARAGUAI eTRAMONTANO, 2006, p.2) acredita que a gramtica de um meio depende de quatro variveis,a saber:

    [...] dos aspectos cognitivos e prticas sociais dos usurios; das linguagens do meio, tecnologiasenvolvidas e formas de estocagem da informao; dos aspectos polticos-institucionais envolvidos naproduo-circulao-recepo da informao atravs do meio; e do contexto macro-econmico ondese insere o meio.

    Meyrowitz (2001) destaca a necessidade de uma abordagem para alm do veculo em si aocomparar distintas vises do que seria uma alfabetizao miditica. Mais do que uma anlisedo contedo veiculado, e sem se limitar compreenso da gramtica especfica utilizada naconfigurao formal das mensagens em diversos meios (ex. escolhas tipogrficas, composioda pgina nos meios impressos), o autor prope uma anlise mais abrangente:

    Ao nvel macro a alfabetizao miditica envolve a compreenso ampla de como um novo meio podelevar a amplas mudanas sociais. Por exemplo, a teoria do meio ao nvel macro explora questes taiscomo a alterao que pode ocorrer na natureza e no tipo das situaes sociais, nas relaes entrepessoas, e o fortalecimento ou enfraquecimento das vrias situaes sociais em decorrncia da adiode um novo meio matriz dos veculos existentes (MEYROWITZ, 2001, p.96).

    Destaca-se mais uma vez a necessidade de compreenso das prticas sociais dosusurios. Mais do que a compreenso das caractersticas tcnicas e da gramtica prpria dosdispositivos, necessria uma abordagem que d conta de compreender o fenmeno em suaplenitude, de modo que se possa contribuir na configurao desses sistemas.

    Desde a ampliao do uso dos computadores a partir da dcada de 80, os designersenvolvidos com o projeto de interfaces para estes sistemas tm focado essencialmente noprojeto dasGUI (graphic user interface ). notvel o crescimento das pesquisas no campo dodesign no que se refere interao homem-computador (HCI, human computer interaction ),campo que no Brasil tem relao estreita com a ergonomia. Os estudos nessa rea tmdesenvolvido diversas tcnicas para anlise da eficincia dos sistemas computadorizados, comdiferentes mtodos de inspeo, testes de usabilidade, anlises heursticas e uma srie deoutras ferramentas, que em geral parecem focar na relao do usurio com um determinadosistema, ou ainda com partes e elementos especficos dos sistemas. No entanto o conceito deeficincia em um contexto to complexo parece questionvel, principalmente pelo fato de queno campo do design pouco se discute sobre as prticas sociais que perpassam a utilizaodestes dispositivos, cada vez mais fluidas e difusas na tessitura dos acontecimentos cotidianos.

    curioso perceber que os estudos deHCI tm se debruado sobre questes especficas desistemas que podem mudar radicalmente em pouco tempo. A evoluo da tecnologia apontapara um ambiente de interao diverso do atual, no qual as mquinas deixam de concentrarfunes, espalhando-se e tornando-se parte do ambiente, sem demandar demasiado esforocognitivo, pulverizadas e integradas a outros objetos, que trafegam informaes, emitem sinaise comunicam-se uns com os outros, A despeito da necessidade de se pensar alternativas parafacilitar a utilizao dos sistemas computadorizados da atualidade, percebe-se que muitos dosproblemas de usabilidade eHCI encontrados parecem decorrer de uma sobrecarga deinformao e concentrao de funes em um nico dispositivo, o que dificulta a prpriacompreenso de todas as possibilidades que a ferramenta encerra.

    No ponto atual da evoluo dos meios computacionais e das prticas associadas a essesmeios, somos cada vez mais bombardeados por produtos que concentram uma infinidade defunes e demandam imerso e foco central da ateno do usurio para sua utilizao. Um dos

    exemplos mais interessantes o telefone celular, o representante notrio dosmobile systems .Este aparelho experimenta um crescimento de uso sem comparao no mundo todo, mesmoem pases nos quais o acesso s tecnologias se d com certo atraso, como o Brasil. Ostelefones celulares provavelmente so o computador ao qual a populao brasileira mais temacesso, sem comparao possvel com os computadores tipodesktop , que ainda no tm umalcance to grande quanto os pequenos aparelhos mveis. Os celulares deixaram de sersomente telefones, concentrando diversas funes, tais como agenda de compromissos,caderno de endereos, relgio, despertador, calculadora, plataforma de jogos, envio demensagens de texto (viaSMS), portal de acesso internet (viaWAP) com possibilidade deacesso a email e navegao em sites formatados especialmente para este veculo.

    Bruce Sterling (2004) classifica esse tipo de aparelhos, que longe de se integrarem paisagemdemandam ateno e expertise para manipulao das inmeras funes que contm, como

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    gizmos , uma nova classe de objeto, numa linha evolutiva que relaciona os artefatos de nossacultura material com a sociedade que deles derivam:

    [...] artefatos so feitos e utilizados por coletores-caadores e fazendeiros em sistemas desubsistncia; mquinas so feitas e usadas por clientes, em uma sociedade industrial; produtos sofeitos e usados por consumidores, em um complexo militar-industrial;gizmos so feitos e usados porusurios-finais, no que quer que seja hoje uma Nova Desordem Mundial, um ComplexoTerrorismo-Entretenimento (STERLING, 2004, traduo nossa).

    No cabe aqui uma anlise detida na categorizao simplista esboada pelo autor.

    Interessa a nova classe de artefato sugerida por ele; mais adiante, o autor destaca o excessode funcionalidades embutidas nos aparatos tpicos do nosso tempo:Um Gizmo, ao contrrio de uma Mquina ou um Produto, no eficiente. Um Gizmo tem diversasfuncionalidades bizarras, barrocas e mesmo loucas. Este aparelhoTreo que estou carregando umGizmo clssico: um telefone celular, um web browser, uma plataformaSMS5, uma plataformaMMS6,uma pssima cmera fotogrfica, uma mquina de escrever abissal, mais um bloco de notas, umcaderno de rascunhos, um calendrio, um dirio, um relgio, um aparelho de som, e um sistema como seu prpriotutorial que ningum l. Alm disso, eu posso conectar novos acessrios maiscomplicados ainda, se eu souber como. No uma Mquina ou um Produto, porque no algoisolado, finalizado. uma plataforma, um parque de diverses para outros desenvolvedores(STERLING, 2004, traduo nossa).

    Esses aparatos, gizmos, apetrechos ou o que quer que sejam, esto longe de seremutilizados facilmente por qualquer pessoa. O mais provvel que as novas geraes,adolescentes e crianas mais familiarizadas com essas tecnologias e com interesse constante

    por novidades, sejam aqueles que utilizam a maior parte das funcionalidades dos sistemascomputadorizados que seguem essa lgica. Sterling destaca uma caracterstica interessante denosso tempo, o fato de termos projetos em construo, e no produtos finalizados. Novasverses dos aparelhos chegam a cada instante, tornando o que era a ltima gerao deontem na tecnologia ultrapassada de amanh. No futuro os objetos sero a expresso fsica ematerial de um projeto em andamento, meras atualizaes de sistemas de informao virtuaisem constante evoluo.

    Weiser e Brown (1996) acreditam que a prxima gerao de tecnologia computacionaldeveria ser abordada numa perspectiva que chamamcalm technology . A questo central paraos autores que a utilizao dos aparatos tecnolgicos deveria permanecer em segundoplano, na periferia de nosso campo de ateno de maneira a demandar pouco esforocognitivo para serem utilizados, sem que isso elimine a possibilidade de trazer esses aparatospara o centro de nossa percepo; essa possibilidade de deslocamento do foco de nossaateno o ponto principal de diferenciao entre acalm technology e outras tecnologias. Ossistemas computacionais, inseridos e absorvidos pelos objetos do cotidiano, seriamconstantemente manipulados sem que necessitssemos maior concentrao, o que permitiriadeslocar nosso foco de ateno para outras atividades, estando em constante relao com atecnologia sem necessariamente sermos absorvidos por ela. Um panorama muito diverso dosatuais sistemas computacionais, que demandam toda nossa ateno para sua manipulao, oque contribui para gerar situaes destress , leses por esforo repetitivo e fadiga em casos deutilizao de computadores por perodos prolongados (VICTOR, 2006).

    necessrio perguntar qual o papel do design em tal conjuntura. Em um ambiente depervasive computing , de mobilidade e prticas de acesso informao constante, deinteraes mediadas por sistemas computacionais, sistemas que deixam de demandar atenoe passam a fazer parte da paisagem, do pano de fundo das atividades cotidianas, qual o papeldo design?

    Lev Manovich (2006) acredita que os designers tm trabalhado no desenvolvimento deinterfaces computacionais sem promoverem uma integrao consistente entrehardware esoftware , como se as mquinas e suas interfaces digitais fossem partes separadas, destacandoa distncia formal que existe entre a configurao fsica das mquinas e a esttica dasinterfaces grficas. Ele prope uma fuso entre mquina (interface fsica) e suas interfacesvirtuais, um projeto nico dehardware e software integrados. No entanto sua abordagemparece no dar conta de que em um ambiente depervasive computing o foco do projeto deveampliar-se paraalm da interface e para alm da mquina . possvel supor que em um

    5 SMS: acrnimo de Short Message System, sistema de mensagens curtas. Refere-se ao sistema que permite o enviode mensagens textuais atravs dos telefones celulares.6 MMS: acrnimo de Multimedia Message System, sistema de mensagens multimdia. Refere-se ao sistema quepermite o envio de mensagens conjugando texto, som e imagem atravs dos telefones celulares.

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    ambiente no qual os computadores estejam integrados e camuflados na paisagem urbana, oacesso, a manipulao de informaes e as interaes interpessoais mediadas por sistemascomputacionais ubqos, se dar de alguma forma por interfaces que podem trabalhar todos ossentidos (viso, audio, tato etc.),multimodal user interfaces que se adequam ao contexto(LANDAY, 1999). A despeito da suposta existncia dessas interfaces, e portanto da necessidadede projet-las, preciso pensar as prticas sociais que esto em jogo, uma vez que o domnio dodesign envolve a compreenso do usurio e do contexto de uso. No basta pensar em design deinterface, mas sobretudo pensar em design de interao, conforme propem Paraguai eTramontano (2006, p.8):

    A disciplinadesign da interao nos parece, ento, um aporte terico apropriado neste momento, umavez que no apenas concentra-se nos dispositivos ohardware , a materialidade e a forma, maspretende abarcar o contexto das relaes humanas e espaciais decorrentes da hibridizao detecnologias e usos (grifo dos autores).

    A evoluo destes meios indica uma inteno de potencializar os processos de comunicao.Mediados por uma tecnologia computacional que caminha para uma translucidez7, numaperspectiva decalm technology , os interagentes (LEMOS, 2004) dialogam atravs deferramentas que no demandam esforo cognitivo excessivo, fazendo com que a comunicaoem si fique em evidncia. Paradoxalmente, a despeito da translucidez possvel de novos meiosde comunicao, da natureza humana resignificar e criar usos imprevistos para os sistemas,traando linhas de fuga, elaborando novos cdigos, novos signos e linguagens. na interaodestes agentes da cibercultura e na maneira como resignificam os processos comunicacionaisque parece residir a chave para o desenvolvimento dos sistemas futuros.

    Assim, reitera-se a necessidade de ampliar o foco de ateno dos designers que atuam nocampo do design de interface; trata-se de pensar o design de interao, em um ambientecomplexo, no qual a mobilidade, a ubiqidade, o compartilhamento de informaes atravs dediferentes dispositivos dispersos na malha do ambiente urbano, podem instaurar novas formasde relacionamento. A compreenso desse cenrio vai alm dos estudos deHCI, o que demandauma abordagem ampla da questo. Um mapeamento das caractersticas fundantes do cenrioque se anuncia torna-se necessrio, relacionando questes objetivas do desenvolvimentotecnolgico destes dispositivos e questes subjetivas implcitas nas novas prticas e formas decomunicao em curso.

    A ttulo de concluso...

    As prticas sociais contemporneas, permeadas por sistemas computacionais que permitem aveiculao e o acesso a informaes em diferentes dispositivos, tm colaborado para a criaode novas formas de relacionamento interpessoal. Diversas ferramentas de publicao circulamna Internet (blogs, fotologs, videologs etc), fazendo com que cada vez mais pessoasdisponham informaes de sua vida privada na grande rede, muitas vezes com acessoirrestrito. As tecnologias de comunicao atuais permitem a localizao de indivduos aqualquer tempo, em qualquer lugar. So diversas formas de transmisso e recepo deinformaes que colaboram para atenuar os limites entre os espaos e momentos decomunicao e de fruio dessa massa de informaes. Vivenciamos processos dedesterritorializao, que engendram novas formas de relacionamento interpessoal.

    H muita controvrsia sobre os reais benefcios desse tipo de ambiente de conexoconstante. Uma viso mais pessimista pode levar a crer que novas formas de controle eregulamentao iro surgir; o indivduo online, em movimento, emitindo dados constantemente,

    estaria sujeito a mecanismos de monitoramento, constituindo um cenrio semelhante aoimaginado por George Orwell. Segundo esta vertente, o Big Brother estaria cada vez maisprximo. Mesmo hoje, em diversos sites de compras na Internet, h mecanismos demapeamento da navegao dos usurios que permitem prever comportamentos, gostos,interesses. Uma pessoa que use constantemente sites de compra e de relacionamento online,possivelmente j enviou informaes suficientes para um conhecimento bem aproximado deseus interesses; atravs de sites de lbuns de fotos e de relacionamento como Orkut e Flickr,

    7 Adotamos a noo de translucidez para o futuro das tecnologias computacionais em contraposio s noes detransparncia e reflexo, implcitas nas associaes das interfaces computacionais com janelas e espelhos deBolter e Gomala (2003). A partir da noo decalm technology de Weiser e Brown, (1996), parece-nos mais correta aidia de uma translucidez, que permite enxergar atravs, mas ainda percebida conscientemente.

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    possvel perscrutar boa parte de sua vida privada, sua rede de relacionamentos. A evoluodeste quadro de falta de privacidade e de monitoramento no cenrio depervasive computing uma preocupao constante nos fruns especializados no assunto. Mesmo os entusiastas daubiqidade computacional destacam que necessrio garantir o direito privacidade e sigilode dados em ambientes com mediao e interao constante, embora no necessariamenteapontem caminhos para que isso ocorra (LANDAY, 2006).

    Em que pesem as questes de privacidade e segurana, parece claro que a ubiqidadecomputacional um fenmeno em processo; a comunicao mediada por sistemas

    computacionais caminha para a mobilidade e pervasividade. Seria ingnuo acreditar que estastransformaes afetaro os diversos grupos sociais que compem nossa cultura da mesmamaneira. Mesmo em um cenrio no qual os computadores encontram-se camuflados napaisagem, existem diferentes maneiras de participar desse ambiente, sendo os nveis deimerso e participao influenciados por variveis tais como familiaridade com sistemascomputadorizados, idade, escolaridade etc.

    Se pretendemos entender como se d a apropriao dessa tecnologia, assim como osprocessos de territorializao e desterritorializao, as linhas de fuga criadas pelos grupossociais que participam da cibercultura, devemos atentar para as prticas correntes nessecontexto de mobilidade e interconexo constante. Embora estejamos ainda numa fase inicial depervasividade computacional, possvel perceber prticas sociais em curso que apresentamquestes importantes para compreender esses processos, e principalmente orientar nossaprtica para o desenvolvimento de projetos que visem o bem comum.

    O design, como atividade que atua na criao de interfaces que possibilitam a comunicaoentre diferentes interagentes, deve compreender as prticas sociais advindas dasdesterritorializaes em curso, para desenvolver solues adequadas s formas decomunicao contemporneas. A despeito da importncia dos estudos de usabilidade e deprojeto de interface, para o desenvolvimento de projetos no campo do design de interaotorna-se necessria uma abordagem que privilegie a observao e entendimento do fenmenocomo um todo, ampliando o foco da interface, do artefato, para os sujeitos e as prticas sociaisque estes elaboram no contexto de interao mediada por dispositivos mveis decomunicao.

    Referncias

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