Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

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1 O AFERIMENTO DO EQUILÍBRIO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DIANTE DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA (FAZER SUMÁRIO) CAPÍTULO I 1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO CONSTITUCIONAL 1 INTRODUÇÃO. Com a evolução, o homem enfrentou novas necessidades, superando as necessidades cotidianas. Essa evolução deu-se mediante um ritmo histórico. Os costumes, principalmente nas pequenas comunidades, que viviam quase sempre isoladas, mantinham fortes tradições da sua cultura. Com isso a evolução era lenta, envolvendo gerações e gerações. Esse processo inovador, lento, avançava, em alguns períodos, mediante contatos com outras sociedades. Assim, o intercâmbio com outras comunidades diferentes resultava num aumento de novas necessidades, diversificando os meios para solucioná-las. Acolhidas as mudanças, estas se prolongava no tempo, permanecendo até que novo fato social viesse a modificá-las. Desta forma constinuava o avanço cultural, regulado apenas quanto a velocidade e intensidade das realizações. As necessidades do homem do nosso tempo se contrapõe a existência dos recursos para satisfazê-las, sendo que a limitação dos recursos naturais já é conhecido, quase insuperável, mesmo com a constante inovação gerada pela

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O AFERIMENTO DO EQUILÍBRIO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DIANTE DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

(FAZER SUMÁRIO)

CAPÍTULO I

1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO CONSTITUCIONAL

1 INTRODUÇÃO.

Com a evolução, o homem enfrentou novas necessidades, superando as

necessidades cotidianas. Essa evolução deu-se mediante um ritmo histórico. Os

costumes, principalmente nas pequenas comunidades, que viviam quase sempre

isoladas, mantinham fortes tradições da sua cultura. Com isso a evolução era lenta,

envolvendo gerações e gerações. Esse processo inovador, lento, avançava, em alguns

períodos, mediante contatos com outras sociedades. Assim, o intercâmbio com outras

comunidades diferentes resultava num aumento de novas necessidades, diversificando

os meios para solucioná-las. Acolhidas as mudanças, estas se prolongava no tempo,

permanecendo até que novo fato social viesse a modificá-las. Desta forma constinuava o

avanço cultural, regulado apenas quanto a velocidade e intensidade das realizações.

As necessidades do homem do nosso tempo se contrapõe a existência dos

recursos para satisfazê-las, sendo que a limitação dos recursos naturais já é conhecido,

quase insuperável, mesmo com a constante inovação gerada pela ciência tecnológica. A

tecnologia tenta de todas as formas substituir ou alongar o esgotamento dos recursos

naturais imprescindíveis às necessidades humanas, mas atualmente mostra-se quase

impotente. Com isso resta somente administrar o poucos recursos existentes, visando

superar a previsível fatalidade com que desponta o futuro da humanidade diante da falta

de recursos indispensáveis à sua sobrevivência. Tem-se pela frente o surgimento do

temor de total paralisação do processo econômico. Com isso nasce o conceito de

Economia, conjugando a vivência cotidiana de cada um, com suas necessidades e

grande número, expandindo-se indefinidamente, com a limitação dos recursos para o

seu atendimento.

A satisfação das necessidades humanas resulta na em atividade econômica, que

aplica métodos para a escolha dos bens para atender essas mesmas necessidades. Ao

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longo do tempo, o homem se preocupa com a limitação dos recursos essenciais à sua

sobrevivência.

Com a evolução lenta, o homem criou instrumentos que facilitaram suas

necessidades, como a colheita, a caça e as pesca.

As mudanças nos alicerces da sociedade, com o tempo, veio com a invenção de

instrumentos para o trabalho que utilizavam metais, tendo o ferro, cobre e bronze como

os principais.

Com o advento da revolução industrial, surgida na Grã-Bretanha no século

XVIII, importantes inovações modificaram s estruturas econômicas nas nações do

mundo, e o trabalho voltado para a produção de alimentos passou a ser distribuído em

outras atividades econômicas.

O desenvolvimento dos direitos econômicos, sociais e culturais está ligado com

o crescimento dos movimentos sociais. Os trabalhadores tiveram pela frente o

surgimento do capitalismo, cuja força de expansão era fortalecida pelo Estado, que por

sua vez não intervinha nas relações de trabalho que congregava os operários.

Assim, esses movimentos sociais perceberam a necessidade de se organizar para

buscar força e, deste modo, enfrentar os avanços do capitalismo que julgavam ser

exploradores. Passaram, então, a exigir do Estado uma intervenção nas relações entre

capital e trabalho que mitigasse a desigualdade existente; assim, a classe trabalhadora

procurou se unir, cuja estratégia foi a responsável pela garantia dos direitos que vieram

a proporcionar-lhes melhores condições sociais.

[...], os movimentos sociais do século XIX buscavam aprofundar

essa transformação em termos de proporcionar uma vida melhor

para as pessoas. As tensões sociais – identificadas com as

necessidades relacionadas a condições de trabalho, educação,

saúde, moradia, etc.-, trazidas ao campo político, marcaram o

século XIX, que instituiu e consolidou o sistema capitalista de

produção. A realidade européia do século XIX foi marcada,

portanto, pelo desenvolvimento do Capitalismo, em contraponto

com o aumento das insatisfações de grandes parcelas da sociedade

baseada no crescimento econômico conseguido através da

iniciativa privada – um mundo de contínuo progresso material e

moral -, o que se presenciava, na realidade, eram condições de

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vida muito difíceis para as maiorias trabalhadoras, embora fossem

grandes os contingentes populacionais beneficiados com a

expansão capitalista de meados daquele século.1

Desta forma, inverso à teoria liberal dos direitos fundamentais, que assegura a

autonomia individual do cidadão pela intervenção do Estado, desenvolveu-se a nova

teoria social dos direitos fundamentais, que

Seriam todos os direitos de liberdade acrescidos dos direitos de

intervenção do Estado, capazes de assegurar materialmente o

respeito à dignidade da pessoa humana,2 porque sem o acesso à

saúde, habitação, emprego, e outros dados sociais, a aspiração à

autonomia individual se transforma em exercício de retórica.3

Esse pensamento teórico trouxe uma mudança política e o Estado Liberal

transforma-se, vagarosamente, em Estado do Bem-Estar Social no século XX.

Historicamente, a primeira constituição a dispor de uma declaração sobre dos

direitos econômicos, sociais e culturais foi a Constituição Mexicana, de 1917, resultado

de processo revolucionário, que teve como objetivo instituir nova sociedade, tendo com

base o direito ao trabalho.

1.2 O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE CONSTITUIÇÃO.

O Direito Constitucional Econômico afere-se pelo entendimento do atual

conceito de Constituição, com dois pontos em destaques:

a) Em primeiro lugar, o Conceito de Constituição, vista esta enquanto

documento solene, jurídico e portador dos valores sociais maiores consagrados pela

sociedade, devem ser considerado em seus dois sentidos – o material e o formal;

b) Em segundo lugar, as transformações pelas quais passou o

constitucionalismo contemporâneo em seu aspecto material, e que tivera profunda

influência na denominada Teoria da Constituição, ciência-política que se vem

1 Cf. LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais, p 15-162 Cf. RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo, p. 313 Ibid., mesma página.

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desenvolvendo ao lado da Ciência Política, da Teoria do Estado e do próprio Direito

Constitucional, cujo objeto compreende exatamente, a análise do conceito, sua

elaboração, processos de mudanças formais e informais, conteúdo e classificação dos

textos constitucionais4.

Desta forma, a consequência reflexiva é a transformação das denominadas

Constituições Sintéticas (típicas do século XIX) para Constituições Analíticas, assim

entendidas estas últimas por serem formadas de um grande número de Títulos,

Capítulos, Artigos, Incisos e Parágrafos, impedindo que o texto seja reduzido, conciso,

sintético.

Esta modificação no conteúdo das Constituições resulta da elevação de novos

assuntos ao grau de valor constitucional, produzindo dois efeitos, a saber:

a) A questão econômica passa a ser protegida pela supralegalidade e pela

imutabilidade relativa, ou seja, sua alteração está sujeita ao processo legislativo previsto

pelos parâmetros delineados no denominado Poder de Reforma (CF, art. 60);

b) As normas infraconstitucionais de natureza econômica estão sujeitas ao

controle de constitucionalidade frente à Constituição e aos Princípios informadores da

Ordem Econômica previstos nessa mesma Constituição Federal (CF, arts. 170 a 192).

O atual sistema constitucional brasileiro promulgado a 05/10/88, segue o modelo

de constitucionalismo sócio-econômico iniciado com a nossa Constituição de 1934 e

que esteve previsto nas constituições subseqüentes.

Mesmo diante dos diversos conceitos apresentados pela Doutrina ( ex: HANS

KELSEN, GARCÍA PELAYO, CARL SCHIMITT, HERMANN HELLER, PINTO

FERREIRA e outros), temos que a análise da Constituição atinge seu objetivo pelo

prisma dos conceitos material e formal, pois que, o material traz-nos os conteúdos

ideológicos e sociológicos e, em conseqüência, filosóficos e históricos do documento.

RUDOLF SMEND no livro Constitución y Derecho Constitucional5 escreve

que “para la doctrina dominante la Constitución es, ante todo, una ordenación de la

formación de la voluntad de un grupo social y de la situación jurídica de sus miembros;

la Constitución de un Estado comprende, pues, las normas jurídicas que regulan los

órganos supremos del Estado, su formación, competência y relaciones mutuas, asi

como el status básico en el que se encuentra el individuo frente al Estado. La

4 Graças a estas transformações pode-se falar em uma Constituição Econômica, a partir da qual surgem os estudos de Direito Constitucional Econômico.5 Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1985, PP 129-130.

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Constitución dota el Estado de órganos que le facultan para querer y para actuar,

dándole a través de ellos una personalidad jurídica.

A esta concepción, característica Del positivismo y Del formalismo jurídico, se

opone otra concepción que considera a la Constitución como la ‘ley’ (no

necesariamente jurídica) que regula y ordena la vida política de un Estado. La

definición más radical en este sentido es la de Lasalle, para quien la verdadera

Constitución de un país no son más que las relaciones fácticas de poder reinante en él y

no el ‘pedazo de papel’ que representa la Constitución escrita”.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional6) sobre a

Constituição Material diz que “a fim de se tornar inteligível o conceito, convém partir

das seguintes distinções:

a) Constituição real (material), entendida como um conjunto de forças políticas,

ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e decisivamente condicionadoras

de todo o ordenamento jurídico.

b) Constituição formal: refere-se à constituição como acto escrito e solene que,

como fonte de direito, cria normas jurídicas hierarquicamente superiores (combinam-se

aqui os elementos atrás diferenciados de constituição normativa, de constituição formal

e constituição instrumental).

c) Constituição material (normativo-material) é o conjunto de normas que regulam

as estruturas do Estado e da sociedade nos seus aspectos fundamentais,

independentemente das fontes formais donde estas normas são oriundas”.

J. P. GALVÃO DE SOUZA no artigo intitulado Tensão entre a Norma e a

Realidade no Direito Constitucional7 afirma: “Se as leis pouco valem sine moribus,

sem estarem assentadas na realidade e no direito histórico, isto também é verdade em se

tratando da lei fundamental do Estado, mesmo na hipótese de um novo regime político a

estruturar quando importa ajustar instituições a um determinado meio, levando em conta

os hábitos sociais, as tradições locais e regionais, o caráter do povo, enfim todo um

background (conhecimento/experiência) psico-sociológico, político e econômico. Nesta

subestrutura se acha o que há de mais fundamental ou constitucional numa nação, a sua

constituição social, o suporte da constituição política. Essa última não deve ser um

6 Livraria Almedina, Coimbra, 1987, 4º ed., p. 64.7 Publicado no livro “A Historicidade do Direito e a Elaboração Legislativa”, São Paulo, 1970, p. 91.

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produto concebido aprioristicamente ou fabricada como um artefato, pois não é obra de

engenho mecânico, mas de prudência legislativa, se o legislador prudente sabe auscultar

os condicionamentos sociais”.

O visão formal da Constituição não se volta pelo que contém o documento em

si, e sim pelo processo de sua elaboração e pelas características que deverão nortear-lhe

frente às demais formas de manifestação da norma jurídica, cuja doutrina entende ser a

expressão tecnicamente mais correta do que a tradicionalmente consagrada fontes do

direito.

Os defensores da Teoria da Constituição ou Direito Constitucional Geral,

fixam-se apenas ao conceito formal de Constituição, o que leva a ter um olhar somente

jurídico, acentuando-se entre tais doutrinadores, um entendimento incompleto sobre o

tema.

Enquanto a ordem econômica é, a constituição econômica dever ser,

representando, sob o ponto de vista jurídica-positivo, os valores sociais ou a ideologia

predominante.

A Constituição Econômica, como afirmado por RAUL MACHADO HORTA,

não existe de forma independente da Constituição Jurídica do Estado, mas, pelo

contrário, nesta poderá, ou não, existir, sem que sua inexistência comprometa (salvo sob

os ângulos sociológico e ideológico) a caracterização daquela. Em outras palavras, a

Constituição Econômica deve ser vista apenas como um subsistema da Constituição

Total do Estado, esta sim, o próprio sistema.

Este modo de compreender também nos permite falar em conceitos material e

formal da Constituição Econômica, ao passo que fundamentarmos o conteúdo de

algumas questões básicas:

a) Que tipos de relações econômicas os documentos constitucionais

regulamentam?

b) Qual a extensão da matéria econômica hoje incorporada às Constituições

(conceito material), bem como (conceito formal) que tipo ou natureza de normas

materialmente econômicas os textos constitucionais consagram?

c) São elas auto-aplicáveis ou dependerão de regulamentação através de Lei

Complementar ou Ordinárias (as duas expressões existentes na legislação brasileira)?

d) Em consequência, sua eficácia é mediata ou contida?

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É claro que as respostas serão de acordo com o texto constitucional analisado.

1.3 A ATIVIDADE ECONÔMICA

A vida social implica, necessariamente, conforme leciona RAYMOND BARRE,

em atividade economica8que, “ em sua essência, é dirigida para uma sujeição

progressiva das forças da Natureza e um domínio progressivo dos meios adequados à

luta contra a escassez: é orientada para o crescimento e o progresso”, encontrando “seu

impulso e estímulo nas reações humanas ao desafio da escassez e nas oportunidades

matérias pelo meio econômico”.

Em livro intitulado Lei de Proteção da Concorrência – Comentários à Lei

Antitruste9, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA escreve que “ o exercício

da atividade econômica é o instrumento através do qual o homem, dentro do contexto

social, procura para si os meios de satisfazer as próprias necessidades, produzindo bens

de uso, e satisfazer as do grupo social, produzindo bens de troca.

[...] O mercado é o lugar em que atuam os agentes da

atividade econômica, e em que se encontram a oferta e a

demanda de bens e onde, consequentemente, se

determinam o preço e as quantidades; para que essa

atuação possa realizar-se de maneira diferente, de tal

forma a permitir a todos a plena expansão de sua

atividade, é necessário asegurarar-lhes uma adequada

possibilidade de exercerem sua atividade. Para que tal

aconteça, será imprescindível que todos tenham garantida

a possibilidade de entrar no mercado, nele permanecer e

desair a seu exclusivo critério”.

Quando do Liberalismo Econômico, o econômico não constava como prioridade

do Estado. Atualmente este veio a ter compromisso, inclusive com disposições

8 BARRE, RAYMOND. Manual de Economia Política. Ed. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1968, vol 1, p.107.9 FONSECA, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO. Lei de Proteção da Concorrência. Ed. Forense, São Paulo, 1995, p. 1

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específicas, por meio da denominada Constituição Econômica10, expressão encontrada

com freqüência na Doutrina.

1.4 A ORDEM ECONÔMICA

Encontramos na doutrina três dimensões da ordem econômica, a saber: a

ontológica (o que é), a axiológica ( que valores adota ) e a teleológica (que resultados

persegue).

A dimensão ontológica compreende seus fundamentos fáticos: o trabalho , os

meios de produção e a iniciativa econômica.

A dimensão axiológica envolve os princípios que atuam como norte da atividade

interventiva do Estado e são: a soberania, a função social da propriedade e a livre

concorrência.

E a dimensão teleológica acolhe as finalidades a que visa o Estado ao intervir na

ordem econômica, ou seja o resultado a ser idealmente alcançado com a sua

intervenção: a existência digna da pessoa humana, a sua defesa enquanto consumidor, a

defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do

pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

1.5 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

1.5.1 Conceito de Intervenção

GUILHERMO ALFREDO POSE ao tratar do tema, adverte com muita

propriedade, que “ las relaciones entre el Estado y la economia es uno de los graves

problemas que preocupan tanto a los estadistas como a todos los pueblos del mundo. La

acción del Estado em el mundo econômico no constituye um menester nuevo, bastando

recordar que desde la remota antiguedad se há verificado su intervención em esse

campo11”

10 ATHIAS, JORGE ALEX. A Ordem Econômica e a Constituição de 1988. Ed. Cejup, Rio de Janeiro, 1997.11 POSE,GUILHERMO ALFREDO. La Intervención del Estado em Empresas Privadas. Depalma, B.Aires, 1985, p. 1

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A ideologia constitucionalmente adotada faz com que tenhamos diversos

modelos constitucionais e que em cada época o Estado tenha seus próprios padrões,

inexistindo um critério científico que mostre qual o modelo apropriado, seja no âmbito

do próprio texto constitucional ou mesmo infraconstitucional.

Assim, sob o ponto de vista formal é possível que determinada característica

faça parte do conceito de Constituição, válido para diferentes épocas e sistemas, sendo

que do ponto de vista material isso não se mostra possível, pois que o conteúdo

constitucional varia conforme a vontade do legislador.

Surgiu, portanto, o modelo liberal, passando pelo modelo social e, atualmente,

temos o denominado modelo neoliberal, tendo em cada um a intensidade com que o

Estado interfere na economia, através do denominado instituto da Intervenção, sobre

a qual, HELY LOPES MEIRELLES, em seu Curso de Direito Administrativo12,

escreve: “ Para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares, o Poder Público impõe

normas e limites e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade

privada e na ordem econômica, através de ato de império tendentes a satisfazer as

exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular. Nessa

intervenção estatal, o Poder Público chega a retirar a propriedade privada para dar-lhe

uma destinação pública ou de interesse social através de desapropriação; ou para acudir

uma situação de iminente perigo público, mediante requisição; em outros casos,

contenta-se em ordenar socialmente o seu uso, por meio de limitações e servidões

administrativas; ou em utilizar transitoriamente o bem particular, numa ocupação

temporária. Na ordem econômica o Estado atua para coibir os excessos da iniciativa

privada e evitar que desatenda às suas finalidades, ou para realizar o desenvolvimento

nacional e a justiça social, fazendo-o por meio da repressão ao abuso econômico, do

controle dos mercados e do tabelamento de preços”.

O vocábulo Intervenção, de uso bastante intenso tanto no Direito Constitucional,

quanto no Direito Administrativo e no Direito Econômico, é daqueles que são possíveis

vários conceitos, a ponto de WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOUZA, em seu

Direito Econômico13, estudando o fenômeno, apontar-lhe três sentidos, a saber:

a) Etimologicamente, a intervenção provém do latim interventus us, significando

ação ou efeito de intervir, que, por sua vez, significa meter-se de permeio, sobrevir, etc.

12 MEIRELLES, HELY LOPES. Curso de Direito Administrativo. Ed. Brasileiros, 1998, 23º edição, PP 481-482.13 SOUZA, WASHINGTON PELUSO ALBINO. Direito Econômico. São Paulo. Saraiva, 1980, p. 398

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b) Politicamente, traduz de certo modo uma ação excepcional, isto é, tomada

quando se faça necessária a presença da autoridade para restabelecer a ordem estatuída,

tal como se dá no Federalismo, quando o governo central se vê levado a intervir, no

Estado-Membro, ou, de modo geral, quando o governo age no sentido de restabelecer a

harmonia em qualquer entidade;

c) Juridicamente, a intervenção é considerada em face dos instrumentos legais que

autorizem; das doutrinas que a consagrem; identificando princípios de direito sob os

quais se firma e dos quais se retira a sua legitimidade. Estes instrumentos podem ser

catalogados em qualquer ramo do conhecimento jurídico, sem que tal fato implique a

exclusividade de tratamento da intervenção por algum deles.

O principal de seu emprego para o Direito é o da invervenção do Estado no

domínio econômico”.

1.6 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Por volta do século XVIIII o proprietário possuía direito absoluto sobre a sua

propriedade podendo dela dispor e gozar do modo que lhe parecesse mais conveniente.

Esse direito nasceu do Liberalismo, no Código Civil de Napoleão, sendo que serviu de

modelo em diversos códigos civis do mundo, sendo previsto no nosso Código Civil

Brasileiro de 1916.

Essa disposição perdeu sua vigência pela chegada do Novo Código Civil

Brasileiro, em 2003.

Considerando a propriedade, seja urbana ou rural, como direito de propriedade

absoluta, sem se importar com a provocação do desequilíbrio fundiário, diversas

propriedades rurais foram parar nas mãos de poucos.

Esse acumulo não levava em conta o fator social da terra.

Nasceu, assim, as idéias marxistas, que procurava distribuir a propriedade

visando mitigar injustiças sociais.

No plano jurídico Leon Duguit afirmava que a propriedade é uma função social,

com base na seguinte argumentação:

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“ Segundo, todo o indivíduo tem obrigação de cumprir na sociedade uma certa

função social, que decorre do lugar que ocupa. O proprietário, de fato de possuir a

propriedade, tem de cumprir a finalidade social que lhe é implícita e somente assim

estará socialmente protegido, porque a propriedade não é direito subjetivo do

proprietário, mas função social de quem a possui. Logo, se o homem não a utiliza ou

utiliza mal, contraria o interesse do correto aproveitamento pelo que o direito objetivo

do proprietário deve desaparecer.”

Esta teoria defendida por Leon Duguit recebeu criticas, sendo que a Igreja

Católica passou a defendê-la paralelamente, afirmando que: “A propriedade não é uma

função social, mas tem uma função social”.14

1.7 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO

VIGENTE.

A função social da propriedade está prevista no artigo 5º, inciso XXIII da

Constituição Federal de 1988. Isto posto tem que a propriedade deve estar cumprindo a

sua função social. Dentro do normativo constitucional elencados como princípios da

ordem econômica observa-se a propriedade privada e a correspondente função social

(art. 170, incisos II e III). Claro fica que tanto a propriedade urbana e a rural deve

atender sua função social.

1.8 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Entende alguns que a distribuição desigual de bens sociais como a riqueza, o

poder seria resultado do complexo desenvolvimento da própria sociedade.

Isso seria entendido como um aspecto complexo da vida econômica.

Entretanto as desigualdades, principalmente as mais graves, é um perverso efeito

desse sistema econômico estabelecido. Seria necessário uma revolução que alterasse o

padrão adotado e os malefícios deles resultantes.

14 PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma Agrária: um estudo jurídico. Belém.Cejup,1993, p.54.

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A repartição da renda pessoal, adotado de forma geral pelas nações, provoca

desigualdade econômica diante do modelo de estrutura adotado, verificando-se em

épocas passadas e presentes das sociedades, variando a sua acentuação.

Não há registro de alguma economia que possua padrões de distribuição de

renda e riqueza que possam ser considerados de igualdade absoluta.

É comum nas nações o mecanismo de repartição de bens e valores fundados

numa escala que provocam grandes desigualdades. Há ricos e pobres em todas as

economias, independente do grau de desenvolvimento verificado na respectiva nação.

É notório que a população da base possue uma situação socioeconômica,

conforme a renda recebida, que indicam acentuada pobreza, chegando esta a ser

absoluta.

1.9 DESECONOMIA.

A atividade econômica está inserida num contexto social em diante disso acaba

por gerar custos para o empresário que a explora e também para a sociedade. A

movimentação de indústrias, que utiliza matéria-prima, causa poluição do ar,

necessidades de investimentos públicos em infra-estrutura, dentre outros, acaba por

gerar custos sociais. Esses custos sociais podem não alcançar os benefícios que a

atividade econômica traz para sociedade, como os empregos, satisfação dos

consumidores e suas necessidades, etc. Esse resultado entre custo e beneficio não tem

equilíbrio garantido sendo que os agentes econômicos podem ter mais benefícios do que

custos, ocorrendo risco de suportar mais os custos.

Se os custos forem maior que os benefícios estaremos diante do que

tecnicamente denominamos ‘externalidade’ ou ‘deseconomia externa’.

Entende-se por agentes econômicos aqueles que organizam e dirigem atividades

econômicas de produção ou circulação de bens e serviços, de modo amplo, atingindo

todas as pessoas envolvidas na economia.

Externalidade é conceituada como o efeito produzido por um agente econômico

que causa resultado positivo ou negativo sobre a atividade econômica sem a

correspondente compensação.

Em exemplo citado por Nelson Nery Junior, temos que ‘nenhum pedestre

morador de uma metrópole, por exemplo, é compensado por respirar o ar contaminado

pelos poluentes produzidos por veículos das empresas de transporte coletivo, mas

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também não é obrigado a remunerar ao aumento de espaço livre nas calçadas propiciado

pelo serviço dessas mesmas empresas. Tanto a poluição do ar como os aumentos do

espaço livre nas calçadas são, para o pedestre, externalidades da prestação do serviço de

transporte coletivo de parte a parte’.

Continua o autor dizendo “que há dois desdobramentos jurídicos da noção de

externalidade: a forma de se distinguirem as relevantes das irrelevantes e a eleição de

mecanismos para a compensação das externalidades relevantes”.

Nelson Nery Junior, citando Mercado Pacheco entende que o primeiro aspecto

do aproveitamento desse conceito econômico no campo do direito – a separação entre

externalidades relevantes e irrelevantes – estaria ligado à determinação da ilicitude ou

licitude da atividade (1994:136). Entretanto, a importância da externalidade é relativo

perante o comportamento social não havendo necessidade de estar presente em normas

que regulam na atividade econômica. É o caso do meio ambiente ter sofrido os efeitos

da indústria cuja preocupação tomou o sentido de relevante somente recentemente, e

mesmo assim com pouco ou frágil controle da produção de poluentes. A compensação

de externalidades pode gerar novas externalidades, como por exemplo, o estado ao

exigir proteção ambiental perante a atividade econômica (indústria) causa uma

externalidade para o empresário.

Desta forma a exploração de atividade econômica traz em si uma gama de

efeitos negativos ou positivos que não passível de compensação. Nesse ponto, torna-se

de menor valor os interesses atingidos passando a ser ignorado pelo direito.

Uma vez que externalidade é relevante, és que produzida por uma atividade

econômica (a indústria polui e gera emprego) deve verificar a necessidade de

compensação, apreciando o efeito negativo e os positivos. Nessa linha entende-se que

uma externalidade, em sendo compensada, deixa de ser externalidade operando-se a

internalização.

Segundo Nelson Nery Junior ‘Não há como eliminar, na exploração de

atividades econômicas, uma determinada margem de produção de efeitos negativos ou

positivos não compensáveis. Nessa margem, correspondente às externalidades

irrelevantes, os efeitos gerados pela empresa não merecem sequer a atenção do direito.

Correspondem a fatos não jurídicos, istoé, ignorados pela ordem jurídica, tendo em vista

a irrelevância dos interesses atingidos, segundo ponderações de valor variáveis

historicamente.

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O segundo desdobramento do conceito de externalidade na matéria jurídica

volta-se à definição dos mecanismos de compensação entre os agentes econômicos

expostos a tais efeitos (empresa e comunidade, empresários e vizinhos, fornecedor e

consumidor etc.) Ou, como prefere a economia, este desdobramento diz respeito ao

processo de internalização das externalidades. Quer dizer, uma vez conferida

relevância a certos efeitos produzidos por um empreendimento econômico – a indústria

polui e gera empregos - , cabe discutir como se prócer à sua compensação, por meio de

imputação de obrigações ao empresário pelos efeitos considerados negativos, e do

reconhecimento de direitos em relação aos reputados positivos. Por definição, quando

uma externalidade é compensada ela deixa de ser externalidade. É, por assim dizer,

internalizada. Internalizar as externalidades para equalizar a relação custos-benefícios

sociais e, em termos jurídicos, impor deveres e garantir direitos para fazer justiça.

“Quando o direito considera relevante uma certa externalidade e

determina a sua compensação, opera-se a ‘internalização’. Isto é,

a externalidade, que se define como efeito não compensável,

deixa de ser externalidade”

Na questão da internalização de externalidades existem duas formas de se

compreender o papel do estado e do direito na organização econômica: de um lado, a da

economia do be-estar, e de outro, a da análise econômica do direito.

A economia do bem estar é defendia por Arthur Pigou, que na década de 1921,

criticou as concepções clássicas do livre mercado para equilibrar os custos e benefícios

sociais. Segundo ele, as externalidades provêm de falhas no mercado, sendo de

responsabilidade do estado corrigi-las através do sistema tributário.

Para os economistas dessa corrente se criaria um cálculo dos custos socais

comparando-os aos custos individuais diante de cada atividade econômica. Havendo

diferença ocorreria uma externalidade e o estado internalizaria da seguinte forma: se a

sociedade fosse prejudicada (custos sociais maiores que os individuais), o Estado seria

credor, e o empresário pagaria um tributo; ao contrario o estado seria devedor e o

empresário teria direito a isenções ou incentivos.

Ronald Coase, da Escola de Chicago, analisando o entendimento de Pigou sobre

os custos sociais (1960) pretende criar um modelo capaz de conciliar a aplicação de

normas jurídicas a padrões de eficiência econômica.

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Tendendo a ideologia liberalista, a análise econômica do direito entende que as

externalidades não são reflexos de falhas do mercado, mas circunstâncias de conflito

cuja solução deve ser dada pelos próprios interessados. Nega que a atividade econômica

surta efeito, em si mesma, de natureza positiva ou negativa. Diz Coase que o que é

favorável a um empresário é consequentemente desfavorável ao outro, sendo que cada

um procurara alternativa para alcançar o seu lucro.

Segundo Coase, citado por Nelson Nery Junior, a externalidade somente gera

ineficiência quando os custos são altos, isto é, quando a diferença entre o agente

econômico que cria e o que suporta tem uma elevada diferença.

Assim na visão da economia do bem-estar, estado é o agente do mecanismo de

internalização das externalidades, cuja responsabilidade é definir e dimensionar

eventuais custos sociais, fixando a necessidade de compensação. De outro lado, a visão

econômica do direito tem que o Estado, quando da internalização das externalidades,

deve se limitar a redução dos custos do negócio entre os particulares.

Percebe-se que as duas corrente são reflexos das circunstâncias da reorganização

ocorrida no século XX, relativo ao sistema capitalista, procurando impor limites na

intervenção do Estado na economia.

Entretanto, a economia do bem-estar e a análise econômica do direito, defendida

por Pingou e Coase, não encontraram, de fato modelos ideais de reorganização da

economia que pudessem delimitar o campo de intervenção e não intervenção do Estado

na atividade econômica. A dinâmica da evolução social obriga o Estado a manter-se

também em posição dinâmica, cuja internalização das externalidades seguem diferentes

momentos do capitalismo. A intenção da economia do bem-estar (utilização do sistema

tributário para internalizar externalidades) e o da análise econômica do direito (a

eficiência econômica como fator das decisões judiciais), são concepções abstrata e

irreal, pois que fundamenta o Estado capitalista com natureza, função e dimensão imune

aos conflitos entre as classes sociais.

CAPÍTULO II

2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL

Page 16: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

16

2.1 ORIGEM DO DIREITO COMERCIAL

Alguns autores identificam na Roma antiga a origem do direito comercial. No

entanto, deve se esclarecer que os romanos não conheceram regras específicas para as

relações comerciais, pois o ius civile acabava por comtemplar normas que regiam

eficientemente todas as relações jurídicas de cunho privado, independentemente de se

tratar de conteúdo civil ou mercantil. Todavia, o direito romano, ao contrário do que

possa parecer, exerce influência direita no surgimento do direito comercial. Nele se

verifica a origem do instituto da falência, as normas básicas sobre os contatos mercantis,

a ação pauliana como forma de reprimir a fraude contra credores, a responsabilidade

civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo, entre outros.

O direito comercial surge, no entanto, como autônomo do direito depois da

queda do Império Romano, na Idade Média, com o objetivo de dar maior segurança à

atividade mercantil. Naquela época o mundo assistia à desagregação social e política

advinda da pulverização do Estado, razão pela qual os próprios cmerciantes criaram

suas corporações, que tinham como função ditar normas aplicáveis ao comércio e julgar

os possíveis conflitos decorrentes dessa aplicação, dando origem a um direito singular:

o ius mercatorum, emanado de uma classe social, em vez de se originar no Estado. O

direito comercial, em sua origem, assumiu um caráter consuetudinário (baseado nos

costumes dos mercadores) e corporativo (surgido no seio das corporações de

mercadores, como organizações profissionais, e aplicado por estas a seus membros).

Com o passar do tempo estas regras ganharam tamanha credibilidade e

importância que acabaram sendo adotadas pelos governos da época, tendo sua aplicação

disseminada por toda a Europa, adquirindo, assim, caráter internacional. As mais

conhecidas instituições do direito comercial remontam a este período, tais como a

matrícula dos comerciantes, o regime dos livros comerciais, o regime das instituições

financeiras, a letra de câmbio etc.

Com o término da Idade Média, o comércio, que até então tinha sua pujança

estabelecida no Mediterrâneo, especialmente nas cidades italianas de Gênova, Pisa,

Amalfi, Veneja, Milão, Bolonha, Siena e Lucca, transporta-se para o Atlântico, tendo

como personagens Portugal e Espanha, seguidos da Inglaterra, Holanda e França, agora

com o objetivo de exploração do Novo Mundo. Muito embora a Itália não mais se

encontrasse no centro das atenções no que diz respeito ao comércio, foi ela o seio dos

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17

primeiros estudos da ciência do direito comercial, dando origem à chamada Escola

Italiana, que se ocupou em sistematizar cientificamente o direito comercial.

Mais tarde, com o surgimento dos Estados nacionais, aquele direito comercial

consuetudinário, nascido da prática mercantil e apartado de um Estado soberano, acabou

ganhando do próprio Estado sua legitimidade, que verificou a importância de se dar

maior segurança jurídica possível às relações mercantis como forma de propiciar o

desenvolvimento econômico e preservar os interesses sociais.

2.1.1 O direito comercial no Brasil

Não há falar em direito comercial brasileiro no período do Brasil-colônia.

Àquela época as normas jurídicas que regulavam a atividade mercantil seriam

justamente as ditadas por Portugal, advindas, portanto, do direito português. Somente se

detecta um direito comercial brasileiro propriamente dito com a Independência do

Brasil, em 1822, marco inicial para a construção do ordenamento jurídico nacional.

Entretanto, com a dificuldade da criação de uma legislação mercantil brasileira logo

após a Independência, continuaram vigorando temporariamente no Brasil leis

portuguesas então vigentes, sendo que, em matéria de direito comercial, destacavam-se

leis e alvarás dos séculos XVII e XVIII, dentre eles a chamada Lei da Boa Razão, que

determinava a aplicação subsidiária, entre nós, das leis comerciais vigentes nas “nações

cristãs, iluminadas e polidas, que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e

sã jurisprudência”, fazendo com que aqui fossem aplicadas a legislação comercial

francesa e a espanhola.

Fortemente influenciado pelos Códigos francês, espanhol e português, surgiu

entre nós o Código Comercial do Império do Brasil, promulgado pela Lei 556, de

25.06.1850, que, ao contrário do que se possa imaginar, não adotou a teoria dos atos de

comércio como forma de identificação de sua abrangência e aplicação. Em seu art. 4º, o

Código estabelecia que “ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da

proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha

matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia

profissão habitual (art. 9º)”.

A grande dificuldade, no entanto, foi justamente conceituar o que era mercancia.

Este problema se revestia de grande conseqüência prática, na media em que, naquela

época, existiam duas jurisdições: a civil e a comercial. Ou seja, um determinado juiz ou

Page 18: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

18

tribunal, para julgar uma lide, deveria antes de mais nada verificar sua competência.

Assim, se se tratasse de um tribunal do comércio, deveria ele examinar se a matéria

discutida era efetivamente matéria comercial ou não. Para solucionar esta dificuldade,

também 1850, foi editado o Regulamento 737, norma de cunho processual que acabou

por enumerar quais eram aqueles atos que objetivamente identificavam a mercancia,

adotando-se, desta forma, a teoria objetiva dos atos do comércio.

Esta disposição legal vigorou até a extinção dos Tribunais do Comércio em 1875

e a unificação da jurisdição civil e comercial em uma só, ocasição em que a distinção

entre a condição jurídica do comerciante e a do não comerciante perdeu muito de sua

importância. A partir daí, o elenco do art. 19 do Regulamento 737 acabou por tornar-se

mero indicativo para a definição da atividade mercantil, perdendo sua força legal

imperativa. Comerciante deixa de ser aquele que pratica determinados atos delimitados

pela lei, e passa a ser aquela pessoa que, profissionalmente, pratica a mercancia

considerada como atividade de intermediação entre o produtor e o consumidor, exercida

com fim lucrativo.

2.2 A CAPACIDADE EMPRESARIAL

A capacidade empresarial, ou empresariedade, é um dos fatores de produção de

que as economias nacionais dispõem. A descoberta e a exploração de recursos naturais,

a mobilização da população em idade de produzir, a escolha dos bens de capital, a

definição dos padrões tecnológicos que serão empregados – enfim, a mobilização, a

aglutinação e combinação dos demais fatores de produção pressupõem a existência de

determinada capacidade de empreendimento. É através dela que os recursos disponíveis

são reunidos, organizados e acionados para o exercício de atividades produtivas.

Na realidade, a existência de recursos humanos aptos para o exercício de

atividades produtivas, a disponibilidade de capital, a dotação de reservas naturais e a

capacidade tecnológica acumulada só geram fluxo de produção quando mobilizados e

combinados.

E todo esse esforço de mobilização e coordenação é atribuível a capacidade

empresarial.

Há autores que destacam a capacidade empresarial como o mais do importante

dos fatores de produção; sua persistente busca pelo lucro e por outros elementos

motivadores inerentes à produção e distribuição de bens e serviços é a principal força

Page 19: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

19

propulsora do processo econômico. A empresariedade seria, assim, a energia

mobilizadora da economia. A carência de espírito empresarial retarda movimentos

inovadores e inibe o processo de crescimento econômico. Em contrapartida, nações

dotadas energia empreendedora mobilizam as potencialidades existentes, desenvolvem

esforços de complementação de suas deficiências naturais e emergem em pouco como

potencias competitivas.

Fatores culturais adversos, associados à baixa mobilidade social, podem

dificultar a emergência e o desenvolvimento do espírito empreendedor. Contrariamente,

quando se criam motivações sociais suficientemente fortes para impulsionar agentes

dotados de capacidade empreendedora, remove-se uma das barreiras institucionais que

mais dificultam a ocorrência e a atuação desse fator. A capacidade empresarial é

condicionada por bases institucionais que não reprimem nem condenam a ascensão

social do êxito em negócios. A ambição que move empreendedores justifica-se

socialmente à medida que contribui para gerar empregos e dotar a economia de uma das

precondições relevantes para o bem-estar social – a expansão da produção.

2.3 EMPRESA

O direito brasileiro filia-se ao sistema subjetivo italiano – teoria da empresa -,

voltando a doutrina suas preocupações para a conceituação jurídica da empresa como

atividade econômica a gerar direitos e obrigações, na medida em que este conceitos é

que determina e delimita o conteúdo do direito comercial moderno. Reconhecida a

importância de se construir um conceito preciso de empresa, é de se constatar que nosso

ordenamento jurídico, com a edição do Código Civil, passa a contar com um conceito

legal do que seja empresário; aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.15 Do referido

conceito, por via transversa, chega-se ao entendimento do que vem a ser empresa.

Com isso, pode-se afirmar que é o aspecto econômico da empresa que acaba por

influenciar diretamente a sua conceituação jurídica. Carvalho de Mendonça16 chegou a

afirmar, inclusive, que não há que se distinguir os conceitos econômico e jurídico de

empresa, uma vez que são a mesma coisa. Para aquele autor empresa é “ a organização

técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos

15 Art. 966 – Código Civil Brasileiro.16 MENDONÇA, Carvalho. Tratado de direito comercial brasileiro, v. 1 5. Ed. P. 492

Page 20: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

20

elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca 9venda),

com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é,

daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade”.

Cada vez mais se sedimenta o entendimento de que a empresa nada mais é senão

a atividade desenvolvida pelo empresário, sujeito de direito. É a materialização da

iniciativa criadora do empresário, da projeção patrimonial de seu trabalho de

organização dos distintos fatores produtivos. Repita-se, empresa é a atividade

desenvolvida pelo empresário.

As empresas são os agentes econômicos para os quais convergem os recursos de

produção disponíveis. São as unidades que os empregam e combinam, para a geração

dos bens e serviços que atenderão às necessidades de consumo e de acumulação da

sociedade. Neste sentido, empresas e unidades de produção são expressões sinônimas,

do ponto de vista da teoria econômica.

O conjunto das empresas que compõem o aparelho de produção é heterogêneo

sob diversos aspectos: tamanhos, estatutos jurídicos, origens e controle, formas de

gestão e natureza dos produtos.

O universo das empresas é constituído por unidades que vão desde as

microorganizações individuais até as grandes corporações. Convencionalmente,

consideram-se no Brasil como microempresas as que empregam até 20 pessoas. De 20 a

100 pessoas empregadas recebem o tratamento de pequenas empresas. Daí em diante

são de tamanho médio ou grande. Nesse universo a maior parte é de microorganizações

produtivas. O último censo econômico realizado no Brasil revelou a existência de

1.007.833 microempresas. O número médio de pessoas empregadas por este conjunto

era de 2,7 pessoas. O número das que empregavam mais de 10 pessoas limitava-se a

1,2% do conjunto, Quando agrupadas segundo seus tamanhos, medidos por diferentes

indicadores ( volume de produção, número de pessoas empregadas, vendas efetivadas),

as empresas distribuem-se sempre da mesma forma. As menores são sempre em maior

número.

Quanto a natureza dos produtos a heterogeneidade decorre das diferenças que se

observam entre os produtos gerados pelas atividades produtivas primárias, secundárias e

terciárias. Das duas primeiras resultam bens; da última, serviços. E cada uma se destina

a um tipo diferenciado de necessidade: individual ou coletiva; dos mais variados graus

de essencialidade; permanente, sazonal ou esporádica; renovável ou não; de vital a

Page 21: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

21

dispensável. Mais: há empresas que não chegam com seus produtos ao mercado final de

consumo. Sua produção se destina a suprir necessidades de outras empresas. São as

produtoras de bens e serviços intermediários. Movimentam negócios que atendem às

necessidades de outros negócios.

Embora heterogêneas quanto a estes e a outros atributos ( como amplitude

geográfica de atuação, objetivos societários e grau de integração vertical ), as empresas

reúnem pelo menos três características comuns, a partir das quais se identificam como

agentes econômicos. A primeira resulta do fato de que é nelas que se empregam se

reúnem, se organizam e se remuneram os fatores de produção – sob esse aspecto, são

pólos de atração dos recursos de que dispõem os sistemas econômicos. A segunda

resulta de sua interatividade. Como unidades de produção elas não subsistem

isoladamente. Sejam as do subsetor de lavouras ou da indústria extrativa mineral, sejam

as da indústria de transformação ou de construção, sejam ainda a dos subsetores de

transportes, de comunicações ou de intermediação financeira, todas de dependem de

fornecimento regulares procedentes das demais. As operações descrevem-se a partir de

fluxos permanentes de entrada- e- saídas. No processamento de sua própria produção de

bens ou serviços, cada empresa depende de fornecimentos procedentes de outras

empresas, direta ou indiretamente. E a terceira característica diz respeito a sua

perpetuidade: esta depende de, para todas as empresas, da sanção dos agentes

econômicos para os quais sua produção é destinada.

2.4 CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA

Conquanto se refira a “Direito de Empresa”, o Código Civil não definiu

expressamente o que é empresa. O conceito mais recomendável é o encontrado no art.

2.082 do Código Civil italiano: “É empresa que exerce profissionalmente atividade

econômica organizada para a produção e venda de mercadorias ou de serviços”.

Para a doutrina, entretanto, empresa é a organização destinada a atividades de

produção e circulação de mercadorias, bens e serviços, chefiadas ou dirigidas por uma

pessoa física ou jurídica, denominada empresário. Empresa significa uma atividade

exercida pelo empresário. Para o direito positivo, empresa é “toda organização de

natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de

qualquer atividade com fins lucrativos”.

Page 22: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

22

Explica-nos o Prof. Miguel Reale que foi “ empregada a palavra “empresa” no

sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos ou pelas sociedades a fim de

promover a produção e a circulação das riquezas. É esse objetivo fundamental que rege

os diversos tipos de sociedades empresariais, não sendo demais realçar que, consoante

terminologia adotada pelo projeto, as sociedades são sempre de natureza empresarial,

enquanto que as associações são sempre de natureza civil. Parece uma distinção de

somenos, mas de grande consequências práticas, porquanto cada uma delas é governada

por princípios distintos. Uma exigência básica de operabilidade norteia, portanto, toda a

matéria de Direito da Empresa, adequando-o aos imperativos da técnica contemporânea

no campo econômico-financeiro, sendo estabelecidos preceitos que atendem tanto à

livre iniciativa como aos interesses do consumidor”17

2.5 O CUSTO DO DIREITO PARA A ATIVIDADE EMPRESARIAL

Da crítica que a análise econômica do direito faz à economia do bem-estar, no

tocante ao mecanismo da internalização de externalidades, como apresentado

sinteticamente acima, resulta um dados de extrema importância, que a tecnologia do

direito não pode ignorar, isto é, a afirmação de que algumas normas jurídicas

repercutem diretamente no custo da atividade econômica. A grande contribuição para o

conhecimento jurídico, do debate entre essas correntes econômicas, não se encontra nas

propostas finais de cada concepção – abstratas e irrealizáveis -, mas na consideração dos

marcos institucionais no universo da microeconomia. Em outros termos, a transposição

da noção de “ internalização de externalidades” do campo do conhecimento econômico

para o contexto da reflexão jurídica tem o grande mérito de alertar para o fato de que as

obrigações jurídicas impostas ao empresário têm a natureza de elemento de custo.

Para definir o preço dos produtos e serviços que fornece ao mercado, o

empresário realiza um cálculo cada vez mais complexo, que compreende o preço dos

seus insumos, a mão-de-obra, os tributos, a margem de lucro esperada e também as

contingências. Parte dessas custos pode ser objeto de um cálculo matemático, sujeito a

variáveis controladas quantitativamente. Outra parte, contudo, exige um cálculo menos

preciso, mas ainda assim indispensável à preservação da margem de lucros. Nessa

17 REALE, Miguel. Artigo. Visão geral do projeto de Código Civil.

Page 23: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

23

última categoria encontram-se as contingências, como greve prolongadas, quebra de

safra, instabilizações políticas, acidentes, etc. Estes fatos podem interferir de forma

acentuada nas contas do empresário, reduzindo ou comprometende sua lucratividade ou

até mesmo levando-o à falência. Proponho chamar-se essa segunda modalidade de

cálculo pelo nome “qualitativo”, em referência às inúmeras variáveis não inteiramente

controladas por quantidades.

Nesse sentido, nota-se que algumas normas jurídicas representam, para o

empresário, um importante elemento de custo. São desta natureza, por exemplo, grande

parte das normas de direito do trabalho (excetuam-se as disciplinadoras de regimes

especiais, como a do empregado doméstico), de direito tributário (quando relacionadas a

tributos do interesse da empresa), de direito previdenciário (as referentes às

contribuições do empregador e, também, às do empregado), ambiental, urbanísticos e

outros. Por evidente, também o direito comercial integra esse grupo de ramos jurídicos,

cujas normas podem influir nos custos da empresa. Para facilitar o desenvolvimento da

matéria, vou me referir a tais normas pela expressão “direito-custo”. Qualquer alteração

no direito-custo interfere, em diferentes medidas, com as contas dos empresários e, em

decorrência, com o preço dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Isto é, cada

nova obrigação que se impõe ao empresário, de cunho fiscal, trabalhista, previdenciário,

ambiental, urbanístico, contratual, etc. representa aumento de custos para a atividade

empresarial e aumento do preço dos produtos e serviços para os seus adquirentes e

consumidores.

2.6 O EMPRESÁRIO

Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade

econômica de produção ou circulação de bens e serviços. Essa pessoa pode ser tanto a

física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica,

nascida da união de esforços de seus integrantes. O direito positivo brasileiro, em

diversas passagens, ainda organiza a disciplina normativa da atividade empresarial, a

partir da figura da pessoa física. O Código Civil de 2002 e lei de falências são

exemplos. O certo, no entanto, é que as atividades econômicas de alguma relevância –

mesmo as de pequeno porte – são desenvolvidas em sua maioria por pessoas jurídicas,

por sociedades empresárias. O mais adequado, por evidente, seria o ajuste entre o texto

legal e a realidade que se pretende regular, de modo que a disciplina geral da empresa

Page 24: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

24

( isto é, do exercício da atividade empresarial ) fosse a relativa ao empresário pessoa

jurídica, reservando-se algumas poucas disposições especiais ao empresário pessoa

física. Nem sempre, contudo, os elaboradores de textos de normas jurídicas possuem

essa preocupação.

Por outro lado, em razão dessa opção – considerar ainda a pessoa física o núcleo

conceitual das normas que edita sobre a atividades empresarial - , a lei acaba dando

ensejo a confusões entre o empresário pessoa jurídica e os sócios desta. A confusão

aumenta, inclusive, pela distância existente entre os conceitos técnicos do direito e a

linguagem natural. A pessoa jurídica empresária é cotidianamente denominada

“empresa”, e os seus sócios são chamados “empresário”. Em termos técnicos, contudo,

empresa é atividades, e não a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da

sociedade empresarial, mas a própria sociedade. É necessário, assim, acentuar, de modo

enfático que o integrante de uma sociedade emnpresária ( o sócio) não é empresário;

não está, por conseguinte, sujeito às normas que definem os direitos e deveres do

empresário. Claro que o direito também disciplina a situação do sócio, garantido-lhe

direitos e imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade

empresarial pela sociedade de que faz parte. Mas não são direitos e as responsabilidades

do empresário que cabem à pessoa jurídica; são outros, reservados pela lei para os que

se encontram na condição de sócio.

“ A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou

jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade

econômica se chama empresário individual; no segundo,

sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que

explora a atividade empresarial, não é correto chamar de

“empresário” o sócio da sociedade empresária.”

2.7 DIREITO DE EMPRESA

O Direito Empresarial ou Direito de Empresa é um ramo do direito privado,

anteriormente fazendo parte do Direito Comercial como um Direito Mercantil e

atualmente faz parte da codificação do novo Código Civil Brasileiro.

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25

Trata-se de Direito Empresarial ou Direito de Empresa de um conjuntos de

princípios e normas concernentes à estrutura e atividades das empresas. Pela primeira

vez numa codificação civil brasileira, passa-se a disciplinar as regras básicas da

atividade negocial, do conceito de empresário ao de sociedade. Observa o Prof.

Benjamim Garcia de Matos, do curso de Direito da Unimep, que “ a revogação da

primeira parte do Código Comercial de 1º de junho de 1850, com a introdução do Direto

de Empresa no novo Código Civil, é um avanço, que merece destaque especial, até

porque torna o comerciante um empresário voltado para a atividade econômica que é a

nova leitura que se fazer nos tempos moderno”.

O novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406/02) que entrou em vigor em janeiro

de 2003, possui uma parte especial intitulada como Livro II Do Direito da Empresa.

Devemos expor que o objetivo do legislador era a unificação dos temas do ramo do

direito privado envolvendo o Código Comercial Brasileiro no campo da sociedade

comercial e do direito empresarial e algumas leis comerciais especiais como o Decreto

3.708/19, Decreto 916/1890, Decreto 486/69 para uma nova e moderna visão no novo

Código Civil Brasileiro.

Os artigos referentes ao Libro II que tratam do direito de empresa que disciplina

sobre a vida do empresário e das empresas, com nova estrutura aos diversos tipos de

sociedade empresariais contidas no novo Código Civil, possui como paradigma o

Código Civil italiano. Traz profundas modificações no direito pátrio como por

exemplo, o fim da bipartição das obrigações civis e comerciais. No livro I referente ao

direito das obrigações se desdobra a disciplina do direito de empresa, regendo o

primeiro os negócios jurídicos e no segundo a atividade enquanto estrutura para

exercício habitual de negócios, representada pela empresa.

Devemos destacar as principais inovações com o novo Direito Empresa.

Substituiu-se a expressão Direito Comercial por Direito Empresarial. E a de

comerciante por empresário; adota-se a moderna Teoria da Empresa, prevista no Código

Civil italiano de 1942.

1) Unificaram-ser as obrigações civis e mercantis, acabando-se com a distinção

entre sociedades civis e comerciais, criando-se em substituição entre sociedades

empresariais, que têm natureza econômica.

2) Substituíram-se as “sociedades simples” pelas “sociedades empresárias”.

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26

3) Estabeleceram-se normas gerais dos “Títulos de Crédito”, mantendo-se a

legislação especial das diversas figuras já existentes, como a lei das letras de

câmbio e notas promissórias, duplicata, cheque, etc.

4) Criou-se o Livro II intitulado “ Do Direito de Empresa”.

Este novo livro (Do Direito de Empresa) trata da fusão sem artifícios do Direito

Civil com o Direito Comercial. É dividido em quatro títulos referentes aos arts. 966 a

1.195, disciplinando-se tudo que diga respeito ao “empresário”, “empresa”, “ o

estabelecimento”, e os “institutos complementares” que regulamentam e disciplinam a

atividades empresarial, como:

1) Registro das sociedades empresariais, o seu nome;

2) Dos prepostos, gerentes, da escrituração mercantil, que pode adotar os

instrumentos modernos da tecnologia da informática;

3) Da contabilidade, balanço.

No campo do Direito Societário procederam-se grandes atualizações com a criação

das “Sociedades Simples” e a atualização das “Sociedades de Responsabilidade

Limitada”, que passou a ter uma importância mais acentuada para todos os tipos de

sociedade, desde a micro até a macroempresa. A sociedade de fato ou irregular passa a

ser denominada “sociedade comum”, não personificada.

Deu-se um tratamento diferenciado e privilegiado às microempresas e empresas

agrícolas, conforme já previsto em legislação específica cuidando da matéria, como o

Estatuto da Micro e Pequena Empresa, Lei do Simples e a Constituição Federal de 1988,

artigo 170.

Reintroduziu-se a distinção entre empresa nacional e estrangeira. A

personalidade jurídica é expressamente reconhecida. Segundo o Prof. Miguel Reale,

supervisor do novo Código, Código não realiza, propriamente, a unificação do Direito

Privado, mas tão-somente do Direito das Obrigações, acabando-se com a dicotomia

entre obrigações civis e comerciais, e introduziu-se o novo livro do “Do Direito de

Empresa”.

O novo Código, neste novo livro, em linhas gerais, traz grandes inovações no

que diz respeito ao Direito Comercial, substitui a figura do comerciante pela do

empresário, seguindo a linha do Código Civil italiano de 1942, adota a moderna teoria

da empresa, como modelo de disciplina de atividade econômica. Inova sensivelmente na

Page 27: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

27

parte relacionada às sociedades, agora denominadas de empresárias. Regulamenta de

forma mais explícita e completa o instituto do estabelecimento. Deu tratamento mais

claro e moderno a alguns institutos como: o registro das sociedades empresárias, o seu

nome, dos prepostos da empresa, da escrituração mercantil que agora pode adotar os

instrumentos modernos da tecnologia da informática.

O Código inova e consagra práticas já consagradas na doutrina e jurisprudência.

Ajusta normas de uso comum e normas concebidas para os agentes de atividade

empresarial.

Reintroduziu a distinção entre empresa nacional e estrangeira, além de outras

importantes mudanças acolhidas em função da doutrina e da jurisprudência, que na

prática forense já era utilizada, dado o arcaísmo da nossa legislação comercial e

societária.

O Código, nesta parte, não pode ser considerado um estatuto classista, tendo em

vista que determina normas para o exercício da atividade empresária, para a atividade

econômica organizada de produção e circulação de bens e serviço para o mercado, não

estando submetido a nenhum estatuto profissional.

Eliminou o rol enumerativo referente à atividade do empresário comercial,

trazendo para o intérprete a liberdade para identificar as atividades a serem consideradas

empresariais, baseando-se no fato de elas serem econômicas, organizadas e

profissionais. O exercício da atividade caracterizará o tipo previsto na lei, dependendo

da forma do exercício, do conteúdo da atividade, ou de sua dimensão, haverá ou não

alcance da norma. O fato apenas de uma atividade econômica ter finalidade lucrativa,

mas não empresarial, não significa que estará vinculada às normas relativas à empresa.

Para ser considerada empresarial, a atividade deve ser constituída de três

requisitos: a habitualidade no exercício visando à produção ou circulação de bens ou

serviço; o objetivo de lucro e a organização.

A atividade está disseminada em várias partes do Livro II – “Do Direito de

Empresa”, infiltrando-se no tratamento dado ao empresário, ao estabelecimento e aos

demais institutos a eles relacionados. Passou a produzir efeitos por si mesma, não

dependendo mais dos diferentes atos que a integram.

Em várias partes, o Código faz menção à atividade sem, contudo, ligá-la à noça

de empresa, talvez porque muitas vezes ela não se referira à atividade empresarial.

Enfim, a atividade passa a ter grande significado na moderna teoria da empresa, que

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28

permeou toda a concepção do novo Código, tendo em vista que ela é o mais importante

qualificador do conceito de empresário e do estabelecimento.

2.8 CONCEITO JURÍDICO DO DIREITO DE EMPRESA

Devemos conceituar Direito de Empresa ou Empresarial, partindo da teoria da

empresa onde “ é o direito da atividade produtiva para a satisfação das necessidades do

mercado”. Entende Sebastião José Roque que “ é possível caracterizar bem, no

universo das relações jurídicas patrimoniais, uma categoria de relações com caracteres

próprios e constantes, que se diversificam de outras relações jurídicas, formando uma

categoria unitária e facilmente identificável: são as relações jurídicas decorrentes da

produção e venda, pela predisposição de bens ou serviços para o mercado. Esta

categoria de relações jurídicas são as relações empresariais e, em conseqüência, o

Direito Empresarial constitui o complexo das normas jurídicas que as regula”.18

E continua o renomado professor que “ As relações jurídicas empresariais e,

portanto, o âmbito do Direito Empresarial são mais amplos do que se possa deduzir:

relações empresariais não são apenas as concernentes à empresa no seu sentido

econômico e jurídico, mas são todas as relações que, sendo inerentes à satisfação das

exigências do mercado, exercem uma função de intermediação entre a produção e o

consumo. Assim, o Direito Empresarial vem a ser, pois, o direito dessa atividade; da

atividade de intermediação das mercadorias para o consumo”.19

2.9 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NO NOVO CÓDIGO CIVIL

O novo Código Civil brasileiro é um texto que se preocupa fundamentalmente

com a pessoa humana e o caráter social. Devemos expor que o Professor Geraldo José

Guimarães da Silva, sendo ardoroso defensor da função social da empresa, onde foi

dado pelo NCCB uma maior ênfase à sua própria sobrevivência, mas não se esquecerá

do lucro, porque uma posição não exclui a outra.

O lucro é importante, mas a sobrevivência ou o social de empresa é mais

importante, no sentido de vir antes, visando à expansão da própria empresa e de sua

sobrevida. A função social da empresa reside justamente nas reservas, que serão

18 ROQUE, Sebastião José. Moderno Curso de Direito Comercial. Ed. Cone19 idem

Page 29: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

29

prioritárias em relação aos dividendos. A função social da empresa é tema de suma

importância e nosso textos legais com a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.404/76

(Lei da S/A), a Lei nº 10.257/2001 ( Estatuto da Cidade), Lei nº 8.078/90 ( Código de

Defesa do Consumidor) e o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) tratam do assunto

de forma explícita ou por analogia. Para Wilson de Souza Campos

Batalha:20Significativa é a alusão à ‘função social’ da empresa, num indisfarçável

apagamento dos conceitos meramente contratualistas, abrindo os caminhos para o

conceito institucional da empresa organizada sob a forma de sociedade anônima.

No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato,21sobre tais artigos da Lei nº

6.404/76: Como se vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, há

interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das pessoas que

contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os capitalistas e

trabalhadores, mas também os interesses da “comunidade” em que ela atua.

O ilustre Modesto Carvalhosa22ensina que: Tem a empresa uma óbvia função

social, nela sendo interessados e empregados, os fornecedores, a comunidade em que

atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e para fiscais.

Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A

primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados. A

segunda volta-se ao interesse dos consumidores... a terceira volta-se ao interesse dos

concorrentes. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação

ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua. Temos sentido, a

cada dia, uma preocupação maior com a função social da empresa. Assim, se a Lei

6.404/76 se mostrava pioneira na preocupação com a função social da empresa, outras

que se seguiram, também têm acentuada tendência para tal objetivo, como, por

exemplo, a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que veio juntar-se ao

regime civilista e ao comercialista, numa terceira modalidade de trato nas relações

privadas. Assim, nos artigos 970, 971 quando dá atenção especial ao empresário rural e

ao pequeno empresário ou em relação aos lucros e perdas proporcionais do art. 1.007, e,

ainda o chamado “patrimônio de afetação” do art. 974, § 2º na proteção dos bens do

incapaz.

20 BATALHA, Wilson Souza Campos. Comentários à lei das S/A. Rio de Janeiro. Forense, 1977, p. 56321 Op. Cit., p.44. nota 522 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977. Vol. 3., p. 237.

Page 30: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

30

CAPÍTULO III

3 RESPONSABILIDADE CIVIL.

3.1 INTRODUÇÃO

Um instituto que muito se desenvolveu e que ainda há necessidade de prosperar

é o da responsabilidade civil. Em tempos primórdios, a responsabilização pelos atos

praticados firmou-se com a Lei de Talião, prevendo penas para a atos danosos a

terceiros e estabelecendo uma adequação entre o dano sofrido e a vingança. A partir daí,

o instituto veio evoluindo lentamente sendo que somente em época recente direcionou a

incidência da responsabilidade do causador do dano ao seu patrimônio unicamente, e

não mais em sua pessoa.

No Brasil, somente com o advento da Constituição da República Federativa de

05.10.1988 ficou patente o direito à indenização por dano moral. Mesmo assim, foi alvo

de infindáveis discussões a existência autônoma do dano moral e a possibilidade de sua

reparação sem a cumulação com o dano material. A lei 10.406, de 10.01.2002 ( Código

Civil), veio espancar as dúvidas sobre a independência do dano moral em face do dano

material, afirmando que é passível de indenização daquele dano exclusivamente.

Porém, a evolução do instituto estacionou num ponto perigoso em que se

observam vários pontos inconsistentes e várias questões mal debatidas. Admitem, por

exemplo, em certos casos a pena civil e outros não, sem fundamentação sobre a causa

da diferenciação. O que se tem de concreto e pacífico na matéria é que se existe o dano,

este dever ser indenizado. No entanto, há necessidade da precisa delimitação da

responsabilidade civil, porque é vital de importância para qualquer sociedade, pois

nunca deixaram de acontecer atos lesivos a outrem.

O tema a ser abordado é a indenização punitiva, seu cabimento, legalidade e

relação com o ordenamento jurídico. Numa análise perfunctória conclui-se que a

expressão “ indenização punitiva” é desconexa, pois se indenização etimologicamente é

deixar sem dano, não se coadunaria com punição, já que esta teria a primeira vista um

caráter de castigo. São palavras com acepções jurídicas distintas. Na verdade, o direito

pátrio não previa tal instituto, havendo uma importação do similar norte-americano

(punitive damages), por isso da imprecisão terminológica.

Page 31: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

31

A indenização punitiva difere da convencional quanto ao seu objetivo e em

conseqüência, o quantum debeatur. Essa acepção do instituto proporciona ao julgador

uma possível aplicação de pena ao causador do dano, punição esta que é mensurada

diante dos fatos expostos no pedido reparatório. Essa pena terá caráter inibitório e

pedagógico; ela será um plus ao montante indenizatório. Os punitive damages são de

grande importância pois funciona como coerção às pessoas que desafiam a lei, e

zombam da ordem legal por possuírem recursos para sempre arcar com uma simples

reparação civil de danos. A indenização punitiva atinge também àqueles entes que

lucram com a repetição de atos abusivos e ilícitos.

Atualmente, o empecilho para aplicação da indenização punitiva reside no temor

da doutrina e jurisprudência adotarem abertamente os punitive damages. Como meio de

mitigarem a aplicação da sanção no seio indenizatório, a doutrina quase unânime admite

a punição quando houver dano moral. Ou seja, a doutrina e a jurisprudência concordam

em grande parte que deve haver uma indenização punitiva para certos casos, porém para

não o adotarem inteiramente, receosos quanto ao seus efeitos, limitaram-no ao dano

moral. A jurisprudência aproveitando-se da imensurabilidade deste tipo de lesão embute

na indenização uma punição.

Assim, verifica-se a possibilidade de aplicação plena e global da indenização

punitiva, ou seja, aplicação quanto aos danos material e moral, mesmo isoladamente. É

de haver, em conseqüência, uma coerência na interpretação do instituto,

fundamentando-o jurídica e socialmente. É de se expor a grande valia deste instrumento

indenizatório, como meio de corrigir pequenas distorções do sistema capitalista que se

insere a cada dia na sociedade. Afirma-se, desde logo, que não é proposto um novo

sistema de reparação de danos, mas uma sistematização em sua aplicação.

3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.2.1 – Responsabilidade civil e obrigação

A reparação civil está intimamente ligada à obrigação, podendo se dizer que

aquela é espécie desta. Porém, deve se analisar alguns aspectos desta modalidade

obrigacional.

Depreende-se que a reparação civil é uma obrigação pela própria definição desta

no Direito Romano. Assim era conceituada a obligatio: “ Obligatio est iuris uinculum,

Page 32: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

32

quo necessitate astrigimur alicuius soluendae rei secundum nostrae ciuitatis iura (A

obrigação é um vinculo jurídico pelo qual estamos obrigados a pagar alguma coisa

segundo o direito de nossa cidade)”.23

Em outro fragmento que é atribuído a Paulo que se encontra no Digesto XLIV a

obligatio é analisada tendo em vista seu objeto: “ A essência da obrigação não consiste

em nos tornar proprietários ou nos fazer adquirir uma servidão, mas obrigar alguém a

nos dar, fazer ou prestar alguma coisa.”24

Na primeira definição, atribuída ao jurisconsulto Florentino, percebe-se

claramente que se elege o vínculo o elemento essencial da obligatio. A própria palavra

obrigação em sua origem etimológica envolve a idéia de laço, liame, nexo. É uma idéia

de ligação, enlaçamento. José Cretella combina as duas definições romanas e conceitua:

“ Obrigação é o vínculo que liga duas pessoas de tal maneira que uma deve dar, fazer ou

prestar algo à outra segundo o direito do País, em que ambos vivem.”25 É de se notar

que esta noção da obligatio já está imbuída de seu aspecto jurídico, sendo então uma

obrigação jurídica.

A importância de delimitar-se o campo obrigacional é para visualizar a

responsabilidade. A obrigação é um dever jurídico originário, nasce com a criação do

vínculo; a responsabilidade, por sua vez, é um dever jurídico sucessivo que se emerge

na violação da obrigação. Em conseqüência do não cumprimento da obrigação jurídica é

que se efetiva a responsabilização. Inserindo a idéia da diferenciação para a seara

indenizadora, tem-se que a conduta oposta a direito vigente, ou a violação de um dever

jurídico configurando ato ilícito e considerando que tal conduta foi causadora de dano,

faz nascer novo dever jurídico que é o de reparar o dano. Ou seja, haveria um dever

jurídico originário surgido no momento em que foi criada a obrigação, e outro dever

conseqüente da violação do primeiro. Não é imprescindível que seja uma obrigação

contraída pelas partes, mas uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico. É

elucidativo o exemplo do dever jurídico que todos possuem de respeitar a honra de

outrem; seria, no caso, dever primário. Quando tal dever é inobservado, gera um dever

secundário que é a indenização.26

3.2.2 Responsabilidade civil e indenização23 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. V.2, p. 3.24 Op cit25 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 237.26 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil: da Responsabilidade Civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 49.

Page 33: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

33

A palavra responsabilidade tem sua origem no verbo latino respondere,

significando a obrigação que alguém assume em virtude de efeitos de sua conduta. É um

dever jurídico sucesso, associado a uma obrigação derivada.27 Destarte, como firmado

anteriormente, a responsabilidade será vinculada a um fato que lhe deu origem, sendo

sempre conseqüência e não causa. Como bem aponta JOSÉ DE AGUIAR DIAS, não se

pode simplesmente dizer que “ responsabilidade é a obrigação cabente ao responsável”,

pois, além de não ser esclarecedor é redundante. Por isso invoca a solução data por

Marton apontando a responsabilidade como “ a situação de quem, tendo violado uma

norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa

violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação

do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas”.28

A indenização que, etimologicamente significa reparar ou sanar o dano, está

intrinsecamente ligada à responsabilidade civil, de modo que para se configurar a

indenização deve primeiro passar pelo plano da responsabilidade do agente.

A responsabilidade civil como espécie obrigacional secundária deriva da

imputabilidade mais capacidade, e, segundo parte da doutrina, só se funda na culpa do

agente. O dever de reparar o dano seria as obrigações de indenizar e adviria das

condutas não somente fundadas na culpa. Segundo JOSÉ DE AGUIAR DIAS, a

diferenciação nada explica e o mais racional seria aceitar a responsabilidade civil a

abarcar todo o tema da reparação civil.29 Por isso alguns juristas usam a

responsabilidade como sinônimo de reparação, como bem se observa da definição de

GALVÃO TELLES: “ A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os

danos sofridos por alguém. Trata-se de indenizar os prejuízos ou danos, reconstituindo a

situação que existiria se não tivesse verificado o evento causado destes.”30

3.2.3 Histórico do Instituto

27 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. V. 3, p. 2.28 G. MARTON, apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 1, p. 3.29 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...cit. p.230 Galvão Telles apud DIREITO, Carlos Alberto Meneses et. alii. Comentários ao Novo Código Civil... cit. p. 47.

Page 34: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

34

Uma análise da evolução do instituto tendo em vista que o fim visado é o

restabelecimento do equilíbrio desfeito pela ocasião do fato danoso. As correntes

mudanças verificadas na matéria atribuem-se ao dinamismo das relações humanas.

Infere-se também que o legalismo exacerbado neste e outros ramos do direito traria

grandes injustiças, por isso dotou a reparação civil de grande flexibilidade.

Antes da análise histórica da responsabilidade, convém registrar a construção de

Hironoka sobre um dos aspectos que impulsionaram a evolução do instituto da

reparação civil: “ O direito de se ressarcir do prejuízo que lhe foi causado é,

efetivamente, um dos direitos imanentes ao homem e não há como negá-los, por mais

vigorosos que sejam os freios tendentes a afastar concepções jusnaturalistas a respeito

do fenômeno jurídico. Assim, já nascemos com a idéia de propriedade, e uma das

primeiras balbuciamos é o pronome meu, sempre dito com uma conotação enfática,

demonstrando desgosto ou animosidade quando surge a situação de perda ou prejuízo.

Esta necessidade proteger ou de recuperar aquilo que se encontra na nossa esfera

patrimonial, ou ao menos de compensar o reflexo desta perda ou desgaste na

circunstância jurídica de cada um de nós, tudo isto é absolutamente jungido à condição

humana, pois o homem atavicamente não admite ser lesado, espoliado, agredido,

ofendido. Essencialmente, mais do que naturalmente até, este sentimento de rejeição ao

desconforto, ao prejuízo, à perda, à ofensa, está vinculada à condição humana. Com

isto, o homem não se conformou jamais, nem mesmo as regras atenuadoras do

cristianismo puderam expurgar de vez, tal revolta. Quantas vezes nós esquecemos de

oferecer a outra face”.31

3.2.4 Idade Antiga

Primitivamente a reparação civil se dava na ordem privada sem interferência

supra-individual. Eram as vinganças tribais ou de grupos. Segundo famosa teoria de

LOCKE, foi a consolidação da propriedade a causadora dos conflitos sociais, fazendo

com que os homens exercessem justiça com as próprias mãos, configurando a vingança

privada. Nesta época reparava-se o mal pelo mal e quem imputava a responsabilidade ao

outro era a própria vítima. Em conseqüência imperava a lei do mais forte.

31 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito Civil: Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 281.

Page 35: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

35

Com a Lei de Talião, regulamentou-se a vingança privado, e apesar de parecer

bárbara numa análise sumária, resultou num grande avanço para o direito antigo, pois se

introduziu a proporcionalidade do castigo imposto ao autor do delito. Com o passar do

tempo, a regra do olho por olho de Talião foi se demonstrando inconveniente, pois ao

invés de um lesado, seriam dois, ou seja, havia a duplicação do dano e quem perdia era

a sociedade. Por isso avançou para a composição voluntária e posteriormente para a

compulsória, configurando assim, a fase do ouro, substituindo o sangue. Assim, em vez

de irrogar ao autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra, por força

de uma solução transacional, a vítima receberia, a seu critério e a título de poena uma

importância em dinheiro ou outros bens. 32

Foi o fortalecimento do Estado Romano que trouxe a obrigatoriedade da

composição e por causa dele o Poder Público avocou para si a faculdade de reprimir os

conflitos e a ele cabia fixar os valores indenizatórios.33Também nesta fase que se iniciou

a distinção entre delitos públicos e privados; para tanto os jurisconsultos romanos

delimitaram os delitos privados como “ a ofensa feita à pessoa (assim, as lesões

corporais) ou aos bens do indivíduo. Quando isso ocorre, o Estado não toma a iniciativa

de punir o ofensor, mas assegura à vítima o direito de intentar contra este uma actio

para obter a sua condenação de determinada quantia como pena (poena priuata ). No

direito clássico, essa puena priuata tem o mesmo caráter punitiva que a pena pública.”34

Apesar da diferença do sistema moderno, foi neste momento que se deu o germe

para a dicotomia público privado no sistema romano germânico. A partir desse

momento é que se começou a se diferenciar os atos ilícitos civis dos criminais. É cediço

que no sistema romano, notadamente, a partir de Justiniano, as fontes de obrigações

foram distinguidas, adotando-se uma classificação quaternária, decorrendo as

obrigações dos contratos, quase-contratos, delitos, quase-delitos,35 sendo que somente as

obrigações delituais são objeto do estudo em voga.

Com a Lei Aquília, se introduziu no direito a responsabilização em moldes mais

racionais; ela serviu como um princípio geral regulador da reparação do dano. Tratava

nos seus três capítulos, de basicamente: morte de escravos e animais; quitação por parte

do credor acessório (mandatário) com prejuízo do credor estipulante (mandante) e;

damum injuria dantum, que comprendia as lesões a escravos e destruição ou

32 GAGLIANO, Pablo Stolze. et alii. Novo Curso de Direito Civil...cit., p. 11.33 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano...cit., p. 239.34 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano...cit., p. 223.35 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano...cit., p. 224.

Page 36: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

36

deteriorização de coisas corpóreas. José de Aguiar Dias salienta que coube a

jurisprudência da época ampliar as hipóteses de indenização afim de incluísse também o

homem livre. Também foi o exercício jurisprudencial que abrandou as condições para a

tutela jurisdicional favorecendo o prejudicado. A maior inovação da Lex Aquilia de

damno foi o damnum injuria datum, pois o evento danoso não regulamentado era o

prejuízo causado a coisa alheia que empobrecia a vítima sem enriquecer o autor. Foi

neste momento que se estabeleceram bases sólidas para a apuração da responsabilidade

extracontratual.36

3.2.5 Idade Média e Moderna

Após o período romano coube aos doutrinadores medievais a dicotomização

entre a responsabilidade civil e a penal e aos glosadores o avanço na teoria da culpa,

quando previram a graduação da culpa na responsabilização. Mas, mesmo após a

evolução ocorrida com o direito romano, a vingança privada e a responsabilidade

coletiva ( e não individual pelos danos) continuavam a ser dominante, permanecendo

fortemente até os séculos XII e XIII, desaparecendo, então lentamente. Somente por

volta do século XIII, sob influência de idéias de liberdade individual, é que houve uma

melhor definição da responsabilidade puramente civil desvinculada do domínio penal.

Nesta época se desenvolveu a responsabilidade desarraigada de crimes ou delitos.37

Com o advento com a Idade Moderna, houve uma tendência de situar os danos

de modo que todos pudessem ser indenizados. Extrapolou a idéia que era necessária a

culpa para que fosse possível a indenização. No direito francês evoluído, a reparação

independia da gravidade da culpa do responsável. Mudou-se o foco da culpa para o

dano: este era o elemento essencial para que houvesse a reparação, abrindo margem

então, para uma objetivação da responsabilidade.

A Revolução Industrial com seus freqüentes acidentes de trabalho provou que a

culpa no sentido anteriormente empregado, era ostensivamente prejudicial à sociedade e

não cobria todos os casos de responsabilidade, fato que gerava uma situação flagrante

de injustiça. Foram se desenvolvendo teorias que preenchiam lacunas deixadas pela

teoria da culpa, que por excelência é uma concepção subjetiva da responsabilidade, em

muitos sistemas deu-se no sentido de objetivá-la, pois segundo Alvindo Lima “ dentro

36 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil... cit., p. 19.37 GILISSEM, John. Introdução histórica ao direito. Trad. Antonio Manuel Hespanha e Manuel Luís Mascarenhas Malheiros. 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p.751.

Page 37: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

37

do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem

número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se

tornava para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do

elemento moral, da pesquisa psicológica do ânimo do agente, ou da possibilidade da

previsão ou diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado

devidamente, isto é sobre o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior,

subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão

somente os reparação de perdas”.38

Não obstante a tendência da objetivação ser uma constante no direito moderno e

possuir grandes defensores, haveria casos que levaria a situações absurdas, pois como o

parâmetro na responsabilidade é a extensão do dano, chegaria a situações que uma culpa

levíssima fosse capaz gerar um dano elevado. Tendo em vista essas questões, o Código

Civil Brasileiro, de 2002, preferiu critérios de justiça, ponderando o dano e a culpa.

Dispôs o parágrafo único do art. 944 do CC: “ Se houver excessiva desproporção entre a

gravidade da culpa e o dano, poderá o Juiz reduzir equitativamente a indenização.”

3.2.6 Funções da Responsabilidade Civil

Em interessante trabalho, o autor argentino Edgardo López Herrera, elenca as

funções que teria a responsabilidade civil dentro de um contexto jurídico-social. Em

primeiro lugar, teria a função demarcatória, servindo de parâmetro para as condutas de

acordo e as dissonantes com o ordenamento, pois a responsabilização nunca estará

inteiramente tipificada, restando sempre situações duvidosas. Há a função

compensatória, que estaria situada no plano individual, que se entende ser o mais

importante atributo da responsabilização, tendo a finalidade de repor as coisas ao estado

anterior. Elenca ainda a função distributiva que ocorreria em momento anterior ao dano.

Seria nos casos em que os entes que respondem pelos danos, fizerem seguros para

responderem eventuais pleitos indenizatórios. A indenização ficaria, dessa maneira,

distribuída para a sociedade.39

38 Alvino Lima apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...cit., p.50.

39 HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil. Revista Jurídica, n. 34. Universidad Nacional de Tucumán, Faculdad de Derecho e Ciencias Sociales, out. 2004, p. 22. Disponível em http://www.derecho.unt.edu.ar/publicaciones/Introdresponsabilidadcivil.pdf.Acesso em:23.01.2007.

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38

Existe a função preventiva que se perfaz na inibição da ocorrência de novos

danos. Atua antes da consumação do dano. Seria um sentimento coletivo para a

prevenção. Assemelhada a esta função, seria a de admoestação que consistiria em

repreensão da conduta do ofensor. E, completando o rol de funções, o autor invoca

ainda o emprego sancionatório da indenização, que além de prevenir o dano, serviria a

indenização para sancionar o ofensor.40

Deduz-se da classificação do autor que as funções podem ser dadas

cumulativamente, mas dificilmente irá conseguir que na responsabilização se somem

todas as funções acima elencadas. No que tange ao caráter distributivo dado à

indenização, consideramos não ser esta uma função, mais ser uma tendência moderna

no mercado da responsabilidade civil, em que o dano ( pelo menos em tese ) pode ser

eficientemente reparado. No Brasil, essa função nos casos, por exemplo, do auxílio-

acidente pago para o empregado acidentado que é custeado pela sociedade.

Quanto às outras funções, poder-se-ia admitir todas, com exceção do emprego

sancionatório, em que se assemelha com o direito penal, e com ressalvas ao conteúdo de

admoestação, pois da mesma forma da função sancionatória, não poderia a

responsabilização civil ter natureza penal. As demais seria até saudável que os

julgadores observassem.

CAPÍTULO IV

4 OS PUNITIVE DAMAGES

4.1 HISTÓRICO

Os punitive damages são um instituto de origem britânica e teria a sua origem

com a introdução nesse ordenamento da indenização por meio de múltiplos do dano. O

autor do dano era castigado pela imposição da reparação em um múltiplo do valor do

dano sofrido pela vítima. A primeira previsão no direito anglo-saxão foi o Statute of

Councester, na Inglaterra, em 1278. O instituto se aperfeiçoou no século XIII quando se

criou a doutrina do exemplary damages, e era aplicado em casos de danos

extrapatrimoniais. Em 1763, a justiça inglesa fazia uso dos punitive damages nos termos

40 Op. cit

Page 39: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

39

atuais. O caso era de um ilícito de invasão de terras e danos à propriedade promovidos

intencionalmente.41 Em razão dos danos ocasionados e o dolo que se dirigia em

prejudicar terceiros resolveu-se então em punir mais severamente os autores desses

danos.

O instituto punitivo foi trazido para a colônia americana, onde difundiu com

rapidez. Por volta de 1960 quase todos os estados norte-americanos já aceitavam os

punitive damages, utilizados principalmente contra grandes fabricantes e indústrias.

Configurava-se desse modo a responsabilidade pelo produto.

Hodiernamente os punitive damages são aceitos pela jurisprudência

estadunidense, mas existem movimentos de associações especialmente para reformular

o instituto (Atra-American Tort Reform Association)42 que defendem a reforma do

instituto para que se evitem decisões absurdas. Algumas reivindicações são comuns e

bastante coerentes como a limitação de uma só condenação punitiva por fato; já que o

instituto muito se assemelha com uma sanção criminal, não haveria motivo de admitir o

bis in idem. Outro ponto que defendem é somente a punição de condutas altamente

reprováveis ou com manifesto dano intencional.

Segundo Edgardo López Herrera, os punitive damages têm aceitação pacífica no

“ Quebec, Austrália, Nova Zelândia, Irlanda del Norte, Escócia y Estados Unidos”.43

4.2 CONCEITO

O instituto é de fácil conceituação, pois muito se aproxima da indenização

brasileira, diferenciando desta no que percute ao seu objetivo inibitório-pedagógico.

Em todas as definições há uma similitude: a existência do escopo preventivo,

tendo em vista a dissuasão de novas práticas delituosas.

A doutrina brasileira, da mesma forma definiu o instituto anglo-saxão que é

aplicado timidamente no Brasil dizendo que “ consistem na soma em dinheiro conferida

ao autor de uma ação indenizatória em valor expressivamente superior ao necessário à

composição do dano, tendo em vista a dupla finalidade de punição (punishment) e

prevenção pela exemplaridade da punição ( deterrence) opondo-se – nesse aspecto

funcional – aos compensatory damages, que consistem no montante da indenização

41 MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages) e o direito brasileiro. Revista CEJ, v. 28. Brasília, jan.-mar. 2005, p. 15-35, esp. p. 18.42 Disponível em : <http//w.w.w.atra.org./show/7343>. Acesso em: 25.01.2007.43 HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil... cit., p.36.

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40

compatível ou equivalente ao dano causado, atribuído com o objetivo de ressarcir o

dano causado”.44

4.3 NATUREZA JURÍDICA.

O instituto dos punitive damages possui natureza jurídica incerta, sendo que

a doutrina brasileira tende a considerá-lo como pena. A indenização punitiva seria

um plus ao montante ìndenizatório, não tendo natureza indenizatória, mas algo

diverso. A jurisprudência estadunidense considera os danos punitivos como sendo

incidental, de natureza acessória. Em vista dessa acessoriedade, os punitive damages

só existiriam se houvesse algum dano real.45

Mais coerente é a posição esposada pelo citado jurista argentino admitindo a

indenização punitiva como pena privada. Segue Suzanne Carval, Paolo Gallo, Milan

Giuffrè, Francesco Busnelli, Salvatore Patti, Turin Giappichellí, Miquel Martin

Casals, que consideram que "los danos punitivos participan de la natu raleza de una

pena privada accesoria y excepcional que se impone al demandado a título

preventivo y como sanción o satisfacción al ofendido en virtud de haber incurrido en

conductas consideradas sumamente desvalíosas".46

4.4 DESENVOLVIMENTO NORTE-AMERICANO

A grande vicissitude do instituto é a alteração no foco para direcionar a

indenização. Há um desvio na análise para se apurar o quantum debeatur, pois

enquanto se observa normalmente o dano e suas consequências, a indenização

punitiva erige como um dos pontos fundamentais a conduta do causador do dano.

A indenização sancionatória não constitui regra geral, mas exceção,

devendo sempre ser analisada as circunstâncias fáticas. Nos Estados Unidos,

trava-se a discussão se o lesado teria direito subjetivo de receber os danos

punitivos, que geralmente ficam ao alvedrio do júri, quando a lei não dispõe em

contrário. Em alguns Estados, entretanto, se houver alegações e provas suficientes os

punitive damages são considerados direitos subjetivos sendo dever do júri concedê-

44 MARTINS-COSTA, Judith et alli. Usos e abusos da função punitiva...cit. p, 16.45 HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil...cit., p.37.46 Idem, ibidem.

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41

los.47. Tais interpretações prejudicam a aplicabilidade do instituto e o desviam de sua

atividade primordial.

Outro ponto interessanto dos punitive damages no direito norte-americano

reside na impossibilidade da aplicação em danos oriundos de inexecução contratual

independente do motivo, admitindo-se somente em responsabilidade extracontratual

(law of torts), ou responsabilidade aquiliana. Judith Martins-Costa sintetiza essas

peculiaridades afirmando que "os punitive dumages só podem ser concedidos na relação

extracontratual quando provadas circunstâncias subjetivas que se asemelham a categoria

continental do dolo quais sejam: malice, wantonness, willfulness, oppression, fraud,

entre outras. A mera negligencia, na ausência das circunstâncias agravantes, não é razão

suficiente para a condenaçãode punitives damages, porém, a gross negligence

(negligência grave), em alguns Estados, os enseja”.48

Não obstante alguns autores considerarem como expressões sinônimas,é oportuno

ressaltar que a Suprema Corte dos Estados Unidos diferencia os punitiva damages do

compensatory damages, entendendo que o último é uma compensação concreta pela

perda do ofendido “ (compensatory damages are intented to redress a plaintiff’s

concrete loss), enquanto os punitive damages seriam uma forma de desencorajamento

( deterrence) ou mesmo uma retribuição pela conduta do ofensor.49 Teriam, portanto,

finalidades diversas, sendo que o último possui objetivos mais extenso e voltado para

coletividade.

4.4.1 Aplicação atual nos Estados Unidos

O emprego dos pun i t i va damages no direito estadunidense é

amplamente difundido. Pacificaram o entendimento que não há instrumento análogo

com tamanha eficácia como a indenização punitiva, arma que deve ser usada visando à

finalidade pública. A própria Corte Suprema já se manifestou sobre o tema dizendo

serem os punitives damages uma arma poderosa, porém, deve ser usado restritamente,

respaldado em interesses legítimos, e reconheceu que o instituto tem sido abusivamente,

desvirtudado de seus objetivos.50

47 MARTINS-COSTA, Judith et alii. Usos e abusos da função punitiva...cit., p.19.48 Op.cit49 United States of America. Supreme Court. State Farm Mutual Automobile Insurance Company v. Campbell et alii, n. 01-1289, 07.04.2003. Disponível em: www.supremecourtus.gov/opinions/02pdf/01-1289.pdf. Acesso em: 26.01.2007, p. 2.

Page 42: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

42

Nos Estados Unidos, o júri é o encarregado da fixação de valor da indenização punitiva.

Essa corte tradicionalmente possui grande respaldo social, sendo responsável para

decidir questões de alta importância. Mas acusados de comercialização e ideologização

de suas decisões, e com o fito de atenuar o que foi alcunhado de indústria de

indenizações milionárias, a Suprema Corte Americana procurou mitigar um pouco da

liberdade do júri, fixando parâmetros para as decisões envolvendo punitive damages.

Os punitive damages no ornamento jurídico norte-americano, são aplicados tanto

em danos patrimoniais como extrapatrimoniais. Ao contrário da doutrina brasileira, que

é relutante em expandir a indenização punitiva para danos essencialmente materiais, a

doutrina norte-americana, com acerto, aplica para qualquer tipo de dano, pois o

exemplary damages tem como escopo primordial inibir condutas análogas, e não

ressarcir o lesado.

Como o que se tem em vista é a repreensão da conduta e seus efeitos, sua

reprovabilidade no meio social, a Suprema Corte faz uma distinção do dano que causa

prejuízos puramente econômicos e do que traz outras repercussões, por exemplo, que

colocam em risco vida humanas.51 Consideram que condutas que lesem não

simplesmente o patrimônio, mas diretamente o ser humano, são mais reprováveis.

4.5 O CARÁTER PUNITIVO DO DANO MORAL NO DIREITO

BRASILEIRO

A doutrina e a jurisprudência majoritária brasileira atualmente reconhece o

caráter punitivo das indenizações que envolvem o dano moral. Como será expendido

posteriormente, não há qualquer fundamentação plausível para a adoção dos punitive

damages no dano extrapatrimonial e sua restrição no dano material. Não há diferença

ontológica entre dano material e moral que justifique essa distinção. E ainda, há que se

ressaltar que o foco não primordialmente o dano, e sim a conduta do agente, não

importando a qualidade lesão.

O saudoso mestre Caio Mário aponta a peculiaridade do dano moral não ser

restituível da mesma maneira que o dano material, por ser impossível a sua avaliação

pecuniária. Postula que “ a idéia de reparação, no plano patrimonial, tem valor de um

50 United States of America. Supreme Court. State Farm Mutual Automobile Insurance Company v. Campbell et alii, n. 01-1289, 07.04.2003. Disponível em: www.supremecourtus.gov/opinions/02pdf/01-1289.pdf. Acesso em: 26.01.2007, p. 2.51 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana... cit., p. 241.

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correspectivo, e liga-se a própria noção de patrimônio. Verificando que a conduta

antijurídica do agente provocou-lhe uma diminuição, a indenização traz o sentido de

restaurar, de restabelecer o equilíbrio, e de reintregar-lhe a cota corresponde ao

prejuízo. Para a fixação da reparação do dano moral, não será esta idéia-força. Não é

assente na noção de contrapartida, pois o prejuízo moral não é sucetível de avalição em

sentido estrito”.52

O Prof. Wilson Mello da Silva concluiu, com acentuada sabedoria que reparar o

dano moral não é necessariamente conceder à vítima uma indenização pecuniária, mas

buscar um meio de contrabalancear, de qualquer maneira, “que não pela via direta do

dinheiro, a sensação dolorosa infligida à vítima, ensejando-lhe uma sensação outra de

contentamento e euforia, neutralizadora da dor, da angústia e do trauma moral”.53 É um

raciocínio interessante e vai de encontro com o pensamento de Carnelutti, pois este

entende que o dano moral pode ser, de alguma maneira compensado, entretanto é

impossível ressarci-lo.

Caio Mário por sua vez, que defende a adoção do caráter punitivo à indenização

por dano moral,54 não se olvidando do viés compensatório para a reparação do dano

imaterial e oferta os critérios em que o julgador deve-se pautar para a fixação do

quantum debeatur. Aduz que “ há de preponderar um jogo duplo de noções: a) De um

lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica

alheia; não se de imiscuir na reparação uma expressão meramente simbólica, e, por esta

razão a sua condenação não pode deixar de considerar as condições econômicas e

sociais dele, bem como a gravidade da falta cometida, segundo um critério de aferição

subjetivo (...) b) De outro lado proporcionar a vítima a compensação pelo dano

suportado, pondo-lhe ofensor nas mãos uma soma que não é pretium doloris, porém

uma ensancha de reparação da afronta; mas reparar pode traduzir, num sentido mais

amplo, a substituição por um equivalente, e este, que a quantia em dinheiro proporciona,

representa pela possibilidade de obtenção de satisfações de toda a espécie”.55

Numa posição interessante, podemos colocar um dos autores ele maior renome

em matéria de responsabilidade civil, José de Aguiar Dias. Não obstante o brilhantisrno

ao expor sobre a possibilidade da existência de caráter punitivo em indeniza que é

52 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 20. ed. rev. e atual.. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 2, p. 342. 53 Wilson Melo da Silva apud CHAVES, Antonio. Responsabilidade Civil – atualização em matéria de responsabilidade por danos morais. Revista Jurídica, n. 231. Porto Alegre: Síntese, jan. 1997, p.11.54 Parte da doutrina entende que Caio Mário não adota os punitive damages...55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil...cit., p. 343.

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44

defendida por Starck Hugneney, adota uma pústura, ousamos dizer, politicamente

correta. Quiçá pelo patarnar elevado atingido pelo notável mestre, sinta-se seguro em

defender tal ponto de vista. Diverge da opinião de Caio Mário, mas não deixa de ser

consistente a sua argumentação quando afirma que “ para o sistema de responsabilidade

civil que esposamos, a prevenção e repressão do ato ilícito resulta da indenização em si,

sendo-lhe indiferente a gradação do montante da indenização. Mesmos os ricos sofrem

um corretivo moral enérgico, que conduz a prevenção e repressão do ato ilícito

praticado, quando lhe é imposta a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem”.56

Parte da doutrina colide com o postulado pela jurisprudência e doutrina

dominante. Não obstante a construção doutrinária ser lógica e bem fundamentada, é

fato, que defendem um ponto de vista que não atendem aos anseios da sociedade.

Recusam a associação de caráter punitivo a indenização e aduzem a argumentaçào de

que a fixação de pena é matéria sujeita ao direito criminal. A imposição de sanção sem

lei prevendo-a feriria o princípio da legalidade conforme sustenta Wilson Mello da

Silva. Defende o autor que “ para que haja pena, mister se torna em cada caso, um texto

legal expresso que a comine e um delito quc a justifique, ou seja, nulla poena sine lege.

Para que haja dano basta a simples infringência da ampla regra do neminem, laedere. O

delito, no ano, é apenas o fato gerador, a circunstância determinante dele. E o que no

Juízo Civil se busca ressarcir é apenas a consequência do delito, ou seja, o dano [...]

Mira-se, na responsabilidade civil a pessoa do ofendido e não do ofensor; a extensão do

prejuízo, para a graduação do quantum reparador, e não a culpa do autor”.57

4.5.1 Os problemas dos posicionamento doutrinários.

Como se pôde observar, a defesa e outra tese tem consistência no Direito.

Entretanto divergimos da última corrente apresentada no que tange à dicotomia pública-

privado, ou penal-civil eregida como ponto central da fundamentação para ilidir o

caráter sancionátoria da indenização. Como será visto a separação do que seja

responsabilidade civil do que seja responsabilidade penal não encontra embasamento

sólido no direito, de modo a afastar a punição do seio indenizatório. E, ainda é

importante salientar que proibir a sanção no instituto da responsabilidade civil é tirar do

direito um meio eficaz de inibir prática atentatórias contra a ordem social.

56 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9.ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v.2., p.735.57 Wilson Mello da Silva apud MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana...cit., p.260.

Page 45: Desenvolvimento Econômico - Mestrado - trabalho principal

45

Contra a corrente esposada por Caio Mário e parte majoritária da Doutrina e

Jurisprudência pesa o fato de sua incoerência. Falta coerência a tese quando admite

somente haver possibilidade de aplicar indenização com caráter punitivo em caso de

danos extrapatrimoniais. Conforme será exposto, o liame existente entre as espécies de

dano ( material e imaterial) é estreito, e não justifica, portanto, haver restrição quanto a

punição em danos patrimonias. Outro ponto essencial corrobora a posição deste trabalho

é o fato de que quando se aplica os punitive damages ou exemplary damages o que se

tem em foco primordialmente é a conduta do autor, sua reprovabilidade pela sociedade.

O dano passa a ser analisado no plano secundário para a fixação do quantum

indenizatório e as atenções se voltam para o autor do dano. É tanto verdade que

consideram até as condições econômicas e sociais do autor e a gravidade da falta

cometida segundo um critério subjetivo.

Ainda restringem os punitives damages somente aos danos extrapatrimoniais,

por ser esta evolução do instituto da responsabilidade civil ainda recente no direito

brasileiro. Verifica-se uma timidez da doutrina e jurisprudência na adoção sistemática

do exemplary damages. Por isso escolhem o caminho mais fácil, pois como somente o

dano extrapatrimonial é imensural, torna-se extremamente viável a aplicação de sanção

de natureza civil.

4.6 O DANO MORAL E O DANO MATERIAL

Um dos pontos que merece destaque neste trabalhro é o liame estreito exis -

tente (se é que verdadeiramente existe) entre o dano patrimonial e o extrapa -

trìmonial. No plano teórico, é possível distinguir onde se inicia o dano material e

finda o dano mural, mas quando se analisam casos concretos a tarefa é árdua. Muita

vezes, senão todas, ocorrerá reflexo entre um e outro dano.

Alguns juristas vislumbrando o problema do dano moral e a sua existência em

larga escala, preferem excluí-lo, a fim de evitar complicações, como ressalta Araken

de Assis: "Recentemente, a 6a. Câmara Cível do TJRS, pela palavra do eminente

Desembargador Décio António Erpen, assentou o seguinte: ‘ o direito existe para

viabilizar a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral sempre que houver um

contratempo, vai culminar em trucá-la, mercê de urna criação artificiosa. Num

acidente de trânsito, haverá dano material, sempre seguido de moral. No atraso do

vôo, haverá a tarifa, mas o dano moral será maior. Nessa nave do dano moral em

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46

praticamente todas as relações humanas não pretendo embarcar. Varnos atingir os

namoros desfeitos, as separações, os atrasos no pagamento. Ou seja, a vida a serviço

dos profissionais do direito’.”58

A conceituação e a delimitação do que seja o dano moral goza de alta

abstratividade e varia quanto à intensidade de autor para autor. Há pontos, porém,

invariáveìs na doutrina moderna, como a ìndenizabilidade do dano e que este seja

um prejuízo que afeta o âlimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sílvio de

Salvo Venosa reconhece a dificuldade e tenta estabelecer critérios, sabendo que o

prejuízo suportado é imensurável e por este motivo as dificuldades se multiplicam

para o estabelecimento de uma justa recompensa pelo dano. E afìrrna que " não é

qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui,

também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater

familias”.59

Defensor da mesma postura é Sergio Cavalieri que diz que para a qualificação do dano

moral "curnpre ao juiz seguir a linha da lógica razoável, em busca da concepção ético-

jurídica dominante na sociedade".60 Entretanto, parte da doutrina vai em caminho

inverso da posição exposta supra, defendendo para quantificação dos danos morais a

investigação dentro de um aspecto subjetivo e não objetivo. Seria desconsiderar a

individualidade do ser humano se sustentássemos postura diversa. Mostra-se pertinente

Yussef Cahali entendendo que “ na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo

que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores

fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está

integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-

los exaustivamrnte, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela

ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, na

descrédito à reputação, na humilhão pública, no devassamento da privacidade; no

desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatimos emocionais, na depressão ou no

desgaste psicológico, nas situações de contrangimento moral”.61

É importante que se aduza sobre o estreito relacionamento entre dano moral e

material, que muitas das vezes, são indissociáveis, não se estabelecendo critério seguro

58 Décio Antonio Erpen apud ASSIS, Araken de. Indenização do dano moral. Revista jurídica, n. 236. Porto Alegre: Síntese, jun. 1997, p. 5.59 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3 ed. atual.. São Paulo: Atlas, 2003. v.4, p. 33.60 DIREITO, Carlos Alberto Menezes et alii. Comentários ao novo Código Civil ... cit., p. 102.61 CAHALI, Yossef Said. Dano moral…cit., p. 20.

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em relação a qual bem foi lesado: se a própria pessoa ou seu patrimônio. A dificuldade

foi revelado com a edição da Súmula 37 pelo Superior Tribunal deJustiça que prescreve:

“ São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo

fato”. É criticável, portanto, a prática da jurisprudência, escudada em farta doutrina, de

conceder indenizações com caráter punitivo somente em ações que se pleiteiam danos

morais. É feito um corte, uma dicotomia entre os dois tipos de danos de maneira

açodada, sendo que certamente onde entendem que há somente dano moral pode haver

em maior grau, dano material.

Somente com o fito de clarificar o que afirmado supra, lançaremos um

exemplo: imaginemos um caso de acidente automobilístico, no qual o lesado tem seu

carro amassado e no mesmo acidente bate a cabeça no vidro lateral, cortando-a. É fácil

concluir que houve dano material e imaterial, mas adentremos nos meandros da situação

exposta. A vítima ficou sem carro para poder trabalhar durante a semana, causando

transtornos; usou de transporte coletivo ( dano moral ou material ? ). Por causa da

pancada o lesado, que era profissional liberal, ficou sentindo dores durante toda a

semana e com isso caiu seu rendimento no trabalho causando prejuízos financeiros. O

causador da batida não recompõe os prejuízos espontaneamente, fazendo com que a

vítima intente ação na justiça; com isso já vão mais gastos (com advogado e custas

judiciais, por exemplo) e mais transtornos como comparecimento a audiências etc. .

Pode se verificar que no dano extrapatrimonial poderá ocorrer facilmente reflexos

patrimoniais e vice-versa.

4.6.1 A dificuldade da distinção

Saber qual o bem jurídico foi efetivamente atingido é o cerne da questão.

Entretanto, o problema maior surge quando se enfrenta a questão dentro de um

processo, como discutir qual o bem ainda será lesado durante a marcha procesaual,

ou depois dela, pois os efeitos de uma conduta podem se protrair no tempo. E a

rnedida que vai passando o tempo, podem se imiscuir ainda mais os danos materiais

e imateriais. Jose de Aguiar Dias, aduzindo observação Fìscher, já enxergava o

problema de quem intenta investigar o dano: ou se aguarda o fim do ciclo de

consequências provocadas pelo dano, ou procede desde logo a sua delimitação.53

Mais importante é a conclusão feita por Minozzi que diz “ que a distinção entre dano

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48

patrimonial e dano moral só diz respeito aos efeitos, não à origem do dano. Neste

aspecto, o dano é único e indivisível'.62

Seguindo a linha que o dano moral é todo dano que afete o elemento

psíquico da vítima, poderia dizer sem medo de errar que todo dano injusto suportado

pela vítima contém dano moral. Haverá sempre um dano moral por mínimo que seja.

Ora que ser humano quando lesado não tem seu estado anímico alterado ? Por isso,

alguns autores tendem a restringir a gama de incidência da extrapatrimonialidade do

dano como faz Sergio Cavalieri. Defende o autor que somente reputa-se corno dano

imaterial " a dor, vexame, sofrimento ou humiIhação que, fugindo a normalidade,

interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe

aflições, angústia e desequilíbrio em seu bern-estar".63 Mas essa anormalidade do

dano moral deve ser vista com cautela, pois a medida que se exige fuga da

normalidade, certamente ficarão inúmeras condutas danosas injustas ressalvadas de

indenizar o dano causado.

Devido à fraca consistência na quantificação do dano moral e sua separação

do dano material, é lançada uma indagação: Por que a jurisprudência e a doutrina só

admitem o caráter sancionatório no dano extrapatrimonial? Para a pergunta

infelizmente não é ofertada resposta, mas certamente a jurisprudência se aproveita

da falta de sistematização do dano moral para embutir aí uma punição ao causado do

dano, utilizando-o como se fosse uma válvula de escape. Os julgadores exergam

onde o dano moral é mais patente e penalizam o autor do dano. Não é analisada a

extensão do dano como preceitua o Código Civil, mas a conduta do autor.

A verdade é que a doutrina alberga os dois tipos de dano da mesma forma.

E sabe que na maioria dos casos, tanto o dano material como o imaterial serão

fatidicamente reduzidos a uma expressão monetária, não obstante terem natureza

diversas. A indenização de um e de outro terão a mesma finalidade; Se o que se pune

a conduta do ofensor não importa se o dano foi patrimonial ou extrapatrimonial. “ Se

materialmente a dor não se cobre, a par de leni-la, a soma despendida pelo

responsável, direto ou indireto da sua causa, serve de sanção à ilicitude do ato de

conduta do ofensor. Como proclama o Ministro José de Jesus Filho, no cenário Corte

Federal: ‘ se a dor não tem preço, a sua atenuação o tem ’ (RSTJ 45/194), sendo

62 Minozzi apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil ...cit., v.2, p.716.63 Sérgio Cavalieri apud SAMPAIO, Rogério Marroni de Castro. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p 102.

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certo que, por destinação autônoma, o prectium doloris não se confunde com o dano

material, conquanto, ambos são como almas gêmeas no acalentar o neminen

laedere”.64

4.7 TEORIA DO VALOR DO DESESTÍMULO

O alicerce que sustenta a aplicação dos punitive damages, no ordenamento

jurídico, não só o brasileiro, mas de todo o mundo é a chamada teoria do valor do

desestímulo. Consiste basicamente na sanção que é infligida ao autor do dano, de

modo que o desestimule a praticar condutas análogas. O valor do desestímulo é

essa inibição a novas práticas lesivas, é o chamado deterrence (impedimento,

desencorajamento) nos Estados Unidos.

A aplicação da teoria do valor do desestímulo é importante para que se

abstenha o lesante de novas práticas do gênero, servindo a condenação como aviso

à sociedade; com isso, ao mesmo tempo em que se sancionam os autores das

lesões, oferecem-se exemplos à sociedade, a mostrar-lhe que certos compor-

tamentos, porque contrários a ditames morais, recebem a repulsa do direito.

Destarte, é curial salientar que o valor do desestímulo pode ser o mesmo que a

reparação pura, ou seja, o simples ressarcimento ou compensação pelo dano traz

ínsito o valor do desestímulo a novas práticas lesivas.

A teoria do valor do desestímulo ganhou adeptos rapidamente, por sua grande

relevância social, pois é preventiva de litígios. Ela não se direciona a uma conduta

que só pode ser praticada uma única vez, mas que pode ser objeto de reiteração

pelo agente. Para a aplicação da teoria, a conduta não deve ser analisado em si

mesma, mas dentro de um contexto, não se perquirindo se a ação lesiva teve uma

culpa acentuada ou a intenção única de prejudicar outrem. Direciona-se o foco para

o fato de que certos atores sociais possam se sentir estimulados a lesionar direitos

alheios em benefício próprio. Por isso Rui Stocco ressalta que a teoria do valor do

desestímulo “não se identifica à perfeição com os padrões americanos dos punitive

damages”.65

64 CARDOSO, Hélio Apoliano. Quanto vale o dano moral. Juris Síntese, n.36. Porto Alegre: Síntese, jul-ago.2002.65 STOCCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 761.

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50

Com base do expendido acima, alguns juristas defendem que os punitive

damages não devem ser aplicados quando o que se tem em vista é punir a conduta

do autor sem o caráter primordial de inibir novas condutas, como se observa da

doutrina extraída do direito argentino: “ somos de la opinón de que la culpa –aun

agravada en relación com las circunstancias personales del dañador- no es factor

subjetivo bastante para dar cabida a la multa civil, debiendo limitarse en tal

supuesto la sanción (resarcitoria) a la reparación del daño causado”. 66

4.7.1 Tendências do direito brasileiro.

A doutrina brasileira que admite a indenização punitiva não é uníssona quanto às

hipótese em que se pode se aplica a sanção. Existe uma proposta de alteração, exposta

na Jornada de Direito Civil de 2002, no parágrafo único do art. 944, modificando-o para

o seguinte: “ se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,

poderá o juiz reduzir ou majorar, equitativamente a indenização.” 67 Infere-se da

redação prosposta que poderia o julgador aplicar uma pena afim de punir o agente. Essa

posição vai além da teoria do valor do desestímulo, não tendo por fim imediato inibir

condutas, mas sancionar o autor do ato lesivo tendo em vista a reprovabilidade da

conduta.

Outra corrente apóia o valor do desestímulo no montante indenizatório,

excluindo a sanção que não possui efeitos inibitórios. E uma postura mais cautelosa que

a anterior e condizente com o sistema romano-germânico. Por isso também é mais

aceita pelos juristas, sendo albergado pelo PL 6.960, de 12.06.2002, que entre outras

alterações ao Novo Código Civil prevê um § 2º ao supra citado art. 944 do NCC, nos

seguintes termos: “ § 2º. A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação

ao lesado e adequado desestímulo lesante”. A redação proposta faria o instituto da

indenização possuir além da função compensatória, também a preventiva.

Rui Stocco se posiciona na defesa da última tese e leciona que” a tendência

moderna é aplicação binômio punição e compensção, ou seja, a incidência a teoria do

valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da

66 SAUX, Edgardo Ignácio. La tutela inhibitoria y la multa civil...cit67 AGUIA JUNIOR, Ruy Rosado de (Org.). Jornada de direito civl. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2003, p. 273.

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51

compensação visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido.

[...] não se há de repudiar a teoria do valor do desestímulo enquanto critério, pois o

propósito de desestimular ou alertar o agente causador do mal com a objetiva imposição

de uma sanção pecuniária não significa a exigência de que componha um valor absurdo,

despropositado e superior às forças de quem paga; nem deve ultrapassar a própria

capacidade de ganhar da vítima e, principalmente, a sua necessidade ou carência

material, até porque, se nenhum prejuízo dessa ordem sofreu, o valor apenas irá

compensar a dor, o sofrimento, a angústia, etc. e não reparar a perda paupável, o

ressarcimento dito material.”68

Neste diapasão segue Carlos Alberto Bittar, defendendo que a indenização com

o valor do desestímulo deve ser aplicada balisando-se em dois critérios: a intensidade do

dano suportado pelo dano e o dolo e a situação econômica do agente, para isto “

recomenda-se, também, em atos ofensivos a aspectos morais, que a fixação do quantum

obedeça de critério de sancionamento rigoroso, como meio de desestímulo a novas

investidas como, por exemplo no âmbito de violações a aspectos da personalidade

humana em que o valor da indenização deve ser fixado em níveis que desestimulem a

repetição da prática.

Encontram-se julgados no Superior Tribunal de Justiça, ainda em decisões

monocráticas, em que a indenização se encabeça na teoria do desestímulo.

4.8 O DIREITO A SERVIÇO DA JUSTIÇA

4.8.1 Introdução

O direito não pode ser visto como uma ciência jurídica inerte, ou simplesmente

como um fim em si mesmo sob pena de perder sua eficácia pacificadora na sociedade.

Deve ter a mesma marcha evolutiva da sociedade; estagnar-se quando esta se

movimenta e abrir brechas para a injustiça.

Para uma acepção evolutiva do direito deve em primeiro lugar se desprender do

positivismo jurídico tradicional e adotar uma postura direcionada ao direito de um

sistema axiológico e como um meio de justiça. Destarte, é curial trazermos o raciocínio

de Miguel Reale que afirma que a “ lei somente é fonte se obedece ao devido processo

68 STOCO, Rui. Responsabilidade civil... cit. p. 761.

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52

de sua elaboração e se , além disso, o seu conteúdo tiver correspondência com a

conjuntura histórica, sua natureza e finalidade”. 69

O Novo Código Civil brasileiro, com forte influência da filosofia Realeana,

procurou livrar-se de normatizar modelos jurídicos e pautou-se, sempre que possível em

cláusulas abertas, opção feita de maneira escorreita, pois a criação de modelos jurídicos

prende o direito no passado e o distancia da realidade social. Miguel Reale sublinhava a

necessidade da condição “ apresentar-se metodologicamente, mediante modelos abertos,

expressos mediante uma estrutura normativa concreta”.70 Ressalva ainda a liberdade do

julgador para decisão de acordo com o primado da justiça, “ com freqüente apelo a

conceitos integradores da compreensão ética, tais como boa-fé, equidade, probidade,

finalidade social do direito, equivalência das prestações etc. ”.71

Parte da doutrina segue a mesma esteira no que percute o elemento axiológico

como substância indissociável para a formação do direito. Ademais, entendem que a

interpretação axiológica da norma representa uma superação histórica e cultural da

interpretação literal. Uma norma não pode ser encarada como uma unidade lógica

empiricamente, afirmação que corroborada por Bobbio quando defende inexistir norma

jurídica isolada, e Vilanova quando acrescenta também não existe “ fonte normativa

sem vinculação interna: tudo está dentro do ordenamento, e só é explicável em função

do todo que é o ordenamento jurídico”.72

4.9 A ADOÇÃO DOS PUNITIVE DAMAGES PELO DIREITO

BRASILEIRO.

4.9.1 Adequação.

Há de se adotar a corrente que defende a aplicação dos exemplary damages

no direito brasileiro. Salienta-se que a indenização punitiva deve ter sempre em

vista a teoria do valor do desestímulo, defendendo-se, portanto, que tal teoria é

condição sine qua non para a aplicação punitiva, relegando, assim, a corrente que

perquire o grau de reprovabilidade da culpa do autor como fixação do montante

69 Miguel Reale apud BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 33.70 Idem, ibidem, p. 36.71 Idem, ibidem, p. 37.72 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 63.

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ressarcitório, sendo o fim primordial da indenização nos casos em que se aplica o

instituto, o desestímulo a condutas análogas, além de reparar o dano, e não a

simples punição do agente.

4.9.2 Aplicações

Para evidenciar a relevantíssima importância dos punitive damages, traremos

alguns casos em que se revela como grande arma em favor da sociedade e como dizem

alguns, um modo da vítima ganhar dinheiro fácil.

O exemplo mais cristalino e elucidativo que se pode ofertar é extraído da saga

elaborado por John Grisham, titulada de O homem que fazia chover. É um caso fictício

narrado pelo autor, o processo Blach vs. Great Benefit. O caso é de uma seguradora de

nome Great Benefit que trabalha no ramo de seguro saúde ( planos de saúde ), que

depois de acionada pelo segurado Donny Ray Black, que padece de leucemia, nega-lhe

seu benefício. Como o segurado não possui para se tratar sem o plano de saúde, vem a

falecer. Quando o advogado pelo família Black investiga o caso, emerge uma verdade

sombria capaz de surpreender até os defensores mais ferozes do capitalismo. Donny

Ray teria a direito ao tratamento custeado pela Great Benefit, mas esta o negou movido

por interesses econômicos. A companhia tinha um estudo que constatava o seguinte: do

montante de pedidos dos segurados que chegava à empresa, devia-se negar um

determinado número, mesmo que os beneficiários fizessem jus ao benefício, pois

pequena parte dos segurados destes pedidos, que eram indevidamente negados, se

aventuravam a demandar uma ação judicial. A empresa fazia uma operação aritmética

simples e nefasta, calculava o montante que obteve negando o bnefício, ou seja, o valor

que arrecadava lesando o direito e deduzia o valor gasto nas ações que perdia na justiça.

Resultando assim, um saldo sempre amplamente positivo, o que gerava alta taxas de

lucros. Mas, para a satisfação do leitor do livro, a empresa é Great Benefit é condenada

a uma indenização milionária a ser paga para a família Black.73

O caso fictício relatado acima não é muito distante da realidade, que com uma

investigação apurada encontra-se semelhantes. Mais suscetível são áreas voltadas para a

relação de massa, como ocorre no direito do consumidor, as quais ficam mais abertas a

procedimentos maliciosos de certas empresas porque o dano é distribuído entre os

lesados e o dano individualmente é de pequena monta. A prática, então, se solidifica,

73 GRISHAM, John. O homem que fazia chover. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

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pois o cidadão em poucos reais não vai intentar uma ação judicial, e a empresa, sabendo

que lucra lesando direito alheio sem maiores problemas difunde esses atos lesivos. Não

olvidando estes problemas, parte da doutrina se preocupa com tais questões pautando os

punitive damages ou multa civil na necessidade de prevenir lesões à sociedade.

Ex positis, é essencial que haja uma indenização com o valor do desestímulo,

pois se a tutela inibitória não entra em cena, encoraja a reiteração de condutas que lesam

direitos alheios. Essa indenização deve retirar a aspiração de lucrar ilicitamente,

independentemente de o dano ser moral ou exclusivamente patrimonial.

A 1º Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu inexistir a figura de dano

moral coletivo ou difuso. É que o dano moral envolve, necessariamente dor, sentimento,

lesão psíquica, afetando ‘ a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida

privada, a honra e a imagem das pessoas’.74

4.9.3 A aplicação dos punitive damages.

A aplicação da indenização punitiva no Brasil ocorre atualmente de uma maneira

tão cheia de regras desconexas que é rebarbativo. A jurisprudência teve a cautela de

fazer uma massa amálgama composta de normas de institutos diversos que resulta numa

construção teratológica. Entende que o juiz, na fixação do quantum indenizatório,

observar-se-á o seguinte: deve fixar a indenização como fito de compensar o dano

suportado pela vítima, mas concomitantemente deve punir exemplarmente o ofensor de

modo que o iniba de praticar condutas análogas, e ainda por cima, o valor do montante

não pode fazer a vítima enriquecer. Uma elucubração cerebrina fantasmagórica, pois na

mesma equação deve conciliar o inconciliável. Resulta que uma regra anula a outra, até

que se chega ao nada.

Se a teoria é ruim, pior ainda é a aplicação em casos concretos. No caso em que

o autor da conduta tiver grande poder econômico e a vítima for pobre, a aplicação da

regra é impossível, pois qualquer ínfimo valor que o juiz arbitrar a título de punição,

estará arriscando de enriquecer a vítima. Aplicar-se-ia então a regra somente nos casos

em que a vítima for abastada, pois nesses casos poderia ser dada uma indenização com

caráter inibitório-pedagógico sem que enriquecesse a vítima. Data venia aos

elaboradores, mas tal sistemática é risível, pois em que lugar do mundo a elite é lesada

74 STJ, 1º T., REsp 598.281-MG, DJ 01.06.2006.

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corriqueiramente. A regra devia ter sido feita para atender às necessidades do povo, e

que caso ainda não saibam, este em sua maioria é pobre.

Os tribunais brasileiros afirmam em muito de seus julgados que acolhem a teoria

do valor do desestímulo, mas na verdade a aplicam de maneira artificiosa, pois reduzem

o montante indenizatório em vista da situação econômica da vítima. Retira, dessa

maneira, a eficácia do instituto, pois dificilmente haverá desencorajamento de condutas

análogas. Em decisão monocrática da Ministra Nancy Andrighi, se percebe o

entendimento dos tribunais estaduais inferiores que é corroborado pelo Superior

Tribunal de Justiça: “Instituição bancária que promove, indevidamente, o protesto de

dívidas já paga, deve responder pelo dano moral que seu ato causar levando-se em

consideração os critérios previstos pela teoria do valor do desestímulo, onde o que se

busca é que a indenização esteja informada de princípios que permitam estabelecer

perfeito equilíbrio para o encontro de um valor justo que sirva, a um só tempo, de

desestímulo ao ofensor, e de compensação ao ofendido, que não seja ínfima para quem

dá, nem excessiva para quem recebe; que não leve o primeiro à ruína, nem enriqueça

ilicitamente o segundo. ”75 Essa decisão é o retrato de como se tem tratado os punitive

damages fundados na teoria do valor do desestímulo no direito brasileiro. O valor

aplicado ao caso a título de sanção foi de R$ 10.000,00 (dez mil reais) contra um banco,

a quantia que certamente não inibirá uma instituição financeira de lesar consumidores.

Não é mister grandes dotes de inteligência para inferir que o sistema foi

construído de modo que permaneça o continuísmo. Foi elaborada tal regra tendo em

vista primordialmente os interesses da elite dominante de nosso país, que lesam

cotidianamente a população. Esse foi o marco decisivo para a diferença no sistema

indenizatório entre este país subdesenvolvido para o sistema norte-americano. Os

Estados Unidos, não obstante ingerência da elite capitalista nas ações do governo,

conseguiram desenvolver os punitive damages por mérito do patamar democrático em

que se encontram, onde os cidadãos tem seus direitos protegidos, e a lesão aos seus

direitos são prontamente refugados pelo direito.

4.10 CONCLUSÃO

75 STJ, AgIn 565.258-PB, DJ 31.03.2004.

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Devido ao expedido durante o trabalho, não há melhor alternativa senão

defender a admissibilidade da indenização com caráter punitivo em danos patrimoniais

e extrapatrimoniais. Não obstante a existência de farta jurisprudência no sentido de

aceitar a tese dos punitive damages, cuidamos em defender um modo sistemático e

coerente em sua aplicação, tendo sempre em vista a teoria do valor do desestímulo, pois

punir o autor do dano simplesmente baseado na reprovabilidade de sua conduta seria

perder o caráter inibitório ou preventivo, sendo este o fator primordial, norteando a

aplicação da sanção. A sanção, como visto, deve ser analisada dentro da ótica utilitária

(preventiva), sob pena de se transformar em sanção penal.

A distinção entre o dano moral e o dano material trazida pela doutrina mostra-se

ineficaz para excluir a indenização punitiva do âmbito do dano patrimonial. Aliás, nem

haveria motivo desta distinção para a aplicação da pena, porque como o foco se desvia

para a conduta e algumas peculiaridades do autor como o seu poder econômico

relegando para segundo plano o dano suportado pela vítima, não haveria fundamento

em excluir o dano material do âmbito da indenização punitiva.

O problema do enriquecimento da vítima não pode ter uma interpretação

açodada, sob pena de impossibilitar a aplicação do instituto. Este só funcionará

completamente se o lesado auferir algum benefício com a propositura da ação; nada

seria mais justo que fosse recompensado pelo seu esforço e pelo bem proporcionado à

sociedade. Para evidenciar o afirmado, imaginemos um caso em que uma empresa única

no ramo lesasse mensalmente seus clientes em R$ 0,50. Se não permitisse que a

indenização punitiva revertesse em favor do lesado, quem se habilitaria em intentar uma

ação para receber uma quantia irrisória? Certamente a situação perpetuaria

indefinidamente.

No caso de aplicação da indenização punitiva, escorreita é a solução de

recompensar o lesado que propôs a ação com o pagamento de quantia superior ao que

deveria receber a título de reparação de dano. O restante da quantia da indenização

punitiva deveria ir para algum fundo, associação, ou mesmo para o Poder Judiciário. O

que não se pode deixar acontecer é o ofensor continuar com o seu ganho lesando

direitos alheios. Deve-se neutralizar este lucro. Com isso, não transformaria a justiça

numa espécie de loteria, como afirma alguns (se é que um dia poderia se transformar) e

manteria o caráter inibitório da indenização.

A crítica mais consistente que se faz do caráter punitivo da indenização é com

certeza a violação do princípio nulla poena sine lege, porém, como foi visto supra, o

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direito não pode ficar inerte frente a problemas na sociedade. Não pode esta ficar ao

jugo e inerte à agentes maliciosos. Demais disso, os causadores de tais danos

comumente já estão cientes da possibilidade de repressão por parte do judiciário.

O direito, nunca é assaz enfatizar, deve ser uma arma em busca do equilíbrio

social. E, analisando por outro foco, a não aplicação dos punitive damages seria a

violação do neminem laedere social, pois as condutas que defendemos em punir são as

que lesam a sociedade e que não possuem outra alternativa viável senão a indenização

punitiva. Em última instância, em face da colisão entre nulla poena sine lege e neminem

laedere, poderíamos ainda aduzir o conspícuo John Rawls que afirma que os “princípios

explicados marcadamente diferentes se conciliam, quando os princípios da justiça são

perfeitamente implementados”.76

Destarte, a jurisprudência deve considerar a sanção para pautar o valor das

indenizações, pois a melhor interpretação do direito é a que se preocupa com uma

solução justa e socialmente útil.

CAPÍTULO V

5 O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

5.1 INTRODUÇÃO

76 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 572.