Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de...

99
Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro Um guia prático

Transcript of Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de...

  • Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Um guia prtico

  • LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND POLITICAL SCIENCE (LSE)Sandra Jovchelovitch e Jacqueline Priego-Hernandez.

    REPRESENTAO DA UNESCO NO BRASILColaborao editorial: Marlova J. Noleto, Diretora da rea Programtica e Beatriz Coelho, Oficial de Projetos de Cincias Humanas e Sociais

    Reviso: Unidade de Comunicao, Informao Pblica e Publicaes (UCIP)

    Diagramao: www.soapbox.co.uk

    2015 Sandra Jovchelovitch e Jacqueline Priego-Hernandez

    Este guia est disponvel em acesso livre ao abrigo da licena Atribuio-Partilha 3.0 IGO (CC-BY-SA 3.0 IGO) (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/igo). Ao utilizar o contedo da presente publicao, os usurios aceitam os termos de uso do Repositrio UNESCO de acesso livre http:// unesco.org/open-access/terms-use-ccbysa-en). Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito da parceria com a London School of Economics and Political Science, a qual tem como objetivo desenvolver uma plataforma de dilogo sobre desenvolvimento social entre os vrios atores no Brasil e no Reino Unido, com base na pesquisa Sociabilidades Subterrneas sobre desenvolvimento social nas favelas do Rio de Janeiro. Os autores so responsveis pela escolha e pela apresentao dos fatos contidos neste guia, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    Este guia prtico foi financiado pelo Higher Education Innovation Funding.

    ISBN: 978-1-909890-34-3

    http://www.soapbox.co.ukhttp://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/igohttp://unesco.org/open-access/terms-use-ccbysa-en

  • Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Um guia prtico

    Sandra Jovchelovitch e Jacqueline Priego-Hernandez

  • Sumrio

    Sobre este guia prtico 2

    Do que trata 3

    A quem se destina 3

    Como utilizar o guia prtico 4

    O que desenvolvimento social de base 5

    O desenvolvimento social de base: principais fatos nas favelas 6

    Seo A O contexto 10

    Caixa de ferramentas 1 Diagnstico do contexto 12

    Seo B O modelo 22

    Caixa de ferramentas 2 Foco em indivduos e comunidades 24

    Caixa de ferramentas 3 Uso da cultura e da imaginao 42

    Caixa de ferramentas 4 Travessias 60

    Referncias bibliogrficas 88

    Anexo 1 Ferramentas e propostas de ao 91

    Anexo 2 Notas para o facilitador 92

    Crditos das imagens 94

    S O C I A B I L I D A D E S.

    S U B T E R R N E A S

    identidade, cultura e resistnciaem favelas do Rio de Janeiro

    SO

    CIA

    BIL

    IDA

    DE

    S S

    UB

    TE

    RR

    N

    EA

    Sidentidade, cultura e resistncia em

    favelas do Rio de Janeiro

    Sandra Jovchelovitch professora catedrtica da London School of Economics and Political Science e diretora do Mestrado em Psicologia Social e Cultural na mesma instituio. Em 2012 foi eleita Fellow da British Psychological Society.

    As autoras possvel melhorar o mundo O Ita Cultural, ao longo de 26 anos, consolidou-se como uma instituio articuladora, sempre preocupada com a criatividade e com a sensibilidade das pessoas, sejam elas artistas, agentes culturais ou o pblico em geral. O foco de suas aes produzir expe-rincias que, de alguma forma, transformem vidas.

    O Instituto acredita no poder de transformao do AfroReggae, da CUFA e das suas lideranas. Quando a UNESCO e a London School of Economics propuseram o proje-to de pesquisa Sociabilidades subterrneas, que estudaria a forma de trabalho e de vida em comunidade da CUFA e do AfroReggae, logo se percebeu que era necessrio apoiar esse estudo.

    A iniciativa produziu uma unio de foras dentro do Grupo Ita Unibanco, com a Fun-dao Ita Social e o Ita Cultural como parceiros e apoiadores de todo o processo. Fo-ram mais de trs anos, do incio das pesquisas passando pela realizao de seminrios e pela apresentao dos resultados at o lanamento deste livro. O aprendizado de todos os envolvidos muito maior do que o projetado.

    Foi criado um modelo de parceria indito entre instituies internacionais, iniciativa pri-vada e comunidades. Um trabalho que reuniu equipes em frentes diferentes no Rio de Janeiro, em Londres, em Braslia e em So Paulo, movidos por um nico desejo: fazer com que cada vez mais pessoas tenham acesso a iniciativas como as da CUFA e do AfroReggae; fazer com que mais gente acredite que possvel transformar, melhorar o mundo.

    ANA DE FTIMA SOUSAGerente de comunicao e relacionamento do Ita Cultural

    Este projeto de pesquisa representa uma oportunidade para que aqueles que no tm voz possam expressar-se, concedendo-lhes os meios para se fazerem ouvir. o que a UNESCO procura realizar. Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO

    O projeto Sociabilidade Subterrneas expe a diviso do Rio de Janeiro e incomoda o imaginrio social da cidade. A pesquisa joga luz sobre o que fazemos e mostra que as pontes que o AfroReggae e a CUFA constroem so importantes para todo mundo. Jos Jnior, coordenador-executivo e fundador do AfroReggae

    Esse projeto um divisor de guas em nossas vidas e na vida da CUFA e do AfroReggae.Celso Athayde, fundador da Central nica das Favelas (CUFA)

    Esta pesquisa domou um objeto indomvel e produziu um mapa de dados valioso e abrangente sobre um dos fenmenos mais importantes e inovadores ocorrendo hoje na esfera pblica brasileira: a participao e o reconhecimento de jovens cidados das favelas e periferias das cidades do Brasil. Silvia Ramos, sociloga, pesquisadora do Centro de Estudos sobre

    Segurana e Cidadania (CESeC)

    Jacqueline Priego-Hernandez doutora em Psicologia Social pela London School of Eco-nomics and Political Science, onde trabalha como pesquisadora.

    opo com o cone integrado Faa o download do livro: blogs.lse.ac.uk/favelasatlse

    Acesse o site que acompanha este guia prtico: blogs.lse.ac.uk/toolkitsocialdevelopment

    blogs.lse.ac.uk/favelasatlseblogs.lse.ac.uk/toolkitsocialdevelopment

  • 2

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Sobre este guia prticoEste guia prtico traz informaes, recursos e instrumentos baseados em lies e resultados da pesquisa Sociabilidades Subterrneas, uma parceria internacional e interinstitucional que estudou a identidade, a cultura e a resilincia de favelas no Rio de Janeiro.

    Essa pesquisa procurou entender e sistematizar as caractersticas dos modelos de desenvolvimento social de base que vm sendo implementados em favelas pelas organizaes locais AfroReggae e Central nica das Favelas (CUFA). Atuando ao mesmo tempo como parceiras e sujeitos da pesquisa, o AfroReggae e a CUFA desempenharam um papel fundamental na viabilizao do trabalho de campo nas favelas e em atividades com a London School of Economics (LSE), UNESCO, Ita Social e Ita Cultural, garantindo acesso a um contexto rico, complexo e difcil de atingir.

    Ao longo de trs anos, estudamos a sociabilidade das favelas, a metodologia de trabalho do AfroReggae e da CUFA, e as vises e experincias de seus parceiros e observadores, incluindo a polcia, o setor privado, os meios de comunicao e especialistas. Descobrimos que a pobreza e a excluso produzem marginalizao e sofrimento humano, mas que as pessoas que vivem nessas condies tm competncias e habilidades que podem resistir excluso e produzir desenvolvimento social.

    As organizaes de base em favelas demonstram capacidade de ao e competncia para produzir mudanas positivas, enfocando ao mesmo tempo indivduos e comunidades, utilizando as artes e a imaginao para estimular aes coletivas, e construindo mltiplas travessias. Suas aes englobam da participao comunitria revitalizao urbana, reintegrao de ex-presidirios s suas comunidades, e oficinas, concertos e peas teatrais que ampliam a imaginao, as expectativas de vida e os sonhos dos jovens da favela. Esse modelo de desenvolvimento social de base pode ser aplicado em qualquer lugar, uma vez que est fundamentado em dimenses universais: o Eu (self) como protagonista, o poder da imaginao e o valor do dilogo como ferramenta para gerenciar diferenas e conflitos.

    Alm dos achados e lies fundamentais da pesquisa, este guia prtico sustentado pelos resultados e pelas experincias do projeto Communicating Bottom-up Social Development: A Dialogue between Multiple Stakeholders in the UK and Brazil, um trabalho, baseado na troca de conhecimentos, financiado pelo Higher Education Innovation Funding (HEIF) do Reino Unido. Com foco global, o projeto disseminou experincias de desenvolvimento social de base e administrou o blogue Favelas@LSE. Alm disso, criou condies para que pudssemos devolver e compartilhar os resultados da pesquisa para as comunidades de favelas, envolver-nos com um pblico maior de ativistas e formuladores de polticas no Brasil e no Reino Unido, e utilizar a validao comunicativa para testar os conceitos e as ferramentas apresentadas neste

    http://psych1.lse.ac.uk/undergroundsociabilities/index.phphttp://psych1.lse.ac.uk/undergroundsociabilities/index.phphttp://blogs.lse.ac.uk/favelasatlse/http://blogs.lse.ac.uk/favelasatlse/http://blogs.lse.ac.uk/favelasatlse/http://www.lse.ac.uk/intranet/LSEServices/APD/lseEntrepreneurship/HEIF5.aspxhttp://blogs.lse.ac.uk/favelasatlse/

  • 3

    Do que trata

    guia prtico. O objetivo final contribuir para uma maior disseminao do que funciona no desenvolvimento social de base. Esperamos que a metodologia de trabalho, as estratgias e as ferramentas aqui documentadas ajudem a construir capacidade em outros contextos.

    Do que trataEste guia prtico um manual fundamentado na pesquisa Sociabilidades Subterrneas, realizada em favelas do Rio de Janeiro. Foi elaborado com base nas experincias e nos relatos de pessoas que moram, trabalham e atuam nas favelas e, em especial, no trabalho de duas organizaes de base CUFA e AfroReggae. Essas duas organizaes ofereceram o modelo bsico de desenvolvimento social apresentado neste guia prtico, mas tambm foram includas lies de outras organizaes de base de favelas.

    O guia prtico composto por duas sees principais, que incluem ao todo quatro caixas de ferramentas. A primeira seo trata do contexto.

    A primeira caixa contm trs ferramentas para se entender o contexto das comunidades:

    Instituies Capital social Resilincia

    A segunda seo constitui a parte central do guia prtico e compreende trs caixas de ferramentas, que contm o modelo de trabalho das organizaes de base de favelas.

    Caixa de ferramentas 2. Foco em indivduos e comunidades Andaimes psicossociais Autoestima e redes

    Caixa de ferramentas 3. Uso da cultura e imaginao Contar histrias As artes

    Caixa de ferramentas 4. Travessias Abrindo fronteiras e parcerias Contato e dilogo Cidadania

    A quem se destinaEste guia dirigido a formuladores de polticas pblicas, ativistas e profissionais atuantes em diferentes reas. Lderes comunitrios, especialistas, professores, jovens, mobilizadores de jovens, bem como formuladores de polticas pblicas interessados em tecnologias sociais inovadoras e estratgias bem-sucedidas que vm sendo desenvolvidas no Brasil, encontraro aqui um conjunto de conceitos, fatos e estratgias para trabalhar com organizaes de base e para elaborar polticas.

  • 4

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Como utilizar o guia prticoO guia foi elaborado de forma que a Caixa de Ferramentas 1 apresenta uma base para a compreenso de contextos, e as Caixas 2, 3 e 4 fornecem materiais e ferramentas especficas para a atuao visando ao desenvolvimento social nesses contextos. O leitor pode usar as diferentes caixas de forma no linear, inspirar-se nelas e adapt-las ao seu contexto especfico, se necessrio. Este guia prtico no deve ser visto como uma receita pronta para reproduzir o desenvolvimento social de base encontrado em comunidades de favelas: um recurso flexvel, que contm um cardpio de opes para serem trabalhadas em todas as partes do mundo.

    A parte final do documento traz uma lista de referncias e dois anexos. O Anexo 1 contm uma tabela com propostas de ao sugeridas em cada ferramenta e a forma como se aplicam a cada uma delas. O Anexo 2 apresenta sugestes para pessoas que tm interesse em facilitar oficinas e em capacitar suas comunidades, e discute de que forma as atividades podem ser implementadas em oficinas de um dia de durao.

    O que uma favela O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) define favela da seguinte forma:

    Favelas so definidas como aglomeraes urbanas subnormais, assentamentos irregulares em reas consideradas inadequadas para urbanizao, como as encostas ngremes de montanhas do Rio: um conjunto constitudo por no mnimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.), ocupando ou tendo ocupado at perodo recente, terreno de propriedade alheia (pblica ou particular); dispostas, em geral, de forma desordenada e densa; e carentes, em sua maioria, de servios pblicos e essenciais (IBGE, 2011).

    Figura 1A imaginao em atividade: crianas se divertem tocando tambor nas favelas

  • 5

    O que desenvolvimento social de base

    O que desenvolvimento social de baseDesenvolvimento social uma expresso que abrange os processos de mudana que levam a melhoras no bem-estar humano, nas relaes sociais e nas instituies sociais, e que so equitativos, sustentveis e compatveis com princpios de governana democrtica e justia social (UNRISD, 2011, p. 2). Desenvolvimento social de base refere-se a aes idealizadas, iniciadas, desenvolvidas e conduzidas por membros da prpria comunidade. Os interesses e objetivos das iniciativas de base atendem s necessidades da comunidade e a forma como estas se transformam. Ao contrrio da maioria dos programas de desenvolvimento que deixam os locais de interveno medida que os objetivos so alcanados, as iniciativas de base so desenvolvidas na comunidade, pela comunidade e permanecem na comunidade.

    Os benefcios dessas iniciativas so muitos e reconhecidos em todas as partes do mundo. Estudos demonstram que elas obtm resultados positivos nas reas social, econmica, educacional e de sade (CORNISH et al., 2014; MURRAY; CRUMMETT, 2010; PHILLIPS, 2004; SKOVDAL et al., 2013) . Tambm se sabe que a mobilizao comunitria constitui um mtodo poderoso para enfatizar e expor a voz de comunidades marginalizadas (CAMPBELL et al., 2010; CAMPBELL; JOVCHELOVITCH, 2000).

    Um aspecto importante para movimentos e organizaes populares o seu papel em relao ao do Estado. Grupos e organizaes que atuam conforme o modelo de desenvolvimento social de base podem ser parceiros eficazes do Estado, mas no podem nem devem substituir o Estado e os servios que so de sua responsabilidade.

    Sociabilidades subterrneasSociabilidades subterrneas so formas de vida social que se tornam invisveis aos olhos da sociedade devido a barreiras geogrficas, econmicas, simblicas, comportamentais e culturais. A natureza oculta dessas sociabilidades socialmente construda por representaes dominantes, pelo controle institucional, pela excluso social e por mecanismos psicossociais, como a negao das condies e dos padres de vida de outros. Historicamente associadas violncia, excluso e marginalidade, essas sociabilidades so frequentemente trazidas tona por erupes que envolvem comportamentos violentos e/ou criminosos. Dentre os exemplos de como as sociedades enfrentam cara a cara as suas sociabilidades subterrneas, figuram as muitas batalhas travadas entre a polcia e os chefes do trfico de drogas nas ruas do Rio de Janeiro e de So Paulo na ltima dcada e, em um contexto completamente diferente, as revoltas e as manifestaes violentas de rua ocorridas no vero de 2011, em Londres.

    http://www.unrisd.org/research-agenda

  • 6

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    O desenvolvimento social de base: principais fatos nas favelasO Brasil tem um forte histrico de participao da sociedade civil e de vida associativa (FLEURY, 2011; LAVALLE et al., 2005; NOVY; LEUBOLT, 2005). O pas saiu de uma ditadura em 1985 e, desde ento, vem desenvolvendo uma slida estrutura institucional para facilitar a participao dos cidados (AVRITZER, 2009; BAIOCCI, 2008). Entretanto, o surgimento de grupos organizados de moradores de favelas no incio da dcada de 1990 amplamente considerado como um novo fato no desenvolvimento da esfera pblica brasileira, diferindo de todas as manifestaes anteriores da sociedade civil no pas (RAMOS, 2006; VIANNA, 2006).

    So caractersticas desses novos movimentos:

    Introduo de um novo ator social na sociedade civil organizada moradores de favelas jovens e negros, que criam organizaes novas suas prprias organizaes , como AfroReggae, CUFA, Ns do Morro e Voz da Comunidade, entre outras (ver Cidadania).

    Identidade e territrio esses grupos so diferentes das organizaes de desenvolvimento social tradicionais, porque so constitudos e conduzidos por pessoas que vm das favelas e vivem nelas, e cuja identidade est ligada a esses territrios. As histrias de vida e as experincias de lderes e ativistas so equiparveis s trajetrias das pessoas que vivem nas favelas (ver O contar de histrias).

    Organizaes hbridas com mltiplos papis esses grupos combinam diferentes modelos e identidades, compondo uma mistura de ONGs, movimentos sociais, empreendedores culturais, negcios sociais, pais e mes substitutos, professores, pessoas que fornecem treinamento para a vida, e pessoas que fazem a ligao com o Estado e seus servios (ver Contato e dilogo).

    nfase na vida pessoal as organizaes de base nas favelas colocam a vida pessoal de cada individuo de volta na agenda do desenvolvimento social, enfatizando a autoestima, o apoio emocional e o desenvolvimento de habilidades e competncias individuais (ver Andaimes psicossociais).

    Orgulho e visibilidade esses grupos trabalham para dar visibilidade ao invisvel, enfatizando a cultura e a identidade de suas comunidades de origem. Tm orgulho do seu territrio e trabalham para apresent-lo de forma positiva na esfera pblica (ver Autoestima e redes).

    Travessias e parcerias mltiplas esses grupos envolvem mltiplos parceiros fora das favelas, inclusive o setor privado, o Estado, os meios de comunicao e as artes (ver Abrindo fronteiras e parcerias).

  • Desenvolvimento social de base em contexto

    Este um exerccio para fazer voc pensar sobre o desenvolvimento social de base e de que forma ele se aplica realidade em que voc vive. O que voc entende por desenvolvimento social de base? Para mim, desenvolvimento social de base

    Voc consegue pensar em cinco exemplos diferentes de iniciativas sociais de base? 1.

    2.

    3.

    4.

    5.

    De que forma esses exemplos coincidem e diferem entre si? Semelhanas Diferenas

    O desenvolvimento social de base: principais fatos nas favelas

    7

  • 8

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Na sua viso, quais so as vantagens das iniciativas sociais de base?

    O que voc considera ser o desenvolvimento social tradicional nos contextos em que voc trabalha?

    Voc trabalha com organizaes e pessoas fora da sua comunidade para alcanar suas metas de desenvolvimento social? Pense sobre quem so elas e quais so os benefcios e as dificuldades resultantes desse envolvimento.

  • 9

    O desenvolvimento social de base: principais fatos nas favelas

    Lderes, facilitadores e educadores envolvidos em ativismo cultural com comunidades devem ter cuidado para evitar

    1. Criticar uma realidade que no conhecem. O poder de organizaes locais decorre do fato de elas conhecerem o contexto.

    2. Ignorar a forma como a populao local considera a realidade em que vive. Nesse aspecto, podem ser teis tcnicas bsicas de pesquisa, abordagens participativas e mdias sociais.

    3. Criticar apenas por criticar. melhor gastar energia em questes que podem ser discutidas, em vez de fazer afirmaes vazias.

    4. Sugerir uma realidade alternativa, sem ter um plano de como execut-la. Propostas devem funcionar na prtica.

    5. Deixar as pessoas para trs. As aes de desenvolvimento social precisam da participao das pessoas, no somente para levantar questes e planejar projetos, mas tambm para implement-los e lider-los.

    Representaes sociais

    Um conceito importante para quem trabalha com desenvolvimento social de base o de representaes sociais. As representaes sociais so sistemas de ideias, valores e prticas construdos por grupos sociais, com a dupla funo de orientao e de comunicao. Introduzido pelo psiclogo social Serge Moscovici (19612008) em um estudo sobre como as ideias mudam na esfera pblica, o conceito de representaes sociais se refere a maneiras de pensar e de agir no mundo; as representaes sociais expressam a mentalidade de um grupo, o pensamento e o comportamento, as identidades e a cultura de uma comunidade. O mundo contemporneo composto por uma pluralidade de representaes sociais, cada uma expressando projetos, identidades, modos de vida e diferentes nveis de poder nos campos sociais. A forma como as representaes se encontram, competem entre si e transformam umas s outras em esferas pblicas um dos problemas mais interessantes do tempo presente (BAUER; GASKELL, 2008; JOVCHELOVITCH, 2007). importante mapear o modo como as comunidades manifestam as suas lutas representacionais na esfera pblica geral da cidade, tentando ressignificar como so vistas e percebidas pela sociedade em geral. De extrema importncia para o desenvolvimento social de base a transformao das representaes sociais das favelas e dos moradores das favelas, demonstrando ativamente que o crime, as drogas e a violncia esto longe de ser as caractersticas dominantes da sua cultura. Empurrando o que invisvel para a esfera pblica aberta, esses grupos desafiam esteretipos e smbolos dominantes e contribuem significativamente para mudanas nas relaes intergrupais e nas identidades sociais de toda a cidade.

    FonteAdaptado de FREIRE, P. Cultural action for freedom. London: Penguin, 1972.

  • 10

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Seo A

    O contexto Caixa de ferramentas 1

    Diagnstico do contexto

    Instituies

    Capital social

    Resilincia

  • O contexto

    11

  • 12

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Caixa de ferramentas 1

    Diagnstico do contexto

    O desenvolvimento social de base se inicia com um diagnstico o mais preciso possvel do contexto. Nas

    favelas do Rio de Janeiro, o desenvolvimento social de base est fundamentado em uma estreita conexo com

    o contexto. Trs elementos centrais para a compreenso do contexto so: estrutura institucional, capital social

    e resilincia da comunidade.

    InstituiesCapital social

    Resilincia

  • Diagnstico do contexto

    13

    Como a vida na comunidade? Quais so os principais dilemas, dificuldades e oportunidades que as pessoas encontram em sua vida cotidiana? Para responder a essas questes, um bom comeo mapear os tipos de instituies, o capital social e a resilincia da comunidade.

    Uma caracterstica central do desenvolvimento social de base no Rio de Janeiro que os ativistas e lderes trabalham com as instituies disponveis na comunidade, e se inspiram em seu capital social e em sua resilincia para transmitir uma narrativa positiva, dentro e fora de suas fronteiras.

    InstituiesA QUE SE REFEREInstituies so estruturas sociais estabelecidas na comunidade. Podem ser organizaes com presena fsica em prdios especficos, como ONGs, a polcia e as Igrejas. Tambm podem ser grupos de pessoas organizadas em torno de uma meta, como o trfico de drogas. Geralmente, a famlia a instituio mais prxima dos membros da comunidade o primeiro e, em geral, o mais importante grupo de pessoas com o qual eles tm contato.

    POR QUE IMPORTANTEMapear a estrutura institucional importante para realizar um balano dos recursos disponveis na comunidade, com os quais as organizaes locais podem trabalhar no enfrentamento de problemas.

    INSTITUIES: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELASNos contextos das favelas, h cinco instituies principais cujo apoio e cujo alcance tm impacto sobre a tomada de decises dos moradores. Cada uma delas tem um papel diferente na vida das pessoas:

    A famlia, que desempenha um papel crucial no sentido de viabilizar ou impedir escolhas e trajetrias de vida.

    O Estado, cuja presena rara, sendo representado principalmente pela polcia.

    O trfico de drogas, que ainda um organizador-chave da vida na favela, por meio do oferecimento de empregos, e da criao de regras e controles que ocupam o espao que o Estado deixa vazio.

    As Igrejas, principalmente as evanglicas, que oferecem apoio, mas nem sempre so compatveis com o estilo de vida de muitos moradores das favelas.

    As ONGs, como o AfroReggae e a CUFA, que oferecem oportunidades e alternativas vida no crime. Elas se inspiram em todas as instituies acima, desempenhando o papel da famlia, do Estado e das Igrejas, e competindo com o crime organizado na formulao das escolhas e da tomada de decises dos moradores da favela.

  • 14

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Oficina sobre instituiesMAPA DA COMUNIDADE

    Objetivos: jAnalisar o papel dessas instituies e suas relaes com os membros da comunidade.

    Durao: 1 hora

    Materiais:

    Uma folha grande de papel / Canetas hidrogrficas de vrias cores / Caderno e caneta para anotaes

    O que vamos fazer?

    1. Comece com uma lista de todas as instituies e de todos os recursos que podem ser encontrados em uma comunidade. (10 minutos)

    2. Em grupo, desenhe uma comunidade na folha de papel pode ser qualquer uma, mas de preferncia aquela em que vive a maioria dos participantes. No desenho, situe todos os elementos includos na lista que foi elaborada no incio. (20 minutos)

    3. Depois de elaborar o mapa da comunidade, o grupo discutir as questes a seguir, e um participante (secretrio) anotar as ideias principais que surgirem: (30 minutos)

    a. Como as pessoas utilizam as instituies da comunidade? Por exemplo, onde os moradores passam a maior parte de seu tempo, e por qu?

    b. Que instituies contam com mais recursos materiais? E quais so as instituies com maior influncia sobre a comunidade? Existe uma relao entre esses dois fatos, ou seja: as instituies mais bem equipadas so mais atraentes para os membros da comunidade e/ou lhes fornecem maior apoio?

  • 15

  • 16

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    LIES As instituies oferecem apoio aos membros da comunidade, em todas

    as etapas de sua vida; sua qualidade e abrangncia tm o poder de viabilizar ou impedir escolhas de vida. As instituies no so apenas uma referncia abstrata: elas so fatores decisivos determinando a trajetria de indivduos e comunidades.

    A quantidade e a diversidade das instituies desempenham um papel na mobilidade social e fsica dos membros da comunidade: influenciam a possibilidade que indivduos tm de cruzar fronteiras e construir redes.

    A religiosidade e a f tm influncia importante nas comunidades; nesse sentido, constituir parcerias com instituies religiosas pode ser importante para o desenvolvimento social de base.

    Capital socialA QUE SE REFEREA expresso capital social designa a riqueza de redes e relaes sociais de que uma pessoa dispe. De acordo com o socilogo Pierre Bourdieu (1986), capital equivale a poder, e capital social a soma de recursos ligados a uma rede de relacionamentos que tem o potencial de fornecer outros recursos a voc e sua comunidade. Em outras palavras, o capital de que voc dispe por fazer parte de um grupo, de modo que, por exemplo, quando precisar de um emprego, voc ter algum que o ajude a encontr-lo, ou que possa apresentar voc a algum que seja capaz de faz-lo.

    Existem dois tipos de capital social: o capital social de vnculo, que mantm as pessoas conectadas dentro da comunidade; e o capital social de ponte, que possibilita que as comunidades se conectem umas s outras (PUTNAM, 2000). Quanto mais conexes tiver, mais ricas sero as trocas que um indivduo experimentar, maior ser a probabilidade de colaborao com outras pessoas para atingir um objetivo, e maiores sero as possibilidades de que esse indivduo encontre novas ideias e oportunidades.

    POR QUE IMPORTANTEO capital social considerado um fator importante para que uma comunidade seja resiliente ou seja, tenha resistncia a choques sbitos , de forma a possibilitar que seus membros tambm sejam resilientes (BRETON, 2001). Manter conexes sociais, dentro e fora da comunidade, um requisito para se produzir mudana social. Os vnculos internos permitem que as comunidades atuem em conjunto, em questes que so preocupaes comuns. As pontes com o mundo externo alavancam essas questes jogando-as na esfera pblica.

  • Diagnstico do contexto

    17

    CAPITAL SOCIAL: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELAS H um forte sentido de pertencimento e coeso nas favelas.

    Os moradores das favelas mantm vnculos com seu territrio, e o lugar em que vivem faz parte da sua identidade.

    A sociabilidade um aspecto importante da cultura das favelas; os moradores de favelas so sociveis e tm prazer em participar de reunies com seus vizinhos e com outros grupos da comunidade.

    LIES A coeso social um recurso para a eficcia das aes promovidas

    por organizaes de base e a solidariedade interna das comunidades facilita o desenvolvimento social.

    A identificao com o territrio possibilita que as organizaes de base sejam capazes de propor uma histria positiva, que possa desestabilizar esteretipos e representaes negativas da comunidade.

    O capital social de ponte reduz o isolamento e realiza a conexo com uma grande variedade de atores fora da comunidade, possibilitando que as organizaes de base influenciem polticas e a sociedade de forma geral.

    Sociabilidade

    O conceito de sociabilidade importante para o desenvolvimento social de base porque ele permite entender a vida de uma comunidade. O conceito foi introduzido por Simmel (1950) para descrever a forma ldica da vida social, assim como a alegria e a imaginao que acompanham a experincia do social. Simmel define a sociabilidade como a forma ldica da sociabilizao, ou seja, a experincia prazerosa, alegre e agradvel decorrente da interao das pessoas na sociedade. Imagine-se a situao social perfeita: divertir-se com os pares, conversar, rir, brincar e desfrutar o prazer completo de estar junto com outras pessoas. Para Simmel, essa experincia a essncia da sociabilidade. Esse prazer puro da sociabilidade possvel porque atores sociais so capazes de se desprender das formas reais, materiais e concretas da vida social, que envolvem estruturas e posicionamentos relacionados a hierarquias e desigualdade nos campos sociais. Ao se conseguir abstrair a riqueza, a posio e o poder, esquecer o status e outras obrigaes da vida real, ento possvel envolver-se ludicamente no jogo da sociabilidade, na apreciao da presena de outros, nos jogos de conversao e de relao que produzem a convivncia e a experincia compartilhada. Elemento bsico da cultura brasileira, a sociabilidade como ludicidade est particularmente presente na cultura da favela, como expresso da identidade cultural e como um ato de resistncia contra as duras condies de vida.

  • 18

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Considere a seguinte verso ligeiramente modificada de uma coluna do jornal Extra, publicada antes da ao conjunta promovida pela CUFA em uma favela:

    A partir das 8h de sbado, a favela da Vila Kennedy, em Bangu, far um mutiro para revitalizar o Teatro Mrio Lago, nico espao cultural do local, e que se encontra fechado desde fevereiro do ano passado. A ao uma parceria entre a Central nica das Favelas (CUFA), artistas e produtores locais. A ideia da reabertura surgiu dos moradores. A partir da, Celso Athayde, fundador da CUFA, reuniu-se com lideranas locais e, juntos, decidiram fazer o mutiro.

    A ao ser iniciada com um abrao no teatro. Depois, ser realizada uma grande faxina, feita por voluntrios, entre moradores e artistas locais. Uma vez aberto, o espao contar com diversas oficinas, entre elas: teatro, grafite e msica (Extra, 8 de maio de 2014).

    Agora, considere de que forma uma ao similar poderia acontecer na sua comunidade. Aqui esto alguns pontos a desenvolver:

    Planejamento. No exemplo acima, foram os moradores da comunidade que identificaram a necessidade de uma ao conjunta para renovar um espao pblico. A comunidade sempre a melhor fonte de informaes, quando se trata de identificar do que necessitam e o que desejam. Os pontos a serem desenvolvidos em uma ao conjunta normalmente surgem durante reunies de vizinhos ou da comunidade e, por esse motivo, importante organizar-se, reunir-se com frequncia e discutir.

    Promoo. importante divulgar para a comunidade a ao planejada em conjunto. Os canais de comunicao social so muito eficazes para essa finalidade, assim como as publicaes comunitrias (veja o caso do Jornal Voz das Comunidades, na pgina 46). Convites de porta em porta e avisos afixados na rua tambm so bons recursos para alcanar as pessoas.

    O evento. Considere a possibilidade de dividir as tarefas e atribuir microprojetos a diferentes grupos. Tenha o cuidado de democratizar as tarefas e evitar reproduzir hierarquias na comunidade, mas sempre respeitando os cdigos culturais por exemplo, se for necessrio, separar as tarefas por gnero e permitir que os idosos se concentrem em algumas tarefas de sua escolha.

    Comemorao das realizaes. Uma vez alcanada a meta do mutiro, considere a possibilidade de uma inaugurao, em que os membros da comunidade comemorem o que realizaram. Planeje lanches para o final do mutiro as pessoas que no puderem participar do mutiro, podero contribuir preparando esses lanches. Lembre-se de divulgar as realizaes da comunidade em encontros e/ou em jornais da comunidade.

    Mutiro: organizando a ao conjunta para a renovao urbana

    http://extra.globo.com/noticias/rio/na-vila-kennedy-moradores-fazem-mutirao-para-revitalizar-teatro-estatua-reformada-devolvida-praca-12416482.htmlhttp://extra.globo.com/noticias/rio/vila-kennedy/http://extra.globo.com/noticias/rio/bangu/

  • Diagnstico do contexto

    19

    ResilinciaA QUE SE REFEREO conceito de resilincia tem suas razes na fsica, e refere-se capacidade que os materiais tm de recuperar sua forma original depois de terem sido modificados por uma fora qualquer. Em termos psicolgicos, falamos de resilincia quando nos referimos a pessoas que, apesar de experimentarem condies de adversidade tais como pobreza, violncia e perdas pessoais extremas , conseguem se adaptar e alcanar realizaes na vida (LUTHAR; CICCHETTI; BECKER, 2000). Um exemplo famoso desse processo foi documentado pelo psiclogo austraco Viktor Frankl, em seu livro Em busca de sentido, em que narrou sua experincia em campos de concentrao nazistas e sua luta para sobreviver naquele contexto.

    Coutu (2002) identificou trs condies que se impem para uma pessoa resiliente:

    1. Reconhecer as circunstncias reais do contexto em que est inserida.

    2. Buscar sentido para a vida, utilizando a imaginao para conceber um futuro potencialmente melhor, que dependa de uma razo de ser no presente.

    3. Ter criatividade e improvisar solues com os meios que estiverem ao seu alcance.

    RESILINCIA: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELASApesar das adversidades do contexto, muitos moradores de favelas demonstram iniciativa e capacidade para construir uma vida bem-sucedida, especialmente quando contam com algum nvel de apoio institucional na comunidade (JOVCHELOVITCH; PRIEGO-HERNANDEZ, 2013). Os moradores das favelas preenchem as condies identificadas por Coutu (2002):

    Falam abertamente sobre seus problemas e verbalizam suas preocupaes. Constatou-se que uma viso mais realista de seus problemas e de suas condies de vida est associada participao no AfroReggae e na CUFA.

    Utilizam a cultura, a arte local e a identidade brasileira para dar sentido a seus sonhos e a suas aspiraes para o futuro.

    Produzem solues com base nos materiais de que dispem, trabalhando ativamente e de maneira criativa para melhorar suas condies de vida.

    LIES O apoio psicossocial por parte de pessoas e instituies protege contra

    a marginalizao e aumenta a resilincia. Ver andaimes psicossociais.

    Sonhar com o futuro protege o Eu contra as adversidades do contexto e aumenta a resilincia. Ver o contar de histrias.

    A ao colaborativa fortalece os indivduos e as comunidades diante da adversidade, fornecendo lies e ensinando os benefcios da ajuda mtua. Ver mutiro.

  • 20

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Oficina sobre resilincia e capital socialESTUDO DE CASO

    Objetivos:

    Identificar o capital social e a resilincia na vida cotidiana da comunidade.

    Analisar um caso real e identificar de que forma esses conceitos podem ser aplicados.

    Sugerir outros exemplos da vida cotidiana em que o capital social e a resilincia podem ser identificados.

    Durao: 50 minutos

    Materiais:

    Guia de instrues / Caderno e caneta para anotaes

    O que vamos fazer?

    1. Dividir o grupo em dois dependendo do tamanho do grupo, dividir em duplas. Cada grupo ler um dos dois conceitos centrais da atividade: resilincia e capital social. (5 minutos)

    2. O grupo se rene novamente para ler a histria de Mnica (abaixo). A leitura do grupo pode ser individual ou coletiva, como se preferir. (10 minutos)

    3. Levando em considerao a histria de Mnica, o grupo discutir as questes a seguir. Um participante (secretrio) tomar notas: (35 minutos)

    a. Voc consegue pensar em algum como Mnica na sua comunidade? b. Em quais eventos da histria de Mnica podemos identificar o capital social?c. Identifique outros exemplos em que a comunidade se rene para trabalhar e atingir

    um objetivo comum.d. Identifique exemplos de pessoas que demonstram resilincia em sua comunidade,

    e explique o porqu.

  • Diagnstico do contexto

    21

    Mnica sempre viveu em Cantagalo, uma comunidade no Rio de Janeiro, onde trabalha como secretria. Quando estava concluindo o ensino mdio, engravidou e no pde continuar estudando, embora quisesse. Hoje, mora perto de sua me, com seu marido e dois filhos. Frequenta uma Igreja evanglica h cinco anos e, devido aos acontecimentos de sua vida, acredita no destino.

    A maior realizao de Mnica foi construir sua casa, conforme nos contou. Ela trabalhava como empregada domstica, j havia alguns anos, quando seu patro perguntou onde ela morava, e ela respondeu que morava com seus pais e dormia no cho. O patro perguntou se ela tinha onde construir uma casa para morar por sua prpria conta, e ela respondeu que havia espao em cima da casa de seu irmo. O patro, ento, ajudou com o custo dos materiais, e seu pai e seu marido ajudaram, transportando os materiais e construindo a casa.

    Mnica disse que evita alguns lugares de sua comunidade e no gosta de sair noite, porque j foi roubada no caminho para o trabalho. Alm disso, contou que muito difcil atingir seus objetivos e que, s vezes, o futuro parece incerto. Ela nos disse: ...a gente no sabe, o que eu j vi pessoas de bem, fiel ali e os filhos deram pra...atravs de amizades, influncias, desencaminharam. A gente tem uma vida, eu falo pra voc que sou feliz, mas a gente tem uma vida muito sofrida, que aqui nada muito fcil porque aqui construir uma casa...tudo muito sacrifcio, material tudo caro, voc tem que pagar pessoas pra carregar.

    Entretanto, quando questionada sobre a favela, Mnica disse que h gente de bem, trabalhadora, gente que corre atrs, famlias... so redes.... Ela gosta de viver em Cantagalo tambm porque no precisa pegar nibus para ir trabalhar, e tem a praia bem perto, onde pode se divertir, mesmo sem dinheiro. Se pudesse mudar alguma coisa em sua comunidade, gostaria que as pessoas fossem mais integradas no convvio e que houvesse mais limpeza e maior integrao.

  • 22

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Seo B

    O modeloCaixa de ferramentas 2

    Foco em indivduos e comunidades

    Andaimes psicossociaisAutoestima e redes

    Caixa de ferramentas 3Uso da cultura e da imaginao

    Contar histrias As artes

    Caixa de ferramentas 4Travessias

    Abrindo fronteiras e parceriasContato e dilogo

    Cidadania

  • O modelo

    23

  • 24

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Caixa de ferramentas 2

    Foco em indivduos e

    comunidadesA ateno combinada nos mbitos individual e

    comunitrio um elemento central do desenvolvimento social de base. Ao contrrio dos movimentos sociais

    tradicionais que enfocam unicamente o mbito macro do desenvolvimento social, as organizaes de base das favelas prestam ateno vida pessoal de cada

    indivduo, trabalhando para fortalecer o Eu (self) e suas competncias. Eles sabem que a mudana social exige

    pessoas que pensem em si mesmas como agentes e protagonistas de sua prpria vida.

    Andaimes psicossociaisAutoestima e redes

  • Foco em indivduos e comunidades

    25

    Andaimes psicossociaisEsta ferramenta diz respeito a estruturas de apoio que ajudam as pessoas a aprender, crescer e se desenvolver ao longo da vida. Para entend-la, devemos pensar na funo dos andaimes em uma construo: eles ajudam a sustentar e apoiar a estrutura dos prdios para que eles fiquem de p e a construo se desenvolva.

    A QUE SE REFEREOs andaimes psicossociais so aes e esquemas que contribuem para o desenvolvimento nos mbitos individual e social. Referem-se ao papel central que tanto pessoas como instituies tem no desenvolvimento saudvel dos seres humanos. O termo andaime foi utilizado como metfora para descrever estruturas de apoio psicolgico pelos psiclogos Lev Vygotsky e Jerome Bruner, que mostraram que os seres humanos necessitam de outras pessoas e da sociedade como um todo para crescer e realizar plenamente seu potencial. O andaime simboliza uma ao entre pessoas; o apoio fornecido por cuidadores ou pares mais experientes funciona como um trampolim, que oferece suporte emocional e impulsiona as pessoas para frente.

    Muitos psiclogos pensavam que esse apoio viria unicamente da famlia, e funcionaria principalmente nos primeiros anos de vida do indivduo. Entretanto, pesquisas mais recentes constataram que os andaimes psicossociais podem ser fornecidos por diversas instituies de apoio, funcionam ao longo de toda a vida e desempenham um papel crucial no combate marginalizao e excluso.

    Apoiar uma criana, um jovem e at mesmo um adulto, por meio do oferecimento de cuidados, sejam eles interpessoais ou institucionais, uma ao que produz mudanas positivas especficas no desenvolvimento individual, e pode levar ao desenvolvimento no mbito comunitrio.

    Em termos prticos, os andaimes psicossociais exigem duas aes: sustentao (holding) e manejo (handling). Esses dois processos complementares foram introduzidos pelo psicanalista britnico Donald W. Winnicott, referindo-se s formas como um cuidador geralmente a me fornece amor incondicional a um beb e, ao mesmo tempo, ensina-lhe regras e restries. Essa combinao de amor e regras possibilita que a criana em crescimento se relacione com o mundo, de um modo socialmente competente e saudvel.

    A sustentao vem em primeiro lugar. Alm de dar amor, o cuidador atende s necessidades do beb de maneira amorosa e confivel, provendo desde o alimento at o conforto fsico e emocional. No ato de sustentar, a doao do prestador de cuidados incondicional.

    Pessoas e organizaes podem fornecer andaimes psicossociais a qualquer ser humano em qualquer estgio de sua vida

  • 26

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    O manejo vem depois ou ao mesmo tempo que a sustentao. Aqui, o cuidador estabelece regras e limites para a criana, de forma gradativa e com cuidado amoroso. Por meio do manejo, a criana aprende que faz parte de um mundo social mais amplo: uma pessoa capaz de realizar coisas por si mesma, mas tambm deve respeitar regras e aceitar os direitos dos outros.

    POR QUE IMPORTANTEOs andaimes psicossociais ajudam os indivduos expostos a difceis condies de vida a desenvolver a confiana e a segurana, em si mesmos e no mundo social. Os andaimes so a base da autoestima, da cidadania e da capacidade de trabalhar com outras pessoas para transformar a realidade.

    ANDAIMES PSICOSSOCIAIS: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELASOs andaimes psicossociais so uma ferramenta amplamente utilizada no desenvolvimento social de base em contextos de favelas. Os projetos de organizaes locais, como o AfroReggae e a CUFA, acionam regularmente os conceitos de sustentao e manejo, por meio de estratgias e intervenes relacionais:

    Lderes e ativistas mantm com a comunidade um relacionamento de pais e mes substitutos, oferecendo apoio emocional e cuidados, alm de ensinar regras e restries.

    As organizaes investem pesadamente na capacitao de jovens que, futuramente, atuaro como andaimes de outros jovens em situaes similares na comunidade.

    Membros da comunidade identificam pessoas chave dentro das organizaes locais aquela que lhes deu suporte, orientao, estmulo e, quando necessrio, ensinou regras bsicas de comportamento.

    Lderes e ativistas reintroduzem a confiana no outro e oferecem modelos de identificao para os membros da comunidade que muitas vezes no tiveram vivncia de relacionamentos estveis, e que frequentemente sentem ira, desesperana e desiluso.

  • Foco em indivduos e comunidades

    27

    Programa de bolsas de estudo condicionadasEste um programa implementado pelo AfroReggae, por meio de diferentes projetos. De modo geral, os participantes de todos os projetos recebem algum tipo de incentivo material, na forma de alimentos, viagens e atividades de lazer. Alm disso, os participantes que atendem aos critrios de qualificao isso no ocorre com todos os participantes recebem uma remunerao mensal. Esse pagamento em dinheiro est condicionado frequncia continuada escola, e tem como objetivo apoiar os jovens em seu envolvimento com as artes e com os esportes.

    O programa de bolsas de estudo uma forma de sustentar os participantes:

    Nos cursos de esportes ou de artes em que esto inscritos, os participantes tm treinadores ou professores que fazem o papel de pais e mes. Como dizem os participantes, eles perguntam como voc est; vo sua casa conversar com os seus pais.

    Os participantes recebem incentivos materiais que pagam suas despesas de transporte e lhes do alguma ajuda com relao s suas diversas necessidades.

    Ao mesmo tempo, as bolsas de estudo so uma forma de manejar os participantes:

    A matrcula contnua na escola obrigatria. As regras dentro dos cursos devem ser respeitadas; por exemplo, os participantes devem

    chegar pontualmente na hora dos ensaios e das aulas. O envolvimento contnuo nos esportes e nas artes fornece aos participantes estrutura e rotinas

    cotidianas: eles devem frequentar a escola em horrios determinados, fazer as lies de casa e estudar para progredir na escola , reservar tempo para os cursos de artes e/ou esportes, bem como para agendar ensaios, apresentaes e/ou jogos. Para um jovem, essa uma vida de ocupaes que, nas palavras dos participantes, serve para mant-los com foco em atividades produtivas, evitando desvios para estilos de vida caracterizados pela ociosidade ou pelo crime.

    LIIBRA* (e esportes em geral)O basquete de rua um esporte desenvolvido em favelas brasileiras e promovido pela CUFA. Comeou livremente nas ruas e, na atualidade, praticado amplamente e tem seu prprio campeonato nacional. A primeira edio das regras do jogo expressa, simultaneamente, a combinao de criatividade na abordagem e as restries aplicveis: Todos os tipos de malabarismos e truques com a bola so permitidos [] o jogador pode caminhar ou mesmo correr com a bola [] Esta permisso, contudo, no autoriza o jogador a dar sobre passo (ATHAYDE, 2008, p. 33).

    No estabelecimento de regras e manhas do basquete urbano, os especialistas na rea de desenvolvimento social exemplificam o processo de sustentao/manejo (ATHAYDE, 2008, p. 87). Eles fornecem fundamentos organizados e seguros, por meio dos quais os jogadores podem expressar a si mesmos, seus atributos fsicos e sua vitalidade, em um esforo coletivo e combinado. Ao mesmo tempo, estabelecem os limites do que e do que no permitido aos jogadores na busca por seus objetivos. O uso simultneo de truques e regras ajuda na conscientizao de que, mesmo em contextos de envolvimento ldico, existem limites para o nosso comportamento. Essas lies, por sua vez, podem ser transferidas para outros contextos da vida dos participantes.

    (*) LIIBRA Liga Internacional de Basquete de Rua

  • 28

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Andaimes psicossociais em ao

    DO QUE SE TRATAAs atividades de sustentao/manejo so aquelas em que uma pessoa ou uma figura institucional identificvel treinador, professor ou coordenador de atividades d apoio e ao mesmo tempo estabelece limites comportamentais para os participantes.

    Em primeiro lugar, os participantes recebem apoio, e isso se d sob vrias formas. Os exemplos incluem novos conhecimentos e novas habilidades, bem como a disponibilizao de um espao de cuidados e acolhida para a autoexpresso. Em segundo lugar, se, por um lado, as atividades devem ser flexveis para atender s necessidades de pessoas que podem ter passado por experincias de adversidade famlias destrudas, escolaridade inconsistente e falta de figuras de autoridade confiveis , essas atividades tambm implementam regras e estabelecem os limites de um comportamento social culturalmente aceitvel, tais como escutar os outros e esperar a vez para falar.

    QUEM De modo geral, em contextos como os das favelas, mes e avs aplicam

    os conceitos de sustentao e manejo com as crianas pequenas. Entretanto, demasiado importante que a figura do pai tambm oferea esse tipo de apoio.

    Os conceitos de sustentao e manejo podem ser aplicados a pessoas de qualquer idade, mas mais provvel que seus benefcios ocorram no caso de jovens, que podem transferi-los para outras etapas de sua vida.

    Quem quer que se disponha a apoiar outras pessoas poder utilizar as ferramentas de sustentao e manejo. Professores, grupos religiosos e lideranas comunitrias podem desempenhar muito bem essa tarefa, mas qualquer pessoa pode cumprir o papel de modelo de vida, em alguma rea especifica, como por exemplo, no esporte, na escola ou na participao cvica, ou mesmo de maneira geral.

    PARA QU Realizao do potencial pleno de pessoas da comunidade por meio

    de estruturas de apoio.

    Desenvolvimento do Eu e sua capacidade de autorregulao.

    Promoo de rotinas e estruturas no cotidiano e da tica no trabalho.

    COMOTal como ocorre nos exemplos da LIIBRA e das bolsas de estudo, existem iniciativas concretas que podem associar os conceitos de sustentao/manejo. Aqui, voc vai encontrar algumas Propostas de ao para cada um dos processos:

  • Foco em indivduos e comunidades

    29

    Sustentao Modelos de identificao e esquemas de apoio. Incentive a

    criao de esquemas de apoio e orientao dentro da comunidade. Especialmente em contextos de famlias destrudas, os jovens podem se beneficiar da interao com modelos positivos que os inspirem e lhes forneam apoio. Para os jovens, saber que contam com algum com quem podem discutir seus problemas, obter aconselhamento para tomar decises importantes, ou simplesmente conversar, pode fazer uma grande diferena em momentos de crise.

    Apoio material. Organize as comunidades para colaborar no atendimento das necessidades de seus membros. Matrias-primas para artesanato, material escolar e sapatos podem parecer coisas simples, mas certamente fazem diferena na vida de quem tem muito pouco. O apoio tambm vem na forma de incentivos materiais.

    Apoio aprendizagem. Promova a organizao de esquemas para a aprendizagem em suas diversas formas. Desenvolver habilidades de leitura, aprender novas atividades e mostrar criatividade na produo de novos conhecimentos so algumas das formas de se incentivar a aprendizagem formal e informal. Contar com uma ou mais pessoas na liderana desse tipo de apoio positivo para os aprendizes, que podem confiar no conhecimento de tais pessoas e us-lo como andaime para o seu prprio desenvolvimento.

    Manejo Estabelecimento de rotinas. Incentive a comunidade a assumir

    atividades em horrios regulares. Vidas desorganizadas pela adversidade se beneficiam muito com o estabelecimento de uma estrutura e de uma rotina de vida. Alm da frequncia escola, atividades na comunidade, como grupos de ajuda nas lies de casa, podem contribuir para estabelecer limites entre o trabalho e o lazer e fornecer confiana para desafiar esses limites, quando for necessrio.

    Criao de cdigos de conduta. Em reunies da comunidade, promova o estabelecimento de regras comportamentais e de cdigos de conduta e civilidade nas relaes sociais. Embora a rigidez deva ser evitada ao dar-se apoio a uma pessoa, importante especificar o que pode e o que no pode ser feito no contexto da instituio ou da casa quando se tratar de uma casa de famlia onde o apoio fornecido. Dessa forma, possvel criar uma base de comportamentos que sejam socialmente adequados para a vida e para o mundo do trabalho. Esportes e jogos que sejam de interesse no contexto cultural em que a ONG trabalha for exemplo, o futebol, no caso do Brasil funcionam muito bem para se apresentar regras de maneira ldica.

  • 30

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Sustentao /manejo

    Processo de crescimento em que um beb passa de um estgio inicial, de completa dependncia, a outra fase, em que comea a ter uma independncia relativa e aprende a se relacionar com outras pessoas e a sobreviver sem a presena dos cuidadores.

    Sustentao: atitude inicial de apoio e ateno incondicionais que caracteriza um cuidador amoroso em geral, a me.

    Manejo: aes em que o cuidador estabelece limites para a criana e, pouco a pouco, deixa de lhe dar ateno incondicional. Essas aes permitem que a criana se torne mais independente da me e comece a compreender que tambm deve ser capaz de enfrentar o mundo com seus prprios recursos, lidar com as frustraes e respeitar as necessidades e os desejos de outras pessoas, assim como gostaria que os seus fossem respeitados.

    Pesquisas mostram que quaisquer pessoas ou organizaes, tais como professores, amigos, parentes e ONGs, podem fornecer andaimes psicossociais a qualquer ser humano, em qualquer idade ou estgio de sua vida.

  • Foco em indivduos e comunidades

    31

    Por qu: para ajudar crianas de famlias uniparentais em suas atividades aps o perodo escolar, quando o pai ou a me est trabalhando.

    Onde: casas da vizinhana. Funciona na base de rodzio, de modo que cada pai ou me receba as crianas a cada 15 dias.

    Quando: duas vezes por semana, das 16h00 s 19h00.

    Do que se trata: o pai/a me ou parente (irmo mais velho, avs, tios/tias) recebe um grupo pequeno de crianas (entre quatro e seis), para ajudar nas lies de casa. No necessrio que essa pessoa tenha nvel escolar superior ao das crianas, basta que seja alfabetizada: a ideia que a pessoa trabalhe com as crianas durante trs horas, para entender a lio de casa e a melhor forma de realiz-la.

    Espera-se que o pai/a me ou os parentes deem um breve apoio pastoral s crianas, e trabalhem com elas em atividades rpidas, como a preparao de lanches para todos (uma limonada suficiente!).

    A considerar:Antes de formar um grupo, verifique se esse servio ainda no oferecido por ONGs na sua comunidade.

    Embora no seja necessrio separar as crianas com necessidades diferenciadas como no caso de famlias uniparentais, que pode ser apenas um critrio implcito , mais fcil comear com um grupo homogneo, com recursos e necessidades semelhantes.

    Esse modelo pode ser adaptado e divulgado para a formao de grupos de apoio escolar.

    MES AFROREGGAE & CUFA

    HO

    LDIN

    GH

    AN

    DLI

    NG

    SUSTEN

    TA

    O

    MA

    NEJO

    Modelo para tutoria comunitria

  • 32

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Oficina sobre andaimes psicossociaisCLASSIFICANDO CARTES

    Objetivos:

    Identificar o processo de sustentao/manejo nas atividades realizadas por ONGs, Igrejas, escolas e outras instituies na sua comunidade.

    Analisar como se pode aplicar os conceitos de sustentao/manejo em outras reas da vida cotidiana.

    Durao: 1 hora

    Materiais:

    Papis adesivos de pelo menos duas cores / Um folha de papel grande, preparada antecipadamente com o esquema desejado / Canetas hidrogrficas / Caderno e caneta para anotaes

    O que vamos fazer?

    4. O grupo l o quadro abaixo, e os participantes explicam uns aos outros, com suas prprias palavras, os conceitos de sustentao/manejo. (10 minutos)

    5. Usando os papis adesivos, os participantes escrevem de 5 a 10 atividades, aes e/ou iniciativas de instituies ou grupos existentes na comunidade que envolvam crianas e jovens. (10 minutos)

    6. Nos papis adesivos de cores diferentes, os participantes escrevem pelo menos de 5 a 10 atividades, aes e/ou iniciativas de um cuidador (a me) para com seu beb ou filho pequeno. (10 minutos)

    7. Os participantes recebem uma folha de papel com um esquema como o da foto na pgina anterior. Usando a folha, eles situam cada atividade escrita em um papel adesivo no lugar que considerarem correto. O grupo pode discutir vontade. (15 minutos)

    8. O grupo discute e reflete sobre as seguintes questes, enquanto um participante (secretrio) realiza anotaes: (15 minutos)

    a. Existe alguma atividade que voc no sabe onde colocar? Por qu?b. Quais so as principais diferenas entre as formas como as instituies, as ONGs e

    os grupos na comunidade aplicam os conceitos de sustentao/manejo e a forma como uma me realiza esse processo?

    c. Voc acha que aes de sustentao/manejo so realizadas por outras instituies ou atores na comunidade? Por qu?

  • Foco em indivduos e comunidades

    33

  • 34

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Autoestima e redes Esta ferramenta enfoca o valor que indivduos do a si mesmos e o papel desempenhado pelas redes sociais na melhoria de como pensam sobre si mesmos e sobre o que fazem.

    A QUE SE REFEREA autoestima e as redes esto interligadas. A noo que as pessoas tm sobre si mesmas est estreitamente relacionada a sua comunidade e s redes s quais tm acesso. As pessoas utilizam-se disso para entender a si mesmas e para construir a autoestima isto , o valor que atribuem a si mesmas.

    A extenso e a qualidade das redes de que as pessoas dispem podem fortalecer ou enfraquecer a forma como pensam sobre si. Em contextos de adversidade e falta de oportunidades, o conceito que as pessoas tm de si mesmas e do que podem realizar pode ser seriamente prejudicado. O acesso a outras partes da cidade e, se possvel, do mundo, permite que os indivduos se exponham a um maior nmero de experincias, pessoas e conhecimentos, e que contem com redes mais amplas de conhecidos e amigos pessoas que podem lhes fornecer apoio a qualquer momento.

    Quando temos acesso a diferentes lugares e contamos com uma gama diversificada de contatos, temos mais oportunidades de experimentar situaes diferentes e de imaginar mundos diferentes. A liberdade para se movimentar na cidade e no mundo amplia os horizontes dos membros da comunidade e tem um impacto positivo sobre o desenvolvimento das pessoas, bem como sobre a expanso de suas redes.

    POR QUE IMPORTANTEQuanto mais lugares e pessoas ns conhecemos, maiores so as probabilidades de expandir a nossa identidade, bem como a percepo de quem somos e do que podemos fazer. Assim, aumentam as probabilidades de lidarmos com a adversidade e com o poder das pessoas nos mbitos psicolgico e social, abrem-se horizontes e criam-se vozes, sonhos e pensamentos e tudo isso contribui para o protagonismo social e para a realizao de aes na sociedade.

    AUTOESTIMA E REDES: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELASOrganizaes que atuam em favelas utilizam ativamente a expanso das redes como uma ferramenta para promover a autoestima e o sentimento do valor individual de seus moradores. Elas constroem parcerias e redes nos mbitos local, nacional e mundial, utilizando as mdias sociais, o intercmbio cultural e suas prprias experincias artsticas e territoriais. Assim, as identidades e a cultura da favela so levadas para outros contextos e para outros mundos, fornecendo aos membros da comunidade uma plataforma para a visibilidade e o reconhecimento.

    Alguns exemplos de aes que ocorrem nas favelas so:

  • Foco em indivduos e comunidades

    35

    Da favela para o mundoEste projeto foi desenvolvido pelo AfroReggae com o objetivo de levar um projeto local o Escolando a Galera para um intercmbio com estudantes do Barbican Center de Londres. um excelente exemplo da expanso de redes e dos horizontes dos membros da comunidade.

    O AfroReggae implementou essa ao:

    Por meio da mobilidade fsica dos jovens da favela para um contexto diferente. Com foco nas artes, desenvolvendo habilidades e mostrando que os moradores da

    favela podem contribuir para o intercmbio cultural. Multiplicando as redes de contatos da organizao e da favela como um todo,

    mostrando ao mundo o que elas representam, por meio de uma narrativa de criatividade.

    Buscando instituies acadmicas e culturais no Reino Unido e estabelecendo parcerias com elas.

    Os moradores da favela que viajaram para o exterior com o AfroReggae, ou que conhecem algum que o fez, narraram essas experincias com admirao. Viajar e se expor a uma nova cultura so aes que abrem os horizontes profissionais e culturais dos moradores da favela, bem como reforam seu direito de sonhar, ter esperana e trabalhar com afinco por um futuro realizvel.

    Projeto PixaimTrata-se de um dos programas da CUFA destinado especialmente a mulheres negras. Essa interveno implementa uma abordagem com mltiplos mtodos para provocar a reflexo sobre os padres de beleza e a ampliao desses padres, para capacitar as usurias a uma ocupao e para reforar sua autoestima. Esse projeto inclui duas vertentes principais:

    1. Discusso sobre os padres de beleza, especificamente em relao a esttica negra. Teatro e leitura so as atividades principais nessa vertente, que conecta o Eu a outras histrias e a outros ideais de beleza.

    2. Estmulo ao empreendedorismo, por meio de oficinas de capacitao. Tranas afro e fabricao de bonecas negras so dois meios de gerao de renda e de conexo com redes mais amplas para as mulheres.

    Essas duas vertentes so complementares, no sentido de levar as participantes a pensarem criticamente sobre quem so, sobre sua comunidade e sobre a sociedade de forma geral. Um entendimento crtico de sua realidade, bem como o comprometimento com outras histrias e com outras redes, so aes que reforam a autoestima.

    http://www.peoplespalaceprojects.org.uk/projects/from-the-favela-to-the-world-2009%E2%80%932012/

  • 36

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Autoestima e redes em ao

    DO QUE SE TRATAAs aes voltadas para a autoestima e a expanso das redes de contatos buscam propiciar oportunidades para que os membros da comunidade interajam em outros contextos. Alm disso, oferecem conhecimentos, conexes e recursos materiais de instituies, comunidades e agentes aos quais os membros da comunidade geralmente no tm acesso.

    QUEMAs aes que expandem redes podem ser realizadas por organizaes de base individualmente ou em parceria com outras instituies.

    PARA QUAs aes que desenvolvem a autoestima e expandem as redes esto no centro das iniciativas de desenvolvimento social, uma vez que combinam o foco no indivduo com a nfase nos relacionamentos, nos vnculos e nas redes de uma comunidade.

    COMOPropostas de ao:

    Buscando parcerias por meio de patrocnios. Organizaes locais podem buscar parcerias e patrocinadores interessados em trazer seus servios ou produtos para a comunidade. As parcerias com o setor privado e com o governo fornecem suporte financeiro, sustentabilidade e infraestrutura para as comunidades, possibilitando o intercmbio de conhecimentos e de experincias, e trazendo aos membros da comunidade diversos benefcios, tais como encontrar novas pessoas, oportunidades de emprego e participao em projetos patrocinados.

    Buscando parcerias por meio do intercmbio com outras comunidades. Organizaes de base podem expandir redes por meio de acordos com outras organizaes comunitrias, ONGs, movimentos sociais, organizaes da sociedade civil (OSCs), universidades e organizaes multilaterais. Essas instituies podem multiplicar o alcance e a capacidade de formao de redes, ao mesmo tempo em que oferecem estgios, esquemas de voluntariado e coalizes.

  • Foco em indivduos e comunidades

    37

    Exerccio: autodescoberta e autoestima. Esta uma atividade individual.Quem voc? Defina-se em cinco palavras. 1.

    2.

    3.

    4.

    5.

    Quem voc quer ser? Defina em trs palavras. 1.

    2.

    3.

    Voc consegue identificar trs pessoas que sejam um exemplo de quem voc quer ser? 1.

    2.

    3.

    Essas pessoas so de sua comunidade? Sim/no. Por que seus modelos esto dentro ou fora da comunidade?

    O que voc faz melhor? Descreva as atividades em que voc se sai bem e que gosta de realizar:

  • 38

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    A que recursos voc pode recorrer para ser quem voc quer ser?

    Pessoais (capacidades, conhecimentos, bens materiais)

    Sociais (todas as pessoas que voc conhece que podem ajud-lo a atingir seus objetivos)

    Servios (bolsas de estudo, servios sociais e cursos para os quais voc pode se qualificar)

    Levando em conta suas respostas anteriores, faa um planejamento resumido para o que voc de fato vai fazer para ser quem voc deseja ser:

    Em um ano

    Em cinco anos

  • Foco em indivduos e comunidades

    39

    Figura 2Aumento da autoestima em uma discusso de grupo

    Suas anotaes

  • 40

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Oficina sobre autoestima e redes ESTUDO DE CASO

    Objetivos:

    Refletir sobre as possibilidades que um morador da comunidade tem para desenvolver e expandir suas redes.

    Analisar os desafios autoestima e expanso das redes de contatos.

    Durao: 40 minutos

    Materiais:

    Uma folha de papel grande / Canetas hidrogrficas / Caderno e caneta para anotaes

    O que vamos fazer?

    1. Vamos dividir uma folha de papel grande em duas colunas. Na primeira coluna, voc vai elaborar uma lista de dez lugares que possibilitam conhecer pessoas e interagir com pessoas fora da comunidade. (10 minutos)

    2. Na segunda coluna, voc vai escrever que tipo de pessoas voc pode conhecer nesses lugares. Por exemplo, se voc escreveu local de trabalho na primeira coluna, provvel que voc interaja com o seu chefe e com seus colegas. Assim sendo, eles estariam na segunda coluna. (15 minutos)

    3. Pensando nas duas colunas que voc completou, vamos refletir sobre as prximas questes: (15 minutos)

    a. Levando em conta dois ou trs lugares que voc colocou na primeira coluna, quais so as vantagens de conhecer pessoas nesses lugares? Por exemplo, uma das vantagens de se ter um emprego que, no local de trabalho, as pessoas nos conhecem e podemos obter boas referncias para um eventual outro emprego.

    b. fcil ou difcil construir e manter relacionamentos duradouros com as pessoas que vivem nos lugares que voc identificou?

    c. Dentro da comunidade, existem lugares em que voc pode entrar em contato com pessoas que no so da comunidade? Como o seu relacionamento com elas? Elas afetam o seu modo de pensar sobre voc mesmo? Por qu?

  • Foco em indivduos e comunidades

    41

  • 42

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Caixa de ferramentas 3

    Uso da cultura e da imaginao

    Uma inovao chave promovida pelo desenvolvimento social de base nas favelas a utilizao da cultura e da

    imaginao como ferramentas importantes para realizar a conexo com a cidade e subverter esteretipos

    negativos sobre a comunidade. Narrativas e recursos culturais das prprias comunidades so utilizados para

    mostrar a diversidade do povo e das experincias da vida na favela, bem como para estimular o contato

    e a comunicao entre comunidades.

    Contar histrias As artes

  • Uso da cultura e da imaginao

    43

    Contar histrias Esta ferramenta se refere forma como o contar de histrias expressa e transforma identidades, conecta pessoas e transmite saberes nos mbitos pessoal e comunitrio.

    A QUE SE REFEREContar histrias uma ao que o ser humano realiza em todos os lugares, independentemente de idade, classe social ou cultura. um meio para compartilhar e aprender ideias, valores e prticas. O contador de histrias conta parte de sua histria ou da histria de outras pessoas; a plateia pode, ento, referir-se a essa histria e cont-la novamente se quiser, em geral acrescentando algumas de suas prprias experincias e histrias. Assim as histrias vo conectando as pessoas e construindo a histria comum a todos bem como a memria compartilhada da comunidade.

    O psiclogo Jerome Bruner identifica cinco componentes em uma histria:

    Os personagens, que podem ser pessoas ou qualquer ser imaginrio, situados em um determinado contexto.

    Uma ordem esperada das coisas, que geralmente significa a forma como todos esperam que as coisas sejam em um contexto, aquilo que tido como dado.

    Uma ruptura dessa ordem normal: um incidente, uma transformao, um acidente, qualquer evento que provoque uma mudana na ordem normal das coisas.

    O conjunto de aes e eventos que se seguem para lidar com tal ruptura, que vem a ser o enredo da histria.

    Um resultado, ou o fim da histria, que geralmente traz lies que as pessoas levam consigo (BRUNER, 2002, p. 1617).

    Contar histrias sempre um ato social: existem um contador e uma plateia para o qual a histria direcionada. Essa relao entre o contador de histrias e a plateia constri novos significados, uma vez que as pessoas podem, mais tarde, tornar-se contadoras ou protagonistas da histria. Assim, as histrias podem atravessar o tempo, como quando ouvimos as histrias da nossa comunidade. Elas tambm podem passar de um lugar para outro, de uma pessoa para outra, de forma muito rpida no presente, e tornar-se amplamente conhecidas, como nas mdias sociais.

    Esse o motivo pelo qual o contar de histrias funciona em diferentes nveis. Quando pensamos em culturas e em sociedades como um todo, vemos que cada uma delas tem suas prprias histrias, que transmitem seus valores, eventos histricos importantes e objetivos que querem alcanar, como a liberdade ou mesmo ideologias polticas. No mbito da comunidade, as histrias trazem trajetrias compartilhadas sobre sua origem,

    Qualquer pessoa pode contar uma histria, mas so poucas aquelas cujas histrias so ouvidas

  • 44

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    os acontecimentos que a marcaram, seus dilemas e suas dificuldades, assim como a forma pela qual as pessoas enfrentaram esses problemas. Como veremos, contar essas histrias para plateias diferentes, dentro e fora da comunidade, muito importante para as organizaes de desenvolvimento social de base. No mbito do indivduo, contar uma histria pode ter mltiplas funes: expressar-se, refletir, curar, desabafar, abrir o corao. Nesse sentido, contar histrias um exerccio para desenvolver vozes, aprender como express-las e, ao mesmo tempo, ao cont-las, ser capaz de imaginar como essas prprias histrias podem ser reescritas.

    A cultura popular transmite histrias de muitas maneiras por exemplo, em novelas, em canes de rap e em contos de fadas para crianas, para citar apenas algumas. A memria social tambm transmitida por meio de histri-as, como aquelas contadas nos hinos nacionais, nas canes populares e nas narrativas mitolgicas ou lendas.

    Imaginao

    A imaginao se refere capacidade humana de ir alm do presente imediato e brincar com realidades possveis. Envolve a projeo de esperanas e a antecipao de futuros que desafiam a configurao presente e real das coisas. Como a arte e a criatividade constituem um componente crucial para a regenerao social nas favelas, a imaginao um conceito central para construir o desenvolvimento social de base.

    Imaginar outros mundos uma adaptao fundamental nica aos seres humanos (Bloch, 2008). Sabe-se que na ontognese, a capacidade humana de imaginar possibilidades alternativas e pensar nas suas implicaes surge cedo e transforma profundamente a concepo de realidade em desenvolvimento na criana. Isso permite que a criana realize uma alternncia de estruturas, passando da realidade para o faz de conta e vice-versa, estabelecendo uma relao de inspirao mtua entre esses dois registros. Para a criana, o fingimento no uma distoro, mas uma relao ldica com a realidade que imprescindvel para um desenvolvimento cognitivo, social e emocional saudvel (Harris, 2000; Winnicott, 1982). Fantasia, jogo, devaneio e imaginao so essenciais para o desenvolvimento saudvel do pensamento e da racionalidade. Por isso, o trabalho da imaginao importante para o desenvolvimento social, pois possibilita a produo de vises e de representaes alternativas que conduzem os indivduos, as comunidades e as esferas pblicas a adotar aes sociais que promovam uma mudana social positiva. Por meio da brincadeira e da arte, organizaes sociais de base esto reposicionando a vida da favela na agenda da sociedade brasileira e utilizando o trabalho da imaginao para desenvolver resilincia e resistncia em contextos de pobreza.

  • Uso da cultura e da imaginao

    45

    POR QUE IMPORTANTEO contar de histrias pode modificar as formas pelas quais pessoas e comunidades so apresentadas e representadas. As histrias contribuem de mltiplas formas para ampliar a compreenso e a imaginao das pessoas e das comunidades. Algumas vezes, expressam elementos positivos de uma comunidade, melhorando sua autoestima; s vezes ainda, transmitem histrias de fracassos e perdas, de modo que as pessoas possam refletir e aprender com as experincias de outros; outras vezes, por fim, falam sobre futuros possveis, coisas a se desejar, de modo que as comunidades possam sonhar e usar seus sonhos para estimular aes que levem a mudanas.

    CONTAR HISTRIAS: PRINCIPAIS FATOS NAS FAVELASNo contexto das favelas, a produo e o trabalho com histrias so ferramentas fundamentais, utilizadas continuamente por organizaes populares e por movimentos de base em diferentes atividades. Organizaes como o AfroReaggae e a CUFA utilizam constantemente o contar de histrias para alcanar seus objetivos. Os projetos so definidos por verbos como divulgar, difundir e dar visibilidade, que tm a funo clara de transmitir e promover as narrativas prprias da comunidade.

    As histrias so utilizadas como exemplos do que aconteceu a algum e o que essa pessoa aprendeu com sua experincia. Lderes e ativistas contam e recontam muitas vezes suas histrias pessoais: de que forma enfrentaram tempos difceis, como lidaram com essas dificuldades e como transformaram essas experincias em aes positivas. Essas histrias so repetidas com tanta frequncia que muitas alcanam o status de lendas da comunidade.

    As histrias so utilizadas para transmitir a experincia da comunidade para a esfera pblica mais ampla. As organizaes de favelas utilizam mltiplos parceiros como meios de comunicao, cineastas e organizaes internacionais para divulgar suas histrias.

    As histrias so utilizadas como plataformas de identificao e aprendizagem. O contar de histrias percorre toda a favela, de modo que as pessoas possam se identificar e aprender umas com as outras.

    As histrias so usadas como plataformas para imaginar e ter esperana sobre realidades alternativas e futuras. Narrativas positivas so selecionadas e amplamente difundidas para oferecer aos jovens das favelas modelos e estratgias para seus projetos de vida.

  • 46

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    AfroReggae e CUFAContar histrias atravessa todas as intervenes realizadas nas favelas. Estas incluem:Artes. Msica, dana e teatro so usados para produzir histrias e transmiti-las a outras pessoas. Ritmos como rap, hip-hop e break so usados para envolver os jovens na produo e na narrao de suas prprias histrias. A capoeira uma dana afro-brasileira que combina elementos de artes marciais tambm um poderoso transmissor da memria social usada por ONGs. Outras manifestaes artsticas, como o grafite, tambm so usadas por meio de oficinas para que os participantes possam se manifestar e, ao faz-lo, transformar seus espaos pblicos.

    Rdio, televiso e mdias sociais. Esses meios de comunicao so amplamente usados para promover um sentimento de orgulho em relao a todos os aspectos positivos de se viver e trabalhar em uma favela. Esteretipos so desafiados, mencionando-se abertamente a palavra favelado um termo frequentemente utilizado de forma pejorativa e a frase eu sou favela, para se recuperar a identidade positiva associada ao territrio e contar uma histria de muito trabalho, luta pela vida, criatividade e solidariedade comunitria.

    Premiaes. As organizaes de base utilizam premiaes e cerimnias para reconhecer publicamente as pessoas que trabalham pelo bem comum ou aquelas que representam o que existe de melhor em suas comunidades, em termos de beleza, criatividade ou realizaes. Por meio de parcerias, essas organizaes foram capazes de levar seus eventos de premiao para o principal teatro da cidade, o Teatro Municipal.

    Jornal Voz das ComunidadesRene Silva Santos, um jovem comunicador que sempre viveu no Complexo do Alemo, no Rio de Janeiro, criou, aos 11 anos de idade, um peridico comunitrio o Jornal Voz das Comunidades para contar a outras pessoas sobre a vida real em sua comunidade. Ele comeou relatando fatos que aconteciam na comunidade, passando gradualmente a utilizar as mdias sociais para alcanar o pblico. Atualmente, a publicao comunitria referncia para os habitantes do Complexo do Alemo e para qualquer pessoa que queira conhecer mais, em tempo real, a vida dessa favela. Para ler histrias extradas do Jornal Voz das Comunidades, consulte o site .

    http://www.vozdascomunidades.com.br

  • Uso da cultura e da imaginao

    47

    Contar histrias em ao

    DO QUE SE TRATA Contar histrias refere-se produo e difuso de narrativas construdas por comunidades para transmitir suas experincias, histrias e projetos.

    QUEMMltiplos atores esto envolvidos no contar histrias:

    Organizaes locais, que podem oferecer espaos seguros para contar e compartilhar histrias.

    Qualquer membro de uma comunidade pode ser envolvido no reunir e apresentar histrias de sua vida cotidiana; uma ressalva, porm, a de dar ateno ao contexto cultural, uma vez que diferentes culturas tm formas diferentes de lidar com a abertura de informao pessoal.

    PARA QUIniciativas de desenvolvimento social de base utilizam o contar de histrias com mltiplas finalidades:

    Para aumentar a autoestima.

    Para transmitir lies.

    Para provocar discusses sobre questes delicadas e relevantes para a comunidade, como decises que devem ser tomadas quanto habitao, ou revitalizao da comunidade, por exemplo.

    Para transmitir s novas geraes a ideia de identidade nacional ou regional, assim como conhecimentos concretos.

    Para construir narrativas que transmitam orgulho, aspiraes e futuros positivos.

    COMOPropostas de ao:

    Produo de histrias. Realize atividades durante as quais os participantes se envolvam na produo criativa de textos, msicas e expresses artsticas baseadas em imagens (desenhos, fotografias, vdeos), por meio dos quais possam contar suas prprias histrias, a histria de sua comunidade, de mundos possveis ou de realidades imaginadas. Ver Apoena.

    Contar histrias dentro da comunidade. Realize eventos que incluam o contar de histrias em espaos pblicos e estabelecimentos como parques, centros comunitrios ou bibliotecas. Esses eventos podem ser realizados de forma peridica, como no caso de grupos de leitura ou de eventos sazonais, tais como representaes teatrais, exposies de desenhos infantis ou apresentaes musicais. Outra possibilidade

  • 48

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    realizar eventos temticos que se concentrem, por exemplo, em cultura de paz, no sucesso acadmico ou em objetivos alcanados coletivamente pela comunidade.

    Contar histrias fora da comunidade. Desenvolva aes e parcerias que levem a histria da comunidade para o mundo exterior. Tais aes incluem:

    Disponibilizao de espaos fsicos adequados na cidade, nos quais as narrativas da periferia por exemplo, apresentaes artsticas e exposies possam ser compartilhadas por um pblico mais amplo.Envolvimento com estratgias de marketing para divulgar histrias sobre quem so e o que esto fazendo. Considerar possibilidades como programas de rdio, de televiso, publicaes e mdias sociais.

    Eventos de premiao. Fornea espaos para cerimnias de premiao e concursos, nos quais destacada uma narrativa comunitria especfica. Por exemplo, instituies comunitrias podem querer condecorar uma pessoa por determinada ao realizada, ou por um servio prestado comunidade, ou talvez queiram realizar concursos sobre alguma coisa que seja atraente ou relevante em um determinado contexto. O foco em determinados eventos e no em outros, permite comunidade expressar sua narrativa particular.

    Memria social. Trabalhe com fatos histricos, movimentos culturais e tradies transmitidas, por meio de manifestaes artsticas. Esses elementos tambm podem estar associados s aes mencionadas anteriormente.

    Contar histrias

    O contar histrias uma forma de compartilhar e aprender ideias, valores e prticas. Quem conta histrias lembra partes de sua vida e da vida de outras pessoas; quem ouve pode se identificar com a histria e recont-la, acrescentando se desejar um pouco da sua prpria experincia. Desse modo, as histrias juntam as pessoas, permitem ligar o passado que contado com o presente e o futuro, e ajudam a conectar as pessoas em torno de sentimentos, informaes e experincias compartilhadas.

    Pausa para reflexoHistrias e mitos podem ser utilizados para transmitir representaes negativas sobre grupos sociais. Ao utilizar o contar de histrias como ferramenta importante perguntar aos participantes o que desejam tornar visvel e as razes para isso. Quando a histria mostra problemas da comunidade ou critica o que outras pessoas fazem, uma boa prtica consiste em solicitar alternativas, para explorar o potencial de mudana na comunidade.

  • 49

    Uso da cultura e da imaginao

    CHECKLIST : USANDO O CONTAR HISTRIAS NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

    Produzindo uma histria

    As questes a seguir podem ser discutidas para guiar as atividades de produo de histrias:

    Pense sobre os principais personagens da sua histria e por que voc os incluiu.

    Considere as vantagens e as desvantagens de incluir voc mesmo na histria.

    Identifique o evento que determina o que acontece com os personagens da sua histria, e discuta por que esse evento importante para a vida dos personagens e para a sua comunidade.

    Pergunte a si mesmo de que forma a histria reflete sua prpria vida e/ou a realidade da sua comunidade.

    Reflita sobre de que formas a sua histria pode oferecer uma alternativa para o atual estado das coisas. Por exemplo: voc consegue pensar sobre o que os personagens precisam fazer para chegar a um final positivo na histria ou para o futuro? A sugesto perguntar e se? e ver aonde a sua resposta o leva.

    Pergunte a si mesmo o que voc deseja que as pessoas pensem aps ouvir ou ler a sua histria. Como voc pode alcanar esse objetivo?

    Contando histrias

    As questes a seguir podem ser discutidas quando da realizao de atividades visando a divulgao de histrias:

    Local. Elabore uma lista de todos os lugares em que voc poderia contar ao pblico sobre a estoria que voc elaborou. Alguns exemplos:

    Centro comunitrio.Ruas, que so teis para apresentaes teatrais e outros tipos de artes performticas.Espaos compartilhados, como parques ou praas.

    Questione-se sobre qual seria o lugar ideal para transmitir a sua histria e, caso este no esteja disponvel, considere a possibilidade de insistir para utilizar esse espao de uso comum.

    Materiais. Considere os recursos necessrios para contar a sua histria. Estes no precisam ser complexos, e voc pode comear com materiais que tiver em casa como por exemplo: lpis, papel, canetas para colorir, instrumentos musicais produzidos de material reciclado.

    Promoo. Questione-se sobre a razo pela qual as pessoas precisam conhecer a sua histria ou a histria que voc deseja contar.

    Medidas para acompanhamento. Reflita sobre as possibilidades de ampliar ainda mais o exerccio de contar histrias, agindo sobre os motivos que voc identificou para divulgar a sua histria. Por exemplo: se voc e um grupo de outros jovens esto apresentando uma pea de teatro de rua que contm uma mensagem sobre higiene na preparao de alimentos, pode ser til, posteriormente, criar um grupo de discusso para verificar os efeitos que a sua apresentao teve sobre a comunidade.

  • 50

    Desenvolvimento social de base em favelas do Rio de Janeiro

    Oficina sobre contar histriasCONTAR HISTRIAS

    Objetivos:

    Fazer com que os participantes compreendam o uso da narrativa como meio de comunicao.

    Utilizar uma histria da vida cotidiana para refletir sobre como o contar de histrias pode trazer benefcios para as pessoas na comunidade.

    Durao: 1 hora

    Materiais:

    Fotos com pessoas e eventos comunitrios / Folhas grandes de papel / Canetas hidrogrficas / Caderno e caneta para anotaes

    O que vamos fazer?

    1. Ler a definio de contar histrias na pgina 48 e responder s questes a seguir. Um participante (secretrio) realizar as anotaes: (20 minutos)

    a. Com que tipo de histrias voc aprende mais? Por qu? b. Por que voc acha que uma pessoa conta histrias de sua prpria vida?c. No dia a dia, onde podemos ouvir ou ver histrias? (Dica: nas novelas, por exemplo).d. Por que contamos histrias para crianas?e. O que podemos transmitir por meio de histrias?

    2. O grupo recebe de trs a quatro fotografias de pessoas diferentes. Em pares, imagine pequenas histrias que aconteceram na vida dessas pessoas no dia em que as fotos foram tiradas. Voc pode escrever nas folhas grandes de papel. As histrias tero um dos objetivos escolhidos entre os escritos abaixo: (25 minutos)

    Convencer crianas de que elas devem estudar.Aconselhar um jovem de 16 anos de idade, que est tendo problemas com drogas e que voc conhece desde pequeno.Estimular uma menina de 12 anos de idade que gostaria de estudar engenharia, mas que no vai nem tentar, porque acha que isso algo impossvel para uma pessoa de sua comunidade.Contar a histria da sua comunidade para uma criana, de modo que ela conhea os eventos mais importantes do passado.

    3. O grupo discute as questes a seguir, que no tm uma resposta nica e correta, e que sero utilizadas para reflexo: (15 minutos)

    a. Voc acha que uma histria pode ajudar a convencer algum? Por qu?b. De que formas as histrias podem aumentar o poder das pessoas?c. Na sua opinio, por que importante preservar a nossa histria por meio de

    narrativas, como contos, casos e testemunhos?

    http://www.lse.ac.uk/socialPsychology/toolkitSocialDevelopmentFiles/WorkshopImagesTellingStories.zip

  • Uso da cultura e da imaginao

    51

  • 52

    Desenvolvimento social d