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87 CAPÍTULO 4 DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO Este capítulo está organizado em duas partes. Na primeira, faz-se uma visita à profissão de professor, olhando-a numa perspectiva histórica e levantando alguns dos seus principais problemas. De seguida, discute-se o conceito de desenvolvimento profissional de professores – relacionando-o com outros, como o de formação – e procura-se igualmente identificar as suas principais componentes e concretizações. Esta primeira parte finaliza com a análise de diversos modelos de desenvolvimento profissional. A segunda parte centra-se num dos modelos de desenvolvimento profissional – a investigação – dando-se especial destaque ao envolvimento dos professores em projectos de investigação de natureza colaborativa, a partir da reflexão e problematização das suas práticas profissionais. A visão dos professores face à investigação, as diferentes modalidades dos projectos, a relação entre professores e investigadores de instituições de ensino superior, bem como alguns dos problemas e dificuldades desta modalidade de desenvolvimento profissional são discutidos ao longo da segunda parte do capítulo. O professor e o desenvolvimento profissional A profissão de professor A actividade humana tem-se expandido por inúmeras áreas, cada vez mais diversificadas e específicas. Uma dessas actividades, que existe desde tempos longínquos, é a de ensinar. Ajudar os outros a adquirem e desenvolverem conhecimentos, atitudes e

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CAPÍTULO 4

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO

Este capítulo está organizado em duas partes. Na primeira, faz-se uma visita à

profissão de professor, olhando-a numa perspectiva histórica e levantando alguns dos seus

principais problemas. De seguida, discute-se o conceito de desenvolvimento profissional de

professores – relacionando-o com outros, como o de formação – e procura-se igualmente

identificar as suas principais componentes e concretizações. Esta primeira parte finaliza com a

análise de diversos modelos de desenvolvimento profissional.

A segunda parte centra-se num dos modelos de desenvolvimento profissional – a

investigação – dando-se especial destaque ao envolvimento dos professores em projectos de

investigação de natureza colaborativa, a partir da reflexão e problematização das suas práticas

profissionais. A visão dos professores face à investigação, as diferentes modalidades dos

projectos, a relação entre professores e investigadores de instituições de ensino superior, bem

como alguns dos problemas e dificuldades desta modalidade de desenvolvimento profissional

são discutidos ao longo da segunda parte do capítulo.

O professor e o desenvolvimento profissional

A profissão de professor

A actividade humana tem-se expandido por inúmeras áreas, cada vez mais

diversificadas e específicas. Uma dessas actividades, que existe desde tempos longínquos, é a

de ensinar. Ajudar os outros a adquirem e desenvolverem conhecimentos, atitudes e

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capacidades é uma acção tão antiga como a vida humana gregária, organizada em

comunidades. Os processos de formação e socialização que estão subjacentes à entrada de um

indivíduo num determinado grupo, seja ele social, profissional ou económico, funcionam

numa lógica de ensino e aprendizagem, entendendo estas duas actividades em sentido amplo.

O ensino tem decorrido, historicamente, em contextos com graus diferenciados de

formalização, desde a simples inserção da pessoa na actividade/profissão – sob a orientação

de um mestre ou de alguém que exerça funções equivalentes – até às instituições escolares,

passando por diversas cambiantes intermédias (Nóvoa, 1991). Com o aparecimento das

escolas, tal como as concebemos hoje, começa gradualmente a ganhar mais visibilidade a

figura do professor – que vem suceder ao preceptor das classes sociais mais elevadas e ao

mestre – que, com a laicização do Estado, deixa de ser um religioso.

Para ajudar a entender esta situação, vale a pena reflectir um pouco sobre a origem dos

vocábulos: professor e profissão. A palavra professor deriva do latim professõre, “o que faz

profissão de, que se entrega a, que cultiva” (Machado, 1995, vol. IV, p. 437) enquanto

profissão (do latim professione) “declaração, manifestação; declaração pública, oficial (de

fortuna, de domicílio); acto de fazer profissão de; profissão, estado, mester” (Machado, 1995,

vol IV, p. 438). Ambas as palavras (professore e professione) derivam de um vocábulo latino

comum – profiteor – que significa “declarar abertamente, reconhecer publicamente, confessar

publicamente, revelar” (Ferreira, 1999, p. 936). Como é visível, e ressalvando as evoluções

semânticas ao longo do tempo, os dois vocábulos estão bastante relacionados, mais do que à

primeira vista se poderia supor.

Continuando em torno das palavras, agora nas principais línguas europeias, umas de

raiz latina, como o português, o castelhano, o francês ou o italiano, e outras de raiz germânica,

como o inglês e o alemão, o termo mais comum e frequente para professor, é,

respectivamente: profesor, enseignant, insegnante, teacher e lehrer. Embora seja possível

encontrar, em cada uma das línguas, outros termos para designar professor – o que nalguns

casos, correspondem a professores de um nível de escolaridade específico, como, por

exemplo, o primário (maestro, em castelhano e maître, em francês) ou o universitário

(professor, em inglês) – os que foram apresentados são os mais correntes em cada um dos

idiomas. É curioso notar que nas línguas portuguesa e castelhana se utilizam termos que não

têm na sua base o vocábulo ensinar, mas a forma latina professõre – embora em português

exista o termo correspondente ensinador, com o significado de aquele que ensina, mas é

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praticamente desconhecido pela maioria dos falantes e estranho no campo educativo. Assim, e

seguindo de perto o sentido etimológico dos termos usados em cada um dos idiomas,

professor é aquele que ensina (francês, inglês, francês e italiano), enquanto nas línguas

ibéricas é aquele que professa algo, que se entrega a alguma coisa de forma altruísta. Nesta

última acepção, parece emergir um certo sentido de missão na procura do bem comum.

À medida que a profissão se vai estruturando e consolidando, com o aparecimento das

primeiras escolas vocacionadas para formar professores, legitima-se a ideia de que os saberes

escolares, tanto científicos como pedagógicos, são importados, pelas escolas, das

universidades e da investigação. Estas ideias ganham força durante grande parte do século

XX, concebendo-se o professor como um técnico, que leva à prática os saberes teóricos

produzidos por outros (numa lógica de racionalidade técnica). Neste enquadramento, o

professor funciona como uma mera peça do sistema educativo, a quem se exige uma actuação

pré-programada, e que não comprometa os ideais dos que conceberam, à distância, muitas

vezes sem nunca terem entrado numa escola, o currículo. A assunção da importância da figura

do professor (Ponte, 1992; Schön, 1983, 1987, 1992), reforça a sua condição de profissional,

dotado de conhecimentos de diversa ordem, abordando de forma inteligente, reflectida e

criativa a realidade escolar. O professor, “mais do que ser um servidor fiel das directrizes de

um sistema submetido a controlos técnicos, que mal escondem o seu carácter ideológico, deve

ser alguém responsável que fundamenta as suas práticas em valores e ideias” (Gimeno e

Pérez, 1995, p. 14). O professor começa por ganhar consciência de si próprio e do intrincado

sistema em que está envolvido. De peça neutra, na complexa engrenagem da máquina

educativa, passa a assumir-se como um construtor das soluções, com o estatuto de parceiro de

directores, investigadores e decisores políticos.

Esta nova visão do papel do professor transporta novas possibilidades e desafios, mas

também, e fruto de algumas contradições, mais problemas e mais angústias (Hargreaves,

1998). O professor é chamado a realizar cada vez mais tarefas, que extravasam em muito a

sala de aula, que passam pelo apoio aos alunos em actividades extracurriculares, pela relação

com a família e a sociedade envolvente ou por acções de carácter mais ou menos burocrático.

Perante este novo quadro, parece pertinente colocar algumas questões: Quais são os domínios

ou as dimensões da actividade do professor? De que aspectos se reveste a sua actividade? Que

valências deve ter o professor (o de Matemática, em particular) para desempenhar com

competência a sua actividade profissional?

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Considerando o professor de Matemática, Kilpatrick e Wilson (1983) defendem que a

actividade deste profissional deve desenvolver-se em torno de três componentes

fundamentais: uma componente de Matemática (o professor deve ser um matemático), uma

componente curricular (o professor deve ser um criador de currículo) e uma componente

investigativa (o professor deve ser um investigador). Ponte (1996) considera que as três

dimensões da actividade do professor de Matemática, em tese, são aliciantes e desejáveis, mas

a funcionalização, a regulamentação e o controlo ideológico poderão levantar sérios

obstáculos à sua concretização. Aquelas componentes parecem ser basilares da actividade do

professor, embora se possa questionar o grau em que cada uma delas se deve combinar. Deve

o professor ser um matemático ou simplesmente um amante da Matemática (entendido como

alguém que conhece a Matemática e tem um gosto especial pela disciplina)? E em relação à

componente investigativa, de que é que se está a falar? Que tipo de resultados se espera que

um professor venha a alcançar? A componente investigativa da actividade profissional do

professor é neste estudo assumida com especial atenção, dadas as potencialidades que encerra

(Alarcão, 1996b; Cochran-Smith e Lytle, 1999a, 1999b; Jaworski, 1997; Ponte, 1996, 1999;

Sá-Chaves, 1997; Smith, 1997). A investigação de problemas oriundos da prática parece ter

virtualidades ao nível da reflexão, tomada de consciência e construção do conhecimento

profissional do professor. A este aspecto, voltar-se-á mais à frente neste estudo. Às três

dimensões apresentadas por Kilpatrick e Wilson (1983), é de juntar uma quarta: componente

didáctica (o professor deve ser um educador matemático, dotado de um saber que vai além do

conhecimento matemático, de um conhecimento curricular e de um conhecimento de

processos de investigação). Esta componente parece ser aquela que mais aproxima o professor

da sala de aula, dos seus alunos e dos saberes que é pressuposto que ensine, pois ser um bom

matemático, um bom investigador e um bom desenvolvedor de currículo não fazem dele um

professor.

Em suma, poder-se-á afirmar que a profissão de professor é multifacetada, o que se

traduz num reconhecimento generalizado da sua importância social, numa definição algo

difusa quanto às suas componentes e numa crescente dificuldade no seu exercício – motivada

pelos diversos factores, mas sobretudo dada a permanente e voluptuosa mudança que

caracteriza a era pós-moderna em que vivemos.

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O conceito de desenvolvimento profissional

O aparecimento do conceito de desenvolvimento profissional resulta do reconhecimento

de que os professores, durante a sua vida activa, participam num processo de crescimento

pessoal e profissional, que não é redutível à aprendizagem de conhecimentos e competências

em cursos de formação (Burden, 1990; Polettini, 1999; Ponte, 1996, 1998). No mesmo rumo,

Marcelo (1999) argumenta que o “conceito de desenvolvimento tem uma conotação de

evolução e continuidade que nos parece superar a tradicional justaposição entre formação

inicial e aperfeiçoamento dos professores” (p. 137). O desenvolvimento profissional é

associado por alguns a um processo de aprendizagem, ao longo da vida, em diferentes

contextos e recorrendo a suportes e estruturas diversas. Neste sentido vai Day (2001), quando

sustenta que o desenvolvimento profissional

inclui, por isso, quer a aprendizagem iminentemente pessoal, sem qualquer tipo de orientação, a partir da experiência (através da qual a maioria dos professores aprendem a sobreviver, a desenvolver competências e a crescer profissionalmente nas salas de aula e nas escolas) quer as oportunidades informais de desenvolvimento profissional vividas na escola, quer ainda as mais formais oportunidades de aprendizagem “acelerada”, disponíveis através (...) de formação contínua, interna e externamente organizadas. (p. 18) Desenvolvimento profissional e formação são dois conceitos que coexistem na literatura

sobre professores, sendo, no entanto, o primeiro bem mais recente do que o segundo

(Hargreaves, 1992; Ponte, 1996, 1998). Enquanto que a formação se tende a identificar como

algo que é apresentado ao professor e é bem localizado no tempo, o desenvolvimento

profissional assume uma natureza contínua, algo que o professor procura e gere e com maior

impacto no seu percurso profissional. Discutindo os dois conceitos, Ponte (1996, 1998)

reforça a ideia da sua proximidade, advertindo de que não são equivalentes, implicando

formas diferentes de os professores estarem na profissão. Este autor adianta que, enquanto a

formação tem subjacente uma lógica “escolar” (organizando-se preferencialmente sob o

formato de cursos), o desenvolvimento profissional processa-se através de múltiplas formas e

processos (incluindo actividades como projectos, trocas de experiências, leituras e reflexões).

Outra das principais diferenças apontada por Ponte (1996, 1998), é o estatuto do

professor no processo formativo. Enquanto que na formação, o movimento é essencialmente

de fora para dentro (o formando é submetido a um programa de formação previamente

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construído por especialistas, que detêm o conhecimento necessário, legitimado pela

investigação científica), no desenvolvimento profissional o processo tende para um

movimento inverso, de dentro para fora. O professor passa, assim, de objecto de formação

para se tornar, sobretudo, o sujeito de formação, trabalhando lado a lado com outros parceiros

(professores, investigadores, directores e outros agentes implicados na realidade escolar),

respeitando os conhecimentos profissionais de cada um.

Na realidade da formação tem-se como pressuposto a carência do professor numa certa

área do saber – normalmente identificada de fora da profissão – sobre a qual se constrói todo

o dispositivo, de forma tendencialmente normativa. A lógica do desenvolvimento profissional

é outra, partindo-se do professor, das suas experiências, dos seus saberes, para os desenvolver,

numa atitude de cooperação entre os diversos intervenientes – assumindo-se um

desenvolvimento de todos e não exclusivamente dos professores, como geralmente acontece

no modelo da formação.

A formação tende a ser vista de modo compartimentado, por assuntos – à semelhança

das disciplinas científicas que fornecem conhecimentos – enquanto que no desenvolvimento

profissional se parte da pessoa do professor como um todo, procurando-se que este

desenvolva um tipo de saber mais integrado, contextualizado nas situações educativas e, por

esse motivo, flexível e mobilizador da acção.

Por último, e de modo a reforçar o aspecto anterior, Ponte (1998) sustenta que a

formação parte predominantemente da teoria e, na maioria das vezes, não chega a sair dela.

Em contrapartida, nos processos de desenvolvimento profissional tanto se pode partir do

conhecimento, sistematizado pelas diversas ciências implicadas na Educação, como da

experiência e dos conhecimentos dos professores; e, em qualquer caso, tende-se a considerar a

teoria e a prática duma forma interligada, promovendo uma relação dialéctica entre o

conhecimento e a acção.

As diferenças entre os processos de formação e de desenvolvimento profissional têm,

pois, subjacentes diferentes formas de conceber o trabalho dos professores, sendo que a

segunda delas contribui significativamente para a valorização do trabalho destes profissionais,

pois confere-lhes um papel de maior relevo na definição dos seus conhecimentos docentes.

Este desafio que os professores são chamados a abraçar está em consonância com a forma

como a sociedade do início deste terceiro milénio está a encaminhar-se, esperando-se de cada

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cidadão uma maior determinação, na escolha dos seus caminhos, ao longo da vida

(Hargreaves, 1998).

Mas o que é que se desenvolve no desenvolvimento profissional de professores? Esta

questão reenvia a discussão para o âmbito do conteúdo do desenvolvimento profissional,

tendo consequências evidentes na forma como se organizam os dispositivos para o promover

e que critérios podem ser usados para o avaliar (Grimmett e Neufeld, 1994). Para Sparks e

Louks-Horsley (1990), o desenvolvimento profissional de professores traduz um incremento

de conhecimento, competências ou atitudes dos professores. Para Hargreaves e Fullan (1992),

o desenvolvimento profissional dos professores pode ser orientado para diferentes finalidades,

que em cada caso, podem ser mais ou menos predominantes: (i) desenvolvimento do

conhecimento e das competências profissionais; (ii) auto-compreensão da sua pessoa; e (iii)

mudança ecológica ou mudança em contexto. De modo mais extensivo, Liberman (1994)

sublinha que o conceito de desenvolvimento profissional é vasto e radica na ideia de que os

professores se envolvem, ao longo da vida, num processo continuado de aprendizagem, em

que a inquirição das práticas, através da reflexão, representam papel preponderante. A autora

sublinha que:

O conceito de desenvolvimento profissional assume que o professor é um prático reflexivo, alguém com um conhecimento tácito de base, que continuamente constrói sobre aquela base através da pesquisa da prática, repensando e reavaliando constantemente os seus valores e prática, em concertação com os outros. (p. 15)

Esta autora chama, assim, para a discussão do tema do desenvolvimento profissional

dos professores aspectos como o conhecimento, a prática, a reflexão e a interacção com outras

pessoas. Na mesma linha, Krainer (1996, 1999, 2001) sustenta que o desenvolvimento dos

professores passa pelo aprofundamento de quatro áreas que considera nucleares na actividade

profissional do professor: a acção, a reflexão, a autonomia e a colaboração, sendo estas

entendidas, simultaneamente, como atitudes e competências dos professores. A acção e a

reflexão ligam-se num binómio, tal como a colaboração e a autonomia. Em ambos os casos,

Krainer (2001) assevera que se trata de elementos que se complementam mutuamente e estão

em interacção permanente, podendo cada uma delas, mediante os contextos, ser mais ou

menos forte. A este propósito, Clement e Vandenberghe (2000) rejeitam, por exemplo, a

polaridade que alguns consideram entre as dimensões autonomia e colaboração ou

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colegialidade, afirmando, ao contrário, que “uma complementa a outra de modo natural (...)

[pois] para colaborar de forma adequada, os professores necessitam de trabalhar sozinhos

algumas vezes, e vice-versa” (p. 85). Nesta forma de conceber a orgânica do desenvolvimento

profissional, o conhecimento didáctico é uma espécie de placa giratória que liga acção e

reflexão e permite tanto o exercício da autonomia como da colaboração profissional.

Modelos de desenvolvimento profissional

Após a identificação de algumas dimensões do desenvolvimento profissional de

professores, a etapa seguinte parece resultar das respostas às questões: Como promover o

desenvolvimento profissional de professores? ou Que modalidades formativas permitem o

progresso dos professores nas dimensões antes anunciadas? Alguns autores têm-se debruçado

sobre estas questões. Sparks e Loucks-Horsley (1990), tendo em conta o percurso profissional

do professor e questões relativas à sua pessoa e ao contexto em que desenvolve a sua

actividade, identificam cinco modalidades de desenvolvimento profissional:

1. Desenvolvimento profissional autónomo;

2. Desenvolvimento profissional baseado na reflexão e na supervisão;

3. Desenvolvimento profissional através do desenvolvimento curricular e organizaci-

onal;

4. Desenvolvimento profissional através de cursos de formação;

5. Desenvolvimento profissional através da investigação.

A primeira modalidade baseia-se no pressuposto de que os professores podem aprender

os conhecimentos e competências profissionais por si mesmos, de uma forma autónoma,

faceta que é típica do desenvolvimento do adulto. Neste caso, a experiência é considerada um

recurso base da aprendizagem, a partir da qual os indivíduos abstraem o seu próprio

conhecimento e desenvolvem competências. Nesta modalidade de desenvolvimento

profissional de professores, a criação de momentos e espaços para a partilha de

conhecimentos, que rompam com a tradicional tendência para o isolamento, pode potenciar o

progresso na profissão.

A segunda estratégia de desenvolvimento profissional – desenvolvimento profissional

baseado na reflexão e na supervisão – assenta no pressuposto de que melhorando as

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competências metacognitivas, o professor tem condições para um desenvolvimento mais

sustentado, mais consciente e mais orientado. A inclusão da reflexão no desenvolvimento dos

professores tem sido recomendada por diversos autores (Alarcão, 1996b; Dewey, 1933;

Oliveira e Serrazina, 2002; Schön, 1983, 1986, 1992), através da escrita e da análise de casos,

da análise de biografias profissionais, de constructos pessoais e teorias implícitas, do

pensamento através de metáforas e do conhecimento didáctico (Marcelo, 1999). A supervisão

clínica é uma estratégia de desenvolvimento profissional baseada em sequências de

planificação, observação e análise reflexiva da acção desenvolvida, com a intervenção do

professor e de um supervisor.

A terceira modalidade de desenvolvimento profissional assenta em três pressupostos: (i)

a aprendizagem dos adultos baseada na resolução de problemas é eficaz; (ii) quando os

professores se envolvem em questões relativas ao seu trabalho, conseguem compreender

melhor o que é preciso alterar; (iii) os professores adquirem conhecimentos e competências

através da participação em acções que visam a inovação e a melhoria da escola ou do

currículo. Nestas acções destacam-se os projectos de inovação curricular e projectos de

desenvolvimento curricular centrados na escola.

A quarta modalidade – desenvolvimento profissional através de cursos de formação – é,

de entre todas, a que tem maior tradição na formação de professores. Apesar de em Portugal

se estarem a desenvolver outras formas de trabalho, a formação de professores ainda está

dominada por esta modalidade, que é caracterizada pela existência de um formador – perito

numa determinada área – por um grupo apreciável de professores/formandos, de quem se

espera que adquiram e ponham em prática o que aprenderam, e por um conteúdo da formação

– um conjunto de conhecimentos e competências, estruturadas num formato tal que permitam

a sua modelação e treino.

A quinta modalidade – desenvolvimento profissional através da investigação –

baseia-se no envolvimento dos professores em processos de reflexão e investigação das suas

práticas, inseridos em equipas que envolvem, com frequência, também professores das

universidades e investigadores. Consoante a forma como a investigação é concebida, estes

projectos têm finalidades diversas, o que se traduz em formas de funcionamento e resultados –

em termos do desenvolvimento profissional – também elas não coincidentes. Esta quinta

modalidade de desenvolvimento profissional dos professores – que está a ganhar cada vez

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mais adeptos, tanto entre investigadores como entre professores – será abordada com mais

detalhe nas próximas secções deste capítulo.

Síntese

Várias são as razões que contribuem para colocar a formação e o desenvolvimento

profissional dos professores na ordem do dia. A crise da escola e da educação, a percepção da

complexidade crescente da sua função, as exigências decorrentes do surgimento de novos

públicos escolares, os novos recursos e linguagens em uso na sociedade, tudo isso leva

educadores e políticos de todos os quadrantes a propor as mais diversas agendas para a

formação de professores. Note-se, no entanto, que o conceito de formação, traduzindo uma

acção deliberada de uma instituição formadora, não é equivalente ao conceito de

desenvolvimento profissional. Este constitui um processo que ocorre ao longo do tempo, em

contextos diversificados e em que o professor assume significativo protagonismo. Em

contrapartida, a formação de professores tende a ocorrer normalmente de forma bastante

estruturada, visando a transmissão de conhecimentos de que se pensa que os professores são

carentes, numa perspectiva de aplicação da teoria à prática.

O desenvolvimento dos professores consubstancia-se no incremento do conhecimento e

de competências como a reflexão, a autonomia pedagógica e a colaboração, que pode resultar

em mudanças das suas práticas profissionais. Este desenvolvimento dos professores tem sido

promovido à custa de diferentes modalidades e dispositivos, incluindo o desenvolvimento

autónomo (os professores aprendem por si mesmos), a reflexão e supervisão (existe apoio de

um supervisor), o desenvolvimento curricular e organizacional (associando mudança pessoal e

institucional), os cursos de formação (a modalidade mais popular, embora com resultados

discutíveis) e a investigação (processo emergente e ainda insuficientemente compreendido). O

desenvolvimento profissional de professores através da investigação passa, normalmente, pela

sua participação em projectos de natureza colaborativa, envolvendo profissionais de diversos

níveis de ensino, animados no reconhecimento, formulação, compreensão e resolução de

problemas das suas próprias práticas.

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A investigação na prática profissional dos professores

Visão dos professores da investigação educacional

A visão que os professores têm da investigação constitui um aspecto das concepções e

crenças, que é construído a partir das experiências destes profissionais, em diferentes

contextos, tanto formais como informais, sendo fortemente marcado por questões afectivas.

Este domínio do conhecimento profissional dos professores resulta de grande importância no

processo de tomada de decisões destes profissionais, principalmente quando se ultrapassa o

“ponto para além do qual não consegue ir a racionalidade humana, entendida como a

capacidade de formular raciocínios lógicos, definir conceitos com precisão e organizar de

forma coerente os dados da experiência” (Ponte, 1992, p. 195). A visão que os professores

têm da investigação educacional, dos seus processos, dos seus produtos, do seu papel e do do

investigador, ocupa um lugar importante na forma como estes profissionais se relacionam

com investigadores e nas expectativas que criam em relação ao seu trabalho em processos

colaborativos. Da revisão da literatura relativa a esta área, é possível identificar três visões

dos professores face à investigação educacional, que se podem organizar em dois grupos: no

primeiro, os professores não acreditam que possam realizar investigação educativa, enquanto

que no segundo acreditam nessa possibilidade. No primeiro grupo, consideram-se duas visões

expressas pelos professores: (i) a investigação educacional não tem qualquer relevância para a

vida profissional dos professores (Cochran-Smith e Lytle, 1999a; Peter-Koop, 2001); ou, pelo

contrário, (ii) a investigação educacional é uma importante fonte de normas e prescrições,

fundamentais ao exercício da profissão de professor (Cochran-Smith e Lytle, 1999a; Garrido

et. al., 1999; Pérez et al., 1998; Valero et al., 1997). No segundo grupo, pode-se encontrar

professores que têm uma visão da investigação educacional como uma das possíveis facetas

da sua actividade profissional, podendo ser concretizada em contextos diversificados e com

objectivos bem definidos (Cochran-Smith e Lytle, 1999a; Philips, 1997; Winter, 1998).

Embora seja difícil quantificar como se distribuem os professores por estas três visões

da investigação, existe um largo número de professores que se posiciona na primeira, pois, tal

como assinalam Cochran-Smith e Lytle (1999a), grande parte dos professores não

compreende o papel da investigação que se realiza em Educação, ou seja, não vislumbra o seu

alcance nas realidades educativas. Também Peter-Koop (2001) nota um grande

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distanciamento dos professores em relação à investigação educacional, vista por eles como

independente em relação às escolas e funcionando segundo uma lógica interna, com uma

linguagem hermética e para um público bastante restrito – a comunidade de investigadores

profissionais. Nesta visão, o mundo da investigação está tão longe dos professores que “para

muitos deles, investigação é uma actividade que só os cientistas experimentados podem fazer”

(Valero et al., 1997, p. 118).

Na segunda visão da investigação, que tem em comum com a primeira o facto de os

professores se colocarem fora do exercício desta actividade, está subjacente a lógica da

racionalidade técnica, associada ao paradigma positivista. A investigação educacional surge

ao professor como um manancial ao qual pode recorrer para resolver os problemas e

dificuldades que advêm do exercício da sua profissão. Esta atitude dos professores face à

investigação tem sido apontada por alguns autores (Pérez et al., 1998), principalmente em

projectos que encetaram relações de natureza colaborativa entre os participantes. Em alguns

destes estudos, sobrevem aos professores envolvidos nos projectos um sentimento de

frustração que deriva do desfasamento entre a visão técnica que tinham da investigação

educacional e o trabalho que realmente se desenvolveu, que é apoiado noutra visão da

investigação e da sua relação com a prática. Garrido et al. (1999) fazem referência a este

conflito entre a visão dos professores que “esperavam que lhes fossem dadas todas as

respostas” e a proposta de trabalho que lhes foi apresentada, em que foram desafiados a

investigar as suas próprias questões. Este desajuste de perspectivas é também apresentado por

Pérez et al. (1998), ao afirmarem que para alguns dos professores, o sentimento, no final do

projecto, foi de alguma frustração, porque esperavam mudanças radicais, a partir dos erros

que os investigadores lhes pudessem apontar: “Tentámos que [os professores] percebessem

que nós [investigadores externos] não tínhamos a solução para os seus problemas, porque

acreditamos que não existe uma única resposta correcta para cada problema” (Pérez et al.,

1998, p. 244).

A terceira visão que os professores têm da investigação distingue-se das duas

anteriores, na medida em que os professores se assumem como podendo ser investigadores

das suas próprias práticas (Boavida e Ponte, 2002; Ponte, 2002a, 2002b; Ponte e Boavida,

2004). Esta visão, comparativamente com as outras, é a que tem menos adeptos, fruto de uma

tradição educativa que privilegia uma visão técnica do professor e da Educação. Esta última

visão inscreve-se no movimento do professor investigador, que tem vindo a crescer em

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sistemas educativos de países mais desenvolvidos, como uma forma de conferir a este

profissional um maior poder, tanto ao nível do seu próprio desenvolvimento como do

desenvolvimento das instituições educativas.

Por que razão devem os professores investigar?

Dada a natureza complexa da prática docente, os professores carecem de um processo

que lhes permita, por um lado, compreenderem as situações problemáticas e dilemáticas e, por

outro, encontrarem soluções para elas. Esta opinião é partilhada por diversos autores que

acreditam que é fundamental que os professores “tomem consciência” do que fazem nas aulas

e porque o fazem (Adler, 1997; Boavida e Ponte, 2002; Day, 2001; Jaworski, 1998, 2001;

Ponte, 2001, 2002a; Valero et al., 1997). Maeers e Robison (1997) fazem também referência a

este papel da investigação na vida profissional dos professores: “A investigação-acção

permite obter resultados no incremento da compreensão e mudança da prática, tornando os

professores mais conscientes das suas acções e decisões e mais responsabilizados pelos seus

alunos e pela sua escola” (p. 153).

A investigação, pela sua natureza de indagação sistemática, torna-se numa ferramenta

de desenvolvimento profissional – com implicações ao nível dos conhecimentos e práticas

profissionais – bem mais poderoso do que a reflexão. O reconhecimento do papel da

investigação no desenvolvimento profissional dos professores recolhe largo consenso de

opiniões dos autores que se dedicam ao estudo desta temática, uma vez que aquela se apoia

em dispositivos que estimulam uma postura activa daqueles profissionais, tanto naquilo que

fazem nas suas aulas como no conhecimento que vão construindo. Os contextos colaborativos

em que decorrem estas investigações, que incluem outros professores e investigadores,

favorecem o crescimento profissional dos docentes, tanto mais que os investigadores exercem

o papel de catalisadores/facilitadores do trabalho (Boavida e Ponte, 2002; Christiansen et al.,

1997; Jaworski, 1998, 2001).

O conhecimento que os professores constroem, a partir da abstracção da sua experiência

nas aulas, pode ser alvo de uma maior legitimação, através da investigação, uma vez que ele

resulta assim de um processo que é mais planificado e partilhado do que a simples reflexão.

Além do mais, o facto de este conhecimento ser tornado público, através dos relatos da

investigação, confere-lhe um maior poder e maior estatuto junto da comunidade educativa. É

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importante não perder de vista que a produção de conhecimento é um dos principais

objectivos da investigação educativa, mesmo a que é realizada por professores das escolas.

Diversos autores (Ponte, 2002a; Zeichner et al., 1998) advertem que a investigação não pode

ficar pela resolução de problemas práticos ou pela promoção do desenvolvimento profissional

dos professores – o que, só por si, já seriam razões fortes para os professores fazerem

investigação – mas deve constituir também um importante processo de construção de

conhecimento educativo: “a investigação-acção é simultaneamente um veículo para o

desenvolvimento profissional bem como uma fonte de novo conhecimento sobre o processo

de reforma educativa” (Zeichner et al., 1998, p. 190).

Estes autores argumentam que este envolvimento dos professores na investigação é

consistente com a visão da investigação educacional que não é exclusivo de um grupo,

relativamente restrito, de investigadores que disseminam as suas descobertas. Nesta visão,

mais democrática, os professores fazem contributos para o conhecimento educacional,

deixando de ser entendidos restritamente como meros “consumidores” ou “usuários” (Adler,

1992, 1997; Schroeder e Webb, 1997; Zeichner et al., 1998). Desta forma, lançam-se pontes

para cobrir o hiato entre professores e investigadores, entre teoria e prática, robustecendo a

comunidade educativa.

Na mesma linha de pensamento, o interesse manifestado pelos professores em

realizarem investigação educativa deve ser, pois, uma razão para que se criem condições para

que esta se concretize. Repare-se no que diz, a este respeito, Karen, uma professora que

trabalhou com Mctaggart et al. (1997) num projecto de investigação: “os professores precisam

de ser investigadores, para o seu próprio desenvolvimento profissional. É verdadeiramente

importante. Encoraja a leitura, a pesquisa, a discussão com outros e o reexame do nosso

próprio ensino” (p. 134).

Para Ponte (1999), este interesse não tem sido, no caso dos professores de Matemática e

comparativamente com outros profissionais, devidamente estimulado nos cursos de formação

inicial:

[Pelo contrário,] o mesmo não acontece, de um modo geral, com o jovem professor. Por vezes existem disciplinas de métodos e técnicas de investigação nos cursos de formação de professores, mas centram-se habitualmente muito mais na parte instrumental do que no significado do que é investigar em Educação. Ensinados de modo escolar e desenquadrados das necessidades e interesses dos formandos, são um bom meio de conseguir que eles jamais se venham a interessar pela investigação. (p. 14)

101

Uma outra razão que pode ser invocada para justificar a participação dos professores na

investigação da prática é o desenvolvimento da escola ou mesmo do próprio sistema

educativo. Esta potencialidade da investigação realizada por professores não é de maneira

nenhuma de desvalorizar. É de notar que, nos primórdios do movimento do professor

investigador, com Stenhouse (1975), era precisamente esse o principal objectivo – fazer a

mudança no sistema educativo inglês através da investigação realizada pelos professores. Esta

ideia tem a concordância de Elliott (1990), ao sublinhar que “assim [a investigação] se

converte num meio não só de desenvolvimento profissional, mas também de desenvolvimento

das escolas enquanto instituições e, de maneira mais geral, do sistema educativo” (p. 179). O

uso da investigação, pelos professores, para operarem mudanças nas escolas e nos sistemas

educativos, é uma ideia cara aos autores que se inspiram na Teoria Crítica (Winter, 1998;

Zuber-Skerritt, 1996). No entanto, mesmo os autores que não se inserem nesta linha teórica

reconhecem que a participação dos professores na investigação pode resultar em última

análise – mesmo quando se visa o desenvolvimento profissional ou o conhecimento educativo

– a melhoria da escola.

Ponte (2002a) sintetiza em quatro pontos aquelas que lhe parecem ser as razões

fundamentais para que os professores se envolvam em processos de investigação sobre a sua

prática:

(i) para se assumirem como autênticos protagonistas no campo curricular e profissional, tendo mais meios para enfrentar os problemas emergentes dessa mesma prática; (ii) como modo privilegiado de desenvolvimento profissional e organizacional; (iii) para contribuírem para a construção de um património de cultura e conhecimento dos professores como grupo profissional; e (iv) como contribuição para o conhecimento mais geral sobre os problemas educativos. (Ponte, 2002a, p. 7) Depois de analisadas as visões dos professores sobre a investigação e de se

reconhecerem razões fortes para o envolvimento destes profissionais neste processo, algumas

questões emergem com particular acuidade: Como favorecer a aproximação dos professores à

investigação? Que dispositivos permitem concretizar a investigação dos professores sobre as

suas próprias práticas? Que problemas se colocam a estes dispositivos? Estas questões

ligam-se com outras de carácter mais geral relativas ao próprio acto de investigar e às diversas

102

formas que ele pode assumir. Esta é a problemática que ocupa as secções seguintes deste

capítulo.

Que investigação educacional para professores?

O que é que pode ser considerado investigação educacional? Quem determina o que

pode ser considerado investigação educacional? Que papel desempenham os professores neste

tipo de investigação? Abordar estas questões não é tarefa fácil, uma vez que este é um

daqueles temas do qual muito se fala, mas nem sempre de forma aprofundada. O que é que se

entende então por investigação?

Para muitos autores, a investigação é uma atitude das pessoas perante as suas

experiências quotidianas e, simultaneamente, um processo que se realiza de acordo com um

certo número de regras, aceites de forma implícita ou explícita, por uma certa comunidade,

numa certa época histórica. É este o entendimento que Bogdan e Biklen (1994) têm do

processo:

A investigação é uma atitude – uma perspectiva que as pessoas tomam face a objectos e actividades. Académicos e investigadores profissionais investigam aspectos pelos quais nutrem interesse. Formulam o objectivo do seu estudo, em forma de hipóteses ou de questões a investigar. Não só se espera que conduzam a investigação, mas também que a façam segundo os critérios estabelecidos pela tradição da investigação. (Bogdan e Biklen, 1994, p. 292) Esta ideia da investigação como uma atitude profissional do professor é apontada e

realçada por Cochran-Smith e Lytle (1999a) quando se referem à inquiry as stance, a qual

traduz uma atitude de permanente questionamento, envolvendo a génese de conhecimento

local, teorizar a prática e interrogar a teoria. Estas duas acepções de investigação – atitude

reflexiva e prática social – têm sido apontadas por diversos autores (Jaworski, 1998;

Perrenoud, 1993; Philips, 1997), tendo Ponte (1999, 2002a) advertido que entre uma reflexão

mais informal e uma investigação mais sofisticada vai um longo caminho. Este autor

acrescenta que, embora a atitude reflexiva e a prática da investigação tenham amplas zonas de

intersecção, não são conceitos coincidentes: “Trata-se, mais uma vez, de conceitos

parcialmente sobrepostos. Não se concebe alguém que faça investigação sobre a prática e que

não seja um profissional reflexivo... Mas, provavelmente, não basta ser reflexivo para se fazer

investigação” (p. 11). Assim, a atitude reflexiva é condição necessária, mas não suficiente,

103

para se assumir que um professor realiza investigação. A este propósito, o autor subscreve a

posição de Beillerot (2001) quando este define aqueles que considera serem os requisitos

mínimos da actividade de investigação e que a distingue da simples reflexão: (i) deve ser

geradora de novos conhecimentos; (ii) deve assentar numa metodologia rigorosa; e, (iii) deve

ter um carácter público. Também Philips (1997) desenvolve a sua argumentação no mesmo

sentido, ao referir que a actividade de investigação deve incluir a identificação de um

conjunto de questões bem como um processo sistemático de as abordar, uma discussão e um

tornar público do trabalho desenvolvido. Avançando um pouco mais na compreensão do

conceito de investigação, Bishop (1992) identifica os seus elementos-chave: pesquisa,

evidência e teorização, tendo a pesquisa um carácter sistemático, mas também intencional.

Adler (1992), baseada nesta definição, chama a atenção para o facto de haver literatura que

não pode ser considerada investigação, uma vez que em algumas situações a pesquisa não tem

carácter sistemático – tornado-se num simples acumular de dados – falta evidência a algumas

conclusões e, sobretudo, não é esboçada sequer qualquer tentativa no sentido de avançar para

a teorização. Etimologicamente, teorizar engloba duas dimensões: contemplação e

especulação (Winter, 1998). Neste sentido, teorizar representa um voltar atrás para observar

cuidadosamente os dados, procurando tensões, contradições, padrões; especular corresponde

a considerar e comparar possíveis alternativas de significados para as situações ocorridas.

Para Ponte (2002a), uma qualquer actividade, para que se possa designar de investigação,

deve envolver necessariamente quatro momentos fundamentais: (i) a formulação do problema

ou das questões; (ii) a recolha de dados; (iii) a análise e interpretação dos dados; e (iv)

divulgação dos resultados e das conclusões.

A questão relativa a quem determina o que pode ser considerado investigação

educacional tem merecido a reflexão de diversos autores (Adler, 1998; Cochran-Smith e

Lytle, 1999a; Dadds, 1998; Jaworski, 1998; Winter, 1998), não havendo uma resposta

conclusiva. No entanto, em todos, parece haver uma certa concordância de que a universidade

e as instituições ligadas à investigação não podem ter o monopólio da realização da

investigação – apesar do grande poder que estas instituições têm para definir o que pode ser

considerado investigação válida (através dos graus académicos que concedem, daquilo que

consideram com qualidade para se publicar ou dos projectos que decidem financiar). O

progressivo alargamento do grupo daqueles que realizam investigação educativa – no qual se

incluem, cada vez em maior número, os professores – fez com que a aceitação de um trabalho,

104

como podendo ser classificado de investigação educacional, dependa dessas novas

comunidades, na base da negociação de novas regras (Winter, 1998). Assim, os critérios de

qualidade da investigação realizada no contexto académico sofrem alterações, para se

adaptarem a uma nova prática social. Para ultrapassar estas dificuldades, Ponte (2002a)

propõe aquilo que designa por critérios de qualidade, que no caso da investigação realizada

por professores não tem que ter como referência os cânones da investigação académica. O

autor sugere, então, os seguintes critérios:

Critérios A investigação...

Vínculo com a prática

... refere-se a um problema ou situação prática vivida pelos actores.

Autenticidade ... exprime um ponto de vista próprio dos respectivos actores e a sua articulação com o contexto social, económico, político e cultural.

Novidade ... contém algum elemento novo, na formulação das questões, na metodologia usada, ou na interpretação que faz dos resultados.

Qualidade metodológica ... contém, de forma explícita, questões e procedimentos de recolha de dados e apresenta as conclusões com base na evidência obtida.

Qualidade dialógica ... é pública e foi discutida por actores próximos e afastados da equipa.

Quadro 1 – Critérios de qualidade da investigação sobre a prática (Ponte, 2002a, p. 22)

As questões como a objectividade e a validade da investigação ganham, face às novas

formas e protagonistas, novos significados. O conceito de validade da investigação, muito

relacionado com a questão da objectividade, deve ter como alternativa o de qualidade (Dadds,

1998; Jaworski, 1998; Ponte, 2002a). A busca da objectividade na investigação é baseada no

pressuposto de que existe uma única verdade que pode ser descoberta pelo investigador. Pelo

contrário, algumas novas formas de investigação assumem que o conhecimento é construído

de uma forma interactiva e admite a possibilidade de múltiplas “verdades” (Schroeder e

Webb, 1997). Assim, parece mais oportuno apostar em critérios de qualidade para este tipo de

investigação, em vez de se entrar na discussão de questões que estão à partida marcadas por

uma determinada orientação paradigmática.

105

Investigação da prática e investigação-acção

Ao longo do tempo foram sendo utilizadas numerosas expressões para se referirem à

investigação realizada por professores; desde logo o professor investigador (teacher

researcher), investigação-acção (action-research) ou investigação sobre a prática. Na

literatura sobre o assunto, em língua inglesa, onde existe maior tradição da abordagem ao

tema, surgem a par destes mesmos outras expressões que se ligam com a realização de

investigação por professores. Sem pretender ser exaustivo, pode-se referenciar a seguinte

terminologia e os autores que a utilizam:

– Action research (Adler, 1992, 1997; Cochran-Smith e Lytle, 1999a, 1999b; Elliott,

1990, 1997; Jaworski, 1998);

– Teacher reseracher (Elliott, 1990; Jaworski, 1998; Olson, 1997);

– Colaborative research ou colaborative action research (Christiansen et al., 1997;

Garrido et al., 1999; Stewart, 1997);

– Practitioner research (Brown, 1997; Dadds, 1998; Fraser, 1997);

– Pratical inquiry (Richardson, 1994);

– Pratice-basead inquiry (Ebbutt e Elliott, 1998);

– Critical practitioner inquiry (Zeichener et al., 1998).

A grande diversidade terminológica deixa transparecer, por um lado, algumas

divergências conceptuais entre os autores, fruto de abordagens teóricas e contextos de prática

distintos. Por outro lado, é frequente o mesmo autor fazer uso de termos diferentes, até no

mesmo texto, assumindo uma relação que pode ir desde a sinonímia até à proximidade

conceptual. A análise das expressões e dos significados que os investigadores, explícita ou

implicitamente, lhes atribuem, deixa ver que aquilo que as liga é mais forte do que aquilo que

as distingue. Apesar dos múltiplos pontos de contacto, parece, neste momento, ser importante

operar uma clarificação conceptual, centrando a atenção em duas ideias que emergem com

mais notoriedade. Uma com longa tradição, que não é exclusiva da Educação: a

investigação-acção. A outra, que abarca grande parte das realidades a que referem as

expressões anteriores e que está num movimento ascendente: a investigação sobre a prática.

Ponte (2002a) chama a atenção para o facto de que embora sejam duas ideias muito próximas

– porque ambas envolvem professores em processos de investigação – estão em jogo duas

106

concepções diferentes deste processo intelectual, especialmente ao nível dos objectivos e dos

resultados:

(i) uma, “normativa” e carregada de preocupações ideológicas – a investigação serve para atingir certos fins, pré-determinados à partida, de transformação social; (ii) a outra, questionante e problematizadora – a investigação é um processo que tem origem dentro de uma prática e que não se subordina necessariamente a agendas exteriores. (Ponte, 2002a, p. 11) A investigação-acção tem uma longa tradição. Noffke (1997a) destaca dois nomes que

se evidenciaram no desenvolvimento da investigação-acção, nos Estados Unidos: John

Collier, comissário para os assuntos Índios, no período 1933-1945, com grandes interesses na

Educação desta comunidade; e Kurt Lewin, refugiado judeu fugido ao regime nazi, a quem é

atribuída a cunhagem da expressão investigação-acção. Em ambos os casos se destaca o uso

desta forma de investigação para a construção de uma teoria capaz de resolver problemas

sociais.

A mudança social e a intenção de actuar sobre a sociedade, tornando-a mais justa e mais

democrática, são ideias fortes deste movimento. Lewin ambicionava a uma ciência social que

integrasse a teoria social e a acção social, na qual a investigação-acção desempenhasse um

papel de charneira (Noffke, 1997a). A associação da investigação-acção à mudança da

sociedade pode facilmente perceber-se pelos temas dos estudos desenvolvidos na época, como

o trabalho com minorias, a segregação racial ou o pluralismo de ideais. A investigação-acção,

além de ter uma forte preocupação com a acção social, através da identificação e resolução

dos problemas sociais, procura envolver os protagonistas neste processo, numa relação de

colaboração.

Este movimento chega ao ensino e aos professores, no Reino Unido, na década de

sessenta, pelas mãos de Stenhouse, fortemente influenciado pelos trabalhos de Lewin (Brown,

1997; Elliott, 1990, 1994, 1997; Noffke, 1997a, 1997b; Noffke e Brennan, 1997). As

referências ao professor como investigador já tinham surgido antes nos Estados Unidos

(Brown, 1997), embora o autor sublinhe a contestação que estes trabalhos tiveram por parte

das universidades, especialmente a partir da década de cinquenta. Apesar do consistente

trabalho de Stenhouse no campo da investigação-acção, através de projectos de

desenvolvimento curricular, só desde o início da década de 90 se verifica no seio da AERA

um forte interesse pelo estudo do professor como investigador (Cochran-Smith e Lytle,

1999a). O mesmo aconteceu em relação à Matemática, levando mesmo Zack (1997) a

107

considerar que as referências na literatura são ainda em número pouco substancial. No seio do

PME, o interesse pela análise desta temática deu origem, no final da década de oitenta, à

criação de um grupo, iniciado por Stephen Lerman e Rosalinde Scott-Hodgens. Do trabalho

deste grupo resultou a publicação de um livro intitulado Developing pratice: Teachers´

inquiry and educational change, editado por Vicky Zack, Judy Mousley e Chris Breen, que

nos seus dezoito capítulos aborda a problemática da investigação realizada por professores,

em diferentes contextos e com finalidades diversificadas.

Com a implantação mais forte da investigação-acção no ensino voltaram as

preocupações quanto à sua definição neste contexto. A investigação-acção é, para alguns, uma

forma de investigar a experiência profissional e, nesse sentido, considerada como uma

extensão à actividade do professor e não como uma adição (Winter, 1996). Para Noffke

(1997a) a investigação-acção é um meio de estabelecer pontes para cobrir o hiato entre a

teoria e a prática, relacionando-as de forma dialéctica na resolução de problemas educativos.

A autora, ao identificar os seus elementos-chave, salienta que a investigação-acção é

conduzida no ambiente natural, por aqueles que aí desenvolvem a sua acção, lado a lado com

outros profissionais, no estudo de questões que são mais determinadas pelos profissionais do

que pelos investigadores. Kemmis (1993), uma das referências mais fortes neste campo,

define a investigação-acção desta forma:

A investigação-acção é uma forma de pesquisa auto-reflectida, realizada pelos participantes em situações sociais (incluindo situações educacionais) com vista a melhorar a racionalidade e a justiça: (i) das suas práticas sociais ou educacionais; (ii) da sua compreensão dessas práticas; e (iii) das situações em que essas práticas têm lugar. (p. 177) No mesmo sentido, e procurando dar uma definição extensiva do conceito, Elliott

(1990) refere que a investigação-acção de professores está direccionada para a realização de

um objectivo educacional, está focada na mudança das práticas de forma a torná-las mais

consistentes com esse objectivo, problematiza as teorias tácitas que estão implícitas nessas

práticas e envolve os profissionais (no caso os professores) no processo de investigação.

Elliott (1990) sistematiza, em oito pontos, as características fundamentais da

investigação-acção aplicada às escolas e aos professores:

1. A investigação-acção nas escolas analisa as acções humanas e situações sociais

experimentadas pelos professores como: (a) inaceitáveis em alguns aspectos

108

(problemáticas); (b) susceptíveis de mudança (contingentes); (c) que requerem uma

resposta prática (prescritivas). (p. 24)

2. O propósito da investigação-acção consiste em aprofundar a compreensão do

professor (diagnóstico) do seu problema. Portanto, adopta uma postura exploratória,

perante quaisquer definições iniciais da sua própria situação que o professor pode

manter. (p. 24)

3. A investigação-acção adopta uma postura teórica segundo a qual a acção

empreendida para mudar a situação se suspende temporalmente para conseguir uma

compreensão mais profunda do problema prático em questão. (pp. 24-25)

4. Ao explicar “o que aconteceu”, a investigação-acção constrói um “guião” sobre o

facto em questão, relacionando-o com um contexto de contingências mutuamente

interdependentes, ou seja, os factos agrupam-se porque a ocorrência de um depende da

presença dos demais. (p. 25)

5. A investigação-acção interpreta “o que aconteceu” do ponto de vista de quem actua e

interactua na situação problemática, por exemplo, professores e alunos, professores e

director. (p. 25)

6. Como a investigação-acção considera a situação do ponto de vista dos participantes,

descreverá e explicará “o que acontece” com a mesma linguagem utilizada por eles, ou

seja, com linguagem de sentido comum que as pessoas usam para descrever e explicar

as acções humanas e as situações sociais da vida diária. (p. 25)

7. Como a investigação-acção contempla os problemas do ponto de vista dos que estão

implicados neles, só pode ser válida através da comunicação entre os participantes. (p.

26)

109

8. Como a investigação-acção inclui o diálogo livre entre o “investigador” (tratando-se

de um estranho ou de um professor/investigador) e os participantes, deve haver um

fluxo livre de informações entre eles. (p. 26)

Introduzindo na definição de investigação-acção a questão dos resultados deste

processo, equilibrando desenvolvimento do professor através da compreensão do seu trabalho

e resolução de dificuldades da prática, alguns autores advertem para a necessidade de não se

minimizar os seus contributos para o conhecimento educativo. Assim, Elliott (1990) e Ebbutt

e Elliott (1998) chamam a atenção para o facto de que a investigação-acção não se limita à

reflexão e indagação de problemas da prática, nem, tão pouco, pode ser simplesmente

associada à resolução desses problemas. Elliott (1990) defende que “a investigação-acção

implica também a elaboração teórica sobre os problemas práticos em situações concretas” (p.

135). O autor sublinha ainda que:

O desenvolvimento profissional do professor depende, em certa medida, da capacidade de compreender o curso que deve seguir a acção em cada caso (...) o conhecimento procedente de anteriores experiências de casos semelhantes pode sensibilizar o professor em relação às características relevantes da situação actual. (p. 176) Por isso, requer que os professores, de uma forma sistemática, desenvolvam

constantemente o seu conhecimento profissional como parte integrante do conhecimento

educativo: “[A investigação-acção é um] processo de investigação da sua própria prática

através da qual geram, de uma forma reflexiva, a sua teoria em vez de consumirem a teoria

gerada por especialistas em outros contextos” (Ebbutt e Elliott, 1998, p. 206). Também

Winter (1998) argumenta no mesmo sentido, afirmando que a investigação descentraliza a

produção de conhecimento, correspondendo a um modo de auto-questionamento da

experiência, que habilita para a aprendizagem a partir dela. Preocupado também com as

questões de equidade social, o autor defende que a investigação-acção é uma forma de os

professores romperem com as prescrições e reclamarem uma atitude mais interventiva,

fazendo “ouvir a sua voz”.

O movimento do professor que investiga a sua prática em ambientes colaborativos tem

vindo, progressivamente, a afirmar-se, tanto internacionalmente como em Portugal. Os livros

Developing pratice: Teachers´ inquiry and educational change (Zack et al., 1997) e Reflectir

e investigar sobre prática profissional (GTI, 2002) são disso bons exemplos. O livro

110

português apresenta um conjunto de trabalhos de investigação de professores que investigam

as suas próprias práticas com o objectivo primeiro de as questionarem e problematizarem,

avançando, assim, na sua compreensão. Ao contrário dos trabalhos segundo a lógica da

investigação-acção, não existe, à partida, um objectivo de mudança das práticas bem

delineado. Nestes trabalhos, a mudança em vez de ser o leitmotiv do trabalho de investigação

é uma eventual consequência resultante da reflexão que os professores envolvidos fazem dos

resultados alcançados.

Modalidades e tipos de investigação de professores

Nos projectos de investigação-acção, mais do que nos projectos de investigação sobre

a prática, é possível apontar dois níveis ou ordens de participantes. Na verdade, alguns autores

distinguem os professores das escolas (inside researchers) e os investigadores (outside

researchers), quando aqueles estão empenhados em projectos de investigação-acção (Adler,

1997; Elliott, 1990; Jaworski, 1998; Losito et al., 1998; Stenhouse, 1975). O facto de estes

profissionais trabalharem em conjunto, apoiando-se mutuamente, não invalida que para além

de alguns objectivos comuns, possa haver outros objectivos que são específicos de cada

grupo. É com base nestes objectivos que Elliott (1990) distingue a investigação de primeira

ordem (desenvolvida pelos professores com o apoio de investigadores) da investigação de

segunda ordem (desenvolvida por investigadores).

A investigação de primeira ordem desenrola-se em torno de problemas, questões e

dilemas dos professores e tem em vista o aprofundamento da compreensão dos professores

sobre as suas realidades – e dessa forma contribuir para a génese do conhecimento didáctico

que apoie a resolução dos problemas da prática. Neste nível ou ordem de investigação, o grau

de colaboração e envolvimento dos investigadores com os professores é variável, podendo ir

desde a reduzida intervenção, na procura de um ambiente naturalista (Jaworski, 1998), até à

parceria, através da divisão de tarefas e negociação de poderes (Christiensen et al., 1997;

Losito et al., 1998).

A investigação de segunda ordem, realizada principalmente por investigadores, procura

estudar a investigação de primeiro nível, isto é, pretende compreender a forma como o

projecto funciona, identificando-se dificuldades e problemas surgidos. Do mesmo modo,

Adler (1997) refere as duas ordens de investigação: uma desenvolvida pelos professores, que

111

visa a resolução de problemas e origina um “conhecimento localizado”, que denomina de

pratical inquiry; a segunda ordem, desenvolvida pelos investigadores profissionais, tem um

carácter mais conceptual e gera um tipo de conhecimento com maior grau de generalidade, a

que chama formal research.

Num projecto de investigação conduzido por Jaworski (1998), a autora, apesar de

reconhecer a sua natureza colaborativa, diferencia objectivos diferentes para professores e

investigadores, a que correspondem diferentes enfoques da investigação: “O papel do

investigador universitário foi o de estudar os processos e as práticas da investigação realizada

pelos professores. Os professores planeavam e conduziam investigação nas suas próprias

classes” (p. 11). A autora, para designar as duas ordens da investigação utiliza as expressões

investigação-acção de nível local – em que os principais protagonistas são os professores – e

investigação-acção de nível global – em que os principais protagonistas são os

investigadores.

Os investigadores quando reflectem sobre a forma de promover o envolvimento dos

professores na investigação, estão eles próprios a investigar as suas próprias práticas. Este é o

argumento que apresentam Losito et al., (1998), na linha de Elliott (1990), especificando que

nesse caso o investigador está a desenvolver investigação-acção de primeira ordem – embora

com um outro foco, ou seja, os problemas que são colocados pela actividade no seio do grupo

de trabalho do projecto: “Quando os investigadores/formadores de professores reflectem

sobre as melhores estratégias para desenvolverem as capacidades reflexivas dos professores,

são eles próprios investigadores de primeira ordem” (Losito et al., 1998, p. 222). Num outro

sentido, estes autores subscrevem a ideia de que os professores podem também desenvolver

investigação-acção de segunda ordem, colaborando com os investigadores para a

compreensão do próprio processo de investigação-acção. Deste modo, as diferenças entre

investigação de primeira e segunda ordens ficam mais esbatidas, bem como os papéis que

assumem os seus protagonistas. Esta é, também, uma diferença entre os projectos de

investigação-acção e os projectos de investigação sobre a prática. Nos primeiros existe uma

maior diferenciação entre papéis, estando reservado ao professor uma acção mais prática

(incluindo novas compreensões das situações, mas essencialmente ligada à resolução dos

problemas profissionais) e ao investigador uma atitude mais teórica e conceptual. Nos

projectos de investigação sobre a prática, dada a sua forte natureza colaborativa, essas

diferenças são muito menos nítidas.

112

Numa outra dimensão, é possível olhar os projectos de investigação-acção procurando

descortinar as orientações epistemológicas que lhes estão subjacentes. Segundo Elliott (1990),

a investigação-acção não constitui, por si mesma, um paradigma de investigação à parte, ou

seja, não pode ser distinguida em termos paradigmáticos de outras formas de investigação, no

que diz respeito aos métodos de recolha e análise de dados. Este autor argumenta que os

projectos de investigação-acção podem ser influenciados pelos princípios dos paradigmas

positivista, interpretativo e crítico, visão também partilhada por Zuber-Skerritt (1996). Este

autor considera três modalidades de investigação-acção, dependendo do paradigma de

investigação que lhe serve de inspiração: (i) investigação-acção técnica; (ii)

investigação-acção prática; e (iii) investigação-acção emancipatória.

No primeiro tipo – investigação-acção técnica – tem-se em vista a eficácia do ensino

promovido pelo professor, através do apoio de um investigador profissional (facilitador) –

numa relação que prima pela dependência do professor. A investigação decorre segundo uma

lógica de processo-produto, ou seja o investigador aponta ao professor um determinado

processo de ensino para ser investigado – do qual se esperam regras que possam contribuir

para a melhoria da prática.

No segundo tipo, a investigação tem em vista o desenvolvimento profissional do

professor, através da reflexão, permitindo um alargamento da compreensão das realidades

educativas. O papel do investigador consiste na promoção da auto-reflexão do professor,

sendo que a relação entre ambos é de cooperação, não esclarecendo o autor o seu

entendimento deste conceito.

No terceiro tipo – investigação-acção emancipatória – tem-se como objectivo levar os

professores a analisarem de forma crítica as condições em que decorre o seu ensino (num

nível mais local) e do próprio sistema educativo onde estão integrados (num nível mais

amplo), para as mudarem e tornarem mais justas. A relação entre o investigador e os

professores baseia-se na colaboração – relação de um tipo mais elevado do que a cooperação

–, sendo o primeiro um moderador em todo o processo de investigação. A investigação-acção

emancipatória é sustentada pela teoria crítica, com raízes na Escola de Frankfurt.

Estas três modalidades de investigação-acção apoiando-se em diferentes paradigmas de

investigação – a investigação-acção técnica no paradigma positivista, a prática no

interpretativo e a emancipatória no crítico (Zuber-Skerritt, 1996) – implicam finalidades,

meios e práticas diferentes. Em comum têm o facto de envolverem professores que

113

investigam as suas próprias práticas, com o apoio de outros profissionais, principalmente

investigadores, e terem em vista – de forma mais ou menos explícita – o desenvolvimento dos

professores, da escola e da Educação. A investigação-acção de natureza prática é a que mais

se aproxima da investigação sobre a prática, tal como a concebe Ponte (2002a). A intenção de

mudança das práticas não está tão claramente definida à partida, sublinhando as ideias de

reflexão e auto-compreensão das realidades profissionais.

Relação professor/investigador

Dada a sua natureza, os projectos de investigação sobre a prática são muito sensíveis à

relação que se estabelece entre professores e investigadores. Diversos autores (Adler, 1997;

Elliott, 1997; Stewart, 1997) têm assinalado que esta relação é, em muitos casos, geradora de

problemas que podem pôr em risco o desenrolar do projecto. A diferente proveniência dos

participantes, as diferentes concepções e crenças que exibem, as diferentes linguagens que

usam para abordar os problemas educativos tanto podem constituir factores facilitadores – se

se souber tirar partido da riqueza da diversidade de cada um – como factores que avolumam

os problemas para ambas as partes. Para analisar a relação entre investigadores e professores,

Elliott (1990) propõe cinco dimensões susceptíveis de influenciar a concepção de um projecto

de investigação: (i) dimensão epistemológica; (ii) dimensão teoria-prática; (iii) dimensão

ética; (iv) dimensão política; e (v) dimensão ontológica.

A dimensão epistemológica diz respeito a questões que se prendem com a teoria do

conhecimento que está subjacente à concepção de um projecto de investigação e que tem

implicações evidentes no tipo de relacionamento entre professor e investigador. A dimensão

teoria-prática respeita às crenças e suposições relativas à forma como a teoria se relaciona

com as práticas sociais e ao papel de cada uma delas na actividade humana. A dimensão ética

liga-se com questões relativas ao acesso e uso da informação obtida no decorrer do projecto,

já que os “objectos” de estudo são pessoas e, como tal, devem ser tratadas com todo o

respeito. A dimensão política está conectada com o sistema ideológico no qual o projecto se

insere e que pode influenciar a relação entre os participantes. Embora alguns autores

mascarem esta última dimensão, reclamando uma neutralidade axiológica – tal como

assinalam Elliott (1990) e Noffke (1997a, 1997b) – ela está sempre presente de uma forma

mais ou menos explícita, sendo mais forte nos projectos de investigação-acção. Por último, a

114

dimensão ontológica prende-se com a natureza dos seres que participam de uma prática social

e com a ordem social na qual a actividade se desenrola.

Noffke (1997a), além da dimensão política, considera outras duas dimensões dos

projectos de investigação, que em cada caso podem ser mais ou menos acentuadas, consoante

as orientações e os objectivos que se tem em vista: dimensão profissional e dimensão pessoal.

Um programa de investigação com uma forte orientação para a vertente profissional está

preocupado com o desenvolvimento do professor, reconhecendo as potencialidades deste para

estabelecer pontes entre a teoria e a prática. A dimensão pessoal não enfatiza a actividade

política nem a actividade de produção de conhecimento, mas a autoconsciência do professor,

tanto como pessoa e como profissional (Zuber-Skerritt, 1996).

Tendo em consideração estas dimensões dos projectos de investigação-acção, Elliott

(1990) apresenta uma tipologia para o relacionamento entre o investigador (a quem chama de

agente externo) e o professor (que designa por agente interno):

• o agente externo como investigador especialista e não comprometido nas

práticas educativas versus o agente interno como praticante das actividades que

o agente externo investiga;

• o agente externo como observador-participante versus agente interno como

informador fiável;

• o agente externo como “agente naturalístico” versus o agente interno como

contribuidor com as suas preocupações e juízos pessoais;

• o agente externo como teórico crítico versus o agente interno como prático

auto-reflexivo;

• o agente externo como formador de professores reflexivo versus o agente interno

como professor reflexivo.

No primeiro tipo de relacionamento, o investigador estuda os professores, sem se

comprometer com as práticas educativas, por forma a não interferir com a realidade que

observa. Neste tipo de relação, o professor é um mero objecto de estudo, que o investigador

analisa de uma forma rigorosa e objectiva, para alcançar a “verdade” imanente aos dados

recolhidos. Uma das consequências deste tipo de relação entre professores e investigadores –

que se apoia nos ideais do paradigma positivista – é cavar um grande fosso entre a teoria e a

prática, definindo-as como campos divergentes: um da responsabilidade dos investigadores e

outro desempenhado pelos professores, numa relação de dependência.

115

A segunda relação funda-se na Antropologia Social, procurando compreender as

realidades a partir das perspectivas dos próprios participantes. Esta abordagem à investigação

partilha do positivismo o pressuposto de que os investigadores devem estar livres da sua

subjectividade pessoal, mas não aceita que “os fenómenos sociais possam descrever-se e

explicar-se com independência do significado subjectivo que têm para os seus protagonistas”

(Elliott, 1990, p. 308). Logo, o investigador adopta a postura de observador participante,

numa perspectiva naturalista – podendo envolver-se nas actividades dos participantes,

conversando com os mais “fiáveis” – com o objectivo de ganhar uma melhor posição para os

compreender. O conhecimento resultante deste tipo de investigação, embora expresso na

linguagem especializada do investigador, tem a colaboração dos protagonistas no seu

processo de elaboração.

A terceira forma de relacionamento integra o investigador não comprometido com a

situação estudada, procurando compreender os fenómenos sociais. No entanto, e ao contrário

da segunda, “não pode presumir que os protagonistas interpretem, expliquem e analisem as

suas práticas à luz de valores e normas compartilhadas” (p. 311). Os ideais democráticos,

fortemente impregnados neste tipo de relação, implicam um livre acesso dos participantes a

todos os dados recolhidos e às interpretações e explicações que o investigador apresenta para

elas. Esta questão levanta problemas éticos – pouco presentes nas abordagens anteriores –

com o uso que se faz dos dados recolhidos; esta utilização, nomeadamente a sua publicação,

deve ser alvo de negociação entre participantes e investigador.

O quarto tipo de relação – o agente externo como teórico crítico versus o agente interno

como prático auto-reflexivo – inspira-se nos trabalhos de Jurgen Habermas (1987). Neste, o

investigador tenta compreender as perspectivas dos participantes, mas em simultâneo propõe

“compreensões alternativas” que poderão ser verificadas pela investigação. Esta abordagem

tem, por um lado, objectivos emancipatórios, e, por outro, visa a mudança da ordem social,

que considera injusta. Neste movimento, os investigadores devem dar condições aos

participantes para que assumam um papel reformador e favoreçam uma mudança debaixo

para cima.

A última forma de relacionamento proposta por Elliott (1990) surge no quadro da

investigação-acção, em que os participantes – no caso os professores – desenvolvem uma

postura reflexiva relativamente às suas práticas, investigando-as de uma forma sistemática, na

procura de novos sentidos. O autor sustenta que o investigador externo – em muitos casos,

116

professores do ensino superior – exerce a sua função de formador de professores – mesmo que

tal não esteja explícito –, uma vez que actua no sentido de promover um contexto que

favoreça o desenvolvimento daqueles profissionais: “Os agentes externos associados à

investigação-acção educativa actuam como formadores de professores que interpretam o

papel de facilitadores do desenvolvimento das capacidades reflexivas dos professores”

(Elliott, 1990, p. 319). O autor admite que os professores podem desempenhar, nesta relação,

investigação de primeira ou de segunda ordem, consoante investigam a sua prática com a

colaboração do investigador ou colaboram com o investigador na compreensão dos processos

que atravessam o projecto de investigação. No projecto MTE (Mathematics Teacher Enquiry

Project) – coordenado por Jaworski (1997, 1998) – os professores investigadores estudaram

os processos e as práticas da investigação conduzida pelos professores enquanto estes, embora

apoiados, dispuseram de uma grande margem de manobra na condução das suas

investigações, nomeadamente na formulação de questões. A autora sublinha que “o papel dos

investigadores universitários neste projecto foi principalmente estudar a investigação dos

professores” (Jaworski, 1998, p. 28), assumindo uma postura de investigadores pouco

intervenientes, fomentando a autonomia dos professores e privilegiando uma perspectiva

naturalista.

Aos cinco tipos de relacionamento, poder-se-ia juntar um sexto, que bebe dos

princípios da investigação sobre a prática – uma vez que envolve os professores na

investigação das suas próprias práticas – assumindo uma natureza fortemente colaborativa,

colocando-se professores e investigadores ao nível da parceria (Christiansen et al., 1997;

Olson, 1997). Professores e investigadores envolvem-se num tipo de relação baseada na

partilha de tarefas e responsabilidades, como iguais, através da negociação e divisão

equilibrada de poderes. Alguns autores (Garrido et al., 1999; Pérez et al., 1998) argumentam

que só parcialmente se pode atingir este tipo de relação, uma vez que as concepções dos

professores e dos investigadores, relativas aos papéis que cada um pode desempenhar, ao tipo

de conhecimento que podem partilhar com o grupo e mesmo ao estatuto profissional, induzem

na relação uma grande assimetria.

117

Negociação e comunicação na investigação

Parece natural supor que os projectos de investigação de natureza colaborativa,

envolvendo professores, dependem em muito da negociação e da comunicação que se

estabelece entre os membros da equipa. Mas de que modo se entende a negociação? E a

comunicação, que papel é que desempenha no desenvolvimento dos projectos de

investigação? E que relação se pode estabelecer entre a negociação e a comunicação?

A negociação pode ser definida de diversas formas. Hookey et al. (1997) sustentam que

ela pode ser vista como um processo para chegar à solução de um problema ou de um

conflito. Pode também ser concebida como um processo que ocorre nas interacções sociais

usuais da vida do dia-a-dia. A partir das negociações que ocorreram num projecto de

investigação colaborativa, Hookey et al. (1997) apontam ainda o seu carácter recursivo, pois

algumas questões foram alvo de renegociação ao longo do tempo, sendo amadurecidas, de

modo a que houvesse disponibilidade para seguir as melhores ideias. Indica, também, serem

as negociações assimétricas, atendendo a diferentes tipos e níveis de participação de cada um

dos participantes, dependendo do tema em discussão ou da tarefa proposta. Baseada no

trabalho que desenvolveu, aponta alguns aspectos que podem ser alvo de negociação: (a)

iniciação de uma relação de trabalho; (b) determinar propósitos comuns; (c) estabelecer

contextos de apoio; (d) manutenção da relação; e (e) alargar os propósitos comuns. O início

do trabalho é, talvez, a fase mais importante da relação colaborativa, jogando-se neste período

muito do que pode vir a ser alcançado no futuro. É altura de discutir porque se está iniciar o

trabalho e como é que se pensa que o trabalho pode decorrer.

A procura de propósitos comuns corresponde a outra questão que deve ser sujeita a

negociação, logo desde o início do trabalho colaborativo, o que implica que os participantes

tenham disponibilidade para ouvirem cuidadosamente o que os outros membros têm para

dizer, quais são as questões que os preocupam, quais são as dificuldades que os assustam ou

quais são os seus interesses.

A negociação dos contextos que permitam que o projecto possa decorrer sem

constrangimentos é outra tarefa da equipa. Uma vez que os projectos decorrem normalmente

em escolas, e envolvem professores, é necessário negociar e conciliar espaços e tempos de

trabalho em comum.

118

Os últimos aspectos sobre os quais pode recair a negociação estão relacionados entre si,

uma vez que se prendem com novos rumos a tomar, no curto ou no médio prazo; o propósito

inicial é, assim, alvo de uma constante renegociação ao longo do projecto, definindo-se

aspectos que é necessário aprofundar ou, pelo contrário, que é de deixar cair.

Em todo o processo de negociação, a comunicação representa um aspecto central,

porque é muito pelo que se diz, se questiona, se discute, se lê e se escreve que ela é levada à

prática. Embora Hookey et al. (1997) tenham enfatizado a negociação das questões

processuais do projecto colaborativo, há outros aspectos a considerar. Tão importante como

aquela, é a negociação de significados, também através da comunicação, permitindo a

construção de conhecimento no seio do grupo. Com este entendimento se pronuncia Stewart

(1997), ao sublinhar que “questionar, reflectir e falar são centrais para a construção do

conhecimento e para os processos de pesquisa colaborativa” (p. 44). É na discussão no seio do

grupo, através da conversa, na forma de discurso, que os professores procuram encontrar

sentido para as suas experiências diárias, de uma forma partilhada, negociada e tendo como

suporte as interacções sociais. Esta é também a tese perfilhada por Christiansen et al. (1997),

ao escreverem que o discurso (talk) “é o mediador entre a experiência e o sentido. O discurso

na colaboração tem propósito; ele serve para descrever e produzir sentido à nossa realidade

quotidiana” (p. 285). Estas ideias apoiam-se nas perspectivas do interaccionismo, enquanto

teoria de aquisição de conhecimento (Bauersfeld, 1994; Blumer, 1998), em que se defende

que a comunicação, através do discurso, permite a negociação de significados para a nossa

experiência. Nesta perspectiva, o conhecimento assume uma natureza discursiva, sendo

através da conversa que se partilham significados (Sierpinska, 1998).

Embora defenda um papel activo para o professor na geração do seu conhecimento,

Elliott (1990) atribui à comunicação um papel um pouco diferente, uma vez que existe uma

direcionalidade para a compreensão das coisas – o professor que veicula essa compreensão,

em vez de se avançar para a compreensão partilhada por todos:

Através do discurso, o investigador pode apelar à “compreensão” do professor. Esta solução face ao habitual problema de comunicação entre professores e investigadores tem duas consequências fundamentais. Em primeiro lugar, ao comprometer os professores no diálogo e apelar à sua “compreensão”, a investigação-acção submete-se ao seu juízo. Num certo sentido, a investigação-acção na aula só pode validar-se no diálogo com os professores. Portanto, compromete-os como participantes activos na génese do conhecimento gerado pela investigação. Em segundo lugar, ao tornar possível o diálogo, a

119

investigação-acção facilita que os professores a empreguem como ferramenta para despertar a sua consciência e a sua compreensão do que fazem na aula. Este auto-conhecimento é, do meu ponto de vista, o centro do processo de desenvolvimento profissional. (Elliott, 1990, p. 204) O autor vê no discurso entre professores e investigadores uma forma de validar os

resultados da investigação, uma vez que foram submetidos ao “juízo” dos participantes. O

papel da comunicação para a construção do conhecimento profissional coloca-se na medida

em que através do discurso, oral e escrito, se consegue chegar a consensos – tanto no interior

da equipa do projecto como junto de comunidades mais alargadas. Esta é a forma, através da

comunicação, de fazer com que o conhecimento dos professores passe da esfera privada – de

onde não sai, na maior parte dos casos – para a esfera pública, passando assim a ganhar maior

legitimidade (Brooker e Macpherson, 1999). Colocam-se pois algumas questões: Como

comunicar a investigação? Como torná-la pública? Que meios são legítimos usar?

Diversos autores têm-se debruçado sobre o problema da divulgação da investigação de

cariz colaborativo (Brooker e Macpherson, 1999; Elliott, 1990; Philips, 1997; Smith, 1997).

Smith (1997) classifica os relatos de investigação quanto ao formato, em verbal (orais ou

escritos) ou documental (vídeos, fotografia) e de acordo com o seu grau de formalidade, em

formal ou informal. Insatisfeitos com o conteúdo de alguns tipos de relatos de investigação,

que apelidam de “descrições pictorescas” – uma vez que não contextualizam minimamente o

estudo efectuado – Brooker e Macpherson (1999) propõem que aqueles relatos devem conter

os seguintes elementos: contexto, propósito, interesse da investigação; identificação das

fontes de dados; análise; e sugestões. Defendem que estes elementos são fundamentais no

relato – sem com isso lhe conferir necessariamente um formato académico – para que a

investigação se torne inteligível para quem não participou no projecto.

Problemas, dificuldades e tensões nos projectos de investigação

A consecução dos projectos de investigação de natureza colaborativa tem-se mostrado

difícil, tendo alguns autores apontado diversos entraves, constrangimentos, problemas e

mesmo dilemas (Adler, 1997; Dadds, 1998; Elliott, 1990; Garrido et al., 1999; Jaworski,

1998; Pérez et al., 1998; Valero et al., 1997).

Uma fonte de problemas e tensões é o confronto das expectativas dos professores –

baseadas nas suas concepções do que é a investigação educacional, dos seus processos, dos

120

seus resultados, da relação entre estes e o ensino – com a realidade das práticas no seio do

projecto, emergindo em alguns casos sentimentos de frustração que podem comprometer a

continuidade do trabalho (Garrido et al., 1999; Pérez et al., 1998; Valero et al., 1997). Este

problema faz com que o debate das expectativas dos participantes seja um dos pontos de

partida dos projectos e se abordem questões como: Por que razão estamos aqui? O que é que

vamos fazer no projecto? O que é que esperamos atingir? Alguns autores chamam a atenção

para a tendência de os professores verem os investigadores como especialistas, uma espécie

de fonte de conhecimento, alguém que tem a solução para todos os seus problemas (Pérez et

al., 1998). No mesmo sentido se pronunciam McTaggart et al. (1997), ao sublinharem que a

investigação é difícil de aprender, sendo fácil surgirem resistências à sua aplicação.

Acrescentam que as pessoas no mundo ocidental não são tipicamente introspectivas ou

reflexivas, não estão motivadas para trabalharem em conjunto ou para operar mudanças

profundas no seu meio profissional. Além do mais, a recolha de dados é uma tarefa pesada,

bem como a teorização, especialmente nos ambientes de agitação das escolas (McTaggart et

al., 1997). Como resultado, as pessoas adoptam uma postura defensiva, trabalhando em áreas

em que se sentem confortáveis e competentes, individualmente ou em grupos muito restritos.

Esta atitude dos profissionais é, segundo aqueles autores, também uma realidade para os

professores que, por vezes, mostram algum desconforto quando são confrontados com

situações que fogem ao seu controlo.

Outros autores falam de constrangimentos à investigação que, no caso de não serem

ultrapassados de forma satisfatória por todos, se podem vir a transformar em problemas para a

equipa (Dadds, 1998). Por exemplo, a questão do tempo surge como um forte

constrangimento, uma vez que a actividade dos professores é cada vez mais alargada e

exigente, tal como acontece com a própria actividade de investigação (cf. Hargreaves, 1998).

Para debelar este entrave, alguns defendem que é de integrar a investigação nas práticas dos

professores de uma forma orgânica, de modo a não constituir uma grande sobrecarga para os

profissionais (Dadds, 1998). Para além disso, a insuficiência de apoios financeiros à

realização de projectos de investigação é um entrave óbvio, principalmente para projectos que

envolvem mais meios.

As culturas política e institucional, no seio das quais se desenvolve o projecto, podem

também ter um papel decisivo no seu curso, uma vez que na generalidade dos casos não

sustentam uma visão activa e empreendedora dos professores. Adler (1997) concretiza este

121

constrangimento à investigação, evidenciando o isolacionismo que caracteriza a cultura

profissional dos professores. Por outro lado, as epistemologias e paradigmas dominantes da

investigação, em Educação, continuam a sobrevalorizar um conhecimento normativo e,

generalizável – para o qual os professores não contribuem. Dadds (1998) explica que existe

um certo “separatismo das epistemologias”, uma vez que se auto-excluem no papel de teorias

que suportem um tipo de conhecimento que se considere válido para o ensino, sendo que a

concepção dominante traduz uma visão técnica do conhecimento (Adler, 1997).

A propósito do papel que o investigador pode ter num projecto de investigação no apoio

aos professores, Elliott (1990) discute alguns problemas que assumem, no seu entender, um

carácter dilemático. O autor sublinha que o exercício, pelo investigador, do papel de

facilitador se traduz num processo de resolução de dilemas. O autor apresenta alguns deles:

Quem define as questões a investigar, os professores ou os investigadores? Outro dilema tem

a ver com os objectivos que se pretendem com a própria investigação. O que é que se

privilegia? É o processo investigativo, com possíveis reflexos no desenvolvimento

profissional dos professores ou o produto dessa investigação – entendido como um conjunto

de conhecimentos que podem contribuir para um alargar da compreensão do ensino e da

aprendizagem da Matemática? O autor defende que a investigação deve apontar para os dois

objectivos, sob pena de se reduzir a uma mera actividade de resolução de problemas, de

avaliação ou reflexão.

Síntese

A relação dos professores com a investigação tem sido marcada por um certo

distanciamento, embora muitos deles reconheçam nela uma importante fonte de normas e

conhecimentos sobre Educação. No entanto, nos últimos anos, tem vindo a aumentar a

participação dos professores em projectos de investigação de natureza colaborativa,

envolvendo diversos interlocutores, nomeadamente, investigadores e educadores de

instituições de ensino superior. O incremento destes projectos parte do pressuposto que a

investigação tem boas possibilidades de se assumir como um meio de desenvolvimento

profissional dos participantes – tornando-os protagonistas no desenvolvimento curricular e

das próprias instituições educativas – e, em simultâneo, contribuir para a construção do

conhecimento educativo.

122

A investigação realizada pelos professores sobre os problemas emergentes das suas

práticas profissionais não tem que seguir os mesmos cânones da investigação académica –

uma vez que perseguem objectivos diferentes. No entanto, é importante que se garanta que ela

preenche um conjunto de requisitos que a distinguem da simples reflexão e que lhe dêem

credibilidade. Gerar conhecimento original, assentar em metodologia rigorosa e ter um

carácter público são critérios que recolhem apreciável consenso junto da comunidade

educativa que se dedica ao estudo desta problemática.

Para além da reflexão aprofundada e sistemática, a investigação realizada por

professores assume muitas vezes as formas de investigação-acção ou de investigação da

prática, movimentos com diferentes raízes, objectivos e formas de concretização. A

investigação-acção é marcada por preocupações ideológicas e tem na transformação social um

objectivo central, normalmente definido à partida. Já na investigação sobre a prática, os

professores assumem uma postura essencialmente questionante e problematizadora, podendo

as mudanças ocorrer como consequência e não como meta inicial.

Nos projectos investigação de natureza colaborativa, professores e investigadores

desempenham papéis diversificados. O investigador pode assumir diversos níveis de

participação, desde o seu não comprometimento na situação até ao envolvimento longo e

continuado, numa situação de quase paridade, baseada na partilha e negociação de

responsabilidades. A negociação, associada à comunicação, assume nestes projectos um papel

importante, especialmente na partilha de significados e na construção do conhecimento

didáctico. O desenvolvimento destes projectos coloca diversas dificuldades, nomeadamente

como construir as relações de trabalho adequadas, corresponder às expectativas dos

participantes, lidar com a sua usual falta tempo e fazer face à ausência de apoios externos.

Apesar destas dificuldades e problemas, a investigação da prática tem vindo a ganhar terreno

entre os professores, assumindo-se como mais uma das suas actividades profissionais.